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Com pensar as teses de Judith Butler em termos de teoria e método na pesquisa história?

Sandro Marques dos Santos

A pesquisa que atualmente desenvolvo busca analisar a forma como no discurso


presidencial dos Estados Unidos durante a Guerra Fria é visível a existência de narrativas que
são construídas a partir de um conjunto convencionado de símbolos derivados de uma mitologia
mais ampla, uma metanarrativa, por assim dizer, que decidi nomear, dentre várias
possibilidades, de Mito do Destino Manifesto. Este mito opera nesses discursos como uma fonte
de metáforas interpretativas que explicam e significam problemas e desafios históricos de forma
que eles se tornem compreensíveis a um público norte-americano mais amplo, ao mesmo tempo
em que transformam determinadas contingências históricas, opções e posicionamentos políticos
em necessidade histórica, enfim, destino que se manifesta. Em vista disso, meu objetivo é aqui
tratar, dentro do espaço disponibilizado, a maneira como as teses de Judith Butler podem ser
pensadas em termos de teoria e metodologia dessa minha pesquisa em especifico.
Em Quadros de Guerra, a filosofa teoriza o que ela denomina como “enquadramento”,
as formas diversas como a experiência é seletivamente esculpida e como essas seleções
emolduradas estão politicamente saturadas, imbricadas em relações de poder e na
intencionalidade daqueles que as produzem; elas são, por isso, em si mesmas operações de
poder. Em nosso caso, os presidentes, através de seus discursos e de sua retórica, enquadram
determinadas cenários e acontecimentos dando-lhes uma forma determinada, essa é produzida
mediante ao uso de uma simbologia mítica convencionada no imaginário nacional dos Estados
Unidos. Nesse sentido, uma experiência histórica tal qual a Guerra Fria adquire um significado
maior, como parte de um destino e uma missão dados. Para além de sua realidade material, a
Guerra Fria existe e precisa existir através de um enquadramento, da moldura que lhe dá uma
configuração física. Como Butler afirma:

“Assim como a “matéria” dos corpos não pode aparecer sem uma
configuração que lhe dê forma e vida, tampouco a “matéria” da guerra pode
aparecer sem uma forma ou um enquadramento condicionador e facilitador.
” (Quadros de Guerra, p.51)

Assim, como a autora defende que não há possibilidade de uma separação entre a realidade
material da guerra dos regimes representacionais através dos quais ela opera e que a
racionalizam, das molduras que lhe dão forma, o mito (também pensando como um tipo de
enquadramento) molda a apreensão da realidade e mesmo, neste processo, fornece os termos
para respondê-la.
Podemos estender a análise pensando como em muitos momentos surgem crises que
não podem ser totalmente explicadas pela sabedoria contida no mito. Como Butler nos mostra,
as molduras nunca contêm tudo o que podemos apreender, há sempre algo que as ultrapassa. A
Guerra no Vietnã e a Segregação são os dois melhores exemplos para pensar essa problemática.
O enquadramento feito do conflito pelo discurso oficioso dos Estados Unidos entrou em choque
com a brutalidade que fotografias e relatos expunham, manchando a reputação nacional. Da
mesma forma, o enquadramento geral da Guerra Fria como um conflito em que os Estados
Unidos eram o bastião da liberdade entrava em dissonância com realidade da segregação racial.
A existência de uma parcela significativa dos cidadãos norte-americanos que não desfrutavam
plenamente de sua cidadania, assim como o Vietnã e sua brutalidade visceral, não se ajustam a
compreensão que essa narrativa visava estabelecer. Enquanto a extensão dos direitos civis à
parcela negra da população foi emoldurada como parte da própria missão nacional pelo
presidente John F. Kennedy, uma forma de dar cabo à contradição, o mesmo não pode ser dito
em relação ao Vietnã. Tanto seu desenrolar, quanto seu resultado dificultam um adequado
enquadramento dentro da narrativa mítica tal qual construído pelo discurso oficioso. As
molduras tentam dar forma à realidade e contê-la dentro dessa construção, porém há sempre
algo de fora dela, que torna o próprio sentido de dentro compressível. E, ao circularem, os
enquadramentos fogem ao contexto original e a própria capacidade de contenção dos seus
originais criadores, dando margem para que o que estava de fora contamine o que está dentro,
corroendo o quadro como então concebido. O Vietnã torne-se assim extremamente corrosivo a
toda pintura de messianismo norte-americano, se transforma em um daqueles eventos que não
podem ser esquecidos e nem adequadamente lembradas pela ambuiguidade de seu significado.
Ele não pode ser enquadrado apropriadamente dentro da narrativa mítica oficiosa, como a luta
contra a segregação pode, ele deve estar sempre de fora, mas também não pode ser esquecido,
daí seu efeito corrosivo e debilitante.
Em relação aos próprios enunciadores dos discursos, eles não falam no vazio e para o
vazio. Ao contrário, eles enunciam de um lugar, de um espaço que em si mesmo é suporte ao
discurso. Em Corpos em Aliança, Judith Butler discute justamente a forma como o espaço
compõe e faz parte da própria ação, ele permite ela, lhe dá suporte, ao mesmo tempo em que é
por ela significada, tal qual um tanque militar pode ser convertido em plataforma para discursos
revoltosos, ou um espaço de caráter privado reivindicado e reinventado pela multidão como
pulico. Ao contrário de Butler, contudo, meu interesse aqui não recaí na ação coletiva, mas na
individual. Minha pesquisa foca-se no discurso de pessoas especificas, que ocupam um espaço
distintivo em relação aos outros, a presidência. Mas ainda que seja tão distintivo, ele não ocorre
no vazio. Como Butler afirma: “A ação humana depende de todos os tipos de apoio – ela é
sempre uma ação apoiada” (Corpos em Aliança p.81). Seja a ação coletiva, alvo mais especifico
de sua preocupação na obra, quanto aquela que se centra em uma pessoa. A ação discursiva, o
ato de enunciar, por assim dizer, desses presidentes é inevitavelmente uma ação apoiada. Não
me refiro aos membros de sua vasta equipe que certamente exercem função central na própria
escrita desses discursos, mas no lugar físico, material a partir do qual eles falam. Ação política
requer o espaço de aparecimento, o lugar em que aparecemos para os outros e o espaço pode
influir muito no próprio sentindo do discurso e na maneira como ele será recepcionado. Em si
mesmo, a presidência é um lugar de enunciação, um lugar de aparecimento, a qual, pela força
que detém no imaginário nacional norte-americano, potencializa o discurso daquele ou daquela
que a ocupa. Nisso reside uma parte importante da razão da escolha em me centralizar em
discursos presidenciais. Mas também gostaria de chamar atenção para o que cerca o enunciador,
o espaço físico como suporte. Afinal, a criação da televisão permitiu que o som circulasse em
conjunto com a imagem, mesclando uma a outra. Um grande exemplo disso seria o discurso de
Ronald Reagan em Berlim em frente ao Muro que separava os seus habitantes. Pensar essa
enunciação sem o suporte visual é retirar um elemento que não apenas dá destaque a ela, mas
lhe dá suporte de sentindo. Pedir a queda de um muro face-a-face a ele é algo bem diferente de
pedi-lo do conforto do Salão Oval.
Por fim, gostaria de retornar à discussão anterior do enquadramento. O enquadramento
feito pelos presidentes é alvo de minha análise, mas essa em si mesma também é uma forma de
enquadramento. Existe seleção e performatividade no discurso historiográfico, o que produz
molduras, que também criam narrativas e sujeitos. É uma forma de enquadramento distinta da
que falamos anteriormente, ela possui suas próprias especificidades, mas ela também é uma
tentativa de dar forma a algo. Em certo sentindo, o que eu estaria fazendo é o que Butler se
refere como “enquadrar o enquadramento ou, na verdade, o enquadrador ”. Longe de ser uma
observação passiva do processo histórico, a prática historiográfica é uma práxis que ajuda na
formatação da própria realidade histórica. Mostrando o próprio artifício que possibilitou a
moldura que o enquadrador produziu e as relações de poder que a contem, eu me posiciono, eu
me engajo. É claro que um conservadorismo teórico pode considerar essa colocação como
absurda, visto que, desde já, eu declaro que possuo uma posição, mas essa existe
independentemente de eu declará-la ou não. Existe uma potencialidade poética e política na
disciplina que pode ser mobilizada em intervenções críticas e contundentes sobre nossos objetos
de estudo. Enquadrar a narrativa de messianismo dentro das relações de poder é demostrar que
a Guerra do Vietnã era uma possibilidade, dada por relações políticas de um determinado
momento histórico, não uma necessidade histórica, um destino inexorável. E é justamente a
recusa de enxergar estas relações, o jogo de forças que possibilitou essa guerra, que inviabiliza
que esse passado traumático seja adequadamente rememorado. Enquanto o messianismo existir
em prol de políticas imperialistas, não haverá possibilidade para que eventos como esse percam
o poder debilitante que possuem. Mostrar a contingência no que é definido como destino é algo
que a prática historiográfica pode oferecer. É uma forma de enquadrar a realidade histórica e
uma que exige um posicionamento, mas, se queremos ter relevância nesse mundo em que
vivemos, essa é uma necessidade a ser abraçada pela nossa disciplina.

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