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LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA: POSSIBILIDADES NA FORMAÇÃO DO

JOVEM LEITOR

Tatiane Kasparii
Juracy I. Assmann Saraiva**
Ernani Mügge***

RESUMO: A função social da literatura, referida por estudiosos como Antonio Candido, Paul Ricoeur e
Robert Jauss, ainda não é devidamente reconhecida no meio escolar, em que a formação de leitores
figura como um dos principais objetivos, cuja concretização, porém, comumente fracassa, devido a
abordagens inadequadas de materiais didáticos e da falta de reflexão teórica por parte de docentes. Com
base no posicionamento de que a literatura atua na formação da identidade do sujeito e de seu senso
crítico, visto que se enraíza no contexto histórico-social de sua produção e no de sua recepção,
provocando reflexões sobre um e outro, desenvolveu-se o projeto “Texto literário: espaço de reflexão
crítica e de formação de sujeito”, coordenado pela professora Juracy Assmann Saraiva e com a
participação do professor Ernani Mügge. O presente trabalho apresenta um panorama dos estudos
literários que sustentaram o projeto e as repercussões que ele trouxe junto a alunos de segundo ano da
Escola Estadual de Ensino Médio Monsenhor José Becker. Por meio da discussão de roteiros de leitura,
de sua interpretação e do estabelecimento de relações entre as narrativas lidas e as experiências de vida
dos discentes, buscou-se aproximar os alunos da literatura brasileira. A participação dos estudantes nas
atividades propostas e as produções textuais delas decorrentes demonstraram a eficiência da exploração
de textos literários no desenvolvimento de habilidades linguísticas e da capacidade de interpretação.
Além disso, o protagonismo conferido aos alunos colaborou para a adoção de um posicionamento
investigativo e crítico e contribuiu para seu processo de autoconhecimento.

ABSTRACT: The social function of literature, mentioned by scholars such as Antonio Candido, Paul
Ricouer and Robert Jauss, has not yet been duly acknowledged by teachers, one of whose main
objectives is to form readers. This often fails to occur due to the inadequate approaches of teaching
materials and the lack of theoretical reflection among teachers. Based on the position that literature
acts to develop an individual’s identity and their critical sense, since it is rooted in the historical and
social context of their production and their reception, causing reflections about both, the
project “Literary text: a space for critical reflection and individual formation” was
developed, coordinated by Juracy Assmann Saraiva with the participation of Professor Ernani
Mügge. The present work presents an overview of the literary studies that supported the project and its
repercussions on the second-year students of the Escola Estadual de Ensino Médio Monsenhor José
Becker. By discussing reading sequences, their interpretation and establishing relationships between the
narratives read and the students’ life experiences, it was sought to bring students closer to Brazilian
literature. The participation of the students in the proposed activities and resulting texts
produced demonstrated the efficiency of exploring literary texts in the development of language skills and
interpretation abilities. In addition, the role given to students as protagonists helped adopt an
investigative and critical approach and contributed to their self-knowledge process.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Literatura brasileira. Formação de leitores.

INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p


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KEYWORDS: Reading. Brazilian literature. Reader formation.

INTRODUÇÃO

A inabilidade de grande parcela dos alunos da rede pública brasileira em ler e interpretar
textos é continuamente atestada por exames e programas de avaliação. Os resultados
mais recentes do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), divulgados em
2014, apontam um retrocesso na habilidade leitora dos estudantes em relação à
avaliação anterior, posicionando o país em 55º lugar em um ranking de 65 nações. O
mau desempenho dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
em leitura é um problema que se vincula, além dos de natureza social, a lacunas na
formação de professores e à sua incapacidade de desenvolver estratégias de leitura
eficazes.

Considerando a necessidade de mobilizar mediadores que contribuam com a promoção


da leitura no ambiente escolar e com a melhoria da competência leitora, foi
desenvolvido o projeto “Texto literário: espaço de reflexão crítica e de formação de
sujeito”. Coordenado pela professora Juracy Assmann Saraiva e com participação do
professor pesquisador Ernani Mügge, ele integrou o “Programa de Iniciação em
Ciências, Matemática, Engenharias, Tecnologias Criativas e Letras” (PICMEL),
fomentado pela Fapergs, entre maio de 2014 e abril de 2015. Nesse período, as
atividades ocorreram em seis escolas públicas – localizadas em cinco cidades gaúchas –,
sendo quatro de Nível Fundamental e duas de Ensino Médio.

Os resultados satisfatórios junto aos alunos participantes do projeto – como a adesão às


atividades, a participação em aula, o aprimoramento da interpretação e da produção
textual – evidenciam a possibilidade de promover, pela ruptura de metodologias
ineficientes e pela reflexão teórica por parte dos professores, o desenvolvimento da
capacidade leitora dos discentes, mesmo nos anos finais da Educação Básica. Assim, no
presente trabalho, enfocam-se as repercussões do projeto junto a duas turmas de
segundo ano da Escola Estadual de Ensino Médio Monsenhor José Becker, que não
possuíam envolvimento anterior com programas de estímulo à leitura e cujas aulas de
literaturas seguiam uma abordagem historicista.

Tendo por objetivo aproximar alunos da educação básica da literatura brasileira, geriu-
se uma proposta metodológica que conferisse protagonismo ao leitor, responsável por
mobilizar conhecimentos diversos no processo de interpretação textual. A partir desse
posicionamento, a proposta, além de abrir um espaço de discussão sobre questões
sociais, éticas e estéticas da literatura, orientou-se para a transformação social, por meio
da intervenção na prática docente e por meio do envolvimento direto de professores e de
alunos.

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Conjugando uma perspectiva teórico-crítica à ação pedagógica, o projeto aliou o estudo
de pesquisas teóricas relacionadas à literatura, à identidade e à iniciação científica – e
sua adaptação à linguagem estudantil, quando conveniente – às práticas de leitura,
análise e interpretação de textos literários no contexto escolar. Promoveu-se, assim,
tanto a reflexão docente a respeito do tratamento dispensado à leitura e à interpretação
de textos literários na escola quanto o desenvolvimento discente no tocante à habilidade
leitora e à iniciação científica, uma vez que os alunos responderam por tarefas de
investigação compatíveis com seu grau de formação, tendo em vista sua futura
progressão no âmbito da ciência.

A perspectiva teórica que balizou as atividades realizadas fundamentou-se, sobretudo,


na Estética da Recepção, a qual enfoca o papel do leitor na construção de sentido do
texto. Parte-se do princípio de que o texto literário exerce uma finalidade social,
envolvendo-o em um processo de autoconhecimento e de revelação da malha social e
induzindo-o a posicionar-se criticamente diante dela e diante dos procedimentos
expressivos da linguagem. Tal argumento está expresso no pensamento de teóricos, que
incluem Aristóteles, Paul Ricoeur, Robert Jauss e Antonio Candido, e pode contribuir
para o reconhecimento do texto literário como manifestação da diversidade cultural
brasileira e para a promoção da inserção social de indivíduos.

Sob essa ótica, o projeto aqui exposto dá continuidade a trabalhos de pesquisa e de


intervenção pedagógica dos professores coordenadores, de que resultaram as obras
Literatura e alfabetização (2001), Literatura na escola: propostas para o ensino
fundamental (2006) e Palavras, brinquedos e brincadeiras: cultura oral na escola
(2011), todas editados pela Artmed. A correlação entre literatura, ensino e formação de
leitores faz parte, portanto, das ações de pesquisa dos docentes participantes e pode ser
comprovada não só pela produção bibliográfica, mas também pela coordenação de
programas de leitura em redes de ensino públicas ou em sua participação, pela obtenção
de prêmios e pelo investimento na capacitação de professores, realizada por meio de
palestras e cursos.

1 A LITERATURA EM UMA PERSPECTIVA SÓCIO-CULTURAL

A compreensão da história cultural do Brasil, vista sob um ângulo coletivo, passa pelas
variadas formas de representação da nacionalidade, registrada em conhecimentos,
crenças, valores, costumes, normas de ordenamento social, arte, tecnologia e traços
identitários dos diferentes grupos sociais. Dentre as inúmeras manifestações culturais, a
literatura brasileira se destaca por sua capacidade de dar forma ao multiculturalismo da
nação, expressando modos de ser que caracterizam tempos, espaços e grupos distintos,
mas que, ainda assim, preservam os vínculos da identidade nacional. Ela possibilita a
seus leitores reconhecer-se como parte de uma comunidade, fortalecendo seus laços de

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pertença e constituindo um modo de acesso ao patrimônio coletivo, que é exposto não
apenas como documento ou mostra de uma realidade abstrata, mas como uma
experiência concreta, vivenciada por meio da leitura.

A literatura encontra solo fértil para a sua instalação como fonte de conhecimento, e,
mesmo que não tenha sido criada para ensinar, atende à vontade inata do ser humano de
aprender e de apreender a realidade. Essa característica resulta do fato de a literatura
originar-se na própria condição humana e, ao expor sentimentos, frustrações, decepções,
sonhos, angústias, por meio de representações simbólicas, o texto qualifica-se para
dialogar com o leitor. A partir desse diálogo, quando transfere as palavras da
materialidade do veículo para sua interioridade e as transforma em parte de sua vida
(SARAIVA, 2006, p. 35), o leitor enriquece-se e alimenta-se da vida a favor da própria
vida.

Antonio Candido, em ensaio intitulado “A literatura e a formação do homem”, levanta a


hipótese de que a criação humana no campo ficcional pode atuar na formação da criança
e do adolescente tanto quanto a família e a escola. No entanto, observa que o nível em
que se dá essa formação (ou educação) transcende o estritamente pedagógico, pois a
literatura “age com o impacto indiscriminado da vida e educa como ela – com altos e
baixos, luzes e sombras” (CANDIDO, 2002, p. 83).

Segundo o autor, a literatura humaniza, pois

confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o


exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o
próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas
da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos
seres, o cultivo do humor (CANDIDO, 2004, p. 180).

Portanto, humanizar-se relaciona-se às instâncias intelectual (reflexão, conhecimento),


social, emocional e perceptiva. Tornar-se mais humano significa crescer nos aspectos
relativos ao conhecimento, na aquisição (ou construção) do saber, e, consequentemente,
na capacidade de reflexão. Além disso, também implica a disposição para o convívio
social, que pressupõe qualidade na relação com o outro, facilitada por virtudes como
cordialidade, generosidade. O terceiro fator de intervenção da literatura diz respeito ao
aperfeiçoamento dos estados internos, cujo resultado se expressa em um melhor
controle diante de situações adversas, manifestado na capacidade de lidar com
momentos de dificuldade e de compreender que viver traz em si o status da
complexidade. Por último, Antonio Candido enumera o senso da beleza e o cultivo do
humor como relevantes no processo de humanização.

A função humanizadora da literatura não se soma às tradicionais – catártica, estética,


lúdica, cognitiva – e nem as exclui, mas abrange a todas elas. Dessa maneira, a

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finalidade de humanização pode ser vista como a justificativa para a existência da
literatura, englobando as demais funções e delas dependendo para alcançar seu
propósito.

Essas concepções podem ser explicadas pelo processo de comunicação texto-leitor em


que a adesão emocional, provocada pelo poder imagético da linguagem, provoca o
leitor a situar-se como sujeito da produção do texto. Paralelamente, ao assumir a
condição de (co)autor, o leitor ensaia situações das quais sai modificado e preparado
para olhar a própria vida de modo mais lúcido e crítico. Complementa-se, assim, o ciclo
referido pela Estética da Recepção e que é constituído pela aisthesis, a poiesis e a
catharsis.

Tais noções conduzem a um posicionamento inovador em face da literatura e da leitura


de textos literários, a qual, por sua vez, funda-se na concepção de literatura como
manifestação da cultura e no valor humano e social das manifestações literárias. Como
núcleo da representação de um mundo possível, a obra é o espaço onde se desenha a
diversidade de uma cultura; é também o lugar de onde se irradiam as significações
perseguidas pelo leitor e o encontro dessas com seu próprio mundo, o que lhe permite
atribuir-lhe sentidos. Nem as significações do leitor estão imunes às implicações do
tempo histórico e social, tampouco a intencionalidade do texto, desejada pelo autor,
deixa de ser um cronótopo.

2 OS LEITORES E A INTERPRETAÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO

O tratamento da literatura como manifestação da cultura e a valorização do leitor como


agente de construção do sentido do texto baseiam-se em estudos desenvolvidos acerca
do conceito de texto e das noções que fundamentam a recepção. Essa última questão é
enfocada, sobretudo, pela Estética da Recepção, alicerçada por Hans Robert Jauss e
Wolfgang Iser.

Para Jauss, leitores de uma mesma época recebem de maneira diferente uma mesma
obra por terem vivências e percursos de leitura variados; leitores em épocas distintas
igualmente constroem diferentes leituras motivadas por aspectos que dizem respeito
especialmente aos fatores sociais. Dessa maneira, para Jauss, “a obra literária não é um
objeto que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada época um mesmo
aspecto” (JAUSS, 1994, p. 25).

Iser, por sua vez, também contribui com a Estética da Recepção, particularmente com a
noção do efeito estético, que se desdobra na estrutura de apelo do texto e na concepção
do leitor implícito (ISER, 1999). A estrutura concebida como apelativa tem origem em

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Roman Ingarden, que apregoa a existência de pontos de indeterminação no texto
literário que devem ser preenchidos pelo leitor (INGARDEN, 1965). O processo de
leitura, nessa concepção, exige um esforço no sentido de reduzir as ambiguidades ou
aceitar a multiplicidade de significados que se apresentam a partir da linguagem.

Os vazios, oriundos da impossibilidade de a linguagem de expressar de forma completa


tudo o que se propõe a dizer, aliados ao fato de o escritor construir uma estrutura de
texto lacunar, comprometem o leitor a dialogar com ele, objetivando antecipar situações
e eventos de personagens para, assim, sanar dúvidas em relação ao dito e buscar um
significado para o que lê (ISER, 1999). O texto, com uma estrutura porosa, instaura um
leitor, a quem Iser denomina de “implícito”. O leitor implícito, tal qual ele o concebe,
não se refere “a um leitor individual, empírico ou ideal, do texto literário” (ISER, 1999,
p. 38), mas resulta de uma estrutura que tem certo domínio sobre quem lê, orientando-o
para determinadas respostas. Wolfgang Iser, nesse sentido, dá, com sua teoria da
estrutura apelativa do texto e com a concepção do leitor implícito, uma contribuição
decisiva para o fortalecimento da Estética da Recepção.

Deriva dessa concepção a necessidade de conceituar texto. A Pragmática, a Teoria da


Enunciação, a Análise do Discurso, em especial, acentuam, no texto, sua natureza
processual em que as condições de produção interferem na significação e em que os
interlocutores do ato comunicativo “são entidades situadas em um tempo histórico e em
um espaço sócio-cultural bem definido que condicionam o seu comportamento
linguístico” (REIS, 2000, p.111). Todavia, como a linguagem é incapaz de dar forma
concreta a todas as intenções de seu usuário, o próprio texto expõe uma estrutura
lacunar em que os não-ditos assumem significações; essas, por sua vez, também variam
e se expandem em função da atividade do leitor, o que dá à leitura do texto literário um
caráter mutável e transitório. De acordo com Roger Chartier (1996, p.241), “[...] as
leituras são plurais, são elas que constroem de maneira diferente o sentido dos textos,
mesmo se esses textos inscrevem no interior de si mesmos o sentido de que desejariam
ver-se atribuídos”.

A ideia da pluralidade de leituras explica-se, assim, por um lado, pela natureza do texto,
por outro, pela singularidade do leitor, que, entretanto, é influenciado socialmente, pois
se situa em determinado tempo e espaço. Logo, os efeitos do texto verbal sobre o leitor
não se limitam à decodificação de significantes, pois esse ato cognitivo se relaciona à
sua experiência de mundo. Dela depende a maior ou menor eficácia da leitura que,
como trabalho ou prática significante, exige do leitor o preenchimento dos “pontos de
indeterminação” (INGARDEN, 1965, p.269), dos “espaços em branco”, dos
“interstícios” para que o texto  “mecanismo preguiçoso” (ECO, 1979, p.37)  possa
funcionar.

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Já que “um texto postula o próprio destinatário como condição indispensável não só da
própria capacidade concreta de comunicação, mas também da própria potencialidade
significativa” (ECO, 1979, p. 37), o leitor é considerado peça fundamental da leitura.
Paralelamente, se a significação resulta da atuação direta do leitor ou de uma
comunidade de leitores, a leitura de um determinado texto deixa de ser universal e fixa
para agregar sentidos que são perpassados por circunstâncias sócio-histórico-culturais.
Portanto, a noção de leitor, atribuída a uma entidade individual ou coletiva, cuja
atividade sofre os influxos das estratégias textuais e/ou das competências, usos, normas,
interesses de uma “comunidade de interpretação” (CHARTIER, 1996, p.67),
correlaciona-se fundamentalmente à compreensão do que seja texto, centrando-se em
ambas as noções as mudanças epistemológicas que alteram os estudos da leitura e da
literatura.

O novo paradigma tem suas origens em estudos diversos, entre os quais cumpre citar os
de Mikhail Bakhtin e os de Roland Barthes. Segundo o ponto de vista de Bakhtin
(BAKTHIN, 1988), a transferência da ênfase do autor para o leitor decorre da origem
social do signo e a natureza coletiva da linguagem, o que explica o infindável
questionamento que a palavra traz em si e que Bakhtin denomina dialogização. Como o
sujeito da enunciação se expressa a partir do cruzamento de intenções, de opiniões e de
pontos de vista alheios, ele jamais é o representante de si mesmo, instituindo-se como
voz em função de um grupo e do conjunto de ideias que adota ou que contesta. A
natureza dialógica do texto literário determina, segundo Bakhtin, a análise de seus
aspectos composicionais contra o pano de fundo do momento sócio-histórico-cultural
em que surge, fato que imprime dupla orientação à atividade crítica. Em razão dessa
perspectiva dual, o projeto relaciona o texto literário aos fatos sociais, questionando,
porém, o posicionamento que excluía o leitor e seu contexto do exercício crítico-
reflexivo.

Segundo Barthes, o texto se explica pela metáfora da rede, em que o destecer da trama e
o preenchimento dos vazios permitem nova urdidura. A textualidade (BARTHES, 1984,
p.49-53) é, pois, garantida pelo ato de ler que dá lugar à irrupção de intertextos no
próprio texto, cujo movimento constitutivo é a travessia, a passagem, a transferência. A
significação é instituída pelo leitor, responsável pela execução do “jogo” proposto pelo
texto.

O texto concebido como uma rede, cujos pontos de conexão revelam o diálogo com
outros textos e a noção de hipertexto introduzem mudanças nos estudos da literatura e
nas práticas de leitura, uma vez que invocam, pela transferência contínua de seus
limites, a intertextualidade e o hibridismo de linguagens. Ao definir a literatura como
leitura em processo, a intertextualidade prevê a contribuição do leitor competente,
capaz de atualizar as remissões a outros textos, instaladas no texto que ele lê. O
hipertexto, por sua vez, através das conexões construídas por palavras, imagens visuais,
sonoridades, representa, em sua materialidade eletrônica, a emergência plural de textos

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que faz parte da natureza da textualidade. Portanto, os atuais conceitos de
intertextualidade e hipertextualidade rejeitam a ideia de que os textos são produções
autônomas e autotélicas para legitimar a atuação do leitor como agente da significação;
revogam o isolacionismo das linguagens para assinalar o cruzamento interlinguagens
ou intersemiótico. Por fim, canalizam a adesão das atividades docentes ao recurso
tecnológico do hipertexto, que permite traduzir materialmente as rupturas que a escrita
sugere, mas cuja emergência sua linearidade reprime. Consequentemente, o enfoque
sobre a textualidade e a hipertextualidade referenda a coexistência do múltiplo e do
simultâneo, que põe em execução o diálogo do texto. Paralelamente, a convergência de
linguagens e a superposição de códigos traduzem a permeabilidade entre discursos e
apontam para a aproximação entre a literatura e a cultura, fenômeno que a prática
pedagógica da leitura de textos literários parece ignorar.

3 A LEITURA LITERÁRIA NA PRÁTICA DOCENTE

A inserção da literatura enquanto disciplina escolar garante, teoricamente, a presença


de textos literários na formação leitora dos alunos brasileiros. Entretanto, as usuais
formas de abordagem – calcadas no modelo historicista ou voltadas ao didatismo ou
utilitarismo linguístico – pouco têm contribuído para que a educação literária cumpra
um de seus principais papéis, que é fazer com que “[...] as novas gerações incursionem
no campo do debate permanente sobre a cultura” (COLOMER, 2007, p. 29). Assim,
além de ineficientes no desenvolvimento da capacidade leitora e da reflexão crítica a
respeito do contexto sócio-cultural, as habituais práticas de abordagem do texto
literário na escola costumam subtrair dos estudantes a fruição estética inerente à
literatura, buscando reduzi-la a um material didático ou a um instrumento de
doutrinação.

Analisando o contexto brasileiro, a pesquisadora Marisa Lajolo esclarece que a crítica


ao tratamento dispensado à leitura – sobretudo, da literatura em língua portuguesa – é
antiga, constando de documentos datados de 1835. Para ela, é preciso reconhecer que
“somos herdeiros de uma tradição escolar pobre e improvisada, a qual precisa ser o
contexto de qualquer avaliação do que se tem feito ou dito até agora” (LAJOLO, 2000,
p. 21). Assim, o sistema público de ensino atual que fracassa na formação de leitores
competentes e críticos – mesmo entre os universitários, o índice de analfabetismo
funcional alcança 38%, segundo pesquisa do Instituto Paulo Montenegro (IPM) e da
ONG Ação Educativa – tem suas raízes na escola do século XIX, que menosprezava o
ensino da língua e da literatura nacionais e, consequentemente, a própria profissão
docente (LAJOLO, 2000).

Embora de maneiras diferentes, também os materiais didáticos e os manuais de leitura


inscritos nos livros infanto-juvenis atualmente perpetuam problemas centenários de

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abordagem pedagógica, além de inscrever a literatura – e, obviamente, o professor e as
práticas escolares – no circuito mercadológico das editoras, em cujos catálogos figuram
as mais variadas formas de persuasão. Segundo Lajolo, o reconhecimento deste cenário
pelo docente é o passo inicial para que adote uma postura menos ingênua, que não se
identifica com o conformismo pessimista de quem não vê alternativas para a educação
nem com o ufanismo de quem proclama fórmulas mágicas para a formação de leitores.
Lajolo alerta:

Técnicas milagrosas para convívio harmonioso com o texto não existem, e as


que assim se proclamam são mistificadoras, pois estabelecem uma harmonia
só aparente, mantendo intato – quando já instalado – o desencontro entre
leitor e texto (2000, p. 14).

Dessa forma, intervenções eficientes no contexto escolar passam pelo professor, cuja
formação continuada deve englobar os debates teóricos atuais a respeito de leitura e de
literatura, frequentemente secundarizados – ou até ausentes – nas discussões
pedagógicas. Para Teresa Colomer, o docente deve compreender que “[...] incentivar a
leitura e ensinar a ler são os dois eixos sobre os quais discorre a inovação no ensino da
literatura” (COLOMER, 2007, p. 198). Nesse cenário, pesquisas apontam que a prática
de maior eficácia na formação de leitores é a realização de projetos prolongados de
leitura, que apresentam vantagens como a articulação entre os momentos de leitura e de
realização de exercícios, de modo que o ato de ler e as tarefas façam parte de uma linha
progressiva de interpretação; a inter-relação entre os processos de leitura e de escrita,
convertendo os alunos em emissores e receptores de uma variedade de textos escritos e
orais e explicitando as habilidades linguísticas comuns a ambas as atividades e o
favorecimento da assimilação das aprendizagens, através da rede de associações
cognitivas e afetivas estabelecidas pelas atividades.

Segundo Lajolo (2000), junta-se à necessidade da transformação das atividades de


exploração textual, a seleção de textos que possam participar da mesma “esfera de
cultura” (2000, p. 45) que o aluno, pois “ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele não
tem sentido nenhum. E o mesmo se pode dizer de nossas aulas.” (2000, p. 15). Quando
o texto e a realidade do discente se conectam, completa-se o círculo que transita “do
mundo da leitura para a leitura do mundo”, instaurando uma “[...] espiral quase sem
fim, que pode e deve começar na escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se
nela” (LAJOLO, 2000, p. 7).

Sob este viés, o projeto “Texto literário: espaço de reflexão crítica e de formação de
sujeito” visou à aproximação dos alunos com a literatura brasileira, por considerá-la um
elo entre a individualidade de cada aluno – que se concretiza, sobremaneira, nas
particularidades de seu percurso de leitura de cada texto – e a coletividade multicultural
da nação a que pertence. Para intervir na realidade escolar, aliou-se a revisão
bibliográfica teórica a reflexões e atividades de ordem prática, englobando processos

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distintos de trabalho, em que professores e discentes participantes alternavam-se no
protagonismo.

Em sua primeira edição, o projeto promoveu a discussão, entre professores e


pesquisadores, de bibliografia teórica nas áreas da literatura, cultura e diversidade
cultural – como estudos de Ítalo Calvino, Umberto Eco, Antonio Candido, Stuart Hall e
Wolfgang Iser. A partir do debate, foram elaborados ensaios teóricos adaptados à
linguagem dos estudantes, a fim de que estes entrassem em contato com conceitos que
norteiam a interpretação de textos literários e as atividades científicas.

O aparato teórico abalizou a seleção das obras literárias a serem trabalhadas em sala de
aula, de modo a favorecer a identificação dos alunos com a temática abordada, a
expressão de aspectos relevantes da cultura brasileira e o trabalho estético com a
linguagem. A partir dos textos, foram elaborados roteiros de leitura, que seguem a
proposta metodológica elaborada pela pesquisadora Juracy Assmann Saraiva, com base
nas fases do processo hermenêutico descritas por Jauss. A metodologia – registrada no
livro Literatura na escola: propostas para o ensino fundamental (SARAIVA; MÜGGE,
2006, p. 48-51) – prevê a exploração do texto literário em três etapas sucessivas, que,
entretanto, se complementam no processo interpretativo. Em um primeiro nível, de
“leitura compreensiva”, o leitor busca descobrir “o que o texto diz” e, considerando as
especificidades de cada obra, esclarecer “como o texto diz aquilo que diz”. No segundo
nível, de “leitura interpretativa”, ocorre a sobreposição de leituras efetuadas pelo leitor,
que, relacionando texto e contexto, busca alcançar “o sentido do texto”. Finalmente, na
“etapa de aplicação”, há a ampliação da experiência literária, por meio da correlação
com outros campos de conhecimento e com formas diversas de manifestações culturais,
de forma a evidenciar “o diálogo [...] entre o texto e o contexto estético-histórico-
cultural atual e o do momento de sua produção”.

Os roteiros de leitura elaborados nesses moldes foram previamente discutidos com as


alunas bolsistas do projeto em encontros extraclasse com a docente, as quais sugeriram
ajustes quando julgaram necessário. Posteriormente, coube às alunas a aplicação e
discussão das atividades em sala de aula, bem como a avaliação, em conjunto com a
professora orientadora, das repercussões junto à turma. Por fim, os resultados dessa
experiência foram socializados em reuniões com todo o grupo de pesquisa na
Universidade Feevale e em eventos de Iniciação Científica.

4 NOVA ABORDAGEM DO TEXTO LITERÁRIO PARA NOVOS RESULTADOS

O trabalho com roteiros de leitura na Escola Estadual de Ensino Médio Monsenhor José
Becker foi coordenado pelas alunas Jamile Altmmann Ludwig, Greice Luft, Letícia
Mayer Borges e Darlene Nascimento dos Santos, orientadas pela professora Tatiane

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Kaspari. Nas aulas de Língua Portuguesa destinadas ao projeto, as discentes assumiam a
tarefa de motivar a leitura da narrativa sugerida. Após, realizavam a gestão das
atividades propostas nos roteiros e conduziam a discussão das opiniões dos colegas
frente aos questionamentos sobre o texto lido previamente.

Nesse processo, operou-se uma importante ruptura da relação hierárquica


tradicionalmente instituída em sala de aula. O nivelamento entre professora e alunas
bolsistas – afinal, todas possuíam o conhecimento do texto e estavam capacitadas para
discuti-lo e para problematizar as questões a respeito dele – se estendeu aos demais
discentes, constituindo um ambiente propício para que eles se reconhecessem em um
grupo de “iguais”, em que todos pudessem contribuir na construção do saber. Esse
aspecto foi fundamental para o aumento da participação em aula durante a análise dos
textos literários, constatando-se, como um dos mais gratos resultados, que houve a
participação efetiva de alunos outrora apáticos ou resistentes em atividades de discussão
de elementos textuais e, sobretudo, de estabelecimento de relações com a realidade
brasileira.

Durante a análise do poema Excursão, de Sergio Caparelli, por exemplo, emergiram


questões referentes à configuração e à importância dos relacionamentos amorosos entre
jovens e a problemáticas de gênero. O conto Gente grande, de Domingos Pellegrini, por
sua vez, enfocou os conflitos familiares, levando muitos estudantes a exporem, pela
primeira vez, suas impressões, sentimentos e lembranças referentes ao processo de
separação dos pais – alguns, oralmente em grande grupo; outros, individualmente à
professora ou em produções textuais. Essa identificação dos adolescentes com as
narrativas trabalhadas, indubitavelmente, figura como um dos aspectos mais relevantes
da educação literária, pois permite que, paralelamente à fruição estética, haja o
desenvolvimento identitário dos leitores.

Nesse ponto, vale esclarecer que não se ignora o caráter subjetivo do registro desses
resultados, enumerados a partir da observação docente, e que poderia constituir
argumento de objeção ao real êxito do projeto. Todavia, há que se considerar a natureza
subjetiva da própria experiência da leitura literária e de suas ressonâncias na vida do
sujeito. Assim, dada a impossibilidade de mensurar objetiva e numericamente o
desenvolvimento da habilidade leitora dos alunos e de seu envolvimento com a
literatura – a qualidade da leitura não é necessariamente proporcional à quantidade de
livros lidos –, as constatações da professora encontram respaldo no depoimento dos
discentes, que, ao final do projeto, registraram suas impressões e opiniões1ii:

Os textos selecionados para a leitura despertaram o interesse das turmas pois


traziam assuntos da atualidade e que permitiam a identificação dos alunos
com as personagens. (Darlene Nascimento dos Santos)

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Em relação às minhas produções textuais fico entre duas, a produção a partir
de Gente Grande (A crise) e a produção a partir de Passeio Noturno (Caixas),
pois as duas não são ficção, e sim, a forma que eu encontrei de esclarecer
para mim alguns sentimentos, o texto “A crise” eu escrevi pensando em
algumas brigas que tive com meus pais no período, e o texto “Caixas”
exemplifica meu dilema desde que comecei a trabalhar, manter-me porque
preciso, ou largar tudo porque não me faz feliz, porque não é isso que eu
quero, além de toda relação subjetiva que tenho com a lua e a noite desde
criança. (B. L. – nome não revelado para preservar a identidade do
adolescente)

Assim como B. L. externou – em uma narrativa produzida a partir do trabalho com o


conto Passeio Noturno, de Rubem Fonseca – a angústia e a frustração de um emprego
mantido pela necessidade financeira, uma aluna confessou ter exposto – na redação feita
a partir do conto Gente grande – uma situação que gostaria de ver concretizada, mas
que é inviabilizada pelo desejo de sua mãe: conhecer o pai biológico e compreender os
motivos de seu abandono. Tais exemplos permitem perceber que a ficção projetou, para
muitos alunos, um espaço – ainda que virtual – de resolução de conflitos internos e de
vivências que a realidade, por si só, não suporta. Quando os textos adquiriram “sentido”
na vida desses jovens, as aulas também o tiveram. Decorra, talvez, desse aspecto, uma
adesão crescente das turmas às obras literárias e às atividades propostas no decorrer do
projeto.

É importante frisar, porém, que as tarefas constantes dos roteiros de leitura oferecidos
aos alunos não se restringiam a questões abertas que estabelecessem relações diretas
entre o texto e a realidade do educando. Questões linguísticas, estilísticas e próprias da
estrutura textual – como a sequencialidade das ações, a configuração do espaço e das
personagens, a distinção entre discurso e história – foram objeto de análise e
proporcionaram um aprofundamento da interpretação dos alunos, pois os recursos
estudados em um texto tornaram-se mais evidentes e facilmente compreensíveis em
outras produções. Esse fato modificou a percepção que alguns alunos possuíam sobre si
mesmos enquanto leitores: “apesar de já possuir o hábito da leitura, vejo-me como ainda
mais leitora, mais investigativa, buscando interpretar as histórias profundamente.”
(Jamile Altmmann Ludwig).

Além disso, o estudo aprofundado dos textos repercutiu na linguagem empregada pelos
discentes – “O vocabulário tornou-se mais rico e aprimorado.” (Greice Luft) – e
favoreceu um aprimoramento nas produções textuais, principalmente escritas. Nestas,
constatou-se uma tentativa de aproximação com a escrita dos autores lidos – brasileiros
e contemporâneos –, modificando-se a habitual busca escolar por uma expressão
rebuscada que impressionasse o docente pela procura por uma linguagem simples,
enxuta, mas muito significativa – como se verifica na redação que consta em anexo a
este artigo.

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Nas produções orais e apresentações artísticas vinculadas aos roteiros, também houve
avanços, já que a atuação das bolsistas em sala de aula proporcionou maior desinibição
aos colegas. É indubitável, porém, que a participação das bolsistas favoreceu
principalmente a elas mesmas, pois o maior tempo de envolvimento com as atividades –
os encontros extraclasse continuaram ocorrendo mesmo fora do calendário escolar – e a
responsabilidade pelo compromisso assumido potencializaram resultados como o
desenvolvimento da autonomia, da organização e da segurança ao expressar sua opinião
frente a outras pessoas; o contato com a metodologia científica; a reafirmação identitária
e da autoestima; o desenvolvimento do gosto pela leitura e pela pesquisa e o
significativo avanço na habilidade de escrita de textos e na expressão oral – com
ampliação do vocabulário e construções linguísticas de maior complexidade.

Ao transformarem-se em “alunas-referência” na escola, as bolsistas viram alterar-se o


relacionamento com os demais discentes – com os quais houve aproximação por
motivos diversos, como identificação, admiração ou busca de apoio mútuo – e com os
professores – uma vez que elas souberam reconhecer as dificuldades e as gratificações
próprias do trabalho docente –, como revelam os excertos a seguir:

Percebeu-se uma aproximação significativa frente aos colegas. As bolsistas


tornaram-se um ponto de referência, liderança em sala de aula. Professores
lançaram um olhar de respeito e admiração pelas mesmas. (Greice Luft)

[O projeto] repercutiu no modo de agir, no modo de me portar frente à turma,


o uso de um vocabulário mais formal e o pensamento que tinha sobre os
professores. (Jamile Altmmann Ludwig)

A autoestima e a vocação científica emergentes desta experiência resultaram na


proposição de um roteiro de leitura, elaborado pelas bolsistas a partir da crônica “A
aliança”, de Luis Fernando Verissimo. A qualidade das questões propostas sobre um
texto que se resguarda em uma enunciação ambígua explicita o êxito do projeto, pois,
mais do que encontrar respostas definitivas e consensuais, o que se pretendeu foi levar
os alunos à reflexão, ao contínuo exercício de pensar e de questionar o mundo a partir
da leitura literária.

Antes de chegar a um resultado final satisfatório, as alunas produziram várias versões


do roteiro, em um processo de escrita e de reescrita que perdurou por nove meses. Nesse
percurso, operou-se um amadurecimento cognitivo-emocional das bolsistas, que,
lidando ora com a frustração, ora com o sucesso, desenvolveram a habilidade de criticar
respeitosamente e de aceitar críticas como importantes ferramentas para a evolução
intelectual. Dessa forma, considera-se que a atividade – cuja motivação partiu das
próprias bolsistas – proporcionou a elas aprendizados significativos para o futuro:

O espírito de liderança e equipe foi proporcionado para cada bolsista durante


o projeto, a comunicação frente a um grupo foi trabalhada, o

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desenvolvimento do senso crítico, a habilidade compreender problemáticas,
originando assim, uma bagagem rica em conhecimentos para uma futura
profissão. (Greice Luft: atualmente, acadêmica de Direito.)

O projeto em si, com todas as atividades, roteiros e experiência, trouxe só


benefícios para minha futura profissão, exemplos de atividades, oportunidade
de estar à frente de uma turma, conhecer textos teóricos e não só literários,
interagir com grandes profissionais. (Letícia Mayer Borges: atualmente,
estudante de Letras.)

O maior aprendizado proporcionado pelo projeto, porém, parece estar no outro lado das
carteiras escolares, junto ao docente, que se vê transformado pelo triunfo da literatura
em sala de aula. Da mesma forma que os alunos que atendeu, a professora orientadora
nunca havia participado – como aluna ou docente – de um projeto efetivo de promoção
da leitura. As reflexões teóricas e a abertura exigida pela metodologia proposta
operaram uma mudança conceitual quanto à função social de sua profissão:

Certamente, após a participação no projeto, tenho outra visão a respeito das


práticas de exploração textual e até mesmo de meu papel enquanto
professora. Atualmente, percebo que, quanto mais acreditar no potencial dos
alunos, mais serei surpreendida por sua capacidade, uma vez que a postura
aberta e esperançosa do docente abre espaço para a participação criativa e
construtiva dos estudantes. Agora, não procuro mais “ensinar literatura”, mas
sou uma mediadora de leitura, ciente da sedução e do papel social inerentes
ao texto literário. (Tatiane Kaspari)

Em suma, o projeto demonstra a viabilidade de melhorar, e muito, a educação –


sobretudo, no tocante à formação leitora – a partir de estratégias metodológicas que
favoreçam o processo de ensino e aprendizagem, por meio do envolvimento e do
consequente protagonismo de discentes. O que se precisa, essencialmente, é de acesso a
textos de qualidade e de professores qualificados e comprometidos o suficiente para
fazer seus alunos trilharem o caminho da leitura, sem lhes tolher a liberdade e o prazer
da fruição estética, tão individual e decisiva para cada leitor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com textos literários em sala de aula é, frequentemente, justificado pela


possibilidade de ensino da língua ou de expedientes retóricos. Ainda que inegável a
estreita relação entre língua e literatura, é preciso considerar as faces social, histórica e
cultural da literatura, que, nessa perspectiva, torna-se instrumento de formação pessoal
dos alunos e de sua preparação para a diversidade social e cultural, pois fomenta a
interação social, o autoconhecimento e o contato com as questões filosóficas e artísticas
de cada época, inclusive a atual.

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A educação literária, assim, constitui aprendizado perene, pois lança raízes sobre as
práticas sociais dos sujeitos que se veem instigados pela leitura e que são capazes de tê-
la como objeto de prazer intelectual e, igualmente, de questionamento da realidade. Por
esse motivo, os idealizadores do projeto “Texto literário: espaço de reflexão crítica e de
formação de sujeito”, embora gratificados pelos resultados a curto prazo de seus
esforços, ambicionam uma transformação na educação – e, talvez, na cultura –
brasileira, no que concerne à valorização e ao tratamento dispensado ao texto literário.

Mesmo após finalizado o prazo previsto pelo Edital PICMEL, foi manifestado o
interesse dos professores e bolsistas de prosseguirem voluntariamente no projeto. De
forma semelhante, no decorrer das atividades, houve adesão de outros professores e
bolsistas e, consequentemente, a expansão do alcance do projeto a outras instituições de
ensino e cidades. Esse fato evidencia a viabilidade de instituir uma cultura de
construção do conhecimento, em que docentes e alunos assumam o protagonismo da
busca por soluções para problemas de ordem pessoal e social, após uma reflexão crítica
e cuidadosa. O espaço privilegiado para o encontro entre esses atores da educação é o
texto literário, cujo caráter ficcional pode ser importante agente de transformação da
realidade, a começar pelo próprio sistema educacional brasileiro.

ANEXO

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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16
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BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

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REIS, Carlos, LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de narratologia. Coimbra:


Almedina, 1987.

SARAIVA, Juracy Assmann, MÜGGE, Ernani e cols. Literatura na escola – propostas


para o ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.

*
Mestre e doutoranda (com bolsa PROSUP – Capes) em “Processos e Manifestações Culturais”, na
Universidade Feevale. Graduada em Letras – Português (Licenciatura Plena), pela Universidade Unisinos.
**Professora e pesquisadora da Universidade Feevale e bolsista em produtividade do CNPq. Doutora em
Teoria Literária pela PUC/RS e Pós-Doutora em Teoria Literária pela UNICAMP.
***Bolsista de Pós-Doutorado – CAPES, na Universidade Feevale. Doutor em Literatura Brasileira,
Portuguesa e Luso-africana pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
1
Todos os trechos citados nesse capítulo foram retirados de produções textuais dos alunos elaboradas
durante o projeto e dos relatórios de avaliação realizados ao final das atividades. A fim de que os
discentes pudessem ter retorno de suas redações, os textos foram digitalizados e arquivados junto ao
relatório final do projeto, encaminhado aos órgãos competentes (CAPES e FAPERGS).

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