Mocambique: insustentavel é a guerra. (1)
Nem guerra nem paz
Paulo Granjo BB 25 de maio de 2016
m Mogambique, arrasta-se hd mais de 3 anos uma crise politico-militar de
consequéncias imprevisiveis.
Remonta a finais de 2012, com um‘retiro” do lider do maior partido da
oposig&io — Afonso Dhlakama, presidente da RENAMO ~ para a sua antiga base
de guerrilha em Satungira, reivindicando mudangas na [ei eleitoral ¢ 0
cumprimento de clausulas do Acordo de Paz firmado 20 anos antes, que previam
a integragfio no aparelho de Estado dos antigos oficiais das suas forgas.
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Fonte: Voa Portugués
Aquilo que, na altura, foi publicamente interpretado como mais uma exigéncia
musculada de negociagdes com 0 governo (ocupado pela FRELIMO desde 1975),
tendo em mente o acesso aos esperados beneficios da futura exploragdo das
reservas de gas natural ha pouco descobertas, acabou por se transformar num rol
de recontros armados, ao longo de 2013. Primeiro, num trogo limitado
da principal estrada do pais; depois, através do cerco @ ataque a Satungira por
4207parte das forgas de lite governamentais, ordenado pelo ento Presidente da
Republica, Armando Guebuza.
Na sequéncia desse ataque, a RENAMO boicotou as eleigdes autarquicas
registaram-se em Maputo inéditas manifestagdes apartidarias, apelando a
paz. Conversagées posteriores permitiram a participagdo de todos os partidos
nas eleicdes parlamentares e presidenciais de 2014, em que foi eleito o candidato
da FRELIMO, Filipe Nyusi.
Fonte: Téla Nén
“Apesar do reiterado empenho do novo Presidente em resolver as tensées por via
negocial, 2015 ficou mareado por emboscadas a comitivas de Afonso Dhlakama,
pelasua exiggncia de governar as provincias onde o seu partido fora mais votado,
por cercos @ assaltos policiais a casas suas e a sedes da RENAMO (alegando
buscas de armas) ¢ por noticias de ataques a populagdes que ambas as partes
atribuem aos seus adversarios, seguidos de deslocagées de refugiados para o
Malawi.
As ages policiais continuaram este ano e, enquanto o parlamento funciona com
a presenga dos deputados eleitos pelos 3 maiores partidos (FRELIMO, RENAMO
e MDM), 0 lider da oposig&o esta escondido em parte incerta.
Mogambique nao est em guerra, mas to pouco est em paz. Na sua estranha
combinag&o de normalidades institucionais e de situagdes de excegio, no vive
sequer, em rigor, um conflito de baixa intensidade.
28Fonte: 0 Pais
Sugiro que o que est4 na base desta situago confusa é, afinal, uma competicao
por recursos, que poder nem sequer focar-se prioritariamente nos dois partidos
em confronto explicito. Para a compreendermos, teremos que atentar em trés
fatores que so estruturais em Mogambique e na interag3o que entre si mantém:
1 — Uma economia nacional estremamente dependente de permanentes
influxos financeiros exteriores 8, por esse facto, insustentvel na sua auséncia.
2 ~ Aestreita ligago entre poder politico e poder econémico, a par daquilo que
est economicamente em causa, conforme se detém ou se deixa de deter os
postos-chave do poder politico.
3 ~ Uma cultura de poder autoritéria, resultante quer da esperiéncia historica
de exercicio do poder e de contrapoderes, quer de novas circunstncias e de
dinamicas auto-reprodutoras.
So esses os aspetos que abordarei nos posts que aqui publicaremos ao longo dos
préximos quatro dias.
Paulo Granjo é investigador auxiliar no Instituto de Cincias Sociais da Universidade
de Lisboa (ICS-ULisboa).
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