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Sequência  5.

Os Lusíadas de Camões Outros materiais · Textos informativos complementares 1

  Manual · p. 280

Camões, consciência de um tempo


Nunca, ao longo do Poema, Camões é um narrador neutro, objetivo, não comprometido. A
sua epopeia obedece ao intuito de dignificar o homem, na sua real grandeza, que resulta da sua
vitória, conseguida com muito esforço e coragem, sobre a sua congénita fraqueza e as dificulda-
des que lhe são postas pelo “Céu sereno”, a natureza e outros homens.
5 Esta vitória do homem sobre a natureza e, o que é mais, sobre si mesmo, abandonando o
egoísmo, o gosto da vida fácil, é a vitória também contra o ceticismo de quem não acredita na vi-
tória e profetiza a queda, a desgraça, a miséria final. É a vitória sobre o seu elemento natural, a
Terra, para ser dono dos outros elementos, a Água e, quem sabe, talvez um dia também o Fogo e
o Ar, por quem se “perderam” Prometeu e Ícaro.
10 Esta belíssima profissão de fé no homem, perfeitamente enquadrada no espírito renascen-
tista, vai, contudo, a par da constatação muito clara de que os homens seus contemporâneos vão
progressivamente decaindo. A pátria, a sua pátria, diz Camões, com amargura

……………… está metida


No gosto da cobiça e na rudeza
15 Duma austera, apagada e vil tristeza. (X, 145)

Daí a necessidade de fazer sentir como o homem pode ser grande, recordando feitos glorio-
sos e incentivando os seus contemporâneos a partir para novas tarefas, capazes de os fazer
recuperar a fé e o valor perdidos, a virtude. É esta, a meu ver, a principal mensagem d’Os Lusía-
das e o verdadeiro sentido das invetivas a D. Sebastião. Daí o sentido da generalidade das consi-
20 derações ou excursos moralizadores do Poeta. Ergue-se dessas considerações uma teoria, uma
ideologia, um conjunto de valores ético-políticos perfeitamente enquadrados no espírito renas-
centista e humanista.
O ideal de homem virtuoso é, para Camões, o daquele que, como ele, for possuidor de

……………… honesto estudo


25 Com longa experiência misturado” (X, 154)

Como atingir esse ideal?


Recusando uma vida ociosa, à sombra dos antepassados, no meio do luxo e do conforto, por-
tadores de prazeres que “efeminam os peitos generosos”; desprezando as “honras vãs” e o
dinheiro fácil, que corrompe as consciências; difundindo a fé de Cristo, promovendo a europeiza-
30 ção do mundo, entendida sob a égide da sua unificação religiosa; protegendo e cultivando a poe-
sia e as artes; recusando a lisonja, o egoísmo, que levam as pessoas a ocuparem-se mais de si do
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que do bem comum; recusando a ambição de ocupar bons lugares para melhor se exercer a
corrupção, ainda que modelando-se à imagem de quem ocupa o poder, para, depois, “despir e
roubar o pobre povo”, não pagando “o suor da servil gente”. Deus, o Rei, o Bem comum são valo-
35 res supremos: que se crie um estado social justo e liberto da exploração. Que os homens sejam
valentes na guerra e justos na paz: isso significa a recusa da tirania, da exploração.
Aos poetas cabe a honrosa missão de celebrar tais valores, dando-lhes o prémio da imortali-
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dade: ele, Luís de Camões, tantas vezes injustamente perseguido e maltratado, oferece-se,

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humildemente, como exemplo “de amor dos pátrios feitos valerosos”, como portador de enge-

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40 nho, honesto estudo e longa experiência. Ele, que é lúcido, que pensa ter alcançado a verdade,
sente-se terrivelmente só e incompreendido, num mundo corrompido em que o próprio Deus
parece ter abandonado os seus servidores. Porque o “desconcerto”, o absurdo, se instaurou no
mundo seu contemporâneo, Camões oferece a sua lição de grandeza e heroicidade. É pelo Amor,
o amor total, a fidelidade, a coragem, a perseverança, que o homem se elevará acima de si
45 mesmo.
Há, portanto, da parte de Camões, um ideal bem claro de grandeza, a par da consciência
amarga de que o seu tempo não é já tempo de grandeza. Daí o seu grito de alarme, o seu Poema-
-apelo de uma esperança que não quer morrer, mas ser revivificada. Possam os seus contempo-
râneos e, em primeiro lugar, o Rei – mas também os seus conselheiros, clérigos e, de um modo
50 geral, os povos europeus – ouvi-lo.
Mas, para além desta mensagem global de tom humanista, querem os críticos discernir em
Camões reflexos de uma ideologia de classe (a nobreza), de uma ideologia de base cavaleiresca,
medieval. Tais reflexos não são mais, a meu ver, que as contradições próprias da época, em que,
à euforia renascentista sucederam a inquietação, as interrogações angustiadas, a desorientação
55 e uma certa nostalgia que tiveram a sua expressão artística no Maneirismo.
Senhor de uma vasta cultura que o faz conhecedor dos mitos, da história e da ciência greco-
-latina, Camões tenta conciliar aquilo que, de certo modo, se afigurava inconciliável: uma ideolo-
gia humanista com conceções cavaleirescas: o ideal de “guerra santa” contra os infiéis, a crença
de que Portugal era um povo “eleito” por Deus, a noção de que a história se faz através de uma
60 sucessão de feitos grandiosos de apenas alguns heróis, a sua noção de que o povo, as grandes
massas, não têm papel histórico de relevo.
Mas a conciliação que parecia impossível acontece no Poema, de onde sobressai um ideal de
homem novo e digno de ser celebrado: aquele que alia o engenho com a virtude militar, a teoria
(honesto estudo) com a prática (longa experiência), que sabe reconhecer aquilo que se afigura
65 como superioridade da civilização ocidental, mas não despreza os usos, costumes, arte e civiliza-
ção dos outros povos. Porque o que se recusa verdadeiramente é o absurdo, o egoísmo, o ócio, a
opressão, a tirania, a injustiça nas relações entre os homens. E o amor, recordemos, é a energia
vital que levará ao saber, à virtude, à imortalidade reservada por Vénus a quem for digno de en-
trar na sua ilha.
PAIS, Amélia Pinto, 1999. "Camões, conciência de um século". In CAMÕES, Luís de, 1999.
Os Lusíadas (Organização, introdução e notas de Amélia Pinto Pais).
3.ª ed. Porto: Areal Editores (pp 18-20.) (1.ª ed.: 1987)
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