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Natalia Dias
Federal University of Santa Catarina
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Remediação cognitiva para prevenção de transtornos mentais e promoção cognitiva em adolescentes. View project
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Mais do que uma questão de direito básico à alfabética, com o desenvolvimento da rota fonológica,
educação, a apropriação da linguagem escrita garante, a criança aprende as regras de correspondências
hoje, a inserção do indivíduo em um mundo cada vez grafofonêmicas. A estratégia ortográfica, por sua vez,
mais letrado. Neste contexto figura a alfabetização caracteriza-se pelo processamento visual direto das
fônica, empregada como método de alfabetização palavras, ou seja, a criança já possui um léxico mental
oficial em países como Estados Unidos, Inglaterra e ortográfico e, a partir desta representação ortográfica,
França, dentre outros, recordistas mundiais em tem acesso direto ao sistema semântico.
competência de leitura e escrita. Em contraste, o Assim, a leitura nessa perspectiva ocorre como
Brasil, que ainda propõe oficialmente o método global um modelo de processo duplo, ou seja, por meio de
de alfabetização, sustenta um 36º lugar em tal quesito, duas rotas, a fonológica e a lexical (Ellis & Young, 1988;
isto é, o último lugar (Organization for Economic Morton, 1989). Na leitura pela rota fonológica, a
Cooperation and Development, 2001). seqüência grafêmica é segmentada em unidades
O método fônico baseia-se em instruções fônicas menores e convertida nos seus respectivos sons. Em
e metafonológicas, de modo a prover um ensino seguida, faz-se a junção dos segmentos fonológicos e
explícito e sistemático das correspondências produz-se a pronúncia da palavra. O acesso semântico
grafofonêmicas, ao mesmo tempo em que propicia o é obtido posteriormente, pelo feedback acústico da
desenvolvimento de habilidades metafonológicas, ou forma fonológica produzida em voz alta ou
seja, da consciência fonológica (Capovilla & Capovilla, encobertamente. Na rota lexical, a pronúncia é
2004b). Esta é definida como a habilidade de refletir resgatada como um todo a partir do léxico, isto é,
sobre a estrutura fonológica da linguagem oral, refere- sem mediação fonológica. É utilizada na leitura de
se tanto à consciência de que a fala pode ser palavras familiares, que se encontram pré-
segmentada, quanto à habilidade de discriminar e armazenadas no léxico ortográfico. Deste modo, o
manipular tais segmentos (Capovilla & Capovilla, item é reconhecido ortograficamente, é ativada sua
2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b). representação semântica e, depois, sua representação
Para compreender como as instruções sistemáticas fonológica.
de correspondências grafofonêmicas e o Diversos autores têm reconhecido que a rota
desenvolvimento da consciência fonológica podem fonológica é essencial para o desenvolvimento da
contribuir para construção da competência de leitura leitura e escrita (para uma revisão, consultar Share,
e escrita, uma breve revisão teórica se faz necessária. 1995). De fato, a decodificação fonológica possibilita
De forma sucinta, segundo Frith (1985), existem três a aquisição das representações ortográficas,
estratégias para se lidar com a palavra escrita. Na permitindo ulterior leitura lexical. Além da expansão
primeira, a logográfica, a leitura e a escrita ainda são do léxico ortográfico, a rota fonológica também
incipientes, pois se caracterizam pelo uso de pistas permite a leitura de palavras novas, com as quais
contextuais e não-lingüísticas, tais como as cores, o mesmo os leitores competentes se deparam todos
fundo e a forma global das palavras. Na estratégia os dias.
Visto que a rota fonológica é fundamental para a de completar frases, em que é apresentada uma frase
aquisição da leitura e escrita, torna-se também com uma palavra faltando, como ‘Eu comi ____ hoje.’
evidente a importância do processamento fonológico Logo abaixo da frase, são apresentadas figuras como
e, mais especificamente, da consciência fonológica, alternativas de resposta, como ‘ímã’, ‘hipopótamo’,
pois esta é essencial para os processos de codificação ‘lápis’, ‘chocolate’ e ‘jaqueta’. A criança é solicitada a
e decodificação. Desta forma, pode-se compreender selecionar a figura que completa a frase e, ao fazê-lo
a eficácia das instruções fônicas e metafonológicas no de modo correto, o software apresenta uma nova
desenvolvimento de leitura e escrita, pois tais tela com a frase completa, ‘Eu comi chocolate hoje’.
instruções desenvolvem justamente as habilidades Numa outra atividade, são apresentadas frases com
fundamentais para o uso competente da rota pseudopalavras, devendo a criança substituir tais
fonológica. pseudopalavras por palavras. Para tanto, deve clicar
Corroborando o acima descrito, estudos têm sobre a figura que pode dar sentido à frase.
evidenciado que as dificuldades em leitura e escrita se No submenu ‘Rimas’ são apresentadas atividades
devem, em grande parte, a problemas de para selecionar figuras cujos nomes terminem com o
processamento fonológico, podendo estes ser mesmo som. Por exemplo, a instrução solicita que a
atenuados e/ou solucionados com a incorporação de criança clique sobre as figuras que terminem com
atividades fônicas e metafonológicas em diferentes “eira” e são apresentadas figuras de ‘cadeira’,
níveis escolares (Capovilla, 2003). Isto tem sido ‘geladeira’, ‘pão’, ‘mamadeira’, ‘queijo’ e ‘mala’, sendo
demonstrado em diversos estudos internacionais (e.g., que, ao passar o mouse sobre as figuras, o software
Bradley & Bryant, 1983; Elbro, Rasmussen & Spelling, apresenta seus nomes falados. São também
1996; Torgesen & Davis, 1996; Schneider et al., 1997) apresentadas atividades em que se deve selecionar
e nacionais (Capovilla & Capovilla, 2000; Capovilla & palavras que terminam de uma determinada forma,
Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b). i.e., com o mesmo som.
Procedimentos para implementar a alfabetização Em ‘Aliterações’, de modo análogo a ‘Rimas’, são
fônica já foram descritos em diversos livros e artigos apresentadas atividades voltadas para selecionar
brasileiros (Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & figuras. Posteriormente, são identificadas palavras
Capovilla, 2004b; Capovilla & Capovilla, 2005). cujos nomes comecem com um mesmo som.
Recentemente foi também implementada no CD-Rom O submenu ‘Sílabas’ apresenta atividades de
Alfabetização fônica computadorizada (Capovilla, contagem de sílabas, em que a criança deve selecionar
Macedo, Capovilla & Diana, 2005). Este software figuras cujos nomes são monossílabos, dissílabos,
torna ainda mais eficaz a alfabetização e a intervenção trissílabos ou tetrassílabos. Há, também, atividades
em problemas de leitura e escrita, ao integrar o caráter de adição, subtração e transposição de sílabas em
lúdico da informática à apresentação sistemática das palavras escritas com formas geométricas. Por
letras e de seus respectivos sons e às atividades de exemplo, numa atividade há duas formas geométricas,
consciência fonológica, estimulando o interesse e a que representam as sílabas ‘lo’ – ‘bo’, pronunciadas
participação do alfabetizando. pelo software. A criança é instruída a selecionar a figura
O software é estruturado sob dois menus cujo nome resulta da inversão destas sílabas. Para
principais, ‘Consciência fonológica’ e ‘Alfabeto’. Cada tanto, deve selecionar uma dentre as figuras
um contém uma série de atividades, que se encontram apresentadas como alternativas de resposta, no caso,
sucintamente descritas a seguir. a figura de ‘bolo’.
O menu ‘Consciência fonológica’ integra atividades Em ‘Fonemas’ são propostas atividades de adição,
que visam desenvolver diferentes níveis de consciência subtração e inversão de fonemas em palavras escritas
fonológica. Inclui os submenus ‘Palavras’, ‘Rimas’, com formas geométricas, em que cada forma
‘Aliterações’, ‘Sílabas’ e ‘Fonemas’. representa um som. Por exemplo, numa atividade há
O submenu ‘Palavras’ propõe atividades como a três formas geométricas que representam os sons /a/
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 10 Número 1 Janeiro/Junho 2006 • 149-152 151
Frith, U. (1985). Beneath the surface of developmental dyslexia. Schneider, W., Küspert, P., Roth, E., Visé, M., & Marx, H. (1997).
Em K. Patterson, J. Marshall & M. Coltheart (Eds.) Surface Short- and long-term effects of training phonological
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Morton, (1989). An information-processing account of reading
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(pp. 43-68). Cambridge, MA: MIT Press. Sine qua non of reading acquisition. Cognition, 55 , 151 –
218.
Organization for Economic Cooperation and Development
(2001). Knowledge and skills for life: A report on PISA 2000. Torgesen, J. K., & Davis, C. (1996). Individual difference variables
Paris, France: OECD. that predict response to training in phonological awareness.
Sobre a autora
Natália Martins Dias (natalia_mdias@yahoo.com.br) é graduanda do curso de Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista do Programa de
Iniciação Científica, PIBIC/ CNPq