brasis Edição n.

3 / março 2019

Marinete
Silva
Uma brasileira em
busca de justiça

Quem mandou Lula Não somos

matar Marielle? Livre terroristas
A relação entre o assassinato A luta pela Ensaio fotográfico
e as milícias no RJ democracia no Brasil sobre o MST
 E D I TO RI AL

Ano novo com Lula. Vígilia estende faixa de 60 metros em frente à Superintendência da PF em Curitiba. FOTO: Ricardo Stuckert

Olhar além do calendário eleitoral,
até mesmo para visualizar correta-
mente o próprio calendário político e
eleitoral.
A conjuntura, em sentido macro,
aponta para um mundo em perma-
nente “estado” de exceção. Note-se a
inicial minúscula do vocábulo estado.
Estado como condição, atmosfera,
cultura. Essa tem sido a história da
humanidade, ainda que as altas es-
feras de sua sociedade política na
mordernidade, à direita e à esquer-
da, estivessem imersas num jogo de
disputas de poder nos quais ainda
prevaleciam algumas regras. Ou, no
termo cunhado por Rousseau: tais
regras ganharam o formato de um
contrato social.
Reiteramos: o mito do contrato
social foi vivenciado, por quase três
séculos, apenas pela cúpula da socie-
dade política, pelos estratos médios
e superiores da pequena burguesia
e pela burguesia. Usufruiram desse
contrato, apenas em períodos restri-
tos, algumas camadas do proletaria-
do e parcelas da pequena burguesia
situada em seus estratos inferiores.
Em 1940, Walter Benjamin, em suas
polêmicas “Teses sobre o conceito
de história”, precisamente na oitava
tese, desnudou o mito do contrato
social: “A tradição dos oprimidos nos
ensina que o ‘estado de exceção’ em
que vivemos é na verdade a regra ge-
ral. Precisamos construir um conceito
de história que corresponda a essa
verdade. Nesse momento, percebere-
mos que nossa tarefa é originar um
verdadeiro estado de emergência;
com isso, nossa posição ficará mais
forte na luta contra o fascismo.”
O deserto do real, enfim, aparece
a todos e todas. Desde as sucessivas
quebras da pseudo autoridade da
ONU com as intervenções militares
dos EUA, aos golpes constitucionais
na América Latina, assiste-se ao des-
moronamento das ilusões com as
tais regras democráticas alardeadas
e, quando conveniente ao capital,
desconstruídas diuturnamente.
É assim que a Esquerda Popular
Socialista, tendência interna do PT,
convida à reflexão sobre a conjuntura
brasileira e as tarefas da esquerda:
criar aqui o nosso estado de emer-
gência para confrontar o estado de
exceção. Marielle Vive! Lula vive! E
viva a luta da classe trabalhadora!

EXPEDIENTE
Brasis é uma revista da Esquerda Popular Socialista, tendência interna do PT (EPSdoPT).
Edição: Gabriel Oliveira e Luís Carlos Design gráfico: Agnaldo Almeida e Jonas Santos Foto de capa: Jonas Santos Ilustrações gentilmente cedidas por
Daaniel Araújo, Raul Córdula e Christiano Mascaro
Conselho Editorial: Anderson Rodrigo, Carla Ayres, Elida Miranda, Elenira Vilela, Gabriel Oliveira, Ivan Alex Lima, João Daniel, Luis Carlos, Renata Rossi
Sheila Oliveira, Thiago Dhatt, Valmir Assunção, Tiago Soares e Yuri Brito.
Email: revistabrasis@gmail.com Facebook: Revista Brasis

2
 Í N D I CE

Lula é dever nosso, lutar por sua liberdade, para defender os

direitos do povo brasileiro! 4

Um ano sem Marielle 6

Marinete da Silva, brasileira 10

200 Anos marx 12

Mulheres petistas: resistência contra a violência14

Nota sobre as PM’s e a “filosofia da guerra” 16 “É uma dor profunda”
Quer que eu desenhe? 18

Cartuns 20

Poesia de Bell Puã 22

ENSAIO: Não somos terroristas 24

Mineração e autogestão: uma solução 28

Última página 29

“ É uma dor
profunda”
Benedita da Silva, deputada e ex-go-
vernadora do Rio de Janeiro, ao deixar
a sede da Superintendência da Polícia
Federal em Curitiba, onde Lula é preso
político há 01 ano.
Foto: Ricardo Stuckert

3

Lula é dever nosso:
lutar por sua liberdade para defender
os direitos do povo brasileiro!
Tiago Soares
Secretário de Combate ao Racismo do PT - SP
Direção Nacional da EPS
Iniciamos o ano de 2019 com a
maior injustiça já vista na histó-
ria política recente do país, a ma-
nutenção da prisão sem provas do
ex-presidente LULA nos traz a refle-
xão sobre o quanto nossa democra-
cia está fragilizada e cada vez mais
distante dos direitos fundamenta-
dos na Constituição de 88.
Como disse Cazuza uma vez,
“nossos inimigos estão no po-
der”. Foi preciso prender e con-
denar o ex-presidente Lula num
julgamento de exceção para tirar
o maior líder popular da disputa
nas urnas em 2018. Uma eleição
farsesca e totalmente em men-
tiras e fake news. Estamos ainda
num processo de transição para
um novo regime, onde a tríade
constitucional está quebrada.
Não existe mais equivalência
dos poderes da república. É per-
ceptível que o poder judiciário
assume um protagonismo maior
junto com o braço militar e arma-
do do Estado. Foi nesse contexto
que Sergio Moro virou ministro
da Justiça. A violação dos direitos
sociais com a reforma da previ-
dência e trabalhista sugerida por
Guedes mostra que este governo
ultraliberal e autoritário não me-
LU L A L I V RE
“
Foi preciso prender e
condenar o ex-presidente
Lula num julgamento
de exceção para tirar
o maior líder popular
da disputa nas urnas
em 2018.
dirá esforços para quebrar o pacto
social constituído em 1988 para
manter a economia brasileira sob
a tutela do capital internacional,
em especial do império estaduni-
dense. Mesmo que para isso tenha
que promover retrocessos nos di-
reitos dos trabalhadores, pobres,
das mulheres, da população ne-
gra, dos indígenas, e todos os seto-
res populares de nossa sociedade.
E a concretização dessa transi-
ção que tira o Brasil de um regime
de crescimento, garantia de direi-
tos e democracia para um regime
de governo conservador e repres-
sor só é possível com a manuten-
ção da prisão de Lula, cerceando
não apenas os seus políticos, mas
4
também seus direitos individu-
ais garantidos em lei. Lula precisa
deixar de existir como líder.
Por isso, a decisão do PT e de ou-
tros setores e dos movimentos so-
ciais de esquerda e progressistas
em manter a campanha Lula Livre
na rua é fundamental. A campa-
nha pela liberdade de Lula, para
ser efetiva, precisa ter envolvi-
mento de toda sociedade, e em es-
pecial de nossa militância. Precisa
organizar ações efetivas de impac-
to e esclarecimento, combater dia-
riamente a naturalização da pri-
são, criar comitê e ações política
nacionais, estaduais e nas locali-
dades onde estamos organizados.
Faz-se absolutamente necessá-
rio chegar naqueles que, de algu-
ma forma, direta ou indiretamen-
te, tiveram seus direitos assistidos
durante os 13 anos de governos do
PT. É absolutamente urgente a de-
fesa enfática de nosso legado. E a
defesa desse legado passa neces-
sariamente pela defesa da demo-
cracia e da liberdade de Lula.
 Foto Jonas Santos

5

Marielle
Há um ano o país foi abalado pelo
violento assassinato da vereadora
do Rio de Janeiro, Marielle Franco.
Somente às vésperas de completar
um ano do crime, a investigação
começa a apresentar alguns escla-
recimentos sobre os responsáveis,
jogando luz sobre o submundo das
milícias do Rio de Janeiro, expondo o
envolvimento dessas organizações
criminosas com o poder legislativo
carioca e levantando suspeitas so-
bre a relação dessas organizações
com todo o clã Bolsonaro, sobretu-
M ARI E L L E V I V E
Um ano sem
do, o senador recém-eleito pelo Rio
de Janeiro, Flávio Bolsonaro.
Eleita em 2016 como uma das ve-
readoras mais votadas do Rio, Ma-
rielle Franco desempenhou duran-
te sua trajetória nos movimentos
sociais e no legislativo fluminense
um intenso trabalho de denúncia
dos excessos das ações policiais nas
periferias da cidade, do terror que
as milícias difundiam nas comuni-
dades, do racismo, do genocídio da
população negra e do feminicídio.
Uma história de luta e dedicação
6
que foi interrompida de forma trá-
gica e criminosa.
Na noite do dia 14 de março de
2018, Marielle voltava de um evento
com jovens negras, na Lapa, quando
bandidos em um carro emparelha-
ram ao lado do veículo onde estava
e dispararam. O ataque ocorreu na
Rua Joaquim Palhares, no bairro do
Estácio, Região Central do Rio, na al-
tura do edifício do Detran. Marielle
Franco e seu motorista Anderson
Gomes foram assassinados a tiros,
enquanto outra passageira, asses-
Mídia Ninja/Reprodução
sora da vereadora, foi atingida por
estilhaços. A assessora sobreviveu
ao atentado.
A precisão do ataque ao carro de
Marielle, que possuía filme escuro
nos vidros, levou a polícia a traba-
lhar com a hipótese de os crimino-
sos terem acompanhado os passos
da vereadora por algum tempo, a
ponto de terem conhecimento pré-
vio da exata posição das pessoas
no interior do veículo. A vereadora
estava no banco de trás do carro, no
lado do carona e foi atingida com
pelo menos quatro tiros na cabeça.
Seu motorista foi atingido por pelo
menos três tiros na lateral das cos-
tas. Os responsáveis pelo atentado
fugiram logo após o ataque, sem le-
var nada.
A morte de Marielle causou gran-
de comoção e foi acompanhada
por uma série de atos pelo país. Em
Salvador, naquele período, o Fórum
Social Mundial reunia ativistas de
todo mundo para pensar e debater
saídas e enfrentamento ao capita-
lismo no mundo. Na noite da quin-
ta-feira, 15 de março, o Fórum reali-
zou a Assembleia Internacional em
Defesa das Democracias, no Estádio
de Pituaçu. O evento que reuniu di-
versas representações partidárias
da América Latina, transformou-se
num imenso ato em memória a Ma-
rielle. Entre os presentes, militantes
de diversos partidos e organizações
políticas da esquerda brasileira e
mundial. Entre eles, o ex-presiden-
te Lula, que seria preso apenas um
mês depois, expressou o seu pesar
e indignação que ecoou no estádio.
A repercussão internacional ex-
pôs para o mundo a deterioração da
democracia no Brasil pós-impeach-
ment, quando em 2016, a democra-
cia sofre um grande golpe com o a
interrupção do mandato de Dilma,
democraticamente eleita dois anos
antes. O crescente fascismo à brasi-
leira se manifestou ferozmente nas
redes sociais logo após a notícia do
assassinato de Marielle. Uma série
de ataques à sua memória nas re-
des sociais, com acusações das mais
vis. Mentiras sobre suas origens e
trajetória tentando ligá-la ao trá-
fico e ao crime sempre no sentido
de desqualificar sua atuação no
enfrentamento às milícias e à vio-
lência contra a população negra e
periférica no Rio.
Quem matou e quem mandou
matar?
Apesar da pressão popular, as
investigações se arrastaram por
quase um ano sem nenhuma nova
informação. Até a recente prisão
dos dois principais suspeitos pela
execução de Marielle, o caso já su-
perava em muito o tempo decorrido
para o termino das investigações de
casos semelhantes, como o da juíza
Patrícia Acioli, assassinada em 2011
também em resposta à sua forte
atuação no combate às milícias do
Rio. À época, a polícia levou 74 dias
para concluir o inquérito indicando
o tenente-coronel Cláudio Oliveira
— que na época comandava o bata-
lhão de São Gonçalo - como o man-
dante do crime, juntamente com
mais dez policiais.
Durante todo o ano que se passou
após a morte de Marielle, e antes de
chegar ao PM reformado Ronnie
Lessa e ao ex-PM Élcio de Queiroz,
o Ministério Público, Polícia Civil e
Polícia Federal vinham trabalhan-
do em diferentes linhas de investi-
gação.
A primeira delas surgiu em de-
7
núncia de testemunha que inte-
grava uma milícia na Zona Oeste
do Rio, o ex-PM Rodrigo Ferreira, co-
nhecido como Ferrerinha. O ex-PM
contou à polícia ter testemunhado
uma conversa entre o vereador do
Rio Marcello Siciliano e o miliciano
Orlando Curicica, na qual os dois
arquitetaram a morte da vereado-
ra. Ainda no final do ano passado,
Curicica pediu para ser ouvido e ale-
gou que estava sendo pressionado
pela polícia do Rio para assumir a
autoria do assassinato de Marielle.
Já em fevereiro deste ano, a própria
advogada de Ferreirinha, Camila
Nogueira, afirmou que não confia
mais na versão de seu cliente. Cami-
la também é investigada pelo MP.
Em janeiro último, pelo menos
cinco suspeitos no envolvimento
no assassinato da vereadora e do
motorista Anderson Gomes foram
presos pela Polícia Civil na operação
do MP chamada Os Intocáveis, que
mobilizou cerca de 140 policiais,
expediu 13 mandados de prisão pre-
ventiva contra integrantes de milí-
cias. Os principais alvos da opera-
ção foram o major da Polícia Militar
Ronald Paulo Alves Pereira, o ex-ca-
pitão do Batalhão de Operações Es-
peciais (Bope), Adriano Magalhães
da Nóbrega, chefe da milícia de Rio
das Pedras; e o subtenente reforma-
do da PM Maurício Silvada Costa, o
Maurição.
Embora o objetivo desta ação do
MP-RJ tenha sido atacar a milícia
que explora o ramo imobiliário
ilegal na comunidade de Rio das
Pedras com ações violentas e assas-
sinatos, há indícios de que dois dos
alvos de prisão comandem o Escri-
tório do Crime, braço armado da
organização, especializado em as-
sassinatos por encomenda. Os prin-
cipais clientes do grupo de matado-
res profissionais são contraventores
e políticos.
Já a prisão em março dos possí-
veis executores de Marielle resolve
apenas um capítulo do brutal assas-
sinato. A Polícia Civil e o Ministério
Público afirma ter provas convin-
centes que colocam Ronnie e Élcio
na cena do crime, o primeiro como
atirador o segundo como motorista
do carro, além do envolvimento de
ambos com as milícias no Rio de
Janeiro. Dentre os 32 mandados de
busca e apreensão que também fi-
zeram parte da operação que levou
a prisão de ambos, foram encontra-
dos 177 fuzis na casa de um amigo
pessoal de Ronnie, Alexandre Mota,
que também foi preso em flagrante.
No entanto, o caso está longe de
ser solucionado. A prisão dos execu-
tores a dois dias de completar um
ano da morte de Marielle, apesar de
ser um passo importante, pode ser-
vir também apenas como cortina de
fumaça para impedir que as investi-
gações cheguem aos mandantes do
crime político, que muito provavel-
mente envolve atores muito mais
poderosos do que apenas sargentos
e ex-policiais.
Foto: Bárbara Dias/Fotoguerrilha
A milícia no poder?
Não bastasse o brutal assassina-
to de Marielle e todas as respostas
ainda não dadas sobre o caso, a ano
de 2018 também foi marcado pela
eleição do candidato ultraconserva-
dor Jair Bosonaro à presidência da
república. Uma coisa não teria ne-
cessariamente relação com a outra
não fosse um grande detalhe: a co-
nhecida relação histórica da família
Bolsonaro com as milícias. E cada
vez mais indícios têm vindo à tona.
Em reportagem divulgada pelo O
Globo foram reveladas ligações do
miliciano preso pela operação Os
Intocáveis Adriano Magalhães com
Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz,
ex-motorista de Flávio. A mãe e a
mulher de Adriano trabalharam no
gabinete de Flavio na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Além disso, desde o final de 2018,
tanto Flavio Bolsonaro quanto
Queiroz tem sido protagonistas de
sucessivos escândalos envolvendo
movimentações financeiras volu-
mosas e irregulares na Assembleia.
Relatório divulgado pelo Conselho
de Controle de Atividades Financei-
ras - Coaf, revelou movimentações
bancárias atípicas das contas de ou-
tros assessores do então deputado
para a conta de Fa-
brício. Ao todo, as
movimentações
alcançaram mais
de R$ 7 milhões de
reais. Raimunda
Veras Magalhães
– a mãe do ex-ca-
pitão de Adriano
Magalhães– apa-
rece no relatório
do Coaf como uma
das pessoas que fi-
8
zeram depósitos para Fabrício Quei-
roz.
Como se sabe, a relações da famí-
lia Bolsonaro com as milícias já são
antigas. O próprio Flavio é autor de
duas homenagens a milicianos que
depois foram presos na operação do
MP. Em 2003, o major Ronald Pau-
lo Alves Pereira, foi homenageado
com uma moção de louvor e con-
gratulações por serviços prestados
à população, apenas três meses
de ter sido indicado como um dos
suspeitos da chamada Chacina da
Via Show, quando quatro rapazes
foram encontrados mortos no esta-
cionamento de uma casa de shows
em São João de Meriti, na Baixada
Fluminense. Um ano antes, o par-
lamentar já tinha concedido esse
mesmo tipo de homenagem ao
mesmo Adriano Magalhães. Não
por mera coincidência, aliás, Flavio
foi o único deputado a votar contra
a CPI das milícias na Assembleia
em 2015.
São fartos os indícios de relação
do clã Bolsonaro com as milícias do
Rio de Janeiro, a relação delas com
os sucessivos mandatos da família.
Há elementos que relacionam o
próprio Bolsonaro não apenas com
as milícias como com o próprio exe-
cutor de Marielle, Ronnie Lessa. O
PM reformado acusado de atirar na
vereadora residia no mesmo condo-
mínio e a apenas 50 metros da casa
do agora presidente da República,
que apesar de negado qualquer co-
nhecimento do policial, foi confir-
mado pela Polícia Civil que seu filho
namorava a filha de Ronnie.
Após o ano do assassinato, pode-
mos estar diante de um caso que
signifique não só um crime político
contra a vereadora, mas também a
elucidação do envolvimento direto
do presidente do Brasil e sua famí-
lia com a atuação ilegal e violenta
das milícias no Rio, e por consequên-
cia de inúmeros crimes e assassina-
tos cometidos por elas. Por isso a
pergunta fundamental permanece
ainda sem resposta: quem mandou
matar Marielle?
A trajetória de Marielle Franco
Marielle foi uma brava guerreira
das favelas cariocas que dedicou sua
vida à luta em defesa dos direitos
humanos e pela melhoria da vida
da população que vive nessas loca-
lidades.
Nascida no dia 27 de julho de 1979,
cresceu no Morro do Timbau, no
Complexo da Maré, um aglomerado
de 16 favelas, junto com Antônio, seu
pai, e Marinete, sua mãe. Começou
sua atuação social aos 16 anos, atra-
vés da Pastoral da Juventude como
catequista na comunidade. Aos 18
anos, após concluir o ensino médio,
com o sonho de seguir os estudos,
passou a estudar no curso pré-ves-
tibular comunitário da Maré. Foi ali
que conheceu Edson Dias, diretor da
ONG Redes da Maré, seu professor
de História e pai da sua filha.
Teve sua filha aos 18 anos. Dois
anos depois, retomou os estudos
no mesmo curso pré-vestibular. É
quando a violência urbana marca a
sua vida e a leva à luta social - uma
amiga foi atingida por uma bala
perdida durante um confronto en-
tre polícia e traficantes no Morro do
Timbau.
Sua dedicação aos estudos lhe
rendeu bolsa integral para cursar
ciências sociais, na Pontifícia Uni-
versidade Católica (PUC), do Rio.
Cumpriu todo o curso levando uma
jornada tripla de trabalho, estudo e
cuidado com a filha. Após a gradu-
ação, tornou-se mestra em Admi-
nistração Pública pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Em sua
dissertação de mestrado, trabalhou
o com o tema “UPP: a redução da fa-
vela a três letras”.
Trabalhou em organizações da so-
ciedade civil como a Brasil Founda-
tion e o Centro de Ações Solidárias
da Maré (Ceasm). Neste período co-
nheceu Marcelo Freixo, professor de
história, que se tornou um dos seus
companheiros de luta.
Fez campanha para Freixo, eleito
deputado estadual em 2006. Passou
a trabalhar como assessora do de-
putado na Comissão de Direitos Hu-
manos e Cidadania da Assembleia
Legislativa do Rio, onde acompa-
nhava casos de violações de direitos
humanos, como as praticadas por
milicianos e policiais. O trabalho
desenvolvido por Freixo à frente da
9
Foto Jonas Santos
Comissão Parlamentar de Inquérito
o levou a se exilar do país após di-
versas ameaças de morte.
Em 2016, numa campanha muni-
cipal que levou Freixo ao segundo
turno como candidato a prefeito do
Rio de Janeiro, Marielle tornou-se a
quinta vereadora mais votada nas
eleições, com 46.502 votos, em sua
primeira disputa eleitoral. Violen-
tamente arrancada da vida pública,
Marielle cumpriu apenas um ano
de mandato. Apresentou 13 proje-
tos, entre eles o projeto de lei para
construção do Dossiê da Mulher Ca-
rioca.
Apresentado em novembro de
2017, tratava-se de um projeto de
lei com o objetivo de pedir que a
prefeitura disponibilize e organize
os dados sobre a violência contra a
mulher na cidade do Rio de Janeiro.
Isso já é feito no Estado. O relatório
aborda os principais crimes que
milhares de mulheres sofrem coti-
dianamente, como a lesão corporal
dolosa, a ameaça, o atentado violen-
to ao pudor, o estupro, o homicídio
doloso e a violência doméstica.
10

Marinete da Silva,
brasileira
Mãe de Marielle Franco. Era
para ser apenas uma entrevista.
Algo que desvendasse uma per-
sonagem que – de repente – sai
do anonimato e passa a ter pro-
tagonismo político e social sem
que o desejasse. A entrevista se
transforma em matéria, dado que
a mãe da Marielle resiste – incons-
cientemente – a falar de si.
Perguntas sobre ela, Marinete,
pareciam não ser ouvidas. Todas as
respostas tinham como ponto de
saída e de destino a militância da
filha brutalmente assassinada. Ain-
da assim, entre uma e outra fala,
foi possível captar alguns traços da
mãe e seu coração estraçalhado.
Nordestina, veio cedo do interior
da Paraíba para o Rio de Janeiro,
onde adquiriu formação na polí-
tica tradicional. Na terra de ori-
gem, Lagoa Grande, ela conheceu
a política tal como era feita, “nos
tempos da Arena e do MDB”, pelo
envolvimento de sua mãe, avó de
Marielle. “Aqui eu não me envol-
vi”, registra. Já vivendo no Com-
plexo da Maré, ela teve Marielle
e Anielle. De formação católica,
Marinete da Silva, claro, levou as
filhas para o mesmo caminho.
M ARI E L L E V I V E
Desde cedo, segundo ela, as duas
integraram grupos de jovens e se
envolveram com trabalhos assis-
tenciais patrocinados pela Igreja.
“Nada ainda político”, ressalta Ma-
rinete. Algo que ocupasse o tempo
das meninas e evitasse “coisas
ruins”. Reuniões, festas, excursões
aprofundaram essas relações das
filhas com o mundo, sempre in-
centivadas pela mãe e pelo pai.
Questionada como via o fato de
Marielle começar a trabalhar aos
11 anos, ele não titubeia: “era uma
necessidade”. Perguntamos sobre
se havia apreensões quanto ao tra-
balho precoce da filha e seus en-
volvimentos com o ativismo social
inaugurado pela militância da filha
nas ações da Igreja. Ela transmite
até uma certa tranquilidade: em ne-
nhum momento ela teria agido para
frear esse envolvimento da menina
que entrava na adolescência.
Perguntada sobre seus medos
acerca do início da militância po-
lítica propriamente dita da filha,
ela até sugere que não tinha a di-
mensão do impacto que isso teria
em sua segurança pessoal. De as-
sessora do mandato do deputado
estadual de Marcelo Freixo (PSOL-
11
-RJ) à vereadora eleita com expres-
siva votação, ela viu – com orgulho
– a vida de Marielle mudar radi-
calmente. Mesmo nesse momen-
to, nada que parecesse como risco
pelo ativismo de defesa dos direi-
tos humanos a assustava.
É assim que ela responde às per-
guntas sobre esses tempos difíceis
depois da tragédia. Com habilida-
de política, Marinete da Silva dri-
bla as perguntas sobre a demora
na apuração do assassinato da
filha. Não por medo de ameaças.
Mas, por priorizar seu objetivo
maior na vida: descobrir os man-
dantes do assassinato.
Com habilidade, ela desvia das
perguntas que possam indispô-la
com os investigadores do crime.
Percebe-se ali a clara convicção
do que é prioritário. Quanto à sua
resistência de falar de si, o recado
ficou evidente: a hora e a priori-
dade são Marielle. O tempo dela,
Marinete, talvez chegue no dia em
que forem punidos não apenas os
executores, mas os mandantes dos
executores.
Marielle vive também na mili-
tância de sua mãe.
 Karl Marx
por Daaniel Araújo

200 anos do

Marx 175 anos de marxismo

Em 2018 celebramos os 200 anos do nascimento
do autor e ativista social mais citado no século XX e,
com o andar das coisas, provavelmente se manten-
do como o mais mencionado no XXI. A vitalidade da
obra de Karl Heinrich Marx é impressionante. A pre-
ocupação de seus inimigos e críticos em detratar essa
obra é a prova mais contundente de sua vitalidade.
Mesmo depois da estagnação e da derrota de pro-
cessos revolucionários tentados desde o século XIX,
com destaque para a experiência russa, o cerco à re-
volução cubana e a deterioração burocrática de ou-
tras iniciativas, o marxismo permanece como uma
referência indispensável não só para a crítica dos fra-
cassos, mas também para o recomeço da caminhada

12
pela superação do capitalismo.
E o mais paradoxal: na prepara-
ção e no exercício dos processos
revolucionários citados acima,
sobretudo os do século XX, a apro-
priação e compreensão dos textos
de Marx era muito precária, frag-
mentada e restrita a círculos bem
restritos de quadros dirigentes.
Um nome, em especial, contri-
buiu para difundir a obra de Marx
para um público mais amplo: Da-
vid Borisovich Goldendach, ou
David Riazanov que – mesmo em
constante conflito com a burocra-
cia do Partido Comunista da União
Soviética, com destaque para en-
frentamentos públicos com Sta-
lin, teve papel decisivo no levan-
tamento de acervo, aquisição dos
mesmos e desenvolvimento de
um ousado projeto de organiza-
ção dos escritos de Marx, Engels
e de outros autores essenciais ao
conhecimento da vasta obra dos
inauguradores do socialismo mo-
derno. Quadro militante e intelec-
tual sem comparações no seio da
elite dos dirigentes da Revolução
Bolchevique, Riazanov, um mar-
xista pleno, crítico da burocracia
do Partido, mesmo antes da era
Stalin, teve destacado papel no
processo de encontro com o “mar-
xismo” da lavra direta de Marx.
Ler Marx e Engels a partir de
seus próprios textos, traduzin-
do-os do alemão, do inglês e do
francês era por si só um esforço
inigualável. Demandava, pratica-
mente, uma nova ciência. Riazo-
nov então cunhou o termo mar-
xologia. Que seria o esforço reunir,
catalogar, contextualizar, editar
com rigor, imprimir e divulgar a
obra dos dois autores alemães. E
dos trabalhos confluentes a essa
obra, que tinham a lavra – muitas
vezes – até de contraposições às
ideias de ambos.
As crises e paralisias nesse es-
forço acompanharam Riazanov
até o momento em que foi conde-
nado por Stalin como sabotador
da União Soviética, no início da
década de 1930 até sua execução
em 1938. Ainda assim, a força de
seu projeto original possibilitou
que fosse dado continuidade des-
se trabalho, mesmo nas agruras
da guerra imperialista. Após a
morte de Stalin, várias obras fo-
ram publicadas obedecendo, rela-
tivamente, o planejamento origi-
nal, porém com forte influência da
burocracia partidária, esta mais
“
O marxismo permanece
como uma referência
indispensável não só para
a crítica dos fracassos, mas
também para o recomeço
da caminhada pela
superação do capitalismo.
preocupada como os aspectos
propagandísticos das demandas
do PCUS, do que – propriamente –
com o rigor editorial proposto no
esforço inicial do Instituto Marx e
Engels.
Somente após o fim da União So-
viética, em 1989, que o riquíssimo
acervo do citado Instituto passa a
ser revisitado por pesquisadores
interessados a retomar o caminho
editorial previsto nos início dos
13
anos 1920.
Pasmem. As obras de Marx que
tanto inspiraram contingentes
inteiros de gerações sucessivas
ainda são um “mistério” para a
maioria de quadros e militantes
do todo o Planeta. Apenas uma
parte delas, durante o século XX,
esteve disponível para o estudo e
assimilação desses contingentes
militantes. Hoje, descobre-se que
centenas de milhares de militan-
tes se formaram a partir de textos
mal traduzidos, apresentados em
sequências diversas daquelas re-
digidas por seus autores e muitos
desses escritos estavam impreg-
nados pela manipulação do PCUS.
Se isso ocorria na Europa, na an-
tiga União das Repúblicas Socia-
listas Soviéticas e na China, ima-
ginem no Brasil. Só recentemente
é que traduções completas e qua-
lificadas começam a ficar disponí-
veis para um público mais amplo.
Antes disso tínhamos textos e in-
terpretações contaminados por di-
versos “vícios”.
O desafio contemporâneo é am-
pliar o engajamento militante na
apropriação da obra de Marx, e
também a de Engels, a partir do re-
conhecimento de tateamos a com-
preensão rigorosa dessas obras. E,
além disso, naquilo que for possí-
vel, fortalecermos esse esforço in-
ternacional que foi reacendido na
Europa, em torno daquilo que foi
cunhado como “marxologia”.
Essa é a melhor homenagem
que podemos prestar à memória
de Karl Henrich Marx.
Marx vive!

MULHERES PETISTAS:
RESISTÊNCIA CONTRA A VIOLÊNCIA
Brena Pinto
Secretária de Mulheres do PT Bahia
Diante do resultado da eleição
de 2018 e do cenário que vem se
desenhando com a chegada de
Bolsonaro à presidência, muitos
são os retrocessos vivenciados pelo
povo brasileiro e, sobretudo, pelas
mulheres. 2019 tem se configurado
como um dos anos mais difíceis e
desafiadores para o movimento de
mulheres no Brasil.
Bolsonaro, sua família e correli-
gionários têm um vasto histórico
de discursos e práticas antifemi-
nistas. Nos 28 anos de mandato
como deputado federal, Bolsonaro
coleciona falas e fatos em que ata-
ca diretamente a vida das mulhe-
res, o que se reflete em seu governo
em diversas áreas: da política edu-
ARTIGO
cacional à de segurança, passando
pelas áreas de geração de emprego
e renda, saúde, assistência social e
previdência. O Brasil vivencia hoje
o governo mais misógino da sua
história.
Em três meses desse governo po-
demos destacar diversos episódios
de ataque direto aos nossos direi-
tos e às nossas conquistas, gran-
de parte delas conquistadas nos
governos de Lula e Dilma, fruto de
muita luta das mulheres. Podemos
citar aqui alguns desses fatos:
1. Decreto que facilita a posse
de armas. Somos um dos pa-
íses do mundo em que mais
mulheres são assassinadas
14
Foto:Lula Marques/Agência PT
por maridos, namorados,
pais ou filhos. Ou seja, mor-
tes no âmbito doméstico. O
maior acesso às armas au-
mentará bastante o número
de feminicídio, como destaca
a antropóloga Débora Diniz:
“Se, hoje, há casos em que as
mulheres sobrevivem à ten-
tativa de feminicídio é, em
larga medida, porque o ins-
trumento de violência foi a
força física ou outros instru-
mentos com mais baixa leta-
lidade, como facas ou cordas.
Em caso de uso de armas, as
chances de uma mulher so-
breviver são muito mais ra-
ras.”
2. A Reforma da Previdência,
proposta por Bolsonaro, pre-
judica mais as mulheres do
que os homens, já que tere-
mos que trabalhar mais sete
anos e contribuir mais 10
para ter aposentadoria in-
tegral. Homens terão mais
cinco anos de trabalho e
contribuição. Isso se agrava
ainda mais para algumas ca-
tegorias, como professoras e
trabalhadoras domésticas e
rurais.
3. Retomada do Projeto Escola
Sem Partido, que tinha sido
arquivado em 2018, mas que
foi apresentado na primeira
semana de legislatura pela
Deputada Federal Bia Kicis,
do mesmo partido de Bol-
sonaro. O novo projeto vem
ainda mais agressivo e, além
de afrontar a liberdade de
cátedra, traz em um dos seus
pontos a defesa veemen-
te contra a abordagem de
quaisquer questões de gê-
nero em sala de aula. Quem
é da área de educação sabe o
quanto se reproduz no espa-
ço da escola, o machismo, a
misoginia, a homofobia, re-
flexo de uma sociedade mar-
cada por esse tipo de precon-
ceito e violência.
4. O projeto está em total con-
sonância com o posiciona-
mento da família Bolsonaro,
que corriqueiramente se po-
siciona contra o feminismo e
contra as questões de gêne-
ro, como demonstra uma das
primeiras falas do Eduardo
Bolsonaro, deputado reeleito
pelo estado de São Paulo, em
que recomenda que educa-
dores evitem o tema femi-
nismo em suas aulas.
5. Além disso, a nomeação de
figuras como Ricardo Velez
Rodrigues e Damares Alves
no primeiro escalão do go-
verno é uma afronta a toda
a política integrada direcio-
nada às mulheres. Figuras
que não deixam de delimitar
suas ideologias reacionárias
na primeira oportunidade,
como a emblemática fala
da ministra, em que defen-
de que “menino veste azul e
menina veste rosa”!
Esses fatos exigem uma aten-
ção grande da esquerda brasileira,
uma vez que mal assumiu esse
governo machista e misógino e já
se aumentou significativamente o
número de agressões e feminicí-
dio. Só em janeiro de 2019, foram
146 casos de feminicídio, sendo
que 94 foram consumados. Não se
pode pensar um projeto à esquer-
da sem considerar que dezenas de
mulheres estão sendo violentadas
enquanto lemos esse texto.
Fazer oposição a esse governo e
pensar um projeto como alternati-
va perpassa obrigatoriamente por
defender a retomada nos nossos
direitos, a garantia das políticas
públicas integradas para as mu-
lheres e, sobretudo, combater o fe-
minicídio, fruto do machismo e da
misoginia que estão entranhadas
na nossa sociedade.
Fundamental também pensar
o nosso espaço de representativi-
dade nessa sociedade machista.
É uma prioridade garantir que as
mulheres tenham condições de
disputa nas instâncias internas
15
e nos cargos eletivos. Que se mul-
tiplique em nossos municípios
e estados mandatos combativos
e feministas como o de Marielle
Franco. Queremos nos manter vi-
vas, disputando e ocupando todos
os espaços que são nossos por di-
reito!
A defesa da liberdade de Lula
também é uma plataforma que
não devemos abrir mão, não ape-
nas por se tratar de uma prisão
política e, portanto, arbitrária, mas
também porque é a defesa do lega-
do dos governos petistas que mais
fizeram pelas mulheres. Sem ne-
nhuma dúvida, o período que mais
acumulamos conquistas, seja em
marcos legais, como também em
políticas públicas.
Nossa defesa é por uma educa-
ção libertadora, pela garantia dos
nossos direitos reprodutivos, por
uma política de não-violência às
mulheres, pela defesa das nossas
vidas, contra a Reforma Previdên-
cia e pela liberdade de Lula!
Lula Livre!
Marielle, presente!
Não à Reforma da Previdência!
Nenhuma a menos!
Pela vida das mulheres!
 Nota sobre as PM’s
e a “filosofia da guerra”
Desmilitarização das polícias. A luta
contra contra o golpe de 2016 eleva
a importância da retomada, em escala
social, para além dos círculos de espe-
cialistas e iniciados, do debate pela des-
militarização das polícias.
Desmilitarização que deve atingir até
mesmo as polícias judiciárias (PF e PC’s)
e as guardas municipais.
Mas, mantenhamo-nos na órbita da
centenária Polícia Militar. Criadas no
século XIX, as polícias militares nasce-
ram no contexto da embrionária urba-
nização do Brasil e com a presença de
escravos libertos ou fugitivos nas ruas.
Tratava-se de proteger a elite branca da
presença da “vagabundagem” e dos
que ofendiam os costumes nos próprios
públicos.
De lá para cá, a profissionalização
da atividade de políciamento ostensivo
tem sido correlata com sua crescen-
te militarização. E com sua filosofia da
guerra. Como não há inimigo externo
em território nacional desde as invasões
francesas e holandesas (séculos XVIII e
XIX), esse aparato repressivo elegeu um
adversário: o povo pobre nas ruas, nas
periferias carentes e nas lutas sociais.
Somadas às polícias judiciárias e às
guardas municipais, as polícias militares
se afirmam mais como defensoras da
propriedade do que do cidadão. E fala-
mos aqui do patrimônio dos mais ricos.
Ou seja, temos um braço do Estado,
com vários tentáculos, se especializan-
do e treinando para a guerra da deso-
cupação de espaços públicos, tomados
por manifestações populares; para a in-
vasão dos territórios da pobreza (princi-
“
Desmilitarizar é quebrar
a cultura “infantarizada”
de que se deve aniquilar o
inimigo. É constituir
polícias comunitárias
para gestão de pequenos
conflitos de vizinhança e
coibir ações criminosas de
baixo efeito letal.
palmente, favelas) e para a repressão à
justa luta fundiária urbana e rural.
Urge repensar o aparato repressivo. E
isso tem que ser feito com toda a so-
ciedade e, principalmente, com suas
vítimas. Desmilitarizar é quebrar a cul-
tura “infantarizada” de que se deve
aniquilar o inimigo. É constituir polícias
comunitárias para gestão de pequenos
conflitos de vizinhança e coibir ações
criminosas de baixo efeito letal. É dis-
solver os ‘bopes’, os batalhões “táticos”
e outros grupos de operações especia-
lizadas. É romper a estética dos “ram-
bos”, que agora passa a contaminar até
mesmo as guardas municipais. É criar
órgãos controladores externos, dissol-
vendo as corregedorias que vivem sob
as pressões corporativas e, não raro,
integram até mesmo os malfeitos já de-
tectados em vários casos. Isso e muito
mais tem que ser discutido, reiteramos,
com o conjunto da sociedade.
16
 FOTO: Mídia Ninja

17
 Raul Córdula
Ilustração para a Campanha Lula Livre

18
 CULTURAL
Quer que desenhe?
Sheila Oliveira
Membro do Diretório Nacional do PT e da EPS
Uma expressão conhecida que tem
sido muito utilizada ultimamente.
O avanço obscurantista das intole-
râncias, que chegaram na esteira das
crises e dos golpes nesta quadra da
conjuntura, revela as insuficiências e
distorções promovidas apelos canais
corriqueiros de diálogo e comunica-
ção. Por outro lado, as mais fortes e
eficazes expressões de resistência
tem sido aquelas surgidas de pessoas,
movimentos ou articulações artísti-
cas e culturais.
É que às vezes todo o esforço de de-
bate e reflexões esbarra nas limitadas
exposições e interlocução de pensa-
mento e idéias.
Se como disse Lenin, as revoluções
são as festas dos oprimidos, das que a
gente conhece, o artista sempre mar-
cou presença nessas baladas. Dizem
que o talento gera essa sensibilidade
de vanguarda de seu tempo no artista.
E a arte tem uma poderosa capa-
cidade de síntese de profundos sen-
timentos, sensações, pensamentos e,
principalmente, reflexão.
19
Um traço de desenho, uma pa-
lavra rimada, uma música em har-
monia, uma dança em movimento
são capazes de nos levar a uma
transcendência das mundanas re-
lações humanas e proporcionar
transformações individuais e cole-
tivas fantásticas.
É por isso que se diz que cultura
é revolução. Vem dessa capacidade
que a arte tem de desalienar o ser
humano da relação de explorado/
explorador, oprimido/opressor, por
meio da contemplação reflexiva e
da possibilidade de mancomunar
que a vivência cultural oferece.
Esta página é o espaço da revista
Brasis dedicado às expressões artís-
ticas. Nela vamos publicar nossas
culturas nas várias linguagens e for-
mas. Seja traço, poesia, música ou
reflexões identitárias de classe, de
gênero, de raça, de geração. Nossa
diversidade com identidade. Diver-
são levada sério.
Vamos dançar para que a revolu-
ção seja nossa!
 28 Fato

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 HQ de Christiano Mascaro, texto de Miró de Mirubeca - Publicado no livro Tô Miró
113

052285-livro tô miró.indd 113

21 04/04/16 18:25

Bell Puã é Isabella Puente de Andrade,
pernambucana poeta slamer, vencedora
do Slam BR 2017, compondo o Slam das
minas PE como poeta e o UM Coletivo como
dançarina e performer. Milita no Coletivo
Afronte, desenvolvendo atos e atividades de
conscientização racial em seu estado.
É também bacharel em História pela
UFPE. Mestranda pelo PPGH, na linha de
relações de poder, sociedade e ambiente,
pesquisa História Ambiental com ênfase
nas relações humanas com o manguezal no
Recife, entre 1930-1945.
22
como não estarmos adoecidos
com o avanço do conservadorismo
aquele velho individualismo que estimula
a pouco pensar e muito consumir
black friday mano?
o Haiti é aqui!
Brasil: uns num guenta e se suicida
outros morre no fuzil
tá lá no script da nossa história
vamo imitar europeu que um dia chega
nossos tempos de glória
na concorrência com os irmãos?
vida é competição
seja um vencedor
quanto mais dinheiro
mais valor
não é assim que a tv ensinou?
o vilão termina pobre
o mocinho cheio de grana
só branco pra papel de médico,
engenheiro, empresário, advogado Só há uma
só num falta papel pra preto forma de ver
quando é pra atuar como escravo
empregada, empregado.... as coisas até
não é esse nosso papel na história que alguém nos
ser marginalizado?
receber açoite do senhor
ensina a vê-las
e do patrão o mínimo de salário? com outros olhos
tais ligado que hoje tem negro na Líbia sendo vendido em mercado?
pablo picasso
a carne mais barata é a minha
aqui é luta a cada verso
a carne mais barata é a minha
e tu quer falar de racismo reverso?
aterriza na realidade-dor
achou ruim te mandarem
pegar bronze na praia? ô, governo Temer, muda o roteiro
imagina teus irmãos de cor no Brasil já proibiram samba,
ser 24 horas visto como ameaça axé, maracatu, côco, frevo
pra polícia que arrasta Cláudia dando desculpa que é música
atira em criança na favela indecente?
queria eu, meu deus, que ofensa admite que é porque é som de preto!
fosse ser chamada de “branquela” de favelado, mas quando toca
ninguém fica parado
na classe burguesa que cresci pensa que eu nunca vi MC Koringa
um playboy me falou de mérito tocando em carro importado?
disse que quando pirralho
os bacanas olhava pra ele e previa fiz as contas e tô
“esse aí vai dar pra médico” com Mãe Beth de Oxum
tá aí a diferença da cor no nosso destino não sei você, mas em tempo de solidão
meu tio apenas criança, ainda menino acompanhada, desigualdade escancarada
já sentenciavam esse preto vai dar é pra bandido tá na hora do pau comer
tá na hora do pau comer
com muita dignidade
tio Evandro limpa o chão da cidade e que a desgraça não seja
caótica que é o Rio de Janeiro nossa sina
salve COMLURB, galera de luta união europeia é o caralho
os garis guerreiros união américa latina
o funk do gueto que dá vida ansiosos, depressivos, cansados
aos nossos dias mas de cabeça erguida
fiquei sabendo que agora a elite tá na hora do pau comer
além de arrancar nossos direitos quando o morro descer
quer proibir arte da periferia cês vai sentir nossa ira

23
 ENSAIO

Não
somos
terroristas
Jonas Santos nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia.
É fotográfo profissional desde e há muitos anos realiza um traba-
lho que registra o cotidiano em acampamentos e assentamentos
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado. O
presente ensaio “Não somos terrroristas”, pretende afirmar a dig-
nidade política do MST e da luta pela reforma agrária frente às
recentes ameaças de criminalização dos movimentos sociais no
Brasil.Confira a seguir um pequeno extrato deste belo trabalho.
MST: a luta é pra valer!

24
25
26
27

MINERAÇÃO E AUTOGESTÃO:
UMA SOLUÇÃO?
Neila Batista
Assistente social e membro da executiva estadual do PT MG
A segunda catástrofe de enge-
nharia (e não natural), de reper-
cussão planetária e com evidente
responsabilidade criminal, no cur-
to intervalo de três anos em Minas
Gerais (Mariana e Brumadinho) en-
volveu a mesma empresa: Vale S/A.
Além de leis muito maleáveis, que
resultam em processos de pesqui-
sa, instalação e operação em esca-
la, com danos sociais e ambientais
indiscutíveis, temos – em ambos os
casos mencionados – fortes indí-
cios de operações fraudulentas por
parte da direção da empresa, no
que tange ao monitoramento de
seus depósitos de rejeitos. Torna-se
inevitável, com isso, a legítima in-
dignação com a atividade minerá-
ria, genericamente posta.
O apelo à paralisação dessas ati-
vidades tem bases sólidas.
Pergunta-se: a mineração vale a
pena?
Vale se não for com a racionali-
dade das “Vales”. Tal racionalidade
é a do lucro a qualquer custo, a da
mera distribuição de dividendos
aos seus acionistas e é a da preda-
ção ambiental e social, sem qual-
quer perspectiva até mesmo de mí-
nima recuperação paisagística.
A cadeia produtiva da mineração
em Minas Gerais emprega direta
e indiretamente cerca de dois mi-
lhões de pessoas. E não pensemos
aqui apenas nos minerais metáli-
cos. Há ainda arenito, granito, ar-
gila, ardósia, mármore etc., para a
construção civil. Há a água e, se-
gundo prospecções, muito gás no
Norte do Estado. Além do garimpo
de pedras preciosas.
Isso pode e deve ser minerado.
Na operação direta, pelos próprios
trabalhadores das plantas indus-
28
Fotos Corpo de Bombeiros Militar
triais afetadas por crimes como os
que ocorreram, que teriam hege-
monia na gestão do processo de
explotação: incluindo as definições
de metas. Estas, as metas, teriam
que ser aprovadas numa estrutu-
ra de controle social mais ampla,
que envolvesse comitês de bacias,
áreas de proteção ambientais e tra-
balhadores das cadeias produtivas
correlatas. E com forte fiscalização
pública. Essa seria a indenização
social da Vale S/A pelos crimes co-
metidos em Mariana e Brumadi-
nho. Sem prejuízo de outras inde-
nizações às vítimas diretas.
Sustentabilidade deixa de ser re-
tórica vazia somente num arranjo
como este. Fora disso, aguardemos
novas catástrofes provocadas pelos
interesses de mercado.
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