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Ovb 944 RESTOS HUMANOS & ARQUEOLOGIA HISTORICA: UMA QUESTAO DE ETICA i Tania Andrade Lima’ 1-O CENARIO No momento em que praticamente todos os segmentos da sociedade brasileira clamam pela reafirmagdo de valores morais ¢ uma, grande onda ética varre a nagdo, a exemplo do que ocorre em diversos outros paises, a Sociedade de Arqueologia Brasileira toma a decisio de elaborar o seu proprio cédigo de conduta. Surgidas em 1985, as primeiras solicitagées para a formagao de comissées de ética, no ambito da SAB, nfo encontraram maior repercussio 4 época e nunca chegaram a ser constituidas. A questio, periodicamente trazida & baila nas suas reuniGes cientificas bianuais ou em encontros regionais, por forga de dificuldades naturais surgidas no exercicio continuo da Profissdio, somente agora esta encontrando entre seus membros a ressonéncia necesséria para ser introduzida. Claramente resultante da conjuntura atual do pais, este é um movimento que parece vir de fora para dentro, por presses externas, a0 contrario do que teria sido mais saudavel e desejével, ou seja, como fruto de tensdes intemas, de dentro para fora. ‘Ao longo de quase uma década, as reivindicagGes feitas no sentido da SAB regular ou mesmo mediar conflitos de diferentes naturezas entre pesquisadores, seus objetos de estudo e a sociedade em geral, foram insuficientemente atendidas, mal resolvidas ou mesmo tamponadas. ‘Uma forte resisténcia impediu a drenagem desses problemas através daqueles que deveriam ter sido seus canais naturais, 0 que certamente contribuiu para a sua intensificagao. A relutancia da comunidade em lidar frontalmente com questées criticas surgidas ao longo desses anos fez com que aspectos fundamentais para a pritica profissional fossem relegados a planos secundérios. Entre elas, a avassaladora deteriorago do patriménio arqueolégico e a incapacidade dos profissionais de articular aces politicamente conseqUentes para a sua protego. ‘A completa apatia diante do desmantelamento dos érgios patrimoniais promovido pelo governo Collor, com danos irreversiveis para a arqueologia; a incompeténcia em pressionar o Estado para que assuma as suas responsabilidades e acione com presteza os mecanismos legais de defesa do seu patriménio; a inércia face aos graves problemas que vem apresentando a arqueologia de contrato; a omiss4o no problema da regulamentago da profissfio, que acabou por abrir espago para o encaminhamento de um equivocado ante-projeto & Camara dos Deputados, * Professora Titular do Departamento de Arqueotogia ¢ Muscologia da Universidade Esticio de Sé, Rio de Janeiro, Brasil. Bolsista do-Consetho Nacional de Desenvolvimento Cientifice e Tecnolégico - CNPq, substituido as pressas e 4 ultima hora, configuram o perfil pouco atuante da comunidade, que precisa ser rapidamente revertido. Cabe, portanto, no momento da elaborago de um cédigo de conduta, uma profunda reflexdo ndo 36 quanto aos direitos e deveres dos arquedlogos, mias sobretudo quanto ao papel da Sociedade de Arqueologia Brasileira nesta questo. 2-O PROBLEMA ‘A partir da década de 60, os progressivos movimentos de conscientizagio e.politizagao das minorias étnicas nas Américas vém levando ao desenvolvimento de novas politicas e linhas de ago. Emergindo do mais baixo patamar da opressio, do jugo e da humilhag&o, essas minorias vém deflagrando sucessivos processos de recuperagao de sua auto-estima e imagem, que esto assumindo, por forga da sua diversidade, diferentes configuragdes. Nao obstante, tém em comum a mesma luta pela auto-determinagio e 0 forte empenho no sentido de resgatar a propria cultura. Este esforgo passa, naturalmente, pela valorizago da sua histéria, do seu patriménio, dos simbolos de suas identidades étnicas e, por conseguinte, pela sua protegdo e revitalizagao. ‘Transformados em ativistas, com interesses muito bem articulados, sobretudo na América do Norte, inimeros grupos de indios, negros e segmentos latino-americanos, imbuidos de orgulho @tnico, vém trabalhando mais, hoje em dia, na recuperago da soberania perdida, que Propriamente nas tentativas de inseredo ¢ integraedo a0 universo euro-americano, onde seu posicionamento nio consegue ser sendo marginal, periférico, Intensamente contactadas no século XIX, em decorréncia do avango colonialista europeu, essas populagdes foram alvo de toda sorte de violéncias. No caso especifico das populagdes nativas, foram praticadas pilhagens brutais, em nome de uma pretensa conservacdo de seus tragos culturais, j4 ento considerados em vias de desaparecimento iminente. Como assinala Monroe (1993:29), justo no momento em que era mais necessario preservar sua identidade cultural ameagada, foram intensificadas as coletas de itens da sua cultura material, considerados como importantes € representatives. Na sanha de preservé-los, museus e colecionadores foram, paradoxalmente, os que mais contribuiram para a sua desagrezagio e descontextualizagao, Atitudes etnocéntricas violaram objetos sagrados, profanaram timulos, desrespeitaram tradigdes, construindo monumentais colegdes, recolhidas aos principais muscus e instituigdes europeus, norte ¢ sul-americanos. Tais colegdes constituem a mais pura expresstio dos saques colonialistas e contra eles um aborigene Maori fez a contundente declarago que se segue, durante a conferéncia intemacional promovida em 1990 (The Taonga Maori Conference), pelo governg neozelandés, no Museu Nacional de Wellington: “Queremos nossos faonga (tesouros) de volta !” (Terrell, 1993:34-36), Para os Maori, taonga & qualquer objeto de madeira, osso, pedra, tecido, e assim. por diante, passado de pai para filho. Taonga & também qualquer coisa imaterial, como uma cangio tradicional, lenda, provérbio ou historia transmitida através de geragbes. Pode ser qualquer coisa feita, usada ou criada por um Maori, no passado ou no presente, a0 qual foi infiundido 0 espirito do seu povo, Nao pode jamais ser trancafiada em uma sala; antes, deve ser mantida no mundo vivo Maori, aquecida por aroha (amor), respeito e compreensio, de tal forma que os ancestrais que a conceberam, fizeram, usaram e guardaram possam também ser uma parte do mundo dos seus descendentes vivos. ‘Além de objetos/troféus, foram recolhidos aos museus etnogréficos e de historia natural muitos despojos humanos dessas minorias, com as culturas dominantes expressando desta forma a sua supremacia cultural, politica e econdmica. Em nome da ciéncia, a remogio formal de cemitérios para instituigdes de pesquisa tornou-se uma pratica comum, legitima e inquestionével, até’ momento em que povos nativos de diversos paises, particularmente na América do Norte (Estados Unidos, Canada) e no Pacifico (Australia, Nova Zelfndia), comegaram a se manifestar no sentido de obter a devolugao dos seus mortos. Entendendo a intervengaio em ttimulos como profanagdo e a exibigdo de corpos insepultos ‘como mais um ato, profundamente doloroso € insultuoso, de violéncia, desrespeito ¢ humilhagéo imposto as suas culturas, as populagées indigenas passaram a exigir a repatriagio ¢ a reinumagao desses restos humanos. 'A discussio entre as partes interessadas, comunidades indigenas x comunidade cientifica, tornou-se particularmente acirrada ao longo dos anos 70 e 80, com ambas pleiteando a posse dos despojos. De um lado, as comunidades indigenas, enquanto descendentes, alegando o seu dircito inaliendvel de no deixar expostos os corpos dos’seus ancestrais. De outro, a comunidade cientifica invocando seu direito de pesquisa, para o conhecimento e para o bem da humanidade. _4) Este inflamado conflito ideolégico entre religiio e ciéncia, ou entre moral e,ciéncia, extrapolou os muros académicos. As vozes dos ativistas, cada-vez mais amplifipadas e audiveis, alcangaram as esferas do poder piblico, “sensiveis” as suas ruidosas manifestagoys. Temerosa de feventuais repercussdes negativas nas urnas e de acusagées de racismd, a classe politica solidarizou-se com o movimento’ Ao mesmo tempo, o grande interesse despertado na midia chamou a atengfo da opinio publica, Chogadd com a natureza de inimeras demincias referentes ‘restos humanos obtidos em condigdes consideradas como totalmente destituidas de ética”, abragou com toda simpatia a causa indigena de respeito aos seus mortos, manifestando absoluta Th tale de exemplo: em 1858, fi intensamente praticada a de coleta de crénios indigenas em campos de batalha norte-americanos, por ordem do cirurgiio-chefe do exército dos Estados Unidos, para estudos de frenologia,”posteriormente transferidos do Museu de Medicina do Exéreito para o Smithsonian Institution (Tivy, 1993:26), Dos indios massacrados na batalha de Sand Creek, Colorado, foram igualmente recolhidos para estudo 0s seus esqueletos, inclusive de mulheres e criangas (Monroe, op. cit:29). Em 1886, segundo Preston (1989:69-70, citado em Powell et al. 1993:15-16), seis esquimés trazidos pelo ‘explorador artico R. Peary para 0 American Museum of Natural History ¢ ansiosamente estudados por Boas © Hrdlicka, pegaram ligeiros resfriados. Hrdlicka procedeu a uma série de medigdes ¢ providenciou a confecgo de fotos e moldes de varias partes do corpo dos individuos, entretanto, no obstante os esforgos para o seu tratamento, (0 resfriados acabaram evoluindo para uma tuberculose, vitimando quatro deles. Os pesquisadores, assinala 0 autor, néo perderam tempo diante da oportunidade rara de acrescentar dados post-mortem as suas fichas, tendo Firdlicka recomendado que os quatro fossem macerados, fervidos e reduzidos a esqueletos no College of Physicians ‘and Surgeons of Columbia University. Integrados nesta condigdo a colegio qo museu, puderam ser estudados & vomtade.

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