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BREVE ANÁLISE SOBRE A SOBREPOSIÇÃO DE TERRITÓRIOS

QUILOMBOLAS POR UNIDADES DE CONSERVAÇÃO


AMBIENTAL

I. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa investe-se no papel de analisar alguns aspectos da lei que institui o
regulamento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, e sob sua
implementação protecionista, os possíveis conflitos e impactos em comunidades
tradicionais quilombolas e sua forma cultural de vida. Um dos principais conflitos é a
chamada sobreposição de territórios quilombolas por unidades de conservação ambiental
na modalidade intitulada de proteção integral.
Tendo em vista a complexidade das possíveis situações de sobreposição e todos
os fatores sociais, territoriais, culturais, econômicos e existenciais que contornam esse
debate, o estudo se restringirá a uma breve e introdutória análise do panorama jurídico e
do debate entre meio ambiente e cultura, para além das lutas específicas e cotidianas por
reconhecimento.
A lógica inicial do discurso ambientalista é eminentemente economicista: “sendo
finitos os recursos do planeta, temos de economizá-los” (ACSELRAD, 20041). Muito
embora, a análise que leve em conta a significação existente nas relações sociais entre a
sociedade e os processos ecológicos, enquanto construção do próprio significado social e
existencial de um determinado grupo de pessoas, requer um exame condizente com a
realidade social.
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de
matéria e energia pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades
indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de
hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não
traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos etc.
Por outro lado, todos os objetos do ambiente, todas as práticas sociais desenvolvidas nos
territórios e todos os usos e sentidos atribuídos ao meio, interagem e conectam-se
materialmente e socialmente seja através das águas, do solo ou da atmosfera
(ACSELRAD, 2004).
A proteção ambiental deve caminhar junto com a cultural, especialmente a
cultura de quem depende da natureza para sobreviver e conservar suas tradições. Como
irá se verificar, a lógica eminentemente preservacionista2 não condiz com a realidade
socioambiental das comunidades tradicionais brasileiras.

II. AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO BRASILEIRAS

A atual Lei das Unidades de Conservação (o Sistema Nacional de Unidades de


Conservação - SNUC, lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000), tem como fim, regulamentar
os art. 225, § Io, incisos I, II, III e VII da Constituição da República Federativa do Brasil
- CRFB/88, e conceitua em seu artigo 2o, inciso I, a unidade de conservação como:

1 Versão digital sem numeração de páginas.

2 As posições teóricas preservacionistas e conservacionistas no Brasil fundem-se “em uma visão única sobre
o que a proteção à natureza deveria representar”; ver FRANCO; DRUMMOND, 2012:343-346.

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espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com
características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao
qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
A Lei do SNUC divide as Unidades de Conservação em dois grupos: (a)
Unidades de Proteção Integral e (b) Unidades de Uso sustentável (artigo 7o). A existência
de moradores legalmente pode ocorrer: no grupo (a)3, na hipótese de se tratar de
“Refúgio de Vida Silvestre” ou; para as hipóteses do grupo (b), que trata de “Unidades de
Uso Sustentável”4.
Ocorre que, muitas vezes as Unidades de Conservação de Proteção Integral são
implementadas pelo poder Estatal sem a devida verificação da existência de pessoas que
vivem na natureza (e através da natureza), de comunidades tradicionais, dos “povos da
floresta”, que vivem ali há gerações e tem suas tradições o modo de vida, ameaçados por
um rigor normativo abstrato.
O direito territorial quilombola fundamenta-se constitucionalmente no artigo 68
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e para os casos onde
ocorre a mencionada sobreposição, exige-se uma leitura constitucional hermenêutica
completa, que não abranja apenas a preservação da natureza, mas também, da cultura que
vem preservando a mesma a centenas de anos. “pois o reconhecimento de domínio das
terras ocupadas pelos remanescentes de quilombo, bem como a criação das reservas
extrativistas, são formas de reconhecer direitos que preservam os recursos naturais
renováveis” (TRECCANI, 2006:211).
Assim, a CRFB/88 reconhece e consagra inúmeros direitos e garantias,
abarcando o seu extenso e esparso rol “a proteção do patrimônio cultural brasileiro (art.
215, caput, §1°, 3o, I e II) enquanto manifestação, e especialmente, as que resguardam as
tradições dos povos participantes do processo civilizatório nacional” (BATISTA;
CAVALCANTE; FORMIGA, 2017,176).
A leitura e interpretação dos seus artigos 215, 225 e 68 do ADCT da CRFB/88
devem ser feitas em conjunto, e o aparente dilema discursivo introduzido entre cultura e
natureza deve se apagar por uma leitura conjunta e contextual que os problemas
socioambientais necessariamente exigem. O “direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo” e a preservação da cultura dialogam com o
equilíbrio do meio ambiente5*, pois a cultura dos povos e comunidades tradicionais exige
historicamente uma relação direta e existencial com a natureza. Muito embora, o que
muitas vezes ocorre é a ignorância perpetrada pelo discurso estritamente “protecionista”
adotado por boa parte da legislação ambientalista.

3 Artigo 8o da CRFB/88 diz que: “O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes
categorias de unidade de conservação: I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV -
Monumento Natural; V - Refúgio de Vida Silvestre”.

4 Sobre, ver artigos 13 a 21 da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000.

5 Sob uma análise das micro-realidades que compõem o imenso patrimônio histórico e plural brasileiro, tal
fato é facilmente averiguável, muito embora, ainda que sob análise estritamente abstrata e “positiva”, afiguram-se um
vasto rol normativo que compõem a relação entre cultura e meio ambiente: “a Política Nacional do Meio Ambiente,
instituída pela Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981; o Novo Código Florestal, instituído pela Lei n° 4.771, de 15 de setembro de
1965; a Política Nacional da Biodiversidade, cujosprincípios e diretrizesforam estabelecidospelo decreto 4.339, de 22 de agosto de 2002;
e, dentre os que dão maior ênfase à proteção cultural: o Plano National da Cultura, previsto na Constituição desde 2005, pela Emenda
Constitucional 48111, e o Sistema Federal de Cultura, instituído pelo Decreto n° 5.520, de 24 de agosto de 200 5 ” (MENDES,
2009:146-147,)

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Tais questões normativas, na prática, ocasionam inúmeros conflitos de cunho
territorial e institucional6 sobre o direito de reconhecimento e titulação do território onde
ainda vivem os remanescentes quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais
Os remanescentes quilombolas —para além de sofrerem quanto ao não reconhecimento
de seus direitos territoriais —ainda passam por problemas quanto à realização do modo
de vida tradicional do grupo: sabe-se que a roça de toco, a extração de madeira para
fabricação de casas e o plantio dos alimentos são essenciais para a manutenção dos
costumes das comunidades (BATISTA; CAVALCANTE; FORMIGA, 2017:175).

A exemplo do contexto do impasse territorial-ambiental, a implantação e


delimitação das áreas de reserva ambiental sobrepondo quilombos que ali sobrevivem
centenariamente, acabam cerceando as práticas costumeiras dessas comunidades, e
muitas vezes sancionando-as por crimes ambientais através de autuações feitas aos
quilombos em valores exorbitantes.
Como percebe-se com os exemplos de autuações feitas aos quilombolas das
Comunidades situadas no Estado do Tocantins, segue a tabela7 abaixo:

C O M U N ID A D E Q U IL O M B O L A M ULTA IN S T IT U IÇ Ã O M O T IV O
F o rm ig a A rn o R ib e iro d e S o u sa R f 3 0 0 ,0 0 N A T U R A T IN S M a d e ira p a ra c a sa
R f 1 0 .0 0 0 ,0 0 R o ç a d e to co

C a rra p a to L u is S u p lic io G o n ç a lv e s R f 1 .5 0 0 ,0 0 N A T U R A T IN S M a d e ira p a ra c a sa

C laro P ru d ê n c io F ra n c isc o T o rre s R f 6 0 0 ,0 0 N A T U R A T IN S R o ç a d e to co


O u ro F in o A d e m ir B a tis ta d o s A n jo s R f 9 0 0 ,0 0 N A T U R A T IN S R o ç a d e to co

P ra ta D a rle n e F ra n c is c a d e S o u z a R f 5 .0 0 0 ,0 0 IC M B IO M a d e ira p a ra c o n stru ç ã o d a sed e


d a a sso c ia ç ã o

P ra ta M a n o e l P e re ira R f 1 3 .0 0 0 ,0 0 IC M B IO M a d e ira p a ra c o n stru ç ã o d e sed e


d a a sso c ia ç ã o

Fonte: Paulo Rogério Gonçalves, APA-TO, 2016.

Muitas vezes o ocorrido se deve pela morosidade dos procedimentos


administrativos necessários ao reconhecimento dessas comunidades quilombolas, ou
ainda, da inexistência de um plano de manejo que possibilite
(jurídico/administrativamente) a relação da comunidade com a natureza ou uma
ponderação razoável com a inteligência da exceção prevista no Código florestal em seu
artigo 428, e do próprio texto constitucional.
O debate torna-se ainda mais relevante, quando o fim buscado envolve
populações historicamente excluídas pela existência de inúmeros problemas amarrados à
homérica dicotomia homem-natureza.
A preservação das culturas e tradições quilombolas, relaciona-se diretamente á
luta diária por reconhecimento.

6 Referindo-se ao moroso processo que viabiliza a efetividade do artigo 68 do ADCT da CRFB/88, previsto
pelo Decreto n° 4.887, de 20 de novembro de 2003, que apesar do trâmite burocrático, é atualmente o único
instrumento legal (regulamentar) para o reconhecimento, delimitação, e emissão dos títulos coletivos de propriedade
que as comunidades quilombolas atualmente tem, e apesar disso, encontra-se sendo questionado pela ADI 3239 —
STF.

7 Esta tabela foi fornecida por Paulo Rogério Gonçalves, diretor técnico da Organização Alternativa para o
Pequeno Agricultor no Tocantins (APA-TO), em uma Reunião realizada no dia 15 de abril de 2016. A Procuradoria da
República estava presente com o objetivo de discutir os autos de infrações lavrados contra os membros das
comunidades quilombolas (e outros assuntos) (BATISTA; CAVALCANTE; FORMIGA, 2017:173-174).

8 Referindo-se à Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal.

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O termo quilombo ganhou nova reconfiguração no período pós-libertação de
escravos, ganhando significado sociocultural, fato extremamente importante para a
“análise do processo de inserção social das populações negras na sociedade brasileira”
(SANTOS, 2014, p. 26). Ainda, Santos ao trazer os múltiplos discursos e práticas
presente no campo quilombola, ressalta que
A lutas por reconhecimento de direito das comunidades quilombolas devem ser
compreendidas a luz do fenômeno da etnicidade, na medida em que há um processo de
demarcação das identidades que se constroem no campo político através da afirmação da
diferença em busca da igualdade. O campo de lutas, que denomino campo quilombola,
se constitui como espaço simbólico onde o que está em jogo é o poder de impor uma
visão do mundo social acerca das identidades e da unidade dessas comunidades. A
afirmação das diferença exige, por parte dos sujeito, que lancem mão da múltiplas
estratégias (jurídicas, burocráticas, econômicas, políticas, científicas), pois, nessa luta das
classificações, impõem-se relações de força materiais e simbólicas entre os diversos
interesses em jogo. Os múltiplos interesses em jogo no campo quilombola passam a ser
mediados pelos discursos e práticas doas agente que “jogam” com as classificações do
que seja igualdade, diferença ou mesmo quilombola, num processo dinâmico e
relacional” (SANTOS, 2014:44).
Estabelecer um diálogo entre reconhecimento de identidade, cultura e do
território ocupado por comunidades quilombolas é de extrema importância manutenção
da cultura de comunidades que marcam sua identidade por suas tradições, seu modo de
vida e costumes.
Sobre a coexistência de comunidades tradicionais em Unidades de Conservação
Girolamo Domenico Treccani (2006:212-214) esclarece:
O Art. 42. da lei do SNUC determina: “As populações tradicionais residentes em
unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas
ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder
Público, em local e condições acordados entre as partes”. Os artigos 35-39 do Decreto
n° 4.340, de 22 de agosto de 2002, regulamentam como será realizado o reassentamento.
Esse processo: “respeitará o modo de vida e as fontes de subsistência das populações
tradicionais (Art. 35)”. (...) O Art. 39 apresenta como deve se dar o processo de
transição: “Enquanto não forem reassentadas, as condições de permanência das
populações tradicionais em Unidade de Conservação de Proteção Integral, serão
reguladas por termo de compromisso, negociado entre o órgão executor e as populações,
ouvido o conselho da unidade de conservação. § Io O termo de compromisso deve
indicar as áreas ocupadas, as limitações necessárias para assegurar a conservação da
natureza e os deveres do órgão executor referentes ao processo indenizatório,
assegurados o acesso das populações às suas fontes de subsistência e a conservação dos
seus modos de vida. § 2o O termo de compromisso será assinado pelo órgão executor e
pelo representante de cada família, assistido, quando couber, pela comunidade rural ou
associação legalmente constituída. § 3o O termo de compromisso será assinado no prazo
máximo de um ano após a criação da unidade de conservação e, no caso de unidade já
criada, no prazo máximo de dois anos contado da publicação deste Decreto. § 4o O
prazo e as condições para o reassentamento das populações tradicionais estarão
definidos no termo de compromisso”. (...) Segundo Rocha (2004, p. 27), só quem tem
uma atuação incompatível com a conservação deve ser afastado: “Na realidade não
poderia existir um sistema de unidades de conservação que exclua a princípio populações
que representam a riqueza da diversidade humana e cultural das reservas naturais do
Brasil, que desenvolveram durante gerações práticas que se apresentam harmônicas com
o ambiente, e muito têm que contribuir com o processo de desenvolvimento de conceito
de sustentabilidade. Somente aquelas populações que sejam incompatíveis com estas é
que o sistema exclui.

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O debate sobre a regularização fundiária dos territórios quilombolas requer uma
análise crítica pormenorizada, pois o número de conflitos é imenso e crescente diante da
morosidade Estatal e o desrespeito a realidade plural composta pelas inúmeras
diversidades culturais brasileiras9.
Contudo, o objetivo dessa pesquisa, além de analisar criticamente alguns aspectos
da sobreposição ambiental, é ressaltar a importância e relevância de estudar e reler a
complexidade dos conflitos norteadores dessa realidade específica de sobreposição
fundiária, dentre as inúmeras possíveis no atual cenário brasileiro: a sobreposição de
territórios quilombolas por Unidades de Conservação, e dentro dessa estrutura
conflituosa, dar ênfase à relação entre o discurso normativo ambiental e o desrespeito às
culturas das comunidades que vivem em locais sobrepostos pela “proteção ambientar’,
locais ocupados, muitas vezes, por séculos.

III. DIALÉTICA ENTRE NATUREZA E CULTURA

A ideia de proteção integral sob a lógica “preservacionista pura” lembra o


chamado por Antônio Diegues de “mito moderno da natureza intocada”, remetendo-se a
um simbolismo que representaria áreas “intocadas e intocáveis pelo homem”
(DIEGUES, 2001:53). Essa mesma lógica fundamentaria a chamada incompatibilidade
entre o homem e a natureza ou entre cultura e natureza.
Herrera Flores introduz a dicotomia ocidental do “cultual versus o natural”,
exemplificando a justificação mitológica da torre de babel, uma torre construída com o
intuito de promover proteção contra um próximo dilúvio, proteção do homem contra a
natureza, e ilustra como as formas tomadas pela sociedade “moderna ocidental” vigora-
se sob uma certa autoconsciência na maneira de construir-se politicamente em bases
dualistas, dicotômicas e reducionistas, tal como a ideia de “ser civilizado”; a dualidade do
“civilizado versus o bárbaro; ou a ideia de culto e inculto sob a mesma lógica. O mito de
origem do “Jardim do EderT pressupõe o sair da natureza, separar-se dela, de um local
paradisíaco onde o homem e a natureza viviam e conviviam harmonicamente
pressupõem a mesma dicotomia, como se a natureza fosse um lugar de onde o homem
devesse se elevar (2004, p. 37-39). Este “eleva i acaba por justificar a ideia de homem
civilizado, e afastá-lo “elevando-o” de quem não se “elevd’ da natureza.
A dialética não é compatível com a interculturalidade é necessário transformá-la
em uma “tenção dialógicay\ não deve-se convencer, nem vencer, nem tolerar (à espera do
momento de mudar o próximo), é preciso compartilhar, reconhecer, e chegar ao topos
comum entre culturas, talvez assim seja possível “enfrentaf* uma realidade plural e seus
problemas (PANIKKAR, 1990:51-53).
No brasil, a principal corrente defensora do equilíbrio entre natureza e cultura é o
Socioambientalíssimo, preocupando-se com a elaboração de um sistema sustentável,
condizente com a justiça social e a coexistência harmônica entre natureza e culturas
tradicionais dentro das unidades de conservação (FRANCO; DRUMMOND, 2012: 359-

9
Situações jurídicas são inúmeras, Girolamo Domenico Treccani expõem algumas das possíveis situações de
conflito: “(...) Terras quilombolas incidentes em terras públicas federais, estaduais e municipais, devolutas ou
arrecadadas e matriculadas em nome da União, mas ainda não destinadas; a) Terras quilombolas incidentes em terras
públicas ilegalmente registradas em nome de “grileiros”; b) Terras quilombolas incidentes em terras públicas ocupadas
por posseiros não quilombolas; (...) Terras quilombolas incidentes em terras públicas federais afetadas; a) Terras
quilombolas incidentes em terrenos de marinha, várzea, marginais de rios e ilhas; b) Terras quilombolas incidentes em
unidades de conservação; c) Terras quilombolas incidentes em áreas de segurança nacional (áreas localizadas na faixa
de fronteira e militares); d) Terras quilombolas incidentes em terras indígenas; (...) Terras quilombolas incidentes em
terras particulares legalmente constituídas (propriedade privada)” (TRECCANI 2006:201- 234).

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360). A dicotomia inflexível e segregacionista presente na lógica preservacionista
eminentemente utilitarista é incompatível com a atual leitura constitucional e com o
“ideário socioambientalista: o homem pela natureza. A natureza pelo humano” (LIMA,
2002:18).

IV. A LUTA POR RECONHECIMENTO E A LÓGICA DA


RACIONALIDADE MODERNA

A discussão sobre a ocupação dos territórios quilombolas contraria o desenho


moderno individualista de propriedade herdado do ocidente e “importado” pelo sistema
jurídico brasileiro.
A propriedade moderna e o individualismo têm seus conceitos entrelaçados no
ocidente sob ideais marcadamente liberais. Assim, a construção da propriedade moderna
encaminha-se com a ideia positiva de direito subjetivo, onde o individual transmuta-se
sobre uma ficção de soberania e através do contrato social o estado surge como aquele
que detém o poder de todos e por todos e aquilo que não estiver prescrito na norma
estatal desenha-se como liberdade do indivíduo10.
A noção de indivíduo na sociedade moderna pressupõe o reconhecimento ainda
que como indivíduo de liberdade própria integrante de uma diversidade cultural
específica. Essa liberdade quando reconhecida a priori e “desrespeitada” provoca um
novo impulso por reconhecimento social de determinada cultura. Tal processo dentro de
uma estrutura institucionalizada pela sociedade moderna, ganha um desenho e força
específica na luta por reconhecimento de determinado grupo (HONNETH, 2014:7-11).
A mesma discussão sob o enfoque ambiental permeia a racionalidade moderna
que regra a abstração normativa e o controla funcionamento da máquina estatal “As
contradições entre a racionalidade ecológica e a racionalidade capitalista se dão através de
um confronto de diferentes valores e potenciais, arraigados em esferas institucionais e em
paradigmas de conhecimento” ensejando o confronto dialético sobre o processo de
legitimação, também normatizado pela mesma racionalidade, acabando por servir como
instrumento de poder (dentro dos mecanismos institucionalizados) na luta por
reconhecimento (LEFF, 2001:134).
A lógica da unidade econômica rural e o estilo étnico próprio de uma cultura
remetem a racionalidades sociais constituídas como sistemas complexos de ideologias-
valores-práticas-comportamentos-ações, que são irredutíveis a uma lógica unificadora.
Neste sentido, a racionalidade ambiental não é a expressão de uma lógica, mas o efeito de
um conjunto de interesses e de práticas sociais que articulam ordens materiais diversas
que dão sentido e organizam processos sociais através de certas regras, meios e fins
socialmente construí- dos. Estes processos especificam o campo das contradições e
relações entre a lógica do capital e as leis biológicas; entre a dinâmica dos processos
ecológicos e as transformações dos sistemas socioambientais (LEFF,2001:134).
O pensamento moderno amarra-se à uma razão universalizadora, ha existência de
um “homem racional”, que traz uma ideia simplificadora da definição aristotélica de
homem como “zoon lógon échon” através do qual ou quem o logos transita. Ocorre que
“a razão não é todo o logos” existe uma certa inteligibilidade “espiritual e material” ligada
a definição de logos, nas palavras de Panikkar (1990:42) “podemos expresar esto de una

10 Ver VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2005:
703-720.

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forma algo más existencial, usando otra perspectiva y, simplemente, diciendo que el
indivíduo no es todo el hombre.” .
Ainda segundo o autor, há de se superar um triplo reducionismo da concepção
moderna de ser humano: (a) “a razão não é todo o logos”, “irracional y arracional” não
são sinônimos dos termos “ilógico y alógico”, traduzindo a expressão final do parágrafo
anterior “o indivíduo não é todo o homem”; (b) “O logos não é todo o homem”, todos
os esforços de transcender o logos tem como logos o veículo, tal abrangência refere-se a
capacidade de sentir de inteligir, analisar, interpretar outras perspectivas de compreensão,
outras formas de consciência, não pode ser reduzido a um único denominador comum.
Poderia se afirmar que o homem não é toda humanidade; (c) “o Homem não é todo o
ser” ou a humanidade não é toda realidade (PANIKKAR, 1990:42-44).
Dentro de um cenário desanimador, onde a normatividade carrega consigo a
chamada racionalidade individualista e universalizadora, os “povos brasileiros”
transformam-se em “povo” (artigo 225 da Constituição Federal - CRFB/88), ignorou-se
a complexidade dos indivíduos e suas culturas. Resta assim, lutar por reconhecimento de
direitos e de uma releitura dos institutos jurídicos que condizem com a realidade. Só
podemos alcançar uma clara consciência sobre os requerimentos futuros de uma justiça
social “si junto con la evocación de las luchas libradas sobre el suelo normativo de la
Modernidad nos aseguramos de las demandas que aún no han sido satisfechas en el
proceso histórico de reclamo de las promesas de libertad institucionalizadas”
(HONNETH, 2014:11).

V. CONCLUSÃO

O problema da sobreposição de territórios quilombolas por unidades de


conservação se alarma cada vez mais, tendo em vista a morosidade do Poder Público de
resolver os litígios existentes e a interpretação positivada da lei causam mais problemas
do que os especificamente narrados no presente artigo.
Muito embora, os “direitos não podem ser deturpados em nome da desestrutura
e imobilidade administrativa” (LIMA, 2002: 19).
Quanto a discussão sobre direito ao uso da terra no local onde comunidades
quilombolas sobrevivem, releva-se a realidade de que muitos quilombos dependem da
subsistência do solo, do uso da madeira extraída no próprio terreno para a fabricação de
casas e do plantio do próprio alimento. Para tanto, a inteligência contida nos própria
artigo da CRFB/88 resguardam tal equilíbrio, assim como, a lógica das Unidades de Uso
Sustentável no SNUC.
Nos casos de sobreposição, deve-se viabilizar, pelo plano de manejo das
Unidades (ou outros meios), uma preservação que transcenda a discussão economicista e
sobre a propriedade, incluindo-se ao debate, questões sócio econômicas e garantias e
objetivos constituintes basilares, como o do partido 3o, III, CRFB/88.
A convivência harmônica da cultura humana e da natureza deve dialogar com
preservação da cultura enquanto natureza, em um país multicultural como o Brasil,
tamanha interculturalidade representa uma conquista democrática, possibilitando um
“caminho que nada pode senão possibilitar essa conquista hermenêutica da reprodução
cultural de universos vitais” (HABERMAS, 2002:258).

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Ediciones Universidad de Salamanca / C C BY NC ND -114 3 - Estudios Sociales - ICA'18

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