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Cristianismo na Credo da Ecologia Total


Amazônia: (Pedro Casaldáliga)

acenos históricos Cremos em Ti,


Deus de todos os nomes,
presente
em todas as culturas,
Prof. José Antonio Mangoni (org.)
buscado por todos
os corações,
Vida da vida
e Amor do amor.
[...]
Cremos em Ti,
compositor do Universo,
INTRODUÇÃO ...................................................................... 3 artesão original da Terra,
manancial vivo da Água,
I - A ESPIRITUALIDADE DOS NOSSOS ANCESTRAIS garantia
DA AMAZÔNIA ORIENTAL ............................................... 4 dos Humanos Direitos.
[...]
II – A POLÍTICA MISSIONÁRIA ...................................... 12 Cremos
em tua chegada humana
III - A FESTIVA DEVOÇÃO NO CÍRIO DE NOSSA à nossa Terra
SENHORA DE NAZARÉ ...................................................... 25 e a nossa história,
em Jesus de Nazaré,
IV - COLONIZAÇÃO, INQUISIÇÃO E RELIGIOSIDADE filho de Maria,
NA AMAZÔNIA PORTUGUESA NO SÉCULO XVIII ...... 37 gente da gente,
aliado dos excluídos,
V - A MARUJADA DE BRAGANÇA NUMA Crucificado pelos poderes,
PERSPECTIVA DIACRÔNICA ........................................... 43 Ressuscitado
vencedor de toda morte.
VI - A ROMANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA: UM BISPO [...]
ULTRAMONTANO NO PARÁ OITOCENTISTA ENTRE Cremos
A IGREJA E O ESTADO ........................................ 71 na fecundidade libertadora
de tantos irmãos e irmãs
VII - AMAZÔNIA: TERRA DE MISSÃO BISPOS que amassaram a Terra
ULTRAMONTANOS E MISSIONÁRIOS com seu sangue mártir
PROTESTANTES NA BELÉM DO SÉCULO XIX ............. 80 e nos acompanham na
VIII – OS PRIMEIROS PASSOS DO procura
PROTESTANTISMO NA AMAZÔNIA .............................. 97 da Terra sem males.
[...]
IX - EURICO ALFREDO NELSON (1862-1939) E A E esperamos
INSERÇÃO BATISTA EM BELÉM DO PARÁ ................. 118 e fazemos contigo,
entre sombras e luzes,
X - AS ORIGENS DO MOVIMENTO ECUMÊNICO NA mas na certeza
AMAZÔNIA PARAENSE ..................................................... 126 do teu Amor fiel,
o novo Céu e a nova Terra
XI - AMAZÔNIA E CRISTIANISMO – CRONOLOGIA ... 132 que o teu Coração
nos garante.
[...]
Amém, Axé,
Awere, Aleluia!
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INTRODUÇÃO
Falar de Amazôô nia eé falar de um universô, tal eé sua imensidaã ô, sua biôdiversidade
ecôlôé gica, cultural, religiôsa... Pôr issô “acenôs histôé ricôs”, ôu seja, apresentaçaã ô de
alguns elementôs que pôdem facilitar a aprôximaçaã ô, mas muitô mais (e muitô!) eé ô naã ô
ditô. Pôr issô a necessidade côntíénua de re-aprôximaçôã es.
Amazôô nia eé uma regiaã ô natural da Ameé rica dô Sul, definida pela bacia dô Riô Amazônas
e côberta em grande parte pôr flôresta trôpical. A Flôresta Amazôô nica (tambeé m chamada
de Floresta Equatorial da Amazônia ôu Hileia Amazônica) - a qual pôssui 60% de sua
côbertura em territôé riô brasileirô. A bacia hidrôgraé fica da Amazôô nia pôssui muitôs
afluentes impôrtantes tais cômô ô
riô Negrô, Tapajôé s e Madeira, sendô
que ô riô principal eé ô Amazônas,
que passa pôr ôutrôs paíéses antes
de adentrar em terras brasileiras. O
riô tem 6.437 Km; nasce na
côrdilheira dôs Andes e estende-se
pôr nôve paíéses: Bôlíévia, Brasil,
Côlôô mbia, Equadôr, Guiana, Peru,
Suriname, Guiana Francesa e
Venezuela. Aleé m de ser ô riô mais
lôngô dô planeta, eé ô riô côm a
maiôr bacia hidrôgraé fica dô mundô,
ultrapassandô ôs 7 milhôã es de km²,
grande parte deles de selva trôpical.
Em meé dia, na estaçaã ô seca, 110.000 km² estaã ô submersas, enquantô que na estaçaã ô das
chuvas essa aé rea chega a ser de 350.000 km².
A caminhada inicia-se côm um filme que fôi prôibidô nô períéôdô militar. Sôb a direçaã ô de
Jôrge Bôdanzky e Orlandô Senna, ô filme “Iracema, uma transa amazôô nica” (1976)
gravadô nô Paraé , apresenta um retratô-síéntese dô que eé a Amazôô nia, de seu passadô e de
seu futurô, principalmente côlôcandô em cheque a autônômia dôs nativôs, tantô ôntem
cômô hôje. Sua exibiçaã ô sôé fôi permitida em 1981.
Seguem 9 artigôs e uma pequena Crônôlôgia, ônde prôcura-se apresentar ôs elementôs
centrais dô cristianismô e sua expansaã ô em terras amazôô nicas brasileiras.
O líéder íéndiô Ailtôn Krenak diz que haé uma estrateé gia de saque para a Ameé rica Latina:
"da mesma maneira cômô ôs piratas desciam nô Caribe, para saquear a côsta nôs seé culôs
XVI e XVII, ôs piratas môdernôs côntinuam saqueandô a Ameé rica. Sôé que agôra eles naã ô
estaã ô saqueandô côm trabucô. Eles estaã ô saqueandô côm cômputadôres, sateé lites (...). Nô
lugar de piratas truculentôs, eles estaã ô bôtandô executivôs, presidentes demôcratas,
parlamentares vacinadôs. E tudô istô eé uma ôrquestra môntada, para que ô fluxô de
sangria da Ameé rica Latina côntinue vivô. Enquantô tiver um grama de mineé riô, algum riô
côrrendô ôu uma flôresta em peé , haveraé algum dôidô inventandô ôu justificandô
prôgramas, que chamam de desenvôlvimentô" (CIMI, 1986).
Em meiô a esta realidade, dependente dela, e favôraé vel a ela ôu naã ô, encôntra-se ô
cristianismô. Que desafiôs enfrentôu em sua expansaã ô? Que respôstas deu a esta nôva
realidade, taã ô diferente da eurôpeia? Que côntribuiçôã es ôu malefíéciôs trôuxe a presença
dôs cristaã ôs na Amazôô nia? Aô ladô de quem se côlôcôu nestas terras “edeô nicas”? E hôje?
Essas saã ô as questôã es nôrteadôres da disciplina.
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I - A ESPIRITUALIDADE DOS NOSSOS ANCESTRAIS


DA AMAZÔNIA ORIENTAL
Lucy Penna, Ph.D.
Publicadô em Fragmentôs de Cultura, v.16 n.5/6 IFITEG e SGC/Universidade Catôé lica de
Gôiaé s, p. 363-380, 2006

Resumo
O artigô prôpôã e uma interpretaçaã ô dôs síémbôlôs arquetíépicôs côntidôs na ceraô mica preé -
histôé rica dôs antigôs Marajôara, naçaã ô indíégena da Ilha dô Marajôé , Paraé . Sugere que
hôuve cômplexôs rituais religiôsôs nô Nôrte dô Brasil em hônra a divindades femininas,
antes da côlônizaçaã ô eurôpeé ia.

Palavras – chave: Espiritualidade indíégena; Mitôlôgia primitiva; Grande-Maã e; Mitôs


amazôô nicôs; Divindades dô Brasil.

Uma visaã ô pragmaé tica e utilitarista da arte indíégena impediu que ôs religiôsôs
côlônizadôres apreciassem devidamente a ôrganizaçaã ô simbôé lica implíécita nas peças de
ceraô mica, madeira, palha, etc. Feita de material perecíével, a expressaã ô artíéstica dôs pôvôs
ancestrais quase perdeu-se tôtalmente côm ôs seé culôs. O descasô de alguns, alimentadô
pelô medô dôs chefes que viram nôs íécônes indíégenas a ôbra dô demôô niô, incinerôu
grande parte dô legadô dessa gente brasileira. A ceraô mica marajôara ressurge, pôreé m,
retirada de seu escônderijô subterraô neô para alimentar nôssô espíéritô côm a chama viva
dôs ancestrais. Ela nôs cômunica uma espiritualidade na pureza daqueles que cô-
criaram côm as fôrças naturais maravilhadôs diante dôs misteé riôs.
Em imensôs aterrôs cômprôvadamente artificiais (ROOSEVELT, 1990) cônstruíédôs
nas planíécies ôcidentais da Ilha dô Marajôé , vasôs, urnas, pratôs, estatuetas e ôutrôs
ôbjetôs tôrnam-se familiares aôs côlônôs que durante ôs ué ltimôs cincô seé culôs pôvôaram
as fazendas alagadiças. Nôs aterrôs salvaram-se ôs precisôs elementôs de uma cultura
rica em reflexaã ô e manifestaçaã ô, assim cômô ainda hôje salvam-se ôs animais e as
pessôas que fôgem das enchentes periôé dicas. Bôa parte dôs achadôs fôi ilegalmente para
ô exteriôr, ôutra encôntra-se em museus e nas antigas fazendas dô Marajôé .

VISÕES XAMÂNICAS
Obedieô ncia aôs deuses. Seria este ô môtivô que estimulôu ô pôvô Marajôara a
transfôrmar a paisagem da grande ilha? Se cônsiderarmôs ô determinismô das
enchentes, diremôs que a duraçaã ô de quase mil anôs da cultura Marajôara sôé fôi pôssíével
pôr causa da cônstruçaã ô dôs aterrôs. Sabemôs que ôs indíégenas regulavam suas
iniciativas atraveé s de escutas e visôã es espirituais, naã ô planejandô nenhuma atuaçaã ô que
estivesse fôra da vôntade dôs deuses. EÉ prôvaé vel que ôs prôé priôs aterrôs significassem
uma metaé fôra religiôsa, sua cônstruçaã ô fôsse parte das crenças.
Prôteger-se das enchentes, garantindô terra seca para viver e plantar teriam sidô atôs
sagradôs ritualizadôs pôr vaé rias geraçôã es. Para unir tantas pessôas côntinuamente em
tôrnô de um ideal taã ô cômplexô seria imprescindíével uma crença fôrte. Uma crença
imaginada pelôs ancestrais, passada aôs mais saé biôs, inseminada na mente e nô côraçaã ô
dôs jôvens.
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Sugirô que a côsmôgônia da naçaã ô Marajôara que habitôu na Ilha dô Marajôé ateé cerca
de 1400 D.C. teria tidô uma entidade feminina central. Os Marajôara teriam côncebidô
uma geôgrafia xamaô nica na qual a terra seria percebida cômô ô côrpô fíésicô de uma
presença maternal, paridôra, uma Grande Maã e.
A ceraô mica fôi criada pelas artesaã s que ôcuparam ô tempô ôciôsô durante ô invernô,
quandô as chuvas côbrem tudô de nôvembrô a marçô. (DURAÉ N, 1990). Pintaram,
gravaram, esculpiram imagens que jaé estavam presentes nô cônsciente e nô incônsciente
côletivô de seu pôvô. EÉ côm tais premissas que analisaremôs ôs arqueé tipôs
eventualmente sugeridôs em algumas peças. Elas fôram seleciônadas pôr aludirem a
uma prôvaé vel presença dô Femininô, enquantô energia receptiva, telué rica, fecunda. As
peças que escôlhemôs relaciônam-se aô mundô das aé guas e dôs seres aquaé ticôs, aà terra
môlhada, aô redemôinhô e aà fecundidade dôs seres humanôs, dôs animais, das plantas e
dô universô.
Vistô e vividô pelô aô ngulô femininô, ô trabalhô côm ô barrô eé prazeirôsô e espiritual
aô mesmô tempô. Leé vy-Strauss narra mitôs amazôô nicôs em que ôs dôns da ceraô mica saã ô
trazidôs pela humanidade pôr seres sôbrenaturais aquaé ticôs e subterraô neôs.” Em vez de
acôntecer nô eixô terra/ceé u, ô acôntecimentô ôcôrre num eixô que tem uma extremidade
na terra e a ôutra na aé gua e nô mundô subterraô neô” (LEVY STRAUSS, 1986, p.220). Em
inué meras etnias saã ô mulheres que dôminam a arte ceraô mica, (LIMA, 1987), talvez pôr
sentirem-se mais prôé ximas da energia criativa capaz de gestar côrpôs na mateé ria.

IMAGENS DO CICLO DE VIDA-MORTE-VIDA


Acredita-se que na regiaã ô dô riô Camutins, pôr exemplô, a pôpulaçaã ô Marajôara tenha
chegadô a mais de 10 mil habitantes, agrupadôs em cerca de 40 tesôs. Cômercializavam
belíéssimas peças de ceraô mica prôduzida côm ô barrô abundante, mas deixaram ôs pôtes,
tangas, estatuetas, pratôs e vasôs mais finôs para ôs seus rituais. A anaé lise que a autôra
realizôu, desde 1993, nas peças dô acervô dô Museu Paraense Emíéliô Gôeldi, permite
supôr que a naçaã ô Marajôara realizôu côm eô xitô celebraçôã es sazônais de fertilidade,
bem cômô ritôs funeraé riôs.
A arte Marajôara preé -histôé rica eé um registrô feitô nô barrô dôs síémbôlôs e das
fôé rmulas de pôder usadôs durante ôs rituais. As tangas femininas e ôs falôs de ceraô mica
finamente ôrnamentadôs saã ô alusôã es aô drama da recriaçaã ô dô mundô, atraveé s da dança.
Os imensôs pratôs feitôs aà imagem da tartaruga jalapa, despertam a curiôsidade sôbre a
culinaé ria xamaô nica desse pôvô. As serpentes enrôscadas côm duas cabeças destilam
misteé riô nô escôndidô dôs vasôs.
Cada mulher e hômem nôbre da raça Marajôara fazia um vôô ô apôé s a môrte nas asas da
Côruja ancestral. Uma jôrnada nôs espaçôs da nôite, nô fundô dô aterrô cemiteé riô,
agasalhadôs nô bôjô da urna Côruja. Acreditariam na vôlta dôs môrtôs sôb a fôrma de
um ôutrô ser? As urnas de um metrô de altura estaã ô côbertas côm síémbôlôs de
transfôrmaçaã ô, saã ô verdadeirôs “livrôs dôs môrtôs” em ideôgramas. Os síémbôlôs
arquetíépicôs marcaram ôs mômentôs decisivôs dô ciclô da vida – môrte – vida para esses
indíégenas que recriaram a paisagem numa espeé cie de geôgrafia xamaô nica.
Fôrmadôs pelas chuvas abundantes que cômeçam em dezembrô, vastôs lagôs
superficiais recôbrem feitô lençôé is a planíécie ôriental da ilha dô Marajôé durante seis
meses, em meé dia. Saã ô ôs braçôs líéquidôs e piscôsôs da Senhôra das AÉ guas envôlvendô a
terra e seus filhôs. Braçôs que ôfertam ô banhô frescô, suavizandô as côstas ardidas, ôs
peé s esfôladôs nô matô secô. Ateé que as aé guas subam demais. Pôr vôlta de fevereirô ôu
marçô, chegam as inundaçôã es, engrôssandô ôs igarapeé s que rugem feitô ônça. As aé rvôres
altas viram refué giô para ôs bichôs, tremem de friô ôs paé ssarôs perdidôs ôs ninhôs. Os
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fazendeirôs tangem suas criaçôã es para as terras altas pôrque tôdôs desejam estar acima
dôs lençôé is líéquidôs. Refugiam-se nôs tesôs, chamadôs ‘ilhas’ pelô cabôclô, geralmente,
ôs mesmôs cônstruíédôs pelô pôvô Marajôara, haé seé culôs.

SENHORA DAS ÁGUAS


Deitada juntô a enôrmes urnas funeraé rias nôs aterrôs, uma pequena estatueta
feminina saiu dô anônimatô para tôrnar-se a peça mais preciôsa da côleçaã ô ceraô mica nô
acervô dô Museu Parense Emíéliô Gôeldi, em Beleé m. Sua presença singular, aô mesmô
tempô altiva e receptiva, naã ô daé margem a dué vidas: eé uma entidade espiritual que fez
parte da côsmôgônia dôs Marajôara.
Maã e da vida e da môrte seria esta uma deusa a garantir a côntinuidade da vida
atraveé s dô pôrtal da môrte? O estudô cuidadôsô das imagens dôs Marajôara me revela
que hôuve uma fôrte divindade nô seu panteaã ô que se apresenta ôra cômô côruja,
serpente, ôu tartaruga , e tambeé m, sôb ô aspectô de uma intrigante figura feminina: a
Senhôra das AÉ guas
O aspectô regeneradôr dô ué terô impressiôna. Embôra ela naã ô esteja graé vida, tem a
energia matricial das aé guas da vida. As espirais vermelhô, pretô e brancô môstram que
ela prôé pria parece ter nascidô dô redemôinhô das aé guas. Uma veô nus indíégena côm pôder
e seduçaã ô, maã e dôs peixes, das côbras e das raã s, côm as caracteríésticas dô seu ambiente.
Seu design alôngadô naã ô lembraria uma côbra, ôu um peixe?
O ôlhar eé atraíédô pela grande espiral que côbre ô peitô e ô ventre, desde ôs mamilôs
ateé ô sexô. Sua vagina eé um pôrtal guardadô pelas espirais vermelhas e pretas, entre as
côxas abertas. Seu côrpô eé abrigô e trajetô para as almas que adentram ô descônhecidô,
apôé s a môrte.
Côm a face levemente vôltada para a esquerda, a deusa esbôça uma expressaã ô sutil,
mistô de cônvite e misteé riô. As espirais imprimem em seu côrpô ô dinamismô da
energia desmaterializada.
Vulva e redemôinhôs saã ô cômuns nas figuras das deusas dô iníéciô dô períéôdô
Neôlíéticô Eurôpeu, que ôcôrreu entre 6.500 a 5.300 anôs A.C., testemunha a
etnôarqueôé lôga Marija Gimbutas, (1991) Um períéôdô nô qual a humanidade côncebeu a
ideia da fôrça regenerativa das aé guas, criandô-se uma assôciaçaã ô entre a fecundidade, as
aé guas, a mulher. A arte da eé pôca expressôu as imagens dô prôcessô de prôcriaçaã ô dôs
seres humanôs, animais e vegetais. Despônta e manteé m-se cônstante ô cônceitô de que a
existeô ncia eé cíéclica e tem iníéciô nas aé guas.
Pôderôsa senhôra da energia aquaé tica, sedutôramente dispôníével, essa divindade
amazôô nica realiza a emôciônalidade intensa das mareé s das luas cheias. Quase se escuta ô
rugidô da pôrôrôca que inunda periôdicamente a parte nôrte dô arquipeé lagô dô Marajôé .
Seria irmaã da fabulôsa Iara - amante míética dôs íéndiôs Tupi? Pôssivelmente teve dômíéniô
sôbre a pesca, assim cômô Yemanjaé , ôu ‘maã e dôs peixes”, em líéngua yôrubaé .
Os indíégenas filhôs de uma natureza abundante, integradôs côm a fecundaçaã ô de
peixes e de hômens, imaginaram relaçôã es entre as espeé cies. Mas, ainda hôje, ôs côntôs
amazôô nicôs referem-se a mitôs de ôrigem côm avôé s aquaé ticôs, ônde eé natural visitar ô
fundô dôs lagôs e riôs, tecer amôres côm peixes e “peixas“. A prôé pria fôrma pisciana da
Senhôra das AÉ guas naã ô estaria ligada aà uma crença na descendeô ncia de ancestrais
aquaé ticôs? Pôr ôutrô ladô, ô seu insôé litô cômparecimentô em um cemiteé riô desafia a
visaã ô cristaã dô campô santô cômô um lugar triste, carente de vida.
Os peixes saã ô um síémbôlô bastante antigô dô misteé riô da fecundaçaã ô.” Parece que fôi,
inclusive um síémbôlô da alma” apônta C.G. JUNG (1976:112). Um animal que môstra uma
face sublime, tendô sidô ôbjetô de cultô religiôsô na Síéria, Feníécia, Egitô...embôra môtivô
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de prôjeçôã es assustadôras, pelô menôs algumas espeé cies. O papel que ô peixe representa
na tradiçaã ô judaicô cristaã teria cômeçadô justamente nessas antigas devôçôã es.

O SIMBOLISMO AQUÁTICO
O significadô da Senhôra das AÉ guas na psique côletiva ôrigina-se nô estadô de
espíéritô dôs nativôs perante ô elementô aé gua, um fatôr predôminante nô meiô dô qual
dependiam. Nô ambiente da Ilha dô Marajôé ôs meses saã ô marcadôs pelas chuvas ôu pela
auseô ncia delas, caracterizandô ô invernô e ô veraã ô trôpical. A elevaçaã ô das casas
indíégenas sôbre ôs aterrôs prôpiciôu um relativô dômíéniô sôbre as impôsiçôã es
climaé ticas. Fôi a chave dô sucessô da cultura marajôara, mais duradôura dô que tôdas as
que a antecederam naquele territôé riô.
Teriam ôs xamaã s ôuvidô a vôz dôs ancestrais, cônstruindô ôs aterrôs para lôuvar ô
ventre graé vidô da Grande - Maã e ? Se interpretarmôs ôs aterrôs cômô uma hierôfania da
deusa, entenderemôs que criaram uma geôgrafia sagrada de fôrte sugestaã ô psicôlôé gica.
Aleé m de prôtegeô -lôs das enchentes côm sua esteira de môsquitôs, serpentes e lamacenta
pôdridaã ô, ôs tesôs acôlheram a raça Marajôara cômô ô abrigô da divina prôvideô ncia,
ônde ô fôgô dôs fôgôã es naã ô se apagava, permitindô escutar as estrelas, predizer ôs
ventôs. A vida nô côlô altaneirô da deusa manteve saudaé veis ôs filhôs e as filhas das
aé guas e dô sôl durante quase mil anôs.
As aé guas saã ô uma fônte inesgôtaé vel de sensaçôã es, fantasias e sônhôs. Estaã ô assôciadas
aà s emôçôã es que, esquentandô ô côrpô, intensificam ôs ritmôs internôs em ôndas de
intensidade variada, tantô na trôca sexual quantô na briga de rivais. As mareé s sôbem e
descem, ôbedecendô aôs ciclôs lunares. Diz-se que a aé gua eé feminina. Ela flui e reflui,
afirma e nega, côndiçaã ô pela qual mulheres e mareé s, assemelhadas, cômpartilham igual
descônfiança masculina.
A aé gua dôce eé maã e de mitôlôgias, imagens de repôusô e devaneiô, interpreta Gastôn
Bachelard (1985). Enquantô ô mar sensibiliza a pele côm a aspereza dô sal, arde nôs
ôlhôs, queima cômô ô sôl, a aé gua dôs riôs eé suave. Permite um privileé giô de banhô,
desejada, ansiada pelôs caminhantes lônge de casa. Nissô, tambeé m, a fônte, ô riachô,
qualquer manancial de aé gua dôce se aprôxima dô simbôlismô femininô idealizadô,
pôrque acôlhe, nutre, regenera um sôfrimentô.
Hôje, quandô inué merôs paíéses jaé saã ô ôbrigadôs a impôrtar aé gua, as ôrganizaçôã es
internaciônais vôltam ôs ôlhôs para a regiaã ô mais rica nesse recursô nô planeta : a
Amazôô nia. Que melhôr maneira de prôteger ôs mananciais dô que cônsideraé -lôs uma
divina presença da Maã e da abundaô ncia?
As líénguas arcaicas, cômô a dôs indíégenas, fundamentam-se em uma percepçaã ô
unitaé ria dô mundô, ô qual se revela cômô um tôdô ôrgaô nicô em cada expressaã ô. Pôr
exemplô, na líéngua sumeé ria, a mesma palavra significava aé gua, côncepçaã ô, geraçaã ô e
esperma, esclarece ô histôriadôr das religiôã es Mircea Eliade (1993). O mais velhô
hierôé glifô egíépciô para aé gua côrrente eé uma linha em zigue-zague, tambeé m encôntradô
em numerôsôs vasôs neôlíéticôs eurôpeus, fase dô iníéciô das culturas agraé rias. Síémbôlôs
semelhantes saã ô cômuns na arte ceraô mica marajôara.
As espirais que envôlvem a figura da Senhôra das AÉ guas prôvavelmente indicam um
tipô de 'escrita', para significar a fecundidade das aé guas em relaçaã ô côm ôs ciclôs
lunares. A espiral e ô caracôl representam a lua, cônsidera Eliade:
A mulher, a aé gua , bem cômô ô peixe, pertencem aô mesmô cônjuntô simbôé licô da
fecundidade, que eé percebidô em tôdôs ôs planôs côé smicôs. O circuitô antrôpôcôé smicô da
fecundidade cômpôã e-se dô cônjuntô AÉ gua- Lua- Mulher, desde a preé -histôé ria". ( ELIADE,
1993:155)
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O duplô pôrtal na base dô côrpô pintadô de vermelhô refôrça ô significadô da energia


vital na sexualidade feminina, segundô a visaã ô dôs antrôpôé lôgôs. Reichel – Dôlmatôff
(1971) anôtôu que ôs Desaô na da Côlôô mbia amazôô nica côncebem a terra cômô feminina e
vermelha. Quandô Maria Helôíésa Fenelôn Côsta (1988) aplicôu ô teste de Rôrschach nôs
Mehinakué , dô riô Xingu, escutôu ô mitô que cônta sôbre cômô dôs ôé rgaã ôs genitais de
uma mulher môrta pelô Môrcegô eé tirada a tinta vermelha que ôrnamenta hôje ô côrpô
de certôs peixes e aves.
EÉ prôvaé vel que ô côrpô da divindade tivesse recebidô uma pintura de argila branca
(engôbe), sôb ô pretô e ô vermelhô. O brancô nô fundô significaria ô dômíéniô sôbre as
fôrças que ôperam nô prôcessô de renascimentô, pôis recôrda ôs ôssôs descarnadôs.
Para ôs Mehinaé ku ô brancô eé uma pintura prôtetôra, simbôé lica dôs eventôs fué nebres,
assim cômô ô pretô (COSTA,1988). As côres escuras saã ô dô ôeste, dômíéniô dôs pôvôs da
nôite, de ônde veô m as dôenças e a môrte, limite entre a superfíécie e ô mundô
subterraô neô, nô entendimentô dôs Desaô na (REICHEL-DOLMATOFF,1971).

IMAGENS DE ANCESTRAIS FEMININAS


O cultô de uma divindade das aé guas na regiaã ô dô riô Amazônas eé um fatô histôé ricô, e
tambeé m um impôrtante fenôô menô psicôlôé gicô côletivô, pôrque tem uma côntinuidade
impressiônante. As aé guas precedem e supôrtam qualquer cônstruçaã ô em terra, em
numerôsôs mitôs. As pessôas dôs grupôs Tukanô, pôr exemplô, se dizem waí mahsá, ôu
seja, peixe-gente. Descendem de uma avôé ancestral, que se criôu a si mesma de seis
côisas invisíéveis, depôis ela separôu a luz das trevas, fez ôs trôvôã es, ô sôl, e ôs herôé is
civilizadôres que criaram a humanidade. Dôis dôs herôé is culturais teô m nôme de peixe: ô
Tukanô Doé tiró e ô Desaô na Boléka , que significam traíéra e uaracu ( KUMU, KENHIÌRI, e
RIBEIRO,1980).
Os Suruíé narraram para a antrôé pôlôga Betty Midlin (1997), ô côntô dô namôrô das
mulheres côm um “peixô”. Em Santareé m, bem cômô nô Marajôé , presenciei ô sustô côm ô
bôtô que vira rapaz sedutôr, nas nôites de lua bem cheia. O mitô dô amante das aé guas
dôces ainda estaé vivô, na Amazôô nia. Ele eé ô Bôtô, um hômem - peixe que busca uma
parceira para fazer amôr nas praias enluaradas dôs riôs. Naã ô seria um sinal de que ô
imaginaé riô das cabôclas estaé prenhe de divindades telué ricas ancestrais?
Os peixes ancestrais teô m prôpôrçôã es gigantescas, saã ô bem maiôres dôs ôs que peixes
atuais da mesma espeé cie, e marcaram ô territôé riô míéticô de diversas tribôs. Quandô se
pergunta a um velhô Mehinakué ônde môram ôs Papanê ( sôbrenaturais ), ele respônde :
nô fundô da aé gua. (COSTA,1988). Pôderíéamôs interpretar a aé gua cômô lôcal indefinidô,
metaé fôra para ô incônsciente. Nô entantô, quandô se cônvive côm a fôrça dôs riôs e das
chuvas na Amazôô nia, eé bôm tambeé m levar em cônta ô fatô real de que as aé guas
prôfundas escôndem seres muitô arcaicôs e maiôres dô que as espeé cies ribeirinhas
Tantô ô indíégena quantô ô cabôclô amazôô nicô atribuem, facilmente, pôderes
sôbrenaturais aôs animais aquaé ticôs. O amuletô mais famôsô da regiaã ô, saíédô das maã ôs
das mulheres Ycamiabas – as guerreiras – eé uma raã feita de jadeíéta. As Ycamiabas
retiravam ô muiraquitã dô fundô dôs lagôs sagradôs, ônde a Maã e da Lua permitia que
elas renôvassem ô víénculô erôé ticô da raça. Davam ô muiraquitã para ô amante, uma
prôteçaã ô impôrtante. Dizia-se que elas lutavam cômô guerreirôs e nunca se submetiam,
matandô ôs hômens que ôusassem aprôximar-se.
Os cabôclôs ainda temem a Côbra Grande que, segundô a lenda, môra embaixô de
algumas vilas e cidades. Em OÉ bidôs, Paraé , acredita-se que se ela sair dô seu nichô que
fica embaixô da catedral, prôvôcaraé a queda da cidade inteira dentrô dô riô. Em
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diferentes regiôã es dô paíés narram-se mitôs acerca de sôbrenaturais femininas nascidas


nas aé guas. (PENNA, 1996). Algumas, assôciadas côm animais aquaé ticôs, entre ôs quais a
serpente, a raã e a feô mea dô bôtô.

DEUSA - PEIXE
A Senhôra das AÉ guas naã ô estaé graé vida, nem côm grandes seiôs e quadris. O côrpô
lôngô, ôs braçôs curtôs e as pernas dôbradas sugerem ô môvimentô sinuôsô dôs reé pteis
e dôs peixes. A sua presença nô cemiteé riô subterraô neô pôderia assegurar a penetraçaã ô
dô môrtô nô prôfundô mundô das sômbras. Da mesma maneira que um peixe mergulha
e sôme das vistas, ô côrpô dô môrtô dissôlve-se nô seiô da terra .
Teriam sidô ôs braçôs da estatueta reduzidôs intenciônalmente para sugerir
barbatanas laterais? Outra metaé fôra aà penetraçaã ô nôs subterraô neôs vem da imagem de
um peô nis côm dôis testíéculôs, ôbtida aô virar a deusa de ladô.
A base da pequena estatueta tem a fôrma da lua crescente, cômpletandô uma
cômbinaçaã ô de alusôã es sexuais masculina e feminina na deusa. Ela, talvez, fôi criada aà
semelhança dô bagre que hôje chamam Piraíba, a temida “maã e dô riô”, nô Marajôé . O
maiôr bagre da Amazôô nia (Brachyplatystoma filamentosum, Fam. Pimelodidae) pôssue
ôé rgaã ôs sensíéveis que ô habilitam a explôrar ô ambiente, mesmô na escuridaã ô. O
espeé cime adultô atinge de 2,5 a 3 metrôs de cômprimentô, pesandô, eventualmente, 200
quilôs. Vive em aé guas prôfundas e sai aà superfíécie aà bôca da nôite. Sôé a feô mea parece ser
chamada Pira-íba: peixe-maé , em Tupi. EÉ mais agressiva dô que ô machô e ataca qualquer
côisa que se mexe prôé ximô aà margem. As cabôclas naã ô deixam crianças, galinhas ôu
patôs pertô da aé gua depôis que escurece, côm medô da Piraíba.
Levar ô môrtô para ô fundô dôs imensôs mananciais, devôrandô-ô cômô faz a feô mea
dô bagre côm ôs pequenôs seres vivôs, seria uma funçaã ô da deusa-peixe? O môtivô
arquetíépicô da regeneraçaã ô dôs côrpôs pede que ôcôrra uma môrte, real ôu simbôé lica,
para que sôbrevenha a transfôrmaçaã ô. Cônsiderandô as aé guas cômô um ué terô côletivô,
ôs mitôs Marajôara pôdem ter sidô urdidôs em cônsônaô ncia côm as variaçôã es da
natureza ambiente, gestandô pensamentôs, expectativas, esperanças e gerandô
empreendimentôs.
A ambiguü idade da fôrma dessa deusa, feminina e faé lica aô mesmô tempô, alude mais
dô que explica. Ela expressa um jôgô emôciônal que instiga, seduz a imaginaçaã ô, nas naã ô
define claramente. Bem aô gôstô dôs Marajôara, que deixaram uma arte imaginativa,
jamais realista, pôssivelmente criada a partir dô mundô ôníéricô e das visôã es xamaô nicas.
A Senhôra das AÉ guas eé um daqueles casôs, em que nô dizer de Eliade (1993) naã ô haé
necessidade de determinar ô sexô. As divindades telué ricas e prôcriadôras universais saã ô
bissexuadas.

LEITE DAS VISÕES XAMÂNICAS


Vasôs cômô este pôssivelmente estiveram presentes nôs rituais de prôpiciaçaã ô aôs
pôderes vitalizadôres da deusa. Assôciandô sementes, duplas espirais, brôtôs côm a
generôsidade redônda dôs seiôs, as artesaã s cônceberam-nô cômô uma mandala.
A côncepçaã ô artíéstica desse vasô fez de cada seiô um campô cônvexô ônde ôs brôtôs
vicejam. A mesma linguagem fôi usada nô cíérculô central de ônde nascem quatrô ramôs
duplôs. As pequenas fôrmas ôvais saã ô sementes riscadas, talvez especificandô um tipô de
planta usadô para fazer a bebida sagrada. Os ramôs duplôs môstram teô nues hastes, cômô
um vegetal em germinaçaã ô. Os síémbôlôs dô centrô e dô cíérculô maiôr saã ô anaé lôgôs. EÉ
uma festa aô redôr das sementes e das espirais, abrindô-se em direçôã es ôpôstas.
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Dinamizaçaã ô da fôrça vital nôs hômens, mulheres e nô sôlô, talvez fôsse ô ôbjetivô da
cômemôraçaã ô para a qual este vasô fôi môdeladô.
EÉ sôlene esse trabalhô realizadô em excisôã es sôbre engôbe vermelhô. Percebe-se a
irradiaçaã ô da fôrça da vida que inspira admiraçaã ô, generôsidade. Supônhamôs que este
vasô tenha servidô para guardar um liquidô sagradô, uma bebida cerimônial, que era
passada em ôutras vasilhas menôres para cônsumir-se. Ela seria ô leite sagradô,
misteriôsô dôm da deusa distribuíédô aôs iniciadôs. Bebida preparada côm arte, digna
das festas sagradas, indutôra de estadôs alteradôs de cônscieô ncia. Era um presente da
Maã e da vida, pôis tôdôs ôs sinais de renôvaçaã ô da fôrça da natureza nele estaã ô gravadôs.
Tíépicô de um pôvô que dependia, pelô menôs parcialmente, da côleta de frutôs e raíézes,
bem cômô das plantas que cômeçavam a dômesticar.
O vasô que analisaremôs a seguir guarda sinais de usô na bôrda. EÉ menôr que ô
primeirô e, pôssivelmente, fôi um dôs que passôu de bôca em bôca nas festividades que
celebraram as iniciaçôã es dôs Marajôara.
Tem ô fôrmatô geral semelhante aô de uma semente. Um dôs seiôs estaé abertô na
parte superiôr, ônde se nôta, claramente, a erôsaã ô das gravuras pelô usô da bôrda
externa. Tambeé m ô mamilô deste ladô estaé aplainadô, cômô se muitas maã ôs ô tivessem
tôcadô. Dô ladô côntraé riô, exibe um intrincadô padraã ô de sinais, semelhante a uma rede
muitô fina. A ceramista destacôu ô mamilô realisticamente, ô que eé incômum na arte
Marajôara. Um gestô criadôr cômpreensíével quandô lembramôs que a arte ceraô mica
nasceu côm as mulheres
As ôleiras ancestrais cônceberam a divindade aà imagem dô seu prôé priô côrpô e
ressignificaram sua presença na sôciedade tribal a partir dessa relaçaã ô.
Cabôclas em vilas lôngíénquas dô Marajôé testemunham ainda que a tradiçaã ô das suas
avôé s indíégenas ritualizava ô mômentô de retirar ô material dô barreirô côm tabus
sexuais. A “Maã e dô barrô” pede que suas filhas naã ô tenham côntatô sexual côm hômem
na veé spera de retirar ô barrô na lua cheia, nem durante a queima dô prôdutô. Guardam ô
côstume de escôlher vaã ôs silenciôsôs das casas para môdelar, rejeitandô a presença
masculina enquantô persiste uma sintônia quase maé gica côm as energias dô arqueé tipô
da deusa paridôra. (PENNA, 2000). Nem sempre “leite” alucinôé genô cômô ainda ervas,
raíézes, cômida especiais da deidade teriam sidô côzidas nas panelas, estôcadas nesses
pôtes, servidas nôs pratôs decôradôs côm esmerô. O atô de côlher as plantas, preparaé -las
e côzeô -las, ô mômentô de tôma-las, tudô eé parte dô encôntrô sagradô dôs filhôs e filhas
côm sua deusa paridôra dô mundô.
A metaé fôra de uma grande deusa cômô vasô nutritivô eé taã ô antiga quantô a arte
da ceraô mica. Recua nô tempô atraveé s das vaé rias fases dô Neôlíéticô, das eras dô Côbre e
dô Brônze. Tôdas estas côncepçôã es serviram, psicôlôgicamente, para ensinar que a
natureza pôde ser experienciada cômô se fôsse uma generôsa maã e que dôa ô sumô
geradô dentrô de si mesma. Uma deusa que ôs indíégenas Marajôara cônheceram,
retratandô-a côm rara sensibilidade.

ENTRELAÇAMENTO DE ENERGIAS
Uma grande alegria deve ter tômadô ôs côraçôã es dôs hômens e mulheres Marajôara
aô manterem taã ô pertô de si uma deusa generôsa, sensual, mediadôra nôs misteé riôs dô
ciclô natural da vida-môrte-vida. A espiritualidade da naçaã ô Marajôara ôbedece aà
percepçaã ô pura de que tudô eé sagradô. Naã ô estaé maculada pela côncepçaã ô
intelectualizada que implantôu nô espíéritô eurôpeu ô medô da natureza e a separaçaã ô
entre côrpô - prôfanô e espíéritô - sagradô. A cieô ncia indíégena eé mantida côm ôs sinais dô
universô, leituras intuitivas de sincrônicidades, busca atraveé s de meditaçôã es dô
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significadô dôs sônhôs, estíémulô a visôã es atraveé s de praé ticas fíésicas e de mediadôres
quíémicôs, ôs alucinôé genôs. Uma fôrma de cônhecer que extrapôla ô que a cieô ncia
cônvenciônal dôs ué ltimôs seé culôs vem prôpalandô cômô a ué nica verdade.
O côrpô eé templô dô Espíéritô Santô, ensina ô catecismô, mas quem habita nele eé ô
diabô, justificandô que seja flageladô, côrrigidô e côrrômpidô pôr praé ticas anti-naturais,
que felizmente estaã ô caindô em desusô neste iníéciô de mileô niô. A servidaã ô da mulher e
dô hômem aô pôder dô Lôgôs levôu aà eliminaçaã ô dôs valôres da cônscieô ncia “lunar” que
caracteriza ô princíépiô Femininô na psique côletiva. A cônscieô ncia “lunar” aceita ô
misteé riô sem querer explicaé -lô, quer dizer sem pretender retirar tôdas as dôbras e
pregas, desnudandô tôdôs ôs fiôs ( seria pôssíével?) côm que eé tecida a Criaçaã ô. Nô
dômíéniô da cônscieô ncia “lunar” vive-se ô misteé riô e apreende-se ô seu verdadeirô
sentidô côm a tôtalidade de nôssôs recursôs.
A cônscieô ncia “lunar” môve-se em sintônia côm ôs ritmôs sazônais, sente ôs sinais dô
universô e reage em acôrdô; percebe ô tempô de semear e ô tempô de côlher; veô a môrte
cômô parte dô grande eternô retôrnô da criaçaã ô. A pôssibilidade de recuperar a perda
desta sabedôria tôrna ô estudô dôs síémbôlôs ancestrais dignô de esfôrçô, ainda que tudô
ô que pôssamôs fazer seja hipôteé ticô.
Na sôciedade Marajôara as energias dô Femininô transcendente saã ô aceitas e pôstas
em equilíébriô côm as energias dô Masculinô gerandô espaçô para viver a sexualidade nô
sagradô. O côntatô côm as energias sexuais eé dignificadô e ritualizadô. As energias dô
Masculinô se expressam nô empreendimentô cônjuntô para môver trôncôs, terra e barrô
fôrmandô ôs aterrôs residenciais e de cemiteé riôs. Enquantô a energia dô Princíépiô
Femininô côrrespônde aô côntatô sutil côm a mateé ria, ô barrô, as plantas que curam e
que envenenam. Realiza sôndagens dôs misteé riôs da criaçaã ô em gestôs que insinuam
uma cô-criaçaã ô, em vez de desejar uma explicaçaã ô.
Em cima dôs aterrôs, a visaã ô magníéfica dô sôl equatôrial môstra tôdô seu esplendôr
impressiônandô mentes e espíéritôs. Côntemplandô as mudanças das estrelas alcançam
ôs mais saé biôs a cônscieô ncia da grandeza dô universô. O cônhecimentô das direçôã es
talvez esteja registradô nôs labirintôs esculpidôs nôs pôtes. Reflexôã es abstratas e
elabôraçôã es raciônais fazem parte dô que a psicôlôgia analíética chama de cônscieô ncia
“sôlar”, regida pelô Lôgôs, uma das manifestaçôã es dô princíépiô Masculinô presente na
psique humana.
O princíépiô Femininô traduz-se especialmente atraveé s dô côntatô sensôrial e
prôximal côm seres e ôbjetôs. EÉ regidô pela energia de Erôs, significandô víénculô,
capacidade de relaciônamentô diretô, prôé ximô, criar côntatô sem pensar, mas atraveé s da
pele. Os síémbôlôs encôntradôs sugerem que na sôciedade Marajôara as pessôas
prôvavelmente vivessem uma espiritualidade em uniaã ô côm ô mundô material, pôrtantô
alcançandô côm certô equilíébriô entre as pôlaridades Masculina e Feminina da psique
côletiva.

REFERÊNCIAS
1. BACHELARD, Gastôn (1985). L’ Eau et les Rêves. Paris: Lib. Jôseé Côrti.
2. COSTA, Maria Helôíésa Fenelôn (1988). O Mundo dos Mehináku e suas
Representações Visuais .Brasíélia: Ed Universidade Brasíélia
3. DURAÉ N, Alice Côirôlô. Les grôups ceramistes de L’íôle de Marajôé ( Nôrd du Breà sil) de
l’eà pôque prehistôrique aà nôs jôurs. T.Dôc.Univ. Paris I, mimeô.Sôrbônne, 1990.
4. ELIADE, Mircea (1993).Tratadô de História das Religiões. Saã ô Paulô: Martins
Fôntes.
12

5. GIMBUTAS, Marija (1991). The Civilization of the Goddess – The World of Old
Europe. San Franciscô: Harper & Côllins.
6. JUNG, C.G (1976). A ambivaleô ncia dô síémbôlô de peixes. In: Aion .Estudos sobre o
simbolismo do si-mesmo.C.W.9.2. Petrôé pôlis:Vôzes.
7. KUMU, Umué sin, P., KRENIÉRI Tôlamaã n & RIBEIRO, Berta(1980). Antes O Mundo
Não Existia. Saã ô Paulô : Cultura.
8. LEÌ VY – STRAUSS, Claude (1985). A Oleira Ciumenta. Saã ô Paulô:Brasiliense.
9. LIMA, Taô nia A. Ceraô mica indíégena brasileira. In Suma Etnológica Brasileira, v.2; 2ª
ediçaã ô. Petrôé pôlis: Vôzes/Finep, 1987.
10. MIDLIN, Betty e narradôres indíégenas (1997) Moqueca de maridos: mitos eróticos.
Riô de Janeirô: Rôsa dôs Tempôs.
11. PENNA, Lucy (1996). Divindades Femininas dô Brasil. Hermes . Saã ô Paulô 1:66-93.
12. _____ (2000).A Senhôra das aà guas na Amazôô nia. Junguiana ( SBPA) 18:18-29.
13. REICHEL – DOLMATOFF, G. (1971) Amazonian Cosmos: The Sexual and Religious
Symbols of the Tukano Indians. Chicagô: Univ. ôf Chicagô Press.
14. RIBEIRO, Berta e
15. ROOSEVELT, Anna C.( 1991). Moundbuilders of the Amazon. Geophysical Archaeology in
Marajo Island, Brazil. San Diegô: Academic Press.

Lucy Penna eé psicôterapeuta, dôutôra em Psicôlôgia Clíénica pela USP, pesquisadôra dôs
síémbôlôs indíégenas. Prôfessôra titular da Universidade Salgadô de Oliveira/ Gôiaô nia.

II - A POLÍTICA MISSIONÁRIA

SOUZA E MELLO, Marcia Eliane Alves de. FEÉ E IMPEÉ RIO: AS JUNTAS DAS MISSOÕ ES NAS
CONQUISTAS PORTUGUESAS. Manaus: Edua, 2007, pp. 31-52

A PROPAGAÇÃO DA FÉ NOS MODELOS DE EVANGELIZAÇÃO


Pôdemôs ôbservar que, enquantô a maiôria das religiôã es da humanidade apresentaram
um caraé ter lôcal ôu mesmô tribal, apenas treô s religiôã es demônstraram desde ô cômeçô
cônstituir uma exceçaã ô e serem dôminadas pôr uma côncepçaã ô missiônaé ria e
universalista: ô Budismô, ô Cristianismô e ô Islamismô. Nô entantô, sômente ô
Cristianismô cônseguiu transfôrmar-se numa religiaã ô universal, vistô que ô Budismô
côntinua ateé hôje uma religiaã ô ôriental e ô Islamismô, apesar de ter-se espalhadô a partir
dô Oriente Meé diô em vaé rias direçôã es – cômô a AÉ frica, pôr exemplô –, naã ô cônseguiu
atingir a abrangeô ncia alcançada pelô Cristianismô nô mundô (Stephen NEILL, As missôã es
cristaã s, p.15).
Nôs primeirôs tempôs dô Cristianismô identificam-se treô s transfôrmaçôã es radicais que
influenciaram seu pensamentô e açaã ô. A primeira ôcôrreu aô se verificar que ô tempô
decôrridô entre a primeira e a segunda vinda de Cristô naã ô se cônfigurava taã ô breve
cômô se pensara ôriginalmente.
Desse môdô, passôu-se a cômpreender que a vida da Igreja, nô que diz respeitô aà
pregaçaã ô dô Evangelhô, naã ô deveria ôcôrrer freneticamente, em razaã ô da brevidade dô
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tempô, mas sim de maneira firme atraveé s dô mundô, mesmô que mantendô um sentidô
de urgeô ncia. A segunda transfôrmaçaã ô diz respeitô aà evideô ncia de que ô môvimentô da
Igreja deveria ser dô interiôr para ô exteriôr, de Jerusaleé m para fôra, e naã ô ô côntraé riô.
A ideia fôi surgindô gradualmente, primeirô em Paulô de Tarsô, ô qual acreditava ser a
pregaçaã ô aôs gentiôs uma parte essencial dô planô Divinô.
Uma vez que Cristô môrreu pôr tôdôs nôé s, ficava rômpidô ô particularismô da religiaã ô
judaica, destacandô-se neste nôvô tempô a participaçaã ô dôs gentiôs. E fôi esse
pensamentô que levôu Paulô a caminhar em direçaã ô aô Impeé riô Rômanô e testemunhar
ô Evangelhô aô prôé priô imperadôr. E, pôr fim, a terceira transfôrmaçaã ô, que adveiô da
destruiçaã ô de Jerusaleé m em 70 d.C. pelôs rômanôs. Aquela que havia sidô a Igreja maã e de
tôdôs ôs cristaã ôs deixara de existir cômô tal, e ôs cristaã ôs que passaram a naã ô ter mais
um centrô geôgraé ficô aprenderam a cônsiderar a presença de Deus em si mesmô
(Stephen NEILL, As missôã es cristaã s, p.22-24.). Aleé m dissô, Rôma nunca representôu um
centrô lôcal para tôdôs ôs cristaã ôs, cômô acôntecera anteriôrmente côm Jerusaleé m.
Côm a crescente preôcupaçaã ô em levar ô Evangelhô a tôdas as naçôã es, a Igreja da
primeira geraçaã ô cristaã se môstrava genuinamente missiônaé ria. Neste aspectô eé
impôrtante nôtar que ô Cristianismô primitivô naã ô se preôcupava em exercer ô pôder
pôlíéticô, uma vez que Cristô ensinara naã ô ser deste mundô ô seu reinô. Pregadôres cômô
Paulô afirmavam que se deveria respeitar a autôridade, mesmô a de um imperadôr
pagaã ô, pôis esta advinha de Deus.
O môdelô de evangelizaçaã ô empregadô nôs primeirôs seé culôs fôi ô ascendente – ôu seja,
partindô de baixô –, vistô ter cômeçadô a difundir-se entre ô prôletariadô urbanô dô
Oriente Prôé ximô e mesmô nôs principais centrôs ôcidentais, cômô Rôma. Sômente a
partir dô seé culô III eé que ô Cristianismô cômeçôu a ganhar as elites. Pôr ôutrô ladô, as
massas rurais, mais arraigadas aà s suas antigas praé ticas religiôsas, sôé se cônverteriam
depôis de ô Cristianismô tôrnar-se ôficialmente a religiaã ô dô Impeé riô e a classe dirigente
estar cônvertida (Luíés Felipe THOMAZ, Descôbrimentôs e evangelizaçaã ô. Da Cruzada aà
missaã ô pacíéfica In: Actas côngressô internaciônal de Histôé ria da missiônaçaã ô pôrtuguesa
e encôntrô de culturas, v.1, p.86-87).
A partir dô seé culô IV, ôutrô môdelô de cristianizaçaã ô se ôbserva em territôé riôs cômô a
Armeô nia e a Etiôé pia, denôminadô descendente, que se cônfigura de cima para baixô – ôu
seja, dô rei para ô pôvô –, de fôrma que se batizandô ô rei lôgô se seguia ô pôvô. Este
môdelô veiô a prevalecer côm algumas variaçôã es durante a Idade Meé dia, estandô
presente nôs pôvôs baé rbarôs dô Ocidente e nô mundô eslavô, ônde a cônversaã ô dô pôvô
esteve assôciada aô batismô dôs reis e, depôis, na Recônquista da Peníénsula Ibeé rica,
ônde a classe dirigente muçulmana fôi substituíéda pôr cristaã ôs, resultandô depôis na
cômpleta cristianizaçaã ô dô territôé riô.
O histôriadôr Luiz Filipe Thômaz identifica nô môdelô de cristianizaçaã ô descendente um
impôrtante fatôr sôciôlôé gicô: a tendeô ncia das classes inferiôres de imitar ôs môdôs das
classes superiôres da sôciedade e a cônfôrmar-se, em maiôr ôu menôr grau, côm seus
valôres culturais. Pôr ôutrô ladô essa tendeô ncia trazia, entre ôutras mudanças, uma
maiôr cônfôrmaçaã ô côm ô seé culô, que pôr sua vez se traduzia nô campô das ideias pôr
uma suavizaçaã ô dô pensamentô quantô aà s côisas que deveriam suceder nô fim dô
mundô, taã ô presente nôs primeirôs seé culôs da vida cristaã .
Nesse sentidô, a crença nô Milênio, presente na primitiva literatura cristaã cômô ô reinadô
dô Messias sôbre a terra, que antecede aô dô Anticristô e a uma nôva terra, permaneceu
viva enquantô a feé cristaã se difundia entre ôs mais deserdadôs. Ainda que criticada cômô
míética pelôs saé biôs côntaminadôs de filôsôfia grega, passôu a ser simbôlicamente
interpretada desde que ô Cristianismô ganhôu ôs estabelecidôs neste mundô. E apôé s ô
14

seé culô IV ô Milênio passa a ser “ô tempô da Igreja”, côncepçaã ô que ficôu depôis cônfinada
aôs territôé riôs submetidôs aô Islaã ôu em côrrentes heterôdôxas de espiritualidade, para
nô seé culô XIII vir a cônhecer um nôvô surtô de pôpularidade.
Essa vulgarizaçaã ô da côncepçaã ô simbôé lica dô mileô niô teve muitas cônsequeô ncias, pôis
significa que deixa-se de ôlhar ô reinô de Deus na terra cômô algô que ainda estaé pôr vir
para que se ô cônsidere cômô algô que jaé chegôu, cônsistindô em ué ltima anaé lise na uniaã ô
entre ôs pôderes pôlíéticô e religiôsô. Entreveô -se jaé aíé ô germe dô cônceitô de Respublica
Christiana (Concepção pela qual se reconhece como uma comunidade de Estados cristãos
encabeçada pelo papa, a quem deveria se submeter todo o mundo e assim concretizar-se o
reino de Deus na terra, visto compreender como legítima a submissão do poder político ao
religioso), que teraé pôr resultadô a ideia de se estender a tôdô ô mundô uma semelhante
ôficializaçaã ô dô Cristianismô. E, lôgicamente, tentar-se-aé reprôduzir esse esquema nôs
territôé riôs ainda naã ô submissôs aà cristandade, cômeçandô pôr neles implantar um pôder
cristaã ô.

O MODELO MEDIEVAL DE EVANGELIZAÇÃO


A passagem dô môdelô ascendente para ô descendente ôcôrreu aô mesmô tempô em que
ô Cristianismô se tôrnava religiaã ô ôficial de Estadô (Quandô em 391 Teôdôé siô
prescreveu ô paganismô e a Igreja cristaã passôu a desfrutar dô prôteciônismô estatal).
Nô entantô a esseô ncia desses môdelôs, baseada numa evangelizaçaã ô pacíéfica, vai ser
alterada côm ô côrrer dôs seé culôs, passandô a cônviver côm a ideia de se exercer sôbre
ôs infieé is uma açaã ô viôlenta, de fôrma a impôr a cristianizaçaã ô pela cônquista militar.
A missiônaçaã ô medieval fôi assinalada pôr duas pôsiçôã es em côntraste: uma defendida
pôr Rôger Bacôn (1214-1294), em que a cônversaã ô deveria dar-se pela cieô ncia e
sabedôria, em que a preparaçaã ô para a missiônaçaã ô cônsistia nô cônhecimentô das
líénguas de fôrma a estabelecer um diaé lôgô côm as ôutras culturas; a ôutra defendida pôr
Jôaã ô Duns Escôtô (1265-1308), que aceitava ô castigô dôs idôé latras e ô direitô dôs
príéncipes de dilatar ô reinô de Deus pela fôrça (Maria dô Rôsaé riô Azevedô CRUZ, A
Missiônaçaã ô Pôrtuguesa. Perspectivas da Missiônaçaã ô e da Histôé ria de Pôrtugal. In:
Encôntrô de Culturas. Oitô Seé culôs de Missiônaçaã ô Pôrtuguesa, p.38).
Côntudô, ô Islamismô fôi desde ô seu aparecimentô, e em sua pôsteriôr expansaã ô,
sempre sentidô pela cristandade cômô uma ameaça. O dômíéniô islamita fôi vistô cômô
castigô dô ceé u, surgindô daíé vaticíéniôs e prôfecias em que se anunciava ô seu fim.
Apareceu tambeé m a crença messiaô nica nô fim iminente dô Islaã nô côntextô da
Recônquista peninsular. E ateé fins da Idade Meé dia inué meras versôã es de prôfecias indicam
ôra um príéncipe franceô s, ôra um alemaã ô, em ôutras um espanhôl, aquele que seraé ô rei
messiaô nicô que levaraé a derrôta aô Islaã .
Assim, durante ô períéôdô medieval vai se dar a lenta passagem da côncepçaã ô dô reinô de
Deus aà de “mônarquia universal dô Papa”. Para que pôssamôs cômpreender as vaé rias
côncepçôã es que iraã ô influenciar ô môdelô de evangelizaçaã ô prevalecente na Idade Meé dia
utilizaremôs cômô referencial ô artigô de Luiz Filipe Thômaz, “Descôbrimentôs e
Evangelizaçaã ô. Da Cruzada aà missaã ô pacíéfica” (Luiz Felipe THOMAZ , ôp. cit., p.96-108.).
Aliada aà ideia de que ô imperadôr era ô prôtetôr ôficial da Igreja, encôntrava-se a ideia
de que ele tambeé m pôdia dispôr de seu pôder para submeter aà ôbedieô ncia aqueles que
naã ô prôfessassem a dôutrina cristaã dentrô de seus dômíéniôs, nô que deu ôrigem aà
pôssibilidade de “guerra santa” (Côncepçaã ô que tem cômô ôbjetivô tantô a ideia de
defesa dô Estadô côntra ôs inimigôs externôs cômô a ideia de transfôrmar ô territôé riô
infiel em territôé riô cristaã ô), utilizada na defesa dô Impeé riô dô Oriente quandô das
invasôã es baé rbaras. Essa ideia manifestôu-se nô gôvernô de Heraé cliô (610-641),
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desenvôlvendô-se depôis côm seus herdeirôs e sôb ôs imperadôres bizantinôs dôs


seé culôs VIII e IX, que em luta côntra ô Islaã renunciaram a sua pretensaã ô de impeé riô
universal e resgate das glôé rias dô antigô Impeé riô Rômanô, passandô a cômpreender a
resisteô ncia cômô uma guerra santa defensiva cujô ôbjetivô era a sôbreviveô ncia da Igreja.
Nô Ocidente a côncepçaã ô de guerra santa vai se distinguir da adôtada nô Oriente,
encôntrandô aqui côndiçôã es mais prôpíécias para ir mais lônge que nô Oriente bizantinô.
Em primeirô lugar, graças aô amôr aà guerra da aristôcracia guerreira germaô nica,
presente desde as grandes invasôã es e parcialmente cristianizadô nô ideal de cavalaria,
pelô qual a môrte em cômbate era vista cômô um exercíéciô de devôçaã ô espiritual, ô que
resultôu em uma cômbinaçaã ô perfeita. Tendô ô papa Leaã ô IV prômetidô a vida eterna aôs
que môrressem nô cômbate pela feé , passaram estes mais tarde a ser vistôs cômô
maé rtires.
Em segundô lugar, ô Ocidente latinô transpôô s a guerra santa da respônsabilidade dô
pôder civil para a dô pôder eclesiaé sticô. Nô períéôdô medieval, a articulaçaã ô entre ôs dôis
pôderes fôi influenciada pelô preceitô cônhecidô pôr augustinismo político (Côrrente
filôsôé fica ôriginada na dôutrina de Santô Agôstinhô), que defendia que ô Estadô, aô
pretender assegurar a justiça atraveé s de sua legislaçaã ô e instituiçôã es judiciaé rias,
apresentava um caraé ter meramente humanô, aô passô que a Igreja, atraveé s dôs
sacramentôs, dispensava ô perdaã ô divinô, ô que pôr cônseguinte côlôcava ô Estadô em
pôsiçaã ô inferiôr aà Igreja. Outrôs pensadôres fôram mais lônge e defenderam ô tôtal
apagamentô dô Estadô perante a Igreja, advôgandô a transfereô ncia de pôder aô papa.
Apôiavam-se numa falsa Dôaçaã ô de Cônstantinô, fôrjada nô seé culô VIII, mas sôé
côntestada nô seé culô XV, na qual ô imperadôr, depôis de cônverter-se aô Cristianismô e
decidir retirar-se para Cônstantinôpla, teria deixadô aô papa S. Silvestre a sôberania
sôbre Rôma, a Itaé lia e tôdô ô Ocidente.
Côm a mudança dô tíétulô pôntifíéciô de “vigaé riô de S. Pedrô”, que significava ô pôder
sacerdôtal dô papa, para “vigaé riô de Cristô” (Usadô pôr Inôceô nciô III (1198-1216) e mais
tarde pôr Inôceô nciô IV (1243-1254), que ô adôpta definitivamente) que pôr sua vez
ligava-se aà universalidade dô pôder de Cristô, ganha fôrça a teôria de que ô pôder
deveria ser restituíédô aô papa pôr ter sidô ilegalmente usurpadô pelô impeé riô. Essa
teôria fôi cônfirmada canônicamente pela Bula Unam Sanctam dô papa Bônifaé ciô VIII
(1302), que vai dar iníéciô aà impôsiçaã ô da aceitaçaã ô pelôs mônarcas eurôpeus da dôutrina
de que ô impeé riô era um feudô dô papadô. Assim, a respônsabilidade de fazer guerra aôs
inimigôs da Respublica Christiana deixava de ser dô Estadô, passandô a ser da Igreja.
A cômpreensaã ô de que ô pôder civil prôvinha dô eclesiaé sticô fazia côm que fôssem as
autôridades naã ô cristaã s cônsideradas ilegíétimas, vistô naã ô receberem da Igreja ôs seus
pôderes, sendô assim justa a guerra môvida côntra elas para fazeô -las sujeitar-se aà
cristandade. A submissaã ô pôlíética passa a ser indispensaé vel para a evangelizaçaã ô. Sem
ela a dilataçaã ô da Feé naã ô eé pôssíével, pôis ô pôder pôlíéticô eé côndiçaã ô preé via para
cristianizar. Pela guerra dilatam-se as frônteiras da Respublica Christiana e saã ô ôs infieé is
submetidôs aà cristandade. A radicalizaçaã ô desse pensamentô chega mesmô aô ideal de
cruzada para extermíéniô dô infiel.
Côntudô, a evangelizaçaã ô pacíéfica entre ôs pagaã ôs naã ô estava esquecida, e, nô seé culô XIII,
a ôrdem mendicante dôs franciscanôs fez as primeiras tentativas nô sentidô de rômper
côm a tradiçaã ô cruzadíéstica e buscar ôutrô meé tôdô que naã ô ô repressivô para cônversaã ô
dôs infieé is na AÉ sia. Depôis de inué meras embaixadas de religiôsôs franciscanôs aôs
môngôé is, em 1294 Fr. Jôaã ô de Môntecôrvinô estabeleceu-se na atual Pequim, sôb a
prôtecçaã ô da dinastia môngôl Yuü an (1279-1367), ônde afirmôu ter batizadô mais de seis
mil pessôas. Pôr cônta das nôtíécias dôs eô xitôs dôs franciscanôs, ô papa Clemente V
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decidiu sagrar Môntecôrvinô arcebispô de Pequim e enviar em 1308 mais sete bispôs
franciscanôs para trabalhar na China. E em 1335 partiram mais 50 frades.
Chama atençaã ô ô nué merô, que se pôde cônsiderar pequenô, de religiôsôs envôlvidôs na
evangelizaçaã ô dôs gentiôs. Istô pôrque a prôé pria côncepçaã ô da eé pôca ainda naã ô previa ô
enviô sistemaé ticô de religiôsôs.
Estava em vigôr a côncepçaã ô de que a prôpagaçaã ô dô Cristianismô assentava numa
pôlíética naã ô militante, cujô entendimentô era de que a cônversaã ô dôs pôvôs seria uma
açaã ô natural, resultante dô cônvíéviô côm ôs cristaã ôs e dô cônhecimentô dô Evangelhô.
A cônjuntura favôraé vel aà penetraçaã ô missiônaé ria na AÉ sia em fins dô seé culô XIV vai se
desfazer perante as adversidades enfrentadas pela cristandade na Eurôpa assôlada pela
Peste Negra (1348), pela Guerra dôs Cem anôs (1337-1453) e pelô Grande Cisma (1378-
1429). Enquantô issô, na China a dinastia chinesa Ming (1367-1644) substitui a dinastia
môngôl e inicia um prôcessô de perseguiçaã ô aôs cristaã ôs, identificadôs côm ô pôder
anteriôr. Simultaneamente, fôrma-se ô segundô impeé riô môngôl na AÉ sia Central – agôra
islaô micô, vistô terem se cônvertidô ôs seus gôvernantes –, que blôqueia a rôta terrestre
da China aô Ocidente.
Mais tarde ôs Mamelucôs, senhôres dô Egiptô e Palestina, interditam ô mar Rôxô aôs naã ô
muçulmanôs, paralisandô ô cômeé rciô dirigidô pelôs cristaã ôs nestôrianôs. E ôcôrrem as
cônquistas territôriais dôs turcôs ôtômanôs, que apôé s ô dômíéniô da Anatôé lia (1298-
1326) avançaram pelôs Baé lcaã s em fins dô seé culô XIV, derrôtandô sucessivamente ôs
exeé rcitôs cristaã ôs que lhes fizeram frente em diversas batalhas, cônsumandô, em 1453, ô
fim dô Impeé riô Bizantinô.
Cercada pelôs muçulmanôs, a cristandade eurôpeé ia viu-se nôs finais da Idade Meé dia
isôlada dô restô dô mundô, ô que tôrnava impôssíével a côntinuidade das missôã es nô
Oriente, bem cômô a evangelizaçaã ô pacíéfica.
Restava apenas a via militar para a prôpagaçaã ô da Feé nô mundô cônhecidô, difundindô-
se a ideia de que sôé côm a substituiçaã ô da autôridade pôlíética islaô mica pôr uma cristaã as
pôpulaçôã es desses territôé riôs pôderiam ser cônvertidas. Praticamente cessaram as
atividades missiônaé rias, que sôé vôltariam a encôntrar côndiçôã es prôpíécias nô seé culô XV,
côm a expansaã ô ultramarina.

O MODELO MODERNO DE EVANGELIZAÇÃO


Muitô embôra ôs descôbrimentôs e as navegaçôã es dô seé culô XV tenham prôvôcadô uma
Revôluçaã ô Geôgraé fica, côlôcandô em circulaçaã ô naã ô sômente prôdutôs, pessôas, plantas e
animais, mas tambeé m ideias e religiôã es, pôndô em côntatô côm a cristandade ôcidental
pôvôs que ateé entaã ô viviam isôladôs na Ameé rica, AÉ frica e mesmô na AÉ sia, prôvôcandô nô
espíéritô eurôpeu e nas perspectivas da Igreja cristaã um aumentô de seus hôrizôntes (A. J.
R RUSSEL-WOOD, Um Mundô em Môvimentô, p. 306-309.), sôé muitô lentamente ôcôrreu
a môdernizaçaã ô dôs môdelôs de prôpagaçaã ô da Feé .
Naã ô se ôbservôu nenhum grande avançô missiônaé riô côncômitante aà s primeiras
navegaçôã es, istô pôrque as ideias medievais ainda presentes levariam mais algum tempô
para se transfôrmarem e se adequarem aôs nôvôs tempôs. Sôé a partir de meadôs dô
seé culô XVI eé que se ôbserva uma perda de impôrtaô ncia na ideia de Cruzada, reassumindô
a missiônaçaã ô militante uma atribuiçaã ô determinante na evangelizaçaã ô, cômô jaé
acôntecera antes, na Antiguidade.
A multiplicidade de fatôres que môtivaram a expansaã ô pôrtuguesa fôram apôntadôs na
perspectiva ôficial (O crônista Gômes Eanes de Zuzara, primeirô relatôr dôs
descôbrimentôs, jaé apôntava cincô môtivôs para explicar ô interesse dô Infante D.
Henrique em enviar hômens para lugares descônhecidôs) segundô ôs aspectôs pôlíéticô-
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militar, sôcial, ecônôô micô e religiôsô. Nô entantô, na nôva côncepçaã ô histôriôgraé fica, naã ô
se pôde reduzir tal multiplicidade a um fatôr determinante, seja ele ecônôô micô ôu
religiôsô, nem mesmô pôdemôs cômpreendeô -la se naã ô cônsiderarmôs tôdôs esses
fatôres. O avançô pôrtugueô s deve ser cômpreendidô tendô-se em cônta ôs vaé riôs fatôres
que em simultaô neô ô côndiciônaram, e naã ô prôcurandô hierarquizaé -lôs (Luis Filipe
THOMAZ, ôp. cit., p.81).
Neste sentidô a môtivaçaã ô religiôsa cômbinava-se côm as ôutras, mesmô sendô ô desejô
de expandir a feé um elementô cônstantemente alegadô nôs prôjectôs expansiônistas, naã ô
pôdendô ser pôr si sôé cônsiderada ô môtivô determinante, cômô fôi nôtadô pôr Luiz
Filipe Thômaz:

Afigura-se-nôs, aliaé s, que ô pesô desse fatôr variôu imensamente, côm as eé pôcas, côm ôs
dirigentes, côm as côrrentes pôlíéticas e, sôbretudô, côm as pessôas: dô missiônaé riô aô
pirata – ôs dôis extremôs de uma gama sôcial ômnipresente na expansaã ô – ôs interesses
variavam tantô que muitô difíécil se tôrna arriscar generalizaçôã es. E, nô entantô,
sinceramente assumida ôu aduzida mais ôu menôs hipôcritamente cômô pretextô, rarô eé
que a dilataçaã ô da cristandade naã ô seja invôcada cômô môtivaçaã ô pôlíética côlectiva ôu
mesmô individual. Ainda que pôr hipôé tese, se tratasse de hipôcrisia pura, ô simples factô
de se recôrrer a tal pretextô cômô justificativô demônstra aà saciedade cômô esse ideal era
aceitô e vividô pela cômunidade, e ô lugar de relevô que ôcupava na sua escala de valôres.
(Luis Filipe THOMAZ , ôp. cit., p.81-82).

A açaã ô missiônaé ria nô primeirô seé culô de expansaã ô desenvôlveu-se lentamente e côm
pôucôs resultadôs, em vivô côntraste côm ô taã ô alardeadô desejô de dilatar a Feé na eé pôca
dôs Descôbrimentôs, ô qual naã ô pôde ser cônfundidô côm ô que na atualidade
denôminamôs “espíéritô missiônaé riô”. Predôminava a côncepçaã ô de que a evangelizaçaã ô
naã ô teria efeitô sem uma submissaã ô pôlíética preé via, bem cômô a cômpreensaã ô de que a
prôpagaçaã ô dô Cristianismô ôcôrreria cômô uma açaã ô natural. Assim, naã ô se entendia
que para evangelizar fôsse necessaé riô ô enviô de pessôal especializadô, pôdendô ser
assumida a tarefa pôr ôutras pessôas côm atividade diferente da eclesiaé stica.
Esse fôi ô casô de um mercadôr venezianô, Cadamôstô, atraíédô pôr D. Henrique para as
suas navegaçôã es em meadôs dô seé culô XV, que prôcurôu cônverter um chefe africanô.
Anôs mais tarde, verifica-se a mesma pretensaã ô de desempenhar a tarefa de cônversaã ô
aplicada a pessôas ainda menôs qualificadas. Na passagem de Pedrô AÉ lvares Cabral em
1500 pelô Brasil, em cuja armada seguiam ôitô franciscanôs e nôve padres seculares,
nenhum deles permaneceu na nôva terra descôberta, pelô côntraé riô sendô depôsitada a
capacidade de evangelizaçaã ô em dôis degredadôs que aíé desembarcaram (Jôaã ô Paulô A.
de O. COSTA, O cristianismô nô Japaã ô e ô episcôpadô de D. Luíés Cerqueira. v.1, p. 19-20 ),
ô que côntrasta côm ô estilô que viria a se alargar côm ô desenvôlvimentô da
missiônaçaã ô môderna.
Outra praé tica ôbservada nô cômeçô das expediçôã es diz respeitô aà captura e aô
deslôcamentô de pessôas da côsta ôcidental africana para ô Reinô, ônde eram entaã ô
cônvertidas (Pe. Antôé niô Lôurençô FARINHA, A expansaã ô da feé : na AÉ frica e nô Brasil. v. 1,
p.46. Zuzara infôrma em sua Crôé nica da Guineé que ateé 1448 fôram 927 pessôas
cônvertidas pôr essa praé tica). Mesmô quandô a atividade de côrsô e apreensôã es a sul dô
Bôjadôr fôi prôibida pelô infante D. Henrique a partir de 1448, ô Cristianismô côntinuôu
a prôpagar-se mediante a transfereô ncia de pôpulaçôã es africanas para lôcais dôminadôs
pelôs pôrtugueses, e naã ô pelô enviô de missiônaé riôs para cônverter nô prôé priô lôcal ôs
gentiôs.
Se na direçaã ô dôs esfôrçôs de evangelizaçaã ô dôs pôvôs fôra dôs limites da cristandade
durante a Baixa Idade Meé dia encôntramôs a Igreja, seja pela açaã ô dôs religiôsôs de
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ôrdens mendicantes cômô dôminicanôs e franciscanôs, seja pela ôrientaçaã ô dô papadô


côm ô enviô de alguns religiôsôs e a criaçaã ô de bispadôs na AÉ sia e nas Canaé rias, ô mesmô
naã ô se pôde dizer para ô períéôdô que se segue, quandô a Santa Seé iraé cônfrôntar-se côm
ôs interesses hegemôô nicôs das pôteô ncias cristaã s em prôcessô expansiônista.
Uma vez que ôs descôbrimentôs se iniciaram numa eé pôca em que praticamente cessara a
atividade missiônaé ria, ô Papadô naã ô se preôcupôu côm a evangelizaçaã ô dôs nôvôs
mundôs expôstôs pelas navegaçôã es pôrtuguesas e espanhôlas. Suas atençôã es estavam
direciônadas a princíépiô para as tentativas de refôrma eclesiaé stica, côm ô fim dô Cisma
dô Ocidente (1429), e depôis para a crescente ameaça dô prôtestantismô (Charles
BOXER, O impeé riô côlônial pôrtugueô s, p.228). Os Papas dô Renascimentô naã ô viram mal
algum em deixar que ôs mônarcas ibeé ricôs supôrtassem as despesas côm a implantaçaã ô
de igrejas e a criaçaã ô de estruturas eclesiaé sticas, bem cômô côm ô enviô de missiônaé riôs
para evangelizar ôs gentiôs. Em trôca, côncederam enôrmes privileé giôs a esses
gôvernantes, dandô ôrigem aô que viria a ser cônhecidô cômô sistema de Padrôadô
(Charles Bôxer define ô Padrôadô Real pôrtugueô s cômô “uma cômbinaçaã ô de direitôs,
privileé giôs e deveres, côncedidôs pelô papadô aà Côrôa pôrtuguesa, cômô patrônô das
missôã es catôé licas e instituiçôã es eclesiaé sticas na AÉ frica, AÉ sia e Brasil”, atraveé s de
sucessivas bulas e breves entre 1452 e 1514, nas quais era permitidô aô rei: côbrar
díézimôs; decidir sôbre a criaçaã ô de nôvas igrejas, a cônstruçaã ô e cônservaçaã ô de
môsteirôs, igrejas etc.; indicar aà Santa Seé uma lista dôs candidatôs aôs arcebispadôs,
bispadôs e abadias côlôniais; aprôvar ô enviô de religiôsôs seculares ôu regulares para
as terras dô ultramar; e prôver ô sustentô dôs eclesiaé sticôs sujeitôs aô serviçô religiôsô.
Cf. A igreja e a expansaã ô ibeé rica, p.98-100).
Tal praé tica iniciôu-se côm ô papa Eugeô niô IV (1431-1447), que em 1443 emitiu a Bula
Etsi suscepti, recônhecendô a D. Henrique ô direitô de pôvôar as ilhas dô Atlaô nticô e lhe
cônfi andô a espiritualidade daquelas que naã ô tivessem bispô. Tôdavia, marcantes fôram
as Bulas côncedidas pôr Nicôlau V (1447-1455) – Romanus Pontifex, de 1455, pela qual
eram côncedidôs aà Côrôa pôrtuguesa ôs direitôs de cônquista sôbre tôdôs ôs territôé riôs
de AÉ frica e ilhas adjacentes desde ôs Cabôs Bôjadôr e Naã ô, côm tôdôs ôs direitôs e
regalias para edificarem igrejas e cônventôs cujôs padrôadôs lhes fi cariam pertencendô
para sempre – e pôr Calistô III (1455-1458) – Inter Cetera, de 1456, em que se côncedia aà
Ordem de Cristô (A ôrdem religiôsa-militar fôi fundada pôr D. Dinis em 1319 para
substituir a receé m-suprimida Ordem dôs Templaé riôs. A partir dôs tempôs dô Infante D.
Henrique, passôu a ser cônferida a sua chefia a um membrô da famíélia real) a jurisdiçaã ô
espiritual sôbre tôdôs ôs territôé riôs descôbertôs e ainda pôr descôbrir pelôs
pôrtugueses, pôr tôda a Guineé ateé a IÉndia (Cf. AN/ T T., Bulas, maçô 7, nº 29 e maçô 13, nº
7, respectivamente ).
Côntrariandô ôs interesses da Côrôa pôrtuguesa legitimadôs pelôs seus antecessôres, ô
papa Piô II (1458-1464) prôcurôu desenvôlver a evangelizaçaã ô das pôpulaçôã es da côsta
ôcidental africana mediante ô enviô de religiôsôs. Para tantô, em 1462 prômulgôu um
breve pelô qual encarregava ô frade espanhôl Afônsô de Bôlanô de ôrganizar um grupô
de missiônaé riôs dispôstôs a trabalhar na Guineé na cônversaã ô dôs gentiôs, sendô a
nômeaçaã ô revôgada pelô papa Sistô V (1464-1671) graças a intervençaã ô imediata dô rei
Afônsô V.
De acôrdô côm Filipe Thômaz, ô reinadô de D. Jôaã ô II (1481-1495) representôu uma fase
de transiçaã ô em que fôrmas de pensamentô antigas cômeçaram a cônviver côm môdôs
de atuaçaã ô môdernôs, em meiô a tentativas frustradas de cônversaã ô – cômô a de 1481,
quandô fôi feita uma diligeô ncia na regiaã ô da Mina para cônverter aà Feé cristaã um sôberanô
lôcal, pôis ôs pôrtugueses tinham interesse em cônstruir um fôrte para côntrôlar ô
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traé fegô de ôurô. O fôrte pôô de ser cônstruíédô, mas ô chefe naã ô se deixôu cônverter.
Ficandô sôb pôderiô pôrtugueô s ateé 1637, essa regiaã ô nunca se tôrnôu um centrô cristaã ô
impôrtante, ô que se explica talvez pôr dôis factôres: a naã ô cônversaã ô dô chefe – e côm
issô a naã ô cônversaã ô dô pôvô cômum – e a prôibiçaã ô de cônvíéviô entre a guarniçaã ô e a
pôpulaçaã ô nativa, côm ô intuitô de evitar ô côntrabandô dô ôurô (Luis Filipe THOMAZ,
ôp. cit., p.115).
Hôuve ainda ôutra tentativa, pôucôs anôs depôis, nô Reinô de Benim, quandô ô chefe
lôcal manifestôu ô desejô de ser instruíédô na feé catôé lica. D. Jôaã ô II enviôu alguns
religiôsôs da Ordem dôs Pregadôres.
Nô entantô, aô que parece ô interesse dô rei africanô era ôutrô – tenciônava ele
estabelecer côm ôs pôrtugueses uma aliança côntra ôs seus inimigôs, naã ô se môstrandô
dispôstô a abandônar as suas crenças, de fôrma que em 1486 regressaram ôs
missiônaé riôs aô Reinô.
Côntudô, fôi nô Côngô que resultaram pôsitivas as tentativas de cristianizaçaã ô de D. Jôaã ô
II na côsta africana. Apôé s a segunda viagem de Diôgô Caã ô, ô sôberanô lôcal môstrôu
interesse pela feé cristaã . Para tantô enviôu uma embaixada a Pôrtugal de principais de seu
reinô, ôs quais fôram instruíédôs e batizadôs. D. Jôaã ô II enviôu-ôs de vôlta acômpanhadôs
de missiônaé riôs franciscanôs e dôminicanôs, para que baptizassem ô sôberanô dô Côngô,
ô que veiô a ôcôrrer em abril de 1491.
Chama-nôs a atençaã ô, ainda, Felipe Thômaz para ô fatô de que nas praé ticas aqui
descritas naã ô se tenciônava cônverter a tôdôs ôs gentiôs indiscriminadamente, pôis ôs
missiônaé riôs fôram anunciar ô evangelhô aà s pôpulaçôã es subôrdinadas a reis cristaã ôs, ôu
seja, sôberanôs que se cônverteram ôu manifestavam desejô de ô fazer, aplicandô-se
assim pela Côrôa um môdelô de evangelizaçaã ô mais pôlitizadô. A Côrôa e seus agentes
desempenham um papel central nessas acçôã es, enquantô ôs religiôsôs se inserem nô
prôcessô num segundô mômentô, naã ô partindô deles a iniciativa da evangelizaçaã ô (Luis
Filipe THOMAZ, ôp. cit. , p.117).
Embôra ô môdelô de evangelizaçaã ô côntinue a ser ô descendente, pôde-se perceber
alguma inôvaçaã ô na estrateé gia de D. Jôaã ô II, que vem de fatô recônhecer em AÉ frica a
impôrtaô ncia da evangelizaçaã ô nô lôcal e envia côm essa finalidade missiônaé riôs aô
côntinente, dandô a ele a atençaã ô que ateé entaã ô havia sidô dispensada apenas para a
AÉ sia.
Nô reinadô de D. Manuel I (1495-1521) naã ô se distingue preôcupaçaã ô côm uma
evangelizaçaã ô sistemaé tica, mas pôde-se ôbservar que esta eé facilitada pela criaçaã ô de
côndiçôã es pôlíéticas. Côrrespônde ô seu reinadô, bem cômô ô de seu antecessôr, a um
períéôdô de transiçaã ô em que nôvôs tipôs de intervençaã ô cômeçam a ser delineadôs, sem
côntudô ser marcada uma ruptura nô môdelô de dilataçaã ô da cristandade.
Pôr naã ô existir nessa eé pôca um ideal missiônaé riô militante na Peníénsula Ibeé rica,
pôdemôs cômpreender pôr que nô iníéciô da expansaã ô maríétima naã ô hôuve um grande
fluxô de religiôsôs inclinadôs a anunciar ô Evangelhô nas terras descôbertas. A fôrma
cômô as pôteô ncias ibeé ricas encaravam ô Nôvô Mundô – Ameé rica Central e dô Sul –
caracterizôu-se pôr treô s aspectôs principais: cônquista, côlônizaçaã ô e evangelizaçaã ô
(Stephen NEILL, ôp. cit., p.171-2), vivendô ôs pôvôs dessas terras sôb ô dômíéniô
permanente dôs reis cristaã ôs a quem ô papa, em nôme de Deus, dera sôberania.
Os cleé rigôs, pôr essa eé pôca, trabalhavam ôrdinariamente em lôcais previamente
dôminadôs pelôs cônquistadôres eurôpeus, dôutrinandô assim pôpulaçôã es que jaé
estavam sôb ô pôder pôlíéticô cristaã ô. Prômôviam, assim, a cristianizaçaã ô dôs pôvôs
cônquistadôs, atraveé s de cônversôã es fôrçadas, em que ôs íéndiôs naã ô pôdiam se ôpôr aà
presença dôs missiônaé riôs. A tarefa missiônaé ria, e mesmô a ôrganizaçaã ô eclesiaé stica
20

espanhôla, baseavam-se numa ligaçaã ô íéntima aà pôlíética (L. J. ROGIER, et. al. Nôva histôé ria
da igreja, v.3, p.9-12).
A evangelizaçaã ô dôs íéndiôs da Ameé rica fôi cônsiderada pôr Ruggierô Rômanô cômô “uma
fôrma cômplementar de agressaã ô” (Ruggierô ROMANO, Mecanismôs da cônquista
Côlônial, p.19), na medida em que môdificava, sôb ô pretextô da religiaã ô, antigôs haé bitôs
e valôres indíégenas, pôdendô-se entender esta evangelizaçaã ô cômô uma elementô
cômplementar da “espada”. Nô entantô, as primeiras tentativas de missiônaçaã ô pacíéfica
vaã ô ôcôrrer na Ameé rica, fôra das aé reas côntrôladas pelô pôderiô militar eurôpeu. Fôi ô
casô das missôã es criadas na côsta da Venezuela em 1514 e 1516 pelôs Dôminicanôs que
estabeleceram ô primeirô côntatô diretô côm ôs íéndiôs da regiaã ô. Côntudô, as missôã es
terminaram pôr fracassar.
Alguns dôs religiôsôs da missaã ô de Cumamaé (1514-1515) fôram môrtôs, enquantô na de
Santa Feé (1516-1520) cresceu a hôstilidade dôs íéndiôs pôr culpa dôs côlônôs de
Espaniôla, ôbrigandô ôs religiôsôs a abandônar a missaã ô. Estes, entretantô, naã ô ô
fizeram sem antes pedir armas para defenderem a missaã ô, ô que demônstra que, embôra
apôntassem para uma nôva fôrma de abôrdagem, ainda estavam mais prôé ximôs dô
môdelô tradiciônal (Jôaã ô Paulô A. de O COSTA, O cristianismô nô Japaã ô e ô episcôpadô de
D. Luíés Cerqueira, Vôl. 1, p. 41).
Os meé tôdôs de evangelizaçaã ô aplicadôs pelôs missiônaé riôs, inclusive ôs jesuíétas em suas
missôã es nô Oriente, partiam dô princíépiô da dôutrina da tabula rasa, segundô ô qual ôs
sistemas naã ô-cristaã ôs nada tinham de dignô que servisse aô missiônaé riô para edificar a
sua ôbra, tendô este de nivelar e destruir tudô, antes que ô Cristianismô pudesse edificar
algô – ô que era tambeé m a côncepçaã ô geral dôs missiônaé riôs espanhôé is na Ameé rica
Latina e nas IÉndias Ocidentais. Desta fôrma, ôs missiônaé riôs aô fecharem ôs ôlhôs
perante as riquezas culturais destes pôvôs, rejeitandô seus côstumes cômô côisa de
pôucô valôr, prôvôcavam neles uma ruptura côm ô seu passadô milenar que resultava
em um traumatismô inevitaé vel (Jean DELUMEAU, El catôlicismô de Luterô a Vôltaire, p.
106).
Côntudô, apôé s entrar em côntatô côm ô pôvô japôneô s, em 1549, ô missiônaé riô jesuíéta
Franciscô Xavier alterôu sua cômpreensaã ô dô caraé ter da missiônaçaã ô cristaã . Aô se
deparar côm uma civilizaçaã ô fôrjada côm elementôs taã ô nôbres, cômpreendeu que naã ô
era necessaé riô rejeitar cômpletamente a cultura daquele pôvô. Tal atitude e côncepçaã ô
viria a môdificar a missiônaçaã ô nô Oriente, bem cômô prôvôcar côntrôveé rsias (Stephen
NEILL, ôp. cit., p.159).

UM NOVO ENTUSIASMO MISSIONÁRIO


A partir de meadôs dô seé culô XVI a perspectiva da missiônaçaã ô (O termô eé aqui
cômpreendidô naã ô sôé cômô a pregaçaã ô feita em territôé riôs ultramarinôs, bem cômô a
praticada nas cômunidades cristaã s na Eurôpa) vai sôfrer uma grande mudança. Fôi um
períéôdô marcadô pôr grande renôvaçaã ô espiritual, em que se môdernizaram aôs pôucôs
ôs meé tôdôs de evangelizaçaã ô dandô iníéciô aà pregaçaã ô em larga escala, primeirô na AÉ sia e
depôis na Ameé rica (Ibid., p.181-213).
Nesta eé pôca a Igreja Catôé lica passôu pôr uma prôfunda crise, que culminôu côm a sua
Refôrma, sanciônada pelô Côncíéliô de Trentô (1545-1563). O Côncíéliô teve uma
impôrtaô ncia fundamental para a histôé ria da Igreja môderna, pôis nele fôram
estabelecidas as diretrizes para a renôvaçaã ô religiôsa e môral dô clerô e dô pôvô, que nôs
seé culôs seguintes fôram definindô a nôva fisiônômia da Igreja (L. J. ROGIER, ôp. cit.,
p.157).
21

Na Eurôpa da eé pôca tridentina ganhôu fôrça a evangelizaçaã ô das cômunidades rurais


cristaã s côm as chamadas missôã es interiôres (Este tema tem despertadô a atençaã ô dôs
histôriadôres e geradô inué merôs trabalhôs recentes. Cf. Marc VENARD, Vôs Indes sônt ici.
Missiôns lôintaines ôu/et missiôns inteé rieures dans le cathôlicisme français de la
premieà re môitieé du XVIIeà me, p.83-89. Bernard DOMPNIER, Missiôn lôntaine et missiôn
de l’inteé rieur chez les Capucins français de la premieà re môitieé du XVIIeẹ sieà cle”, p.91-106.
Lôuis CHATELLIER, Missiôns et spiritualiteé dans les pays meé diterraneé ens au XVIIIeà me
sieà cle, p.219-29. Dentre ôs estudôs pôrtugueses sôbre ô tema, destacam-se as
investigaçôã es piôneiras de Eugeé niô F. dôs Santôs sôbre as missôã es interiôres
pôrtuguesas na Idade Môderna. Cf. Eugeé niô F. dôs SANTOS, Les missiôns des temps
môderns au Pôrtugal, Histôire veé cue du peuple chreé tien, vôl.1, p.431 ss. Idem, Missôã es
dô interiôr de Pôrtugal na eé pôca môderna, Arquipeé lagô, nº VI, p.29-65).
Naã ô ôbstante fôssem as missôã es catôé licas eurôpeé ias ôbservadas jaé nôs seé culôs XIV e XV,
estas eram essencialmente dirigidas aà s pôpulaçôã es urbanas e tinham caraé ter cíéclicô. Nô
nôvô môdelô de pregaçaã ô que se desenvôlve na Eurôpa catôé lica dôs Tempôs Môdernôs,
ôs missiônaé riôs côncentravam ôs seus esfôrçôs de “remôdelar ô fiel”, segundô expressaã ô
cunhada pôr Jean Delumeau, especialmente entre as pôpulaçôã es rurais e nas camadas
pôpulares (Jean DELUMEAU, El catôlicismô de Luterô a Vôltaire, p. 232). Seu ôbjetivô era
evangelizar ôs fieé is que pôr sua ignôraô ncia estavam afastadôs dôs princíépiôs cristaã ôs.
Nô que diz respeitô aà relaçaã ô entre ô Côncíéliô de Trentô e as missôã es distantes, deve-se
dizer que naã ô se debateram explicitamente questôã es sôbre a missaã ô extra-eurôpeé ia. Mas
istô naã ô significa que as prôpôstas surgidas aô lôngô dô Côncíéliô – e mesmô depôis dele –
naã ô tenham tidô grande interesse para côm a missiônaçaã ô das pôpulaçôã es que
descônheciam ainda ô Cristianismô (Maria dô Rôsaé riô Azevedô CRUZ, ôp. cit., p.42). Haja
vista que fôi a Igreja pôé s-tridentina a divulgadôra da ideia de evangelizaçaã ô glôbal, que
pregava ô evangelhô naã ô apenas para a cristandade mas tambeé m anunciava-ô aôs pôvôs
receé m-descôbertôs.
Lançôu-se nesta nôva dinaô mica missiônaé ria a jôvem ôrdem da Cômpanhia de Jesus, que
demônstrôu na açaã ô de seus membrôs a dispôsiçaã ô para levar a Feé catôé lica aôs mais
distantes lugares descôbertôs.
O Padre Franciscô Xavier embarcôu em 1541 para a IÉndia, ônde passôu a se dedicar aôs
gentiôs e empreendeu a evangelizaçaã ô em massa atraveé s dô batismô, chegandô a batizar
na côsta sudôeste da IÉndia cerca de 10 mil catecué menôs (Stephen NEILL, ôp. cit., p.152).
Marcôu, assim, ô iníéciô de uma evangelizaçaã ô militante, cujô exemplô seguiu ôutrô
jesuíéta, Padre Manuel da Nôé brega, aô embarcar em 1549 para ô Brasil.
Na ôpiniaã ô de J. R. Rôgier, a Igreja Catôé lica nô seé culô XVII adquiriu uma nôva vitalidade,
fôrtalecida pela renôvaçaã ô interiôr da Igreja Rômana e pelôs resultadôs da Côntra-
Refôrma na Alemanha e França.
Muitôs ideais medievais que pareciam estar abandônadôs fôram readquiridôs e
adequadôs aà s impôsiçôã es da eé pôca môderna. Dessa fôrma, na luta côntra ô avançô
muçulmanô (A ameaça dôs turcôs aôs territôé riôs eurôpeus fôi cônstante desde ô seé culô
XV, e seu avançô fez côm que ô Ocidente cristaã ô se sentisse cada vez mais intimidadô) ô
ideal de cruzada – esquecidô cômô ôbrigaçaã ô aô findar a Idade Meé dia – passôu, segundô
Rôgier, pôr um “renascimentô e metamôrfôse”, depôis de superada a ideia de fatalismô
da eé pôca da Refôrma Prôtestante, que cônsiderava ôs ataques dôs turcôs cômô puniçôã es
divinas (L. J. ROGIER, ôp. cit., p.239 ss ).
Nô seé culô XVII ô ôbjetivô imediatô dôs turcôs era a cônquista dô Nôrte da Eurôpa, e ô
palcô das guerras passôu a ser a Eurôpa Central. Nesse côntextô, a participaçaã ô dô
papadô na luta côntra ôs muçulmanôs fôi impôrtante, para aleé m da ajuda pecuniaé ria, na
22

cônstruçaã ô de alianças pôlíéticas capazes de garantir a expulsaã ô militar dôs pôvôs


invasôres.
O zelô dô Papa Inôceô nciô XI côntagiôu a cristandade e ô pôvô cômum passôu a
cômpreender a guerra côntra ôs turcôs cômô uma nôva cruzada, alistandô-se cômô
vôluntaé riôs nôs exeé rcitôs imperiais cujôs reinôs estavam ameaçadôs pelôs seus planôs
de cônquista. Côntudô, ô nôvô pôderiô da Igreja naquele períéôdô tambeé m se fez evidente
num nôvô esfôrçô missiônaé riô, que naã ô se via desde a eé pôca da pregaçaã ô apôstôé lica,
passandô a ôrganizaçaã ô das missôã es extraeurôpeé ias durante ô seé culô XVII pôr uma
transfôrmaçaã ô radical (Stephen NEILL, ôp. cit., p.181).
A iniciativa da ôbra missiônaé ria nô seé culô anteriôr havia pertencidô aôs reis de Espanha
e de Pôrtugal e aà s grandes ôrdens religiôsas, cômô a dôs Jesuíétas, Dôminicanôs e
Franciscanôs. Ficara assim sujeita aô pôder reé giô dôs mônarcas ibeé ricôs, que detinham ô
Padrôadô Real (A uniaã ô entre ôs dômíéniôs pôlíéticô e eclesiaé sticô nas cônquistas dô
ultramar apôiava-se nô sistema de Padrôadô Real exercidô pelas Côrôas Ibeé ricas,
cônhecidô em espanhôl pôr Patrônatô ôu Patrônazgô) e pôr sua vez prôpôrciônavam
prôteçaã ô aôs missiônaé riôs que seguiam viagem em suas embarcaçôã es, recebendô aleé m
dissô algum auxíéliô financeirô. Aô mesmô tempô, entretantô, esse sistema impunha
limites, de fôrma que a prôpagaçaã ô da Feé Cristaã inseria-se numa pôlíética côlônial.
Se ôs Papas dô Renascimentô fôram em sua maiôr parte indiferentes aà s missôã es
ultramarinas, ôs seus sucessôres seiscentistas naã ô ô fôram (Cômô pôr exemplô ô papa
Urbanô VIII (1623-1644), que fôi um grande defensôr dô esfôrçô missiônaé riô). Estavam
estes cônscientes dôs enôrmes privileé giôs côncedidôs aôs mônarcas ibeé ricôs, alguns
deles cônflitantes côm ô pôder papal, mas tambeé m se viam impôssibilitadôs de agir na
Ameé rica, ônde a açaã ô dô Padrôadô fôi ampliada e exercida de fatô. Entretantô, na AÉ sia e
na AÉ frica as pôsiçôã es pôrtuguesas estavam fragilizadas depôis de perdidô ô mônôpôé liô
maríétimô para ôs ingleses e hôlandeses, ô que pôssibilitôu aô Papadô, a partir dô seé culô
XVII, reduzir e restringir as pretensôã es dô Padrôadô naqueles côntinentes (Charles
BOXER, A igreja e a expansaã ô ibeé rica, p. 101).
Na medida em que as missôã es ultramarinas iam se desenvôlvendô, Pôrtugal via-se
envôlvidô côm uma crise em seu impeé riô côlônial, e as pôteô ncias prôtestantes cômô
Inglaterra e Hôlanda cômeçaram a penetrar nôs dômíéniôs antes exclusivôs das naçôã es
catôé licas ibeé ricas. Côm seu pôder diminuíédô, naã ô pôdia desempenhar as tarefas que ô
Padrôadô exigia, cômô ô enviô de missiônaé riôs sufi cientes para as missôã es.
Côm base na incapacidade de Pôrtugal em satisfazer as necessidades das missôã es quantô
a pessôal habilitadô, passôu a Santa Seé a encôrajar ô enviô de missiônaé riôs eurôpeus de
ôutrôs paíéses, sem a interfereô ncia dô gôvernô pôrtugueô s, para ôs territôé riôs dô Oriente
que ele efectivamente naã ô côntrôlava. A Igreja exerceu ô seu crescente côntrôle sôbre as
missôã es atraveé s da Prôpaganda Fide de Rôma (1622) e da Sôcieé teé des Missiôns
EÉ trangeà res de Paris (1658), que encôrajavam missôã es na AÉ frica e na AÉ sia Oriental
(Charles BOXER, O impeé riô côlônial pôrtugueô s, p.232).
Desta fôrma, iniciava Rôma ô ensaiô de uma ôrientaçaã ô central de tôdas as missôã es
dispersas. Assumia a nôva cônscieô ncia de sua funçaã ô pastôral cômô Igreja Universal,
nesse sentidô cômpreendendô a missaã ô cômô sua ôbrigaçaã ô.
Côntudô, esse prôcessô naã ô fôi instantaô neô, evôluindô as estruturas da Igreja de fôrma
gradual, pela adaptaçaã ô aà s exigeô ncias dôs nôvôs tempôs. Pôr exemplô, quandô ô Papa
Sistô V prômôveu a remôdelaçaã ô da Cué ria Rômana, fôram criadas quinze Côngregaçôã es
Rômanas (1588) a fim de que tôdôs ôs negôé ciôs recaíéssem em ôrganismôs centrais mais
eficientes. Dessas Côngregaçôã es, nôve deviam apôiar ô papa nô gôvernô da Igreja
Universal, enquantô as demais ôcuparam-se da administraçaã ô e jurisprudeô ncia nôs
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Estadôs Pôntifíéciôs, nenhuma delas sendô encarregada de cuidar da prôpagaçaã ô da Feé (L.
J. ROGIER, ôp. cit., p.166).
Uma cômissaã ô côm essa natureza fôi criada pelô Papa Clemente VIII em 1599, mas, côm
a môrte dô Papa em 1605, as suas atividades fôram encerradas. Nô entantô, a ideia de
que deveria ser criada uma Côngregaçaã ô rômana para a prôpagaçaã ô da Feé passôu a ser
defendida pelôs Carmelitas Observantes da Espanha e pelôs Cleé rigôs Regulares da Itaé lia,
cônvencendô ô futurô papa Gregôé riô XV da necessidade de sua instalaçaã ô. Fôi finalmente
criada em Rôma, nô anô de 1622, a Côngregaçaã ô da Prôpaganda da Feé , mais cônhecida
pôr “Prôpaganda”.
Nesse sentidô, cabe aqui uma breve resenha sôbre ôs primôé rdiôs da Côngregaçaã ô da
Prôpaganda da Feé . Cônstituíéda pôr treze cardeais, dôis preladôs e um secretaé riô
encarregadôs da tarefa de prôpagar a feé , nô intuitô de se cumprir essa tarefa fôi ô glôbô
terrestre divididô em treze regiôã es ôu prôvíéncias de que ficava encarregadô um cardeal.
Seus representantes, nô exteriôr, eram treze Nué nciôs Apôstôé licôs respectivôs, que
assumiam tambeé m uma missaã ô de caraé ter puramente religiôsô e se respônsabilizavam
pela execuçaã ô dôs ôbjetivôs da Prôpaganda na regiaã ô sôb sua tutela.
Oitô das prôvíéncias eram exclusivamente eurôpeé ias, aô passô que duas ôutras abrangiam
Pôrtugal e Espanha côm seus côrrespôndentes dômíéniôs ultramarinôs. E sômente treô s
prôvíéncias situavam-se em terras pagaã s independentes dôs eurôpeus, embôra nelas
hôuvesse enclaves cristaã ôs. Eram elas: AÉ sia Menôr, Oriente Prôé ximô e AÉ frica dô Nôrte (L.
J. ROGIER, ôp. cit, p.257 ss).
O campô de atuaçaã ô da Prôpaganda era sôbretudô a Eurôpa Central e Setentriônal, em
que ô ôbjetivô principal era preservar ôs pôvôs ainda naã ô tôtalmente côntaminadôs pela
Refôrma Prôtestante, ficandô a missaã ô entre ôs gentiôs relegada a um segundô planô,
sem grande realce.
As atividades da Prôpaganda se articularam côm relativa rapidez na Eurôpa, aô passô
que as atividades ultramarinas demôraram mais para se desenvôlverem plenamente.
Nôs territôé riôs sujeitôs aô regime de Padrôadô a Prôpaganda via-se impedida de agir
diretamente, pôr estar aíé intrôduzida uma hierarquia eclesiaé stica ôrdinaé ria cômpôsta de
diôceses e prôvíéncias eclesiaé sticas prôvidas pelôs reis espanhôé is e pôrtugueses.
As linhas de açaã ô da Côngregaçaã ô para a atividade missiônaé ria fôram definidas pelô seu
primeirô secretaé riô, padre Franciscô Ingôli, que exerceu ô cargô ateé sua môrte em 1649.
Eram elas: libertaçaã ô dô trabalhô missiônaé riô quantô aô côntrôle que Espanha e
Pôrtugal lhe haviam impôstô; criaçaã ô de mais bispadôs, mantendô ôs bispôs maiôr
côntatô côm Rôma; empregô de mais cleé rigôs seculares nas missôã es; desenvôlvimentô
de um clerô indíégena a fim de equilibrar a açaã ô das ôrdens religiôsas; e libertaçaã ô da feé
cristaã em relaçaã ô aà s assôciaçôã es côlôniais (Stephen NEILL, ôp. cit., p.183).
A estrateé gia dô Papadô, de aumentar ô nué merô de diôceses nô Ultramar em que pudesse
nômear diretamente ôs bispôs, esbarrava na dificuldade legal e canôô nica dôs direitôs
atribuíédôs aô reis de Espanha e Pôrtugal durante a expansaã ô ultramarina, pelôs quais
sômente a eles cômpetia criar nôvas diôceses e designar ôs respectivôs bispôs nas suas
pôssessôã es.
A fôrma encôntrada para resôlver a questaã ô fôi a nômeaçaã ô de Vigaé riôs Apôstôé licôs, que
diferiam dôs bispôs residenciais pôr serem sômente bispôs titulares, in partibus
infidelium (as partes naã ô pôdem ser cônfiaé veis), que sôé pôdiam exercer as suas funçôã es
episcôpais dentrô de uma aé rea determinada, recebendô ôs tíétulôs das sedes nôminais e
naã ô tíétulô territôrial na aé rea em que atuavam – mas que na praé tica agiam cômô
representantes diretôs dô Papa (Stephen NEILL, ôp. cit., p.185).
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Sôb ôrientaçaã ô dô Papadô, a Prôpaganda Fide teve cômô taé tica inicial naã ô afrôntar ô
Padrôadô pôrtugueô s. Assim, ôs missiônaé riôs pôr ela enviadôs evitavam entrar e
missiônar em territôé riôs ôrientais sôb dômíéniô dô Padrôadô, bem cômô utilizavam
embarcaçôã es pôrtuguesas saíédas de Lisbôa para ô Oriente, respeitandô ô mônôpôé liô
pôrtugueô s. Entretantô, aô mesmô tempô, a Prôpaganda prôcurava interferir na
nômeaçaã ô de vigaé riôs apôstôé licôs de ôrigem ôriental, na tentativa de cônquistar a
simpatia da Côrôa pôrtuguesa (Caiô BOSCHI, Estruturas eclesiaé sticas e Inquisiçaã ô. In:
Histôé ria da expansaã ô pôrtuguesa, v. 2. p. 431).
Os primeirôs vigaé riôs apôstôé licôs fôram nômeadôs em 1637: Franciscô Antôé niô de S.
Filipe, indicadô para arcebispô de Mira (Japaã ô) e Mateus de Castrô, bispô de Crisôé pôlis,
para ô “Idalcaã ô” (regiaã ô interiôr da IÉndia), designadôs pôrtantô para aé reas ônde naã ô se
encôntravam missôã es pôrtuguesas. O primeirô naã ô chegôu aà regiaã ô que lhe fôi destinada,
e ô segundô teve ô exercíéciô de suas atribuiçôã es transtôrnadô aô maé ximô pelô Arcebispô
de Gôa, que naã ô recônheceu a sua nômeaçaã ô, resultandô em frustrada a sua missaã ô
evangelizadôra (Gôeô s de nascimentô, braô mane cônvertidô, D. Mateus de Castrô fôi
sagradô em Rôma cômô Bispô de Crisôé pôlis. Era antijesuíéta, de temperamentô difíécil, e
fez de tudô para enfurecer ôs seus ôpôsitôres, tendô de retôrnar a Rôma para expôr seu
casô. Regressa aà IÉndia depôis de uma tentativa malôgrada de ô enviar para a Etiôé pia em
1651, mas crescem as queixas, pôis ele côstumava prôferir viôlentas ameaças côntra ôs
pôrtugueses e jesuíétas. Diante das perturbaçôã es sucedidas, fôi ô vigaé riô apôstôé licô
afastadô de suas funçôã es em 1658, retôrnandô a Rôma, ônde faleceu gôzandô
aparentemente da estima dôs cardeais.).
Côntudô, as rivalidades fôram crescendô e ganhandô intensidade apôé s a Restauraçaã ô.
Em 1641, D. Jôaã ô IV enviôu ôrdens para ô vice-rei e para ô arcebispô de Gôa, em que ôs
prôibia de receber missiônaé riôs enviadôs pela Prôpaganda, a naã ô ser que estes tivessem
embarcadô em Lisbôa côm ô “exequatur” real (Autôrizaçaã ô dô chefe dô Estadô para que,
nô seu territôé riô, pôssa um representante estrangeirô exercer as suas funçôã es). E ôs
missiônaé riôs, que naã ô tivessem ô cônsentimentô reé giô e fôssem encôntradôs em
territôé riô pôrtugueô s, deveriam ser presôs e embarcadôs de vôlta (Charles BOXER, O
impeé riô côlônial pôrtugueô s, p.234).
A ideia de ser despôjadô dô gôvernô da Igreja Missiônaé ria pôr uma autôridade rômana
naã ô agradôu Pôrtugal, que passôu pôr vaé riôs cônflitôs diplômaé ticôs côm a Santa Seé ,
mantendô-se as relaçôã es entre ôs representantes dô Padrôadô e ôs da Prôpaganda muitô
tensas durante anôs.
E, côm a crise dô Impeé riô Lusô nô seé culô XVII, a situaçaã ô dô padrôadô pôrtugueô s nô
Oriente sôfreu grandes reveses (A penetraçaã ô das naçôã es prôtestantes nôs dômíéniôs que
as naçôã es catôé licas haviam cônsideradô ateé entaã ô cômô exclusivô, a captura de Côchim
(1633), Malaca (1641), Côlômbô (1658) e Macassar (1660) saã ô exemplôs deste avançô.),
de fôrma que a Prôpaganda pôô de atuar côm mais facilidade nas regiôã es da Indôchina e
China.
Para côncluirmôs esta síéntese sôbre ôs môdelôs de evangelizaçaã ô, apôiamô-nôs nô
balançô da atividade missiônaé ria nôs seé culôs XVII e XVIII, feitô pelô padre Stephen Neill
em sua ôbra sôbre as missôã es cristaã s. O autôr assinala as diversas fôrmas de trabalhô
missiônaé riô ôbservadas naqueles dôis seé culôs, cômô a cônversaã ô individual (China) e a
cônversaã ô em grupô (IÉndia); ô “acômôdamentô”, ôu seja, a adaptaçaã ô aôs pôvôs e
culturas estrangeirôs, e a recusa de acômôdamentô, que cônsistia em transfôrmar ôs
cônvertidôs para ô mais prôé ximô dô môdelô de cultura eurôpeé ia; a cônversaã ô das elites e
a missiônaçaã ô vôltada para as classes inferiôres; a fôrmaçaã ô de um clerô indíégena e a
recusa de fazeô -lô. Embôra tôdôs esses meé tôdôs distintôs e aplicadôs em diferentes
25

regiôã es tenham ôbtidô resultadôs parciais, naã ô escaparam aô côlapsô que se abateu
sôbre ô trabalhô missiônaé riô a partir da segunda metade dô seé culô XVIII e que marcôu ô
seé culô seguinte (Stephen NEILL, ôp. cit., p.211).

III - A FESTIVA DEVOÇÃO NO CÍRIO


DE NOSSA SENHORA DE NAZARÉ
Isidôrô Alves
Dôutôr em Antrôpôlôgia Sôcial e pesquisadôr apôsentadô dô Ministeé riô
da Cieô ncia e Tecnôlôgia.
ESTUDOS AVANÇADOS 19 (54), 2005 315

RESUMO
Neste artigô analisa-se ô Cíériô e a Festa de Nôssa Senhôra de Nazareé cômô um grande
ritô côletivô que cônjuga aspectôs fôrmais e devôciônais côm a infôrmalidade prôfana da
Festa brasileira. Expressaã ô dô catôlicismô pôpular, festividade tíépica dô Estadô dô Paraé , ô
Cíériô de Nazareé e ôs festejôs que lhes saã ô prôé priôs englôbam elementôs nativôs que
cônfiguram a expressaã ô de uma identidade regiônal, uma tempôralidade particular e
uma percepçaã ô da ôrdem e as diferentes fôrmas de côntrastaé -la.

Palavras-chave: Cíériô de Nazareé ; festa religiôsa; ritual.

ABSTRACT
This article analyzes the Círio [candle-lit prôcessiôn] and the Feast ôf Our Lady ôf Nazareé
as a great côllective rite that cômbines fôrmal and devôtiônal aspects with the prôfane
infôrmality ôf a Brazilian festival. As a grass rôôts manifestatiôn ôf Cathôlicism and a
typical celebratiôn ôf the state ôf Paraé , the Cíériô ôf Nazareé and attending festivities
embrace native elements tô express a regiônal identity, a particular tempôrality, and a
perceptiôn ôf ôrder and differing ways tô côntrast it.

Key-words: Cíériô ôf Nazareé ; religiôus feast; ritual.

O MÊS de Outubro/ Em Belém do Pará/ São dias de alegria e muita


fé/Começa com extensa romaria matinal/ O Círio de Nazaré.

Assim cantôu, em seu samba enredô de 1975, a Escôla de Samba Unidôs de Saã ô Carlôs,
hôje Estaé ciô de Saé , em seu desfile de carnaval dô Riô Janeirô, enredô que fôi repetidô pôr
ôutra Escôla, a Unidôs dô Viradôurô, em 2004, pôrtantô, quase trinta anôs depôis. E
assim tem sidô a Festa de Nazareé pôr mais de dôis seé culôs, desde que realizada e
ôficializada pela primeira vez, em 8 de setembrô de 1793 (Viana, 1904). Saã ô dias sim, de
um intensô, pôr vezes dramaé ticô, encôntrô que envôlve feé , alegria, festejôs e sentimentôs
prôfundôs.
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A prôcissaã ô dô Cíériô de Nazareé , aô levar aà s ruas de Beleé m, capital dô Estadô dô Paraé ,


quase dôis milhôã es de pessôas em 2004, repetiu um ritual festivô de mais de dôis
seé culôs, cujôs significadôs saã ô ôbjetô deste trabalhô, ô qual atualiza, em sua
interpretaçaã ô e incôrpôraçaã ô de nôvôs eventôs, um prôcessô de investigaçaã ô que cômeça
nôs anôs de 1970, sistematizadô nô livrô O Carnaval Devoto – Um Estudo sobre a Festa de
Nazaré, em Belém (Alves, 1980) e em trabalhôs pôsteriôres. Fôi, de certô môdô, a
utilizaçaã ô dô Cíériô de Nazareé em ôutrô grande mômentô festivô da vida brasileira que
cônsagrôu a denôminaçaã ô Festa do Círio de Nazaré, para ô que era a Festa de Nazareé que
cômeçava côm ô Cíériô de Nazareé .
Dessa fôrma, ô Cíériô de Nôssa Senhôra de Nazareé , cônsideradô cômô a maiôr prôcissaã ô
religiôsa dô Brasil, que leva aà s ruas de Beleé m, neste seé culô XXI, milhôã es de pessôas,
revela-se, e assim eé entendidô, cômô uma das manifestaçôã es mais significativas das
expressôã es da Festa brasileira e pela qual se pôde fazer uma leitura da sôciedade e da
cultura. Nô casô paraense e amazôô nicô, ô Círio eé uma festa que reué ne dôis grandes
aspectôs dô sistema ritual brasileiro (cf. Da Matta, 1979). Pôr ser um eventô religiôsô que
festeja uma santa padrôeira, relaciôna-se aô sagradô, aà s cômemôraçôã es da ôrdem e da
hierarquia sacralizada e, ademais, permite uma intensa gama de infôrmalidade festiva,
de cônfraternizaçaã ô e sôlidariedade.

OS SENTIDOS DA FESTA
Tôdôs ôs anôs, a partir dô segundô dômingô de ôutubrô, realiza-se a Festa dô Cíériô de
Nazareé , jaé definida aqui cômô um “cômplexô ritual”, pôis reué ne naã ô sôé vaé rias prôcissôã es,
mas cômpleta-se côm ô arraial (ôriginalmente uma grande feira) e ô almoço do Círio. Em
tôrnô desse eixô ritual praé ticô eé que prôpômôs uma interpretaçaã ô dô Cíériô e da Festa de
Nazareé que envôlve as dimensôã es sacralizadas e devôciônais côm aquelas
carnavalizadôras, infôrmais e cômunitaé rias (Alves, 1980).
Nô cônjuntô da Festa que Da Matta (1981) identificôu aprôpriadamente côm ô que
chama de carnavais sagrados e que se desenrôla pôr quinze dias, haé uma expressaã ô da
vida sôcial, atraveé s dôs valôres e significadôs que saã ô pôstôs em evideô ncia. Vistô e lidô
cômô uma performance ritual, a ideé ia de carnavalização da vida sôcial, em que Bakhtin
(1987) havia envôlvidô a cultura pôpular da Idade Meé dia e dô Renascimentô e que se
expressam na ôbra, pôr ele analisada, de Rabelais, estaé impregnada naã ô de
manifestaçôã es que invertem ô sistema sôcial, mas que estabelecem uma espeé cie de
neutralização, daíé ô pesô igual e simeé tricô entre a manifestaçaã ô pôpular carnavalizada e
ô atô côntritô dô gestô respeitôsô em uma sôlenidade tambeé m vôltada para ô sagradô.
Sendô uma festividade em lôuvôr a Nôssa Senhôra de Nazareé , de evidente ôrigem
pôrtuguesa, estaé , nô entantô, impregnada dôs significadôs e das fôrmas particularmente
expressivas dô mundô paraense e amazôô nicô. Esse eé um dadô a ser cônsideradô na
anaé lise dôs rituais religiôsôs nô Brasil. Mantendô as linhas estruturais baé sicas em sua
realizaçaã ô, tais eventôs, ainda que cônsideradôs em suas ôrigens pôrtuguesas, passam,
em sua versaã ô impregnada de um catôlicismô pôpular, pelôs esquemas culturais e pelô
sistema de significadôs e significaçôã es que lhes saã ô prôé priôs (Cf. Sahlins, 1990): ô mitô
de ôrigem, a cômensalidade, a patrônagem dô Santô (ô sistema de santôs padrôeirôs e/
ôu de devôçaã ô), ô que eé efetivamente festejadô etc.
Durante quinze dias de ôutubrô, ô eventô principal eé ô Cíériô, prôcissaã ô que percôrre a
cidade entre a Catedral da Seé e a Basíélica de Nazareé . Desde ô primeirô Cíériô que ô trajetô
e a representaçaã ô simbôé lica da prôcissaã ô naã ô se môdificaram. Cíériô eé uma palavra que
designa uma grande vela pascal e que, tantô em Pôrtugal cômô nô Paraé , “designa rômaria
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ôu prôcissaã ô em que avultam – cômô prômessas ôu ex-vôtôs – velas, cabeças, peé s, maã ôs,
animais, barcôs e ôutrôs ôbjetôs feitôs de cera” (Dubôis, 1953, p. 49).
O Cíériô a que hôje assistimôs eé bem mais dô que uma simples prôcissaã ô devôciônal. Aleé m
dissô, ele eé pôntô inicial para um ciclo de Círios que ôcôrre em tôdô ô interiôr dô Estadô
dô Paraé , côm ôs santôs padrôeirôs das cidades e lôcalidades, envôlvendô prôcissaã ô e
festa e nô qual se desenrôla ô que denôminamôs de um sistema de intercâmbio de
pessôas, interesses e manifestaçôã es simbôé licas marcadas pelas trôcas e um amplô
sentimentô de cômplementaridade e reciprôcidade (Alves, 1993).
A descriçaã ô que ô histôriadôr Artur Viana faz dô primeirô Cíériô de Beleé m em 8 de
setembrô de 1793 e sua interpretaçaã ô das Festas Populares do Pará (1904) eé significativa
tantô da estrutura dô ritual cômô das transfôrmaçôã es em sua perfôrmance. Trata-se de
um desfile aô mesmô tempô militar, religiôsô e sôcial.
Essa ordem nô desfile sinaliza a marca inicial da prôcissaã ô. O mesmô histôriadôr que a
descreveu, nô iníéciô dô seé culô passadô, deplôrava que nada restava dô primeirô Cíériô e
da primeira feira, Viana reclamava “da turbamulta dôs devôtôs que enxameam
ridiculamente em vôlta aà Santa em desrespeitôsô desalinhô, num atrôpelô e aglômeraçaã ô
pôucô decentes e numa vôzeria ensurdecedôra” acrescentandô que “a disputa dôs
Lugares faz-se viôlentamente aôs encôntrôã es, aà viva fôrça muitas vezes, entre hômens e
mulheres prômiscuamente, sem recatô e sem respeitô” (Viana, 1904, p. 327). Haé , aô
lôngô de sua histôé ria, uma espeé cie de “aprôpriaçaã ô pôpular” de uma festa que fôi
inicialmente ôficializada para sacralizar ô pôder na Prôvíéncia, transfôrmandô-a nô
grande eventô pôr meiô dô qual as diferentes camadas sôciais vivem, a partir de um
síémbôlô cômum, a Virgem de Nazareé , uma experieô ncia cômunitaé ria sem igual.
Cômpreender as duas dimensôã es, devôciônal e infôrmal, significa cômpreender ô
verdadeirô sentidô da Festa, pôis, aô cônduzir a Santa padrôeira, ôs devôtôs estabelecem
côm ela uma relaçaã ô direta, naã ô mediada pela hierarquia religiôsa, situaçaã ô essa, aliaé s,
que, aô lôngô da histôé ria dô Cíériô de Nazareé , fôi sempre um pôntô de tensaã ô em razaã ô da
qual ôcôrreram as grandes questôã es dô Cíériô (Alves, 1980, p. 94) A realizaçaã ô popular
sempre se impôô s cômô expressaã ô de uma religiôsidade que se impregnôu de ôutrôs
valôres aleé m dôs religiôsôs strictu senso.
Uma das caracteríésticas da Festa de Nazareé eé que ela eé um pôntô nôdal (fim e iníéciô) de
um ciclô nô calendaé riô regiônal que cômpreende um tempô muitô particular – daíé as
expressôã es referentes aô Cíériô cômô ô Natal dôs paraenses, côm as côrrespôndentes
saudaçôã es de um “um bôm ôu feliz Cíériô” nôs encôntrôs entre pessôas aà s veé speras dô
eventô, tal cômô se deseja um bôm Natal ôu um feliz Anô Nôvô. O cumprimentô ritual
atualiza a passagem de um ciclô a ôutrô, revela ôs desejôs cômunitaé riôs e ô sentimentô
de pertencimentô e a renôvaçaã ô de relaçôã es sôcialmente estabelecidas. Pôr issô mesmô,
em seus desdôbramentôs, a realizaçaã ô da Festa durante a quinzena vai môstrar esses
aspectôs valôrativôs que lhes saã ô prôé priôs.

UM CICLO DE PROCISSÕES
A quinzena de festejôs que cômeça côm ô Cíériô, nô segundô dômingô de ôutubrô, eé
cômpôsta pôr um cônjuntô de eventôs e vaé rias prôcissôã es. Na verdade bem antes, pôis ôs
preparativôs incluem a peregrinaçaã ô da imagem da Nôssa Senhôra de Nazareé pelas
casas, entidades diversas cômô a preparar ô cônjuntô de eventôs que viraé em seguida.
Antes dô Cíériô, saã ô realizadas duas grandes prôcissôã es, nô saé badô: a Trasladaçaã ô, aà nôite,
e ô Cíériô fluvial, criaçaã ô mais recente e que tem um grande trajetô nas aé guas da baíéa de
Guajaraé , desde a Vila de Icôaraci ateé ô pôrtô de Beleé m, de ônde, em carrô abertô, vai ateé a
Basíélica de Nazareé .
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A trasladaçaã ô daé -se nô percursô invertidô: saindô dô Côleé giô Gentil Bittencôurt, quase aô
ladô da Basíélica de Nazareé , leva a Santa, em uma Berlinda ôrnamentada, ateé a Catedral de
Beleé m. Nô dia seguinte, a prôcissaã ô retôrna pelô mesmô caminhô, jaé entaã ô cômô ô Cíériô
de Nazareé . O Cíériô fluvial, côm a imagem da santa sendô levada pôr um naviô da Marinha
e acômpanhada pôr dezenas de embarcaçôã es de grande ôu pequenô pôrte, de certa
maneira alude a uma fôrte relaçaã ô das manifestaçôã es religiôsas na Amazôô nia côm as
aé guas e se cômpleta côm ôs trajetôs invertidôs da trasladaçaã ô e dô Cíériô. As vaé rias
prôcissôã es (a dôs môtôqueirôs, ô Cíériô das crianças, ô nô final ô Recíériô) saã ô
manifestaçôã es desse grande môvimentô de pessôas em que se transfôrma a Festa de
Nazareé .
Este ciclô de prôcissôã es implica a saíéda/ entrada da Santa Padrôeira nô espaçô da cidade
a ser cônsagradô: sua saíéda dô Côleé giô, ida aà Catedral, retôrnô nô Cíériô para a Basíélica de
Nazareé e, finalmente, ô retôrnô aô Côleé giô. Basicamente, ôs trajetôs dô Cíériô e da
Trasladaçaã ô naã ô se môdificaram, desde a sua primeira realizaçaã ô. Mas, a prôcissaã ô “se
destacôu pela sua extrema pôpularidade” representandô assim “ô predômíéniô de uma
rômaria de ôrigem pôrtuguesa sôbre as fôé rmulas tradiciônais de ôrigem ôficial, as
prôcissôã es ôu festas reais, impôstas pôr lei”, cônfôrme indica Eidôrfe Môreira que cônclui
afirmandô que “ô Cíériô e a Cabanagem saã ô ôs dôis maiôres exemplôs dô pôder afirmativô
das massas na histôé ria paraense” (Môreira, 1971, p. 15).
A descriçaã ô dô Cíériô de Nazareé , em treô s mômentôs, dimensiôna bem ô seu
desdôbramentô histôé ricô, em mais de dôis seé culôs, ateé chegar aôs tempôs atuais.
Viana assim descreve ô primeirô Cíériô em 1793: a imagem fôi transpôrtada na veé spera
d’aquele dia aà nôite da ermida para ô palaé ciô dô gôvernô. Pela escura estrada dô Utinga,
ônde naã ô chegara a môrtiça iluminaçaã ô de azeite da cidade, escôôu-se a multidaã ô que
cercava ô carrô da santa ateé desembôcar nô largô da Campina (atual praça da Repué blica)
entaã ô sem as suas laô mpadas de arcô-vôltaicô, sem ô seu belô teatrô, sem ôs seus circôs e
restaurantes e apenas côm ô seu cemiteé riô lué gubre, ônde jaziam sômente ôs cadaé veres
dôs infelizes escravôs e dôs pôbres flageladôs pela varíéôla.
Nô dia seguinte, aà tarde, côm tôdô ô esplendôr pôssíével a uma estreé ia, desfilôu dô palaé ciô
a rômaria; na frente e nô côuce marchava tôda a trôpa da cidade, ôs esquadrôã es de
cavalaria em primeirô lugar, ôs batalhôã es de infantaria depôis e atraé s as baterias de
artilharia; adiante dô carrô da santa seguiram uma fila de seé ges palanques e serpentinas,
côm senhôras, e duas linhas de cavaleirôs, trajandô vestes de gala; a turba cercava ô
carrô, e lôgô apôé s este, destacava-se ô gôvernadôr e ôs membrôs das suas casas civil e
militar, em primeirô unifôrme e cavalgandô bôns cavalôs (Viana, 1904, p. 237).
O jôrnal Treze de Maio, publica, em sua ediçaã ô de 27 de setembrô de 1855, um minuciôsô
prôgrama da Festa de Nossa Senhora de Nazareth do Desterro no Ano de 1855, côm a
descriçaã ô da prôcissaã ô nô dia l4 de ôutubrô daquele anô (mantendô-se a grafia da
eé pôca):
AÌ s 6 hôras da manhaã sahiraé ô Cíériô da Capella e faraé sua digressaã ô, pela frente dô Palaé ciô
da Presideô ncia ateé ô cantô da rua dô Espíéritô Santô, pela qual iraé ateé aô Paçô Municipal,
em frente dô qual seguiraé ateé aô Cônventô dô Carmô e d’ahi pela rua dô Nôrte, largô da Seé ,
rua dô Marcadôres, rua de Santô Antôô niô, travessa dôs Mirandas, praça de Pedrô 2º. e
estrada de Nazareth. Rômperaé ô seé quitô um carrô perfeitamente enramadô de flôres e
murta, e côm as bandeiras das Naçôã es christaã es, ô qual iraé sôltandô giraô ndôlas de fôgô
artificial em tôdô ô transitô dô Cíériô. Seguir-se-aé ô Anjô Custôé diô, vestidô côm ô maiôr
gôstô e primôr, môntadô em um lindô e bem ajaesadô cavalô [...] Lôgô apôé s iraã ô aé dextra
dôus fôrmôsôs cavallôs d’Estadô dô mesmô Anjô, bem ataviadôs e guiadôs pôr dôus
hômens vestidôs aô gôstô Rômanô. O Milagre feitô pela Virgem de Nazareth, em favôr dôs
infelizes naé ufragôs dô Brigue Pôrtuguez S. Jôaã ô Baptista, seraé entaã ô despertadô aà
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recôrdaçaã ô dôs fieis pelô Escaler em que se salvaraôã , ô qual seraé cônduzidô pôr hômens
dedicadôs aé vida maríétima. O acômpanhamentô dôs cavalleirôs e das demais pessôas em
carrinhôs precederaé as carruagens que cônduzirem ôs Exmôs. Snrs. Presidente da
Prôvíéncia, Preladô Diôcesanô e Cômandante das Armas, fechandô ô preé stitô a Berlinda da
SENHORA tirada pôr parelhas ricamente ajaezadas, sendô estas guiadas pôr dôus hômens
vestidôs aà Rômana. A imagem iraé nas maã ôs dô Cônegô Capellaã ô dô Gôvernô da Prôvíéncia,
assistidô pôr dôus Anjôs côm brandôã es acesôs, ambôs primôrôsamente vestidôs. A lusida
Secçaã ô de Cômpanhia de Cavallaria da Guarda Naciônal flanquearaé a Berlinda da
SENHORA desfilandô atraz uma marcial Divisaã ô cômpôstas dôs briôsôs 1º Batalhaã ô de
artilhara da mesma Guarda, 1º Batalhaã ô de Artilharia de linha, 11º de Infantaria, e Côrpô
de Pôlíécia Prôvincial, tôdôs em grande unifôrme. A sahida dô Cíériô seraé annunciada pôr
uma salva de 21 tirôs de grôssa artilharia dô Fôrte dô Castelô, e a passagem delle pôr cada
uma das Praças da Cathedral, das Merceô s e de Pedrô 2º seraé saudada pelô estampidô de
21 bômbas detônantes. Chegadô ô Cíériô aô Arrayal e recôlhida a Imagem da Milagrôsa
Senhôra aé sua Ermida, daraé a referida Divisaôã tres salvas de môsquetaria, depôis dô que,
se recôlheraé aé seus Quarteé is, ficandô nô Arrayal destacamentô dô côstume.

Nôs anôs de 1970 (a partir de 1974), descrevemôs ô Cíériô (Alves, 1980) cômô cômpôstô
de treô s segmentôs ôu ô que chamamôs de espaços em movimento: um nué cleô estruturadô
cônstituíédô pelas autoridades civis, militares, eclesiaé sticas, pôlíéticas, altôs funciônaé riôs,
irmandades religiôsas e cônvidadôs, que pôrtandô crachaé s, ficavam dentrô da côrda (jaé
entaã ô um elementô fundamental na prôcissaã ô) ôu mais pertô da imagem da Santa; um
segmento intermediário ou liminar, cômpôstô pelô pôvô que segura a côrda e “puxa” a
Berlinda, e um terceirô segmentô, cômpôstô pela grande massa de acômpanhantes.
Tambeé m cômô nas descriçôã es anteriôres, côntingentes militares, representandô
Exeé rcitô, Marinha, Aerônaé utica e Pôlíécia Militar, ladeavam ô nué cleô central da Prôcissaã ô.
Tais segmentôs eram antecedidôs pelôs carrôs alegôé ricôs: ô carrô de fôguetes na fôrma
de uma tôrre de castelô e puxadô a bôi; ô carrô dôs milagres que evôca ô milagre dô
nôbre pôrtugueô s D. Fuas Rôupinhô; barcôs que recôlhem as prômessas aô lôngô dô
percursô (uma cônfiguraçaã ô atual dô brigue S. Jôaã ô Batista); carrô dôs anjôs e a Berlinda
que cônduz a Santa. Nas ué ltimas ediçôã es dô Cíériô, fôi acrescentadô um carrô que
reprôduz ô aparecimentô da Santa aô cabôclô Plaé cidô, cuja narrativa cônstitui ô mitô de
fundaçaã ô dô cultô e da festa de Nazareé de que tratô mais adiante.
O extraôrdinaé riô crescimentô pôpulaciônal, a ampla divulgaçaã ô naciônal dô Cíériô, ô apelô
turíésticô e religiôsô e as facilidades de transpôrte teô m levadô aô eventô uma multidaã ô
incalculaé vel, derivandô daíé mudanças que, nô essencial naã ô môdificam ô que
estruturalmente fôi sendô estabelecidô aô lôngô dôs seé culôs.
E, em alguns casôs, mudanças fôram ôbjetô de pôleô micas, cômô eé ô casô da corda.
Estabelecida ainda nô seé culô XIX, apôé s um episôé diô em que a Berlinda que cônduz a
santa ficôu presa em um atôleirô, a côrda atrelada aà Berlinda eé puxada pôr devôtôs
pagadôres de prômessa. Faz parte dô segmentô liminar a que me referi acima: gente
descalça, fazendô um sacrifíéciô pôr vezes dôlôrôsô fisicamente, mas extremamente
alegre, jôcôsô em vaé riôs mômentôs. Tôrnôu-se ô centrô de muitôs debates nôs ué ltimôs
anôs. EÉ um síémbôlô da relaçaã ô direta côm a Santa e estabelece um fôrte elô entre ô
mundô da divindade e ô mundô dôs hômens em seu côtidianô.
As prômessas referem-se, frequü entemente, a mômentôs cruciais, crises de vida, saué de/
dôença etc. côm a inclusaã ô, nôs ué ltimôs anôs, de temas tíépicôs de nôssô tempô, cômô
sucessô nôs vestibulares, acessô a empregôs e aà casa prôé pria.
A representaçaã ô fôrmal nôs ué ltimôs anôs estaé restrita quase que aà s autôridades
religiôsas, ainda que a presença simbôé lica da representaçaã ô militar permaneça.
Autôridades civis e pôlíéticas fôram deslôcadas para espaçôs “especiais” e de visaã ô
“privilegiada” aô lôngô dô percursô da prôcissaã ô. Segue sendô um eventô que festeja e
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cônsagra a ôrdem, mas côm essa dispôsiçaã ô sendô côntrabalançada e “neutralizada” pela
imensa manifestaçaã ô pôpular marcada pela mué sica, pelô cantô e pelô ritmô dô sôm das
bandas militares. A côntriçaã ô naã ô eé permanente: as manifestaçôã es de alegria côm ô
encôntrô e reencôntrô entre as pessôas, a jôcôsidade e um certô despôjamentô, estaã ô
entrelaçadôs nô côntextô dô ritual.
A linguagem em jôgô nô Cíériô vai dô mais estritamente fôrmal, que implica a relaçaã ô côm
ô sagradô, aô mais estritamente infôrmal, que a aprôxima da inversaã ô (sem nunca chegar
a tantô) carnavalizadôra.

MITO ATUALIZADO
A Festa atualiza ô mitô de fundaçaã ô dô cultô e da festividade de Nazareé , especialmente aô
sacralizar ôs espaçôs percôrridôs pela prôcissaã ô e aô definir ô eventô cômô a mais fôrte
manifestaçaã ô da identidade paraense (a ideé ia de uma identidade regiônal) pelôs
persônagens e pelas situaçôã es vividas na perfôrmance ritual. Em certô sentidô, naã ô
difere, fôrmalmente, de ôutras lendas e narrativas que cônsubstanciam ôs cultôs aà
Virgem Maria em muitôs ôutrôs paíéses e cidades.
O Cíériô reprôduz ôs caminhôs que jaé aparecem na histôé ria dô aparecimentô da imagem
da Santa. A histôé ria cônsagrada diz que um cabôclô chamadô Plaé cidô achôu na mata uma
imagem que pensôu, lôgô, ser de algum peregrinô, levandô-a para sua casa. Mas, para
espantô seu, ela vôltôu aô lugar de ôrigem, ônde tinha sidô achada. A nôtíécia lôgô se
espalhôu e fôram muitas as pessôas que acôrreram aà casa de Plaé cidô para cômprôvarem
ô milagre ôcôrridô. Cônta ainda a narrativa pôpular que ô gôvernadôr da prôvíéncia, na
eé pôca (seé culô XVIII), mandôu buscar a imagem encôntrada e a côlôcôu sôb guarda nô
Palaé ciô dô Gôvernô. Para surpresa de tôdôs, nô dia seguinte, aô abrirem ô
cômpartimentô em que havia sidô guardada, a imagem naã ô mais laé se encôntrava, tendô
vôltadô aô seu lugar ôriginal. A partir de entaã ô fôi erguida uma ermida nô lôcal em que a
imagem fôi achada, lôgô transfôrmada em um lôcal de devôçaã ô. Sucessivôs acreé scimôs e
mudanças transfôrmaram a pequena ermida na atual Basíélica de Nazareé .
Essa aé rea, ôriginalmente, era pôucô habitada, estava nô “interiôr” em relaçaã ô aà cidade. O
cultô a Nôssa Senhôra de Nazareé jaé existia na Vigia (Maueé s, 1995), cômô de restô ô cultô
a ôutrôs santôs, dadas as ôrigens pôrtuguesas dô catôlicismô pôpular que entaã ô vai se
cônstituindô, mesclandô-se a uma visaã ô muitô particular, mas muitô matizada, dô
sistema religiôsô paraense e amazôô nicô (Cf. Galvaã ô, 1955 e Maueé s, 1995). O mitô pôã e em
destaque alguns aspectôs impôrtantes para ô entendimentô dô cultô aà Virgem de
Nazareé : primeiramente ô tipô de pessôa que encôntra; ô santô encôntradô e ô lugar; a
aprôpriaçaã ô “ôficial” e a pôpularizaçaã ô da devôçaã ô e ô môvimentô que a Santa faz de ida
e retôrnô, em um espaçô que cada vez mais se tôrna ô centrô da cidade de Beleé m.
O primeirô pôntô diz respeitô aà s caracteríésticas dô achadô da imagem: um cabôclô
chamadô Plaé cidô, pôrtantô, um hômem dô interiôr, pôbre, pertencente a uma categôria
que vai ser ô môdelô dô rômeirô que presta devôçaã ô aà Santa.
Este pôntô liga-se a um segundô aspectô, que eé ô caraé ter de peregrinaçaã ô, pôrtantô, de
môvimentaçaã ô de pessôas, que caracteriza ô cultô aà Virgem. Um terceirô aspectô diz
respeitô aà ôrigem pôpular da devôçaã ô e sua aprôpriaçaã ô “ôficial” e, finalmente, ô pôder
milagrôsô da Santa, que se tôrna mais fôrte e presente côm ô côrrer dôs anôs e aà
ôriginalidade dô achadô.
Nô que respeita aô primeirô aspectô, ô mesmô parece côrrespônder a um fatô cômum aô
aparecimentô milagrôsô de santôs ôu achadôs de imagens (veja-se ô casô das imagens
das Virgens de Guadalupe, Faé tima e Aparecida): em geral, saã ô pessôas simples (cabôclôs,
campôneses, nativôs, pescadôres, etc.) que as encôntram.
31

Assim, na ôrigem, supôã e-se que ôs pôbres, ôs desvalidôs, ôs piedôsôs, ôs que naã ô
dispôã em de pôder, eé que saã ô capazes dô milagre da visaã ô dô santô. Dessa fôrma, a
devôçaã ô institui-se cômô um “cultô pôpular” nascidô nô meiô dô pôvô, que pela feé –
verdadeira – tem acessô aôs pôderes miraculôsôs da Virgem. Esse pôder naã ô sôé se refere
aôs casôs pessôais, ônde cada um estabelece ô seu “côntratô” de feé , mas a eventôs
mué ltiplôs, cômô epidemias de bexiga, sarampô e côé lera, nôs seé culôs XVIII e XIX, que
acômeteram a pôpulaçaã ô de Beleé m que vivia em côndiçôã es ambientais e sanitaé rias
inadequadas (para um estudô a respeitô da côé lera, nô seé culô XIX, veja-se Beltraã ô, 2004).
Aô atualizar ô mitô dô aparecimentô da Santa, ô Cíériô daé eô nfase aà ôrigem dô cultô: daíé ô
gestô piedôsô, ô despôjamentô nas atitudes, a revereô ncia aô sagradô, as ôferendas em
côntrapartida aô milagre. A prôcissaã ô, em seu deslôcamentô espacial, refaz a ligaçaã ô
iniciada em 1793 entre ô Palaé ciô dô Gôvernô e a Basíélica de Nazareé , reprôduzindô assim
ô que Môreira chama de um “clíémax de uma migraçaã ô periôé dica de fundô religiôsô”. A
ôbservar que, nô princíépiô, essa môbilizaçaã ô se fazia da cidade para ô interiôr, uma vez
que Beleé m, na eé pôca, seé culô XVIII, era ainda um nué cleô reduzidô. Pôsteriôrmente, essa
môbilizaçaã ô passôu a ser feita dô interiôr para a cidade, pôis ôs romeiros deslôcam-se de
tôdas as aé reas da regiaã ô (e dô Brasil) para vivenciar ôs dias da Festa. Para Môreira
(1971) ô efeitô simbôé licô desse môvimentô prôpôrciônadô pelô Cíériô atuaria cômô
“fôrça aglutinadôra” de pôpulaçôã es que se espalhavam pela regiaã ô e tendô cômô funçaã ô a
fixaçaã ô de “certôs padrôã es de cômpôrtamentô côletivô” (Môreira, 1971, p. 16).
Nesse sentidô eé que a Festa de Nazareé cônstitui um marcô essencial dô que
culturalmente eé impôrtante para um môdô de vida regiônal. A atualizaçaã ô dô mitô, aleé m
de ressaltar esses padrôã es, pôã e em destaque as instaô ncias de identificaçaã ô regiônal: a
Festa de Nazareé eé uma festa dôs paraenses, intrinsicamente regiônal, e assim eé percebida
e realizada. Reflete ôs desejôs e anseiôs de uma pôpulaçaã ô que se ôrgulha dô
cômpartilhamentô de valôres cômuns, sejam eles efetivôs, desejadôs ôu idealizadôs,
essencializadôs na côndiçaã ô humilde daquele que achôu a imagem de Nôssa Senhôra de
Nazareé , “pôbre e mestiçô” (Môreira, 1971, p. 13) e seus côntinuadôres. Pôr issô mesmô eé
que ôs paraenses, nas mais diversas cidades dô Brasil, realizam ô seu Cíériô nô segundô
dômingô de ôutubrô: seja nô Riô de Janeirô, Saã ô Paulô, Brasíélia, Recife etc. O Cíériô eé
reprôduzidô e ôs valôres regiônais cômpartilhadôs da mesma fôrma, seja na prôcissaã ô,
nôs pequenôs arraiais môntadôs ôu na venda e cônsumô de cômidas paraenses.
Naã ô deixa de ser significativô que um dôs carrôs dô Cíériô eé uma alegôria dô milagre que
salvôu, nô seé culô XII, ô nôbre pôrtugueô s D. Fuas Rôupinhô, remetendô ô cultô aà Virgem
de Nazareé aôs primôé rdiôs pôrtugueses de ônde se ôrigina. Ganha, nô entantô, um
cônteué dô regiônal côm ô relatô míéticô dô achadô em plena mata paraense pôr um
persônagem pertencente a uma categôria sôcial ligada aô “hômem dô interiôr”. Nessa
categôria, estaã ô implicadôs estilôs de vida, cômpôrtamentôs, côstumes, enfim, um
cônjuntô de môdôs de ser que, de um certô môdô, caracterizaria ôs devotos e romeiros
nas festas religiôsas dôs santôs padrôeirôs, das quais ô ciclo de círios eé a plena
manifestaçaã ô. Havendô uma hierarquia de santôs e de categôrias sôciais, ôs eventôs
festivôs pôssibilitam um encôntrô e a realizaçaã ô nô tempo da festa de uma
tempôralidade prôpíécia aà reciprôcidade sôcial. O Cíériô de Nazareé em Beleé m eé cômô ô
grande estuaé riô para ônde côrrem ôs afluentes festivôs das lôcalidades dô interiôr dô
Estadô dô Paraé , as quais realizam ôs seus Cíériôs e hômenageiam seus padrôeirôs. Tôdôs
subôrdinadôs aà hierarquia dô Santô Padrôeirô maiôr, Nôssa Senhôra de Nazareé .

O TEMPO DA FESTA
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Jaé afirmamôs que ô Cíériô de Nazareé eé ô pôntô principal de um ciclô, de um tempô e de


um calendaé riô. Ele eé ô pôntô de chegada e de partida de um nôvô períéôdô, de um nôvô
tempô. Pôr ôutrô ladô, ô ciclo de círios a que me referi e que ôcôrre pôr tôdô ô interiôr dô
Estadô dô Paraé eé a expressaã ô ritual de um amplô intercaô mbiô ritual entre interiôr e
cidade, entre espaçôs e tempôs diferenciadôs que se encôntram nô tempo da festa
prôpíéciô aà realizaçaã ô de uma tempôralidade côé smica, circular. Nô casô dô Cíériô, esse
tempô cíéclicô parece essencial cômô valôr recônhecidô. Ele estabelece um ôutrô
calendaé riô que côrre paralelô aà quele côntíénuô dô tempô crônôlôé gicô e das atividades
côtidianas. A sôciedade paé ra para viver um mômentô especial. Nessa parada nô tempô –
ôs quinze dias da Festa – ôs paraenses e seus cônvidadôs destacam ôs valôres,
sentimentôs, um môdô de vida, um estilô de cômensalidade, e cônfiguram um
môvimentô de pessôas nô intensô intercaô mbiô entre cidade/ interiôr/ exteriôr.
O tempo da festa eé um tempô abertô e que se abre a tôdas as pôssibilidades de
manifestaçaã ô e ônde as diferenças se neutralizam. Aô calendaé riô de um tempô
crônôlôé gicô cônvenciônal ôrganizam-se simultaneamente ôutrôs mais prôfundôs de vida
e das relaçôã es sôciais em cursô. EÉ assim que ô Cíériô de Nazareé eé percebidô cômô ô Natal
dôs paraenses, pôis ele eé um pôntô de partida e de chegada de um calendaé riô de vida que
vincula tôdôs ôs eventôs da mesma ôrdem e em menôr escala. Nô ciclo de círios, ô tempo
da festa e ô calendaé riô que a partir dele se ôrganiza permitem ô intercursô permanente
entre pôpulaçôã es de diferentes lôcalidades. Na Amazôô nia, haé um sistema de festas (de
santôs, especialmente) que estaé prôfundamente enraizadô na cultura e na vida sôcial,
pôis eé nôs períéôdôs de festas que a pôpulaçaã ô paraense realiza as expectativas antes
desejadas, da reciprôcidade e das ôbrigaçôã es sôciais (Cf. Alves, 1993).
O tempo da festa, sendô uma espeé cie de parada côé smica, revela-se cômô ô mômentô
liminar em que ô môdô de vida e ô mundô sôcial fazem a sua passagem anual. Nessa
liminaridade ritual ôs diferentes encôntram-se, ôs sentimentôs cômpletam-se, ôs
pedidôs e desejôs saã ô ôs mesmôs para quaisquer categôrias sôciais, daíé a eleiçaã ô de
Nôssa Senhôra de Nazareé cômô um síémbôlô pôderôsô capaz de aglutinar diferentes
interesses: tôdas as prômessas seraã ô pagas nô dia dô Cíériô ôu nôs demais da quinzena
sacralizada. O Cíériô assinala a presença nô meiô dô pôvô dessa Santa pôderôsa e
milagrôsa côm a qual ôs devôtôs manteô m uma relaçaã ô estreita que lhes permite
atravessar esse mômentô extraôrdinaé riô. Tratada cômô “rainha” da Amazôô nia, pôderôsa
padrôeira de tôdôs ôs paraenses, realiza, nô planô da representaçaã ô religiôsa, um pôder
femininô pôucô côrrespôndente nô planô dô mundô côtidianô. Sôbre essa presença da
mulher, Leach (1983, p. 129) faz refereô ncia aô Brasil nô seé culô XVIII, ônde ô‘“cultô da
Virgem era excepciônalmente bem desenvôlvidô”, cômô em ôutrôs casôs de sôciedades
ditas “patriarcais” ôu (cômô eé ô casô brasileirô) nas situaçôã es em que a mulher tinha
pôuca expressaã ô sôcial pué blica. Naã ô eé sem razaã ô que nô Brasil ôs grandes padrôeirôs saã ô
santas, Virgens Marias, cultuadas e reverenciadas, issô sôé para falar nô catôlicismô
pôpular.
O tempo da festa realiza-se simultaneamente em espaçôs sacralizadôs. Primeiramente,
nô circuitô que vai da Basíélica de Nazareé ateé a Catedral de Beleé m. O mitô de ôrigem cônta
a ida da Santa da ermida ateé ô Palaé ciô dô Gôvernô. Hôje, a Santa, na Trasladaçaã ô, sai dô
Côleé giô Gentil Bittencôurt, quase aô ladô da Basíélica e vai para a Catedral, nas
prôximidades dô Palaé ciô Laurô Sôdreé , hôje transfôrmadô em Museu dô Estadô. Aô lôngô
dô trajetô, saã ô môntadôs pôntôs de parada ôu de recônhecimentô. A Santa eé saudada
côm ô fôguetôé riô e ô barulhô pertinente aôs rituais pué blicôs. Nô Ver-O-Pesô, pelas
embarcaçôã es dôs pescadôres e “geleirôs”; na av. Castilhôs França pelôs estivadôres e
trabalhadôres dô pôrtô, numa manifestaçaã ô ué nica e especial ônde, inclusive, a prôcissaã ô
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paé ra, dividindô assim a admiraçaã ô da imensa massa de acômpanhantes côm uma
categôria sôcial nôrmalmente desprôvida de pôder.
Aliaé s, ô barulhô dô fôguetôé riô eé uma caracteríéstica da Festa de Nazareé , em vaé riôs
mômentôs para anunciar, a partir da Basíélica de Nazareé , ô iníéciô e ô fim dôs festejôs, ôu
iníéciô (seis hôras) meiô (dôze hôras) e fim (dezôitô hôras) de um dia na quinzena cômô
que para anunciar aà cidade que tôdôs estaã ô vivendô um tempô especial. Nô ué ltimô dia da
Festa – chamadô ô dômingô da festa – nô fim da nôite haé uma belíéssima queima de fôgôs,
cômô que para finalizar ô períéôdô especial e jaé indicar um recômeçô para um ôutrô ciclô
de tempô.
O arraial fôi, durante muitô tempô, armadô nô Largô de Nazareé , em frente aà Basíélica, mas
hôje fôi deslôcadô para uma aé rea aô ladô, ônde fôram instaladôs ô parque de diversôã es e
ô cônjuntô de barracas côm gulôseimas, bebidas e ôutrôs prôdutôs, erguendô-se na
praça, ô chamadô, atualmente, Cômplexô Arquitetôô nicô de Nazareé (CAN) côm um altar e
uma côncha acué stica. O primeirô arraial fôi uma grande feira de prôdutôs regiônais,
autôrizadô pelô Capitaã ô-General dô Riô Negrô e dô Graã ô Paraé , D. Franciscô de Sôuza
Côutinhô. Autôrizôu ele que nô dia 8 de setembrô de 1793 se inaugurasse nô Largô de
Nazareé uma grande feira de prôdutôs agríécôlas e industriais dô Estadô aà qual
côncôrressem livremente ôs agricultôres, inclusive ôs íéndiôs [ôrdenandô] que em fins de
agôstô de cada anô deviam achar-se em Beleé m tôdas as canôas que tivessem subidô aô
cômeé rciô dô sertaã ô: que ôs diretôres prôvidenciassem de môdô a ser facultadô a ôitô ôu
dez indivíéduôs de um e ôutrô sexô nas pôvôaçôã es grandes e a quatrô ôu seis nas
pôvôaçôã es pequenas ô embarque para a capital, a fim de virem aà feira de Nazareé vender
ôs seus prôdutôs e ôs dôs ôutrôs que lhes dessem incumbeô ncia de vendeô -lôs (Viana,
1903, pp. 324-325).
Aleé m de ser um lugar de venda, ô arraial tôrnôu-se ô pôntô de encôntrô, ô lugar da festa.
Nô arraial, durante muitôs anôs, funciônaram teatrôs que apresentavam espetaé culôs
côm artistas vindôs de fôra, especialmente cantôres, humôristas e cômpanhias teatrais e
de teatrô de revista. A permanente tentativa de manter ô côntrôle da Festa, pôr parte
tantô das autôridades religiôsas cômô da Diretôria da Festa, côncôrreu para que muitas
mudanças ôcôrressem, sem que, na verdade, a ideé ia da feira, de lugar de encôntrô, tenha
desaparecidô. Nas côndiçôã es atuais da cidade de Beleé m, cômplexa em seus serviçôs e
côm uma grande pôpulaçaã ô, muitô dô que acôntecia nô arraial se espalhôu pelô espaçô
urbanô. Os eventôs sempre saã ô relaciônadôs aô Cíériô de Nazareé e aô clima de festa entaã ô
em cursô: ô tempo da festa chancela tôdas as atividades, as quais ganham um caraé ter
especial pôr acôntecerem exatamente durante ô períéôdô. O espaçô dô arraial eé
demarcadô simbôlicamente pelôs arcôs de entrada e saíéda da Praça Justô Chermônt
(denôminaçaã ô atual dô Largô de Nazareé ).
O tempô extraôrdinaé riô da festa eé prôpíéciô aà cômensalidade e aôs eventôs que celebram
ô grupô familiar e cômunitaé riô. Eis pôrque ô almoço do círio estaé intrinsecamente ligadô
aà Festa dô Cíériô e expressa em ôutrô planô, esse tempô especial vivenciadô pelôs
paraenses. Finda a prôcissaã ô, as pessôas vaã ô para casa para participar côm familiares e
amigôs de um almôçô especial feitô, preferencialmente, de pratôs regiônais. O teé rminô
da prôcissaã ô permite aôs que a acômpanham um intensô mômentô de infôrmalidade e
relaxamentô. O almôçô reprôduz a experieô ncia vivida pelôs participantes na prôcissaã ô:
aô reunir ô grupô familiar, ô indivíéduô insere-se nô grupô sôcial restritô, ligadô pôr laçôs
fôrmais de parentescô e amizade. Nô almôçô, as regras de etiqueta, fôrmais, sacralizadas,
daã ô lugar paulatinamente aà s atitudes descôntraíédas e infôrmais, ônde haé lugar, inclusive,
para a jôcôsidade. Os laçôs cômunitaé riôs saã ô festejadôs e um sentimentô
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de pertencimentô aflôra, exatamente cômô nô côntextô geral dô Cíériô. O côé digô centradô
na afirmaçaã ô dôs padrôã es culturais e dôs laçôs de sôlidariedade entre ôs hômens numa
cômunidade ideal revela-se tambeé m nô tipô de alimentô e na fôrma de preparaé -lô,
segundô ôs quais a sôbrepôsiçaã ô dô cultural sôbre ô natural se manifesta nôs
ingredientes côzidôs e assadôs a partir dôs elementôs naturais. O almôçô tem cômô
pratôs principais a maniçôba e ô patô nô tucupi, tíépicôs da culinaé ria paraense. Outrôs
pratôs tambeé m saã ô feitôs e ôferecidôs, sôé que ôs dôis primeirôs exprimem mais
efetivamente uma identidade revelada nas regras de cômensalidade (Cf. Leé vi-Strauss,
1968). O prôcessô de transfôrmaçaã ô dô cru em côzidô e a mistura de diferentes côcçôã es,
traduz ôs côé digôs de uma côzinha vôltada para dentrô (uma endôcôzinha) e uma ôutra
vôltada para fôra (exôcôzinha). A maniçôba exige um côzimentô de vaé riôs dias, enquantô
ô patô assadô, aô ser misturadô aô tucupi, prômôve a junçaã ô de côzimentôs diferentes e
materiais da natureza tambeé m distintôs. Nô almôçô, ô grupô môstra tambeé m a sua
prôdigalidade na quantidade de cômida ôferecida, aleé m da hôspitalidade, implíécita na
fôrma de receber, muitô cara aà identidade paraense.
Na ritualizaçaã ô dô almôçô, a dramatizaçaã ô estabelecida na prôcissaã ô, côm ôs atôs
fôrmais de revereô ncia e respeitô e, aô mesmô tempô, de um saudaé vel desregramentô na
quantidade de cômida e bebida, cômpleta nô interiôr da casa e da famíélia ô ciclô festivô.
Dô pôntô de vista dô simbôlismô culinaé riô haé uma perfeita simetria entre as
transfôrmaçôã es dadas nas teé cnicas de côzimentô em ôpôsiçaã ô aô cru, côm a
predôminaô ncia de regras fôrmais e fôrmas sôciais preestabelecidas côm a auseô ncia
delas. O triaô ngulô, muitô cômum nas festas de santô, dô rezar, dô cômer e dô dançar
aparece em suas variaçôã es nas diversas festas de santô, entre as quais a Festa em lôuvôr
a Nôssa Senhôra de Nazareé .
A linguagem dôs ritôs de cômensalidade na Festa de Nazareé pôã e em relevô tambeé m um
môdô de dizer a respeitô de valôres, sistemas, representaçôã es, tal cômô em ôutrôs
mômentôs da Festa. A escôlha de uma certa côzinha ôu fôrmas especiais de côzimentô e
transfôrmaçaã ô dôs alimentôs em mômentôs rituais eé diferente das escôlhas e
prôcedimentôs nô côtidianô. Naquela haé uma marcada expressaã ô das estruturas
fundamentais de ôperaçaã ô dô mundô sôcial.
Assim eé que a côzinha caracteriza-se cômô um ôutrô elementô referente aà identidade
regiônal, sendô rôtulada cômô “cômida tíépica ôu regiônal”, que naã ô exclui um altô grau
de sôfisticaçaã ô. Tantô nô aspectô intríénsecô cômô nô extríénsecô a cômida assume um
duplô papel simbôé licô: cômô expressaã ô de um côé digô culinaé riô vôltadô para ô grupô
familiar e cômô expressaã ô de uma unidade sôcial mais ampla, aparecendô cômô côé digô
ideal, unificadôr, em ôpôsiçaã ô aà sôciedade real. Pôdemôs ôbservar que as relaçôã es entre
ô “dentrô” (grupô familiar) e ô “fôra” (a sôciedade cômô um tôdô), entre ô sagradô e ô
prôfanô, aparecem sôb a fôrma tantô dô côé digô culinaé riô cômô dô côé digô sôcial.
O cultô aà Virgem e sua impressiônante prôcissaã ô, ôs festejôs, ô almôçô, côlôcam em
evideô ncia – pôssíével nôs grande rituais côletivôs e pué blicôs – cada um em seu mômentô,
ôs atôs e sentimentôs que remetem a um sensô de identidade, cômpartilhadô pelôs
paraenses. O grande banquete simbôé licô eé uma celebraçaã ô, ônde “côntamôs para nôé s
mesmôs” uma histôé ria que eé repetida, enfatizada, ainda que, em cada uma de suas
manifestaçôã es a cada anô, se identifique alguma côisa a mais ôu diferente.
Algumas das grandes questôã es dô Cíériô (Alves, 1980) envôlveram tentativas de
mudanças pôr parte daqueles que ô ôrganizam, a Diretôria da Festa e as autôridades
religiôsas. Nôs ué ltimôs anôs, a questaã ô da côrda e da duraçaã ô da prôcissaã ô esteve em
evideô ncia. A côrda ligada aà Berlinda côm a Santa e puxada pelôs prômesseirôs tôrnôu-se
um elementô fundamental na linguagem ritual, pôr demarcar um espaçô de extremô
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sacrifíéciô e de liminaridade ritual. Em 1926, chegôu a ser prôibida pelô Bispô D. Irineu
Jôfily, tendô sidô garantida, nô entantô, pelô Gôvernô dô Estadô (ô pôder civil,
côncôrrente côm ô pôder eclesiaé sticô na busca de cônsagraçaã ô derivada da realizaçaã ô dô
grande ritô pôpular). As grandes pôleô micas dô Cíériô, na verdade, envôlveram ôs dôis
aspectôs de sua realizaçaã ô: as dimensôã es dô sagradô e ôs atôs prôfanôs. Ambôs saã ô parte
de uma mesma môeda cuja separaçaã ô eé impôssíével nas grandes festas religiôsas. O
desregramentô na prôcissaã ô e nô arraial sempre fôi ôbjetô de intervençaã ô dô que
denôminamôs de ideologia do controle em ôpôsiçaã ô aà ideologia da communitas (Alves,
1980).
De um ladô, existe um cônjuntô de dispôsiçôã es pôr parte dôs mandataé riôs dôs pôderes
côncôrrentes (Diretôria da Festa, autôridades eclesiaé sticas, autôridades civis) e que
aspiram aà sacralizaçaã ô, que ôbjetivam manter tantô quantô pôssíével ô côntrôle da
manifestaçaã ô côletiva. De ôutrô ladô, estaã ô as dispôsiçôã es côletivas nô sentidô da
môbilizaçaã ô de um cônjuntô de síémbôlôs que permitem, mômentaneamente, aôs
diferentes grupôs, ideais cômunitaé riôs, côncepçôã es, atôs e gestôs infôrmais e atitudes
que naã ô aspiram aà sacralizaçaã ô. Tal dispôsiçaã ô côletiva eé uma espeé cie de respôsta a uma
demanda estrutural representada pela ôrdem e côntrôle da festa.
A cônjugaçaã ô dessas diferentes dispôsiçôã es eé que daé aà Festa de Nossa Senhora de Nazaré
uma dimensaã ô peculiar, permitindô uma cômbinaçaã ô entre ôpôstôs, um clima de
conciliação nô qual a padrôeira eé , pôr exceleô ncia, ô síémbôlô aglutinadôr. Aô remeter as
diferenças aô pôder da Santa, ôs devôtôs superam as mediaçôã es que se interpôã em entre
ô seu mundô e ô dô sagradô, fazendô uma cônexaã ô direta côm uma intensa cômunicaçaã ô
entre dômíéniôs e cônstruindô ôs seus prôé priôs instrumentôs simbôé licôs de mediaçaã ô (a
côrda, pôr exemplô).
Na prática do ritual e na sua performance, essa cônexaã ô de dômíéniôs – dô altô/baixô, dô
sagradô/ prôfanô – aparece na cônjugaçaã ô de categôrias sôciais distintas, na suspensaã ô
das barreiras sôciais e na busca de uma môtivaçaã ô côletiva cômum a tôdôs. O pôvô
acômpanha, em sua maiôria, a prôcissaã ô descalçô – quem vai segurandô a côrda estaé
sempre descalçô e em cômpletô desalinhô.
Pagar a prômessa côm extremô sacrifíéciô significa môbilizar instrumentôs que
identificam diferentes grupôs sôciais ôs quais, nesse côntextô, integram uma espeé cie de
comunidade de iguais.
Quandô usamôs a expressaã ô descritiva “carnaval devôtô” extraíéda de uma passagem de
um livrô dô escritôr Dalcíédiô Jurandir (Beleé m dô Graã ô Paraé , 1960), retômada pôr Eidôrfe
Môreira (1971) dandô-lhe um caraé ter cônceitual, nôssô ôbjetivô era englôbar essas duas
dispôsiçôã es, fugindô assim aà dicôtômia sagradô/prôfanô.
De um ladô, as açôã es absôlutamente infôrmais, mas que naã ô pôdem chegar a uma
inversaã ô tôtal e ué nica (cômô nô carnaval brasileirô) e de ôutrô, a devôçaã ô, marcada pelôs
atôs e cômpôrtamentôs fôrmais, côm regras de acessô aô sagradô bem definidas e ô
respeitô expressô na côntriçaã ô devida aà Santa. O Cíériô caracteriza-se, em tôdô ô seu
trajetô, de um ladô, pelas situaçôã es que expressam um prôfundô respeitô, côm ôs atôs
côrrespôndentes, e, de ôutrô, pôr uma alegria festiva demarcada pelô ritmô das mué sicas
e das bandas que se distribuem aô lôngô da prôcissaã ô. O drama sôcial, nô casô dô Cíériô, eé
uma cômbinaçaã ô de situaçôã es que vaã ô dô sacrifíéciô mais dôlôrôsô de um devôtô que, de
jôelhôs ôu se arrastandô, paga a sua prômessa, ateé um desregradô cômpôrtamentô de
quem apela para a gargalhada, a cônversa amena, ôs vôtôs de uma feliz festa, ô
estardalhaçô dôs jôvens ôu ô despôjamentô nô vestir (a camisa de um clube de futebôl,
pôr exemplô) e nô andar descalçô, aleé m da expressaã ô de uma alegre cônviveô ncia côm a
Santa que se tôrna, aô descer dôs altares, uma persônagem familiar. Esse “carnaval
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devôtô”, côm suas alegôrias e sua Berlinda belamente enfeitada, eé um mômentô de


cônjunçaã ô côé smica, pôntô central de uma tempôralidade que apônta para ôs sentimentôs
idealizadôs de uma sôciedade que, sôé na apareô ncia dô côntextô ritual, estaé em equilíébriô.
Cômô representaçaã ô dramaé tica, esse equilíébriô eé dadô, de um ladô pelô pôder
aglutinadôr da Santa e de ôutrô, pela cônvergeô ncia das diferentes ôrdens de valôres
apôntadas para um mesmô espaçô e tempô, ônde cada grupô e a tôtalidade dô côrpô
sôcial prôcuram se aprôpriar de um tempô e de um espaçô simbôé licôs, ô espaçô
sacralizadô e ô tempô da Festa. EÉ assim que vemôs essa magníéfica Festa do Círio de Nossa
Senhora de Nazaré.

REFERÊNCIAS
ALVES, Isidôrô. O carnaval devoto – um estudo sobre a festa de Nazaré, em Belém.
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37

IV - COLONIZAÇÃO, INQUISIÇÃO E RELIGIOSIDADE


NA AMAZÔNIA PORTUGUESA NO SÉCULO XVIII
Marcia Eliane A. de Sôuza e Mellô
Universidade Federal dô Amazônas/UFAM, Dôutôra em Histôé ria Môderna
Maria Olindina Andrade de Oliveira
Universidade Federal dô Amazônas/UFAM, Mestranda em Histôé ria Sôcial

ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTOÉ RIA COLONIAL.


Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicôé (RN), v. 9. n. 24, Set/ôut. 2008. ISSN
1518-3394.

I - INTRODUÇÃO
Desde ô final dô seé culô passadô, a histôriôgrafia vivencia uma renôvaçaã ô nôs estudôs
vôltadôs para histôé ria pôlíética e dô pôder. Nesse prôcessô, realizôu-se uma reflexaã ô
acerca da natureza dô Estadô nô Antigô Regime, tendô cômô nôrte principal de
discussaã ô ô prôblema dôs equilíébriôs dô sistema pôlíéticô, seja em relaçaã ô aôs pôderes
perifeé ricôs, cômô tambeé m nas relaçôã es entre ô rei e as Côrtes.
Essa recente revisaã ô caracteriza-se pela recusa da predôminaô ncia dô enfôque
sôciôecônôô micô estrutural e vôlta-se mais aà uma abôrdagem que priôriza ôs aspectôs
sôciais, pôlíéticôs e culturais, tendô um nôvô entendimentô das relaçôã es entre
dôminantes e dôminadôs, centrô e periferia, côlôô nia e metrôé pôle, côlônizadôres e
côlônizadôs, enfatizandô algumas categôrias cômô, etnia, geô nerô, pactô, gôvernaçaã ô,
negôciaçaã ô e cultura pôlíética. Nesses nôvôs estudôs ôcôrreu uma valôrizaçaã ô dôs atôres
sôciais, entre eles ôs trabalhadôres e ôs escravôs, que, segundô, AÂ ngela Castrô Gômes,
trazem ô princíépiô de:
...defender teôricamente que, entre seres humanôs, naã ô haé côntrôles absôlutôs e
“côisificaçaã ô” de pessôas, e que, nas relaçôã es de dôminaçaã ô, ôs dôminantes naã ô “anulam”
ôs dôminadôs, ainda que haja extremô desequilíébriô de fôrças entre ôs dôis ladôs. Dô
pôntô de vista empíéricô, a assertiva traz para a cena histôé rica, aleé m de um sem-nué merô de
ideias e açôã es dôs dôminantes, ôutrôs sem nué merô de ideias e açôã es dôs dôminadôs, ateé
entaã ô sequer imaginadas cômô pôssíéveis. Tudô issô se articulandô em campôs de anaé lise
que guardam independeô ncia relativa entre si, bem cômô prôfundas cônexôã es e influeô ncias
mué tuas. (GOMES, 2005: p. 24).

Nessa nôva perspectiva, eé feita uma nôva leitura das praé ticas pôlíéticas dô Antigô Regime,
nô que tange ô relaciônamentô dô pôder central côm ôs pôderes lôcais estabelecidôs nô
Brasil, partindô da premissa que a transpôsiçaã ô das instituiçôã es pôlíéticas pôrtuguesas
ôcôrreu côm a necessaé ria adequaçaã ô aà s especificidades lôcais, de acôrdô côm a lôé gica de
funciônamentô da côncepçaã ô côrpôrativa de Estadô, que se caracteriza pela autônômia
pôlíéticô-juríédica de suas instituiçôã es.
EÉ nesse côntextô que se enquadra essa cômunicaçaã ô, que tem cômô ôbjetivô
cômpreender ô funciônamentô da Inquisiçaã ô, enquantô ôé rgaã ô de vigilaô ncia da feé , agente
dô pôder reé giô e instituiçaã ô pertencente aà Igreja. Especificamente, nô que diz respeitô aà
natureza da sua atuaçaã ô nô Brasil, em especial, nô Estadô dô Maranhaã ô e Graã ô-Paraé ,
buscandô cômpreender ô prôcessô de instituciônalizaçaã ô de suas praé ticas em relaçaã ô aô
estabelecimentô de nôrmas, valôres e côstumes, assôciadôs aà ôrtôdôxia catôé lica.
Enfatizandô, sôbretudô, a natureza das relaçôã es, as representaçôã es, estabelecidas entre ô
38

Tribunal dô Santô Ofíéciô e a maiôria da pôpulaçaã ô da regiaã ô: íéndiôs, pretôs, mamelucôs,


mulatôs e cafuzôs.

II – O TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO E O ESTADO DO GRÃO-PARÁ


Desde ô períéôdô de sua criaçaã ô (1536) em Pôrtugal, ô Santô Ofíéciô fez 04 (quatrô) visitas
aô Brasil: 1591/1595 (Pernambucô, Bahia, Itamaracaé e Paraíéba); 1618/1620 (Bahia);
1627/1628 (capitanias dô sul); 1763/1769 (Estadô dô Graã ô-Paraé ). Em geral, cônstata-
se, nôs estudôs sôbre a Inquisiçaã ô nô Brasil, ô predômíéniô dô tema relativô aôs cristaã ôs-
nôvôs e aà s praé ticas judaizantes; sendô que a visitaçaã ô realiza da pelô tribunal aô Estadô
dô Graã ô-Paraé destaca-se pela sua excepciônalidade em relaçaã ô aà s demais.
A visitaçaã ô da Inquisiçaã ô, realizada entre 1763-1769, atualmente, ainda eé pôucô
cônhecida pelôs histôriadôres. Mas eé cômum a histôriôgrafia, quandô trata da sua
atuaçaã ô nô Estadô dô Graã ô-Paraé , enfatizar, sôbretudô, a cônjuntura histôé rica da visitaçaã ô,
a natureza de suas denué ncias e/ôu a demôrada permaneô ncia dô visitadôr nô Paraé , tendô
sempre pôr base ô livrô da visitaçaã ô encôntradô pôr Amaral Lapa na deé cada de 60 e
publicadô na íéntegra. (LAPA, 1978).
Sua excepciônalidade encôntra-se, entre ôutras côisas, justamente pela predôminaô ncia
de denué ncias vôltadas aà s praé ticas de curandeirismô, adivinhaçôã es, ôraçôã es amôrôsas e
de pactôs côm ô diabô. Aleé m dô fatô, de ter ôcôrridô “depôis de 126 anôs de interrupçaã ô
dessa praé tica em tôdô ô impeé riô pôrtugueô s,” (BETHENCOURT, 2000: 217) num períéôdô
em que ô Tribunal encôntrava-se em prôcessô de decadeô ncia. Entretantô, as evideô ncias
apôntam que a atuaçaã ô dô Tribunal naã ô se restringiu aô períéôdô da visitaçaã ô. Para ô
Santô ôfíéciô exercer ô seu côntrôle nô imensô Impeé riô Ultramarinô, a instituiçaã ô
utilizava-se de dôis mecanismôs: as visitas (inquisitôriais/episcôpais) e ô
estabelecimentô de uma rede de ôficiais e auxiliares civis (cômissaé riôs e familiares). Pôr
ôutrô ladô, a Inquisiçaã ô Pôrtuguesa, desde a sua ôrigem, caracterizôu-se pôr um
prôcessô precôce de sedentarizaçaã ô, resultandô em pôuca necessidade de apôiô das
visitas e da rede de familiares; issô devidô caracterizar-se pôr ser altamente centralizada
e hierarquizada (BETHENCOURT, 2000: 54-63).
Nô casô dô Estadô dô Graã ô-Paraé , cônstata-se a efetiva participaçaã ô dô clerô regular e
secular, as visitas episcôpais, a açaã ô dôs cômissaé riôs e principalmente da pôpulaçaã ô em
geral nesse prôcessô. Ou seja, antes, durante e depôis da visitaçaã ô, ô Santô Ofíéciô côntôu
côm a vigilaô ncia dô prôé priô côrpô sôcial, para que denué ncias fôssem feitas, que pôdiam
ôu naã ô resultar em um prôcessô inquisitôrial. Num levantamentô preliminar e ainda
prôvisôé riô realizadô juntô aà s fôntes (As fôntes utilizadas fôram: ô livrô da Visitaçaã ô aô
Estadô dô Graã ô-Paraé , diversôs cadernôs dô prômôtôr, e ôs prôcessôs inquisitôriais
dispôníéveis nô Arquivô Naciônal da Tôrre dô Tômbô (ANTT)) fôram côletadôs, ateé agôra,
dadôs interessantes sôbre a natureza das denué ncias relativas aô Estadô dô Graã ô-Paraé ,
abrangendô ôs seé culôs XVII (ô mais antigô data de 1646) aô XIX (que data de 1805). Côm
ô ôbjetivô de termôs um quadrô mais geral das denué ncias relativas aô Estadô dô Graã ô-
Paraé (As denué ncias côletadas nôs dôis levantamentôs dizem respeitô aô Maranhaã ô, Paraé
e Riô Negrô), chegamôs aô seguinte resultadô: temôs nô tôtal 159 denué ncias côletadas,
das quais, 51 saã ô vôltadas para a acusaçaã ô de bigamia e 55 aà s praé ticas de heresia,
superstiçaã ô, pactô côm ô demôô niô, feitiçaria.
Entre 1646-1761, temôs aô tôdô 88 denué ncias, sendô que 32 referem-se aà acusaçaã ô de
bigamia e 29 saã ô vôltadôs para feitiçaria e praé ticas maé gicas em geral. Jaé nô períéôdô da
visitaçaã ô (1763-1769), ôs dadôs saã ô ôs seguintes: nô tôtal: 49 (26 feitiçaria/praé ticas
maé gicas; 09 bigamia); e, pôr ué ltimô, temôs 17 denué ncias entre 1771-1805, das quais 10
saã ô de bigamia e 02 (07?) para feitiçaria.
39

Evidentemente que esses dadôs estatíésticôs saã ô prôvisôé riôs e incômpletôs, pôis, aleé m de
se tratar de um levantamentô feitô a partir dô acessô a determinadas fôntes, ô prôé priô
Arquivô Naciônal da Tôrre dô Tômbô estaé fazendô um nôvô levantamentô, mais
detalhadô e cômpletô, acerca dô material dispôníével em seu acervô, que côm certeza ôs
môdificaraã ô. Mas, cômô jaé fôi ditô anteriôrmente, ô que nôs interessa eé a natureza das
denué ncias relativas aô Estadô dô Graã ô-Paraé .
Entretantô, independentemente deste aspectô, pôdemôs fazer algumas cônsideraçôã es
sôbre estes dadôs: ô primeirô, eé a permaneô ncia, nôs treô s períéôdôs, dôs dôis tipôs de
denué ncias que se destacam: as de bigamia e as das praé ticas maé gicas e feitiçaria.
Pôr ôutrô ladô, cônfirma-se ô que, ateé entaã ô, fôi ditô pela histôriôgrafia acerca da
especificidade das denué ncias relativas aà regiaã ô, que fôgem dô padraã ô estabelecidô nô
restante dô paíés, que se caracterizôu pelô predômíéniô das acusaçôã es vôltadas para ôs
cristaã ôs-nôvôs e as praé ticas judaizantes. Aleé m dissô, cônfirma-se tambeé m ô predômíéniô
das acusaçôã es vôltadas para as praé ticas maé gicas e de feitiçaria, vistôs aqui numa
abrangeô ncia muitô maiôr dô que ateé entaã ô eé cônhecidô. Entretantô, a nôvidade cônsiste
nô nué merô significativô de denué ncias relativas aà praé tica de bigamia, cuja margem de
diferença para as praé ticas maé gicas e de feitiçaria eé muitô pequena e, côm exceçaã ô dô
períéôdô da visitaçaã ô, fôi em geral a denué ncia que mais se destacôu.
A impôrtaô ncia destes dadôs cônsiste nô fatô de que, ambas, relaciônam-se diretamente
côm a praé tica de evangelizaçaã ô empreendida pela Igreja desde ô iníéciô dô prôcessô de
côlônizaçaã ô e fazem parte dô seu ôbjetivô de civilizar, de levar a essa pôpulaçaã ô
especíéfica ôs valôres cristaã ôs. E, pôrtantô, eé em cima desses dôis tipôs de denué ncias que
faremôs uma anaé lise mais detalhada da atuaçaã ô dô Tribunal dô Santô Ofíéciô a partir da
leitura de dôis prôcessôs inquisitôriais.
Para issô, eé fundamental cônhecer um pôucô da histôé ria da Amazôô nia Pôrtuguesa: a
penetraçaã ô pôrtuguesa ôcôrreu nô iníéciô dô seé culô XVII, tendô cômô ôbjetivô evitar as
invasôã es inglesas, francesas e hôlandesas nô territôé riô. Nô geral, a ôcupaçaã ô dessa regiaã ô
caracterizôu-se, cômô nô restante dô Brasil, pelô prôcessô de mestiçagem, tantô cultural
e racial; sendô as estruturas e praé ticas eurôpeé ias impôstas, bastante môdificadas pela
realidade lôcal. Entretantô, pôssui algumas especificidades que devem ser cônsideradas.
Nô seé culô XVIII, ô Estadô dô Graã ô-Paraé recebeu uma atençaã ô especial da Côrôa
Pôrtuguesa, cuja pôlíética esclarecida preôcupôu-se em estabelecer ôs limites de seus
dômíéniôs, resultandô na militarizaçaã ô da regiaã ô. Cômô cônsequü eô ncia, fôram adôtadas
uma seé rie de medidas, entre elas, ô aumentô dô nué merô de missôã es carmelitas, a adôçaã ô
da capital da Capitania de S. Jôseé dô Riô Negrô em Barcelôs, ô estíémulô aô casamentô
entre côlônôs e indíégenas, etc. que resultaram na fôrmaçaã ô de um nôvô grupô eé tnicô (ôs
tapuias), na escravizaçaã ô e depôrtaçaã ô de pôpulaçôã es aô meiô urbanô e principalmente
numa maiôr influeô ncia eurôpeé ia na regiaã ô.
A pôpulaçaã ô dô Estadô dô Graã ô-Paraé era predôminantemente indíégena, sendô esta
pôpulaçaã ô dividida entre íéndiôs infieé is (naã ô catequizadôs) e íéndiôs (jaé catequizadôs); pôr
ôutrô ladô, apesar dô pequenô nué merô, jaé se evidencia ô prôcessô de miscigenaçaã ô racial
pela presença nas fôntes de denué ncias a mulatôs, cafuzôs, mamelucôs e pretôs escravôs
(estes ué ltimôs, sôé seraã ô sistematicamente intrôduzidôs na regiaã ô nô final dô seé culô XVIII,
cômô parte integrante da pôlíética pômbalina para ô desenvôlvimentô ecônôô micô dô
Estadô dô Graã ô-Paraé ). Pôr esse môtivô, esse grupô sôcial cônstitui-se nô pué blicô-alvô da
minha pesquisa, tendô sidô excluíédôs dô meu estudô as denué ncias e ôs prôcessôs
inquisitôriais referentes aôs cristaã ôs-velhôs que viviam na regiaã ô.
40

III – O CASO DO ÍNDIO ALBERTO


A visitaçaã ô dô Tribunal dô Santô Ofíéciô aô Estadô dô Graã ô-Paraé deve ser cômpreendida
cônsiderandô esse côntextô especíéficô dô seé culô XVIII, sendô a minha preôcupaçaã ô
cômpreender a natureza da relaçaã ô estabelecida entre ô Tribunal e maiôria da
pôpulaçaã ô da regiaã ô. Pôr ôutrô ladô, eé impôrtante cônsiderarmôs a especificidade dessa
sôciedade, que se encôntra tambeé m em francô prôcessô de transfôrmaçaã ô cultural,
cônsiderandô que ela naã ô eé mais marcadamente indíégena e taã ô pôucô eurôpeé ia.
EÉ nesse sentidô que nôs prôpômôs a analisar ô prôcessô dô íéndiô Albertô Mônteirô
(ANTT, Inquisiçaã ô de Lisbôa, prôcessô 2693) que se caracteriza pelas suas
peculiaridades; natural da Vila de Mônfôrt dô Bispadô dô Paraé , em 21 de maiô de 1766,
apresentôu-se aà Mesa dô Santô Ofíéciô e cônfessôu ô seu delitô:
...achando-se na feitoria do peixe, pertencente ao comércio da dita vila, por ocasião de ir
também para a mesma paragem certa índia casada, fizera todas as diligências, que pode,
para ter com ela trato ilícito; e não querendo a mesma consentir, fortemente tentado da sua
concupiscência, invocara o demônio, e lhe falara pela forma seguinte= Diabo, se tu me
fizeres a minha vontade, permitindo-me que durma com esta mulher, eu te prometo fazer-te
o que tu quizeres, e me podes levar contigo (ANTT/IL, Prôc. 2693, fl. 18). E que não
obstante não ter do demônio respostas por modo algum, e sentir no mesmo tempo hum
grande abalo no coração, de que concebêra temor de Deus Nosso Senhor o poder castigar;
nem por isso deixara de repetir a dita invocação, e fazer novo oferecimento de si ao demônio
para conseguir o seu depravado intento; (...) e experimentando também da segunda vez o
mesmo abalo do coração, que da primeira: e que vendo, não conseguira o seu abominável
intento, então desconfiara, de que o demônio lhe não queria fazer o que lhe pedira, ou de
que não tinha esse poder. (ANTT/IL, Prôc. 2693, fl.18).

O prôcessô dô íéndiô Albertô Mônteirô eé interessante pôis pôssui uma particularidade


rara, difíécil de se encôntrar em ôutrôs prôcessôs: ô da interfereô ncia ôu interpretaçaã ô
pessôal dô senhôr inquisidôr Giraldô Jôseé de Abranches diante dôs fatôs narradôs pelô
íéndiô Albertô Mônteirô. Issô se tôrna evidente durante tôdô ô interrôgatôé riô, cuja eô nfase
se deu muitô mais na pôssibilidade dô estabelecimentô dô pactô demôníéacô, dô
recônhecimentô deste enquantô “deus” e dô afastamentô cônsciente da Feé Catôé lica.
Essa interfereô ncia ôcôrre quandô:
Perguntado se se lembra ter dito que da primeira vez que invocou e se oferecera ao
demônio, se teve logo no mesmo tempo hum grande abalo dentro do coração do qual com
certo temor de que Deus lhe fez sentir e castigara. Disse que lembra dessas de assim o ter
dito.” Em seguida, lhe fôi “Perguntado se sabe ele que o dito grande abalo que teve dentro
do coração foi um especial auxílio que Deus Senhor Nosso lhe deu para o livrar do cativeiro
do demônio? Disse que assim o [?] e o reconhece-o.” Mais tarde, eé “Perguntado que motivo
teve mais, para que reconhecendo o especial auxílio que Deus Nosso Senhor lhe deu a
primeira vez, o desprezasse, se [?], e oferecendo-se outra vez ao demônio? .(ANTT/IL, Prôc.
2693, fl. 15).

Questiônadô em relaçaã ô a este segundô ôferecimentô feitô aô demôô niô, fôi “Perguntado
se sabe ele que também este segundo abalo do coração foi outro auxílio especial que Deus
Nosso Senhor lhe deu para que não caísse no poder e nas garras do demônio? Disse que
assim o saber.” (ANTT/IL, Prôc. 2693, fl. 15).
De tal fôrma, que se cônclui na sua sentença ô seguinte:
E sendo examinado por esta sua confissão, declarar, que nas ditas duas vezes, que invocara,
e se oferecera ao demônio, se rendesse à sua vontade à dita mulher, levava o ânimo de lhe
ficar com sujeição, como escravo seu e seu amigo; e de lhe fazer quanto ele quisesse: e que
com esta depravada intenção permanecera, sem embargo de conhecer, que os dois grandes
abalos do coração foras especiais auxílios de Deus Senhor Nosso, para fugir, e se livrar do
41

infeliz cativeiro, e da duríssima escravidão do infernal inimigo; em ódio, aborrecimento, e


detestação do qual não fizera acto algum. (ANTT/IL, Prôc. 2693, fl.18).

EÉ neste prôcessô que se percebe ô que denôminô de “disciplinarizaçaã ô dôs côstumes”


pôis, aô mesmô tempô, que interrôga, exerce uma funçaã ô repressôra, papel este tíépicô de
qualquer tribunal, tambeé m exerce uma funçaã ô disciplinadôra e pedagôé gica, aô refôrçar
princíépiôs da Feé Catôé lica. Esse prôcessô tambeé m se verifica em ôutrôs mômentôs, cômô:
“Perguntado se sabia ele, que cometia grave pecado invocar e fazer entrega de si ao
demônio? Disse que muito bem sabia que pecava gravemente, mas que não sabia que era
tão grande o pecado, como veio a saber depois quando o confessor o não pode absolver
dele”.(ANTT/IL, Prôc.2693, fl. 16).
Mais adiante, issô tambeé m se verifica quandô:
Perguntado se em algum tempo principalmente no em que invocou, e se ofereceu ao
demônio se apartou de nossa Santa Fé católica, e dos Evangélicos, não crendo no Mistério da
Santíssima Trindade nem em Cristo Nosso Senhor: ou se o renegou dele ou da Virgem Nossa
Senhora; ou duvidou do Santo Sacramento do Batismo ou de algum dos outros santos
sacramentos ou de algum dos mistérios da Nossa Santa Fé Católica? Disse que em nenhum
tempo nem em nas duas vezes, que invocou e se ofereceu ao demônio, lhe [?] ao pensamento
que nessas invocações e oferecimentos se afastava de Nossa Santa Fé Católica; e na verdade
nunca deixou de crer no mistério da Santíssima Trindade, nem de Cristo Senhor Nosso de
quem nunca renegou nem da virgem Nossa Senhora, nem [?] dúvida alguma a respeito da
verdade dos santos sacramentos da Igreja nem algum mistério da Fé de que ele teve
aprendido.(ANTT/IL, Prôc. 2693, fl. 16-17).

Em seguida, ô íéndiô Albertô Mônteirô eé perguntadô se:


...pro tempo, em que invocou, e se ofereceu ao demônio, e de então para lá rezava algumas
orações das que ensina a Santa Madre Igreja, e quais são as que rezava: se ouvia missa e
Doutrina do seo pároco quando o ensinava? Disse que sempre e todos os dias ainda no
tempo [?] aprendeu a rezar o Padre Nosso teve alegria, [?] a Nossa Senhora, e alguns Santos
da sua devoção, e também ouvia a doutrina que explicava o seu Pároco e a Missa que dizia.
Perguntado se crê ele e tem por verdade infalível tudo o que tinha em [?] Igreja Católica
Romana: e se sabe que fora desta Santa Fé ninguém se pode salvar? Disse que ele crê, e tem
por verdade que não pode faltar tudo aquilo que a Santa Madre Católica de Roma crê, e
ensina; e também crê, que esta Santa Fé é melhoria para a salvação das almas, e que fora
dela se não podem salvar. (ANTT/IL, Prôc. 2693, fl. 17).

Ou seja, aô mesmô tempô em que ô interrôgatôé riô tem pôr ôbjetivô verificar se tal delitô
cônstituiu de fatô ôu naã ô em uma heresia, percebemôs ô Tribunal dô Santô Ofíéciô exercer
a sua funçaã ô pedagôé gica paralelô aà sua funçaã ô repressiva. Pôr ôutrô ladô, percebemôs
que nem pôr issô ô íéndiô Albertô Mônteirô teve um papel passivô nesse prôcessô; aô
côntraé riô, sôube agir cônfôrme as circunstaô ncias e respônder cônvenientemente as
perguntas, de fôrma a lhe favôrecer nô final; ô que naã ô implica em afirmar que nada que
fôi expôstô, referente aà s suas crenças, deixe de ser verdadeirô em sua esseô ncia.
De tal fôrma que, em sua sentença, temôs ô seguinte:
E não haver contra o Réu Alberto Monteiro mais prova da que consta por suas próprias
confissões: das quais não obstante afirmar ele, que quando invocara e se oferecêra ao
demônio, fazendo-lhe o que lhe pediu, lhe não viera ao pensamento, que se apartaria da Fé
Católica; porque nunca deixara de crer os mistérios dela, que lhe ensinaram, nem de rezar
as orações, nem de assistir à Doutrina e à Missa sempre resultam urgentes indícios de viver
apartado da dita nossa Santa Fé Católica. (ANTT/IL, Prôc. 2693. fl. 19).
42

Naã ô cônstituindô, pôrtantô, tal delitô em uma heresia. Em ôutras palavras, ô prôcessô dô
íéndiô Albertô Mônteirô nôs remete a algumas reflexôã es: primeirô, naã ô sabemôs qual a
sua etnia e taã ô pôucô temôs alguma infôrmaçaã ô sôbre a sua histôé ria de vida; mas eé
evidente que naã ô se trata de um íéndiô infiel e, sim, de um indivíéduô catequizadô, cujôs
valôres, crenças, côstumes, naã ô saã ô mais ôs mesmôs de seus irmaã ôs que ainda vivem nô
interiôr da flôresta. Trata-se pôrtantô de um indivíéduô que representa muitô bem essa
nôva sôciedade que encôntra-se em francô prôcessô de cônstruçaã ô. E sua cônduta de
apresentar-se espôntaneamente aà Mesa inquisitôrial, apôé s receber a ôrientaçaã ô de seu
cônfessôr, demônstra muitô bem essa caracteríéstica.
Esse aspectô nôs leva a côncluir, pôrtantô, que ô íéndiô Albertô Mônteirô naã ô se cônstitui
numa víétima dô Tribunal e, de fatô, nada nô prôcessô nôs leva a esta cônclusaã ô.
Verificamôs, aô côntraé riô, que ôs questiônamentôs feitôs pelô inquisidôr fôrma muitô
bem respôndidôs, cujô universô de infôrmaçôã es referentes aôs valôres cristaã ôs, naã ô
eram descônhecidôs pôr parte dô reé u.
Pôr ôutrô ladô, ô ôbjetivô da visita de disciplinar essa pôpulaçaã ô, de enquadraé -la nôs
valôres ôcidentais, tendô pôr base a ôrtôdôxia catôé lica, em cônsônaô ncia, pôrtantô, côm
ôs ôbjetivôs estabelecidôs pela pôlíética da Côrôa Pôrtuguesa, fica evidenciadô pela
sentença dada pelô inquisidôr:

Portanto com atenção a ser índio, e aos sinais, que mostra de verdadeiro
arrependimento, ele ouça sua sentença na Mesa da Visita perante o Inquisidor,
Notário, e duas testemunhas; e nela faça abjuração de Vehemente suspeito na Fé; e
tendo penitências espirituais e instrução ordinária; e seja ad cautelam da
excomunhão, em que poderia incorrer: e pague as custas. (ANTT/IL, Prôc. 2693, fl.
19).

Ou seja, eé na sentença que fica evidente a caracteríéstica determinante para a


cômpreensaã ô da atuaçaã ô, “mais flexíével”, dô Tribunal: ô fatô dô reé u ser íéndiô, merecendô
pôr issô um tratamentô diferenciadô, que côm certeza teria sidô diferente se tratasse de
um cristaã ô-velhô, pôr exemplô.
A atuaçaã ô mais pedagôé gica dô Tribunal se justifica, pôis pela sua capacidade de se
adequar aà s especificidades dô côntextô em que atua. Apesar de ter sidô criadô nô seé culô
XVI, pelô rei D. Jôaã ô III, côm ô clarô ôbjetivô de perseguir ôs cristaã ôs-nôvôs; nô seé culô
XVIII, ôs seus ôbjetivôs saã ô ôutrôs. Ou seja, a atuaçaã ô da Inquisiçaã ô pôssui um significadô
muitô mais amplô dô que aà quele tradiciônalmente destacadô pela histôriôgrafia,
enquantô “pôlíécia de Estadô”, que levôu “inué meras” pessôas aà môrte na fôgueira. E eé
nesse sentidô que prôpônhô atraveé s da recuperaçaã ô da histôé ria de vaé riôs indivíéduôs,
côntribuir côm uma nôva percepçaã ô da açaã ô inquisitôrial.

BIBLIOGRAFIA
BETHENCOURT, Franciscô. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália –
séculos XV e XIX. Saã ô Paulô: Cia. das Letras, 2000.
FLEITLER, Brunô. Nas malhas da consciência: igreja e inquisição no Brasil:
Nordeste 1640-1750. Saã ô Paulô: Alameda: Phôebus, 2007.
GOMES, AÂ ngela Castrô. Histôé ria, histôriôgrafia e cultura pôlíética nô Brasil: algumas
reflexôã es. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVEA, Maria de Faé tima.
Culturas políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino de
história. Riô de Janeirô: Mauad, 2005.
HESPANHA. Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisbôa. Fundaçaã ô
Calôuste. Gulbenkian. 1984.
43

LAPA, Jôseé Rôbertô dô Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-
Pará (1763-1769). Petrôé pôlis: Vôzes, 1978.
PEREIRA, Ana Margarida Santôs. A Inquisição no Brasil: aspectos da sua actuação
nas capitanias do sul, de meados do século XVI ao início do século XVIII. Côimbra:
Faculdade de Letras da Universidade de Côimbra, 2006.

V - A MARUJADA DE BRAGANÇA NUMA PERSPECTIVA


DIACRÔNICA

Elciô Sant’ Anna – Dôutôrandô em Anrôpôlôgia (UFPA)

Daraé igualmente [ô gôvernô] tôdas as prôvideô ncias


para que ôs escravôs sejam instruíédôs na religiaã ô e môral,
nô que ganha muitô, aleé m da felicidade eterna, a
subôrdinaçaã ô e fidelidade devida dôs escravôs. (Jôseé
Bônifaé ciô de Andrade e Silva)

Este capíétulô tem pôr ôbjetivô apresentar ô que vem a ser a Marujada de Saã ô
Beneditô de Bragança, elementô central de suas devôçôã es e festividades bragantinas,
capitaneada pela sua Irmandade civil, sucessôra da Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô
de Bragança, carreandô um môvimentô abrangente de devôtôs, fieis, dirigentes,
prômesseirôs, fôliôã es e cidadaã ôs aà s suas datas expressivas.
Organizei este capíétulô e ô prôé ximô de uma maneira que se pudesse ver a Marujada
inicialmente dentrô de dôis vetôres interdependentes: a) ô primeirô seguindô uma
lôé gica diacrôô nica que permita averiguar as suas côndiciônantes e marcas sôciôhistôé ricas;
b) ô segundô desenvôlvendô uma percepçaã ô dôs elementôs cônfigurantes da sincrônia
das festividades e devôçôã es relaciônadas aà Irmandade da Marujada de Saã ô Benditô de
Bragança, que eé um impôrtante grupô sôcial da cidade.

A DIACRONIA DA IRMANDADE DA MARUJADA DE SÃO BENEDITO DE BRAGANÇA


As transfôrmaçôã es que acôntecem nas estruturas sôciais de algum môdô levam as
estrateé gias e ôs regimes discursivôs acômpanharem sua môvimentaçaã ô. Istô pôde ser
ôbservadô em vaé rias situaçôã es. Os diários das descobertas da América 1 de Cristôvam
Côlômbô nôs ajudam perceber istô. Segundô Valter Sinder, estes registram ô mômentô
da demarcaçaã ô das “frônteiras espaçô-tempôrais” entre ô que viria ser ô cônhecimentô
môdernô e ô mundô medieval.2 A guisa de exemplô, ô diaé riô de Côlômbô eé uma
testemunha da mudança que estava se ôperandô nô cônhecimentô de entaã ô. 3
Um estudô antrôpôlôé gicô de um fenôô menô sôciôrreligiôsô, cômô as Marujadas de
Bragança deve ser levadô a cabô sem se descure de que haé facetas histôé ricô-culturais que
determinam a trajetôé ria dô môvimentô. Marshall Sahlins para aleé m de côncôrdar côm
1
COLOMBO, Cristôvam. Diários das descobertas da América – As quatro viagens e o testamento. Pôrtô
Alegre: L&PM, 1986, p.31-32.
2
SINDER, Valter. Op. Cit, p.14.
3
Id. Ibid.
44

Cliffôrd Geertz de que um “eventô eé nô final das côntas eé uma côntingeô ncia de um padraã ô
cultural”,4 afirma tambeé m que “entretantô as circunstaô ncias côntingentes da açaã ô naã ô se
cônfôrmam necessariamente... ôs hômens criativamente repensam ôs seus esquemas
cônvenciônais”.5 Sôé assim que pôderia falar de “transfôrmaçaã ô estrutural”. 6
Repensandô Sahlins, pôssô dizer que a estrutura também eé um “ôbjetô histôé ricô”, 7
trata-se de uma interpretaçaã ô dô desenvôlvimentô simbôé licô. 8 Sem me preôcupar
detidamente côm aspectôs cômplexôs pôr uma definiçaã ô entre a Semiôlôgia ôu a
Semiôé tica,9 diria que ô sistema incôrpôra ô nôvô atraveé s de “valôraçaã ô e revalôraçaã ô”. 10
Victôr Turner de ôutra maneira ajuda-me pensar nô mesmô prôblema quandô
apela a um interesse a que se estude as “metaé fôras fundadôras tambeé m em suas
subsequentes expansôã es e môdificaçôã es em campôs de relaçôã es sôciais em mudança”. 11
Turner afirma de fôrma bastante sugestiva:
Minha cônvicçaã ô quantô aô caraé ter dinaô micô das relaçôã es sôciais, eu via môvimentô
tantô quantô estrutura, persisteô ncia tantô quantô mudança. E na verdade, persisteô ncia
enquantô nôtaé vel aspectô da mudança. Vi pessôas interagindô e, dia apôé s dia, via as
cônsequü eô ncias de suas interaçôã es. Cômecei entaã ô a perceber uma fôrma nô prôcessô
dô tempô sôcial. E esta fôrma era essencialmente dramática.12

Turner elege a sua “metaé fôra de cônfiguraçaã ô dô pensamentô sôcial” pôr exceleô ncia
cômô sendô ô drama para a leitura naã ô sôé das relaçôã es sôciais cômô tambeé m das suas
subsequentes mudanças. Aô analisar a teôria de Turner, Geertz diz que esta se aplicaria a
“tôdôs ôs níéveis da ôrganizaçaã ô sôcial, dô Estadô aà famíélia”. 13 Segundô Geertz, Turner
ôbserva que a estrutura ritualiza ô cônflitô de fôrma atingir status de ôrdem. Mas
ôbviamente quandô as prôvideô ncias fracassam a “rôtura passa a ser vista cômô
irremediaé vel”.14 Assim segundô Turner, mesmô dentrô dô côntextô indesejaé vel a
estrutura pôde mudar.
Tantô dentrô da visaã ô de Sahlins quantô na perspectiva de Turner a estrutura pôde
se transfôrmar. O estrutural nô aô mbitô de seu perfil eventual, ôu côntingente pôde sôfrer
mutaçôã es ôbservaé veis dentrô da sua diacrônia. E eé assim me dispus a pensar a trajetôé ria
da Irmandade da Marujada de Saã ô Beneditô de Bragança atraveé s dô percursô de sua
antecessôra a Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança a partir dôs seus
cômprômissôs e estatutôs.

4
GEERTZ, Cliffôrd apud SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Riô de Janeirô: Jôrge Zahar Editôr, 1990, p.7.
5
SAHLINS, Marshall. Ibid.
6
Id. Ibid.
7
Id. Ibid, p.8.
8
FREHSE, Fraya. De antrôpôlôgia, histôé ria e tambeé m teôria sôcial. SAHLINS, Marshall. Metáforas histórias
e realidades míticas. Riô de Janeirô: Jôrge Zahar Editôr, 2008, p.11.
9
SAUSURE, Ferdinand de. Curso de linguística Geral. Saã ô Paulô: Cultrix, 2006, p.23-25. Tambeé m PEIRCE,
Charles S. Semiótica. Estudôs 46. Saã ô Paulô: Perspectiva, 2012, p.45-46. Assim cômô ECO, Umbertô.
Tratado geral de Semiótica. Estudôs 73. Saã ô Paulô: Perspectiva, 2012, p.9-11.
10
SAHLINS, Marshall. Ibid, p.24.
11
TURNER, Victôr. Dramas, campos e metáforas. Ação simbólica na sociedade humana. Niterôi: Eduff, 2008,
p.24.
12
Id. Ibid, p.27.
13
TURNER, Victôr. Apud GEERTZ, Cliffôrd. O saber local: nôvôs ensaiôs em antrôpôlôgia interpretativa.
Traduçaã ô de Vera Mellô Jôscelyne. 12ª ed. Petrôé pôlis, Vôzes, 2012, p.33
14
Id. Ibid.
45

O PRIMEIRO COMPROMISSO DA IRMANDADE DO GLORIOSO DE SÃO BENEDITO DE


BRAGANÇA:
A escôlha pôr instrumentô cômô ô cômprômissô da Irmandade naã ô parece ôé bviô a
quem que cônsiderar ôs relatôs fundantes das festividades de Saã ô Beneditô e da
Marujada. Na verdade, ô cômprômissô da Irmandade eé um atô segundô, que nô planô
juríédicô e estrutural dô Brasil Côlôô nia eé ô que lhe legitimidade para tôdas as suas açôã es
subsequentes. A irmandade nasceu aparada na cônjuntura vigente.

Bragança, 03 de setembrô de 1798

Escrivaã ô da Camera (...) da Villa de Bragança (...) dô Nôssô E.mô (Excelentíéssimô) Sr.
Dôm Franciscô de Sôuza Côutinhô Gôvernadôr e Capitaã ô General dô Est.ô (Estadô) dô Paraé .
Certificô que (...) parte de Escravos (...) desses desta Vila nnela entregue huma
Prôvisaã ô aô Excelentissimô e Reverendissimô Senhôr Bispô Diôcesanô, (...) a lançar neste
livrô em publica fôrma que façô (...) Rev.mô (Reverendíéssimô) Dôm Manuel de Almeida pôr
merceô de V. M. Bispô dô Graã ô-Paraé e dô Cônselhô de Sua Magestade que Deôs guarde V.M.
Aôs que esta nôssa Prôvisaã ô virem saude Bençaã ô fazemôs saber que sudictos nos
enviarao dizer que os escravos dos moradores desta Villa de Bragança que elles
movidos de huma fervorosa devoção que consagrão ao Gloriozo São Benedicto tenção
erigir nesta mesma Villa huma Irmandade dedicada ao mesmo Santo e que para esta
erecção nos pediro (...) Prôvisaã ô, entendendô nôs a sua supplica que (...) dirigida aô
serviçô de V. M. Hôuvemôs pôr bem demandas (...) que haé (...) de pela qual suplicamôs
licença para pôderem erigir a menciônada Irmandade na Freguezia desta dita Villa ficandô
pôr ôbjectivôs nô (...) terem de dôis mezes (...) inventarem ôs Estatutôs que de V. M. (...)
mesma Irmandade. 15 (negritôs meus)

Haé quase 216 anôs, em 03 de setembrô de 1798, surgiu a Irmandade dô Glôriôsô


Saã ô Beneditô de Bragança que tem uma histôé ria digna de nôta. Esta tem tambeé m vitôé rias
e vicissitudes que ajudam a fôrmar um cabedal de cônhecimentôs necessaé riô aô
entendimentô de um dôs fenôô menôs mais interessantes da vida religiôsa da
micrôrregiaã ô bragantina.
Em um interstíéciô da lavôura, antes das chuvas de 27 a 31 de dezembrôs, escravôs
que viviam em Bragança decidiram cônstruir uma capela da palha, côm a permissaã ô dôs
seus senhôres.16 Os atôs que se seguiram fôram aà instalaçaã ô da imagem dô Santô na
capela e a celebraçaã ô em “cantôchaã ô, as ladainhas”. 17 A imagem tida cômô ôriginal, a
achada nas aé guas dô Caeteé .18
A irmandade surge a partir da festa de Saã ô Beneditô de Bragança que eé uma das
mais tradiciônais da regiaã ô. O cultô remônta ôs idôs de seé culô XVIII, “quandô um grupô
de escravôs pediu aôs seus senhôres para que ôs deixassem erguer uma igreja em
hômenagem aô Santô”. Estas saã ô as narrativas fundantes que qualquer um chegandô a
Bragança pôde ôuvir. Entretantô para ô entendimentô das circunstaô ncias em que istô
acônteceu eé impôrtante para cônsiderar a situaçaã ô de entaã ô dô catôlicismô brasileirô.
Durante ô períéôdô côlônial, dentrô dô côntextô da instituiçaã ô dô Padrôadô, a Igreja
se manejôu atraveé s dô môvimentô dôs leigôs. 19 O Direitô Canôô nicô definia quadrô tipôs
15
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Em 03 de setembro de 1798, assim nascia a Irmandade do Glorioso São
Benedito de Bragança... Lôc. Cit.
16
PEREIRA, Beneditô Cezar. Sinopse da História de Bragança. Beleé m: Imprensa Oficial, 1963, p.80-81.
17
Id. Ibid. p.81.
18
FERNANDES, Jôseé Guilherme dô Santôs. Pés que andam, pés que dançam: Memôé ria e identidade e regiaã ô
cultural na esmôlaçaã ô e marujada de Saã ô Beneditô em Bragança (PA). Beleé m: Eduepa, 2011, p.72.
19
AZZI, Riôlandô. A instituiçaã ô eclesiaé stica durante a primeira eé pôca côlônial. Em:
HOORMAERT, Eduardô; AZZI, Riôlandô; GRIJP, Klaus van Der; BROD, Bennô. História da Igreja no Brasil.
Ensaiô de Interpretaçaã ô a partir dô pôvô. Histôé ria Geral da Igreja na Ameé rica Latina. Tômô II/1. Petrôé pôlis:
46

de assôciaçôã es religiôsas leigas: a) Ordens Terceiras; b) Pias Uniôã es; c) irmandades; e d)


Cônfrarias. Das que existiram cômô mais intensidade nô Brasil, as irmandades fôram
mais ôrganizadas côm um “definiçaã ô de cargôs e cômô uma hierarquia interna bem
definida”.20
O Padrôadô, nô entantô, era ô sistema pelô qual a côrôa de Pôrtugal exerceu a
funçaã ô “prôtetôra de Cristô”, tôrnandô a Igreja catôé lica religiaã ô ôficial e exclusiva nô
reinô e nas suas côlôô nias. 21 Este mesmô Padrôadô pôde ser ôbservadô em relaçaã ô aô
estabelecimentô dô cristianismô na Amazôô nia, a partir dô seé culô XVII. 22
Atraveé s aliança Igreja-Estadô, ô Padrôadô Reé giô cônferiu aà “Ordem de Cristô” a
tarefa de ôrganizar, sustentar e dirigir a Igreja, ôutôrgandô aôs missiônaé riôs ô status de
servidôres dô Estadô.23 Naquele côntextô a ué nica fôrma legíétima dô leigô atuar dentrô
deste catôlicismô tradiciônal era pôr via individual ôu atraveé s das cônfrarias. 24 Assim
cômô sempre se buscôu a gestaã ô da côndiçaã ô dôs escravôs de fôrma côletiva:
A pôlíética era misturar ôs escravôs de diferentes líénguas e culturas e naã ô agrupaé -lôs
pôr líénguas, para facilitar a cômunicaçaã ô. O ôbjetivô era cônfundi-lôs e tôrnaé -lôs
incômunicadôs, para evitar a sôlidariedade eé tnica, linguíéstica, religiôsa ôu familiar
entre eles, fazendô que a ué nica líéngua franca fôsse ô pôrtugueô s e a ué nica religiaã ô
permitida aà catôé lica. Líéngua e religiaã ô fôrmam ôs dôis universôs simbôé licôs da
aculturaçaã ô fôrçada dôs escravôs. O ser escravô naã ô cônsistia apenas em aprender a
trabalhar cômô escravô, mas transitar para ô mundô ideôlôé gicô dô senhôr, adôtandô
sua líéngua e religiaã ô. A resisteô ncia e a vingança dôs escravôs fôi adôtar, e aô mesmô
tempô, transfôrmar e transfigurar prôfundamente essas duas realidades, impôndô a
sua maneira de falar a líéngua e pôvôandô ô universô cristaã ô côm suas crenças e
entidades, assimilandô e reinterpretandô ritôs, festas e dôutrinas. 25

Havia um sistema de semicônfinamentô sôcial que fôi implementadô cômô ô ué nicô


meiô de atuaçaã ô que se dava nô aô mbitô dôs limites da religiaã ô. E eé dentrô desta mesma
demarcaçaã ô, que as fôrmas de reprôduçaã ô e tambeé m de recriaçaã ô juntas buscaram atuar.
Naã ô era de fôrma inusitada que ôs pôbres e ôs escravôs se envôlvessem nas cônfrarias e
irmandades côm vista aà prômôçaã ô da devôçaã ô dôs santôs, 26 e em ôcasiôã es especificas,
justamente côm finalidade da cônstruçaã ô de ermidas e capelas. 27 Istô tambeé m atendia ô
prôjetô côlônial:
Negar-lhes tôtalmente ôs seus fôlguedôs, que saã ô ô ué nicô alíéviô dô seu cativeirô, eé
quereô -lôs descônsôladôs e melancôé licôs, de pôuca vida e saué de. Pôrtantô, naã ô lhes
estranhem ôs senhôres ô criarem seus reis, cantar e bailar pôr algumas hôras
hônestamente em alguns dias dô anô, e ô alegrarem-se inôcentemente aà tarde depôô s
de terem feitô pela manhaã suas festas de Nôssa Senhôra dô Rôsaé riô, de Saã ô Beneditô e
dô ôragô da capela dô engenhô, sem gastô dôs escravôs, acudindô ô senhôr côm sua
liberalidade aôs juíézes e dandô-lhes algum preô miô dô seu côntinuadô trabalhô. Pôrque

Vôzes e Paulinas, 1983, p. 234.


20
COE, Agôstinhô Jué niôr Hôlanda. As irmandades religiôsas em Saã ô Luíés dô Maranhaã ô e sua missaã ô
salvaciônista. Revista de estudos de história e estudos culturais. Vôl.4. Anô.4. n.3. Jul/Agô/Set. 2007.
Dispôníével em: http://www.revistafenix.prô.br/ index. php. Acessadô 04/05/2014, p.2.
21
ALMEIDA, Fôrtunatô. História da Igreja em Portugal. Tômô I. Côimbra, 1917-1924, p. 316.
22
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Cristianismôs amazôô nicôs e liberdade religiôsa: uma abôrdagem histôé ricô-
antrôpôlôé gica. Em: Antropolítica. N.9. 2º Sem. Niterôé i: Eduff, 2000, p.78.
23
BEOZZO, Jôseé Oscar. Histôé ria da Igreja nô Brasil. Em: BEOZZO, Jôseé Oscar (Org.). Curso de Verão. Anô II.
Côleçaã ô Teôlôgia Pôpular. Saã ô Paulô: Editôra Paulinas, 1989, p.128.
24
AZZI, Riôlandô, Lôc. Cit.
25
BEOZZO, Jôseé Oscar. Op. Cit, p.143.
26
AZZI, Riôlandô, Lôc. Cit..
27
Id. Ibid.
47

se ôs juíézes e juíézas da festa hôuverem de gastar dô seu, seraé causa de muitôs


incônvenientes e ôfensas a Deus, pôr serem pôucôs ôs que ô pôdem licitamente
ajuntar.28

Uma engenharia sôcial era prôpôsta nôs termôs de que a religiaã ô prôduzisse ô
alíéviô aà s massas subjugadas. Esta era uma visaã ô de “côntrôle sôé ciô-ideôlôé gicô”. 29 Os
escravôs haé muitô se envôlveram nas devôçôã es beneditinas. Saã ô Beneditô, que môrrera
em 1569, O taumaturgô entrôu na tradiçaã ô cômô prôtetôr dôs negrôs, ainda que seu
cultô tenha permanecidô marginalizadô ateé 1743, 30 mas que haé muitô lhe era permitidô
nô Brasil. O Papa Bentô XV autôrizôu ô cultô a Saã ô Beneditô antes mesmô de côncluir ô
prôcessô de canônizaçaã ô.31 O cultô jaé havia se instaladô de fôrma intensa em diversôs
lôcais dô Brasil desde 1680.32
Algumas perguntas merecem ser respôndidas: quem eram estes escravôs
menciônadôs na narrativa fundadôra das festividades beneditinas de Bragança? De ônde
vieram? Quandô chegaram? Eis dadôs ainda difíéceis de checar. Vicente Salles haé muitô
anôs jaé havia ditô: “Ainda naã ô fôi levantada a estatíéstica dô traé ficô de peças da AÉ frica para
ô Paraé ... naã ô côntam côm elementôs bastante segurôs”. 33 E a remata: “Qual a prôcedeô ncia
dô negrô africanô? Esta eé uma indagaçaã ô de respôsta imprecisa”. 34 O que eé sabidô de
lônga data eé ô Andreé Jôaã ô Antônil infôrma em termôs de Brasil:
OS ESCRAVOS saã ô as maã ôs e ôs peé s dô senhôr dô engenhô, pôrque sem eles nô Brasil
naã ô eé pôssíével fazer, cônservar e aumentar fazenda, nem ter engenhô côrrente. E dô
môdô cômô se haé côm eles, depende teô -lôs bôns ôu maus para ô serviçô. Pôr issô, eé
necessaé riô cômprar cada anô algumas peças e reparti-las pelôs partidôs, rôças,
serrarias e barcas. E pôrque cômumente saã ô de naçôã es diversas, e uns mais bôçais que
ôutrôs e de fôrças muitô diferentes, se haé de fazer a repartiçaã ô côm reparô e escôlha, e
naã ô aà s cegas. Os que veô m para ô Brasil saã ô ardas, minas, côngôs, de Saã ô Tômeé , de
Angôla, de Cabô Verde e alguns de Môçambique, que veô m nas naus das IÉndias. Os ardas
e ôs minas saã ô rôbustôs. Os de Cabô Verde e de Saã ô Tômeé saã ô mais fracôs. Os de
Angôla, criadôs em Luanda, saã ô mais capazes de aprender ôfíéciôs mecaô nicôs que ôs
das ôutras partes jaé nômeadas. Entre ôs côngôs, haé tambeé m alguns bastantes
industriôsôs e bôns naã ô sômente para ô serviçô da cana, mas para as ôficinas e para ô
meneiô da casa. 35

Antônil em seu manual dô agricultôr fez uma radiôgrafia das aptidôã es a partir das
prôcedeô ncias dôs escravôs que chegaram aô Brasil que pôderaé servir de base para um
futurô enquadramentô destes grupôs eé tnicôs. Tambeé m côm a ajuda de Jôseph C. Miller ô
quadrô pôde ser ainda mais refinandô. Miller traça um impôrtante estudô dôs centrô-
africanôs escravizadôs nas Ameé ricas:

Data/Período Porto na África Traficantes Destino(s)


28
ANTONIL, Andreé Jôaã ô. Cultura e ôpuleô ncia dô Brasil. 3. ed. Belô Hôrizônte: Itatiaia/Edusp, 1982.
Bibliôteca virtual dô Estudante de Líéngua Pôrtuguesa. Dispôníével em: http://www.culturatura.côm.br/
ôbras/Cultura%20e%20ôpul%C3%AAncia %20dô %20Brasil.pdf, p.33.
29
SOUZA, Laura de Mellô e. O diabo e Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiôsidade pôpular na Brasil
Côlôô nia. Saã ô Paulô: Cômpanhia das Letras, 1986, p.93.
30
ANTONIL, Andreé Jôaã ô. Lôc. Cit.
31
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Op. Cit, p.52.
32
Id. Ibid, p.52, n.42.
33
SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. 3ª ediçaã ô revista e ampliada. Beleé m: IAP;
Prôgrama Raíézes, 2005, p.50.
34
Id. Ibid. p.81.
35
ANTONIL, Andreé Jôaã ô. Op. Cit, p.31.
48

Central na América
1500-1520 Fôz dô Zaire Pôrtugueô s Côsta dô Ourô
(Mpinda/Sôyô) Saã ô Tômeé
1521-1575 Fôz dô Zaire Pôrtugueô s Lisbôa, Sevilha
(côlôô nias
Espanhôlas)
Cuanza Tômista Brasil
(clandestinôs) Saã ô Tômeé
1576-1640 Luanda Pôrtugueô s Ameé rica espanhôla,
Pernambucô, Bahia
1641-1648 Luanda Hôlandeses Pernambucô, Bahia
1650-1700 Luanda Pernambucanôs Nôrdeste dô Brasil
Benguela Fluminenses Sudeste dô Brasil
1670-1780 Côsta dô Lôangô Hôlandeses Suriname
(“Angôla” e Lôangô)
1670-1790 Côsta dô Lôangô Franceses Caribe
(“Angôla, Cabinda, (Santô Dômigô)
Lôangô)
1670-1807 Côsta dô Lôangô Ingleses Caribe
(“Angôla”, ôutrôs (Jamaica Tambeé m
pôrtôs – Lôangô) Ameé rica dô Nôrte)
1713-1739 ----- Ingleses Tambeé m para as
côlôô nias na prôé pria
Espanha
1701-1760 Luanda Pôrtugueô s Minas Gerais
(Riô de Janeirô)
1701-1810 Luanda Fluminenses Riô de Janeirô
Minas Gerais
Benguela Fluminenses (tambeé m Riô da
Prata)
1755-1765 Luanda Pôrtugueô s Nôrdeste dô Brasil
1811-1830 Luanda Fluminenses Sudeste dô Brasil
Pernambucanôs Nôrdeste dô Brasil
Benguela Fluminenses Sudeste dô Brasil
Côngô/Cabinda Fluminenses Sudeste dô Brasil
Malimbô/Lôangô Baianôs Nôrdeste dô Brasil
e Pernambucanôs
1831-1851 Côngô/Cabinda Fluminenses Sudeste dô Brasil
Pernambucanôs Nôrdeste dô Brasil
(Ainda Baianôs)
Ambriz Fluminenses Sudeste dô Brasil
Benguela Fluminenses Sudeste dô Brasil
1831-1867 Côngô/ Nôrte Americanôs Cuba
Cabinda Espanhôé is
49

O quadrô acima36 pôde ajudar a estabelecer a prôcedeô ncia dôs côntingentes de


escravôs na regiaã ô. Mesmô dentrô de uma visaã ô macrô, ainda sim eé pôssíével de alguma
fôrma e côm certa aprôximaçaã ô verificar as levas dôs grupôs dôs escravizadôs enviadôs.
Estes que chegaram aô Paraé eram de etnias diferentes, falavam diversas líénguas,
ôriundô de regiôã es que ôs tôrnavam figuras impôrtante relativôs aô manejô da terra. E
estas côndiçôã es que ôs fazia requisitadôs aqui. A pôlíética de desenvôlvimentô agríécôla da
regiaã ô estava aé vida pôr maã ô de ôbra. 37 Vicente Salles menciôna cincô tipôs de regimes
para a implantaçaã ô escravagista nô Paraé : “a) assentô ôu alistamentô cômpulsôé riô; b)
estancô ôu estanque; c) iniciativa particular; d) côntrabandô; e ô e) cômeé rciô internô”. 38
Inicialmente tidôs cômô carôs, ôs africanôs saã ô preteridôs pelôs escravôs gentiôs. 39
Tôdavia, ôs jesuíétas tiveram participaçaã ô ativamente da mudança deste quadrô, quandô
membrôs da cômpanhia ôs teriam “cômpradô côm dinheirô da missaã ô” e dividindô-ôs
entre religiôsôs dô Maranhaã ô e dô Paraé . 40 Jôaã ô Filipe Betendôrff infôrmôu tambeé m que
as febres das bexigas (varíéôla e ôutras dôenças trôpicais) dizimaram as pôpulaçôã es dô
Maranhaã ô e dô Paraé entre ôs africanôs, íéndiôs e môradôres, prôvôcandô baixa na maã ô de
ôbra.41 As infôrmaçôã es dispôníéveis môstram quaã ô seria fôi a situaçaã ô:
O fatô eé que, da capitania dô Maranhaã ô, as bexigas se espalharam para as capitanias de
Tapuitapera, Caeteé , Paraé e Cametaé . De acôrdô côm Jôseé Ribeirô dô Amaral a dôença
teria duradô cincô meses. Na capitania dô Maranhaã ô, a epidemia fôra ainda agravada
pela fôme, causada pela seca e pelôs ataques dôs ‘íéndiôs dô côrsô’ aôs môradôres dôs
riôs Mearim e Itapecuru. Em 1696, ô Cônselhô Ultramarinô relatava aô rei a grande
môrtandade causada pelas bexigas, que haviam matadô ‘naã ô sôé aôs íéndiôs dô sertaã ô,
mas tambeé m aôs môradôres daquelas cônquistas, e aôs escravôs que ali estaã ô aô
serviçô de seus engenhôs e a cultura das suas terras’. Nô mesmô anô, ô gôvernadôr
Antôô niô de Albuquerque Côelhô de Carvalhô escrevia alertandô que as aldeias tinham
ficadô ‘quase despôvôadas côm as bexigas’. Em 1697, ô Cônselhô Ultramarinô insistia
na amplitude da devastaçaã ô, ‘cujô estragô naã ô sôé cômpreendera as pôvôaçôã es,
môrrendô muitôs de seus môradôres e escravôs, mas ainda chegara aôs sertôã es,
perecendô muita quantidade de íéndiôs’. Nô final dô seé culô XVII, ô prôcuradôr dô
Estadô dô Maranhaã ô côncluíéa que ô ‘côntaé giô das bexigas’ teria levadô ‘entre cativôs e
fôrrôs ô melhôr de cincô mil’.42

36
MILLER, Jôseph C. AÉ frica Central durante a era dô cômeé rciô de escravizadôs, de 1490 a 1850. Em:
HEYWOOD, Linda M. (Org.). Diáspora negra no Brasil. CASTRO, Ingrid; CASSON, Thais C; BENEDITO, Vera
Lué cia (Trad.). Saã ô Paulô: Côntextô, 2009, p.47-48. O quadrô acima fôi enriquecidô côm infôrmaçôã es
ôbtidas nas p. 31-32. Nô quadrô môstra uma aparente redundaô ncia fazendô cônstar remessas de escravôs
tantô de Angôla cômô de Luanda. EÉ precisô ter em mente que ô quadrô remete a prôcessôs côlônizadôres
diferentes. Os eurôpeus dô Nôrte chamavam ôs escravizadôs da regiaã ô de Cabô Lôpes de “angôlas”. Angôla
era a designaçaã ô utilizada para se referir aquela regiaã ô central da AÉ frica pelôs hôlandeses, franceses e
ingleses. Os pôrtugueses chamavam ô Reinô de Angôla aà regiaã ô ngola kiluanje prôé ximô aô riô Cuanza, cujô
pôrtô principal era Luanda, (p.38-42). Tambeé m desde 1520 Saã ô Tômeé fôi cônquistadô pôr mani Côngô,
reinô cristaã ô côirmaã ô de Pôrtugal.
37
PALHA, Barbara da Fônseca. Op. Cit. p.27.
38
SALLES, Vicente. Lôc. Cit.
39
Id. Ibid, p.35-36.
40
BETTENDORF, Jôaã ô Felipe. Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão,
Riô de Janeirô, IHGB/Imprensa Naciônal, 1910, p.329.
41
Id. Ibid, p.578.
42
BETTENDORF, Jôaã ô Felipe, ôp. cit., p.585-9; ALDEN, Dauril & MILLER, Jôseph. “Out ôf Africa: the slave
trade and the transmissiôn ôf smallpôx tô Brazil”. Cambridge (MA): Journal of Interdisciplinary History,
v.18, n.2 (Autumn 1987), p.200-4 e 218-9; CURTIN, Philip. “Epidemiôlôgy and the slave trade”. New Yôrk:
Political Science Quarterly, v.83, n.2 (June 1968), p.193. Sôbre traé ficô negreirô e dôenças, ver ainda:
ASSIS,Marcelô Ferreira de. Tráfico atlântico, impacto microbiano e mortalidade escrava, Rio de Janeiro, c.
1790-c. 1830. Riô de Janeirô: Dissertaçaã ô de Mestradô (Histôé ria Sôcial), Universidade Federal dô Riô de
Janeirô, 2002; Sôbre as fôrmas de resisteô ncia dôs íéndiôs americanôs aà s epidemias, ver: KELTON, Paul.
50

A epidemia tambeé m se manifestôu nôs anôs de 1702, 1723, 1724, 1727, 1729,
1730, 1732, 1737, 1741, 1744, 1761, 1768, 1775, 1780, 1784, 1790 e 1798. 43 A dôença
acelerôu a escalada da busca de escravôs na regiaã ô desde ô seé culô XVII. 44 EÉ neste
côntextô que ô Graã ô-Paraé passôu a demandar muitô mais maã ô de ôbra que ô seé culô
anteriôr. Maã ô de ôbra para a lavôura e a rôça.
Aleé m distô, ô Prôjetô Pômbalinô de regeneraçaã ô pôrtuguesa naã ô deu certô. As
refôrmas de Sebastiaã ô Jôseé de Carvalhô e Melô, Marqueô s de Pômbal que visavam um
reôrdenamentô e reôrganizaçaã ô da ecônômia, da cultura e da educaçaã ô nô reinô
pôrtugueô s naã ô surtiu ô efeitô esperadô. 45 Naã ô se cônseguiu cônstruir efetivamente a
cultura dô “íéndiô-côlônô” e dô “íéndiô-cidadaã ô”, mesmô côm as medidas tômadas cômô ô
afastamentô dôs jesuíétas, a aprôximaçaã ô dôs côlônôs brancôs aà s pôvôaçôã es indíégenas,
atraveé s de sua laicizaçaã ô.46
IÉndiôs alfôrriadôs, negrôs escravôs, brancôs pôbres, mestiçôs chamadôs
genericamente de “pretôs” preferiam participar das estrateé gias de resisteô ncia dôs
môcambôs,47que côm mais de um seé culô de tentativas naã ô fôram tôtalmente destruíédôs.
Edna Castrô apresenta uma dôcumentaçaã ô que ajuda perceber estes fatôs:
FONTE: APEP, côé dice 849 (atual) Côrrespôndeô ncia de diversôs côm ô gôvernô.
Assuntô: Trôpa para ajudar a bater ôs môcambôs e servir de guarda tambeé m.

Cônteué dô: Côrrespôndeô ncia de Dômingôs Cazemirô Pereira Luna, Capitaã ô e


Cômandande da Vila de Ourem e seus districtôs aô Senhôr Franciscô Seqr e Mônterrôsô e
Mellô da Silva e Vaslôs, Majôr Cômandante militar da Vila de Bragança. Tentugal, 14 de
maiô de 1829.
Infôrmandô que desembarcôu na vila e pôr causa dô riô estar sujô, a trôpa que
traz ôs mantimentôs vai demôrar e sôlicita que se fôrme a trôpa côm trinta praças “naã ô
sôé para côadjuvar a expediçaã ô, que façô marchar a arrasar os mocambos, cômô
tambeé m para ficarem de guarniçaã ô na Villa (...) as ditas praças devem trazer suas
clavinas”, pôis naã ô tem mais armamentô.48 (negritô meu)

“Avôiding the smallpôx spirits: côlônial epidemics and sôutheastern Indian survival”. Etnohistory, Durham,
v.51, n.1, 2004, p.45-71; AMARAL, Jôseé Ribeirô dô. Ephemerides maranhenses. Datas e factôs mais nôtaveis
da histôria dô Maranhaã ô. Saã ô Luíés: Typôgravura Teixeira, s.d., p.37; AHU,Maranhaã ô (Avulsôs), cx. 9, dôc.
925 (1696); a carta de Antôô niô de Albuquerque Côelhô de Carvalhô estaé incluíéda em AHU, Maranhaã ô
(Avulsôs), cx. 9, dôc. 928 (1696); AHU, côé d. 274 (Cônsultas dô Maranhaã ô), f.114v (1697); a petiçaã ô dô
prôcuradôr dô Maranhaã ô estaé incluíéda em AHU, Maranhaã ô (Avulsôs), cx.9, dôc. 981 (1699). Tôdas
infôrmaçôã es acima tambeé m encôntrada em: CHAMBOULEYRON, Rafael. Escravôs dô Atlaô nticô
equatôrial: traé ficô negreirô para ô Estadô dô Maranhaã ô e Paraé (seé culô XVII e iníéciô dô seé culô XVIII).
Revista Brasileira Historia. [ônline]. vôl.26, n.52. 2006, p.5.n.6.
43
CAMARGO, Luis Sôares de. As “bexigas” e a intrôduçaã ô da vacina antivariôé lica em Saã ô Paulô. Revista
eletrônica do arquivo do Estado. Saã ô Paulô, 2007. Dispôníével em: http://www.histôrica.
arquivôestadô.sp.gôv.br/materias/anteriôres/edicaô28/materia03/. Acessadô em 28/05/2014.
44
SALLES, Vicente. Op. Cit, p.43.
45
ALVES JUNIOR, Jôseé de Sôuza. O prôjetô pômbalinô para Amazôô nia e a “Dôutrina dô IÉndiô-cidadaã ô”. Em:
ALVES FILHO, Armandô; ALVES JUNIOR, Jôseé ; NETO, Jôseé Maia. Ponto de histórias da Amazônia. Vôl.1.
Beleé m: Paka-Tatu, 2001, p.35-36.
46
Id. Ibid, p.41.
47
Id. Ibid, p.44.
48
CASTRO, Edna. Registrô de fuga de escravôs e de Quilômbôs. Em: CASTRO, Edna (Org). Escravos e
senhores de Bragança (Dôcumentôs histôé ricôs dô Seé culô XIX, Regiaã ô bragantina, Paraé ). Beleé m: NAEA, 2006,
p.207.
51

A mim me parece que fica faé cil supôr que aô menôs em Bragança, ôs môcambôs ateé
ôs idôs da independeô ncia fôram tratadôs cômô fônte de grandes preôcupaçôã es, gerandô
grande baixa de maã ô de ôbra na regiaã ô.
Em 20 de marçô de 1777, ôs môradôres da Vila de Bragança jaé haviam pedidô um
carregamentô de escravôs atraveé s de seu Juiz Ordinaé riô. 49 Anaíéza Vergôlinô-Henry e
Arthur Napôleaã ô Figueiredô nôticiaram que treô s meses depôis ôs môradôres de
Bragança receberam a infôrmaçaã ô de iriam receber um carregamentô vindô de Bissau
transpôrtadôs ateé Oureé m.50 O dôcumentô ôficial dizia na integra:
Nô 600
Anô de 1776/1777 – Reinadô de D. Jôseé I
Dôc 402: Pa ôs Offes dô Senado da Camera da Villa de Bragança. Cômô antes
davinda dô Naviô de Angôé la, que sôé esperô para ô fim dô prezente annô ôu para ô
principiô dô prôé ximô fucturô, sucedéo chegar ontem aeste Porto huma curvêtta de
excellenteEscravatura, vinda de Bissau, côm muitô gôstô jaé tenhô ôrdenadô
deseseparar para esses môradsôres tôdô ô maiôr nué merô deEscravôs, que fôr pôssivel
pôr cônta daRam q VMces ultimamente me remeteraã ô; eainda assim hiraôã atempô,
paraseempregarem nôs rôçadôsm q sehôuverem defazer aô fim dô côrr e annô
verficandô eu desta fôrma aô cumprimentô da minha palavra, em beneficiô dôs
sôbreditôs habitantes; dôs quaeé s sôé dezelô ôagradecimentô deadiantarem asua
prôpria felicidade, pôrmeiô dehuma grande aplicaçaã ô esrecômendades Lavôuras. Para
menos risco dos referidos Escrávos devididos emduas canoas osfarei logo
transportar até a Va de Ourém; eali ôsmandaraôã VMces, receber pôr pessôas capazes
deôscônduzirem aôs môradôres para q fôrem destinadôs, fazendô-lhe ter prômptô ô
mantimentô precizô aôseu sustentô; etendô para istô entendidô, que seha de fazer
tôda diligeô ncia pôrque secômplecte tôdô ônumerô dôssessenta etantôs, sepediô,
ôupelô menôs ômaiôr aq sepôde chegar, cômô jaé deixô expressadô. Pellô tempô
adiante sepôderaé augmentar hum maiôr sôcôrrô deste impôrtante fôrcencimentô.
Deôs Ge. VMes. Paraé , 21 de junhô de 1777 = Jôaôã Pereira Caldas.51 (negritôs meus)

Os môradôres de Bragança dentrô dô côntextô de escassez de maã ô de ôbra pediram


uma nôva partida de escravôs. Acôstumadôs aôs escravôs que vinham da Angôla,
receberam tambeé m um carregamentô de escravô vindô de Bissau que saã ô tidôs cômô
excelentes. O que parece-me dignô de nôta eé que a côrveta de Bissau chegar nô íénterim
da chegada de naviôs vindôs de Angôla: “Cômô antes da vinda dô Naviô de Angôé la, que
sôé esperô para ô fim dô prezente annô ôu para ô principiô dô prôé ximô fucturô”,
sugerindô que a chegada de escravô de Bissau tratôu-se de uma excepciônalidade. Tantô
que nô infôrme saã ô menciônadas a chegada ôutras remessas vinda da regiaã ô central da
AÉ frica.
Anaíéza Vergôlinô e Napôleaã ô Figueiredô cônfirmam este môvimentô na medida em
que infôrmam que a côrôa pôrtuguesa ôferecem “indultô de perdaã ô dôs direitôs
côncedidôs aôs que levarem escravizadôs dôs pôrtô de Angôla aô Graã ô Paraé ”. 52 Istô ficôu-
me particularmente clarô quandô apresentam:

Nô 683
Anô 1797/1798
Dôc 42 Circular para ô Riô de Janeirô, Bahia e Pernambucô. Ill mô eExmô Sôr Tendô
sua Magestade em vista augmentar a Pôpulaçaôã , e côm Ella a Cultura Trabalhôs e

49
VERGOLINO-HENRY, Anaíéza; FIGUEIREDO, Arthur Napôleaã ô. N. A Presença Africana na Amazônia
Colonial: uma nôtíécia histôé rica. Beleé m: Arquivô Pué blicô dô Estadô dô Paraé , 1990, p. 40.
50
Id. Ibid, p.41.
51
Id. Ibid, p.179-180.
52
Id. Ibid, p.41.
52

Industria da Capitania dô Paraô , ô ne he jaé mui sensíével a falta de braçôs: Manda a


Mesma Senhôra recômmendar muitô a VEx a que prômôva e anime a sahida de
Escravôs bôns, rôbustôs, e amantes dô trabalhô para ô Estadô dô Paraô : E Querendô
sua Magestade facilitar de tôdôs ôs môdôs pôssíéveis esta ultilissima Dispôsiçaã ô: Há
por bem de permitir que sejaõ livres de direitos de Entrada nessa Capitania
todos aquelles Escravos que a Ella forem, para haverem de ser re-exportados
para o Parâ. O que a Mesma Senhôr haé pôr muitô recômmendadô a VE xa Ds Ge a VExa
Palaé ciô de QueLuz em 16 d’Abril de 1798// D. Rôdrigô de Sôuza Côutinhô. 53 (negritôs
meus)

A pôlíética que a metrôé pôle desenvôlveu para ô aumentô da pôpulaçaã ô na regiaã ô fôi
adensar ôs mecanismôs de remessas de escravôs. Passôu-se a incentivar a “re-
expôrtaçaã ô” de escravôs dô Riô de Janeirô, Bahia e Pernambucô. Fôi ô que Baé rbara da
Fônseca Palha chamôu de “Môdalidades de Traé ficô”. 54 O traé ficô para ô Paraé havia se
tôrnadô bastante cômplexô que implicandô em triangulaçôã es, bilateralidades diretas ôu
indiretas.55 Tôdavia, Reinô Cristaã ô Côngô côntinuandô a enviar escravôs para ô Brasil em
cônsensô côm Pôrtugal, ôu naã ô.56 Expôrtôu maã ô de ôbra dentre ôs seus e de Luanda e de
demais pôvôs vizinhôs.57
Côm istô, a maiôria dôs escravizadôs ôriundôs dô Côngô, de Luanda e de Bissau, em
princíépiô chegaram aô Paraé e em Bragança catôlizadôs e dôminandô ô pôrtugueô s. Em
1872 segundô as infôrmaçôã es sôbre as cômarcas da Prôvíéncia dô Paraé , dadas pôr Manôel
Beana em Bragança ainda havia um tôtal de 556 escravôs. 58
Nô Relatôé riô dô Presidente da Prôvíéncia Jerôô nimô Franciscô Côelhô aà Assembleia
Legislativa em 1848 eé encôntra a infôrmaçaã ô de que em Bragança a pôpulaçaã ô escrava
estava divida em adultôs e menôres. Entre ôs adultôs havia 180 hômens e 196 mulheres.
Jaé entre menôres havia 146 hômens e 152 mulheres.59
Bragança Tambeé m cômeçôu a vivenciar ôs prôblemas dôs nué cleôs côlôniais que
cônviviam tacitamente côm ô côntrabandô de escravôs vindô da AÉ frica prôé ximô aô pôrtô
Turiaçu.60 Segundô Vicente Salles fôram “guardadôs ô traçôs culturais das interaçôã es
entre íéndiôs e negrôs nôs côntextôs quilômbôlas da regiaã ô, 61 acôntecimentôs jaé
menciônadôs aqui. A pôntô de Edna Castrô cômentar um registrô de uma rôta de
escravôs vindô dô Maranhaã ô pelô Gurupi, menciônadô-a cômô lugar de fuga:
Martinhô de Sôuza Albuquerque escreve aô Diretôr de Saã ô Franciscô Xavier de
Turiaçu, Paraé em 04 de dezembrô de 1787, sôbre escravôs negrôs fugidôs, ôrdenandô
a apreensaã ô de seis dô Capitaã ô Ambrôziô Henrique, ‘pôis haé tôda prôbabilidade que
esta gente tômasse ô caminhô dô Maranhaã ô e se quisesse refugiar naquela capitania. 62

53
Id. Ibid, p.210.
54
PALHA, Barbara da Fônseca. Escravidão em Belém: Mercadô de trabalhô e Liberdade (1810-1850). 162f.
(Dissertaçaã ô de Mestradô em Histôé ria Sôcial da Amazôô nia – PPGHSA – Institutô de Filôsôfia e Cieô ncias
Humanas da Universidade Federal dô Paraé – UFPA). 2011, p.32.
55
Id. Ibid.
56
VANSINA, J. O Reinô dô Côngô e seus vizinhôs: a partir de uma côntribuiçaô de T. Obenga.Em: OGOT,
Bethwell Allan. (Orgs.). História geral da África. AÉ frica dô seé culô XVI a XVIII. Vôl. 5. Saã ô Paulô: AÉ tica/
Paris: UNESCO, 2010, p. 647-694.
57
Estas infôrmaçôã es pôderaã ô ser verificadas nô apeô ndice 4: A prôcedeô ncia dôs escravizadôs e sua geô nese
religiôsa. Paé ginas 74-87.
58
SALLES, Vicente. Op. Cit, p. 102.
59
Id. Ibid, p.132.
60
Id. Presença dô negrô em Bragança. Em: CASTRO, Edna (Org). Op. cit, p.7
61
Id. Ibid.
62
CASTRO, Edna. Ibid, p.21.
53

Micrôrregiaã ô bragantina assim, tôrnôu-se um arquivô cultural de môvimentaçaã ô de


escravôs que chegaram, africanôs ficaram e tambeé m daqueles fugiam. O resultadô distô eé
que côm ô passar dô tempô, perece-me certô supôr que ô nué merô de escravôs em
Bragança ôscilava cônstantemente.
Nô relatôé riô dô Gôvernadôr Sebastiaã ô Regô de Barrôs aà Assembleia Legislativa em
1856 ôs dadôs se tôrnam mais cômplexôs: a) entre ôs negrôs livres tem-se: i) 185
hômens, ii) 183 mulheres, e iii) 135 menôres; b) entre negrôs escravôs saã ô encôntradôs:
i) 135 hômens, ii) nenhuma mulher, e iii) 190 menôres; c) entre ôs pardôs livres sabe-se
de: i) 250 hômens, ii) 248 mulheres, e iii) 520 menôres; e pôr ué ltimô: d) sôbre ôs pardôs
escravôs: i) 122 hômens, ii) nenhuma mulher, e iii) 180 menôres.63
Particularmente nô anô de 1876 vaé rias fôram as cartas de alfôrria côncedidas na
Cidade de Bragança que pôdem ser citadas a tíétulô refereô ncia as cartas: a) de Maria dôs
Reis aà Julia Maxima; b) de Jôseé Narcisô da Côsta a Anna, Paulina, Theresa, Maria e
Lusana; c) de Raymundô da Trindade Martinhô aà Felíécia. Cômô tambeé m carta de alfôrria
de: a) de Francisca Maria dôs Reis a Justinô Franciscô de Jesus, Luiz Paulinô dô Rôsaé riô e
Jôseé Ambrôé ziô de Jesus; b) de Maria dôs Reis a Pedrô dô Nascimentô; c) de Cezaria Maria
Thereza Gômes e Felippe.64
Tôdavia, nô recenseamentô de 1950 referente aà pôpulaçaã ô amazôô nica dô Estadô dô
Paraé ôs nué merôs pôpulaciônais de Bragança môstram um declíéniô de negrôs acentuadô.
De um tôtal de 57.888: a) 3958 saã ô brancôs; b) 1813 saã ô negrôs; c) 52069 saã ô pardôs. 65
Estes grupôs pôderiam fazer parte dôs antigôs escravôs e seus descendentes que
estavam em Bragança, quandô em 1790 viviam em tapyris na cidade, e que entre agôstô
e dezembrô trabalhavam nô plantiô e nôs rôçadôs nas fazendas da regiaã ô. 66 E cômeçava ô
períéôdô das primeiras chuvas dô invernô estes escravôs aguardavam a estiagem. 67
Esta chuvas se davam de fôrma mais intensa nô meô s de dezembrô, quandô Cesar
Pereira afirma que ôs escravôs de Bragança permaneciam na cidade, entre ôs dias 10 a
27 de dezembrô.68 Exatamente nestes dias, entre 18 a 26 de dezembrô de 1798 ôcôrriam
as festividades de Saã ô Beneditô na Cidade de Bragança e na Vila de Quatipuru. 69
Nôs primeirôs anôs aô ladô da Igreja Matriz, cônstruíéam uma capela de palhas
ônde acônteciam as celebraçôã es em cantôchaã ô e ladainhas. 70 A irmandade de Saã ô
Beneditô surge neste côntextô, côm a permissaã ô dôs senhôres e das autôridades da vila
de Bragança.
Per nôs apprôvamôs a (...) nesta Villa de Bragança (...) daquella Chancellaria (...)
Aôs vinte e seis dias dô mes de agôstô de mil sete centôs e nôventa e ôitô (...) leu ô (...)
Fernandes escrivaã ô que a subscrevi// Manôel Bispô dô Paraé // Esta côm a rubrica dô
Excelentissimô Reverendissimô Senhôr Bispô// Prôvisaã ô (...) que Vôssa Excelencia
Reverendisima (...) licença para a ereçaã ô da Irmandade de Saã ô Benedictô// Para Vôssa
Excelencia ver// A Chancellaria (...) digô trezentôs reis// Aô Sellô cem reis// Desta
Trezentôs reis// (...) centô e sesenta reis// Regt.ô (Regimentô) Oitenta reis// E (...)
setenta mais medida prôvisaã ô que aqui lançô de Vôs e de tôdô bem desprôpriei que me
fôi entregue pelôs supplicantes a que (...) tôdô ô defendô. E verdade (...)

63
Id. O negro no Pará sob o regime da escravidão... p.134.
64
CASTRO, Edna. Op. Cit. pasin, p.41-47.
65
Id. Ibid, p.135.
66
PEREIRA, Cesar. Op. Cit, p.79.
67
Id. Ibid.
68
Id. Ibid.
69
SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense. Textôs reunidôs. Beleé m: Paka-Tatu, 2004,
p.31.
70
PEREIRA, Cesar. Lôc. Cit.
54

Bragança 3 de sept.mô (setembrô) de 1798.71

Nô dia 03 de setembrô de 1798 ô senhôr Dôm Franciscô de Sôuza Côutinhô fôi


infôrmadô da intençaã ô dôs escravôs da vila de Bragança de ôrganizarem a Irmandade dô
Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança. Côm um parecer favôraé vel, fôi encaminha a sué plica
de que a licença fôsse dada, apôé s ter passadô pôr diversôs traô mites desde 26 de agôstô
de 1798. O cômprômissô eé apenas cônstituíédô de um preaô mbulô, seguidô de um parecer,
uma manifestaçaã ô de aguardô. Os requerentes teriam dôis meses para a elabôraçaã ô de
um estatutô que deveria se encaminhadô as instaô ncias de aprôvaçaã ô a serviçô dô rei.
Dôm Manuel de Almeida Carvalhô recebeu ô cômprômissô e ô aprôvôu em 27 de janeirô
de 1799. 72
O preaô mbulô dô Primeiro Compromisso da Irmandade do Glorioso São Benedito de
Bragança cônfirma ô que jaé sabia: as estruturas sôciais prôduzem cônfôrmidades
discursivas que naã ô se cônsegue evitar. Assim ô primeirô cômprômissô da irmandade eé
uma testemunha dô sistema dô Padrôadô implantadô nô Brasil. 73 Desta maneira seria
faé cil verificar que ô eventô dô surgimentô da irmandade e dô cultô de Saã ô Beneditô em
Bragança eé uma côntingeô ncia dentrô de um padraã ô cultural. 74 Ruth Benedict que dizia
que:

O que acônteceu nôs grandes estilôs artíésticôs acôntece tambeé m nas culturas
cômô um tôdô. A variedade de cômpôrtamentôs que visam ganhar a vida, acasalar-se,
guerrear e adôrar ôs deuses transfôrma-se em padrôã es côerentes de acôrdô côm
caô nônes incônscientes de escôlha que se desenvôlvem na cultura. 75

Naã ô haé a necessidade dô amparô na teôria de cultura e persônalidade 76, ô que aqui
eé de suma impôrtaô ncia eé verificar que as culturas teô m padrôã es, que aà s vezes parece que
mesmô quandô fatôs escapam aôs padrôã es, estes se daã ô na fôrma de côntingeô ncias. O
surgimentô da irmandade eé acômpanhadô de um aparatô juríédicô reveladôr das
estruturas sôciais da côlôô nia pôrtuguesa.
O gôvernadôr dô Estadô dô Paraé recebe a infôrmaçaã ô da intençaã ô dôs escravôs. Istô
vem acômpanhadô de uma “prôvisaã ô” aô Bispô Diôcesanô. O preaô mbulô tambeé m fala da
participaçaã ô dô bispô dô Graã ô-Paraé que tambeé m faz parte dô cônselhô dô Rei. Assim ô
pôder tempôral e ô espiritual tômam parte dô mesmô atô. O cômprômissô eé um
instrumentô de legalidade dentrô dô côntextô dô sistema em que bispô e rei saã ô
sanciônadôres da devôçaã ô beneditina.
Se ô Primeiro Compromisso da Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança fôr
cômparadô aô Prôeô miô dô Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rozario e
San Benedito dos homens Pretos do Rio de Janeiro de 1759 transcritô a partir de côé pia
depôsitada nô Arquivô Histôé ricô Ultramarinô de Lisbôa (AHU/CU, Côé dice 1950)
refôrmadô em 1760, eé percebidô que este tambeé m eé julgadô pelô Bispô Dôm Manôel de
Sôuza Almada, e sujeitô aà Prôteçaã ô e jurisdiçaã ô Eclesiaé sticas. 77
71
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Em 03 de setembro de 1798... Loc. Cit.
72
Id. Ibid.
73
Ver nôta 83-85.
74
Ver nô 86.
75
BENEDICT, Ruth. Padrões de cultura. Petrôé pôlis: Vôzes, 2013, p.43.
76
Para maiôr aprôfundamentô da questaã ô leia tambeé m: MEAD, Margareth. Sexo e temperamento. Debates:
Antrôpôlôgia n.5. Saã ô Paulô: Perspectiva, 2009.
77
COMPROMISSO DA IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROZARIO E SAN BENEDITO DOS HOMENS
PRETOS DO RIO DE JANEIRO. Côé dice 1950. Arquivô Histôé ricô Ultramarinô de Lisbôa – AHU/CU. Dispôníével
55

Os cômprômissôs de Irmandade de Saã ô Beneditô se cônfôrmariam aô padraã ô dô


Padrôadô Reé giô, naã ô representandô uma real inôvaçaã ô. Seria uma açaã ô sisteô mica que
deveria exercer a capacidade de côôrdenar as atividades dôs grupôs africanôs e seus
descendentes nô reinô e nas côlôô nias pôrtuguesas. Assim as irmandades deveriam se
estatuir dentrô dôs paraô metrôs da estrutura côlônial, mesmô que estas pudessem
nômear seus “reeys e ranhias”, cômô era ô casô da famôsa irmandade dô Riô de Janeirô.
78

De um môdô paradôxal, estas se môviam dentrô de uma lôé gica iluminista, as


irmandades se ôrganizaram dentrô de um “humanismô côntraditôé riô” 79 dô sistema
côlônial, Ou cômô Caiô Ceé sar Bôschi afirmôu: “O institutô dô Padrôadô nôrteôu tôda a
vida religiôsa das côlôô nias lusitanas”. 80 Sôbre as feiçôã es iluministas e as irmandade sôu
fôrçadô a me deter pôsteriôrmente sôbre a impôrtaô ncia de tais fatôs.
Segundô Dadival Brandaã ô da Silva mesmô quandô ô Cômprômissô da Irmandade
fôi refôrmadô em funçaã ô das exigeô ncias dô Brasil impeé riô em 1853, quandô artigôs dô
primeirô cômprômissô fôram cônsideradôs sem efeitôs, pôreé m a lôé gica dô Padrôadô
manteve-se intacta.81 Sômente depôis dô períéôdô pôé s-missiônaé riô côlônial eé que algumas
das amarras tôrnaram-se mais livres. Mark Harris côm base em Eduardô Galvaã ô e
Raymundô Heraldô Maueé s fala de uma:

Existe alguma côereô ncia na ideôlôgia que sustenta ô sistema ecônôô micô, uma
recôrreô ncia de padrôã es similares em diferentes côntextôs sôciais e instituiçôã es. EÉ
exatamente a descôberta da côereô ncia das crenças e praé ticas religiôsas que môtivôu
Galvaã ô (1955) e Maueé s (1995)”.82

Harris fundamenta-se ainda mais nô fatô de que a Igreja tentôu manter ô seu
côntrôle naã ô sômente ôs aspectôs dôutrinais da vida religiôsa cômô tambeé m ôutras
facetas da vida sôcial e cômunitaé ria. 83 Lembrandô dô que Maueé s chamaria de “desejô de
tôtalidade da igreja”.84 O que certamente se remete a visaã ô de Geertz quandô diz que a
religiaã ô:
(1)Um sistema simbôé licô que atua para (2) estabelecer pôderôsas, penetrantes e
duradôuras dispôsiçôã es e môtivaçôã es nôs hômens atraveé s da (3) fôrmulaçaã ô de
cônceitôs de uma ôrdem de existeô ncia geral e revestindô estas côncepçôã es de uma tal
aé urea de fatualidade (5) que as dispôsiçôã es e môtivaçôã es parecem singularmente
realistas.85

Nôrman K. Gôttwald fala da religiaã ô de Israel cômô uma ideôlôgia. Tôdavia eé


impôrtante lembrar que sua nôçaã ô de ideôlôgia Gôttwlad vem de Geertz:

em: http://www.uff.br/curias/sites/default/files/NOSSA%20SENHORA %20DO%20ROS%C3% 81RIO


%20E%20S%C3%83O%20BENEDITO.pdf. Acessadô em 04/05/2014, p.2.
78
Id. Ibi, p.3.
79
SILVA, Dedival Brandaã ô da. Op. Cit, p.26.
80
BOSCHI, Caiô Ceé sar. Os leigos e o poder. Irmandades leigas e pôlíética côlônizadôra em Minas Gerais. Saã ô
Paulô: AÉ tica, 1986, p.26.
81
SILVA, Dedival Brandaã ô da. Lôc. Cit.
82
HARRIS, Marck. Presença ambivalente. Em: VVAA. Sociedades caboclas Amazônicas. Identidade, histôé ria e
sôciedade. ?: ?, p.94.
83
Id. Ibid, p.95.
84
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas...pasin, p.59-85.
85
GEERTZ, Cliffôrd. Interpretação das culturas... p.104-105.
56

Alienar atacandô as instituiçôã es pôlíéticas estabelecidas; reclamar a pôsse cômpleta e


exclusiva da verdade pôlíética; abôminar ô diaé lôgô; ôbjetivar ôrdenar tôda vida sôcial e
cultural aà luz dôs seus ideais.86

Cliffôrd Geertz afirma que a religiaã ô desempenha um papel ideôlôé gicô e simbôé licô
dentrô de um sistema cultural. A religiaã ô busca exercer um papel tôtalitaé riô na vida de
uma sôciedade. Geertz diz que a religiaã ô atribuiu para si ô status de exclusividade, cômô
ué nicô prôpônente da verdade, e quer ôrdenar a vida sôcial de hômens e mulheres.
Para Geertz a religiaã ô estabelece dispôsiçôã es que redundam em uma ôrdem sôcial
perfeita. Côm istô, pôssô ver a similaridade côm Gôttwald aô cônsiderar as funçôã es que ô
cultô nô Antigô Israel exercia na vida sôcial: “açaã ô centralizadôra, fôcalizada e
ôrdenadôra”.87 O mesmô teria se dadô côm ôs cristianismôs amazôô nicôs. 88
EÉ impôrtante seja ôbservadô eé : se existe as côndiçôã es que levam a manutençaã ô da
ôrdem e a persisteô ncia das estruturas culturais, entaã ô cômô pôssô verificar a lenta e
cônstante marcha, e ô veiô de mudanças que ôcôrreram na realidade dô sistema côlônial
nô Brasil? Mark Harris citandô Heraldô Maueé s fala sôbre as “estruturas da
transfôrmaçaã ô” 89 que devem ser cônsideradas cômô camadas visôã es de mundô, tais côm
placa tectôô nicas que se môveriam sub-repticiamente. Assim eé que pude tentar da cônta
de reaçaã ô que a experieô ncia religiôsa pôpular pôde realizar nô côntextô dô Padrôadô e
cômô tive que levar em cônsidera nô que mais tarde se chamara de refôrma catôé lica.
Neste côntextô, cômô Turner passô ater dificuldades de identificar ô que eé
persisteô ncia e ô que eé transfôrmaçaã ô. 90 As irmandades nô ambiente dô Padrôadô tinham
ô germe da transfôrmaçaã ô. Istô quer dizer durante ô côntextô dô Padrôadô nô Brasil
pôucô incômôdôu. Mas quandô macrôestrutura pôlíética na Eurôpa cômeçôu a se
môdificar as irmandades cômeçaram a impôrtunar. Antes as palavras cômô as de Andreé
Antônil naã ô sôavam taã ô ruins, cômô apôé s aà Pômbalina e aà s revôluçôã es eurôpeé ias:
Naã ô lhes estranhem ôs senhôres ô criarem seus reis, cantar e bailar pôr algumas hôras
hônestamente em alguns dias dô anô (...), e ô alegrarem-se inôcentemente aà tarde
depôô s de terem feitô pela manhaã suas festas de Nôssa Senhôra dô Rôsaé riô, de Saã ô
Beneditô e dô ôragô da capela dô engenhô, sem gastô dôs escravôs. 91

Neste nôvô côntextô, estas palavras certamente seriam vistas cômô iluministas,
liberais e revôluciônaé rias. Mudanças teriam que ô côrrer nas irmandades cômô
prôfilaxia para ô grande mal que se avizinhava aô Brasil. Pôr istô teria sidô criadô 2º
Cômprômissô da Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança em de 1853. 92
Dedival Brandaã ô da Silva menciôna uma mudança neste nôvô cômprômissô:

86
GEERTZ, Cliffôrd. Apud GOTTWALD, Nôrman. Karôl. As tribos de Iahweh, uma sôciôlôgia da religiaã ô de
Israel libertô 1250- 1150 a.C. Saã ô Paulô: Paulinas, 1986, p.721-722, n.54.
87
GOTTWALD, Nôrman Karôl. Apud SANT’ANNA, Elciô. Representaçôã es de geô nerô refletidas e repercutidas
na ôbra histôriôgraé fica deuterônômista. Em: Incertezas. Revista dô prôgrama em cieô ncias da religiaã ô da
Faterj/Ibec, Riô de Janeirô: FATEBE/IBEC, 2006. p.33-56.
88
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Cristianismôs amazôô nicôs e liberdade religiôsa: uma abôrdagem histôé ricô-
antrôpôlôé gica. Em: Antropolítica. n.9. 2º Sem. Niterôé i: Eduff. 2000, p.78–81.
89
HARRIS, Marck. Lôc. Cit.
90
Ver nôta 93.
91
Ver nôta 108.
92
Segundô cônversas que tive côm ô Prôf. Daé riô Beneditô Rôdrigues Nônatô da Silva, deste dôcumentô sôé
se tem fragmentôs. Uma côé pia deste cômprômissô pôde estar côm algum dôs descendentes dôs líéderes da
Marujada. Ainda existem muitôs dôcumentôs sôbre a guarda de familiares em Bragança. Istô dificulta
muitô a pesquisa. Muitas pessôas que fôram testemunhas ôculares ainda estaã ô vivas.
57

Art. 1º - A Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô desta cidade seraé cômpôsta de pardôs
e pretôs de ambôs ôs sexôs.93

Brandaã ô da Silva lembra que na segunda metade dô seé culô XVIII jaé havia ôcôrridô ô
estíémulô aà miscigenaçaã ô na Amazôô nia, a pôntô de chamaé -la de sistemaé tica. 94 Côm passar
dô tempô ô nué merô de pardôs na Cidade de Bragança cresceu de fôrma expônencial. 95
Mas naã ô fôi sômente a mudança de perfil eé tnicô-racial que seria necessaé riô ôbservar, haé
prôblemas de ôrdem sôciôrreligiôsa que precisaraã ô ser côlôcadôs em tela para um
melhôr esclarecimentô.
Para que eu pôssa cônsiderar algumas destas alteraçôã es que se deram na trajetôé ria
da Irmandade eé precisô avançar mais nô terrenô de sua histôé ria para que ôutras
questôã es sejam vistô mais claramente. Pôr istô, dirigi-me a um ôutrô marcô juríédicô que
daraé maiôr clareza a esta caminhada.

O PRIMEIRO ESTATUTO DA SOCIEDADE CIVIL IRMANDADE DO GLORIOSO SÃO


BENEDITO DE BRAGANÇA:
Côm ô côntextô da passagem dô Primeirô impeé riô para Segundô ôs pilares de
algumas instituiçôã es cômeçam a ficar abaladôs. Os valôres que a se supunham estarem
bem firmadôs cômeçam a vacilar côm a chegada da ideias iluministas, abraçadas pelôs
grupôs que fôram assumindô a cena pôlíética nô Brasil e nô côntextô lôcal (Bragança).

Capíétulô I
Da irmandade e seus fins

Art 1º. A Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança, fundada em 1798, pôr
iniciativa dôs escravôs da antiga Vila de Bragança, cônfôrme ô seu primeirô “COMPROMISSO”
fundadô em 03 de setembrô daquele mesmô anô, que a te hôje existe, apôé s a guarda dô
Prôcuradôr da Irmandade, tendô sidô reôrganizada em 10 de maiô de 1853, data dô seu
segundô “COMPROMISSO”, aprôvadô pela cômpetente “CARTA DE CONFIRMAÇAÕ O” passada
pelô entaã ô Presidente da Prôvíéncia dô Graã ô-Paraé . Dr. AÂ ngelô Custôé diô Côrrea, em 24 de
ôutubrô de 1853, côntinuaraé a sua existeô ncia côm a mesma denôminaçaã ô de IRMANDADE DO
GLORIOSO SAÕ O BENEDITO DE BRAGANÇA, e as mesmas finalidades, dandô-lhe pôr este
Estatutô nôva ôrganizaçaã ô, atualizadô em cônfôrmidade côm presente ambiente sôcial,
tôrnandô-a sôciedade civil, côm persônalidade juríédica e registrandô-a de acôrdô côma leis
vigente nô Paíés.

Art 2º. A Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança, reôrganizada pelô presente
Estatutô, eé uma sôciedade civil, fôrmada pôr sôé ciôs de ambôs ôs sexôs; teraé duraçaã ô ilimitada;
as suas atividades seraã ô dirigidas nô Municíépiô de Bragança, tendô pôr sede esta cidade e pôr
fôrô ô desta Cômarca.

Art 3º. A finalidade da Irmandade cônfôrme ôs seus antigôs “COMPROMISSOS”, côntinua


a ser a de cultuar e venerar a vida glôriôsa dô seu Patrônô, prômôvendô côm tôda a pômpa a
festividade de Saã ô Beneditô, a 26 de Dezembrô, tôdôs ôs anôs.

Art 4º. Para grandeza e pômpa desta festividade, devem ser mantidas as mesmas
côndiçôã es.

Art 5º. Dentrô de suas finalidades a Irmandade, prôcuraraé manter as mesmas tradiçôã es
de regôsijô sôcial pela sua existeô ncia e primitiva ôrganizaçaã ô. Assim eé que, tendô sidô fôrmadô
pelôs primitivôs irmaã ôs uma ôrganizaçaã ô prôfana de regôsijô pôpular, que se denôminôu
“MARUJADA” e que eé a manifestaçaã ô fôlclôé rica mais expressiva e genuinamente bragantina,
93
SILVA, Dedival Brandaã ô da. Lôc. Cit.
94
Id. Ibid. p. 27.
95
Ver nôta 144.
58

seraé a mesma incôrpôraçaã ô a sua ôrganizaçaã ô, para melhôr prôtegeô -la e ôrganizaé -la da fôrma
cômô trata ô Capíétulô V e artigôs deste Estatutô.

CAPIÉTULO II
Dôs Irmaã ôs, suas qualidades, deveres e direitôs

Art 6º. A Irmandade se cômpôraé de brasileirôs, de ambôs ôs sexôs, de qualquer idade ôu


prôfissaã ô, catôé licô, e que pôr prôpôsta de qualquer Irmaã ô sejam aceitôs pelô Cônselhô
Permanente da Irmandade.

Paraé grafô UÉ nicô: Haveraé na Secretaria da Irmandade um livrô especial de assentamentô


e inscriçaã ô dôs Irmaã ôs.
Bragança, 7 de julhô de 1946.96

A assembleia Geral da Irmandade de Saã ô Beneditô de Bragança aprôvôu ô seu 1º


Estatutô sôcial em 07 de julhô de 1946. Desde entaã ô esta se tôrnôu uma Sôciedade Civil.
Dedival Brandaã ô da Silva assinala ô fatô de que desde entaã ô eé que de direitô e de fatô a
Irmandade de Saã ô Beneditô ganhôu sua autônômia, naã ô se subôrdinandô mais a
autôridade eclesiaé stica.97
EÉ assim que diante de uma “histôé ria dô côntrôle eclesiaé sticô sôbre ô catôlicismô
tradiciônal, a irmandade cônseguiu a gestaã ô de seus interesses”. 98 Desta maneira,
parece-me ôé bviô que istô naã ô se deu de uma hôra para ôutra. Haé muitô que tecer desta
lônga caminhada.
Quandô li ô Art. 5º deste estatutô saltôu-me aôs ôlhôs a reafirmaçaã ô das
finalidades da “manutençaã ô das tradiçôã es de regôzijô sôcial” e ô sublinhar de que se
trata de uma de “ôrganizaçaã ô prôfana de regôzijô pôpular”. Sômente relembrandô da
histôé ria dô catôlicismô da Amazôô nia que se perceberaé que esta eé uma situaçaã ô críética.
Ainda quandô se ler algô cômô “‘MARUJADA’ e que eé a manifestaçaã ô fôlclôé rica mais
expressiva e genuinamente bragantina”.
Desde tempôs pregressôs, reafirmar que a Irmandade tinha cômô meta a prômôçaã ô
da devôçaã ô aô Santô jaé naã ô era ô suficiente para ô clerô que havia se instaladô nô Brasil,
principalmente nô Paraé . A partir das ué ltimas deé cadas dô seé culô XVIII e iniciô dô XIX as
côisas tinham se môdificadô bastante.
Desde ô meadô dô seé culô XVIII a Igreja Catôé lica Rômana nô Brasil cômeçôu a
estabelecer um maiôr alinhamentô côm a Santa Seé , que ateé entaã ô naã ô fôra percebidô, ô
que:
Apôntaria para uma inserçaã ô da estrutura hieraé rquica da Igreja Catôé lica dô Brasil na
estrutura burôcraé tica da Santa Seé . Essa inflexaã ô levaria a uma clericalizaçaã ô e
sacramentalizaçaã ô das praé ticas religiôsas dô catôlicismô nô Brasil sem precedentes, em
substituiçaã ô aô caraé ter laicô, festeirô, regalista99 e devôciônal dô catôlicismô praticadô ateé
esse môvimentô que teria se iniciadô nô seé culô XIX, mas que se fôrtaleceu, de fatô, a partir dô
fim dô padrôadô, em 07 de janeirô de 1890.100 (negritô meu)

96
Diaé riô Oficial dô Estadô dô Paraé da Justiça dô Estadô dô Paraé , anô X, nué merô 2.649 Beleé m-PA – Dômingô,
4 de maiô 1947. Tambeé m dispôníével em: SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Dônôs de Saã ô Beneditô..., p.189-
197.
97
SILVA, Dedival Brandaã ô da. OP. Cit, p. 35.
98
Id. Ibid, p.40.
99
REGALISMO
100
AQUINO, Mauríéciô de. Rômanizaçaã ô, histôriôgrafia e tensôã es sôciais: ô catôlicismô em Bôtucatu-SP
(1909-1923). Em: Revista Fenix. Revista de Histôé ria e Estudôs Sôciais. Maiô/ Junhô/ Julhô/ Agôstô. Vôl. 8
Anô VIII nº 2. 2011, p.2
59

A mudança naã ô deve ser vista dentrô de uma linearidade, pôis ô que realmente
passôu a ôcôrre fôi um “cônflitô entre dôis môdelôs de Igreja” nô Brasil. 101 Havia um
cônflitô entre duas fôrmas de ser catôé licô. Uma vivida pelô pôvô e a ôutra almejada pela
hierarquia eclesiaé stica. Riôlandô Azzi diz havia cômbate a catôlicismô lusô-brasileirô
para a manutençaã ô de um catôlicismô tradiciônal experimentadô nô decôrrer dôs anôs,
filtradô de côncepçôã es iluministas. Na verdade um ultramôntanismô buscava prôduzir
uma ligaçaã ô direta côm ô Pôntíéfice rômanô.102
As guerras napôleôô nicas cômeçaram a se impôr nô côntinente. As experieô ncias
revôluciônaé rias teriam deixadô a Igreja em alerta côntra ideias liberais que agôra jaé
circulavam em dôis côntinentes. Istô resultôu nô Hugô Fragôsô diz a respeitô de que
Papa se tôrnôu em ô “mantenedôr maé ximô da ôrdem estabelecida”. 103
Esta môvimentaçaã ô fôi chamada de Romanização, que cômeçôu nô Brasil entre ôs
anôs 1880 a 1920.104 Mas que jaé se sentia ôs seus influxôs desde que ôs hômens fôram
declaradôs livres e iguais. 105 Lôgô côm a vinda da famíélia real para ô Brasil em 1808,
nué nciôs apôstôé licôs que aqui chegaram desejaram exercer maiôr pressaã ô sôbre ôs fieis e
cleé rigôs brasileirôs. Fôi ô casô da chegada dô nué nciô Lôurençô Caleppi e seu secretaé riô
De Rôssi.106
Riôlandô Azzi lembra de uma ôbservaçaã ô de Hildebrandô Acciôly sôbre as críéticas
que ô nué nciô e seu secretaé riô fizeram aô clerô brasileirô:
Alguns, mais instruíédôs, ôu sôfriam a influencia de princíépiôs aprendidôs em Côimbra,
ôu de certô livrôs em vôga, divulgadôs nô Brasil, entre ôs quais ô diligente secretaé riô dô nué nciô
menciônava cômô exemplô ôs dô famôsô Pe. Antônio Pereira, da Congregação do Oratório
de Lisboa, - ‘tão nosso inimigo’, dizia, e tido igualmente em grande estima em Portugal –
dos quais já estavam no Index e ôutrôs talvez ali viessem a entrar.
Mais grave, parecia, aô Nué nciô e a seu secretaé riô, o fato também mencionado, de que
com liberdade de imprensa, ‘infelizmente introduzida, ao menos na prática’, jaé se vira
sair da Imprensa Reé gia dô Riô de Janeirô, côm a indicaçaã ô ‘côm licença de S.A.R.’ não só
elogios do Marques de Pombal, no qual se aplaudiam vários atos seus contra a Santa Sé ,
mas ateé um elencô, distribuindô gratuitamente, dôs livrôs que se acharam aà venda, entre ôs
quais alguns cômpreendidôs nô ditô índice dos livros proibidos. 107 (negritôs meus)

Os representantes da Santa Seé chegaram aô Brasil e verificaram que vaé riôs dôs
aspectôs das ideôlôgias temidas pôr Rôma, jaé estavam instaladas nô Paíés. Tôrnava-se
imperiôsô que uma refôrma da feé catôé lica fôsse implementada aqui. Circulavam livrôs
prôibidôs, havia uma impressa lôcal militante côntra a Santa Seé , e principalmente, as
ideias de Pômbal ainda eram aplaudidas. Fazia-se necessaé ria uma resôluçaã ô côntra ô
regime dô Padrôadô. Um môvimentô que sôbre ôs influxôs das “diretrizes estabelecidas
nô Côncíéliô de Trentô e refôrçadas pelô Côncíéliô Vaticanô I”. 108

101
AZZI, Riôlandô. A Crise da cristandade e o projeto liberal. Histôé ria dô pensamentô catôé licô nô Brasil – II.
Saã ô Paulô: Paulinas, 1991, p.226.
102
Id. Ibid.
103
FRAGOSO, Hugô apud Id. Ibid. p. 227.
104
BEOZZO, Jôseé Oscar. Irmandades, Santuaé riôs, Capelinhas de Beira de Estrada. Revista Eclesiástica
Brasileira (REB), Petrôé pôlis: Vôzes, vôl. 37, dez 1977, p. 745.
105
AZZI, Riôlandô. A Crise da cristandade e o projeto liberal... p.227-228.
106
Id. Ibid, p.229.
107
Id. Ibid.
108
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas..., p.46.
60

A Refôrma Catôé lica tinha entre ôs seus mais ardôrôsôs prôpagadôres tridentinôs:
Carlôs Bôrrômeu, refôrmadôr da diôcese de Milaã ô e ô frei Bartôlômeu dôs Maé rtires
refôrmadôr da diôcese de Braga.109 Entre ôs piôneirôs dô prôcessô de rômanizaçaã ô
temôs ôs preladôs nascidôs nô Paraé : D. Rômualdô de Sôuza Côelhô da diôcese dô Paraé e
D. Rômualdô Antôô niô Seixas da Arquidiôcese da Bahia 110 me meadôs dô seé culô XIX.
Ainda pôssô acrescentar D. Antôô niô Macedô Côsta que em tempôs pôsteriôres, gôvernôu
a diôcese dô paraense côm mesmô espíéritô (1861-1890). 111
D. Rômualdô Côelhô cômeçôu a refôrma de fôrma minimalista, cômô naciônalista
que era.112Suas preôcupaçôã es de imediatô estavam relaciônadas aà “instruçaã ô religiôsa”,
prôduzindô ô primeirô Catecismô Rômanô nô Paíés. Seu aô mbitô de atuaçaã ô côncentrôu-se
mais na aé rea eclesiaé stica. Fôi um ardôrôsô defensôr da açaã ô autôô nôma dôs bispôs em sua
pastôral. 113 Na Questão Religiosa114 assinôu juntô côm D. Vital de Oliveira, bispô de
Pernambucô a declaraçaã ô que côndenava as influeô ncias da maçônaria sôbre as
irmandades religiôsas,115 pôis entendia que maçônaria estava sendô usada pelas missôã es
prôtestantes e ôutrôs môvimentôs liberais em Beleé m.116
Jaé seu sôbrinhô D. Rômualdô Seixas fôi muitô mais engajadô nô prôcessô de
rômanizaçaã ô nô Brasil cômô arcebispô da Bahia, que depôis veiô a ôcupar a Seé
Apôstôé lica da Bahia.117 Riôlandô Azzi afirma que D. Rômualdô Seixas fôi ô mais
destacadô líéder da Igreja dô Brasil nô seé culô XIX. 118 Em suas declaraçôã es ôficiais pôr
ôcasiaã ô dô lançamentô das Missões Populares119 na Arquidiôcese da Bahia em 23 de
fevereirô de 1841 afirmôu que a finalidade primeira da missaã ô eé : “infundir nôs pôvôs ô
santô termô de Deus, e respeitô e submissaã ô aà s legíétimas autôridades. 120
Parece-me a mim que D. Rômualdô Seixas aô enunciar as finalidades primôrdiais
das missôã es resume de fôrma primôrôsa ôs ôbjetivôs da rômanizaçaã ô: a) estabelecer
autônômia instituciônal em sua relaçaã ô côm Estadô brasileirô; b) a refôrma dô clerô
dentrô de duas perspectivas: i) a môralizaçaã ô dôs quadrôs da Igreja, ii) a preparaçaã ô de
um nôvô clerô, a partir da refôrma dô ensinô teôlôé gicô diôcesanô; c) a renôvaçaã ô da vida
cristaã nô níével pôpular pôr meiô de: i) visitas pastôrais, ii) campanhas das sagradas
missôã es, e iii) a prômôçaã ô da devôçaã ô piedôsa, tudô istô côm vistas a uma catequese
pôpular.121
D. Rômualdô Seixa resume de fôrma clara ô binôô miô “temôr de Deus e submissaã ô
aà s autôridades”. Os rômanizadôres côm a sua atuaçaã ô pastôral permitiram que ô

109
AZZI, Riôlandô. O altar unido ao trono. Um prôjetô cônservadôr. Histôé ria dô pensamentô catôé licô nô
Brasil – III. Saã ô Paulô: Paulinas, 1992, p.30-31.
110
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas..., p.47.
111
Id. Ibid, p. 49 e AZZI, Riôlandô. O altar unido ao trono... p.32.
112
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Lôc. Cit. E AZZI, Riôlandô. A Crise da cristandade e o projeto liberal... p. 136-
137.
113
Id. Ibid, p. 49 e AZZI, Riôlandô. O altar unido ao trono... p.58.
114
QUESTAÕ O RELIGIOSA
115
AZZI, Riôlandô. Lôc. Cit.
116
VIEIRA, David Gueirôs apud. PANTOJA, Vanda. Santos e Espírito Santo, ou católicos e evangélicos na
Amazônia Marajoara. 223f. (Tese em Cieô ncias Sôciais - Institutô de Filôsôfia e Cieô ncias Humanas, Prôgrama
de Pôé s-Graduaçaã ô em Cieô ncias Sôciais Universidade Federal dô Paraé – UFPA – Beleé m) 2011, p.53-55.
117
AZZI, Riôlandô. O altar unido ao trono..., p.39.
118
Id. Ibid, p.40.
119
MISSOÕ ES POPULARES
120
Seixas, Rômualdô Antôô niô, apud Id. Ibid, p.41.
121
Id. Ibid. pasin, p. 33-34.
61

paradigma hegemôô nicô fôsse ô dô capitalismô agraé riô. 122 Cômô pôde ser vistô na nôçaã ô
de deveres de estadô cônfôrme as ôbrigaçôã es elencadas dô D. Antôô niô Macedô Côsta:

Obrigaçaã ô dô ricô
1º) Render graças a Deus pelas riquezas;
2º) Naã ô pôô r nelas tôda a cônfiança;
3º) Naã ô aumentaé -las côm usura;
4º) Naã ô cônservaé -la côm injustiça;
5º) Pagar díévidas e merceô s côm prôntidaã ô;
6º) Ser caritativô côm ôs pôdres e côm as igrejas;
7º) Pensar muitas vezes que ôs mais ricôs se perdem pelô mau usô de suas riquezas.

Obrigaçaã ô dô pôbre
1º) Levar em cônfôrmidade côm a vôntade de Deus suas pôbreza;
2º) Naã ô se aprôpriar de nada alheiô sôb pretextô de pôbreza;
3º) Supôrtar côm pacieô ncia as suas cônsumiçôã es e trabalhôs;
4º) Prôcurar enriquecer-se côm bens dô ceé u;
5º) Lembrar-se de que Jesus e Maria fôram pôbre;
6º) Render graças a Deus de estar na bôa estrada dô paraíésô. 123

Côm istô, ôs cleé rigôs tambeé m insistem côm ô môdelô de “submissaã ô dôs leigôs aô
pôder eclesiaé sticô”.124 Sôbre ô respeitô e a submissaã ô, deveriam estar ligadôs aà Igreja e aô
Estadô. E ainda esta submissaã ô tinha que passar pela aceitaçaã ô da negaçaã ô de ôutrô
binôô miô da “devôçaã ô-prômessa” em favôr da “devôçaã ô-sacramentô”. 125 EÉ neste côntextô
que as festividades dôs Santôs e suas irmandades cômeçaram a ser atingidas.
Agôra tôdôs, assim cômô eu pôdem perceber que as irmandades estaã ô na mira dôs
refôrmadôres, desde ô tempô de D. Rômualdô Côsta nô Paraé . Muitôs fôram ôs prôblemas
vivenciadôs desde entaã ô. Desde ô seé culô XVI a hierarquia da Igreja jaé teve intervir nas
questôã es das irmandades, em razaã ô dôs negrôs naã ô saberem ô seu “pretensô lugar”:
Em 1551, a Cônfraria dô Rôsaé riô dô Cônventô de Saã ô Dômingôs estava
‘repartida em duas, uma de pessôas hônradas, e ôutra dôs pretôs fôrrôs e escravôs de
Lisbôa’. Uma série de conflitos entre ‘os irmãos pretos’ e as ‘pessoas honradas’
levou à cisão definitiva do grupo. Em 1565, ôs irmaã ôs negrôs tiveram seu primeirô
cômprômissô aprôvadô pela autôridade reé gia. Apesar distô, o acirramento das
disputas, que chegou a envolver os superiores do convento e até o Papa, levou à
expulsão da irmandade dos negros do templo dominicano no fim do século XVI
126
. (negritôs meus).

Didier Lahôn remete ô seu leitôr aà s primeiras prôvideô ncias da Santa Seé em reaçaã ô
aà s irmandades de negrôs. Firmada a tendeô ncia, naã ô seria sômente agôra que ô clerô
tinha ô interesse de disciplinar aà questaã ô. Ainda assim, em Pôrtugal diversas irmandades
de negrôs fôram criadas nôs seé culôs XVII e XVIII.127
Nô Paraé , aà quela altura a situaçaã ô naã ô era diferente. Nô casô da Irmandade de Saã ô
Raimundô Nônatô, havia uma celeuma em funçaã ô dô dia de devôçaã ô. Os senhôres
122
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas..., p.49.
123
AZZI, Riôlandô. O altar unido ao trono..., p.82.
124
Id. Ibid, p.67.
125
Id. Ibid, p.76.
126
LAHON, Didier. O negro no coração do Império. Uma memôé ria a resgatar – Seé culôs XV – XIX, Lisbôa:
Secretariadô Côôrdenadôr dôs Prôgramas Multicultarais – Ministeé riô da Educaçaã ô, 1999, p. 61-62.
127
REGINALDO, Luciene. “AÉ frica em Pôrtugal”: devôçôã es, irmandades e escravidaã ô nô Reinô de Pôrtugal,
seé culô XVIII. Em: História, Saã ô Paulô n. 28 (1). 2008. Dispôníével em: http://www. scielô.br/pdf/his/
v28n1/11. Acessadô em 04/05/2014, p.296-297.
62

negavam ô direitô de festejaram nô dia 31 de agôstô, permitindô as festividades apenas


nô dômingô seguinte, para que naã ô hôuvesse interrupçaã ô dô dia de trabalhô. A “mulata”
Lucinda Maria da Cônceiçaã ô, quandô juíéza da festa: “prôpôô s que a irmandade pagasse ô
dia de trabalhô das escravas aôs senhôres”.128
Artur Vianna interpretôu ô atô cômô “ideé ia generôsa e ôs senhôres cômô
filantrôpôs”.129 Nem tôdô liam aquela atitude de fôrma taã ô paternalista cômô Vianna. 130
Ainda havia ô casô da Irmandade de Saã ô Benditô de Saã ô Caetanô de Odivelas que tinha ô
declaravam em seu primeirô cômprômissô:

Os devôtôs pretôs deste lugar, desejôsôs de tributar uma agradecida


demônstraçaã ô dô seu muitô grande aspectô aô bem aventuradô, muitô glôriôsô,
Preclaríéssimô e Milagrôsíéssimô Pretô ô Senhôr Saã ô Beneditô (…) sempre
pretenderam chegar para seu supremo especial patrono para que mediante a
sua proteção consigam a primamente felicidade de lhes assistir e levar no céu. 131
(negritôs meus)

Maé rciô Côutô Henrique tem ô tinô de perceber que ô cômprômissô da irmandade
busca ateé mesmô recônfigurar a dinastia celeste. O prôé priô criadôr cederia ô seu lugar
nô Ceé u para que ô Santô Negrô ô cômandasse. 132 Istô as pôrtas da refôrma catôé lica naã ô
pôderia passar em brancô.
A Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança naã ô escaparia da sintônia fina
que ô clerô estava passandô pelas irmandades dô Paraé . Diante da situaçaã ô inusitada nô
Paraé de que a Irmandade tinha a sua prôé pria Igreja, e que ôs “escravôs devôtôs de Saã ô
Beneditô de Bragança tinham ôs padres cômô seus funciônaé riôs”. 133 Estes fatôs saã ô
refôrçadôres que de haé algô “erradô” acôntecendô entre as irmandades de negrôs nô
Paraé dô pôntô de vista da hierarquia eclesiaé stica.
Cômeçôu-se perceber que as irmandades eram espaçôs que estavam pôr escapar
aô côntrôle. Percebia-se que em alguns casôs “as tradiçôã es africanas e suas líénguas pelô
côntatô eram preservadas”,134 assim cômô fôrtalecer ô catôlicismô devôçaã ô e prômessa:

Estas pôpulaçôã es passaram muitas vezes a praticar ôs dôis cultôs, indô aôs terreirôs,
numa espeé cie de fidelidade aà sua herança africana, aôs orixás e aôs antepassadôs, e indô aà
Igreja para batizar seus filhôs, em fidelidade à sua protetora Nossa Senhora, aô seu
padrinhô Saã ô Beneditô e aà sua côndiçaã ô de brasileirôs.135 (negritô meu)

Pôssô juntar a istô, a pergunta retôé rica de Rôger Bastide:

128
HENRIQUE, Maé rciô Côutô. Irmandades escravas e experieô ncia pôlíética nô Graã ô-Paraé . Em: Revista
Estudôs Amazôô nicôs. Vôl. IV, n° 1, 2009, p. 31-51. Dispôníével em: http://www.academia.edu/23709
79/Irmandades_escravas_e_experiencia_pôlitica_nô_Graô-Para_dô_seculô_XIX. Acessadô em 04/05/ 2014,
p. 32-33.
129
Id. Ibid.
130
Id. Ibid, p.33.
131
Id. Ibid, p.40.
132
Id. Ibid.
133
Id. Ibid, p.42.
134
SCARANO, Julita. Devoção e escravidão: a Irmandade de Nôssa Senhôra dô Rôsaé riô dôs Hômens Pretôs
nô Distritô Diamantinô nô Seé culô XVIII. 2. ed. Saã ô Paulô: Naciônal, 1978, p. 150.
135
BEOZZO, Jôseé Oscar. A Igreja na crise final dô Impeé riô (1875-1888) HAUCK, Jôaã ô Fagundes;
HOORMAERT, Eduardô; FRAGOSO, Hugô; GRIJP, Klaus van Der; BROD, Bennô. História da Igreja no Brasil:
Ensaiô de Interpretaçaã ô a partir dô pôvô. Histôé ria Geral da Igreja na Ameé rica Latina. Tômô II/2.2: Histôé ria
da Igreja nô Brasil - Segunda EÉ pôca. Petrôé pôlis: Vôzes, 1985, p. 289-290.
63

Cômô a Igreja pôô de aceitar apôlôgia dô feiticeirô ressuscitadôr de môrtôs... EÉ


que o catolicismo brasileiro é a continuação do catolicismo português... EÉ jaé em
Pôrtugal existia ô côstume de juntar danças mascaradas e cantôs prôfanôs as festas
religiôsas (...) O haé bitô passôu aà côlôô nia...136 (negritô meu)

Pôr estas razôã es a rômanistas resôlveram agir veementemente. A agência


eclesiaé stica passôu a caracterizar-se pela recusar das “manifestaçôã es que caracterizavam
ô catôlicismô negrô”.137 A rômanizaçaã ô passa recusar terminantemente dô “valôr
religiôsô de rituais cômô dança e côrtejôs de negrôs”. 138 Um môdelô mais eurôpeizante
fôi exigidô cada vez mais.139
Côm a Pastoral Coletiva redigida pôr D. Macedô Côsta (1890), 140 prôcurôu-se
analisar ô decretô de Separação entre a Igreja e Estado, alegandô que ô termô mais
indicadô deveria ser “independeô ncia” entre Igreja e ô Estadô. O que significava que ôs
refôrmadôres catôé licôs apôiavam ô Estadô côm reservas. 141 Pôis nessa relaçaã ô entre ô
Estadô e Igreja ôs refôrmadôres desde ô tempô dô impeé riô, tinham bem clara a sua
pôsiçaã ô:
Os príéncipes e mônarcas saã ô ôvelhas de Jesus Cristô, e naã ô pastôres; saã ô filhôs
da Santa Madre Igreja, e naã ô pais; saã ô seus sué ditôs, e naã ô preladôs. 142

Ainda mais agôra, as liberdades dô regime republicanô naã ô eram bem-vindas.


Lôgô, deveria incidir sôbre ôs leigôs um maiôr côntrôle, deveriam “sujeitar-se aôs
ditames dô clerô”.143 Os mecanismôs utilizadôs pela rômanizaçaã ô para alôcar ôs leigôs
em seu “verdadeirô lugar” saã ô as visitas pastôrais e missôã es pôpulares. Saã ô ôs bispôs
cômeçam a visitar cada uma das sede das parôé quias. 144 Assim um prôgrama dô Côncíéliô
de Trentô cômeçôu a ser pôstô em praé tica: cuidar da môralizaçaã ô dô pôvô.
A ideé ia era que vaé riôs pregadôres pôpulares deveriam circular entre as
cômunidades. Segundô Riôlandô Azzi estes eram ôs lazaristas, ôs jesuíétas, ôs
capuchinhôs,145 e nô casô de Bragança ôs barnabitas. 146 Os temas das hômilias eram as
peniteô ncias, cônfissôã es, ô matrimôô niô, ôu seja, a reafirmaçaã ô dôs sacramentôs. O
celibatô e a castidade vôltam a estar em vôga entre ôs pregadôres pôpulares. 147
E aíé estaé um fatô que naã ô pude deixar de nôtar: Tôdas estas questôã es implicam na
dimensaã ô clerical, as funçôã es eclesiaé sticas que cômô um tôdô naã ô fariam parte da esfera
dô leigô. Desde môdô, a inevitabilidade dô clerô eé superdimensiônada para ôs “cristaã ôs
leigôs perceberem a distaô ncia que ôs separava dô cleé rigô cônsagradô aô serviçô de
Deus”.148 EÉ neste côntextô que Raymundô Heraldô Maueé s fala das Ladainhas civis:

136
ALMEIDA, F. Mendes; BARBINAIS, Gentil de La apud, BASTIDE, Rôger. Op. Cit, p.177-178.
137
VELENTE, Ana Lué cia Eduardô Farah. As irmandades de negrôs: resisteô ncia e repressaã ô. Dossiê: Religiaã ô
e Cultura – Artigô ôriginal. Hôrizônte, Belô Hôrizônte, v. 9, n. 21, abr./jun. 2011, p.213.
138
Id. Ibid, p.212.
139
FRAGOSO, Hugô. A Igreja na fôrmaçaã ô dô Estadô Liberal (1840-1875), Em: HAUCK, Jôaã ô Fagundes;
HOORMAERT, Eduardô; FRAGOSO, Hugô; GRIJP, Klaus van Der; BROD, Bennô. Op. Cit, p. 144.
140
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas..., p.52.
141
Id. Ibid.
142
D. Vital Apud FRAGOSO, Hugô. Op. Cit, p.145.
143
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas..., p.53.
144
AZZI, Riôlandô. O altar unido ao trono..., p.73.
145
Id. Ibid, p.74.
146
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Dônôs de Saã ô Beneditô..., p.83-91.
147
Id. Ibid.
148
Id. Ibid, p.75.
64

Saã ô assim chamadas as ladanhias cantatas sem assisteô ncia de padres. Pôis pôr
tôda parte vaã ô ficandô em môda as ladainhas civis. Em Mônsaraé s ô padre retira-se, ô
pôvô reué ne-se na igreja e canta ladainhas civis; em Oureé m, ô vigaé riô eé suspensô e ô
pôvô reué ne-se na igreja e canta ladainhas civis; nô Capim, naã ô haé padre, ô pôvô canta
na igreja ladainhas civis. Enfim, na capital, já houve ladainhas civis (meu grifô, R H M);
nô Pôrtô Salvô sempre haé ladainhas civis. Decididamente parece que ô pôvô vai
gôstandô de tudô que eé civil. Tambeé m, quem haé de engraçar côm que eé incivil. 149

A devôçaã ô sem a presença dô padre jaé era uma cômum desde ô tempô das côlôô nias.
Desde ô quartô môvimentô missiônaé riô nô Brasil que fôi um “catôlicismô frutô de
missaã ô leiga”.150 Ou seja, desde ô primeirô períéôdô côlôô nia, pôr iniciativa pôvô pôrtugueô s
tem-se um catôlicismô leigô. Mas agôra Maueé s ainda encôntra ôutra interpretaçaã ô para
esta atitude. Aleé m de ser uma praxe tradiciônal: “reflete tambeé m uma reaçaã ô côntra ô
côntrôle rômanizante das festividades pôpulares”. 151 Agôra ô pôvô decide gestar a
prôé pria experieô ncia religiôsa.
A Rômanizaçaã ô percebe ô perigô que estaé ôcôrrendô nô côntextô destas ladainhas.
Pôr istô, eé de extrema impôrtaô ncia cônsiderar uma interpretaçaã ô de tôdô este fenôô menô
feita pôr Carlôs Rôdrigues Brandaã ô:
Da burguesia parôé quia para baixô, a reconquista católica de sistema religioso
popular foi obtida ativamente com a marginalização cultural de uma doutrina
canônica nunca aprendida e seguida plenamente, e de sacramentôs nunca plenamente
cônsumidôs, em troca da recriação popular de um imaginário devocional côm que ô
catolicismo recupera a criatividade laica, e de um repertôé riô de multiplicadô de
praé ticas devôciônais (...)
A transformação de um sistema religioso erudito, doutrinário e
sacramental em um outro, comunitário e devocional, é o resultado de um
exercício coletivo de popularização, dentrô de um setôr de cultura e entre um
dômíéniô pôlíéticô e ô ôutrô. Naã ô eé feitô de uma maé aprendizagem. Uma espeé cie de
caipirizaçaã ô ingeô nua ôu depravada (...) Aô côntraé riô, muitô embôra perca fraçôã es da
cieô ncia de trabalhô religiôsô, trata-se de um sistema que se atualiza como um dos
setores do saber popular que retraduz dialeticamente, para os seus sujeitos, o
modo de vida de suas classes e suas variações.152 (negritôs meus)

A percepçaã ô Rôdrigues Brandaã ô em relaçaã ô acôntecimentôs em Itapira, Minas


Gerais eé hômôlôé gica aô que verificô nô Paraé , môrmente em Bragança nô côntextô de uma
das ladainhas civis. Brandaã ô cômpreende a lôé gica dôs sujeitôs dô catôlicismô pôpular.
Para falar dentrô dô ambiente bragantinô, tratô “das ladainhas nas esmôlaçôã es de Saã ô
Beneditô”.153
EÉ assim que nô côntextô de Bragança a Igreja Catôé lica e a Irmandade dô Glôriôsô
Saã ô Beneditô de Bragança “se chôcaram na administraçaã ô dôs Padres Barnabitas
pertencentes aà Ordem dôs Cleé rigôs Regulares de Saã ô Paulô”. 154 O que ateé entaã ô se dava de
fôrma cônciliada, amalgamada, agôra precisava mudar. O “espíéritô catôé licô dô caeteuara”
precisava sôfrer intervençôã es. Fôi assim que durante períéôdô ferrôviaé riô de Bragança ô

149
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas..., p.55.
150
HOORNAERT, Eduardô. A evangelizaçaã ô dô Brasil durante a primeira eé pôca côlônial. HOORMAERT,
Eduardô; AZZI, Riôlandô; GRIJP, Klaus van Der; BROD, Bennô. Op. Cit, p.42.
151
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés, Santos e Festas. Lôc. Cit.
152
BRANDAÕ O, Carlôs Rôdrigues. Lôc. Cit.
153
FERNANDES, Jôseé Guilherme dô Santôs. Pés que andam, pés que dançam: Memôé ria e identidade e regiaã ô
cultural na esmôlaçaã ô e marujada de Saã ô Beneditô em Bragança (PA). Beleé m: Eduepa, 2011, p.65-83
154
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Dônôs de Saã ô Beneditô..., p.26-27.
65

“catôlicismô eruditô se tôrnôu hegemôô nicô” pela “ôpôsiçaã ô dôs Barnabitas aà Irmandade
de saã ô Beneditô”. 155

Traçandô um prôgrama de môralidade dentrô de si mesma e tambeé m quantô


aôs côstumes e praé ticas religiôsas pôpulares, a Igreja Catôé lica tem cômô um dôs seus
alvôs principais as irmandades leigas entre as quais a Irmandade de Saã ô Beneditô,
guardiaã dô cultô a Saã ô Beneditô. 156

E talvez um dôs elementôs de maiôr cônflitô entre a irmandade e ôs cleé rigôs


fôssem justamente as ladainhas ligadas aà irmandade de Saã ô Beneditô. Segundô ô
Primeirô Estatutô da Irmandade de 1947 em seu 2º Artigô diz: “A Irmandade dô
Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança, reôrganizada pelô presente Estatutô, eé uma
sôciedade civil...” A Igreja nô côntextô da Rômanizaçaã ô naã ô admitiu esta pôssibilidade. A
lôuvaçaã ô aô Saã ô Beneditô côm ôs seus instrumentôs litué rgicôs naã ô pôderia ser realizada
nestes termôs, realizada pôr uma instituiçaã ô civil.
EÉ impôrtante, nô entantô, que se faça um arrazôadô que ainda iraé cômplicar muitô
estes episôé diôs. Nôs dias 22 a 27 de dezembrô de 1958 realizôu-se em Bragança a
Primeira Jôrnada de Paraense de Fôlclôre. Este eventô teve a prômôçaã ô e ô patrôcíéniô da
Campanha de Defesa aô Fôlclôre Brasileirô (CDFB) e apôiô dô Cônselhô Naciônal de
Fôlclôre (CNFL).157
Entre vaé riôs dôs que participaram da ôrganizaçaã ô da Jôrnada pôdem ser
encôntradôs dôis dôs que fôram signataé riôs dô 1º Estatutô da Irmandade dô Glôriôsô
Saã ô Beneditô, a saber: Beneditô Cezar Pereira (Zitô Cezar Pereira), Raimundô Arseô niô
Pinheirô da Côsta (Raimundô Arseô niô Pinheirô). 158 Sôma-se a istô eé que ô Relatôé riô da
Jôrnada menciônar que hôuveram vaé rias ladainhas realizadas em casas de cabôclôs. 159
Os que participaram da Jôrnada acômpanhavam as ladainhas.
Na Jôrnada Paraense, as ladainhas fôram apresentadas cômô fazendô parte dô
fôlclôre bragantinô. Eram tidas cômô “manifestaçaã ô espôntaô nea pôpular”, “exprimindô ô
prôfundô sentimentô da ‘reza’ aô Santô”.160 A pôpularizaçaã ô tambeé m trôuxe uma
aprôpriaçaã ô dô latim ôuvidô na Matriz. Este fôi sôfrendô fôrte “influeô ncia dô diletô
lôcal”.161 De môdô que a expressaã ô “Ora pro nobis” apareceu na ladainha cômô “Ora pro
nobe”. 162
A auseô ncia dô côntrôle eclesiaé sticô desde que a Irmandade se tôrnara uma
sôciedade civil causava na interpretaçaã ô dôs rômanistas, cômpôrtamentôs desviantes
inaceitaé veis. Os padres naã ô côncebiam tais, cômô recriaçôã es frutô das reinterpretaçôã es
dô cultô ôficial.

A dramatizaçaã ô de uma reza, dentrô dô catôlicismô tradiciônal, eé ô resultadô de


um conjunto de arranjos e rearranjos simbólicos que incluem a parte religiôsa
prôpriamente dita cômô as preces, tais cômô as cantorias, ladainha e os cânticos, e

155
ROSAÉ RIO, Ubiratan. Saga do Caeté: Fôlclôre, Histôé ria, etnôgrafia e jôrnalismô na cultura amazôô nica da
Marujada , Zôna Bragantina, Paraé . Beleé m: CEJUP, 2000, p.196.
156
SILVA, Dedival Brandaã ô da. OP. Cit, p. 38.
157
ROSAÉ RIO, Ubiratan. Op. Cit, pasin, p.133-142.
158
Ver: Apeô ndice 2: Estatutô da Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança.
159
ROSAÉ RIO, Ubiratan. Op. Cit, 140.
160
Id. Ibid, p.194.
161
PAES LOUREIRO, Jôaã ô de Jesus (ôrg.). Ladainha de São Benedito da Marujada de Bragança. Liturgias
Ribeirinhas nô2. Beleé m: IAP, 2002, p.1.
162
Id. Ibid, p.4. Esta mesma expressaã ô pôde se verificada da ladainha de tíétulô: Quiara lazon cônstante dô
Apeô ndice 5: A Marujada nas ladainhas cantigas e pôesias
66

situações carnavalizantes e festivas, tais cômô as cantôrias, a cômilança, a bebida, a


brincadeira, ôs excessôs e a prôstituiçaã ô. Naã ô se trata de mômentôs estanques ôu
dissôciadôs mas sim de experieô ncias em que côexiste, ladô a ladô, uma totalidade de
acontecimentos.163 (negritôs meus)

Rômanizaçaã ô queria higienizar vaé riôs elementôs 164 culturais presentes na


esmôlaçôã es e nas ladainhas civis. Gôstaria de resgatar uma dicôtômia perdida nô
medievô, jamais encôntrada nô Brasil.
Em 1928 ô “Papaé Piô XI atraveé s da bula Romanus Pontifex, erigiu a Prelazia de
Nôssa Senhôra da Cônceiçaã ô dô Gurupi”. 165 Entre ôs Barnabitas que chegaram a Bragança
ô mais impôrtante fôi D. Eliseu Maria Côrôli, nascidô em Castelnuôvô, na prôvíéncia de
Piacenza, na Itaé lia.166 Um “intreé pidô e incansaé vel arautô dô Evangelhô”, 167 chegandô aô
Paraé em 1929.168 Lôgô apôé s chegada passôu a chefiar a Prelazia. As principais metas dô
D. Eliseu fôram a “a catequese, a educaçaã ô escôlar, a assisteô ncia hôspitalar e a
evangelizaçaã ô dôs íéndiôs”.169
Lôgô engajôu-se nas ôbras educaciônais, cômô ardôr nô ensinô regular e fervôr nô
catequeé ticô. D. Eliseu desde cedô participôu de rôdada de discussôã es, envôlvendô trôca
de missivas cômô as autôridades municipais de Bragança. 170 Em 9 de dezembrô de
1937, “a Santa Seé nômeôu D. Eliseu Maria Côrôli Administradôr Apôstôé licô da Prelazia de
Nôssa Senhôra dô Rôsaé riô dô Guamaé ”. 171 Nô anô seguinte, as Missiônaé rias de Santa
Terezinha chegam a regiaã ô.
Côm autôrizaçaã ô dô pôde pué blicô, D. Eliseu cônseguiu isônômia entre as escôlas
catôé licas as instituiçôã es dô Estadô. O que representôu para Bragança uma vitôé ria, uma
vez, que seus jôvens cidadaã ôs naã ô precisavam ir para capital para côntinuar seus
estudôs. Assim Côleé giô Santa Terezinha tôrnôu-se uma das treô s Escôlas Nôrmal dô
Estadô.172 Um dôs prôpôé sitôs principais dô côleé giô era: “preparar jôvens, que levandô
uma vida cônsagrada a Deus, ajudassem na evangelizaçaã ô de sua terra”. 173
Em seu Períéôdô tambeé m fôi criadô ô Sistema Educativô Radiôfôô nicô de Bragança
(SERB), que cônseguiu mais de 12000 matríéculas em 950 pôé lôs radiôfôô nicôs. Assim ôs
mecanismôs de côntrôle da Prelazia dô Guamaé eram bastante efetivôs. 174 Tôdas estas
cônquistas, inclusive as de ôrdem patrimôniais fazem parte dô que Ubirataã dô Rôsaé riô
chamôu de “Pequenô Vaticanô”.175
Issô sôé pôssíével pôrque desde 1922, centenaé riô da independeô ncia dô Brasil iniciôu-
se que fôi chamadô de NeôCristandade:

A Igreja ôptôu pôr atuar, côm tôda visibilidade pôssíével, na arena pôlíética. Essa ôpçaã ô
implica a côlabôraçaã ô côm ô Estadô, em termôs de parceria e de garantia dô status quo. Nesse

163
SILVA, Dedival Brandaã ô da. OP. Cit, p.136.
164
Id. Ibid, p.39.
165
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Donos de São Benedito..., p.69.
166
Id. Ibid, p.66
167
AMENDOLA, AÂ ngelô apud. Id. Ibid.
168
Id. Ibid.
169
Id. Ibid, p.71.
170
Id. Ibid, p.72-73 e 75.
171
Id. Ibid, p.73.
172
Id. Ibid, p.76.
173
Segundô Daé riô Beneditô R. Nônatô da Silva, nô quinquageé simô aniversaé riô da escôla a expressaã ô
funciônava cômô lema. Ibid, p.77.
174
Id. Ibid, p.80.
175
ROSAÉ RIO, Ubiratan. Op. Cit, p.109.
67

sentidô, a Igreja môbiliza seus intelectuais, pôr meiô, entre ôutras ôrganizaçôã es, dô Centrô D.
Vital e ô cardeal D. Sebastiaã ô Leme funda, nô Riô de Janeirô, a Liga Eleitôral Catôé lica.176

Outras ôrdens e côngregaçôã es jaé vinham demônstrandô ô interesse de atuar juntô


a Sôciedade. Este fôi ô casô dô Arcebispô D. Helveé ciô Gômes de Oliveira, tambeé m
cônhecidô cômô D. Salesius e côngregaçaã ô de Saã ô Franciscô de Sales. 177 Os prôblemas
sôciais jaé eram vistôs côm preôcupaçaã ô desde a ôrigem na Itaé lia. A Igreja naã ô estava
satisfeita côm a laicizaçaã ô da educaçaã ô implantada côm a Repué blica, em 1889. A
instituiçaã ô estava vôltada para a luta pelôs direitôs da maiôria catôé lica, que deveriam ser
traduzidôs na legislaçaã ô brasileira, em especial, nô ensinô religiôsô. 178
A partir dôs ué ltimôs anôs da deé cada de 30 surge ô decretô dô Côncíéliô Plenaé riô
Brasileirô buscôu nôrmatizar as “côndiçôã es para a realizaçaã ô das festas religiôsas de
cunhô pôpular”.179 A cônstituiçaã ô de 1937 teve uma efeitô refôrçadôr sôbre a relaçaã ô dô
Estadô cômô a Igreja.180 Istô acônteceu principalmente de a partir Carta pastôral dô
Cardeal Sebastiaã ô Leme na cônjuntura dô Côncíéliô Plenaé riô Brasileirô:

Desde ô princíépiô ôs missiônaé riôs que para caé vieram plasmaram a nôssa vida
espiritual e encheram-na dô arôma divinô dô Evangelhô. Nem permitiu Deus que
campanha alguma anti-religiôsa viesse sôlapar ôs alicerces da nôssa feé em Deus. Mas
era precisô cônservar, cultivar e desenvôlver este sentimentô. Mas é forçoso
confessar que, apesar de todos os esforços empregados, a instrução religiosa,
entre nós não corresponde às exigências desta grande nação cristã que é o
Brasil.181 (negrito de RHM).

O Cardeal Leme nôtabilizôu-se pôr liderar uma campanha naciônal para declarar ô
tíétulô de Nôssa Senhôra Aparecida cômô padrôeira dô Brasil. Istô trôuxe reflexôs sôbre ô
ambiente de Bragança. A Imagem de Nôssa Senhôra de Faé tima fôi intrôduzida na Igreja
de Saã ô Beneditô.182 Em 1946 a Prelazia dô Guamaé teve a renôvaçaã ô de sua Cônsagraçaã ô
aô Côraçaã ô Imaculadô de Maria.183
Havia a necessidade de investir mais ainda na instruçaã ô religiôsa e catequeé tica.
Nôvamente a Igreja se môvimentôu para uma atuaçaã ô mais vigôrôsa nô côntextô
naciônal. Enquantô issô, ô ensinô regular em Bragança se desenvôlveu e a açaã ô pastôral
acômpanhôu este esfôrçô par e passô. Durante as festividades de Saã ô Beneditô, ôs padres
Barnabitas cômeçaram administraçaã ô dôs sacramentôs. Em dezembrô de 1936, D. Eliseu
crismôu 176 pessôas.184 Daé riô B. R. Nônatô da Silva menciôna uma nôtaçaã ô dô diaé riô de
D. Eliseu que se refere a 253 crisma, mas tambeé m que se incômôdava cômô ô barulhô da
festa.185
176
AZEVEDO, Dermi. A Igreja Catôé lica e seu papel pôlíéticô nô Brasil. ESTUDOS AVANÇADOS. n.18(52), 2004,
p.4.
177
PEREIRA, Mabel Salgadô. Neo-cristandade no Brasil: a obra de Dom Salesius. Em: XI SIMPOÉ SIO
NACIONAL DA ASSOCIAÇAÕ O BRASILEIRA DE HISTOÉ RIA DAS RELIGIOÕ ES. Sôciabilidades religiôsas: Mitô,
ritô e identidades. Gôiania. Universidade Catôé lica de Gôias – UCG. 2009, p.1.
178
BEOZZO, Jôseé Oscar. A Igreja entre a Revôluçaã ô de 1930, ô Estadô Nôvô e a Redemôcratizaçaã ô. In:
FAUSTO, Bôris(dir.) História Geral da Civilização Brasileira. Tômô III, Vôlume IV. Saã ô Paulô: Difel,
1986. p.??
179
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Donos de São Benedito.... p.84. e MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Padres, Pajés,
Santos e Festas..., p.66.
180
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Ibid.
181
Cardeal Leme, apud. Id. Ibid.
182
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Donos de São Benedito..., p.88.
183
Id. Ibid.
184
Id. Ibid, p.83.
185
Id. Ibid.
68

A Arquidiôcese determinôu a prôibiçaã ô dô usô de imagens na esmôlaçaã ô. Naã ô se


pôdia mais viajar pela praia, côlôô nias e campôs côm nenhuma das treô s imagens de Saã ô
Beneditô côm a bandeja de rôsas. Daé riô B. R. Nônatô da Silva transcreve as ôrientaçôã es
de D. Eliseu a Prelazia a partir das decisôã es dô Côncíéliô Plenaé riô Brasileirô de 1940:

“AVISO
(...) 2º) – Os Padres devem explicar aos fieis que a solenidade das festas e devoçõesnão
consistem no arraial, nos fogos e nas girândolas, mas sim na freqüência dosSacramentos, na
assistência à Missa, às funções religiosas e ao catecismo e noexercício das virtudes cristãs.
Portanto em ocasião das festas:

a) os Padres e as Diretorias devem fazer todo o possível para que as festas não sejam
profanadas com bailes, cachaça e jogos de azar; devem outrossim tirar toda solenidade à Missa e
às sagradas funções se tais abusos verificarem no próprio arraial. (Decr. 357).

b) A banda de música e os músicos, que na vespera da festa tocarem em qualquer baile,


não poderão ser admitidos a acompanhar a procissão e muito menos tocar na Santa Missa. (Decr.
407).

3º) – As Diretorias das festas devem ser nomeadas pelo Vigario, conforme autorização do
Snr. Bispo Prelado, e as mesmas devem no prazo previamente fixado prestar contas de todas as
esmolas arrecadadas e de todas as despezas feitas. (Decr. 358).

4º) – Não podem receber sepultura cristã os protestantes, os maçons, os escandalosos,


salvo se derem sinaes de arrependimento antes da morte. Nenhum Padre por motivo nenhum
pode acompanhar o enterro. (Decr. 350).

5º) – Os Padres devem oportunamente lembrar aos fieis que os cristãos que pretendem
constituir família com o amasiamento ou com ato civil sem receber o santo sacramento do
matrimonio diante do altar de Deus vivem em horrível evergonhoso pecado mortal. (Decr. 280).

A todos os nossos amados filhos a nossa bênção.

Bragança, 1º de março de 1941


D. Eliseu Maria Coroli, Prelado.”186

Este eé um capíétulô que ôs Barnabitas decidiram pôr prôduzir um prôcessô


civilizadôr de curta duraçaã ô sem precedentes na regiaã ô. 187 Envôlveram-se ateé questôã es
urbanismô determinandô ô deveria ser cônsideradô espaçô sagradô e prôfanô na
cidade, alteraram festas, calendaé riôs de môdô “a côntrôlar simbôé lica, fôlclôé rica, cultural
e religiôsa a devôçaã ô” dô pôvô bragantinô.188

186
Id. Ibid, p.90.
187
Para aprôfundar: ELIAS, Nôrbert. Sugestôã es de uma teôria dôs prôcessôs civilizadôres. Em: ELIAS,
Nôrbert. Processo Civilizador. Vôlume 2. Fôrmaçaã ô dô Estadô e Civilizaçaã ô. Riô de Janeirô: Jôrge Zahar
Editôr, 1993, p.191-274; BOURDIEU, Pierre. A identidade e representaçaã ô. Elementôs para uma reflexaã ô
críética para a ideé ia de regiaã ô. Em: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Riô de Janeirô: Bertrand Brasil,
1989, p.107-132. E CERTEAU, Michel de. Relatôs de espaçôs. Em: CERTEAU, Michel de. A Invenção do
cotidiano. Vôl. 1. Artes de fazer. Petrôé pôlis: Vôzes, 1994, p.199-217. HALDWASCH, Maurice. A memôé ria
côletiva e ô espaçô. Em: HALDWASCH, Maurice. A memôé ria côletiva. Saã ô Paulô: Centauriô, 2006, p.175-
189. e ROSENDAHL, Zeny. Espaço e religião: Uma abôrdagem geôgraé fica. Riô de Janeirô: EdUERJ, 1996.
ROSENDAHL, Zeny. O Sagradô cômô elementô da Côesaã ô Rural. Anaé lise de dôis centrôs de cônvergeô ncia
religiôsa: Muqueé m e Santa Cruz dôs Milagres. Em: ROSENDAHL, Zeny. Hierópolis: O Sagradô e ô urbanô.
Riô de Janeirô: EdUERJ, 1999. GIL FILHO Síélviô Faustô; GIL, Ana Helena Côrreô a. Identidade Religiôsa e
territôrialidade dô Sagradô: nôtas para uma teôria dô fatô religiôsô. Em: ROSENDAHL, Zeny; CORREÂ A,
Rôbertô Lôbatô. Religiaã ô, identidade e territôé riô. Riô de Janeirô: Eduerj, 2001, p.39-55.
188
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Donos de São Benedito..., p.91.
69

Quase que pôssô dizer que uma marginalizaçaã ô aôs môdôs de uma
“reestigmatizaçaã ô” fôi elabôrada em Bragança. A devôçaã ô dô Santô Negrô precisava ser
côntrôlada, higienizada, dentrô dôs caô nônes, ôu afastada dô certame dô sacrô sôcial. Esta
grande “expressaã ô de bragantinidade” precisava ser prôtegida.189
Em 1947 chegôu-se auge das tensôã es, quase côres cismaé ticas. O nôvô Estatutô
Sôcial da Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança eé publicadô nô Diaé riô Oficial
dô Estadô dô Paraé . Em 1948 tal atô eé “cônsideradô rebeldia, aà sua autôridade episcôpal”.
E ô Bispô atraveé s de uma pôrtaria extingue a prôcuradôria da Irmandade. Hôuve trôca
de missivas e dôcumentaçaã ô entre aé gôras as duas instituiçôã es sem que a questaã ô
chegasse a bôm termô entre ambas.190
A pendeô ncia evôluiu para ôutrôs ambientes, tôrnôu-se judicial, ainda ateé ô
Supremô Tribunal Federal ônde ô Clerô ganhôu a questaã ô determinandô a reintegraçaã ô aà
Diôcese de Bragança na pôsse da Igreja de Saã ô Beneditô em setembrô em 1988. 191
A partir de entaã ô eé ô padre quem entregas as imagens para as cômitivas de
esmôlaçaã ô que viajam pelas regiôã es da micrôrregiaã ô, pelas casas dôs prômesseirôs. Istô
acônteceu pôrque setôres dôs devôtôs ameaçaram amôtinar-se côntra ô bôatô dô fim da
esmôlaçaã ô. Assim mesmô naã ô sendô mais a Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de
Bragança, a Marujada estaé intimamente ligada a “ladainha, suplica, aô eô xtase perante ô
Sagradô”.192
Esta diacrônia da Irmandade dô Glôriôsô Saã ô Beneditô de Bragança nôs termôs
aqui tratadôs legôu a um presente que tem uma rica trajetôé ria que passôu pôr tôdô ô
seé culô XX, buscandô a sôbreviveô ncia de seu môvimentô. O Segundô Estatudô da, agôra,
Irmandade da Marujada de Saã ô Beneditô de Bragança, aprôvadô em reuniaã ô de sua
Assembleé ia Geral, realizada em 08 de janeirô de 2005, daraé ô supôrte necessaé riô para
entender a Marujda agôra dentrô de uma visaã ô sincrôô nica da Marujada. EÉ côm esta lôé gica
que me cônduzirei nô prôé ximô capíétulô. Tôdavia, eé bôm ter um vislumbre Estatutô da
Marujada.

SEGUNDO ESTATUTO SOCIAL DA IRMANDADE DA MARUJADA DE SÃO BENEDITO DE


BRAGANÇA DE 2005.

ESTATUTO SOCIAL

CAPIÉTULO I
Da Denôminaçaã ô, Sede e Fins

Art. 1º - A IRMANDADE DE MARUJADA DE SÃO BENENDITO DE BRAGANÇA, ôu


simplesmente MARUJADA, é um organização civil de direito privado, côm fins naã ô
ecônôô micôs, fundada nô anô de 1798, côm sede e fôrô na cidade de Bragança, estadô dô
Paraé , de caraé ter educativô e cultural.
Paraé grafô 1º - A MARUJADA, teraé a duraçaã ô de tempô indeterminadô e não fará
qualquer descriminação de raça, cor, gênero, credo e/ou religião, apartidário, que
prôclama e exercita ôs princíépiôs da demôcracia, e deveraé pelô presente Estatutô e pelas
Leis vigentes que lhe fôrem aplicadas;
Paraé grafô 2º - A MARUJADA, pôr se tratar de uma irmandade, a partir desta data
adôtaraé tambeé m apensa para fins estatutaé riôs e regimentais, o termo Associado e
Associada em relação aos seus componentes.

189
ROSAÉ RIO, Ubiratan. Op. Cit, p.208.
190
SILVA, Daé riô B. R. Nônatô da. Donos de São Benedito..., p.117-122.
191
ROSAÉ RIO, Ubiratan. Lôc. Cit.
192
Id. Ibid. p.198.
70

Art. 2º - A MARUJADA exerceraé suas atividades nô municíépiô de Bragança, nô


estadô dô Paraé , pôdendô se ôrganizar em unidades quantas fôrem necessaé rias, em
qualquer parte dô territôé riô naciônal para realizar a sua missaã ô e seus ôbjetivôs que
saã ô:
a) Cultivar a organização profana e manifestação folclórica, visandô manter
a tradiçaã ô e dandô a maiôr pômpa e divulgaçaã ô aà festa folclórica dô Glôriôsô Saã ô
Beneditô de Bragança;
b) Animar, apôiar, articular, côôrdenar as lutas gerais e especíéficas das entidades
e grupôs de pessôas que defendem trabalhar articuladô côm a MARUJADA;
c) Incentivar, ôrganizar e ôu fôrtalecer a ôrganizaçaã ô de grupôs que queiram
apôiar as atividades da MARUJADA;
d) Incentivar a educaçaã ô pôpular atraveé s de cursôs, encôntrô, ôficiais,
seminaé riôs, assembleé ias gerais, debate, palestras, subsíédiôs, arte pôpular, e ôutrôs
meiôs;
e) Articular ô desenvôlvimentô de prôgramas de fôrmaçaã ô hômens e mulheres
em questôã es especíéficas em manter tradiçôã es culturais da festa dô Glôriôsô Saã ô
Beneditô de Bragança;
f) Estimular, articular e reivindicar perante aôs Pôderes Pué blicôs cônstituíédôs,
assim cômô perante as instituiçôã es naã ô gôvernamentais naciônais e internaciônais,
ôbjetivandô a garantia e a defesa da manutençaã ô cultural da Festa dô Glôriôsô Saã ô
Beneditô Bragança;
g) Estimular, articular e reivindicar perante aôs Pôderes Pué blicôs cônstituíédôs,
assim cômô perante as instituiçôã es naã ô gôvernamentais naciônais e internaciônais,
ôbjetivandô a garantia e a defesa dôs direitôs de hômens e mulheres e seus dependentes
em busca de cidadania, igualdade dôs direitôs na famíélia, nô trabalhô e na sôciedade pôr
pôlíéticas pué blicas na linha da saué de, educaçaã ô, meiô ambiente, geraçaã ô de empregô e
renda e sôbretudô côntra a viôleô ncia;
h) Garantir ô debate sôbre geô nerô, a relaçaã ô entre mulheres e hômens, lutandô
côntra praé ticas discriminatôé rias aà mulher;
i) Incentivar pesquisas sôciais, cientíéficas, culturais e tecnôlôé gicas de interesse
da MARUJADA.
Paraé grafô UÉ nicô – A MARUJADA naã ô distribui entre seus assôciadôs, cônselheirôs, diretôres,
empregadôs ôu dôadôres eventuais excedentes ôperaciônais, brutôs ôu líéquidôs, dividendôs,
bônificaçôã es, participaçôã es ôu parcelas dô seu patrimôô niô, auferidôs mediante ô exercíéciô de
suas atividades, e ôs aplica integralmente na cônsecuçaã ô dô seu ôbjetivô sôcial.
(...)

Art. 34 – O presente Estatutô fôi aprôvadô em reuniaã ô de Assembleé ia Geral,


realizada em 08 de janeirô de 2005.193

Uma leitura da Irmandade da Marujada de Saã ô Beneditô de Bragança fôi feita atraveé s da
histôé ria de sua antecessôra, amparada em dôcumentôs que funciônaram cômô marcôs
juríédicôs e histôé ricô-sôciais para que uma auseô ncia de uma visaã ô pregressa naã ô
atrapalhasse ô esfôrçô levadô a cabô dô decôrrer da pesquisa. Assim me dedicô a uma
nôva caminhada mais hôrizôntal pelôs diversôs aspectôs da vida festiva na Marujada de
Bragança.

193
Estatutô em sua integra pôde ser encôntradô nô Apeô ndice 3.
71

VI - A ROMANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA: UM BISPO


ULTRAMONTANO NO PARÁ OITOCENTISTA ENTRE A
IGREJA E O ESTADO

Allan Azevedô Andrade194


Universidade Federal dô Paraé

Anais do III Simpósio do GT História das Religiões e das Religiosidades da Associação Nacional de
História (GTHRR-ANPUH) – Vida e Morte nas Religiões e nas Religiosidades. Revista Brasileira de
História das Religiões. Maringá (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.

INTRODUÇÃO
Este trabalhô visa analisar a Igreja Catôé lica em meadôs dô seé culô XIX, prôcurandô
examinar cômô se prôcessava a relaçaã ô entre essa instituiçaã ô religiôsa, ô Estadô e a
pôpulaçaã ô, nô intuitô de entender a cômplexa ligaçaã ô entre ô campô religiôsô e pôlíéticô,
na figura dô 9° bispô dô Paraé , Jôseé Afônsô de Môraes Tôrres, tendô cômô apôiô a
dôcumentaçaã ô195, e percebendô de que fôrma ô aô mbitô da eé pôca prôpiciôu as
transfôrmaçôã es verificadas nô pôder espiritual e tempôral. Naã ô sem razaã ô, eé levadô em
cônsideraçaã ô ô côntextô naciônal e internaciônal, sendô imprescindíével a dissecaçaã ô dô
mômentô efervescente que ô mundô catôé licô vivia para entender ôs reflexôs dissô nô
Paraé .
O preladô diôcesanô môstrava sua inclinaçaã ô ultramôntana na medida em que
expressava ô cônservadôrismô tíépicô da Rômanizaçaã ô 196, se apresentandô muitô mais
adeptô aà infalibilidade papal – apesar desse dôgma sôé ter sidô ôficializadô anôs depôis
nô Cônciliô dô Vaticanô I – dô que da côndiçaã ô de submissaã ô assumida pela Igreja
durante a aliança entre trônô/altar, aô tentar côlôcar em praé tica ôs preceitôs
ultramôntanôs ôriundôs de Piô IX, ô entaã ô Pôntíéfice Rômanô da eé pôca.
Côntudô, eé imprescindíével entender herança carregada pela sôciedade brasileira
prôcedente dôs seé culôs passadôs. Para Riôlandô Azzi (1983) 197 a autôridade dô Papa na
eé pôca dô Brasil côlônial eé pequena devidô aô estadô de submissaã ô que se apresentava a
Igreja perante ô pôder tempôral pôr fôrça dô Padrôadô Reé giô 198. Em meiô a issô, Jôhn
194
Vinculadô aô prôjetô de pesquisa “Dôm JOSEÉ AFONSO DE MORAES TORRES: ô debate da cultura liberal
côm a cultura catôé lica”, financiadô pela Universidade Federal dô Paraé . Tendô cômô ôrientadôr ô Prôf. Dr.
Fernandô Arthur de Freitas Neves.
195
Arquivô Pué blicô dô Estadô dô Paraé (APEP). Secretaé ria da Presideô ncia da Prôvíéncia. Seé rie: 13. Ofíéciô das
autôridades religiôsas. Anô: 1856-1857. Caixa 203; Hemerôteca Digital Brasileira. Dispôníével em:
<http://hemerôtecadigital.bn.br/>. Jôrnal Treze de Maiô. Anô de 1845, 1855 e 1856. Jôrnal Estrella dô
Amazônas. Anô de 1854 e 1857. Aleé m dôs Relatôé riôs de presidentes da prôvíéncia entre 1844 e 1858,
dispôníéveis nô site: <http://www.crl.edu/brazil>.
196
Môvimentô pelô qual a hierarquia eclesiaé stica ôbjetivava afastar a Igreja dô pôder tempôral na figura dô
Estadô, e aprôximaé -la das ôrdens da Santa Seé .
197
AZZI, Riôlandô. A Instituiçaã ô Eclesiaé stica durante a Primeira EÉ pôca Côlônial. In: Hôôrnaert, Eduardô.
Histôé ria da Igreja nô Brasil. TOMO II,1. Petrôé pôlis: Vôzes, 1983. p. 172.
198
O mônôpôé liô da prôpagaçaã ô da feé pôr parte da Igreja nô Estadô era garantidô pelô Padrôadô Reé giô. Nô
Brasil, apesar da cônstituiçaã ô de 1824 permitir a existeô ncia de ôutras religiôã es que naã ô fôsse a catôé lica,
acabava limitandô aô cultô dômeé sticô a expressaã ô dessas ôutras fôrmas religiôsas, cômô se veô nô Art. 5°:
“A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões
serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma
exterior de templo”.
72

Lynch (2001)199 elucida que, diferente da côrôa espanhôla que repassôu para sua côlôô nia
na Ameé rica um legadô catôé licô pautadô nô cônhecimentô dôutrinaé riô baé sicô, a tradiçaã ô
catôé lica pôrtuguesa transmitiu aô Brasil um catôlicismô ôrtôdôxô, pôreé m côm pôucô
cônhecimentô dôutrinaé riô.
Diante dissô, em meadôs dô seé culô XIX, aô assumir a diôcese, Dôm Afônsô Tôrres
demôstraraé sintônizadô aôs ventôs da Rômanizaçaã ô emanadôs da Eurôpa – mas
especificamente de Rôma – nô intuitô de revitalizar a presença dô catôlicismô na
sôciedade, tentandô recuperar a ligaçaã ô côm a Santa Seé que estava enfraquecida durante
ô regime dô padrôadô. Pôr issô, aô perceber a necessidade de refôrmar ô clerô e ô pôvô
cristaã ô, ele empregôu significativô esfôrçô para imprimir um catôlicismô rômanô sôbre ô
catôlicismô lusô-brasileirô herdadô desde ôs tempôs côlôniais. Pôrtantô, fôi relevante a
anaé lise dô que vem a ser ô prôcessô de rômanizaçaã ô para ver seus reflexôs na vida dôs
religiôsôs paraenses aô prômôver a primazia da esfera religiôsa sôbre a esfera civil.

A REFORMA DOS FIEIS


A Igreja nô Brasil seguiu as tendeô ncias transfôrmadôras dô mundô catôé licô dô seé culô XIX
aventada pelô môvimentô rômanizadôr em ascensaã ô. Jôaã ô Camilô Tôrres (1969) 200
apônta ô Ultramôntanismô cômô um esfôrçô nô sentidô de afirmar a distinçaã ô entre a
igreja e ô mundô. Essa situaçaã ô levôu a um estremecimentô da relaçaã ô de Padrôadô
Reé giô nô Brasil, ôcasiônandô a tômada de cônscieô ncia de vaé riôs membrôs dô episcôpadô
nô intuitô de cônseguir autônômia espiritual da hierarquia catôé lica frente aô pôder
tempôral, tendô cômô alguns dôs principais precursôres dessa reestruturaçaã ô
eclesiaé stica nômes cômô Dôm Antôô niô Ferreira Viçôsô e Dôm Antôniô Jôaquim de Melô,
segundô Heraldô Maueé s (1995)201. Nô Paraé , ô grande nôme da Rômanizaçaã ô fôi Dôm
Antôô niô de Macedô Côsta, naã ô ôbstante, impôrtante levar em cônsideraçaã ô as medidas
ultramôntanas tômadas pôr Dôm Afônsô Tôrres que jaé se môstrava vinculadas aà linha
“rômanista” aô inspirar suas açôã es nôs preceitôs tridentinôs buscandô a regeneraçaã ô dô
clerô.
Hugô Fragôsô (1992)202, afirma que nô mômentô de apôgeu dô Impeé riô nô Brasil, ô
Estadô, na tentativa de refôrçar a imagem de um gôvernô fôrte e centralizadôr, passa a
intervir de fôrma mais incisiva nôs assuntôs eclesiais, levandô a uma reaçaã ô da Igreja
quantô a essa situaçaã ô de subôrdinaçaã ô. EÉ impôrtante ressaltar que ô desgaste na
relaçaã ô entre Estadô e Igreja naã ô eé uma particularidade dô Brasil, pôis em algumas
partes da Eurôpa e Ameé rica Latina203 vinha ôcôrrendô assíéduôs embates entre ambôs
durante ô seé culô XIX. Dessa fôrma, a Igreja percebeu a necessidade de uma refôrma
interna vislumbrandô a fôrmaçaã ô de um clerô ajustadô côm a tese da Santa Seé , tentandô
implantar um catôlicismô de sacramentô em detrimentô dô catôlicismô pôpular.

199
LYNCH, Jôhn. A Igreja catôé lica na Ameé rica Latina, 1830 - 1930. In: Histôé ria da Ameé rica Latina. Vôl. IV.
BETHELL, Leslie (ôrg.). Saã ô Paulô: Editôra da Universidade de Saã ô Paulô, 2001. p. 415
200
TORRES, Jôaã ô Camilô de Oliveira. O sacerdôé ciô e ô Impeé riô. In: Histôé ria das ideé ias religiôsas nô Brasil.
Saã ô Paulô: Editôra Grijalbô, 1969. p. 112.
201
MAUEÉ S, Raymundô Heraldô. Igreja e Estadô: Uniaã ô e Separaçaã ô, cômbate e recômpôsiçaã ô. In: Padres,
Pajeé s, Santôs e Festas: catôlicismô pôpular e côntrôla eclesiaé sticô. 1. Ed. Vôlume 1. BELEÉ M: CEJUP, 1995. p.
47.
202
FRAGOSO, Hugô. A igreja na fôrmaçaã ô dô estadô liberal (1840-1875). In: [HOORNAERT, Eduardô (ôrg.)].
História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir de um povo – segunda eé pôca. Tômô II/2.
Petrôé pôlis, RJ: Ed. Vôzes, 1992. p. 151.
203
França e Meé xicô saã ô exemplôs dô abalô nas relaçôã es entre pôder espiritual e tempôral. Ver: NEVES, F. A.
F. Rômanizaçaã ô cômô catequese: a dôutrina pastôral dôs bispôs. Revista HISTEDBR On-line, v. 12, p. 50-63,
2012
73

Paralelô a issô, Jôseé Afônsô Tôrres se tôrna bispô da diôcese dô Paraé em 1844, e aô
assumir ô bispadô encôntra uma diôcese devastada em meiô aô côntextô dô pôé s-
Cabanagem, dificultandô sua trajetôé ria cômô representante maiôr da Igreja naquela
regiaã ô. Diante desses percalçôs, Dôm Afônsô prôcurôu côlôcar em praé tica, na medida dô
pôssíével, sua prôpôsta Ultramôntana.
Destarte, ô preladô diôcesanô se esfôrça nô intuitô de levar ô catôlicismô sacramental aô
interiôr da Amazôô nia. Apôé s se ver livre da ôbrigaçaã ô de ensinar nô seminaé riô episcôpal
pôr uns tempôs, ô bispô se dedica aé s visitas pastôrais pelô bispadô, que aô tôtal fôram 8.

(...) agôra pôrem desprendidôs pôr alguns dias daquella ôbrigaçaã ô dô ensinô nô
Seminariô, pôdemôs annunciar-vôé s que tenciônamôs nô dia 21 dô côrrente mez sahir a
visita das Igrejas da Vigia, Côllares, e S. Caetanô, e Salinas, e he côm prazer que vamôs dar
cômeçô a esta côrreria Apôstôé lica (...)204.

Aleé m de adentrar nô sertaã ô amazôô nicô levandô a feé catôé lica aôs lugares mais ermôs da
diôcese, Afônsô Tôrres tambeé m estende seu planô ultramôntanô ateé aôs espaçôs
privadôs dôs fieis. Ele ôrienta ô laicatô sôbre a utilidade e ô lôcal da casa que deve ser
côlôcadô ôs ôratôé riôs dômeé sticôs.

2.a Nôs ditôs Oratôriôs naã ô se pôderaé cantar Missa, administrar ôs Sacramentôs dô
matrinôniô, baptismô sôlemne, e a cônfissaã ô as mulheres sôé mente havendô
cônfessiônariôs prôpriôs para ellas côm grades.
3.a Os Oratôriôs deveram estar em lugar decente, e inteiramente separadô dôs lugares
destinadôs aôs usôs dômeé sticôs, cômô salas de jantar. 205

Para ô bispô, ô ôratôé riô, enquantô lôcal de ôraçaã ô, naã ô pôderia ser fixadô em qualquer
parte dô ambiente dômeé sticô justamente pôr expressar ô caraé ter sagradô dô catôlicismô.
Assim, Jôseé Afônsô prôcura direciônar a cristandade aô caminhô da salvaçaã ô mesmô que
issô interfira em sua intimidade, naã ô existindô limites aà difusaã ô da feé , môrmente nesse
mômentô ônde a tendeô ncia eé cada vez mais buscar a aprôximaçaã ô côm Rôma.
Ele se dedica tambeé m aô cumprimentô côrretô dô sacramentô dô matrimôniô na
diôcese. A aliança matrimônial sôb ôs ôlhôs da Igreja representa a garantia da ôrdem e
da estabilidade das famíélias, bem cômô da tranquilidade pué blica. Nô entantô, aô que
parece, as uniôã es cônjugais que se davam nô bispadô dô Paraé naã ô estavam seguindô ôs
preceitôs religiôsôs emanadôs de Rôma, sôbretudô nô que diz respeitô aà s uniôã es de
casais côm grau de parentescô prôé ximô. D. Afônsô ôrienta ôs sôldadôs de seu exercitô
espiritual a lerem ôs “preladôs ilustradôs” dô Riô de Janeirô e dô Maranhaã ô para que
pôssam direciônar ô sacramentô dô matrimôô niô dentrô da Amazôô nia.

Cônvencidôs da necessidade de darmôs aô Rd.ôs Parôchôs as principaes regras, que


devem ôbservar na administraçaã ô dô Sacramentô dô Matrimôniô, para evitar assim
abusôs, que pôssaã ô nascer dô esquecimentô das mesmas, naã ô pôdemôs cumprir melhôr
este nôssô dever dô que mandandô que se ôbservem neste Bispadô as sabias instrucçôã es,
que em suas pastôraes dirigiraã ô aôs Rd.ôs Parôchôs de suas Diôceses ôs illuestradôs
Preladôs dô Riô de Janeirô e Maranhaã ô, que côm esta mandamôs publicar, dandô-lhes
preceitôs e instrucçôã es para a celebraçaã ô dô Matrinôniô. 206

204
TORRES, Jôseé Afônsô de Môrais. PASTORAL. Treze de Maiô, Beleé m, 6 agô. 1845. Dispôníével em:
<http://memôria.bn.br/DôcReader/dôcreader.aspx?bib=700002&pasta=anô%20185&pesq=Jôs
%C3%A9%20bispô> Acessô em: 20 de Fevereirô de 2013.
205
TORRES, Afônsô de Môraes. Collecção de Algumas circulares e portarias mais importantes de S. Ex.ª
Reverendissima o Senhr. Bispo do Pará. TYP. De SANTOS 7 FILHO. 1856. p. 11
206
Ibidem
74

A preôcupaçaã ô dô bispô côm ôs abusôs cômetidôs pelôs fieis que côntraiam matrimôô niô
eé evidente, pôreé m, mais dô que issô, ele prôcura sintônizar ôs padres da diôcese de
acôrdô côm ôs ensinamentôs dôs presbíéterôs de ôutrôs bispadôs, articulandô de alguma
fôrma a maneira de direciônar sua administraçaã ô eclesiaé stica a ôutrôs gôvernôs
espirituais dô Impeé riô. Pôrtantô, a ôrientaçaã ô prôvinda dô Preladô diôcesanô aôs
sacerdôtes da Amazôô nia (principalmente aô clerô secular) era fundamental para côlôcar
ô rebanhô cristaã ô nô caminhô da dôutrina catôé lica, mesmô essa cultura cônservadôra se
caracterizandô pelô distanciamentô da realidade lôcal.

A FORMAÇÃO SACERDOTAL
O planô de refôrma da Igreja devia cômeçar pelô clerô, pôis ali residia a base de tôda a
prôpagaçaã ô de feé para ô restante da sôciedade, para tantô, era essencial ô papel dôs
seminaé riôs, em razaã ô da educaçaã ô nô seé culô XIX ser um meiô pelô qual ô catôlicismô
reprôduziria ôs princíépiôs de sua religiaã ô, segundô Patricia Martins (2006) 207. De acôrdô
côm Hugô Fragôsô (1992)208, mesmô côm a gradual reduçaã ô numeé rica de padres, nô
Segundô Reinadô a fôrmaçaã ô intelectual era ateé bôa, entretantô a instruçaã ô espiritual e
môral dô clerô se encôntrava em situaçaã ô precaé ria. Clarô que issô naã ô se estendia a
tôdôs ôs pôntôs dô Impeé riô, dadô que, pôr exemplô, a diôcese de Mariana era
cônsiderada refereô ncia quantô aà fôrmaçaã ô sacerdôtal, tendô cômô destaque ôs
lazaristas209 em Caraça.
Para Riôlandô Azzi (1983) 210, durante muitô tempô nô Brasil a fôrmaçaã ô dô clerô fôi
cônduzida pelôs religiôsôs da Cômpanhia de Jesus, sendô apenas nô seé culô XVIII ô
surgimentô dôs seminaé riôs episcôpais prôpriamente ditô. Em aô mbitô regiônal, antes de
Afônsô Tôrres tômar pôsse, existia apenas um centrô de fôrmaçaã ô sacerdôtal na diôcese,
que era ô Seminaé riô Episcôpal da capital, existente desde 1751.
Na eé pôca dô Segundô Impeé riô, mesmô côm a côntribuiçaã ô dô pôder civil destinada aà
Igreja, a diôcese necessitava de grande atençaã ô, sôbretudô nô que tange a fraé gil estrutura
destinada a fôrmaçaã ô sacerdôtal. A precariedade da fôrmaçaã ô de sacerdôtes muitas
vezes eé atribuíéda aà maé vôntade dô Estadô em se empenhar nô fôrnecimentô de recursôs
materiais para suprir esses centrôs de fôrmaçaã ô. O sustentô dôs seminaé riôs, dôs
seminaristas pôbres, aleé m de decretôs em favôr da criaçaã ô de nôvas cadeiras para ô
ensinô nôs seminaé riôs, bem cômô ô pagamentô dôs prôfessôres era de cômpeteô ncia dô
pôder civil, tôdavia, esse auxíéliô dô Estadô estava inseridô na lôé gica regalista que
esbarrava nô galicanismô da hierarquia catôé lica. Naã ô sem razaã ô, Fernandô Neves
(2009)211 identifica uma sôlidariedade ativa na relaçaã ô Estadô/Igreja, a partir dô
mômentô que a instituiçaã ô religiôsa necessitava dôs recursôs materiais fôrnecidôs pelô
Estadô, assim cômô ô Estadô precisava da ramificaçaã ô da Igreja – que naã ô deixava de ser
representante dô pôder pué blicô – para estender sua autôridade a lugares ônde ô pôder
civil se fazia pôucô presente.
Nôs meadôs dô seé culô XIX hôuve um empenhô significativô de representantes da Igreja –
D. Antôô niô Viçôsô, D. Rômualdô Seixas, D. Macedô Côsta etc. – em expandir e qualificar
207
15MARTINS, Patríécia Carla de Melô. Seminaé riô Episcôpal de Saã ô Paulô e ô paradigma cônservadôr dô
seé culô XIX. 2006. 309 f. Tese (Dôutôradô em Cieô ncia da Religiaã ô). Pôntifíécia Universidade Catôé lica de Saã ô
Paulô, Saã ô Paulô. 2006. p. 97
208
Ibidem, p. 196
209
Religiôsôs que côntribuíéram significativamente para a intrôduçaã ô ô ultramôntanismô nô Brasil.
210
Ibidem, p. 192
211
NEVES, F. A. F. Sôlidariedade e cônflitô: Estadô liberal e naçaã ô catôé lica nô Paraé sôb ô pastôradô de Dôm
Macedô Côsta (1862-1889). Dôutôradô em Histôé ria, Pôntifíécia Universidade Catôé lica de Saã ô Paulô, PUC/SP,
Brasil, 2009. p. 07.
75

seus seminaé riôs, melhôrandô cônsequentemente a fôrmaçaã ô dôs religiôsôs. Na


Amazôô nia, essa dedicaçaã ô na fôrmaçaã ô sacerdôtal naã ô se fez presente apenas durante ô
bispadô de Dôm Antôniô Macedô Côsta. Seu antecessôr, Afônsô Tôrres, ja se môstrava
aplicadô na qualificaçaã ô da fôrmaçaã ô dôs religiôsôs que mais tarde teriam a missaã ô de
difundir ô catôlicismô rômanizadô na diôcese dô Paraé que era a maiôr dô Brasil 212. O
discursô abaixô môstra bem as dificuldades de gôvernar espiritualmente a diôcese.

O Côfre Prôvincial côntribui annualmente côm a quantia de 2:000$ reé is para manter a 12
seminaristas pôbres. O patrimôniô desse Seminaé riô eé mui diminutô, e cônsiste na quarta
parte de 7 prediôs, que rendem apenas annualmente 850 $ reé is: e ô Exm.° Preladô acaba
de representar-me ô estadô de penuria em que se elle acha (...) 213

A debilidade dô seminaé riô episcôpal era pôr vezes ressaltada pelô preladô diôcesanô.
Mas essa preôcupaçaã ô naã ô fica apenas nô discursô, jaé que ô bispô dô Paraé se empenha na
fôrmaçaã ô em um catôlicismô pautadô nôs sacramentôs de acôrdô côm as ôrientaçôã es da
Santa Seé , secundarizandô ô catôlicismô devôciônal. Assim, Afônsô Tôrres se desdôbra
diante das dificuldades para cumprir seu ôficiô pastôral.
Cônsôla em verdade ver ô estadô flôrescente das Aulas dô Seminaé riô dô Paraé a despeitô
de quais insuperaé veis ôbstaé culôs, côm que luta este Estabelecimentô na deficieô ncia de
meiôs para recômpensar seus Empregadôs. Graças aô Saé biô e Virtuôsô Preladô, que na
perfeiçaã ô desta Obra tem pôstô ô seu maiôr desvelô, e cuidadô. 214
Percebendô ô pôder civil pôucô capaz de fôrnecer ôs meiôs materiais necessaé riôs aà
Igreja, Jôseé Afônsô se empenha na defesa da dignidade dô clerô. Aô representar ô
Amazônas nô parlamentô brasileirô em 1852, ô religiôsô expectava bôas pôssibilidades
de participaçaã ô na busca pôr melhôrias aôs sacerdôtes. Segunda Ameé ricô Lacômbe 215,
ele prôpôã e alguns artigôs aditivôs aô ôrçamentô, pedindô 6:000 $ para reedificaçaã ô da
Matriz de Nôssa Senhôra dô Riô Negrô, visandô aumentar ô patrimôô niô e suprir as
necessidades dôs centrôs de fôrmaçaã ô sacerdôtal.
Dôm Jôseé Afônsô naã ô era a ué nica fônte de sôcôrrô dô qual a igreja pôdia côntar, pôis
havia religiôsôs que sôlicitavam a ajuda das autôridades civis para suprir ôs seminaé riôs.
Eles recônheciam fundamental impôrtaô ncia dô côfre pué blicô para ô sustentô dô
seminaé riô, e pediam inclusive aôs pôlíéticôs que intercedessem pelas causas eclesiaé sticas
dentrô dô senadô.
Naã ô temôs côm a pequena expôsiçaã ô que acabamôs de fazer ôutra côusa em vista senaã ô
dar ôs devidôs agradecimentôs pelôs benefíéciôs que recebemôs, a pedir a V. Exa. que se
digne advôgar nô Senadô a causa dô Seminaé riô, a ônde môcidade, especialmente a que
tem de dedicar-se aô estadô clerical cônfia achar tôdas as prôpôrçôã es para sua
educaçaã ô.216

212
O bispadô dô Paraé cômpreendia tôda a atual Amazôô nia, abrangendô uma aé rea de 4.000.000 Km² e tendô
cômô cede a cidade de Beleé m.
213
Falla dirigida pelô exm.ô snr. cônselheirô Jerônimô Franciscô Côelhô, presidente da prôvincia dô Gram-
Paraé , aé Assembleé a Legislativa Prôvincial na abertura da sessaã ô ôrdinaria da sexta legislatura nô dia 1.ô de
ôutubrô de 1848. Paraé , Typ. de Santôs & filhôs, 1848. p. 45 - 46. Dispôníével em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/507/>. Acessô em: 20 Setembrô 2013.
214
TORRES, Jôseé Afônsô de Môrais. Treze de Maiô, Beleé m, 22 Agô. 1846. Dispôníével em:
<http://memôria.bn.br/DôcReader/dôcreader.aspx?bib=700002&pasta=anô%20185&pesq=jôse
%20bispô>. Acessô em: 19 Setembrô 2013.
215
O CLERO NO PARLAMENTO BRASILEIRO. Côôrdenaçaã ô de Ameé ricô Jacôbina Lacômbe. Organizaçaã ô de
Fernandô Bastôs de AÉ vila. Nôta preliminar de Maé riô Teles de Oliveira e Franciscô de Assis Barbôsa. Cô-
ediçaã ô côm ô IBRADES, Riô de Janeirô; Caô mara dôs Deputadôs, Brasíélia. Vôl. 4 Caô mara dôs Deputadôs
(1843-1862). 1979. p. 447.
76

De acôrdô côm Jôaã ô Santôs (1992) 217, D. Afônsô executôu açôã es renôvadôras nô
seminaé riô da diôcese dô Paraé , se dedicandô a fôrmaçaã ô dô clerô, na medida em que fôi
respônsaé vel pela vinda de seu antigô mestre em lôé gica nô Seminaé riô de caraça – Jôseé
Jôaquim de Môura – para auxiliar na fôrmaçaã ô dôs seminaristas. Ademais, na tentativa
de descentralizar a fôrmaçaã ô de religiôsôs na Amazôô nia, ô preladô diôcesanô participa
da criaçaã ô em 1846 dô côleé giô de OÉ bidôs, (chamadô Luiz Gônzaga) e em 1848 ô
Seminaé riô em Barra dô Riô Negrô (chamadô Saã ô Jôseé ), aleé m dô côleé giô em Cametaé . Nô
discursô abaixô Dôm Afônsô expressa satisfaçaã ô na ôcasiaã ô da criaçaã ô dô seminaé riô Saã ô
Jôseé :
As casas de educaçaã ô fôraã ô em tôdôs ôs tempôs cônsideradas, cômô ôutrôs tantôs asilôs
em que se salva da ignôraô ncia, e immôrtalidade a môcidade, que sem estes recursôs deixa
sepultadôs muitas vezes íéndôles, e talentôs, que se pôdiaã ô aprôveitar, e de grandes
esperanças para a Religiaã ô e para ô Estadô: saã ô ellas a fônte de que dimanaã ô tôrrentes de
mil bens aé Sôciedade e dônde tem sahidô esses rarôs hômens, que a engrandecem nôs
differentes ramôs de que a mesma se cômpôã em: se ô hômem tudô deve a sua primaria
educaçaã ô, e se aé esta, quandô dada nôs Côlllegiôs estaã ô ligadôs bens, que se naã ô pôdem
esperar de Jôvens educadôs nô meiô dô côntagiô dô seculô, expôstôs a tôdôs ôs perigôs
d’um mundô côrruptô, quem pôde deixar de cônsiderar ôs Côllegiôs cômô ôs unicôs
meiôs talvez de remir da côrrupçaã ô geral a inexperiente môcidade, e appreciar ô
apparecimentô destes estabelecimentôs? E que vantagens naã ô tira a Cômarca côm esta
creaçaã ô? As sciencias, as luzes aqui recebidas hiraã ô em breve tempô deste fôcô de
illustraçaã ô aôs differentes pôntôs della, ramificandô-se dest’arte a instrucçaã ô; pôrque
Senhôres, ôs Seminaristas seraã ô ôutrôs tantôs mestres espalhadôs em differentes pôntôs,
que hiraã ô cômmunicar ôs cônhecimentôs aqui ôbtidôs aé seôs patriciôs, cônvidadôs ôu
pelô interesse, ôu pelô zelô patriôticô de ver aprôveitada a môcidade (...)

Cômô se veô , ô presbíéterô diôcesanô ressalta as benesses que prôpôrciônaria para a Igreja
e Estadô ô surgimentô dô seminaé riô nô Amazônas, vistô que a sôciedade ganharia cada
vez mais vôcaciônadôs da batina imbuíédôs na reprôduçaã ô dôs valôres catôé licôs. Issô
môstra ô grau de valôrizaçaã ô que Afônsô Tôrres atribuíéa a fôrmaçaã ô de padres, pôis naã ô
sôé ôs jôvens estaã ô sendô afastadôs dô côntagiô dô seé culô, mas tambeé m esses futurôs
sacerdôtes, môdeladôs nôs ensinamentôs pôntifíéciôs, trabalhariam nô sentidô de
ôrientar ôs fieis na dôutrina catôé lica. Curiôsô perceber que pelô menôs
quantitativamente, a empreitada de Afônsô Tôrres na fôrmaçaã ô de cleé rigôs surtiu efeitô
jaé que quandô esteve aà frente da diôcese fôram sagradôs 89 padres enquantô que nô
bispadô de D. Macedô fôram apenas 29 as sagraçôã es 218.
Outrô pôntô a se destacar eé a preôcupaçaã ô em fôrmar presbíéterôs capacitadôs pra
catequisar ôs gentiôs. Tantô ô gôvernô imperial quantô ô bispô tinham interesse na
cristianizaçaã ô dôs íéndiôs. Nesse sentidô, ô preladô diôcesanô se preôcupôu em fôrmar
padres qualificadôs na atividade catequeé tica indíégena, aà prôpôrçaã ô que vôlta suas
atençôã es para ô estudô da “líéngua indíégena geral”. Desse môdô, ele fôi respônsaé vel,
atraveé s de um decretô em 1851, pela criaçaã ô da mateé ria que visava ô aprendizadô dessa
líéngua dentrô dô Seminaé riô Episcôpal dô Paraé , tendô em vista a preparaçaã ô dô clerô nô
intuitô de facilitar a aprôximaçaã ô e catequizaçaã ô dôs nativôs. Issô fica explicitô nô
prefaé ciô dô “Cômpendiô de Lingua Brazilica” escritô pelô côrônel refôrmadô dô exercitô
216
TORRES, Jôseé Afônsô de Môrais. PASTORAL. Estrella dô Amazônas, Manaôé s, 09 de Mai. 1855. Dispôníével
em: http://memôria.bn.br/DôcReader/dôcreader.aspx?bib=213420&pasta=anô%20185&pesq=preladô
%20diôcesanô>. Acessô em: 22 Setembrô2013. 25 SANTOS, Jôaã ô. A rômanizaçaã ô da igreja catôé lica na
Amazôô nia (1840-1880). In: [HOORNAERT, Eduardô (ôrg.)] História da Igreja na Amazônia. Petrôé pôlis, RJ:
Ed. Vôzes, 1992. p. 299.
217
SANTOS, Jôaã ô. A rômanizaçaã ô da igreja catôé lica na Amazôô nia (1840-1880). In: [HOORNAERT, Eduardô
(ôrg.)] História da Igreja na Amazônia. Petrôé pôlis, RJ: Ed. Vôzes, 1992. p. 299.
218
Arquidiôcese de Beleé m – 250 anôs dô bispadô, Beleé m- Paraé , 1969.
77

Raymundô Côrreia de Faria que fôra nômeadô pôr Dôm Afônsô cômô sucessôr de
Manôel Justinianô de Seixas aô pôstô de lente da respectiva cadeira nô Seminaé riô:

Cômmôvidô ô nôssô exíémiô Preladô da necessidade que havia, de chamar


aô gremiô da Igreja essas hôrdas de selvagens, barbaras, ignôrantes,
embratecidas, extraviadas, e sôbre tudô dignas de cômpaixaã ô; espalhadas
pelas nôssas vastas e incultas flôrestas, sem cônhecimentô algum de Deôs
nem de nôssas crenças; e sendô ô meiô mais aprôpriadô ô antigô methôdô
das Missôã es, julgôu indispensavel, principalmente para aquelles
candidatôs que se prôpôzerem aé s Freguesias dô interiôr, ô cônhecimentô
da Líéngua Geral, adôptada pelôs Jesuitas, e pôr meiô da qual tudô haviaã ô
cônseguidô n’aquelles tempôs.219

Naã ô apenas issô, mas tambeé m eé impôrtante frisar que Jôseé Tôrres fôi prôfessôr nô
seminaé riô episcôpal da diôcese dô Paraé , sendô antes dissô, lente de Filôsôfia e Retôé rica
nô Seminaé riô de Caraça220, em Minas Gerais, lôcal ônde realizôu parte de sua fôrmaçaã ô.
Essa estrutura intelectual lhe permitiu elabôrar em 1852, ô “Compendio De Philosophia
Racional”. Nessa ôbra, eé pôssíével perceber a visaã ô de mundô dô bispô, dôtada de fôrte
caraé ter dôutrinaé riô, môral e religiôsô. Nô trechô abaixô, ô ele expôã e seu pensamentô
sôbre a razaã ô:

A rasaã ô pôr si mesma naã ô leva ninguem aô errô; pôr quantô a rasaã ô eé a
faculdade de perceber distinctamente ô nexô das verdades, ôra quem
assim percebe a ligaçaã ô que haé entre as verdades, tira legitimas illaçôã es de
princíépiôs verdadeirôs, naã ô pôde pôr cônseguinte errar.221

Vale lembrar que a razaã ô fôi designada pelô liberalismô cômô instrumentô de reflexaã ô da
côndiçaã ô de submissaã ô assimilada pela sôciedade perante ô Estadô e Igreja. Mas, Afônsô
Tôrres naã ô côndenava a faculdade da razaã ô, desde que ela fôsse usada de fôrma
adequada aôs ôlhôs da Igreja, cômô môstra excertô acima. Ele tinha ô intuitô de fôrmar
religiôsôs pautadôs nas teses da Santa Seé , atraveé s de uma sôé lida fôrmaçaã ô môral e
teôlôé gica, que ôs dedicar-se pôsteriôrmente aô pastôreiô espiritual, imprimindô a
refôrma dô catôlicismô marcadamente devôciônal que se fazia presente na Amazôô nia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôrtantô, antes da taã ô prôpalada Questaã ô Religiôsa, a sôciedade amazôô nica jaé se
deparava côm uma serie de medidas inspiradas nôs preceitôs rômanizadôres. Naã ô era
um mômentô de cômpletô antagônismô entre Igreja e Estadô, mesmô pôrque nôs anôs
40 e 50 dô seé culô XIX, ô pôder espiritual ainda naã ô se via apartadô dô pôder tempôral,
nô tôcante aà realidade da prôvíéncia dô Graã ô-Paraé . Entrementes, jaé se ôbserva nas
atitudes dô bispô Afônsô Tôrres, algumas medidas ôbjetivandô sintônizar ô seu bispadô
aôs ventôs da rômanizaçaã ô.

219
FARIA, F.R.C. de. Compendio da Lingua Brazilica. Paraé , Typ. de Santôs & Filhô, 1858.
220
Caraça eé cônsideradô ô redutô da rômanizaçaã ô, ônde ôs padres lazaristas côntribuíéram
significativamente para a intrôduçaã ô ô ultramôntanismô nô Brasil.
221
TORRES, Afônsô de Môraes. Cômpeô ndiôs de Philôsôphia Raciônal. 1952.p. 55.
78

Mas, eé impôrtante lembrar que mesmô se môstrandô um cônservadôr catôé licô, Afônsô
Tôrres trabalha em cônsônaô ncia côm a realidade da diôcese. Ele côlôca em praé tica a
ôrtôdôxia rômana ateé ônde eé pôssíével, mas naã ô fecha ôs ôlhôs para alternativas mais
adequadas aô estadô espiritual que se encôntrava a Amazôô nia. De acôrdô côm Riôlandô
Azzi (1983)222 se cômparadô aô seu sucessôr - Dôm Macedô Côsta - Afônsô Tôrres
pratica um caminhar mais cuidadôsô quandô em certôs mômentôs se dispôã e mais a uma
defesa dô que a uma iniciativa, se inclinandô mais aô meiô termô dô que a um cônflitô,
ateé pôr que nessa eé pôca ô antagônismô Ultramôntanismô x Liberalismô ainda naã ô eé taã ô
evidente nô Brasil. Aparece cômô um bispô em um mômentô de transiçaã ô, nô qual, a
partir de sua eleiçaã ô, se tôrna tantô um agente da Igreja, quantô um agente dô Estadô nô
parlamentô.
A vinculaçaã ô, ateé certô pôntô estreita, côm a esfera civil naã ô desqualifica a açaã ô pastôral
de D. Afônsô. Na verdade, ele percebe na participaçaã ô dôs espaçôs ôficiais de pôder dô
Estadô um meiô pôssíével para alcançar melhôrias aô clerô e aô laicatô. Nesse sentidô,
fica evidente ô grau de dependeô ncia da Igreja pôr parte dô Estadô nô que diz respeitô aà
fôrmaçaã ô sacerdôtal, vistô que ôs seminaé riôs da diôcese naã ô se autô sustentavam.
Cônsequentemente era necessaé ria a ajuda dô pôder pué blicô para a eficaé cia desse prôjetô.
Era uma refôrma em lôngô prazô, pôrquantô naã ô pôderia apresentar resultadôs
imediatôs jaé que pôr si sôé a fôrmaçaã ô de religiôsôs exige certô tempô, e a dôutrinaçaã ô
dôs fieis inclinadôs aô catôlicismô pôpular naã ô seria tarefa faé cil. Pôreé m naã ô se pôde
desprezar tôdô ô esfôrçô dô bispô, uma vez que rendeu resultadôs sensíéveis para uma
diôcese que recentemente tinha sidô ô palcô dô môvimentô cabanô, mas que Afônsô
Tôrres se empenhôu para afinaé -la aôs preceitôs rômanôs.

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80

VII - AMAZÔNIA: TERRA DE MISSÃO


BISPOS ULTRAMONTANOS E MISSIONÁRIOS
PROTESTANTES NA BELÉM DO SÉCULO XIX
Vanda Pantôja
Doutora em Antropologia, professora-adjunta da
Universidade Federal do Maranhão

Debates dô NER, Pôrtô Alegre, anô 13, n. 21 p. 95-122, jan./jun. 2012

RESUMO:
Este textô trata da intrôduçaã ô dô prôtestantismô de missaã ô na Amazôô nia Brasileira na
segunda metade dô seé culô XIX. Os piôneirôs a adentrar a Amazôô nia Brasileira fôram
Daniel Parish Kidder, em 1839, e Richard Hôlden, em 1860. Kidder, mesmô naã ô vindô
apenas em missaã ô religiôsa, jaé que viera aô Brasil cômô naturalista, naã ô deixôu de se
cômpôrtar cômô missiônaé riô, pregandô e distribuindô bíéblias em suas viagens pelô
Brasil. O escôceô s Richard Hôlden esteve nô Paraé nôs primeirôs anôs da deé cada de 1860 e
veiô aô Brasil cômô missiônaé riô, financiandô pelô Cônselhô de Missaã ô da Igreja
Episcôpal e pela Sôciedade Bíéblica Americana. Apôiadô em anaé lises da literatura deixada
pôr esses viajantes e de relatôs da histôriôgrafia lôcal, ô trabalhô permite que
visualizemôs a vida religiôsa na capital paraense atraveé s dôs cônflitôs de Hôlden côm ô
bispô haé eé pôca, D. Antôniô de Macedô Côsta.

PALAVRAS-CHAVE: Prôtestantismô; Amazôô nia; Paraé ; Cônflitô Religiôsô.

ABSTRACT:
This paper deals with the intrôductiôn ôf the Prôtestant Missiôn in the Brazilian Amazôn
in the secônd half ôf the nineteenth century. The piôneers tô enter intô the Brazilian
Amazôn were Daniel Parish Kidder in 1839, and Richard Hôlden in 1860. Althôugh
Kidder nôt be côming ônly ôn a religiôus missiôn, because he had already came tô Brazil
as a naturalist, but he did nôt leave his missiônary behaviôr, preaching and distributing
Bibles in his travels thrôugh Brazil. The Scôtchman Richard Hôlden was in Paraé in the
early years ôf the 1860s decade and came tô Brazil as a missiônary, funded by the
Missiôn ôf the Episcôpal Church and the American Bible Sôciety. Suppôrted by analysis
ôf the literature left by these travelers and lôcal histôriôgraphy accôunts, this wôrk
allôws tô visualize the religiôus life in the capital ôf Paraé thrôugh the cônflict between
Hôlden and the bishôp ôf this time, D. Antôniô de Macedô Côsta.

Keywords: Prôtestantism; Amazôn; Paraé Religiôus Cônflict.

A REFORMA NA IGREJA DO PARÁ: AS QUESTÕES RELIGIOSA E NAZARENA


Um estudô sôbre a intrôduçaã ô dô prôtestantismô na Amazôô nia pressupôã e a
cômpreensaã ô dô côntextô pôlíéticô e religiôsô em que se encôntrava a Amazôô nia, mais
particularmente ô Paraé , na segunda metade dô seé culô XIX.
81

Issô justifica a necessidade de iniciarmôs este artigô falandô sôbre dôis impôrtantes
eventôs para a Igreja Catôé lica Apôstôé lica Rômana: nô Brasil, a Questão Religiosa (1872-
1875), e, na Amazôô nia, a Questão Nazarena (1877-1880).
Esses dôis eventôs ôcôrreram nô côntextô dô episôé diô que ficôu cônhecidô cômô
Refôrma da Igreja Catôé lica na Amazôô nia. Abôrdaremôs esse eventô a partir de duas
impôrtantes persônagens lôcais que ficaram cônhecidôs cômô bispôs ultramontanos: D.
Jôseé Afônsô de Môraes Tôrres e D. Antôô niô de Macedô Côsta.

Segundô Vieira (1980, p. 32), eé difíécil dizer quandô entrôu nô Brasil ô tipô de pensamentô
que, nô seé culô XIX, fôi chamadô de ultramôntanismô. Ultramôntanismô fôi um termô
usadô, desde ô seé culô XI, para descrever cristaã ôs que buscavam a liderança de Rôma (“dô
ôutrô ladô da môntanha”) ôu que defendiam ô pôntô de vista dô papa, ôu davam apôiô aà
pôlíética dôs mesmôs. Pelôs idôs dô seé culô XV, ô termô veiô a ser utilizadô cômô descriçaã ô
daqueles que se ôpunham aà s pretensôã es da Igreja Galicana. Nô entantô, nô seé culô XIX, ô
ditô termô reapareceu, dessa vez descrevendô uma seé rie de cônceitôs e atitudes dô ladô
cônservadôr da Igreja Catôé lica e sua reaçaã ô aôs excessôs da Revôluçaã ô Francesa. Segundô
Azzi (1983), nô Brasil, esse môvimentô inicia côm a nômeaçaã ô de D. Antôô niô F. Viçôsô
para a Diôcese de Mariana, em 1849, mas ganha impulsô nô iníéciô da deé cada seguinte,
côm a ida de D. Antôô niô Jôaquin de Melô para a Diôcese de Saã ô Paulô, em 1852. Nesse
períéôdô, D. Rômualdô Antôô niô de Seixas passôu a aderir aô môvimentô de refôrma
intrôduzindô esse nôvô espíéritô na arquidiôcese da Bahia.

EÉ nesse côntextô, de reôrganizaçaã ô da Igreja Catôé lica dô Brasil, que ôs efeitôs das
primeiras incursôã es missiônaé rias prôtestantes na Amazôô nia Brasileira se fazem sentir
pela Igreja Catôé lica.
A chegada dôs lazaristas franceses, em abril de 1849, aô Brasil, pôde ser entendida,
segundô Azzi (1983), cômô marcô inicial dô prôcessô de Refôrma na Igreja Catôé lica,
prôcessô que ficôu cônhecidô cômô Rômanizaçaã ô (Môvimentô que visava a refôrmar ô
catôlicismô, aprôximandô-ô da Igreja de Rôma, pregandô um catôlicismô cônservadôr e
fiel aà s diretrizes dô papa.), tal eventô ôcuparia as deé cadas de 1850 a 1870. O ôbjetivô da
Igreja Catôé lica nesse períéôdô eé ô fôrtalecimentô internô da instituiçaã ô eclesiaé stica. Para
tantô, ela busca uma maiôr autônômia em relaçaã ô aô pôder civil, especialmente nô que
refere aà sua ôrganizaçaã ô interna, sem, côntudô, rômper côm ô pôder pôlíéticô civil, dô
qual precisava para se manter.
A Igreja na Amazôô nia, nesse côntextô, segue, apenas, um caminhô cômum aà Igreja
Catôé lica dô Brasil cômô um tôdô, aô sintônizar-se côm ô môvimentô de refôrma e
estreitar-se côm as diretrizes da Santa Seé . Internamente busca-se a neutralizaçaã ô da
influeô ncia dô enciclôpedismô raciônalista e da Revôluçaã ô Francesa, ô que leva a
hierarquia catôé lica a assumir uma pôstura autôritaé ria e antiliberal (Azzi, 1983), busca-
se, tambeé m, ôbter maiôr autônômia diante dô pôder civil, autônômia essa,
cômprômetida pela pôlíética dô regime de Padrôadô que subôrdinava, grosso modo, ô
clerô aô pôder real.

Segundô Casali (1995, p. 37), ô elementô essencial na elabôraçaã ô dô môdelô de Igreja nô


Brasil fôi ô amplô sistema de côncessôã es feitô aà Côrôa pelô Papadô, ele cita Bruneau
(1974) e sua definiçaã ô: “[...] padrôadô eé a ôutôrga, pela Igreja de Rôma, de um certô grau
de côntrôle sôbre a Igreja lôcal ôu naciônal, a um administradôr civil, em apreçô de seu
zelô, dedicaçaã ô e esfôrçô para difundir a religiaã ô e cômô estíémulôs para futuras ‘bôas
ôbras’. De certô môdô ô espíéritô dô Padrôadô pôde ser assim resumidô; aquilô que eé
cônstruíédô pelô administradôr pôde ser côntrôladô pôr ele. O sistema de Padrôadô nô
Brasil fôi cônstituíédô pôr uma seé rie de Bulas Papais editadas pôr quatrô Papas entre ôs
anôs de 1455 e 1515”.
82

Ainda segundô Azzi (1983) a refôrma catôé lica interessava tantô aà Igreja quantô aô
gôvernô: aà Igreja, pôrque significava ô estabelecimentô de um nôvô clerô, ôbservante dô
celibatô e dedicadô exclusivamente aà missaã ô espiritual; aô gôvernô, interessava pôrque
afastava ô clerô e suas ideias liberais dôs meiôs pôlíéticôs. Nô casô dô Paraé , ô clerô
participava ativamente da vida pôlíética. Em 1838, quandô instalôu-se a primeira
assembleia legislativa prôvincial nô Paraé , dôs 28 deputadôs, 10 eram sacerdôtes (Azzi,
1983, p. 22).

RUMO A ROMA: OS ROMANIZADORES NO PARÁ


Nô Paraé , ô períéôdô da Refôrma côrrespôndeu aôs bispadôs de Dôm Jôseé Afônsô de
Môraes Tôrres (1844-1859) e Dôm Antôô niô de Macedô Côsta (1861-1890) (O bispadô dô
Paraé fôi criadô em 1719, desmembradô dô Bispadô dô Maranhaã ô. Inicialmente ligadô aà
Lisbôa, ô bispadô paraense sôé passôu a depender dô bispadô da Bahia em 1827).
A nômeaçaã ô de D. Afônsô de Môraes Tôrres levôu aô Paraé ôs ares dô “nôvô espíéritô”
aprôximandô, assim, a Igreja amazôô nica da Igreja de Rôma. A fôrmaçaã ô lazarista de Dôm
Afônsô de Môraes Tôrres vincula-ô diretamente a linha “rômanista”, caminhô que teria
seguidô durante tôda açaã ô episcôpal na Amazôô nia. Na avaliaçaã ô de Azzi (1983), a
atuaçaã ô dô bispô “naã ô chegôu a ser expressiva”, pôis, apesar da “bôa vôntade”, faltôu-lhe
um espíéritô mais dinaô micô e agressivô para enfrentar as dificuldades da regiaã ô, seu
sucessôr, Dôm Antôô niô de Macedô Côsta, teria sidô “bem mais marcante”. Azzi (1983)
refere-se a D. Macedô cômô “uma das figuras mais impôrtantes dô episcôpadô dô seé culô
passadô” que estendeu sua influeô ncia aà Igreja Catôé lica cômô um tôdô, naã ô apenas a da
Amazôô nia, “[...] da qual fôi líéder incônteste nas treô s ué ltimas deé cadas dô Impeé riô” (Azzi,
1983, p. 22). Nô entantô, mesmô côm tôdô preparô intelectual e grande influeô ncia que
tinha ô bispô nô Brasil, nô Paraé , sua açaã ô teria sidô menôs expressiva. D. Macedô Côsta
nasceu nô interiôr da Bahia, Maragôgipe, em 1830. Em 1848, entrôu nô seminaé riô da
Bahia, fôi laé que teve primeirô côntatô côm D. Rômualdô Antôô niô de Seixas, entaã ô
arcebispô da Bahia, que nô futurô lhe indicaria a D. Pedrô II para ô bispadô dô Paraé . Em
1852, fôi estudar na França, passôu pôr alguns seminaé riôs ateé chegar a Saã ô Sulpíéciô em
1854. (Azzi, 1983; Lustôsa, 1992).

Em sua prôé pria diôcese a atuaçaã ô dô preladô naã ô chegôu a ser taã ô expressiva em termôs
de implantaçaã ô dô nôvô môdelô eclesial. Issô se deve principalmente aà s peculiaridades
regiônais: distaô ncia dôs grandes centrôs, falta de clerô, precariedade de transpôrtes, falta
de cômunicaçaã ô etc. Mas a dificuldade maiôr era que a côncepçaã ô de Igreja de D. Macedô
Côsta era nitidamente eurôpeé ia, e dificilmente se adequava aà regiaã ô amazôô nica
predôminantemente indíégena e missiônaé ria. Assim sendô, a presença dô bispô fôi nôtôé ria
em Beleé m, mas naã ô chegôu a atingir prôfundamente a regiaã ô amazôô nica. Apesar dôs bôns
prôpôé sitôs, a atuaçaã ô dô preladô pôucô se fez sentir (Azzi, 1983, p. 23).

Na avaliaçaã ô de Azzi (1983), ôs bispôs rômanizadôres estavam nesse períéôdô muitô mais
preôcupadôs em ôrganizar a estrutura interna de sua instituiçaã ô, prôfundamente
abalada pelas ideias liberais, dô que articular uma expansaã ô da atividade evangelizadôra.
Talvez pôr issô, nô casô da Amazôô nia, ô impôrtante era garantir naã ô apenas a efetiva
presença dô clerô na regiaã ô, mas, sôbretudô a presença de um clerô eficazmente
fôrmadô, “numerôsô e dôé cil aà s diretrizes da Santa Seé ”, jaé que “[...] ôs membrôs dô clerô
eram pôucôs e a maiôr parte deles vivia amasiada e envôlvida em questôã es de ôrdem
pôlíética” (Azzi, 1983, p. 23).
Se pôr um ladô a preôcupaçaã ô primeira dô autôclerô na Refôrma Catôé lica fôra a
ôrganizaçaã ô interna da igreja, tendô cômô tarefa primeira a refôrma dô baixô clerô,
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assim cômô ô refôrçô de sua presença na regiaã ô, pôr ôutrô ladô, essa preôcupaçaã ô, ateé
certô pôntô burôcraé tica, naã ô descartava a preôcupaçaã ô côm ô prôcessô de evangelizaçaã ô
dô pôvô, afinal, pôde-se dizer que a Refôrma tinha cômô ôbjetivô a evangelizaçaã ô dô
prôé priô clerô, cônsideradô pelô bispô cômô ignôrante e alheiô aà s côisas divinas.

EÉ cômum relatôs de bispôs reclamandô a falta de padres na regiaã ô. Azzi transcreve


trechôs dôs relatôs de uma das visitas pastôrais de D. Afônsô de Môraes Tôrres em 1852.
“[...] vejô-me atôrmentadô côm repetidas requisiçôã es dôs pôvôs pedindô-me padres sem
pôder satisfazeô -lôs, e eé para ver ôs mesmôs íéndiôs fazendô tôdas as diligeô ncias para ôs
ôbter sem cônsegui-lôs. Um tuxana (principal da naçaã ô) disse a um dôs diretôres de uma
aldeia que viria aà capital côm bastante farinha, guaranaé para comprar-me um padre. Tal
era ô desejô de pôssuíé-lô” (Azzi, 1983, p. 23). Segundô Lustôsa (1992, p. 15), em 1861,
quandô da pôsse de D. Antôô niô de Macedô Côsta, ô nué merô de parôé quias eram 72, mas
apenas 21 tinham seu vigaé riô. Em minhas incursôã es pelô Marajôé , entre ôs aôs de 2005 e
2010, uma das reclamaçôã es mais frequentes dôs leigôs era a auseô ncia de padres nas
cidades e vilas da Regiaã ô.

Para D. Macedô Côsta ô clerô devia cônstituir a côluna dôrsal da Igreja, urgia efetivar nô
Brasil ô môdelô eclesial tridentinô, ôu seja, uma igreja eminentemente hieraé rquica e
clerical. Nô clerô era côlôcada, em ué ltima anaé lise, a sôluçaã ô para ôs prôblemas religiôsôs
dô Brasil... Em ôutras palavras, a refôrma dô clerô cônstituíéa ô pôntô de partida para a
refôrma dô pôvô cristaã ô (Azzi, 1983, p. 23).
Para aleé m das questôã es de ôrganizaçaã ô interna da Igreja, a Rômanizaçaã ô passava
tambeé m pela disciplina dô laicatô assim cômô de suas manifestaçôã es de feé , ateé pôrque a
dimensaã ô clerical naã ô se tece sem ô ethos laicô, e vice-versa. Nessa perspectiva, Maueé s
(1999, p. 121), assim define ô períéôdô de Refôrma da Igreja Catôé lica na Amazôô nia.
Essa refôrma, chamada mais tarde de “rômanizaçaã ô” implicava, entre ôutras côisas, em
maiôr aprôximaçaã ô da Igreja dô Brasil de Rôma e, cônsequentemente, numa espeé cie de
eurôpeizaçaã ô dô catôlicismô brasileirô. Pôr issô ela se vôltava côntra ô regime dô
padrôadô que implicava em muitas amarras pôlíéticas e administrativas em relaçaã ô aà s
autôridades dô Impeé riô, e tambeé m se vôltava côntra ô catôlicismô tradiciônal, prôcurandô
disciplinar e educar ô clerô e ô laicatô. Entre as pôlíéticas que fôram côlôcadas em praé tica
pela rômanizaçaã ô, mesmô antes, durante e apôé s ô gôvernô diôcesanô de D. Macedô Côsta
– e naã ô sôé nô Paraé , mas em planô naciônal, pôr vaé riôs ôutrôs bispôs rômanizadôres –,
estavam a substituiçaã ô das antigas devôçôã es pôpulares tradiciônais pôr nôvas devôçôã es
impôrtadas da Eurôpa, cômô a dô Sagradô Côraçaã ô de Jesus; a criaçaã ô de nôvas
assôciaçôã es religiôsas, cômô ô Apôstôladô da Oraçaã ô; a refôrma dô ensinô dôs seminaé riôs
e ô enviô de jôvens seminaristas mais prômissôres para cômpletar sua fôrmaçaã ô na
Eurôpa – em Saã ô Sulpíéciô, na França, e em Rôma –, ô que visava melhôrar ô níével
intelectual e môral dô clerô nativô; ô incentivô aà vinda para ô Brasil de ôrdens e
côngregaçôã es religiôsas estrangeiras (eurôpeé ias), femininas e masculinas, para suprir a
necessidade de nôvôs religiôsôs capazes de atuar nô ensinô, tantô de seminaé riôs cômô
dôs côleé giôs catôé licôs, nôs hôspitais, na evangelizaçaã ô e nô côntrôle dôs centrôs de
devôçaã ô pôpular (cômô eé ô casô de Beleé m côm ô cultô a N. S. de Nazareé ) (Maueé s, 1999, p.
121).

Ambôs ôs bispôs, D. Afônsô Tôrres e D. Macedô Côsta, em suas visitas pastôrais nôs
interiôres dô Paraé prôcuraram disciplinar ôs fieé is e suas manifestaçôã es pôpulares. D.
Afônsô, nas visitas pastôrais pelô Riô Acaraé , elôgiôu ô haé bitô de cantar e rezar de
escravôs negrôs e fez críéticas aôs patrôã es fazendeirôs que ôs impunham apenas ô
trabalhô, sem lembrarem-se que ôs escravôs “[...] saã ô cristaã ôs e cômô tais ôbrigadôs aà
ôraçaã ô” (Santôs, 1992, p, 304). Naã ô haé , segundô Santôs, nenhum prônunciamentô dô
bispô em relaçaã ô aô “prôblema da escravidaã ô dô negrô”, sendô, pôrtantô, de interesse dô
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bispô ô prôcessô de cristianizaçaã ô dô negrô apenas cômô uma maneira de evitar que ô
mesmô côntinuasse a praticar sua religiaã ô e certôs aspectôs dô seu fôlclôre, cômô as
danças dô carimbôé e lundué , vistôs que ôs mesmôs eram cônsideradôs, pela Igreja, cômô
manifestaçôã es pagaã s e supersticiôsas, altamente nôcivas aà feé catôé lica.
D. Macedô Côsta em sua visita pastôral aô municíépiô de Sôure na Ilha dô Marajôé “[...]
esteve em entrevista côm um celebre pajeé e côndenôu em pué blicô suas impôsturas”
(Lustôsa, 1992) [1939].
Pôr vaé rias ôcasiôã es esse bispô entrôu em cônflitô côm ôs paraenses devidô aà “devôçaã ô
extremada” dôs mesmôs a Nôssa Senhôra de Nazareé ; devôçaã ô que, segundô ele, tôrnara-
se “[...] uma fônte perene de côrrupçaã ô para ô pôvô, de graves laé stimas e desôrdens para
as famíélias, cômô eram as saturnais dô paganismô” (Vianna, 1904, p. 241).
A Questaã ô Religiôsa cônstituiu-se numa seé rie de cônflitôs ôcôrridôs nô períéôdô de 1872
a 1875 entre ô clerô, especialmente sua ala cônservadôra, e ô Impeé riô. A razaã ô para ô
cônflitô, entre ôutras, era a naã ô aceitaçaã ô pelôs bispôs de maçôns na gereô ncia das
irmandades religiôsas. Pôde-se dizer que ô estôpim para ô cônflitô fôi a interdiçaã ô de
padres ligadôs aà maçônaria nô Riô de Janeirô, em Olinda e nô Paraé pôr seus respectivôs
bispôs. Dôm Pedrô Maria de Lacerda, nô Riô de Janeirô; Dôm Vital de Oliveira, em Olinda,
e Dôm Antôô niô de Macedô Côsta, nô Paraé . O gôvernô imperial leu as prôibiçôã es cômô
desôbedieô ncia aà sua autôridade, levandô ôs bispôs a respônderem prôcessôs pôr
interdiçôã es dôs padres e fechamentô de irmandades.
Em 1874, fôi decretada a prisaã ô de D. Vital e D. Macedô Côsta. Nô anô seguinte, Duque de
Caxias, aà frente dô Gabinete, côncedeu anistia aôs bispôs.
Ainda cômô resquíéciô da chamada Questão Religiosa, cônflitô que envôlveu clerô e
Impeé riô dô Brasil, entre ôs anôs de 1872 e 1875, nô Paraé , se deu a Questão Nazarena,
cônflitô que envôlveu ô clerô, especialmente D. Antôô niô de Macedô Côsta, a Irmandade
de Nazareé e ô pôder pué blicô lôcal. A Irmandade de Nôssa Senhôra de Nazareé era a
assôciaçaã ô de leigôs respônsaé vel pela ôrganizaçaã ô da celebraçaã ô dô Cíériô de Nôssa
Senhôra de Nazareé , mas a presença de maçôns na Diretôria da Irmandade era
cônsiderada pelô bispô cômô uma afrônta, jaé que ô Cíériô de Nôssa Senhôra de Nazareé era
uma festa catôé lica.

Devôçaã ô dô catôlicismô pôpular em hômenagem a Nôssa Senhôra de Nazareé que tem sua
ôrigem nô final dô seé culô XVIII (1701), quandô dô achadô de uma imagem de N. S. de
Nazareé . A celebraçaã ô fôi ôficialmente instituíéda nô anô de 1793 e desde entaã ô tem
acôntecidô sem interrupçôã es, a naã ô ser nô anô de 1835, pôr ôcasiaã ô da tômada da cidade
pelôs cabanôs, nô iníéciô da grande revôlta pôpular, a Cabanagem. EÉ regiônalmente
recônhecida cômô a maiôr celebraçaã ô catôé lica côm pôder de môbilizaçaã ô de cerca de dôis
milhôã es de pessôas. Seu valôr identitaé riô eé taã ô expressivô aô paraense cômô um tôdô que
a celebraçaã ô fôi registrada, nô anô de 2004, pelô Institutô dô Patrimôô niô Histôé ricô e
Artíésticô Naciônal cômô Patrimôô niô Imaterial da Cultura Brasileira.

A pendenga entre ô bispô e a Irmandade iniciôu nô anô de 1877 e se arrastôu ateé 1879.
Nesse íénterim, ô bispô eé afrôntadô pôr dôis gôvernadôres de prôvíéncia: Jôseé da Gama
Malcher e Gama Abreu (Baraã ô de Marajôé ), eles alegavam a natureza civil dô Cíériô para
naã ô se submeterem aà s ôrdens dô bispô, sôbretudô aà quela que prôibia a realizaçaã ô da
celebraçaã ô. Essa natureza civil estaé relaciônada aà ôrigem ôficial da celebraçaã ô nô anô de
1793, pelô entaã ô gôvernadôr da prôvíéncia, Franciscô de Sôuza Côutinhô, idealizadôr da
Trasladaçaã ô, da Prôcissaã ô dô Cíériô, assim cômô da “feira Agríécôla”, atual Arraial. Nesta
eé pôca, ô bispadô estava em vacaô ncia.
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O iníéciô dô cônflitô deu-se pôr ôcasiaã ô da realizaçaã ô dô Cíériô, nô anô 1877, quandô uma
carta anôô nima fôi publicada nô Jôrnal Diário de Belém, alegandô que “representaçôã es
indecôrôsas” acônteciam nô arraial da festa (Rôque, 1981, p. 63). O bispô reagiu
prôntamente suspendendô “as funçôã es religiôsas” dô Cíériô e em seguida viajôu, deixandô
aô vigaé riô Jôaã ô Simplíéciô das Neves Pintô e Sôuza a incumbeô ncia de dar a nôtíécia aôs
interessadôs.
A Irmandade, naã ô côntente côm a suspensaã ô dôs festejôs, amparada pelô pôder pué blicô,
adentrôu a igreja, que se encôntrava fechada, subiu aô altar, tôcôu ôs sinôs para chamar
ôs fieé is e realizôu ôs serviçôs religiôsôs sem a presença de sacerdôtes.
O eventô que serviu de razaã ô para iniciar ô cônflitô, as tais “representaçôã es indecôrôsas”
(Tratava-se de pinturas de Miguel AÂ ngelô, Rafael e ôutrôs pintôres (Alves, 1980;
Rôque,1981) fôram, aô lôngô dô cônflitô, cedendô lugar aà s questôã es que de fatô vaã ô
sustentar ô cônflitô pôr quase dôis anôs: a presença de maçôns na Diretôria da
Irmandade de Nazareé , fatô que ô bispô naã ô tôlerava. A issô sômôu-se a disputa entre a
Irmandade e ô bispô pela pôsse da Igreja de Nôssa Senhôra de Nazareé . O bispô naã ô
aceitava que a pôsse da Igreja ficasse côm a irmandade, pôis a mesma estava “infestada
de maçôns” (EÉ da ôpiniaã ô de Alves que ô bispô naã ô era côntra ô Cíériô de Nazareé , mas que
esta, sendô uma festa pôpular, estava sujeita aà manipulaçaã ô pôr pôderes côncôrrentes aô
seu, a exemplô da maçônaria (Alves, 1980, p. 95). Maueé s discôrda de tal tese.)
Aô lôngô dô anô de 1878, ô bispô pôlemizôu nôs jôrnais côm aqueles que tômaram
pôsiçaã ô côntraé ria aà decisaã ô tômada pôr ele, em pôrtaria de 27 de agôstô de 1878, na qual
determinava que naquele anô “[...] naã ô se fizesse sôlenidade alguma” na Igreja de Nazareé ,
ateé que a mesma “[...] lhe fôsse entregue”, juntamente côm “tôdô serviçô religiôsô”, istô
significava a prôibiçaã ô da realizaçaã ô dô Cíériô. Naã ô atendendô aà autôridade dô bispô, em
ôutubrô de 1878, fôi realizadô ô Cíériô sem a presença dô clerô, ô côrtejô ficôu cônhecidô
cômô “Cíériô Civil”.
Atacadô pelôs jôrnais, especialmente pelô Liberal dô Paraé , mas naã ô apenas, ô bispô
exigiu uma côndiçaã ô para rever sua pôsiçaã ô acerca da prôibiçaã ô dô Cíériô: que tôdôs ôs
signataé riôs que cômpunham a Irmandade de Nazareé se declarassem catôé licôs rômanôs
“[...] dispôstôs a cumprir as determinaçôã es dô preladô” (Rôque, 1981, p. 70).
Nô anô de 1879, ainda naã ô haé acôrdô entre as partes e, mais uma vez, ô Cíériô eé realizadô
apenas côm autôridades civis aà frente dô côrtejô.
Nô anô de 1880, nôvô ôfíéciô fôi enviadô pelô bispô aô Baraã ô dô Marajôé sôlicitandô a naã ô
realizaçaã ô de mais um Cíériô sem a presença de sacerdôtes, em respôsta, ô bispô recebeu
a nôtíécia de que era dô interesse dô Baraã ô que ô preladô se entendesse diretamente côm
ô nôvô diretôr da Irmandade, ô senhôr Jôseé Cardôsô da Cunha Côimbra. Atendendô aô
pedidô dô Baraã ô, bispô e Irmandade entraram em acôrdô, ficandô acertadô que a Igreja
de Nazareé seria repassada aà administraçaã ô da Diôcese. A Irmandade tambeé m cônsultôu
ô bispô acerca da cômpôsiçaã ô de seus nôvôs membrôs. Parece que ô bispô saiu vitôriôsô.

A PRESENÇA PROTESTANTE NO PARÁ


EÉ nesse côntextô cônturbadô para a Igreja Catôé lica que, em níével naciônal, precisa brigar
cônsigô mesma e côm ô pôder civil para se fôrtalecer enquantô instituiçaã ô pôliticamente
independente e, em níével regiônal, precisa superar as dificuldades de uma regiaã ô cômô a
Amazôô nia – côm grandes distaô ncias, falta de clerô ôu clerô deficientemente fôrmadô, de
matriz religiôsa muitô distinta da eurôpeia – que um nôvô desafiô se impôã e aà Igreja
Catôé lica: a presença prôtestante.
Segundô Dreher (1992), cônvenciônôu-se falar da presença prôtestante nô Brasil a partir
de 1824, côm a chegada de imigrantes germaô nicôs nô Riô Grande dô Sul, em sua maiôria
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Luteranôs. Mafra (2001) infôrma que esses primeirôs imigrantes teriam cômô destinô as
cidades de Nôva Friburgô, nô estadô dô Riô de Janeirô, e Saã ô Leôpôldô, nô estadô dô Riô
Grande dô Sul. Na Amazôô nia, particularmente nô Paraé , as primeiras penetraçôã es de
prôtestantes datam dô seé culô XIX. Nô entantô, haé relatôs de que nôs anôs de 1766 e
1768, atraveé s da pôlíética de reôrganizaçaã ô dô impeé riô pôrtugueô s pôr Marqueô s de
Pômbal, apôé s a separaçaã ô entre Pôrtugal e Espanha, em 1640, imigraram para a
Amazôô nia 87 alemaã es: 85 hômens e 2 mulheres. Esses alemaã es seriam mercenaé riôs que,
desertandô das trôpas espanhôlas, fugiram para Pôrtugal e, casadôs côm môças
recôlhidas aà s Casas de Côrreçaã ô, fôram despachadôs para a Amazôô nia, fixandô môradia
na “Vila Viçôsa da Madre de Deus”, entre Nôva Mazagaã ô e Macapaé , nô Estadô dô Amapaé
(Oberacker Jr., 1996 apud Dreher, 1992, p. 322). Dreher destaca que a vila desapareceu
devidô aà s adversidades climaé ticas, dispersandô, assim, seus môradôres. Ele se pergunta
tambeé m se ôs imigrantes eram prôtestantes, mas arremata que, casô fôssem, naã ô nôs
deixassem sinais.
Antes de côntinuarmôs a descrever essa trajetôé ria prôtestante na Amazôô nia, eé bôm
assinalarmôs, pelô menôs marginalmente, as teses que tentaram explicar a razaã ô de ô
Brasil e, particularmente a Amazôô nia, parecer taã ô interessante aô ôlhar prôtestante.
Desde 1860 que as pôteô ncias ecônôô micas estavam de ôlhô nô que acôntecia nô Brasil.
Essa eé a ôpiniaã ô de Dreher (1992) que, mesmô achandô que ô fatô naã ô fôi ainda “[...]
estudadô a fundô [...]”, infere que as pôteô ncias esperavam uma “fragmentaçaã ô dô côlôssô”
chamadô Brasil, e que tôdas as pôteô ncias ecônôô micas queriam “sua fatia nô bôlô”. Ele usa
ô casô da imigraçaã ô de prôtestantes alemaã es para ô Riô Grande dô Sul para exemplificar
seu pensamentô.
Ali ôs imigrantes alemaã es e prôtestantes, estabelecidôs nô Riô Grande dô Sul, a partir de
1824, passam a ser atendidôs regularmente pôr missiônaé riôs, a partir de 1864. Nô
períéôdô de 1824 a 1864 ficaram entregues a si mesmôs, sendô espôraé dicô ô atendimentô
pôr parte de ministrôs ôrdenadôs. Deve ser destacadô que a partir de 1864 seu
atendimentô vai ser feitô pôr missiônaé riôs fôrmadôs na Casa de Missaã ô de Barmen, na
eé pôca dirigida pôr Friedrich Fabri, ô pai dô môvimentô côlônial alemaã ô. Naã ô eé pôr acasô
que as pessôas que financiam a fôrmaçaã ô de missiônaé riôs saã ô fabricantes da Renaô nia.
Desde 1871 ô Reinô Alemaã ô vai dar sua parcela para a pôlíética que vai ser denôminada de
preservaçaã ô da germanidade dôs alemaã es que imigraram para ô Brasil meridiônal.
Pretende-se que a germanidade seja preservada, pôis etnia e líéngua permitiriam a
fôrmaçaã ô de um mercadô ué nicô para ôs prôdutôs alemaã es. O investimentô nô campô
eclesiaé sticô traria dividendôs para ôs prôdutôs alemaã es (Dreher, 1973 apud Dreher, 1992
p. 324).

Ele argumenta que, aô mesmô tempô em que a Eurôpa Central investia nô sul dô Brasil,
acreditandô, inclusive, na fôrmaçaã ô de um nôvô paíés, a Nôva Alemanha, grupôs nôrte-
americanôs e ingleses “arregimentam-se para a futura pôsse da Amazôô nia”, e que ô
missiônaé riô Richard Hôlden, aô chegar nô Paraé , nô final da deé cada de 1860, e aô travar
côntatô côm alguns ingleses que laé môravam, percebeu que havia um desejô de
separaçaã ô daquela regiaã ô dô restô dô Brasil.
EÉ da ôpiniaã ô de Vieira (1980) que ô clima pôlíéticô nô Paraé estava muitô “tumultuadô”
nôs anôs de 1860. As razôã es para tantô seriam ôs descasôs côm que a Côrte tratava a
prôvíéncia, explôrandô-a para ô benefíéciô de si mesma e de uns pôucôs indivíéduôs
privilegiadôs. Parte impôrtante desse descôntentamentô estava relaciônada aô
mônôpôé liô dô cômeé rciô e da navegaçaã ô dô Amazônas pela Cômpanhia dô Viscônde de
Mauaé . Aôs côntatôs travadôs côm impôrtantes pôlíéticôs paraenses, dentre ôs quais Titô
Francô de Almeida, liberal e maçôm, eé que Vieira atribui as cônclusôã es a que Hôlden
chegôu de que a regiaã ô amazôô nica estava prestes a se separar dô Impeé riô. Titô Francô de
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Almeida, advôgadô e pôlíéticô liberal, fôi, segundô Vieira (1980), sem dué vida, ô maiôr
côlabôradôr de Hôlden entre ôs pôlíéticôs paraenses. Quandô Hôlden chegôu aô Paraé , em
1860, Titô Francô exercia funçaã ô de advôgadô e jôrnalista, mas jaé havia exercidô dôis
cargôs pôlíéticôs nôs anôs de 1856, na Assembleia Legislativa Prôvincial, e 1858, nô
Parlamentô Imperial, substituindô Bernardô de Sôuza Francô, que fôra chamadô aô
Senadô (Vieira, 1980, p. 174).
EÉ dô diaé riô dô reverendô, anôtaçôã es dô anô de 1861, que Vieira retira a seguinte
infôrmaçaã ô:
O nôrte eé a principal sede dô môvimentô republicanô, e mais, insinua-se que nô casô dô
Imperadôr môrrer, haveraé ô desmembramentô dô impeé riô e a fôrmaçaã ô de uma Repué blica
Setentriônal. Quaã ô impôrtante eé que nôssa influeô ncia religiôsa pudesse ter um anô ôu
dôis para fazer-se sentida e cônhecida, antes que ô tempô das nôvas cristalizaçôã es
cheguem. As eé pôcas revôluciônaé rias nôs Países papistas saã ô sempre uma bôa
ôpôrtunidade para a intrôduçaã ô dô Evangelhô, pôis, nô meiô dô rugir da tempestade ô
humilde trabalhô missiônaé riô pôde existir despercebidô, de môdô que, apesar de pedir a
Deus que ô dia ainda esteja lônge, achô que devíéamôs tômar em cônsideraçaã ô em nôssôs
planejamentôs algô que eé mais dô que uma côntingeô ncia (apud Vieira, 1980, p. 177).

Apesar de Vieira (1980) registrar as anôtaçôã es de Hôlden em seu livrô, parece que ele
naã ô daé muitô creé ditô aà s cônclusôã es dô reverendô nô que se refere aà pôssibilidade de uma
separaçaã ô da Amazôô nia dô restô dô Brasil.
Investigandô sôbre ôs antecedentes da Questaã ô Religiôsa nô Brasil e sôbre ateé que pôntô
ô prôtestantismô pôderia ser relaciônadô aà mesma, Vieira em seu livrô O protestantismo,
a maçonaria e a questão religiosa no Brasil, publicadô em 1980, encôntra duas teses que
explicariam as razôã es da intrôduçaã ô dô prôtestantismô nô Brasil: a) de que ôs
missiônaé riôs prôtestantes que estiveram nô Brasil faziam parte de uma vanguarda
treinada que tinham cômô ôbjetivô “rapinar” as terras dô Brasil, tese defendida pelôs
dôis bispôs diretamente envôlvidôs na Questão, D. Antôô niô de Macedô Côsta, dô Paraé , e
Dôm Manôel Jôaquim da Silveira, da Bahia; e, b) a de que havia uma cônspiraçaã ô liberal,
de aô mbitô universal, para destruir a Igreja Catôé lica e que a maçônaria fôra utilizada
cômô uma arma para este fim. Vieira (1980, p. 9) atribui aô trabalhô de Bernad Fay,
“Revôlutiôn e Freemasônry” de 1935, a ôrigem desta tese, mas recônhece que ô trabalhô
de Mary Crescentia Thôrntôn, “The church and Freemansôry in Brazil, 1872 -1875”,
publicadô em 1948, teria môdificadô em parte a mesma.
Ainda na intrôduçaã ô de seu estudô, Vieira praticamente descarta a primeira hipôé tese,
achandô que a segunda “[...] parecia ter mais valôr e maiôres pôssibilidades de
cômprôvaçaã ô”. Nô entantô, as cônclusôã es dô autôr vaã ô nô sentidô de demônstrar que de
fatô hôuve um trabalhô de “côôperaçaã ô entre elementôs liberais, maçôô nicôs,
republicanôs, prôtestantes e de ôutrôs grupôs minôritaé riôs côntra ô pôder da Igreja
Catôé lica nô Brasil”, sendô essa côôperaçaã ô “aà s vezes de planô lôcal, aà s vezes de aô mbitô
naciônal. Mas geralmente tinha um cunhô brasileirô e liga-se a prôblemas de aô mbitô
internô” (Vieira, 1980, p. 12).
Para Mendônça e Filhô (1990, p. 76), a “fôrça môdernizante” dô prôtestantismô seria a
razaã ô de sua intrôduçaã ô nô Brasil. Eles acreditam que a Questão Religiosa fôi um
elementô “pôtencializadôr” da açaã ô missiônaé ria prôtestante nô Brasil.
Nô Paraé , a primeira tentativa de evangelizaçaã ô prôtestante fôra dirigida pôr Daniel
Parisch Kidder em 1839. As anôtaçôã es de Kidder, que se transfôrmaram nô livrô
Reminiscências de Viagens e Permanências nas Províncias do Norte do Brasil, referem-se
aôs aspectôs mais gerais da cultura lôcal, dispensa pôucas linhas aô tema da religiaã ô, haé
especial mençaã ô aà questaã ô missiônaé ria nôs dôis paraé grafôs finais dô livrô. Assim relata:
88

“[...] naã ô nôs descuidamôs de nôssa missaã ô de divulgar a bíéblia e fôlhetôs evangeé licôs
durante a nôssa permaneô ncia na Prôvíéncia. Aprôveitamôs tôdas as ôpôrtunidades que nôs
se apresentaram de fazer ô bem e cônseguimôs ôrganizar a venda das Escrituras e a
distribuiçaã ô gratuita dôs fôlhetôs, de maneira que ainda ateé hôje perdura. EÉ de presumir
que ôs numerôsôs exemplares das publicaçôã es evangeé licas assim distribuíédas aô pué blicô
leitôr dô Paraé naã ô tenham deixadô de exercer salutar influeô ncia nô sentidô de prômôver a
tranquilidade geral e a praé tica da virtude” (KIDDER, 1980, p. 218).

Naã ô haé um cônsensô sôbre se a vinda de Kidder aô Brasil fôi uma missaã ô religiôsa ôu
uma viagem cientíéfica. Cetrulô Netô (1994, p. 169) acha que ô mesmô dedica em seu
livrô, Reminiscências de viagens e permanências nas províncias no Norte do Brasil, apenas
“dôis paraé grafôs aô tema da religiaã ô”, sugerindô que ele teria vindô aô Brasil cômô
cientista. Beôzzô (1995, p. 241) assinala que ô “jôvem e eneé rgicô Kidder” veiô aô Brasil a
serviçô da Igreja Episcôpal e da Sôciedade Bíéblica Americana. Missiônaé riô ôficial talvez
naã ô, mas missiônaé riô sim.
Kidder, lôgô nô iníéciô de suas Reminiscências, infôrma:
Nô Paraé tivemôs ôcasiaã ô de ministrar diversôs cultôs semelhantes, em dômingôs
sucessivôs, sendô uma vez a bôrdô de um naviô nôrte-americanô surtô nô pôrtô e ôs
demais na resideô ncia de um amigô (Kidder, 1980, p.183).

Segundô Vieira (1980, p, 177), a presença dô missiônaé riô mereceu atençaã ô especial dô
bispô dô Paraé D. Rômualdô de Sôuza Côelhô (1820 a 1841) que fôra previamente avisadô
pelô bispô dô Maranhaã ô D. Marcôs Antôniô de Sôuza de que ô “hereé ticô e perigôsô
Kidder estava indô para ô Nôrte”. Kidder, tendô em vista sua anteriôr experieô ncia nô
Maranhaã ô, descônfiava naã ô ser bem recebidô pela autôridade religiôsa nô Paraé , assim, aô
chegar em Beleé m, fez uma visita aô presidente da prôvíéncia, Bernardô de Sôuza Francô, a
quem môstrôu suas cartas de apresentaçaã ô. Apôé s visita aô presidente, ô missiônaé riô
garantiu: “[...] ningueé m interferiu cômigô ôu côm qualquer das minhas atividades, dô
princíépiô aô fim” (Kidder, 1980, p. 178).
A presença prôtestante na Amazôô nia, cômô se veô , naã ô eé um fatô recente, assim cômô naã ô
eé recente a atençaã ô que a Igreja Catôé lica tem dispensadô aô fenôô menô, cômô veremôs aô
lôngô dô textô. O prôé priô Kidder relata em suas Reminiscências... a reaçaã ô dô bispô
quandô dô episôé diô de sua chegada na Beleé m dô seé culô XIX:
O velhô preladô dô Paraé parece ter sidô côntagiadô pelô paô nicô de que se deixôu tômar
seu côlega dô Maranhaã ô e, ambas essas autôridades eclesiaé sticas, cedendô a certas
insinuaçôã es maliciôsas e infundadas prôvenientes de determinadas fôntes, mais dô que
seria capaz de esperar de seus espíéritôs esclarecidôs, escreveram aô Sr. Francô
[presidente da prôvíéncia aà eé pôca] taxandô-nôs de indivíéduô perigôsô que naã ô deveria ter
permissaã ô para desembarcar na prôvíéncia (Kidder, 1980, p. 189).

O missiônaé riô prôtestante refere-se, na citaçaã ô ôra expôsta, aô episôé diô ôcôrridô quandô
de sua passagem pelô Maranhaã ô. O bispô desse lugar, aô ser infôrmadô de que Kidder
estava fazendô circular bíéblias, “[...] temendô que tôdô mundô se afôgasse num mar de
heresias”, advertiu tôdôs ôs fieé is de que naã ô se côntaminassem pelas bíéblias, bem cômô
que naã ô se “[...] cônvertessem aô prôtestantismô”. Segundô Kidder, ô pué blicô deu “pôuca
impôrtaô ncia aà extempôraô nea” ôpiniaã ô dô bispô (Kidder, 1980, p. 169-170).
Apôé s Kidder, ô capitaã ô nôrte-americanô, Rôbert Nesbit, estivera navegandô ô Amazônas
ateé ô Peru, nôs anôs de 1857 e 1858, e, “[...] seguindô ô côstume da eé pôca”, aprôveitava as
acômôdaçôã es dô naviô a vapôr para transpôrtar uma grande quantidade de bíéblias
prôtestantes. Vieira (1980, p, 178) cômenta que a pôpulaçaã ô ribeirinha se impressiônava
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côm a visita dôs grandes vapôres que jôgavam para ô ar fôgô e fumaça, e “[...] cômprava
ôs livrôs dô capitaã ô Nesbit”. Dreher, tambeé m citandô Vieira (1980), relata que ô capitaã ô
“[...] distribuíéa [as bíéblias] para ôs ribeirinhôs pôr ônde passava” (Dreher, 1992, p. 323).
Vendidas ôu dôadas, as bíéblias dô capitaã ô causaram muita cônfusaã ô aà Igreja Catôé lica
lôcal, merecendô atençaã ô especial da instituiçaã ô atraveé s de uma Carta Pastôral de Dôm
Jôseé Afônsô Tôrres:
Antes de seu falecimentô, Rôbert Nesbit tinha distribuíédô Bíéblias em pôrtugueô s em
nué merô suficiente para causar preôcupaçaã ô aô bispô dô Paraé , Dôm Jôseé Afônsô Tôrres,
que em 8 de abril de 1857 publicôu uma Carta Pastôral, instruindô ôs fieé is côntra as
Bíéblias e ôpué sculôs distribuíédôs pelô agente da Sôciedade Bíéblica Americana (Vieira,
1980, p. 178).

O terceirô missiônaé riô prôtestante a pregar nô Paraé , em declarada missaã ô religiôsa, fôi
Richard Hôlden, nô final de 1860. A escôlha de Beleé m, cômô lugar de missaã ô para
Hôlden, estaria relaciônada, segundô Vieira (1980, p. 164), aà anteriôr atuaçaã ô de Rôbert
Nesbit nôs anôs de 1857 e 1858, mais especialmente, tambeé m, pela grande expectativa
que existia, nôs Estadôs Unidôs e na Eurôpa, de que ô Riô Amazônas fôsse abertô aà
navegaçaã ô mundial. Quantô a essa ué ltima questaã ô, havia um clima de muita cônfusaã ô na
capital paraense, alguns pôsiciônavam-se a favôr da abertura aà navegaçaã ô e ôutrôs
côntra, pôr acharem que se tratava de expediçôã es “flibusteiras” que viriam dôs Estadôs
Unidôs. A grande presença de nôrte-americanôs na Beleé m dô seé culô XIX côntribuíéa para
alimentar ô medô dôs paraenses; medô que surgira, segundô Vieira (1980), devidô a
algumas nôtíécias de jôrnais de Nôva Iôrque.
Kidder, em 1939, registrôu nô Paraé a segunda maiôr cômunidade de nôrte-americanôs
que ele teria encôntradô nô Brasil, em sua maiôria desempenhandô funçôã es de
cômerciante e mecaô nicôs; Hôlden, quandô de sua estada na cidade, destacôu a grande
hôstilidade de ingleses e americanôs, chamadôs pôr ele de infiéis, aà presença de
pregadôres prôtestantes.
O missiônaé riô temia que essa hôstilidade pudesse atrapalhar seu trabalhô. Dadô a
hôstilidade de americanôs e ingleses, Hôlden chegôu aà cônclusaã ô de que era difíécil
pregar entre ôs estrangeirôs e as classes mais abastadas da cidade, pôis que ôs mesmôs
eram entendidôs pelô missiônaé riô cômô “descrentes”, entaã ô, ele direciônôu seu trabalhô
missiônaé riô mais especificamente para a “classe humilde”, mas, aô mesmô tempô
“enfrentôu” ôs “descrentes” côm “as armas da publicidade”. EÉ côm traduçaã ô de partes de
impôrtantes ôbras prôtestantes, aleé m de um prôgrama de prôpaganda religiôsa nôs dôis
principais jôrnais da cidade, Diário do Grão-Pará e Jornal do Amazonas, que Hôlden
esperava cômbater ôs infiéis e evangelizar ô pôvô. O Jornal do Amazonas tinha aà frente da
redaçaã ô Titô Francô de Almeida, tendô sidô fundadô pelô mesmô em 1860, e ô jôrnal
Diário do Grão-Pará tinha aà frente algueé m de sôbrenôme Magalhaã es, sôbre quem Vieira
(1980, p. 177) alega naã ô ter cônseguidô maiôres infôrmaçôã es.
Nôs jôrnais, Hôlden vai se preôcupar em adaptar e publicar ôbras “[...] que naã ô fôssem
ôfensivas aô catôlicismô”, tendô em vista as recômendaçôã es de Titô Francô. Durante tôdô
esse prôcessô, ô missiônaé riô teve côlabôraçôã es de Jôseé Henriques e Titô Francô. Jôseé
Henriques Côrdeirô de Castrô, grande côlabôradôr de Hôlden, ensinava pôrtugueô s aô
escôceô s e côrrigia tôdôs ôs seus artigôs, era advôgadô e funciônaé riô dô Tesôurô Naciônal
em Beleé m.
Mas a evangelizaçaã ô naã ô se dava apenas pela imprensa, Hôlden chegôu a fundar uma
igreja nô pôrtô de Beleé m, “serviçô Bethel”, cômô ficôu registradô em seu diaé riô, e, entre
90

dezembrô de 1860 e junhô de 1861, Hôlden faz viagens pelôs diversôs afluentes dô
Amazônas vendendô bíéblias nas vilas e cidades vizinhas:
Em nenhuma dessas viagens, excetô na ué ltima, teve qualquer prôblema côm autôridade
civil ôu eclesiaé stica. Nô fim da ué ltima viagem, que durôu de 13 de junhô a 6 de agôstô de
1861, nôtôu que tôdôs ôs padres estavam ausentes de suas parôé quias, tendô idô a Beleé m a
fim de dar a bôas vindas aô bispô. Talvez, pôr essa razaã ô, ô subdelegadô, num lugar
chamadô Iritué ria, assumiu a respônsabilidade de lhe sustar ô trabalhô. Face aà s exigeô ncias
dô sub-delegadô, Hôlden replicôu que ô mesmô estava erradô, que ele naã ô tinha
quebrantadô a lei, nem seus auxiliares ô tinham; e que iria côntinuar seu trabalhô cômô
antes. Entretantô, aô ôuvir dizer que na vizinha cidade de Oureé m ô padre havia juntadô
tôdas as bíéblias e panfletôs prôtestantes e feitô deles uma fôgueira, decidiu seguir viagem
e apresentôu a questaã ô aô côô nsul ingleô s em Beleé m. Cônsultandô Titô Francô sôbre ô
prôblema, a ôpiniaã ô deste fôi que ô sub-delegadô estava erradô, vistô que sôb a
Cônstituiçaã ô “respeitô pelô Rômanismô naã ô excluíéa discussaã ô sôbre ô dôgma catôé licô”
(sic). A chegada de Dôm Macedô Côsta, nô entantô, jaé estava môdificandô ô ambiente
religiôsô nô Paraé (Vieira, 1980, p. 180-181).

D. Jôseé Afônsô de Môraes Tôrres renunciôu aô bispadô dô Paraé em 1859, dessa fôrma,
quandô D. Antôô niô de Macedô Côsta chegôu aô Paraé em 1861, ô mesmô estava em
vacaô ncia. Uma das principais preôcupaçôã es de Dôm Antôô niô de Macedô Côsta, cômô
recômendava a pôlíética de refôrma da Igreja, era a disciplina dô clerô lôcal. Em sua
primeira Carta Pastôral ele exôrtôu ô mesmô a naã ô se envôlver em pôlíética, assim cômô a
abandônar suas “amaé sias”. Hôlden, irônicamente, em seu diaé riô, pergunta-se se ô mesmô
“[...] teraé melhôr eô xitô que seu antecessôr que em desesperô resignôu a Seé ” (Trata-se de
Jôseé Afônsô de Môraes Tôrres, nônô bispô dô Paraé que, apôé s 15 anôs aà frente dô bispadô
paraense, renunciôu, em 1857).
Nesta primeira Carta, ô bispô jaé fazia mençaã ô aôs prôtestantes, mas ô principal ataque
aôs mesmôs viria na segunda Carta Pastôral, de agôstô de 1861, na qual alvejava
“Hôlden, suas bíéblias e seus panfletôs”. Nessa Carta, ô bispô debate acerca dô que
cônsidera “falsificaçôã es da bíéblia”, aleé m de prôibir seu rebanhô de cômpraé -la e de pôssuíé-
la em casa. Apôé s issô, ô bispô e ô missiônaé riô iraã ô travar seé ria pôleô mica atraveé s de
artigôs em jôrnais, sendô, inclusive, ô missiônaé riô intimadô pelô chefe de pôlíécia a
cômparecer na delegacia; quandô diante da autôridade pôlicial fôi avisadô pôr esse que
naã ô pôdia ensinar sua religiaã ô em pôrtugueô s. Os episôé diôs seguem côm um cônvite dô
bispô aô missiônaé riô para palestrarem; Hôlden naã ô aceita ô cônvite, pôis prefere, cômô
registra em seu diaé riô, revelar-se aôs pôucôs aô preladô, atraveé s dôs artigôs nôs jôrnais.
Tal decisaã ô cria, segundô Viera, uma curiôsidade geral na cidade, ô que faz aumentar a
venda de bíéblias, assim cômô as visitas aôs “serviçôs religiôsôs” de Hôlden, que pregava
em pôrtugueô s. Viera assim narra este mômentô:
AÌ recusa de Hôlden de encôntrar-se côm ô bispô seguia-se uma grande môvimentaçaã ô nô
depôé sitô de bíéblias, de pessôas que iam cômprar ôs livrôs pôr simples curiôsidade, em
seguida aumentaram seus auditôé riôs nôs serviçôs religiôsôs em pôrtugueô s, ainda que
muitôs dôs frequentadôres fôssem alemaã es, que tinham pedidô que dirigissem cultô em
líéngua que eles pudessem entender. Côntudô, uma grande pôrçaã ô dô auditôé riô era
cômpôsta de jôvens intelectuais brasileirôs, que manifestavam grande antagônismô aà
Igreja Catôé lica e aà religiaã ô em geral. Entaã ô, nô iníéciô de janeirô de 1862, teve lugar ô
estranhô episôé diô de quase “cônversaã ô” de Titô Francô, que deve ter sidô relatadô aà s
autôridades eclesiaé sticas pelô pai, que era muitô religiôsô... (Vieira, 1980, p. 185).

Nô côntextô das pôleô micas côm Richard Hôlden, ô bispô vinha passandô pôr situaçôã es
difíéceis, tinha que lidar côm ô clerô mal preparadô, aleé m de ter que côntôrnar prôblemas
de relaciônamentô côm seu laicatô.
91

Numa ôcasiaã ô fôra vaiadô em frente de sua igreja pôr um subdelegadô e ôutrôs
“turbulentôs”, ôs quais ô bispô tinha repreendidô pôr “cômpôrtamentô inadequadô” na
missa; precisava lidar côm ô “catôlicismô fetichista dôs paraenses”, aleé m, clarô, de
respônder aôs ataques de Hôlden pela imprensa.
O missiônaé riô parece escôlher esse mômentô para publicar a carta de alguns bispôs
hôlandeses côntra ô dôgma da Imaculada Cônceiçaã ô. Fôi a gôta d’aé gua para ô bispô. O
dônô dô jôrnal, Titô Francô, fôi chamadô pelô bispô e acônselhadô a naã ô mais ceder
espaçô aôs textôs dô reverendô, pedidô que, segundô Viera, fôra cumpridô.
Esse episôé diô marca a saíéda de Hôlden dô Paraé , pôis, sem ô apôiô dô Jornal do Amazonas,
ô reverendô se veô enfraquecidô na queda de braçô côm ô bispô, assim, recônhecendô que
“a eficieô ncia de seu trabalhô fôra prejudicada pelas medidas pôlíéticas e ecônôô micas dô
bispô”, em maiô de 1862, Hôlden deixa ô Paraé rumô aà Bahia.
Nô entantô, a saíéda dô missiônaé riô da cidade naã ô significôu que sua lembrança fôra
apagada. Quase dez anôs depôis de sua partida, ô preladô ainda ô lembrava em seus
sermôã es, e nôs textôs dô jôrnal catôé licô A Boa Nova, fundadô depôis da partida dô
missiônaé riô. Assim manifestôu-se a memôé ria dô bispô acerca dô missiônaé riô, atraveé s em
uma das ediçôã es de A Boa Nova:
Nô cômeçô desse bispadô, um certô Hôlden queria implantar ô prôtestantismô nessa
Diôcese, aô que (ô bispô) ôpôô s-se pôr meiô de uma carta pastôral de sermôã es. Hôlden
côstumava publicar seus errôs nô Jornal do Amazonas, de cujô redatôr ô bispô era amigô.
Sua excelentíéssima reverendíéssima chamôu ô editôr aà ôrdem e este cavalheirô prômeteu-
lhe que se qualquer côisa fôsse publicada côntra a Imaculada Cônceiçaã ô, naã ô mais
permitiria que ôs prôtestantes publicassem em seu jôrnal... De fatô, um dia, sem ô
cônsentimentô dô editôr nô Jornal do Amazonas fôi publicadô uma diabrite côntra a
Imaculada Cônceiçaã ô. O redatôr cumpriu a palavra dada a sua Excelentíéssima
Reverendíéssima e naã ô fôi mais permitidô que Hôlden publicasse qualquer côisa nô jôrnal
(Vieira, 1980, p. 186).

James Hendersôn, cômerciante ingleô s, amigô e côlabôradôr de Hôlden, fôi respônsaé vel,
apôé s a saíéda dô missiônaé riô dô Paraé , pôr frequentes ataques aô bispô e aà Igreja pelôs
jôrnais lôcais. O Escôceô s James Hendersôn fôra “[...] dentre tôdôs ôs estrangeirôs que
ajudaram Hôlden ô mais interessante e exôé ticô, sem nenhuma dué vida”. Ele residia nô
Paraé desde 1832, em 1839 hôspedôu Daniel Kidder quandô de sua estada em Beleé m. O
prôé priô Kidder, em seu livrô, diz que naã ô tem palavras para expressar a gentileza de
Hendersôn (Kidder, 1980, p. 188). De acôrdô côm ô diaé riô de Hôlden, cômô escreveu
Vieira (1980, p. 168), ele era sôé ciô de Titô Francô dô Jornal do Amazonas, fundadô em
1860, sendô inclusive Hendersôn quem apresentôu Hôlden a Titô Francô. Antes mesmô
da chegada de Hôlden, Hendersôn era envôlvidô côm vendas de bíéblias e pôssuíéa um
estôque de panfletôs prôtestantes. Dreher (1992, p. 323) descônfia de que essa literatura
prôtestante tenha sidô cônfiada a Hendersôn apôé s a môrte de Rôbert Nesbit, ô capitaã ô
nôrte-americanô que distribuíéa bíéblias a bôrdô de seu naviô.
As atitudes de Hôlden deixaram ô clerô catôé licô mais reservadô quantô aà s questôã es de
religiaã ô. Depôis da saíéda dô missiônaé riô, D. Macedô instruiu seu rebanhô a devôlver tôdô
material que tinham adquiridô de Hôlden,“[...] a maiôria das pessôas atendeu aô pedidô”,
declarôu ô preladô em Carta Pastôral de 1872. Nô anô seguinte aà saíéda de Hôlden, Dôm
Macedô publicôu ô primeirô nué merô dô jôrnal catôé licô A Estrela do Norte, “[...]
especialmente fundadô para instruçaã ô religiôsa de sua Diôcese” (Vieira, 1980, p. 293).
Ainda nô mesmô anô de 1863, ô bispô iniciôu uma campanha de esclarecimentô sôbre ô
prôtestantismô aô pôvô. EÉ nessa eé pôca que ô bispô “endôssa” a teôria, jaé assinalada pelô
92

bispô da Bahia, de que a intrôduçaã ô dô prôtestantismô nô Brasil estava “intimamente”


relaciônada aà s “maquinaçôã es” dôs Estadôs Unidôs da Ameé rica para tômar ô Amazônas.
Aô ir para ô Paraé , as recômendaçôã es que Hôlden recebeu dô Cônselhô de Missaã ô da
Igreja Episcôpal e da Sôciedade Bíéblica Americana, ôrganizaçôã es que cônjuntamente ô
patrôcinavam, eram de que “trabalhasse quietamente” na distribuiçaã ô de bíéblias, Nôvôs
Testamentôs e panfletôs religiôsôs e que “naã ô se envôlvesse em pôlíética”. Recômendaçôã es
difíéceis de cumprir, tendô em vista ô côntextô ”tumultuadô” a que se referiu Vieira, assim
cômô pelas relaçôã es que Hôlden côntrai chegandô aô Paraé , especialmente sua amizade
côm Titô Francô.
Aleé m dissô, Vieira (1980) tambeé m cômenta que naã ô era muitô faé cil para um estrangeirô
brancô, altô, magrô, manter-se anôô nimô numa cidade pequena e pôvôada de mestiçôs,
ônde ô tipô fíésicô era baixô, magrô e môrenô, aleé m da questaã ô da apareô ncia fíésica, sôma-
se ô fatô de ô missiônaé riô se encôntrar hôspedadô na casa de um dôs negôciantes mais
ricôs da cidade, ô escôceô s Hendersôn, ô que côntribuíéa para que a presença dô mesmô
chamasse muitô a atençaã ô dôs lôcais. A estrateé gia utilizada pôr Hôlden, para melhôr
trabalhar, cônstituiu em adquirir um lôcal nô centrô cômercial que servia de depôé sitô
para seus livrôs que eram anunciadôs a venda nôs jôrnais lôcais, e nas viagens que
realizôu aô lôngô dôs riôs da Amazôô nia, ônde seu serviçô era mais tranquilô.
Chama-me atençaã ô a ôbservaçaã ô de Vieira sôbre cômô era difíécil para um missiônaé riô
nôrte-americanô “trabalhar” quase em segredô, vistô sua diferença fíésica em relaçaã ô aà s
demais pessôas dô lugar. A impressaã ô que tenhô eé que ô mesmô chamava atençaã ô pôr
ônde passava menôs pôr sua apareô ncia fíésica e mais pôr sua pôstura, pôis, cômô bem
registrôu Kidder, havia, nô Paraé , a maiôr côlôô nia de ingleses que ele tinha encôntradô em
sua viagem pelô Brasil, côm exceçaã ô da dô Riô de Janeirô, assim, parece que ôs atôs de
Hôlden, abrindô uma igreja, pregandô em pôrtugueô s, e, sôbretudô pôlemizandô
publicamente pelôs jôrnais côm D. Macedô Côsta, eram mais parte da estrateé gia dô
mesmô e menôs fatôs incôntôrnaé veis. Issô justifica-se quandô da recusa dô reverendô
em encôntrar-se côm ô bispô, tendô cômô justificativa ô fatô de preferir pôlemizar pelôs
jôrnais a encôntraé -lô, cômô ficôu registradô em seu diaé riô.
Pôis ô restô da verdade eé que, uma razaã ô para naã ô me entrevistar côm ô bispô fôi
exatamente que temia que nôs entendeô ssemôs bem demais para o meu próprio propósito.
Eu ô entendi perfeitamente bem desde ô principiô, pôreé m estaé muitô mais de acôrdô côm
ô meu prôpôé sitô que ela (sic) aprenda a cômpreender-me aôs pôucôs aà prôpôrçaã ô em que
me revelô pela imprensa, dô que se tivesse que dizer-lhe em termôs clarôs que estôu aqui
côm ô prôpôé sitô expressô de fazer frente aà sua igreja (Vieira, 1980, p. 185).

Um pôntô unia missiônaé riôs prôtestantes e cleé rigôs ultramôntanôs na Beleé m da segunda
metade dô seé culô XIX: a ôpiniaã ô generalizada de que ô paraense, cômô ô restô da
pôpulaçaã ô brasileira, em questôã es de religiaã ô, tendia a ser mais “supersticiôsa” que
“religiôsa” (Vieira, 1980). Essa ôpiniaã ô, generalizada na eé pôca, reflete ô ôlhar
precônceituôsô das autôridades religiôsas para côm as religiôã es naã ô cristaã s ôu mesmô
para aquelas cristaã s que naã ô se encaixavam nôs caô nônes dô catôlicismô ôficial. Relatôs
ôutrôs, cômô a dissertaçaã ô de Figueiredô (1996), môstram uma Beleé m dô final seé culô
XIX em plenô vigôr de sua vida religiôsa atraveé s dôs ritôs de pajelança que acônteciam
em tôda cidade, que vivia, entaã ô, ô glamour da bôrracha, atraveé s de sua belle èpoque.
Prôtestantes e catôé licôs estavam de acôrdô quandô achavam que ôs brasileirôs naã ô eram
“cristaã ôs verdadeirôs” quandô ô assuntô era religiaã ô. Relatôs, cômô ôs de Côôley
Fletcher, afirmavam que:
93

De tôdôs ôs pôvôs que tinha cônhecidô, ôs brasileirôs eram ôs que menôs se impôrtavam
côm a religiaã ô. Naã ô tinham entusiasmô pela religiaã ô catôé lica e eram sumamente
indiferentes aà s questôã es espirituais, sua vida religiôsa limitandô-se a fôguetôé riôs e
prôcissôã es (Vieira, 1980, p. 170).

O pastôr e missiônaé riô nôrte-americanô, Côlley Fletcher, esteve nô Riô de Janeirô,


entre ôs anôs de 1850 e 1854, cômô agente da Uniaã ô Cristaã Americana e Estrangeira
e da Sôciedade Americana dôs Amigôs dôs Marinheirôs, entre ôs anôs de 1855 e
1856, esteve nôvamente nô Brasil cômô agente da Uniaã ô Americana das Escôlas
Dôminicais, ôcasiaã ô em que viajôu para vaé rias cidades brasileiras. Em 1862, navegôu
pelô Amazônas côletandô espeé cies de peixes lôcais para Lôuis Agassiz. Entre 1864 e
1865, juntamente côm ô pôlíéticô Aurelianô Caô ndidô Tavares Bastôs, intrôduziu uma
rôta de naviôs a vapôr entre ô Riô de Janeirô e Nôva Iôrque. Entre 1868 e 1869,
trabalhôu nô Brasil cômô agente da American Tract Society. Publicôu, juntô côm
Daniel Kidder, em 1857, Esboço histórico e descritivo, uma das primeiras literaturas
sôbre ô Brasil para nôrte-americanôs.
Richard Hôlden fez a mesma ôbservaçaã ô nô Paraé , estendendô seus cômentaé riôs aôs
padres, ôs quais julgava pôucô sincerôs e pôucô atentôs aà s côisas divinas. Em seu diaé riô,
ele escreveu:
Ainda naã ô encôntrei um sôé padre que parecesse ser sincerô ôu que de algum môdô se
impôrtasse côm as côisas divinas (Vieira, 1980, p. 170).

Vieira (1980) cômenta que havia uma ôpiniaã ô generalizada de que Beleé m, assim cômô
em tôdas as diôceses dô Paraé , que incluíéa naã ô apenas ô Paraé , mas tôda a prôvíéncia receé m-
fôrmada dô Amazônas, naã ô apenas as classes “um tantô educadas” eram “infieé is”, cômô
entre as massas analfabetas reinava a mais cômpleta ignôraô ncia dô catôlicismô. Havia
um sincretismô muitô grande entre um catôlicismô puramente simbôé licô e praé ticas
indíégenas e africanas:
Essa religiaã ô pôpular cônsistia, principalmente, na adôraçaã ô de gravuras e de imagens de
santô. A “adôraçaã ô” dôs santôs ia aleé m dô cônceitô teôlôé gicô catôé licô de dulia (render
mais dô que hômenagens) e chegôu a ser semelhante aà latria (adôrar cômô se adôra a
Deus). Nôs templôs, a religiaã ô se limitava aà missa em latim e a prôcissôã es que eram
precedidas ôu acômpanhadas de fôguetes e, aà s vezes, de irmandades dançantes, cômô a
“Irmandades dôs Velhôs Dançarinôs de Beleé m” que tômavam parte na prôcissaã ô da “Festa
dôs Cíériôs”, cônfôrme ôs anué nciôs publicadôs nô Diário do Grão Pará e ôutrôs jôrnais de
Beleé m. Nô lar dôs analfabetôs era, e em muitas partes côntinua a ser, marcada pôr uma
assôciaçaã ô íéntima entre adôradôr e seu “santô” particular. Havia uma relaçaã ô muitô
pessôal entre ô adôradôr e essa divindade menôr que era cônservada em casa. O santô era
“bem tratadô” apenas se as côisas andassem nôrmalmente e fielmente côncedesse aà
famíélia ô que esta lhe pedia. Se deixasse de cumprir ô seu dever, pôderia terminar côm a
cabeça enterrada na areia ôu amarradô numa aé rvôre dô quintal recebendô uma seé rie de
cipôadas cômô castigô, ôu qualquer ôutra sôrte de ultraje, ateé que fizesse ô que ô devôtô
desejasse (Vieira, 1980, p. 170-171).

O apegô aôs santôs era tantô que, na auseô ncia de imagens de santô, as gravuras de santô,
ôu ô que se parecesse côm santôs, eram usadôs cômô tal. Segundô Vieira (1980, p. 171),
certa vez Hôlden viu-se ôbrigadô a suspender as vendas de “ilustraçôã es bíéblicas”, pôis
que as mesmas estavam em “perigô” de irem parar nôs altares dômeé sticôs cômô
santinhôs. Fatô mais inusitadô fôi ô de um ingleô s “astuciôsô” que, recebendô em Beleé m
um carregamentô de cartas de baralhô danificadas, “[...] recuperôu seu prejuíézô e ainda
94

ôbteve grande lucrô vendendô, cômô santinhô, aô pôvô da regiaã ô dô altô Amazônas, ôs
valetes, rainhas e reis naã ô estragadôs”.
Maueé s (1999) faz uma leitura críética desse relatô e veô côm reservas, baseadô em dadôs
de suas pesquisas côm pôpulaçôã es cabôclas dô interiôr da Amazôô nia, ôpiniôã es cômô a dô
missiônaé riô prôtestante em relaçaã ô aô tratô dô catôé licô pôpular côm ôs santôs:
De minha experieô ncia de campô côm catôé licôs pôpulares dô interiôr dô Estadô dô Paraé ,
em nôssôs dias, pude perceber que ôs mesmôs naã ô teô m uma atitude taã ô ingeô nua em
relaçaã ô aôs santôs e distinguem claramente entre ô “santô dô ceé u”, entidade espiritual, e
sua representaçaã ô na terra, ôu “semelhança”. Naã ô ôbstante, as imagens de santô naã ô saã ô
simples ôbjetôs inertes, jaé que, num prôcessô simbôé licô que cômbina metaé fôra côm
metôníémia, ôs sujeitôs pôpulares côncebem as imagens cômô partilhandô tambeé m dôs
“pôderes” das entidades espirituais celestes (Maueé s, 1999, p. 124).

Em relaçaã ô aà vida prôtestante nô final dô seé culô XIX, Cetrulô Netô (1994) fôrnece este
pequenô relatô prôduzidô pela histôriôgrafia lôcal acerca da relaçaã ô entre catôé licôs e
prôtestantes na Beleé m dô final dô seé culô XIX:
Quantô aô prôtestantismô jaé ôbservamôs a dificuldade de sua penetraçaã ô nas regiôã es,
cômô as de nôssa paé tria, de lamentaé vel atrasô ecônôô micô, pôr vôlta de 1880 apareceu,
aqui, em Beleé m, um cavalheirô chamadô Justus Nelsôn que alugôu uma casa aà rua dôs
Maé rtires, e ali abriu tenda evangeé lica. Usava sôbrecasaca e chapeé u altô ô qual naã ô erguia
diante de nenhum templô, de nenhum santô e de nenhuma prôcissaã ô, que eram aà s
centenas naquele tempô, pelas ruas. Os padres mandavam a môlecada atirar pedras nô
pastôr, as velhas beatas industriadas nôs cônfessiônaé riôs, se persignavam aô passar
diante da casa dô missiônaé riô e lançavam exôrcismôs e baldôã es sôbre Justus, mas este, fiel
aô seu apôstôladô da paz, a seu nôme de Justus, e, sem dué vida, aô nôme da rua que era,
cômô dissemôs, a dôs Maé rtires, sôfria tudô cômô um verdadeirô maé rtir e cômô um
verdadeirô justô. Chegôu a ser agredidô fisicamente em plena via pué blica, pôr uns
latagôã es a sôltô das sacristias, pôrque naã ô retirôu da cabeça ô seu indefectíével chapeé u
altô, aà passagem dô Cíériô de Nazareé (Môura, 1957, p. 41-42, apud Cetrulô Netô, 1994, p.
174).

O relatô permite visualizar, salvô ôs exagerôs, ô clima nada amistôsô que ôs missiônaé riôs
enfrentavam nô seu dia a dia côm a pôpulaçaã ô em geral, sôbretudô quandô ô assuntô era
a padrôeira dôs paraenses.
Outrô relatô ôferece-nôs ôutra faceta da situaçaã ô:
A Egreja Evangelica Presbyteriana tambeé m se incôrpôraraé aé s hômenagens cíévicas pela
adhesaã ô dô Paraé aé independeô ncia naciônal, realizandô um cultô especial amanhaã , aé s 7 ½
hôras da nôite, em sua seé de aé Avenida Independeô ncia, nº 65-A. Pregaraé ô missiônaé riô
ingleô s Theôd Raymundô Clarck, cabendô aô dr. Severinô Silva, presbyterô dessa egreja, a
direçaã ô da cerimôô nia (Côsta, 1924, p. 69 apud Cetrulô Netô, 1994, p. 176).

O anué nciô publicadô pôr ôcasiaã ô das cômemôraçôã es da adesaã ô dô Paraé aà independeô ncia
dô Brasil indica que, apesar dô clima nada amistôsô e dô reduzidô nué merô de
prôtestantes, cerca de 400 aô tôdô na cidade (Cetrulô Netô, 1994), a cômunidade
prôtestante jaé estava estabelecida cômô instituiçaã ô ativa nô seiô da sôciedade paraense,
inclusive côm sintômas de sentimentô de pertencimentô, tendô em vista ô desejô da
participaçaã ô nôs festejôs cíévicôs, de caraé ter patriôé ticô.
O tempô que separa a saíéda de Hôlden dô Paraé , em 1862, e a chegada da Igreja
Assembleia de Deus e dô môvimentô pentecôstal na Amazôô nia, em 1911, eé marcadô
pelôs trabalhôs missiônaé riôs das Igrejas Metôdista, Episcôpal, Presbiteriana e Batista.
Ateé a saíéda de Hôlden dô Paraé , naã ô haé registrô sôbre a fundaçaã ô de nenhuma igreja
prôtestante na regiaã ô, côm exceçaã ô dô seu pequenô “serviçô Bethel” nô pôrtô. A Igreja
95

Episcôpal sômente estabelecer-se-ia nô Brasil pôr vôlta de 1890, e, pôucôs anôs depôis,
chegaria a Beleé m.
O primeirô serviçô prôtestante ôrganizadô dar-se-ia em 1880, côm a fundaçaã ô de uma
escôla de enfermagem e aulas de líéngua inglesa (Dreher, 1992, p. 330) e de um jôrnal, O
apologista cristão Brasileiro, fundadô pelô metôdista Justus Nelsôn. Segundô Cetrulô
Netô (1994, p. 172), Justus Nelsôn publicôu, em 1892, em seu jôrnal, um artigô nô qual
cômbatia a idôlatria dô pôvô catôé licô brasileirô, antes teria distribuíédô mais de mil
fôlhetôs côntra ô Cíériô de Nazareé , razaã ô pôr que fôi presô, permanecendô encarceradô
pôr mais de quatrô meses. Em 1896, Justus teve que vôltar aôs Estadôs Unidôs e seu
trabalhô teria se extinguidô. Ele teria retôrnadô pôsteriôrmente a Beleé m, ônde
permaneceu ateé 1926, quandô, tendô que se ausentar definitivamente, teria entregadô
aô pastôr da Igreja Batista “suas pôucas ôvelhas”.
A fundaçaã ô da Igreja Batista deu-se nô anô de 1897, pôr Euricô Alfredô Nelsôn, de
ôrigem sueca, ele teria chegadô a Beleé m em 1891. Fundada em fevereirô de 1897, aô
final dô anô, a igreja jaé côntava côm 18 membrôs e, nô anô seguinte, côm 35 (Dreher,
1992, p. 331). Dreher (1992, p. 331), apôiadô em Lông (1968), chama atençaã ô para a
“excelente côndiçaã ô” financeira de alguns membrôs da igreja, dadô ô vôlume de dôaçôã es
que dispensam.
Um anô apôé s sua fundaçaã ô, ôs trabalhôs da Batista jaé se estendiam ateé a cidade de
Castanhal. Em 1910, quandô da chegada de Gunnar Vingren e Daniel Berg a Beleé m, ôs
fundadôres da Assembleia de Deus, a Igreja Batista côntava côm 170 membrôs (Cetrulô
Netô, 1994).
As primeiras incursôã es presbiterianas na Amazôô nia teriam iniciadô em 1878, côm a
chegada a Beleé m dô reverendô Blackfôrd, ele teria feitô pregaçôã es nôs meses de
setembrô e ôutubrô e distribuíédô bíéblias. Mas seria apenas em 1894 que a denôminaçaã ô
instalaria seu trabalhô na cidade, côm a chegada de imigrantes nôrdestinôs (Dreher,
1992; Cetrulô Netô, 1994).
Se a presença prôtestante nessa parte da Amazôô nia fez-se sentir ainda na primeira
metade dô seé culô XIX, sua cônsôlidaçaã ô e expansaã ô sôé se deu a partir da segunda deé cada
dô seé culô XX, côm a chegada dôs pentecôstais e a fundaçaã ô da Assembleia de Deus em
Beleé m, em 1911.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O prôjetô dôs primeirôs missiônaé riôs a navegar pelô Brasil e pelô interiôr da Amazôô nia
brasileira era cônquistar ô pôvô dessas paragens, apôé s anôs de ajustes e adaptaçôã es de
ambas as partes, pôde-se afirmar que a empreitada fôi bem sucedida. Quantô aôs
cônflitôs, naã ô encôntramôs mais bispôs ultramôntanôs e missiônaé riôs debatendô nôs
jôrnais catôé licôs e/ôu prôtestantes, atualmente, eles se encôntram nas TVs e nô interiôr
dôs templôs, a natureza dô debate tambeé m eé bem diferente daquele de ôutrôra, ainda
assim, revela duas fôrmas distintas, mas nem tantô, de pensar ô mercadô de bens
simbôé licôs.

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96

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VIII - Os primeiros passos do protestantismo na


Amazônia
Liliane Costa de Oliveira223
Marilina Conceição Oliveira Bessa Serra Pinto 224
Estudôs de Religiaã ô, v. 31, n. 2 • 191-126 • maiô-agô. 2017 • ISSN Impressô: 0103-801X – Eletrôô nicô: 2176-1078

223
Dôutôranda dô Prôgrama de Pôé s-Graduaçaã ô Sôciedade e Cultura na Amazôô nia (UFAM), Mestra em
Sôciôlôgia (UFAM), Bacharel em Cieô ncias Teôlôé gicas (FBN); Licenciada em Cieô ncias Sôciais (UFAM).
Prôfessôra dô Departamentô de Cieô ncias Teôlôé gicas da Faculdade Bôas Nôvas de Cieô ncias Teôlôé gicas,
Sôciais e Biôtecnôlôé gicas (FBN). E-mail: liliôliveira123@yahôô.côm.br.
Endereçô para acessar Curríéculô Lattes: http://lattes.cnpq.br/4095269474694245
224
Dôutôra em Cieô ncias Sôciais (PUC). Mestra em Filôsôfia dô Cônhecimentô (UP-Universidade dô Pôrtô)
Prôfessôra nô Departamentô de Filôsôfia e integra ô côrpô dôcente dô Prôgrama da Pôé s-Graduaçaã ô em
Sôciôlôgia, da Universidade Federal dô Amazônas. E-mail: marilina-pintô@gmail.côm.br.
Endereçô para acessar Curríéculô Lattes: http://lattes.cnpq.br/8482510161447799
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Resumo
Este artigô abôrda ô prôcessô histôé ricô de inserçaã ô dô prôtestantismô na Amazôô nia,
períéôdô marcadô pela Cabanagem (1835-1840), pelô crescimentô da ecônômia gômíéfera
(1879-1912), mômentô em que as cidades de Beleé m e Manaus se destacam nô cenaé riô
internaciônal, ô que ôcasiônôu fôrte crescimentô demôgraé ficô. Essa intensa
môvimentaçaã ô pôpulaciônal e a riqueza criada pela ecônômia da bôrracha fizeram
dessas cidades alvôs tambeé m dô prôtestantismô. Trata-se de uma discussaã ô ônde se
descreveraé ôs primeirôs passôs dô prôtestantismô na Amazôô nia, destacandô a atuaçaã ô
missiônaé ria cômô um impôrtante instrumentô para a cônsôlidaçaã ô desse môvimentô
religiôsô na regiaã ô, aleé m de apôntar a Igreja Metôdista cômô a primeira igreja
prôtestante a se instalar na regiaã ô Nôrte nô seé culô XIX.

Palavras-chave: Amazôô nia. Prôtestantismô. Missiônaé riôs. Metôdismô.

The first steps of protestantism in the Amazon Region

Abstract
This article discusses the histôrical prôcess Prôtestantism insertiôn in the Amazôn
regiôn, a periôd marked by Cabanagem (1835-1840), the grôwth ôf the ecônômy rubber
gum (1879-1912), at the cities ôf Belem and Manaus that stand ôut in the internatiônal
scenariô, which led tô a strông pôpulatiôn grôwth. This intense pôpulatiôn môvement,
alông with the wealth created by the rubber ecônômy made these cities targets alsô ôf
Prôtestantism. This is a discussiôn where we describe the first steps ôf the Prôtestant
Church in the Amazôn, highlighting the missiônary wôrk as an impôrtant instrument fôr
the cônsôlidatiôn ôf Prôtestantism in the regiôn, while pôinting ôut the Methôdist
Church as the first Prôtestant church tô settle in the Nôrth in the nineteenth century.

Key-words: Amazôn. Prôtestantism. Missiônaries. Methôdism.


Los primeros pasos del protestantismo en la Región Amazónica

Resumen
Este artíéculô abôrda el prôcesô de inserciôé n histôé rica del prôtestantismô en la regiôé n
amazôé nica, un períéôdô marcadô pôr Cabanagem (1835-1840), el crecimientô de la
ecônômia gômíéfera (1879 hasta 1912), en las ciudades de Beleé m y Manaus se destacan
em el escenariô internaciônal, lô que llevôé a un fuerte crecimientô de la pôblaciôé n. Este
môvimientô pôblaciônal intensô, juntô côn la riqueza creada pôr la ecônômíéa del cauchô
hizô estas metas ciudades tambieé n del prôtestantismô. Esta es una discusiôé n en dônde
se describen lôs primerôs pasôs de la Iglesia Prôtestante en el Amazônas, destacandô el
trabajô misiônerô cômô un instrumentô impôrtante para la cônsôlidaciôé n del
prôtestantismô en la regiôé n, al tiempô que senã ala la Iglesia Metôdista cômô la primera
iglesia prôtestante a instalarse en el Nôrte en el siglô XIX.
98

Palabras clave: Amazôníéa. Prôtestantismô. Misiônerôs. Metôdismô.

Introdução
Nôs seé culôs XVI e XVII, aleé m dô dômíéniô lusô-espanhôl, ô Brasil fôi invadidô pôr
mais duas naçôã es eurôpeias: a França e a Hôlanda. Muitôs dôs invasôres eram
prôtestantes, ô que prôvôcôu fôrte reaçaã ô dôs pôrtugueses, numa eé pôca em que estava
em plenô cursô a Côntrarrefôrma. Apôé s a expulsaã ô dôs hôlandeses, ô Brasil fechôu suas
pôrtas aôs prôtestantes pôr mais de 150 anôs. Fôi sômente nô seé culô XVIII, côm a vinda
da famíélia real pôrtuguesa, que essa situaçaã ô cômeçôu a môdificar-se. Em 1810, Pôrtugal
e Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação, côncedendô tôleraô ncia
religiôsa aôs imigrantes prôtestantes.
A partir desse períéôdô, ô prôtestantismô criôu raíézes nô Brasil, expandindô-se
pôr tôdôs ôs lugares dô paíés, mesmô que lentamente. Na Amazôô nia, ô prôcessô histôé ricô
de inserçaã ô dô prôtestantismô eé marcadô pela Cabanagem (1835-1840), pelô
crescimentô da ecônômia gômíéfera (1879-1912), e pela abertura pôlíética da transiçaã ô dô
Impeé riô para a Repué blica (VILHENA, 2008).
Os missiônaé riôs prôtestantes saã ô persônagens pôucô estudadôs em anaé lises da
histôé ria dô Brasil, istô quer dizer que ôs mesmôs saã ô uma rica fônte tambeé m para
entender ôs prôcessôs sôé ciô-histôé ricôs que marcaram a Amazôô nia. Dessa fôrma, as
primeiras tentativas da missaã ô prôtestante na Amazôô nia tinham cômô ôbjetivô a
evangelizaçaã ô da pôpulaçaã ô lôcal. Desse môdô, ôs ôbjetivôs de divulgaçaã ô da mensagem
prôtestante, de cônversaã ô, de prôselitismô e de distribuiçaã ô de Bíéblias talvez naã ô tenham
sidô atingidôs da maneira cômô ôs missiônaé riôs esperavam, nem côm a rapidez que
desejavam, tôdavia, tal môvimentô religiôsô permaneceu e se expandiu, cônfigurandô
um nôvô campô religiôsô.
Pôrtantô, este artigô descreve ôs primeirôs passôs dô prôtestantismô na
Amazôô nia, destacandô a atuaçaã ô missiônaé ria cômô um impôrtante instrumentô para a
sua cônsôlidaçaã ô, aleé m de apôntar a Igreja Metôdista cômô a primeira igreja prôtestante
a se instalar na regiaã ô nô seé culô XIX. Cônveé m ressaltar que as citaçôã es de cartas, jôrnais
e diaé riôs que serviram de refereô ncia aô lôngô dô trabalhô saã ô de anaé lise de alguns
autôres que fundamentaram ôs dadôs histôé ricôs para a cônstruçaã ô deste artigô.

As razões da vinda dos primeiros missionários protestantes para a Amazônia

A partir dôs registrôs histôé ricôs de Martin Dreher, a presença de prôtestantes na


Amazôô nia daé -se a partir de 1824, antes desse períéôdô sômente alguns representantes
diplômaé ticôs e alguns viajantes estiveram na regiaã ô. Esse intelectual tambeé m destaca a
imigraçaã ô, nôs anôs de 1766-1768 (quandô ainda estava em Beleé m, ô inquisidôr Giraldô
Jôseé de Abranches), de cerca de 87 alemaã es, dôs quais 85 eram hômens. Eles vieram
cômô parte da pôlíética pômbalina nô sentidô de reôrganizar ô impeé riô pôrtugueô s. Os
hômens, jaé casadôs côm mulheres pôrtuguesas, se fixaram na Vila Viçôsa da Madre de
Deus, nô territôé riô dô atual Estadô dô Amapaé . Deles, naã ô se tem hôje mais nôtíécias, nem
se de fatô eram prôtestantes (CERETTA, 2008).
99

Os dadôs da histôriôgrafia regiônal môstram a presença de prôtestantes na


Amazôô nia, ôs quais estiveram envôlvidôs aô lôngô de uma disputa pôlíética e ecônôô mica.
Saã ô naçôã es estrangeiras de ôrigem prôtestante que tentaram fixar as suas bases nesse
territôé riô (seé culôs XVI e XVII), cômô eé ô casô dôs hôlandeses.

As bases côlôniais da Amazôô nia Hôlandesa [...] teô m iníéciô nas pôssessôã es
antilhanas [...], passandô pela [...] Ameé rica dô Sul (Côsta Venezuelana e
Guianense), chagandô ateé ô Amazônas [...]. Nô Xingu, ôs fôrtes Nassau e Orange
(1559; na regiaã ô de Tôcujus, entre ô Jari e ô Amapaé (1610); ôs fôrtes Mariôcaíé
ôu Gurupatuba (Gurupaé , hôje) em 1913. [...]. As feitôrias hôlandesas (nôs atuais
Estadôs dô Paraé e territôrial federal dô Amapaé ) tinham essas fôrtificaçôã es cômô
apôiô (SILVA, 1996, p. 17).

O fôrte Orange, nô Xingu, descritô pela autôra Marilene Silva, naã ô histôriciza
sômente a presença de hôlandeses que disputavam um pedaçô de terra nô territôé riô
amazôô nicô, côntudô, marca tambeé m a presença de prôtestantes na Amazôô nia. Trata-se
de um fôrte que faz refereô ncia a Guilherme de Orange, grande defensôr da plena
liberdade religiôsa nô côntextô da luta côntra a tirania espanhôla, luta essa liderada pôr
Orange, que abraçôu ô calvinismô, em 1573, e cônquistôu a independeô ncia da Hôlanda
em 26 de julhô de 1581. Assim, sôb ô influxô da feé refôrmada e da receé m-cônquistada
autônômia pôlíética, a Hôlanda tôrnôu-se uma das naçôã es mais prôé speras da Eurôpa,
criandô um impeé riô cômercial que se estendeu pôr tôdôs ôs côntinentes (MATOS, 2011).
Destarte, a Amazôô nia passa a ser alvô dô môvimentô prôtestante côm a vinda de
missôã es nôrte-americanas para ô Brasil nô seé culô XIX. Os autôres Mendônça e Filhô
(2002) afirmam que ôs nôrte-americanôs transferiram para a Ameé rica Latina ôs
benefíéciôs dô “sônhô americanô”, cujôs cômpônentes saã ô patriôtismô, racismô e
prôtestantismô. Esse môvimentô marca a influeô ncia mais recente que ô paíés passa a
viver. Trata-se de um prôtestantismô da cônversaã ô, da mudança de vida, dô prôselitismô,
em ôutras palavras, eé assumir “ô estilô americanô de vida” (ALENCAR, 2005).
As justificativas da presença missiônaé ria prôtestante na Ameé rica Latina saã ô: “a
Igreja Catôé lica naã ô fôra capaz de garantir educaçaã ô e a môralidade dô subcôntinente; naã ô
dera Bíéblias aô pôvô na prôé pria líéngua; naã ô fôrmara um clerô idôô neô, intelectual ôu
eticamente; pregara um evangelhô defôrmadô e naã ô tinha recursôs para evangelizar
tôda a Ameé rica Latina”. Nôte que ô “sônhô americanô” tambeé m apônta para a
cristianizaçaã ô dô mundô pôr meiô dô prôtestantismô nôrte-americanô. Istô quer dizer,
que ô “pôvô escôlhidô” pôr Deus para expandir ô seu reinô na terra eé a naçaã ô nôrte-
americana. A expansaã ô de tal “reinô dôminante americanô” fôi a estrateé gia missiônaé ria
de cônversaã ô, “que cônsistia nô rômpimentô abruptô dô indivíéduô côm ô seu meiô
cultural atraveé s da adôçaã ô de nôvôs padrôã es de cônduta ôpôstôs aà queles em que havia
sidô criadô” (MENDONÇA; FILHO, 2002, p. 31-32).
Desde 1860, as pôteô ncias ecônôô micas estavam de ôlhô nô que acôntecia nô Brasil.
Essa eé uma das teses que explicam a razaã ô da Amazôô nia aparecer interessante aô ôlhar
prôtestante, pôis aô mesmô tempô em que a Eurôpa Central investia nô Sul dô paíés,
grupôs nôrte-americanôs e ingleses “arregimentam-se para a futura pôsse da Amazôô nia”,
pôis havia um desejô de separaçaã ô dessa regiaã ô dô restante dô Brasil. As causas para issô
100

seriam ôs descasôs que a Côrte Pôrtuguesa tratava a Prôvíéncia de Beleé m, explôrandô-a


para ô benefíéciô de si mesma e de uns pôucôs indivíéduôs privilegiadôs pôr meiô da
Cômpanhia dô Viscônde de Mauaé , que pôssuíéa ô mônôpôé liô dô cômeé rciô e da navegaçaã ô
dô Amazônas (PANTOJA, 2012, p. 105-106; VIEIRA, 1980).

O nôrte eé a principal sede dô môvimentô republicanô, e mais, insinua-se que nô


casô dô Imperadôr môrrer, haveraé ô desmembramentô dô impeé riô e a fôrmaçaã ô
de uma Repué blica Setentriônal. Quaã ô impôrtante eé que nôssa influeô ncia
religiôsa pudesse ter um anô ôu dôis para fazer-se sentida e cônhecida, antes
que ô tempô das nôvas cristalizaçôã es cheguem. [...] (HOLDEN apud VIEIRA,
1980, p. 177).

Essa passagem fôi registrada pelô missiônaé riô Hôlden em seu diaé riô, em 1860,
períéôdô que chegava aô Paraé , visandô a prôpaganda prôtestante. Tal passagem apônta ô
entusiasmô e a sua aspiraçaã ô para que ô prôtestantismô se tôrnasse cônhecidô pelôs
môradôres lôcais, antes da Amazôô nia tôrnar-se independente dô restante dô Brasil, uma
vez que ô Graã ô-Paraé era um territôé riô ônde jaé havia môbilizaçôã es pôlíéticas que pôderiam
levaé -lô a essa desvinculaçaã ô.
Outra razaã ô que trôuxe ôs prôtestantes nôrte-americanôs para a Amazôô nia, fôi a
pôssíével abertura dô riô Amazônas aà navegaçaã ô internaciônal. 225 Os Estadôs Unidôs
pôssuíéam impôrtantes interesses ecônôô micôs quantô aà abertura dôs riôs brasileirôs,
sôbretudô ôs riôs na Bacia dô Prata e dô Amazônas, aà navegaçaã ô e aô cômeé rciô
internaciônal, aleé m dissô, desde esse tempô jaé se sabia que a integraçaã ô da Amazôô nia aô
mundô dependia muitô da navegaçaã ô pelô riô Amazônas (ROSI, 2011). Desse môdô, ô
desejô de desbravar e cônquistar ecônômicamente essa regiaã ô fez que muitôs migrassem
para essa lôcalidade, que seduzia explôradôres côm prômessas de riqueza e
prôsperidade (CARVALHO, 2015).
O missiônaé riô presbiterianô estadunidense James Côôley Fletcher (1823-1901),
que residiu nô Brasil de 1851 a 1854, aô retôrnar para ôs Estadôs Unidôs escreveu a
ôbra “O Brasil e ôs Brasileirôs” (1ª. ediçaã ô 1857) côm ô missiônaé riô metôdista Daniel
Kidder, ônde ambôs destacaram questôã es cômô a relaçaã ô entre ô Brasil e ôs Estadôs
Unidôs, entre elas a abertura dô riô Amazônas.
Rôsi (2011, p. 79) enfatiza que “jaé em 1853 Fletcher suscitara a questaã ô da
abertura dô riô Amazônas e publicara artigôs sôbre ô assuntô nôs jôrnais dô Riô de
Janeirô”. Na seçaã ô seguinte desse artigô se veraé que essa fôi uma das razôã es da vinda dô
missiônaé riô Hôlden para Beleé m. Pôrtantô, percebe-se que pôr traé s das razôã es da missaã ô
prôtestante empreendida pôr missiônaé riôs nôrte-americanôs na Amazôô nia, havia
tambeé m razôã es cômerciais. Nôta-se certa aprôximaçaã ô entre evangelizaçaã ô e interesses
financeirôs, ôs quais estavam incôrpôradôs pela ideôlôgia dô destinô manifestô e dô
nôvô côlônialismô. O desejô dôs nôrte-americanôs em tôrnar ô riô Amazônas livre para a
navegaçaã ô internaciônal reflete ôs interesses imperialistas, ôs quais cônsistiam em

225
As negôciaçôã es entre nôrte-americanôs e brasileirôs pela abertura dô riô Amazônas tiveram iníéciô em
abril de 1853, e a partir dô Decretô Imperial de 7 de dezembrô de 1866, ô riô e seus principais afluentes
fôram franqueadôs aà navegaçaã ô de naviôs mercantes de tôdas as bandeiras (ROSI, 2011).
101

estender ôs dômíéniôs estadunidenses, pôr issô a ideia de um pôvô escôlhidô pôr Deus
para espalhar a feé cristaã aô mundô desprôvidô dô prôtestantismô naã ô estaé dissôciada
das ideias de prôgressô nôrte-americanô.

Os primeiros missionários protestantes na Amazônia

O prôtestantismô que se cônsôlida na Amazôô nia eé de ôrigem missiônaé ria e


cônversiônista. Os primeirôs missiônaé riôs prôtestantes que fizeram parte dô prôjetô de
prôpaganda prôtestante na Amazôô nia prepararam as bases para ô estabelecimentô das
primeiras igrejas evangeé licas na regiaã ô.
Maueé s (2000, p. 88-89) destaca quais fôram ôs primeirôs missiônaé riôs
prôtestantes que vieram para a Amazôô nia:

O primeirô deles fôi Daniel Parish Kidder que veiô em 1839 [...]. Depôis dele
esteve na Amazôô nia ô capitaã ô naval nôrte-americanô Rôbert Nesbit, que veiô
em 1857 [...]. Apôé s a môrte de Nesbit, aô que tudô indica seu trabalhô côntinuôu
sendô realizadô pelô escôceô s James Hendersôn, que jaé môrava em Beleé m [...]. A
Nesbit seguiu-se ô missiônaé riô Richard Hôlden, que chegôu aô Paraé em 1860.

Daniel Parish Kidder (1815-1891) nasceu em New Yôrk (EUA), estudôu em


diversôs côleé giôs, e pôr ué ltimô, fôrmôu-se na Wesleyan University em 1836, sôb ôs
princíépiôs dô metôdismô. Cônverteu-se quandô adôlescente e se uniu aà Igreja Metôdista
a côntragôstô da famíélia. Desde entaã ô, decidiu-se pelô pastôradô e chegôu ateé a sônhar
em ir para a China cômô missiônaé riô. Naã ô cônseguindô realizar esse prôpôé sitô, aceitôu ô
cônvite que lhe endereçôu ô bispô Waugh para trabalhar nô Brasil (SALVADOR, 1982).
Daniel Kidder, em 1837, côm apenas 22 anôs de idade, côm sua espôsa Cynthia Russel
(1817-1840), ô prôfessôr Murdy e a Srta. Maraella Russel, tambeé m prôfessôra e talvez
irmaã de Cynthia, pôis ambas tinham ô mesmô sôbrenôme (LONG, 1968), fôram enviadôs
pela Sociedade Bíblica Americana – organização protestante que enviou missionários
para atuarem junto aos brasileiros –, para ô Riô de Janeirô. Kidder veiô para a
Amazôô nia, em 1839. Beleé m fôi a cidade ônde prôpagôu a “feé prôtestante” a bôrdô de
naviôs e em casas de pessôas cônhecidas. Viajôu tambeé m pelô interiôr da Amazôô nia,
distribuindô Bíéblias e literatura cristaã (MAUEÉ S, 2000).
Em sua ôbra “Reminisceô ncias de Viagens e permaneô ncia nô Brasil” Daniel Kidder
(1972, p. 168) registra ô períéôdô cônturbadô da Cabanagem, pôis aô chegar aô Paraé
percebeu “ôs efeitôs da revôluçaã ô de 1835”. “Quase tôdas as ruas tem casas pôntilhadas
de balas ôu varadas pôr prôjeteé is de canhaã ô. [...]. O cônventô de Santô Antôô niô ficôu de
tal fôrma expôstô pelô canhôneiô que ainda hôje exibe muitôs sinais de balas pelas
paredes.” Kidder ôbservôu ôs estragôs causadôs pelôs bômbardeiôs e tirôteiôs
cônstantes entre cabanôs e sôldadôs da trôpa imperial. Esse eé ô côntextô sôciôpôlíéticô da
missaã ô de Kidder na Amazôô nia.
Assim, ôs primeirôs passôs dô prôtestantismô na Amazôô nia saã ô marcadôs pôr um
cenaé riô intensô de môbilizaçaã ô pôpular, que perdurôu praticamente pôr tôda a deé cada
de 1830. Os cabanôs, cônsideradôs cômô grupô sôcial inferiôr, pôr viverem em casas
102

simples aà s margens dôs riôs, rebelaram-se côntra ô pôder pôlíéticô e ecônôô micô impôstô
na prôvíéncia paraense. Esse môvimentô pôlíéticô prôvôcôu ô desligamentô dô Graã ô-Paraé
dô restante dô impeé riô.
Fôram ôs prôé priôs cabanôs que prôclamaram ô Paraé uma Repué blica. Essa
môvimentaçaã ô pôlíética estaé registrada nôs preé diôs da cidade de Beleé m, cenaé riô que
causa certô impactô aô missiônaé riô, ô qual naã ô explica ôs môtivôs que levaram ôs
cabanôs a se môbilizarem côntra ôs ditames dô gôvernô lusitanô nem tampôucô explica
a dimensaã ô que esse môvimentô pôlíéticô-sôcial tômôu nô Brasil e nô mundô, mas se
refere a esse mômentô de “desôrdens de 1835”.
Segundô Vieira (1980), ô trabalhô missiônaé riô de Kidder nô Paraé fôi a primeira
tentativa de prôpaganda prôtestante nô Nôrte dô Brasil. Nessa eé pôca, ô bispô de Beleé m,
Dôm Rômualdô, fôi avisadô pelô bispô dô Maranhaã ô, Dôm Marcôs Antôô niô, de que
Kidder estava a caminhô de Beleé m. Infôrmadô de tal fatô, ô bispô dô Paraé escreveu aô
presidente da Prôvíéncia, Dr. Bernardô de Sôuza, dizendô que Kidder era uma pessôa
perigôsa, pôr issô naã ô se devia permitir a sua entrada em Beleé m. Kidder, aô chegar na
Prôvíéncia, fez uma visita aô presidente para quem trôuxera uma carta de apresentaçaã ô, e
apôé s ter esclarecidô quem era e ô que estava fazendô deu iníéciô aô seu prôjetô
missiônaé riô.
Kidder pertencia aà Igreja Metôdista Episcôpal, 226 sua estada nô Brasil fôi marcada
pôr essa viagem de prôpaganda evangeé lica pela Amazôô nia, nôtabilizandô-se assim cômô
uma figura impôrtante dôs primôé rdiôs dô prôtestantismô brasileirô. Aleé m da regiaã ô
amazôô nica, viajôu pôr tôdô ô paíés, ônde vendeu Bíéblias e manteve côntatôs côm
intelectuais e pôlíéticôs, cômô ô padre Diôgô Antôô niô Feijôé , regente dô Impeé riô.
Kidder, aô retôrnar de sua viagem dô nôrte dô Brasil, muitô entusiasmadô e
satisfeitô côm ô trabalhô que realizôu, encôntrôu sua mulher muitô dôente. Cynthia
piôrava a cada dia, vindô a môrrer aôs 22 anôs de idade, de febre amarela, nô dia 16 de
abril de 1840. Pôucô se sabe a respeitô de Cynthia Kidder, tôdavia, cônfôrme a carta de
Daniel Kidder aôs pais de Cynthia, que cômunica a sua môrte, ô mesmô môstra que sua
mulher era uma cristaã fervôrôsa, que havia se especializadô para ô trabalhô missiônaé riô,
dedicandô-se a essa atividade de fôrma intensa. Aprendeu a líéngua pôrtuguesa e era
bastante cônhecida e respeitada pela sua cômunidade (LONG, 1968).
Em 1840, côm a môrte de sua mulher, nô Riô de Janeirô, sem pôder côntinuar
suas atividades missiônaé rias, devidô aà sua preôcupaçaã ô côm ôs dôis filhôs, dô chôque
sôfridô pela perda da mulher, e a falta de recursôs para dar côntinuidade aà s atividades
missiônaé rias, Kidder regressôu aôs Estadôs Unidôs, aôs 25 anôs de idade (LONG, 1968).
A segunda tentativa de prôpagaçaã ô da feé prôtestante na regiaã ô Nôrte fôi realizada
pelô capitaã ô naval e nôrte-americanô Rôbert Nesbit (?-1858). 227 Esse capitaã ô maríétimô
veiô aô Brasil côm a missaã ô de entregar naviôs aô gôvernô peruanô. Trôuxe um

226
Fôi a primeira igreja prôtestante a iniciar atividades missiônaé rias juntô aôs brasileirôs (1835-41). Seus
principais líéderes fôram: Fôuntain Pitts, Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder.
227
Devidô aà s pôucas infôrmaçôã es sôbre esse capitaã ô, Vieira (1980, p. 178) apônta que a data de seu
nascimentô eé descônhecida.
103

carregamentô de Bíéblias e Nôvôs Testamentôs, e aô passar pela Amazôô nia aprôveitôu


para distribuir e vender esses exemplares aà pôpulaçaã ô lôcal. “A pôpulaçaã ô ribeirinha
impressiônada côm a visita dôs grandes vapôres que jôgavam para ô ar fôgô e fumaça,
cômprava ôs livrôs dô Capitaã ô Nesbit, em grande espantô e admiraçaã ô” (VIEIRA, 1980, p.
178).
Essa leitura de que ôs môradôres lôcais adquiriam a Bíéblia Sagrada côm “grande
espantô e admiraçaã ô” denôta que esse elementô era algô nôvô que chegava,
descônhecidô ateé entaã ô da pôpulaçaã ô que vivia aà s margens dôs riôs amazôô nicôs. Nô
primeirô cultô realizadô pôr Marcus Carver – missiônaé riô que falaremôs na ué ltima seçaã ô
deste artigô –, em Manaus/Amazônas, ele perguntôu aôs dôis hômens que
cômpareceram aà reuniaã ô: “Vôceô s gôstam da Bíéblia?” A respôsta fôi: “Que espeé cie de
animal eé ? Ele anda ôu vôa?” (CARVER apud CARVALHO, 2015).
Tal respôsta demônstra tôtal descônhecimentô da Bíéblia Sagrada. A Bíéblia cômô ô
“nôvô” causava admiraçaã ô naã ô pôrque eram ôs textôs sagradôs dô cristianismô, pôis nem
tôdôs ôs que adquiriam a Bíéblia sabiam de sua existeô ncia ôu tinham acessô aô seu
cônteué dô pôr serem pôucô alfabetizadôs nesse períéôdô. Mendônça, em sua ôbra, “O
Celeste Pôrvir” (2008), enfatiza que ô prôtestantismô, sendô a “religiaã ô dô livrô” nô
Brasil, enfrentôu severô embaraçô, a saber, ô analfabetismô, principalmente nô aô mbitô
da pôpulaçaã ô pôbre que residia em aé reas rurais.
Aô realizar tal atividade, Nesbit fôi nômeadô cômô agente da Sociedade Bíblica
Americana nô riô Amazônas, em julhô de 1857. Mudôu-se para Beleé m, pôreé m, apôé s um
anô de atividade missiônaé ria, môrreu na regiaã ô, vitimadô pela febre amarela, em 1858.
Tudô indica que, apôé s a môrte de Nesbit, seu trabalhô passôu a ser realizadô pôr James
Hendersôn, cômerciante escôceô s e prôtestante que môrava em Beleé m. Esse cômerciante
tambeé m vendia Bíéblias e distribuíéa literatura cristaã em Beleé m. Antes da chegada de
Richard Hôlden, Hendersôn pôssuíéa um estôque de literatura, ô qual mais tarde cedeu aô
mais nôvô missiônaé riô que chegara aà Prôvíéncia (MAUEÉ S, 2000; VIEIRA, 1980).
Vieira (1980) apônta que a terceira tentativa de prôpaganda da feé prôtestante na
Amazôô nia se daé côm a chegada de Richard Hôlden aà cidade de Beleé m. Tôdavia,
Hendersôn fôi impôrtante para ô sucessô das atividades de missaã ô de Hôlden. James
Hendersôn residia nô Paraé , desde 1832. Pôr viver nessa lôcalidade pôr muitô tempô e
pôr estar muitô bem estabelecidô, em 1839, quandô Daniel Kidder esteve em Beleé m,
Hendersôn ô hôspedôu em sua casa cômô fôrma de môstrar ô seu apôiô aà missaã ô de
Kidder. Depôis de 21 anôs da visita de Kidder, acôlheu Richard Hôlden. Hendersôn
demônstrôu ser amigô sincerô de Hôlden, côôperandô côm ele tantô na distribuiçaã ô de
Bíéblias quantô escrevendô artigôs a favôr dô prôtestantismô.
O Conselho de Missões da Igreja Episcopal dos Estados Unidos e a Sociedade Bíblica
Americana enviaram ô missiônaé riô Richard Hôlden (1828-1886), em 1860,
estabelecendô a presença da igreja prôtestante na Amazôô nia pôr meiô da fundaçaã ô de
uma pequena capela em Beleé m dô Paraé (MAUEÉ S, 2000). Hôlden nasceu na Escôé cia, filhô
de um casal anglicanô. Cônverteu-se aôs 21 anôs de idade. Esteve nô Brasil em 1851,
cômô cômerciante, quandô cômeçôu a estudar ô pôrtugueô s. Estudôu Teôlôgia nô
104

Seminaé riô da Diôcese de Ohiô, nôs EUA. Durante sua preparaçaã ô para vir aô Brasil, aleé m
de estudar a líéngua pôrtuguesa, traduziu ô Livrô de Oraçaã ô Cômum e artigôs religiôsôs
escritôs nôs tempôs de seminarista.
Duas razôã es levaram Hôlden a escôlher Beleé m dô Paraé para prôpagar ô
prôtestantismô. A primeira era que havia um pôstô de distribuiçaã ô de Bíéblias na cidade,
fundadô pôr Rôbert Nesbit, e pôssivelmente esse lôcal estava sendô administradô pôr
James Hendersôn. Era um impôrtante pôntô de côntatô para iniciar seu trabalhô. A
segunda era que havia uma expectativa de que ô riô Amazônas seria abertô aà navegaçaã ô
internaciônal. E aô estabelecer-se na cidade, passôu a usar a imprensa lôcal para
difundir ô evangelhô, mas acabôu pôr envôlver-se em pôleô mica côm ô bispô de Beleé m,
Dôm Antôô niô de Macedô.
Hôlden, quandô fôi cônvidadô para vir aô Brasil, fôi acônselhadô pelas duas
ôrganizaçôã es missiônaé rias que trabalhasse “quietamente”, ôu seja, que naã ô se envôlvesse
na pôlíética lôcal e evitasse pôleô micas, ôrdem que naã ô fôi cumprida, devidô aà intensa
hôstilidade aô prôpagar ô evangelhô, em virtude da ôpôsiçaã ô dôs padres lôcais, bem
cômô, a devôçaã ô acentuada aôs santôs catôé licôs pela pôpulaçaã ô lôcal. Mesmô assim,
tentôu criar uma cômunidade permanente, mas naã ô teve sucessô, pôr ter sidô
praticamente expulsô pelô bispô dô Paraé (VIEIRA, 1980).
Aleé m de receber ô apôiô de James Hendersôn, na Prôvíéncia, ôutrô amigô e
prôtetôr de Hôlden fôi ô côô nsul suíéçô e prôtestante Lôuis Berlaz. O côô nsul e a espôsa
tôrnaram-se amigôs íéntimôs desse missiônaé riô. Entre ôs pôlíéticôs paraenses, Titô Francô
fôi ô maiôr côlabôradôr que Hôlden teve, ô qual ô ôrientôu em assuntôs legais pôr ser
tambeé m advôgadô e pôr permitir a publicaçaã ô de seus artigôs em seu jôrnal, ô Jornal do
Amazonas (VIEIRA, 1980).
Pela sua fôrmaçaã ô puritana, Hôlden tinha uma preôcupaçaã ô côm a cônversaã ô
pessôal, nesse sentidô desenvôlveu intensa atividade de prôclamaçaã ô dô evangelhô,
incluindô as aé reas ribeirinhas de difíécil acessô. Viajôu pela bacia dô Amazônas, vendendô
e distribuindô Bíéblias e literatura cristaã . Em 1862, mudôu-se para Salvadôr, Bahia, ônde
sôfreu perseguiçôã es pelô clerô rômanô, e naã ô teve eô xitô na evangelizaçaã ô. Em 1864,
entrôu em cônflitô côm ô Departamentô de Missaã ô da Igreja Episcôpal Americana, que ô
subsidiava, e se desligôu dele. O espíéritô pôlemista de Hôlden, seu cônfrôntô côm as
autôridades catôé licas rômanas, e uma “dôse” de precônceitô côntra ô pôvô brasileirô,
fôram ôs prôvaé veis môtivôs dô insucessô de sua atividade na regiaã ô (BARROS, 2010).
Fica evidente a visaã ô de superiôridade de Hôlden quantô aôs côstumes lôcais.
Trata-se de um ôlhar etnôceô ntricô, pôis via ô pôvô, alvô de sua evangelizaçaã ô nô Brasil, a
partir dô seu môdô de ser, pôr issô ele queria, pôr meiô dô prôtestantismô, desenvôlver a
regiaã ô, lugar ônde viviam pessôas côm côstumes e valôres religiôsôs diferentes.
O maiôr ôbjetivô dôs missiônaé riôs prôtestantes, tantô na Amazôô nia cômô em tôdô
ô Brasil e ôutrôs paíéses, alvôs de sua evangelizaçaã ô, era prômôver a circulaçaã ô de Bíéblias
vinculadas aô prôtestantismô e côm suas traduçôã es, garantindô sua gratuidade para ôs
mais pôbres e um preçô acessíével para quem pudesse pagar. Essa fôi uma fôrma de
prôpagar ôs ideais cristaã ôs prôtestantes.
105

Mendônça e Filhô (2002) enfatizam que as denôminaçôã es prôtestantes sempre


entenderam que a leitura da Bíéblia cônduzia aô desenvôlvimentô pessôal e sôcial, pôr
issô investiram muitôs recursôs na impressaã ô e distribuiçaã ô de Bíéblias. Prôva dissô eé a
Sôciedade Bíéblica Americana, que surgiu nô iníéciô dô seé culô XIX, e enviôu Daniel Kidder
aô Brasil. Essa ôrganizaçaã ô ôbjetivava a venda e a distribuiçaã ô de Bíéblias e literatura
prôtestante228 em naçôã es naã ô prôtestantes e nô idiôma dôs paíéses visitadôs pôr seus
membrôs, trabalhô chamadô de “côlpôrtagem” 229 (FILHO, 2013).

Naã ô nôs descuramôs de nôssa missaã ô de divulgar a Bíéblia e fôlhetôs evangeé licôs
durante a nôssa permaneô ncia na Prôvíéncia. Aprôveitamôs tôdas as
ôpôrtunidades que se nôs apresentaram de fazer ô bem e cônseguimôs
ôrganizar a venda das Escrituras e a distribuiçaã ô gratuita dôs fôlhetôs, de
maneira que ateé hôje ainda perdura (KIDDER, 1972, p. 202).

Kidder ainda ressalta que ôs numerôsôs exemplares de Bíéblias e fôlhetôs


evangeé licôs distribuíédôs aô pué blicô leitôr dô Paraé exerceram “salutar influeô ncia nô
sentidô de prômôver a tranquilidade geral e a praé tica da virtude” (1972, p. 202). Essa
impressaã ô de Kidder quantô aô acessô dôs paraenses aôs materiais de prôpaganda
prôtestante deixa clarô que ele se preôcupava côm a fôrma cômô esse grupô sôcial se
cômpôrtava, uma vez que a virtude para ôs prôtestantes pressupôã e cômpôrtamentôs
eé ticôs e ríégidôs, daíé dôs cômpôrtamentôs dôs grupôs humanôs da sôciedade amazôô nica
causar preôcupaçaã ô e espantô.
Mendônça (2008) afirma que ô prôtestantismô cônstituiu-se cômô um môdô de
vida, e aceitaé -lô implicava mudança nôs padrôã es cômpôrtamentais e culturais. Sabe-se
que ô môdô de vida, ô môdô de ser e ô môdô de crer dôs grupôs sôciais que vivem na
Amazôô nia pôssuem uma relaçaã ô direta côm a natureza. A respeitô desse prisma, afirma-
se que tôrnar-se prôtestante era negar tudô issô. Côntudô, eé relevante frisar que ôs
cômpôrtamentôs côletivôs, as representaçôã es sôciais, ô cônhecimentô empíéricô
acumuladô, ô sistema tradiciônal de crenças, síémbôlôs e mitôs eé a marca dôs grupôs
humanôs da Amazôô nia, e rômper côm issô eé “acabar” côm um sistema cônstruíédô aô
lôngô de sua trajetôé ria histôé rica.
Quantô aà distribuiçaã ô de Bíéblias feita pelô missiônaé riô Hôlden, tal atividade fôi
criticada pelô bispô dô Paraé , D. Macedô Côsta, em sua primeira Carta Pastôral, publicada
assim que assumiu ô bispadô de Beleé m. Na Carta, afirmôu que a base da feé catôé lica naã ô
era a Bíéblia, cômô era ô casô “côm a Babel dô Prôtestantismô”, mas era uma “autôridade
viva, que falava e ensinava, uma Igreja visíével e sempre presente” (VIEIRA, 1980, p. 182).
Em respôsta, cônfôrme ô estudiôsô Vieira, Hôlden publicôu, nô Jornal do
Amazonas – fundadô em 1860, pelô cônselheirô Titô Francô de Almeida, cônhecidô líéder
dô partidô liberal –, na ediçaã ô de 17 de agôstô de 1861, ô seguinte anué nciô:

Estaé aà venda aà Rua da Praia, n◦ 43 a Bíéblia Sagrada, de acôrdô côm a traduçaã ô de


Jôaã ô d’Almeida Pereira, pôr Rs. 1$600. Tambeé m aà venda a Bíéblia Sagrada de
228
Saã ô fascíéculôs destinadôs aà cônversaã ô dôs naã ô crentes, tambeé m chamadôs de fôlhetôs evangeé licôs.
Trata-se de uma cômpilaçaã ô de pequenôs resumôs sôbre temas variadôs cômô histôé rias bíéblicas, aspectôs
da vida cristaã , famíélia, entre ôutrôs temas, saã ô palavras de alerta que sejam ôpôrtunas aôs “descrentes”.
229
EÉ a distribuiçaã ô de publicaçôã es, livrôs e panfletôs religiôsôs pôr pessôas chamadas “côlpôrtôres”.
106

acôrdô côm a traduçaã ô dô Padre Antôô niô Pereira de Figueiredô, pôr Rs. 1$800, e
Richard Hôlden cônvida tôdôs a cômpararem-na côm a traduçaã ô publicada em
Lisbôa, prômetendô pagar Rs. 5$000 pôr cada falsificaçaã ô que pôssa ser
encôntrada (VIEIRA, 1980, p. 183).

Nôte que Hôlden resôlveu desafiar ô bispô supracitadô a prôvar as falsificaçôã es


alegadas nas chamadas “Bíéblias Prôtestantes” (certamente devidô aà cônhecida diferença
entre as Bíéblias catôé lica e prôtestante). Nô dia 30 de agôstô de 1861, em sua segunda
Carta Pastôral, D. Macedô, depôis de debater pôr 12 paé ginas sôbre ô que cônsiderava
serem as falsificaçôã es da “Bíéblia prôtestante”, prôibiu ôs catôé licôs de cômprar e de
pôssuir em suas casas a versaã ô bíéblica prôtestante, ôrdenandô que deveria ser destruíéda
ôu guardada em um lugar ônde naã ô pudesse “fazer mal aôs seus queridôs” (VIEIRA,
1980, p. 182-183).
A venda ôu distribuiçaã ô de Bíéblias Sagradas e fôlhetôs evangeé licôs fôi uma das
principais estrateé gias dôs missiônaé riôs prôtestantes de levar ô “reinô” de Deus tantô na
Amazôô nia quantô em ôutrôs lugares dô Brasil. A venda ôu distribuiçaã ô de Bíéblias se dava
pôr ser um dôs elementôs que marcaram a prôtagônizada Refôrma de Luterô, levandô a
pôpulaçaã ô de sua eé pôca a ter acessô aô cônhecimentô bíéblicô.
Vale ressaltar que a missaã ô empreendida pelôs primeirôs missiônaé riôs
prôtestantes – prôpagadôres dô evangelhô e distribuidôres de Bíéblias – que passaram
pela regiaã ô nôrte dô Brasil, naã ô fôi tôtalmente um trabalhô independente ôu sôlitaé riô,
eles tiveram apôiô de estrangeirôs que residiam em Beleé m (nôrte-americanôs,
escôceses, entre ôutrôs), e de alguns paraenses. Nô casô de alguns missiônaé riôs, cômô
Daniel Kidder, ôs registrôs môstram que ele veiô para ô Brasil côm sua mulher e filhôs,
istô quer dizer que ôs missiônaé riôs tambeé m côntavam côm ô apôiô de suas famíélias,
aleé m de receberem ô apôiô das ôrganizaçôã es missiônaé rias estrangeiras que ôs enviaram
para ô Brasil.

O casal missionário Nelson e o estabelecimento da primeira Igreja Protestante na


Amazônia

Sendô a missaã ô metôdista a primeira a prôpagar ô prôtestantismô na Amazôô nia,


lôgô tal atividade culminôu na fundaçaã ô da primeira igreja prôtestante na regiaã ô nôrte
dô Brasil, pôr intermeé diô dô casal missiônaé riô Nelsôn. A presença dessa igreja côm
matriz na Refôrma eé a grande nôvidade dô final dô seé culô XIX para a regiaã ô amazôô nica.
EÉ um prôtestantismô desvestidô de síémbôlôs maé gicôs, numa regiaã ô ônde a
natureza eé exuberante, habitada pôr indíégenas, ribeirinhôs, mestiçôs e quilômbôlas. Para
esses grupôs humanôs, a natureza eé ô veíéculô da fôrça divina, transmissôra e
cômunicadôra dô pôder de Deus.
Tôdavia, a visaã ô de mundô dô casal Nelsôn e dôs demais missiônaé riôs nôrte-
americanôs que vieram para ô Brasil estava fundamentada pela ideôlôgia dô “destinô
manifestô”, ônde ôs Estadôs Unidôs surgem cômô paradigma de uma sôciedade perfeita,
escôlhida pôr Deus, côm a impôrtante missaã ô de levar aô mundô ô seu môdô de vida
107

(VILHENA, 2008). Os metôdistas julgavam-se ser ô pôvô escôlhidô pôr Deus para
estabelecer ô cristianismô prôtestante nô mundô tôdô. Fôi essa a visaã ô môtivadôra dôs
metôdistas em alcançar ôs pôvôs ônde ô prôtestantismô ainda naã ô estava cônsôlidadô,
côm issô muitôs missiônaé riôs empenharam-se para expandi-lô.
Assim, ô prôtestantismô na Amazôô nia recebe uma nôva rôupagem, ônde a
linguagem acerca de Deus trazida pelôs prôtestantes passa a ser interpretada nôs
acôntecimentôs meteôrôlôé gicôs, nôs cantôs dôs paé ssarôs, na subida e descida dôs riôs e
na eô nfase aô lôcal de cultô. Segundô Ribeirô (2009), apesar de ô prôtestantismô naã ô
apresentar fôrte destaque aô lôcal de cultô, ô templô adquire a função de símbolo da
presença divina e espaço sagrado.
Nô seé culô XIX, eé pôca em que Beleé m e Manaus eram cidades que se destacavam nô
cenaé riô internaciônal, devidô aà ecônômia gômíéfera, issô ôcasiônôu fôrte fluxô migratôé riô
e crescimentô demôgraé ficô exôrbitante para esse períéôdô. Essa intensa môvimentaçaã ô
pôpulaciônal, sômada aà riqueza criada pela ecônômia da bôrracha, fez da cidade de
Beleé m alvô tambeé m da igreja prôtestante (VILHENA, 2008).
As atividades missiônaé rias dô Reverendô Justus Henry Nelsôn realizaram-se
nesse côntextô. Em 16 de julhô de 1880, ô pastôr metôdista William Taylôr 230 – ô gigante
das bôtas de sete leé guas – veiô aà Ameé rica dô Sul pela segunda vez. O Paraé fôi ô lôcal
escôlhidô inicialmente, e em sua cômpanhia trôuxe Walter Gregg, Justus Nelsôn e sua
mulher Fannie.231 O reverendô Taylôr ficôu em Beleé m, apôé s a chegada dele e dô casal
Nelsôn em Beleé m, durante duas semanas. Nesse interim, alugaram um edifíéciô pôr $50
dôé lares aô meô s, dandô iníéciô aôs cultôs em líéngua inglesa para alguns negôciantes
residentes na cidade, e ônde tambeé m abriram uma escôla de ensinô para as crianças
brasileiras, tendô a Bíéblia cômô livrô de leitura.
O casal missiônaé riô Nelsôn estabeleceu-se em Beleé m, ôitô anôs antes da
Prôclamaçaã ô da Repué blica, e ainda na vigeô ncia dô regime dô padrôadô 232 (MAUEÉ S, 2000),
ônde residiram cerca de 45 anôs, realizandô um trabalhô de alcance evangelíésticô e
sôcial, naã ô sôé em Beleé m cômô em ôutras prôvíéncias da Amazôô nia Central. O trabalhô dô
casal perdurôu ateé 8 de nôvembrô de 1925, e embôra sôb a direçaã ô de uma cônfereô ncia

230
Natural de Virgíénia (EUA) e descendia de imigrantes escôceses-irlandeses. Cônverteu-se aô
prôtestantismô em 1841, aôs 20 anôs de idade. Anôs depôis de sua cônversaã ô envôlveu-se côm a
evangelizaçaã ô em diversas regiôã es de sua paé tria, e tambeé m nô Canadaé , Inglaterra, Sul da AÉ frica, Antilhas,
Austraé lia, IÉndia, Angôla, Môçambique, Ameé rica dô Sul, Côstas dô Pacíéficô e dô Atlaô nticô. O nôme “O gigante
das bôtas de sete leé guas”, fôi atribuíédô a Taylôr pôr ter levadô a feé prôtestante em muitôs lugares dô
mundô (SALVADOR, 1982).
231
Nelsôn nasceu, em 1851, nô nôrdeste dôs Estadôs Unidôs. Fôrmôu-se em 1879, na Faculdade de
Teôlôgia da Universidade de Bôstôn. Antes de vir para ô Brasil, estudôu enfermagem durante um anô.
Enquantô Justus estava estudandô em Bôstôn, ele cônheceu Fannie Bishôp Capen, que havia nascidô em
Stôughtôn, Massachusetts, em 1852. Eles se casaram em 13 de abril de 1880, em Stôughtôn,
Massachusetts.
232
Pelô padrôadô, a igreja de Rôma côncedia a um gôvernante civil certô grau de côntrôle sôbre uma igreja
naciônal em apreciaçaã ô pôr seu zelô cristaã ô e cômô incentivô para futuras açôã es em favôr da igreja
(MATOS, 2011).
108

anual dôs Estadôs Unidôs – Igreja Metôdista Episcôpal, ô ramô dô nôrte –, era custeadô
quase que exclusivamente pelô prôé priô casal Nelsôn.
William Taylôr côm Walter Gregg e ô casal missiônaé riô Nelsôn estavam decididôs
a implantar ô prôtestantismô na regiaã ô, pôis cônsideravam que a Amazôô nia era um lugar
ainda desprôvidô da prôpaganda prôtestante (SALVADOR, 1980). Nôte que a prôpaganda
prôtestante na Amazôô nia, a partir da cidade de Beleé m, traz cônsigô a antiga ideia de que
essa regiaã ô era desprôvida de pessôas, de recursôs ecônôô micôs, de cultura e sôb a
perspectiva religiôsa prôtestante tambeé m carente da “feé cristaã verdadeira”. Desse môdô,
esse prôtestantismô que se estabelece nessa regiaã ô ressignificôu a praé tica religiôsa, que
para tal môvimentô religiôsô perpassa pela cônversaã ô, ô que significa mudança de vida,
assim ô mundô para ôs môradôres lôcais passôu a ser ressignificadô.
As atividades missiônaé rias realizadas pelô casal Nelsôn na Amazôô nia faziam parte
dô sistema “missôã es de sustentô prôé priô”, prôjetô idealizadô pelô Rev. Taylôr, que
recrutava jôvens nôrte-americanôs dispôstôs a prôpagar ô prôtestantismô em lugares
diversôs. Reily (1982) destaca que Nelsôn fôi um dôs jôvens recrutadôs pôr Taylôr,
quandô ainda era estudante na Universidade de Bôstôn, em 1878, eé pôca em que Taylôr
prôcurava, entre ôs estudantes, vôluntaé riôs para servir cômô diretôres e prôfessôres de
côleé giôs que ele tenciônava estabelecer nas côstas ôcidental e ôriental da Ameé rica dô
Sul.
“Ele mesmô prôvidenciava ôs ôbreirôs e lhes custeava a viagem, desde que, um
grupô de pessôas ali se dispusesse a apôiaé -lôs, ajudandô-ôs a se manterem” (SALVADOR,
1982, p. 54). Taylôr preôcupôu-se em levar ô metôdismô aôs lugares, cônsideradôs pôr
ele, desprôvidôs dô Evangelhô e ônde as pessôas necessitavam de “assisteô ncia
espiritual”, daíé a idealizaçaã ô desse prôjetô que lhe permitiu evangelizar pessôas em
tantôs e taã ô variadôs lugares dô mundô.

O meu sustentô prôé priô fôi sempre vôluntaé riô. Nunca pedi um vinteé m aà
Sôciedade Missiônaé ria, pôreé m, em diversas ôcasiôã es durante estes 45 anôs,
tendô recebidô dessa Sôciedade mais de 2500 dôé lares cômô sinal dô
recônhecimentô fraternô e ôficial, a tíétulô de ajuda de custô (REILY, 1985, p. 9).

A ajuda financeira que ô casal Nelsôn recebia naã ô era ô suficiente para manter
suas despesas pessôais e as de evangelizaçaã ô. Tôdavia, aô ôptarem pela “missaã ô de
sustentô prôé priô”, mantiveram-se côm ôs recursôs das aulas de matemaé tica e líénguas
estrangeiras, ingleô s e alemaã ô, ô que pôssibilitôu maiôr autônômia de açaã ô nô campô
missiônaé riô e ampliôu a sua participaçaã ô e articulaçaã ô em ôutras esferas da sôciedade
lôcal (VILHENA, 2008).
Em 1881, ô casal missiônaé riô passôu a realizar ô cultô prôtestante na líéngua
pôrtuguesa, aleé m dissô, ô setôr escôlar cresceu, de môdô que a senhôrita Hattie Curtiss
veiô juntar-se aô grupô, mas tantô ela cômô Walter Gregg retôrnaram aôs Estadôs
Unidôs. Daíé as razôã es pôr que, em junhô de 1888, Taylôr enviôu nôvô refôrçô, cônstituíédô
de Jôhn Nelsôn, irmaã ô dô Reverendô Justus Nelsôn, e duas prôfessôras (SALVADOR,
1982), que môrreram de febre amarela.
109

Pôr meiô dô crescimentô dô nué merô de membrôs e dô trabalhô missiônaé riô


metôdista fôi pôssíével fundar, nô dia 15 de julhô de 1883, a Igreja Metôdista Episcôpal
em Beleé m, nô Estadô dô Paraé . As atividades da igreja cônsistiam em cultôs dômeé sticôs,
Escôla Bíéblica Dôminical, reuniaã ô de ôraçaã ô em casas particulares e instruçaã ô escôlar aà s
crianças.
Cônfôrme descreve Salvadôr (1982, p. 56), nôs dez anôs que se seguiram, apôé s a
fundaçaã ô dessa igreja, 51 pessôas fizeram a prôfissaã ô de feé , sendô registradôs nô rôl de
membrôs 108 indivíéduôs. “A igreja cresceu, passandô a côntar, em 1895, côm 44
membrôs prôfessôs, 26 candidatôs e 250 simpatizantes, uma Liga Epwôrth (Sôciedade
Metôdista de Jôvens, ôrganizada para a sua instruçaã ô na Bíéblia e nô trabalhô missiônaé riô
da igreja) e uma Sôciedade Feminina de Temperança.”
Veja que a teôlôgia prôtestante, pôr meiô dôs metôdistas, num primeirô
mômentô, fixôu-se nô nôrte brasileirô de fôrma bastante lenta. Tôdavia, trôuxe nôvôs
elementôs religiôsôs aô mundô espiritual dôs môradôres lôcais, cômô a Bíéblia Sagrada.
Para ôs prôtestantes, ela eé central em suas vidas, ela eé a regra de feé e praé tica, eé ô meiô
para se cônhecer a Deus e sua ôferta de salvaçaã ô em Jesus Cristô. Pôrtantô, ela fôi
tambeé m instrumentô para embasar e criar as representaçôã es da vida prôtestante nô
aô mbitô da cultura amazôô nica (CARVALHO, 2015).
As atividades missiônaé rias dô casal Nelsôn naã ô se limitaram sômente aô
ensinamentô da dôutrina metôdista ôu aà cônversaã ô dôs môradôres de Beleé m, mas eles se
côrrespôndiam tambeé m côm pessôas dô interiôr dô Amazônas, instruindô-as nô
evangelhô e na sôluçaã ô de prôblemas. Dedicaram-se aô trabalhô sôcial, atendendô aôs
dôentes, ateé ônde permitia ô cônhecimentô de Nelsôn a respeitô de enfermagem. Nelsôn
traduzia literatura cristaã e ôutrôs escritôs, cômô hinôs evangeé licôs. Em abril de 1891, jaé
havia mais de cinquenta hinôs traduzidôs. Aleé m desses trabalhôs, fundaram ô Jôrnal O
Apologista Cristão Brasileiro, prôpagadôr das ideôlôgias prôtestantes.

O apologista cristão brasileiro: propagador do evangelho Protestante

O Jôrnal O Apologista Cristão Brasileiro fôi fundadô pôr Justus Nelsôn, nô dia 4 de
janeirô de 1890. O jôrnal divulgava nôtíécias lôcais, naciônais e internaciônais, estudôs
bíéblicôs, mateé rias de prôpaganda religiôsa prôtestante, ôpiniôã es pôlíéticas. Tratava-se de
um jôrnal religiôsô semanal, dedicadô aà s famíélias e aà prôpaganda dô “evangelhô
metôdista”. Tinha cômô lema: “Saibamôs e pratiquemôs a verdade custe ô que custar”
(MAUEÉ S, 2000).
Esse veíéculô de prôpaganda publicôu vaé rias críéticas aô sistema religiôsô da Igreja
Catôé lica, cômô a devôçaã ô aà Virgem Maria, acusandô a referida igreja de levar seus
membrôs aà “idôlatria”. Devidô aôs artigôs que publicava côntra ô catôlicismô e ôs seus
fieé is, cônsideradôs ôfensivôs, Justus Nelsôn fôi presô e assim permaneceu durante
quatrô meses apôé s tais publicaçôã es. Aleé m de refôrçar a ideôlôgia religiôsa, O Apologista
Cristão Brasileiro tambeé m serviu a ôutrôs fins, cômô atesta Salvadôr (1982, p. 58):
110

[...] publicava nôtíécias dô Brasil e dô estrangeirô, atôs dô nôssô gôvernô, a liçaã ô


resumida da Escôla Bíéblica Dôminical, expôsiçôã es dôutrinaé rias, a taxa de
caô mbiô, ô preçô da bôrracha, fatôs religiôsôs e tudô mais que fôsse de interesse,
[...] circulava naã ô sôé nô Paraé , mas na Amazôô nia, nôs Estadôs dô Nôrte,
Pernambucô, Bahia, e mesmô em Saã ô Paulô e Riô de Janeirô tinha assinantes.

Esse jôrnal, aleé m de levar as nôtíécias aôs môradôres, tambeé m anunciava ôs


dôgmas metôdistas, destacandô ô pôsiciônamentô prôtestante frente aà Igreja Catôé lica,
sempre fazendô essa ligaçaã ô entre ô mundô civil e ô religiôsô, côm ô intentô de fôrmar
um sentimentô de participaçaã ô dôs cidadaã ôs na esfera pué blica, desfazendô a “frôuxidaã ô”
da cônduta môral catôé lica e estabelecendô um nôvô referencial identitaé riô para um
indivíéduô pôstular-se cristaã ô. Nô jôrnal, Justus Nelsôn deixava clarô quais eram ôs tipôs
de cômpôrtamentô que ôs membrôs da Igreja Metôdista deveriam seguir e a pôpulaçaã ô
em geral.
Pôr exemplô, a prôibiçaã ô da mentira tôrnôu-se primeira impôrtaô ncia nas Regras
Gerais dô Metôdismô brasileirô expressadô pelô jôrnal (VILHENA, 2008). Essa
ôrientaçaã ô aôs leitôres denôta ô desejô de ver a pôpulaçaã ô absôrver nôvôs
cômpôrtamentôs, rômpendô em definitivô côm côstumes religiôsôs antigôs, pôis
qualquer indivíéduô que deixava suas tradiçôã es catôé licas e se “cônvertesse” aô metôdismô
rescindia ô mônôpôé liô catôé licô e côlabôrava para um nôvô môdelô de sôciedade.
Cônsôlidandô assim, um nôvô campô religiôsô, ônde a luta pelô pôder beatificadô crescia
entre catôé licôs e prôtestantes, influenciandô principalmente na tômada das decisôã es
pôlíéticas.
Pôr meiô dô jôrnal, ô Reverendô Justus Nelsôn destaca-se cômô um apôlôgista da
verdade cristaã , demônstrandô ser prôfundô cônhecedôr da Bíéblia, tinha cômô ôbjetivô
alertar a pôpulaçaã ô lôcal sôbre ôutras dôutrinas religiôsas, utilizandô cônceitôs bíéblicôs
para defender ôs dôgmas prôtestantes, daíé ô nôme dadô a esse jôrnal. O jôrnal
pôsiciônava-se côntra ôs privileé giôs côncedidôs aôs catôé licôs e côntra ôs côstumes,
dôutrinas, dôgmas, sacramentôs tradiciônais catôé licôs.
Tôny Vilhena (2008, p. 28) cônsidera a prôduçaã ô desse jôrnal cômô ô principal
legadô de Justus Nelsôn, “afinal fôram vinte e um anôs de uma prôduçaã ô que, apesar dôs
sacrifíéciôs e perseguiçôã es, demarcôu seu tempô [...]”. O jôrnal idealizava um gôvernô civil
côm princíépiôs cristaã ôs, assentadô em bases religiôsas, atribuindô santidade religiôsa aô
patriôtismô e legitimidade naciônalista aà s crenças religiôsas.
Partindô desse pressupôstô, Justus Nelsôn acreditava que ô metôdismô pôderia
ser uma parte integrante e atuante dô prôcessô cônstitutivô da sôciedade. O missiônaé riô
estava cônvencidô de que era um agente a serviçô da implantaçaã ô da civilizaçaã ô nô paíés
escôlhidô cômô campô missiônaé riô, pôr issô sua pretensaã ô em estabelecer nôvôs
côstumes côndizentes côm ôs intuitôs divinôs. Sua vôntade era permanecer nô Brasil ateé
1930, quandô cômpletaria ô seu cinquentenaé riô de trabalhô nô paíés, mas devidô aà s
côndiçôã es financeiras precaé rias advindas pela crise que assôlôu a ecônômia da regiaã ô
amazôô nica, naã ô fôi pôssíével côntinuar sua ôbra missiônaé ria, retirandô-se côm sua famíélia
para ôs Estadôs Unidôs, em 8 de nôvembrô de 1895.
111

Marcus Carver e a propaganda protestante em Manaus

O prôtestantismô na cidade de Manaus, atual capital dô Amazônas, fôi prôpagadô


pôr meiô da Igreja Metôdista, em 1886, quandô ô Reverendô Marcus Ellewôrth Carver e
ô Reverendô Justus Nelsôn dirigiram-se a Manaus para iniciarem as primeiras atividades
missiônaé rias nô Estadô. Aô chegar aà cidade de Manaus, pela primeira vez, Carver
encôntrôu uma diversidade de tipôs humanôs, aleé m dôs nativôs. Nessa eé pôca, a cidade
experimentava um períéôdô de desenvôlvimentô ecônôô micô pôr causa dô extrativismô
gômíéferô (CARVALHO, 2015).
Justus Nelsôn, em 1886, escreveu aô Reverendô William Taylôr, pedindô que
enviasse pessôas para evangelizar as cidades de Santareé m e Manaus. Justus, em sua
carta, deixa clarô que ô mesmô garantiria ô sustentô prôé priô dôs nôvôs missiônaé riôs.
Taylôr enviôu treô s pessôas: ô Reverendô Marcus Carver e ô reverendô Smith côm a
espôsa. Tôdavia, ô casal Smith retôrnôu a New Yôrk, e Carver, que estava destinadô a
iniciar a prôpaganda prôtestante em Santareé m, fôi enviadô para Manaus (REILY, 1982).
Marcus Carver nasceu em New Yôrk (EUA), nô dia 21 de marçô de 1863, e môrreu
em 24 de setembrô de 1953. Fôrmôu-se em Teôlôgia e fôi enviadô aô Brasil pela
Sôciedade Missiônaé ria da Igreja Metôdista Episcôpal. Carver passôu curtô tempô em
Beleé m, apenas ô suficiente para cônhecer um pôucô a regiaã ô e para aprender a líéngua
pôrtuguesa (SALVADOR, 1982).
O Reverendô Justus Nelsôn descreve a chegada de Carver a Manaus e ô iníéciô da
prôpaganda metôdista na cidade.

Eu ô acômpanhei na viagem e, na nôite de 25 de dezembrô de 1886, em casa dô


Sr. Alfredô Sôuza (presbiterianô), dirigi um cultô, pregandô ô primeirô sermaã ô
prôtestante que cônsta ter-se ôuvidô em Manaus. Depôis dô meu regressô a
Beleé m, ôrganizamôs uma Igreja Metôdista Episcôpal, que cônsistia
principalmente de uma dué zia de pessôas membrôs de nôssa igreja em Beleé m,
pôreé m residentes em Manaus e nôs arredôres (REILY, 1980, p. 14).

A partir de entaã ô, a prôpaganda prôtestante em Manaus tem cômô refereô ncia


Marcus Carver, que aôs 23 anôs de idade, sôlteirô, fôi enviadô aà cidade de Manaus. Os
primeirôs anôs de prôpagaçaã ô dô evangelhô metôdista nô Amazônas fôram difíéceis e
imprôvaé veis. Sem côndiçôã es financeiras, Marcus Carver teve dificuldades para se
sustentar e manter ô trabalhô missiônaé riô, uma vez que tôda a ôbra realizada era
mantida pôr ele. Assim, cômô Justus Nelsôn, Marcus Carver manteve-se dandô aulas e
pôr meiô de ôfertas vôluntaé rias de amigôs e dôs nôvôs “cônvertidôs”, pôis ambôs faziam
parte dô prôjetô missiônaé riô de William Taylôr, em que ô missiônaé riô se mantinha pôr
seus prôé priôs esfôrçôs.
Mesmô côm tôdas as dificuldades, as primeiras atividades de prôpaganda
prôtestante côôrdenada pelô missiônaé riô fôram realizadas na rua Apurinam (hôje, rua
Leônardô Malcher), esquina côm rua Bittencôurt (atualmente, rua Jônathas Pedrôsa), nô
bairrô Praça 14, lôcal ônde se ergueu a partir de 1888 um edifíéciô para ôs cultôs, que
serviu tambeé m para ô funciônamentô de uma escôla primaé ria destinada aà s crianças
pôbres, e uma casa que servia de môradia para ô missiônaé riô. Em 1889, fôi inaugurada a
112

casa, e nô dia 18 de setembrô de 1896, sete anôs depôis, fôi a vez de ô templô ser
inauguradô. O preé diô pôssuíéa uma tôrre central na qual se encôntrava um sinô dôadô
pela Missaã ô da cidade de Peterson, Estadô de New Jersey (EUA) em 1895, sendô rôubadô
dôis anôs depôis, fôi substituíédô pôr ôutrô, tambeé m recebidô cômô dôaçaã ô (SALVADOR,
1982; CARVALHO, 2015).233
Marcus Carver, aô se estabelecer em Manaus, realizôu atividades evangelíésticas
que cônsistiam em pregaçaã ô da Bíéblia. Istô quer dizer que publicamente prôclamava sua
feé pôr meiô da leitura e prôclamaçaã ô dôs textôs bíéblicôs, praé tica cômum entre ôs demais
missiônaé riôs citadôs. Abraçôu um recursô cômum em seu tempô: a palavra escrita,
empregandô ôs meiôs dispôníéveis aà eé pôca para realizar suas atividades missiônaé rias e
um deles fôi a publicaçaã ô dô Jôrnal A Paz, pôr meiô dô qual anunciava as atividades de
sua igreja, divulgava material prôtestante impressô côlôcadô aà venda cômô Bíéblias,
hinaé riôs e livrôs (CARVALHO, 2015).

A Missão Betesda de Manaus

O missiônaé riô Carver, apôé s um tempô na cidade de Manaus, abandônôu ô


metôdismô e se aprôximôu da Igreja Anglicana. Nô dia 1º. de janeirô de 1888,
secretamente, fundôu a “Missaã ô Bethesda” (Bethesda Mission)234 (CARVALHO, 2015).
Justus Nelsôn sômente ficôu sabendô que a missaã ô prôtestante em Manaus jaé naã ô tinha
mais relaçôã es côm a Igreja Metôdista Episcôpal aô cômunicar aô reverendô Carver que
estaria viajandô de feé rias côm sua famíélia para a Ameé rica dô Nôrte (1889). Carver
respôndeu aô cômunicadô, infôrmandô que a ôbra evangelíéstica em Manaus era um
trabalhô independente (REILY, 1980).
Apôé s seis meses de feé rias, a famíélia Nelsôn chegôu aô Paraé e depôis de alguns dias
Justus Nelsôn seguiu para Manaus a fim entender-se côm ô reverendô Carver. Segundô
Reily (1980), ô missiônaé riô Carver “cônfirmôu calmamente que haé seis meses jaé tinha
escritô, que a ôbra e a ôrganizaçaã ô que ele chefia em Manaus, se achavam
cômpletamente desligadas da Igreja Metôdista Episcôpal”. Dessa fôrma, Justus, em seu
relatôé riô de superintendente dô distritô Brazil District (Pernambucô, Paraé , Manaus) da
Providence Annual Conference, relatôu ôs acôntecimentôs que envôlveram ô missiônaé riô
Carver, ô qual fôi chamadô pela Cônfereô ncia, a fim de se justificar pôr ser ainda membrô
da mesma.
Aô se apresentar aà Cônfereô ncia na Ameé rica dô Nôrte, essa instituiçaã ô lhe deu a
ôpçaã ô de escôlher entre treô s môdôs de prôceder, a saber:

233
Cônfôrme Carvalhô (2015, p. 94), acerca dessa igreja pôucô se pôde descrever de sua arquitetura, mas,
segundô ô autôr supracitadô, Carver, em sua A Short History (1899), afirma que se tratava de uma
cônstruçaã ô erigida prôé ximô a um terrenô acidentadô, ônde fôram cônstruíédas uma igreja de tijôlôs, e
tambeé m uma casa côntíégua que servia de habitaçaã ô para ô missiônaé riô.
234
Betesda ôu Bethesd significa “lugar da misericôé rdia divina” ôu “casa da misericôé rdia divina”. Essa
missaã ô recebeu diversôs nômes, a saber, Missaã ô Bethesda, Egreja Evangeé lica Amazônense, Igreja Episcôpal
Amazônense e Capela Saã ô Salvadôr (CARVALHO, 2015).
113

[...] de aceitar a nômeaçaã ô a pastôr de uma igreja laé em Trurô, ôu devôlver aô


bispô ô seu diplôma de ôrdens sacras, retirandô-se da Igreja Metôdista
Episcôpal; ôu de ver-se prôcessadô eclesiasticamente pôr insubôrdinaçaã ô
(REILY, 1980, p. 15).

O missiônaé riô Marcus Carver ôptôu em renunciar aà s suas credenciais pastôrais,


retirandô-se da Igreja Metôdista Episcôpal em definitivô, retôrnandô a Manaus para dar
côntinuidade aà s atividades da Missaã ô Betesda. O templô – que se fez refereô ncia na seçaã ô
anteriôr – utilizadô pela Missaã ô Bethesda, fôi destruíédô em um inceô ndiô, naã ô se sabe a
causa ôu a data em que ôcôrreu tal acôntecimentô. Carvalhô (2015) infôrma que durante
ô ataque dôis, dôs cincô auxiliares de Marcus Carver, fôram agredidôs e em pôucô tempô
môrreram pôr causa dôs ferimentôs. Um nôvô templô nô Bairrô Vila Municipal fôi
cônstruíédô e recebeu ô nôme de Capela Salvador.
Em sua missaã ô, Carver prestava assisteô ncia espiritual e sôcial aôs estrangeirôs
que viviam em Manaus. Carvalhô (2015) sustenta que essa pôde ter sidô a môtivaçaã ô de
ter se desvinculadô da Igreja Metôdista. Partindô dessa hipôé tese, cônclui-se que ôs
estrangeirôs pareciam pôtenciais para a evangelizaçaã ô e cônversaã ô, e daíé tôrnaé -lôs
membrôs da nôva igreja. Aleé m dôs estrangeirôs, a missaã ô dava assisteô ncia religiôsa aôs
barbadianôs – grupôs de negrôs imigrantes vindôs das Ilhas Britaô nicas nô Caribe – que
residiam em Manaus, nô Bairrô Praça 14, para ôs quais Carver dedicôu especial atençaã ô
(CARVALHO, 2015).
Salvadôr (1982) afirma que a Missaã ô Betesda, nô dia 18 de setembrô de 1899,
transfôrmôu-se Igreja Evangélica Amazonense, côm estatutô prôé priô e ritual semelhante
aô da Igreja Metôdista. Istô quer dizer que ôs rituais, ôs sacramentôs, dessa igreja eram
ôs mesmôs da Igreja Metôdista Episcôpal.
Carver, aô desligar-se da Igreja Metôdista Episcôpal dôs Estadôs Unidôs, fôi
tôtalmente abandônadô pela missaã ô metôdista, realizandô seu trabalhô sôzinhô, sem
apôiô financeirô, religiôsô e administrativô. Realizôu um trabalhô independente,
dedicandô sua vida aô Amazônas, estendendô suas atividades de evangelizaçaã ô tambeé m
aôs pôvôs indíégenas.
De acôrdô côm Carvalhô (2015), a Igreja Evangeé lica Amazônense instalôu-se
definitivamente nô templô da Av. Majôr Gabriel. O lôcal em que ficava essa igreja hôje
estaé ôcupadô pôr um centrô cômercial, tendô aô seu ladô um templô da Igreja Evangeé lica
Hôliness, e bem prôé xima, a resideô ncia da famíélia dô Rev. Juveô nciô Paulô de Melô.
O evangelista Juveô nciô Paulô de Mellô (funciônaé riô da Manaós Harbour Limited,
empresa inglesa que administrava ô Pôrtô de Manaus) côm sua famíélia (espôsa e duas
filhas) fôram grandes côlabôradôres de Carver na divulgaçaã ô da dôutrina prôtestante nô
Amazônas. Pôr meiô dô trabalhô desses pastôres, a Missaã ô Betesda desenvôlveu intensa
atividade missiônaé ria em tôda a cidade de Manaus, crescendô rapidamente (BARROS,
2010). Aleé m dissô, a Missaã ô Betesda fundôu ô Jôrnal A Paz. “EÉ datadô de 21 de marçô de
1898. Redatôr: Rev. Marcus Ellewôrth Carver; secretaé riô: Juveô nciô de Mellô. Publicaçaã ô
mensal” (OLIVEIRA, 2010, p. 2).
114

Esse jôrnal circulôu de 1898 a 1900, em Manaus. Assim, vale transcrever dô


nué merô 1 dô anô I de A PAZ, ô seguinte, 235 de acôrdô côm a transcriçaã ô de Oliveira (2010,
p. 1):

Despidô das galas mundanas surge hôje nas plagas Amazônenses, eô ste humilde
periôé dicô Evangeé licô denôminadô A Paz, cômô ôé rgaã ô Official da Missaã ô
Bethesda de Manaé ôs. Vencendô muitas difficuldades, e ajudadô pôr Deus, a
Missaã ô cônseguiu môntar uma pequena typôgraphia ônde seraé impressô A PAZ
que teraé pôr fim ué nicô e exclusivô tratar dôs actôs da Missaã ô, e especialmente aà
prôpaganda das virtudes dô Evangelhô de Jesus Christô, neste vastô campô da
Amazôô nia. A sua direçaã ô e redacçaã ô estaé cônfiada aôs prôpagadôres dô
Evangelhô, Revd. Marcus E. Carver e aô Evangelista Juvenciô de Mellô, de quem
a Missaã ô espera as suas valiôsas côadjuvaçôã es, nô sentidô de, côm ôs seus
côncursôs intellectuais fazerem chegar aô cônhecimentô desta pôpulaçaã ô a
verdadeira dôutrina dô Divinô Mestre Christô Jesus. Muitas seraã ô as
difficuldades que haã ô de aparecer, pôrem, cônfiamôs nôs nôssôs irmaã ôs na feé ,
que nôs auxiliem côm as suas assignaturas, e de Deus esperamôs a bençaã ô para
esta taã ô brilhante ôbra. Desejamôs tambeé m dizer aôs leitôres que A Paz naã ô
vem plantar discôé rdias nôs côraçôã es dôs hômens, pôreé m tem pôr seu lemma as
suplimes palavras que Christô disse aôs seus discíépulôs: - A PAZ SEJA
CONVOSCO.

O ôbjetivô desse jôrnal cônsistia em côntribuir para a divulgaçaã ô dô evangelhô


prôtestante, dôs cultôs, da Escôla Dôminical da Missaã ô Betesda, na ôrientaçaã ô de
pessôas, nô que tange aà eé tica, valôres, côstumes, môral. O jôrnal era um veíéculô que
côntribuíéa nô cumprimentô da ôrdenaçaã ô: “Ide pôr tôdô mundô e pregai ô Evangelhô a
tôda criatura” (Marcôs 16.15).
Carver sentia-se na respônsabilidade de prôpagar esse evangelhô aôs
amazônenses, trabalhô realizadô pôr meiô da distribuiçaã ô de Bíéblias, literatura cristaã ,
cultôs aô ar livre e pelô Jôrnal A Paz. Oliveira (2010, p. 2) ressalta que A Paz eé ô primeirô
jôrnal evangeé licô de Manaus, quiçaé dô Amazônas que circulôu pelôs municíépiôs dô
Estadô. Barrôs (2010) destaca que a Igreja Evangeé lica Amazônense viveu e cresceu cômô
uma igreja independente, apesar de seus insistentes apelôs para se filiar aà igreja
episcôpal. O fundadôr da Igreja Evangeé lica Amazônense sôlicitôu muitas vezes aôs
cleé rigôs da Igreja Episcôpal que assumissem as atividades e recebessem cômô dôaçaã ô as
prôpriedades da referida igreja.
Entretantô, naã ô se sabe aô certô quais fôram ôs môtivôs que levaram Carver a
sôlicitar a integraçaã ô da Igreja Evangeé lica Amazônense aà Igreja Episcôpal. Carver
retôrnôu aôs Estadôs Unidôs, em 1908, assumindô a igreja ô evangelista Juveô nciô Mellô.
O nôvô pastôr tambeé m pôr muitas vezes escreveu cartas, sôlicitandô a inclusaã ô de sua
Igreja aà cônvençaã ô episcôpal, côlôcandô-se aà dispôsiçaã ô para ôbedecer sem reservas e
discrepaô ncias tôdôs ôs seus dôgmas e côstumes. Cônfôrme Barrôs (2010), a declaraçaã ô
dôs líéderes episcôpais em naã ô aceitar ôs membrôs da Igreja Evangeé lica Amazônense era
pôr causa da distaô ncia geôgraé fica, a falta de recursôs financeirôs e de missiônaé riôs que
viessem para ô Amazônas.

235
A pesquisadôra Betty Oliveira fôi fiel aà transcriçaã ô dôs textôs ôriginais dô referidô jôrnal e issô naã ô
cômprômete ô entendimentô da leitura.
115

O pastôr Juveô nciô Mellô esteve aà frente da Igreja Evangeé lica Amazônense ateé a sua
môrte, em 1934. Durante esse períéôdô, dirigiu ô jôrnal O Monitor, ô qual era editadô pôr
Franciscô Farias de Carvalhô. Esse jôrnal tinha pôr lema for Christ and the Church (Pôr
Cristô e pela Igreja) e substituiu ô jôrnal A Paz. Diante da auseô ncia de um pastôr, apôé s a
môrte de Juveô nciô de Mellô, em seu lugar ficôu ô prôfessôr e dentista Clemente Thômas,
cônvenciônadô aô cargô de pastôr pelôs prôé priôs membrôs da igreja. Sendô que, em
janeirô de 1944, as atividades da igreja fôram encerradas.
Nô final da deé cada de 1970, ô bispô Edmund Knôx Sherril aprôveitôu as viagens
que fazia aô exteriôr para visitar Manaus e realizôu alguns cultôs na resideô ncia da Dôna
Jôsephina de Mellô, filha dô pastôr Juveô nciô, que nô cômeçô dôs anôs 1990 dôôu as
prôpriedades que ainda lhe restavam para a Igreja Episcôpal Anglicana dô Brasil pôr
meiô de testamentô.

Considerações finais

A teôlôgia prôtestante, que, de fôrma bastante lenta, fixôu-se nô territôé riô


amazôô nicô, herdeira da filôsôfia ligada aà Refôrma prôtestante, trôuxe nôvas perspectivas
religiôsas para ôs môradôres lôcais. A prôpaganda prôtestante fôi a grande nôvidade dô
seé culô XIX para a Amazôô nia, eé pôca em que nô Brasil as ideôlôgias môdernizadôras
imperavam.
Nesse tempô, a entrada de imigrantes da Eurôpa e dôs Estadôs Unidôs da Ameé rica
era frequente. Os nôrte-americanôs adentraram ô paíés côm ô ôbjetivô de prôpagar a sua
feé pôr meiô da educaçaã ô, da cônversaã ô e dô prôselitismô. Os estadunidenses
embrenharam-se tambeé m pelô territôé riô amazôô nicô, tentandô prôpagar pôr meiô da
distribuiçaã ô de Bíéblias e literatura cristaã suas crenças. Trata-se de um grupô de
missiônaé riôs que aleé m dô desejô de tôrnar ôs môradôres lôcais cônhecedôres dôs textôs
bíéblicôs tambeé m almejavam que a Amazôô nia prôgredisse ecônômicamente, sôcialmente,
pôliticamente e culturalmente a partir dôs valôres nôrte-americanôs, fundamentadôs na
ideôlôgia dô destinô manifestô.
Os prôtestantes estadunidenses escôlheram a Amazôô nia pôr causa da falta de
prôpaganda prôtestante, acreditandô que pôr meiô dô prôtestantismô a regiaã ô
alcançaria ô prôgressô. Desse môdô, a regiaã ô aparece nô imaginaé riô dôs missiônaé riôs
prôtestantes prômissôra aô desenvôlvimentô ecônôô micô. O prôtestantismô destaca-se
em um cenaé riô ecônôô micô e pôlíéticô, ônde ôs missiônaé riôs defendiam um gôvernô que
fôsse sôberanô sôbre a Amazôô nia, que tôrnasse a regiaã ô dentrô dôs paramentôs dô
“sônhô americanô”. Desse môdô, ô prôtestantismô eé a influeô ncia mais recente que a
Amazôô nia passa a viver. Trata-se de um prôtestantismô da cônversaã ô, da mudança de
vida, dô prôselitismô, da negaçaã ô da prôé pria cultura. Assim, ô prôtestantismô reprôduziu
nôvas praé ticas messiaô nicas de evangelizaçaã ô e de côlônizaçaã ô, gerandô assim, uma nôva
dinaô mica sôcial e religiôsa.
A vida religiôsa amazônense eé , majôritariamente, um sistema de crenças e ritôs
influenciadôs pelô catôlicismô e prôtestantismô. Esses dôis ramôs dô cristianismô
tôrnaram-se, pôrtantô, definidôres das matrizes eé ticas de côndutas e valôres que
116

permeiam as esferas dô sagrado e dô profano. Pôr meiô dô seu ethôs, “ôrganizaram” a


vida sôcial amazôô nica, aô mesmô tempô estabelecendô ôs deveres e ôs prazeres.
Hôje, as igrejas evangeé licas pôdem ser encôntradas em tôdôs ôs lugares dô
Estadô, estruturadas em ôrganizaçôã es cômpôstas de liturgias, datas festivas e fôrmaçaã ô
eclesiaé stica. As mesmas saã ô frutô dô trabalhô de igrejas e ôrganizaçôã es missiônaé rias
nôrte-americanas e eurôpeias. Estas influenciaram na fôrmaçaã ô da vida religiôsa das
pôpulaçôã es amazôô nicas nô que tange aà sua “identidade cristaã ”, a qual se exprime em
estilôs de vida, cônduta, côstumes, valôres, princíépiôs.

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Submetidô em: 3-12-2016


Aceitô em: 6-8-2017__
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IX - EURICO ALFREDO NELSON (1862-1939)


E A INSERÇÃO BATISTA EM BELÉM DO PARÁ
Me. Ezilene Nôgueira Ribeirô

ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTOÉ RIA DAS RELIGIOÕ ES E DAS


RELIGIOSIDADES – ANPUH -Questôã es teôé ricô-metôdôlôé gicas nô estudô das religiôã es e
religiôsidades. IN: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringaé (PR) v. III, n.9,
jan/2011. ISSN 1983-2859.
Dispôníével em http://www.dhi.uem.br/gtreligiaô/pub.html

Prôpônhô nesta cômunicaçaã ô apresentar alguns aspectôs que favôreceram a chegada dô


cristianismô batista em Beleé m dô Paraé . Aleé m dissô, querô fazer uma descriçaã ô da cidade,
apôntandô alguns fatôres que pôssibilitaram a imigraçaã ô dô suecô batista Euricô Alfredô
Nelsôn, que fôi “viver pela feé ” numa regiaã ô cuja pôpulaçaã ô eé predôminantemente
mestiça. Farei um recôrte da histôé ria de Nelsôn a partir dôs seis primeirôs anôs de sua
atuaçaã ô na cidade e cômô pôntô de partida para entender as tessituras dô côtidianô
batista emergente nô Paraé que naã ô seraã ô apresentadas neste trabalhô inicial, prôcurarei
analisar certas côndiçôã es que favôreceram a praé tica de suas atividades religiôsas nesse
côntextô. Desta fôrma, utilizarei as cartas pessôais de Euricô Nelsôn cômô principais
fôntes dôcumentais, uma vez que suspeitô que ôs batistas de Beleé m dô Paraé na virada dô
seé culô XIX para ô seé culô XX, pôssuem caracteríésticas pôucô côntempladas pôr sua
histôriôgrafia e que decôrrem da dinaô mica de inserçaã ô neste côntextô urbanô especíéficô.
Cônfôrme a escrita de Jôhn Landers (1982), 1 Erik Alfred Nelsôn2 nasceu na Sueé cia e fôi
batizadô na Igreja Luterana. O primeirô côntatô de Euricô Nelsôn côm ôs batistas na
Sueé cia resultôu nô seu rebatismô 3 pôr um côlpôrtôr4. Uma vez que a famíélia de Euricô
Nelsôn discôrdôu da feé luterana e rômpeu côm a igreja ôficial, esta cônsiderôu ôs pais de
Nelsôn cômô dissidentes dô luteranismô aô ôrganizar uma espeé cie de escôla religiôsa
aôs dômingôs para dôutrinar neôé fitôs. A recusa da famíélia de Euricô Nelsôn em cumprir
as ôbrigaçôã es religiôsas da igreja ôficial fôrçôu-ôs a imigrar para ôs Estadôs Unidôs em
1869.
Depôis da môrte de Euricô Nelsôn nô Brasil, batistas americanôs e brasileirôs 5 passaram
a escrever a seu respeitô nô aô mbitô instituciônal religiôsô. Fôram escritas biôgrafias
vôltadas aà descriçaã ô dô primeirô missiônaé riô batista em Beleé m dô Paraé , na perspectiva
dô “persônagem-hômem”, cuja histôé ria de vida ““teve simplesmente uma funçaã ô
sugestiva ôu ilustrativa”” (LORIGA, 1996), uma vez que estas biôgrafias destacam apenas
ôs atôs de “herôíésmô” de Euricô Nelsôn, em decôrreô ncia de seu “”excelente caraé ter
batista e de sua saga cômô piôneirô na Amazôô nia”” (PEREIRA, 1945).
A prôpôé sitô da idade adulta de Euricô Nelsôn, ôs biôé grafôs batistas Landers (1982) e
Pereira (1945) afirmam que depôis de vaé rias tentativas frustradas em ingressar num
cursô de fôrmaçaã ô e qualificaçaã ô pastôral e missiônaé ria entre ôs batistas, ele decidiu
imigrar para ô Brasil em 1891, escôlhendô a cidade de Beleé m dô Paraé para viver a partir
de 19 de nôvembrô daquele anô6.
O que me chamôu atençaã ô nas cartas escritas pôr Euricô Nelsôn para ôutrôs batistas e
amigôs fôi ô relatô sempre presente de dificuldades de evangelizar na regiaã ô paraense.
Fôi a partir deste aspectô, que me surgiu ô interesse de estudar mais atentamente as
narrativas dô missiônaé riô batista sôbre a pôpulaçaã ô lôcal, verificandô a pôssibilidade de
119

histôriôgrafar suas atividades religiôsas neste especíéficô côntextô. Sem dué vida, ô estudô
das massas anôô nimas côntinua apresentandô dificuldades para pesquisadôres que teô m
interesse na temaé tica, principalmente quandô se deparam côm ô prôblema da falta de
fôntes escritas sôbre a vida dô indivíéduô. Côntudô, ô acessô as cartas de Euricô Nelsôn
pôssibilitôu a descôberta de ôutrôs sujeitôs religiôsôs, trazendô nôvas infôrmaçôã es
sôbre môdôs de pensar, estilô de vida, etc., abrindô enfim, nôvas pôssibilidades de
pesquisa. Fôi ô que acônteceu quandô me deparei côm as cartas pessôais de Euricô
Nelsôn e Ida Nelsôn que fôram dispônibilizadas pela Cônvençaã ô Batista Americana de
Nashville. Estas, aôs pôucôs vaã ô apresentandô ôutrôs sujeitôs religiôsôs que juntamente
côm Euricô Nelsôn fôram respônsaé veis pela inserçaã ô dô cristianismô batista em Beleé m
dô Paraé .
Desta fôrma, querô destacar alguns aspectôs relaciônadôs aô ambiente que germinôu na
feé batista e que cônfrôntôu ôs ôbjetivôs de Euricô Nelsôn naqueles anôs iniciais de sua
pregaçaã ô. Querô iniciar esta cômunicaçaã ô pela descriçaã ô da cidade:
Para Sipiersky (2002), na virada dô seé culô XIX para ô seé culô XX, Beleé m tôrnôu-se
bastante cônhecida nô mercadô internaciônal da bôrracha e nas casas de expôrtaçaã ô,
que mantinham ôs interessadôs neste prôdutô em cônstante cômunicaçaã ô. A palavra
“Paraé ” era jaé bem cônhecida em Chicagô, centrô industrial da bôrracha nôs Estadôs
Unidôs e mesmô côm a côncôrreô ncia das plantations asiaé ticas, a bôrracha paraense
tôrnôu-se ô prôdutô padraã ô de qualidade mundial na eé pôca. 7
EÉ nô períéôdô de decadeô ncia dô ciclô da bôrracha que cômeça a histôé ria de Euricô Nelsôn,
pôis tantô a pôlíética cômô a ecônômia brasileira estavam atraindô maã ô de ôbra diversa
para trabalhar nôs seringais, embôra as classes dirigentes da ecônômia paraense
desejassem atender suas demandas, principalmente nas aé reas agríécôlas 8. Pôr causa das
transfôrmaçôã es prômôvidas pelô boom da bôrracha na cidade, a elite gômíéfera
fôrtemente influenciada pela aurôra da môdernizaçaã ô iniciada na Inglaterra, articulôu
vaé rias refôrmas nôs seus principais centrôs e Beleé m naã ô ficôu isenta desse prôcessô. 9
A lei 1232 de 05/12/1885 autôrizava ô presidente da prôvíéncia a realizar ô embarque de
imigrantes para ô Paraé . A cidade recebia diariamente em seus pôrtôs, vapôres trazendô
estrangeirôs e nôrdestinôs, estes ué ltimôs fugindô da seca nô Cearaé na eé pôca ôu
incentivadôs aà agricultura pelô pôder pué blicô paraense, aliadô aô ideaé riô das terras
abundantes, representadas na extraçaã ô da bôrracha. 10
Enquantô se prôcessavam as mudanças, as pessôas mais pôbres da cidade fôram banidas
dôs principais centrôs pôr cônta dôs nôvôs prôjetôs de urbanizaçaã ô. 11 Querendô dar
maiôr visibilidade aô Paraé e prôpagandear um espaçô urbanô que se definia cômô a
imagem de uma ““civilizaçaã ô nôs trôé picôs”” 12, ô intendente13 Antôniô Lemôs fôrtaleceu ô
interesse das elites lôcais, elabôrandô uma seé rie de refôrmas nô centrô de Beleé m, côm a
implantaçaã ô de bonds, boulevards e preé diôs nôvôs. Desta fôrma, para a histôriadôra
Nazareé Sarges, a ecônômia que prômôvia riquezas para as elites hegemôô nicas,
prôpôrciônava a implantaçaã ô de uma nôva face para Beleé m, cujôs padrôã es de beleza
seguiam ôs aspectôs sôciais determinadôs pela Belle Epoque, um môdelô de urbanismô
môdernô, de ôrigem francesa que tambeé m fôi reprôduzidô em Beleé m côm
expressividade nô ciclô da bôrracha.
De ôutrô aô ngulô, querô destacar que a grande massa pôpulaciônal da regiaã ô amazôô nica
era fôrmada principalmente pelô cabôclô, que representa para a Antrôpôlôgia Regiônal,
ô atôr sôcial tíépicô dessa regiaã ô. 14 Eduardô Galvaã ô15 afirma que a Amazôô nia fôi
primitivamente habitada pôr grande massa indíégena que, em parte absôrvida pela
sôciedade côlônial, veiô a côntribuir côm um bôm nué merô de elementôs ôriginais. Para
Galvaã ô, ô cabôclô amazôô nicô eé catôé licô e mesmô que ôutras côncepçôã es religiôsas
120

tenham se difundidô pela regiaã ô, cômô ô espiritismô e ô prôtestantismô, para as aé reas


rurais essa difusaã ô fôi cônsiderada secundaé ria. A religiôsidade dô cabôclô se manifesta
nô cultô dôs santôs, a que se empresta caraé ter de divindade côm pôderes de açaã ô
imediata e a expressaã ô maé xima dô cultô dôs santôs eé ô dia dô santô, uma festividade que
lhe eé dedicada anualmente pôr cada pôvôadô, sitiô ôu cômunidade que tem pôr
padrôeirô um santô de devôçaã ô e que nesta regiaã ô, mais que em qualquer ôutra dô Brasil
““sente-se nô tipô fíésicô e na cultura dô cabôclô côntempôraô neô a influeô ncia indíégena. ””
16

Os herdeirôs desses grupôs disputavam ô espaçô pué blicô de Beleé m dô Paraé e muitôs dôs
seus representantes fôram expulsôs para a periferia da cidade, embôra existam
exemplôs de môvimentaçôã es pôpulares “rebeldes” côntra a aprôpriaçaã ô da aé rea central
apenas pelas classes elitistas e que discôrdavam dô prôjetô civilizadôr, prôtestandô ôu
resistindô.17
Observandô essa môvimentaçaã ô na sôciedade paraense nô períéôdô recôrtadô, a
princíépiô, desejei destacar ô côtidianô batista em Beleé m pelô meé tôdô e teôria de Michel
de Certeau aô tratar dôs ““môdôs de ôperaçaã ô ôu esquemas de açaã ô”” e naã ô diretamente
aô sujeitô que eé ô seu autôr ôu ô seu veíéculô. 18 Pôreé m esbarrei na dificuldade de
recônstituir ô côtidianô batista dô passadô devidô aà falta de fôntes, embôra existam
cartas de Euricô Nelsôn que prôpôrciônam uma visualizaçaã ô especíéfica dô campô
religiôsô, neste côntextô, e que môstram que ele naã ô estava imune aôs desdôbramentôs
sôciais em cursô. Pôr issô, apesar de cômpreender que a histôé ria e ô estudô das religiôã es,
em geral, naã ô devem cômprômeter-se côm apôlôgias religiôsas (ô que naã ô pretendô
fazer), na temaé tica prôpôsta, querô discutir ô papel que a experieô ncia religiôsa batista
prôpiciôu aà s pessôas que aderiram aà pregaçaã ô de Nelsôn, mesmô que as fôntes de
cônsulta sejam a prôduçaã ô escrita de um eurôpeu. Aleé m dissô, pretendô verificar em que
medida as estrateé gias de inserçaã ô da nôva crença trazida pôr Nelsôn passôu pôr
adaptaçôã es e deslôcamentôs.
Quantô aô aspectô religiôsô, querô destacar a refôrma religiôsa ôcôrrida na Amazôô nia nô
períéôdô de 1850 a 1870. Inserida na chamada “Questaã ô Religiôsa”, fôi cônsiderada pela
histôriôgrafia brasileira cômô a crise Estadô/Igreja nô final dô seé culô XIX. A refôrma
catôé lica nô Paraé teve cômô principal expôente ô bispô Dôm Macedô Côsta. Para Riôlandô
Azzi19, ô bispô fez um esfôrçô nestas duas deé cadas para implantar ô espíéritô de refôrma
catôé lica nô Brasil segundô ô môdelô tridentinô, pôis era ô períéôdô de maiôr estabilidade
dô gôvernô de D.Pedrô II, estabilidade esta que fôi minada nas prôé ximas deé cadas côm as
ideé ias republicanas. Azzi destacôu ainda que ô clerô paraense, de perfil liberal,
participôu ativamente nôs môvimentôs e lutas pela independeô ncia e da vida pôlíética da
regiaã ô. Este ““veiô””(p.22) pôlíéticô dôs padres se cônfrôntôu côm as refôrmas
implantadas pelô bispô que prôcurava neutralizar nô aô mbitô eclesiaé sticô, a influeô ncia dô
enciclôpedismô raciônalista e da Revôluçaã ô Francesa, adôtandô clara pôsiçaã ô autôritaé ria
e antiliberal.20
Desejôsô de fôrtalecer a instituiçaã ô eclesiaé stica pelô môdelô tridentinô, ô bispô teve, nô
Brasil, ô que Riôlandô Azzi definiu cômô um ““espíéritô mais dinaô micô e presença
marcante””(idem), principalmente quandô se destacôu nas lutas pela independeô ncia da
igreja em relaçaã ô aô pôder pôlíéticô, embôra na diôcese paraense sua atuaçaã ô tenha tidô
menôs expressaã ô em termôs de implantaçaã ô dô nôvô môdelô eclesial. Côm relaçaã ô a esta
questaã ô, Azzi descreveu que esse fatôr ôcôrreu, principalmente, devidô aà s peculiaridades
regiônais, cômô a distaô ncia dôs grandes centrôs, precariedade de transpôrtes, etc.
Pôr ôutra perspectiva, aô analisar a presença cristaã na Amazôô nia, Eduardô Hôôrnaert 21
afirmôu que, quantô aà percepçaã ô da alteridade, pôuca atençaã ô fôi dedicada aà s questôã es
121

culturais dô hômem amazôô nicô, ô que implicôu em um distanciamentô significativô


entre cultura cristaã ôcidental-eurôpeé ia, pela qual se ôrientava a rômanizaçaã ô, e a grande
massa pôpulaciônal da regiaã ô. Desta fôrma, tantô a rômanizaçaã ô quantô a
“internaciônalizaçaã ô”22 da Amazôô nia fôram ôs fatôres respônsaé veis pelô rômpimentô
bruscô dô campô da espiritualidade dô pôvô paraense. Eduardô Hôôrnaert demônstra
que a rômanizaçaã ô, aô trazer môdelôs nôvôs que impunham côntrôle sôbre ô sagradô,
prômôveu uma verdadeira guerra entre a religiaã ô ôficial e a religiaã ô pôpular, ““que
cônstituíéa ô môdô de se relaciônar côm ô transcendental pôr parte da grande maiôria dô
pôvô”” (HOORNAERT, 1994, p.400)23
Naã ô pôdemôs esquecer que ô cristianismô batista trazidô na bagagem de Euricô Nelsôn
tinha uma fixaçaã ô pela cônversaã ô dô indivíéduô, principalmente côm relaçaã ô aôs
cônceitôs de mundô “prôntô” e “acabadô”, frutô da visaã ô pietista que eclôdiu em
determinadô mômentô da histôé ria dô prôtestantismô.
Categôricamente diferente dô côtidianô das pôpulaçôã es pôbres de Beleé m, ô pietismô
batista, segundô Maciel(1988) 24, caracteriza-se pôr uma viveô ncia mais ligada aô passadô,
pôr meiô da bíéblia e em interpretaçaã ô literalista e a-histôé rica, e aô futurô, na perspectiva
da vida extraterrena, quandô ô côtidianô se dilui e enfraquece. A sôciedade côm seus
atrativôs era vista em perspectiva negativa (mundana) e ô viver côtidianô era um pesô a
ser supôrtadô cômô “lugar de prôvaçaã ô”. A apresentaçaã ô dô cristianismô batista nô
Brasil, segundô este autôr, acômpanhôu aà quela fôrma agressiva que sempre
acômpanhava as atitudes prôselitistas dôs missiônaé riôs. Para ele, ô pietismô fôi ô
môvimentô que inspirôu e enviôu a maiôr parte de missiônaé riôs americanôs para ô
Brasil e penetrôu as ôrganizaçôã es eclesiaé sticas, impôndô categôrias e meiôs de
interpretaçaã ô da bíéblia, dô cômpôrtamentô pessôal e da vida em geral das pessôas.
Pôr ôutrô ladô, a experieô ncia religiôsa da grande massa pôpulaciônal destôava
intensamente das exigeô ncias de ajuste sôcial prôpôsta pelô cristianismô batista, uma vez
que, tradiciônalmente, faziam pôuca refereô ncia aôs sacramentôs, aôs dôgmas e aà s
dôutrinas. Desta fôrma, havia um cristianismô naã ô ôbrigatôé riô ôu que naã ô submetia ô
adeptô aà igreja cujô meé tôdô de adesaã ô naã ô exigia a permaneô ncia e leitura da bíéblia e nem
tampôucô a praé tica de seus ensinôs. EÉ cônsensô que naã ô havia nô seé culô XIX qualquer
côntatô da massa pôpulaciônal côm a bíéblia, pôis essa leitura era restrita apenas aô clerô
ôficial da Igreja Catôé lica Rômana, que na eé pôca enfrentava ô prôblema da escassez de
sacerdôtes.
Desde ô períéôdô côlônial, se desenvôlveu nô Paraé uma peculiar vida religiôsa que sem a
participaçaã ô dô sacerdôte para ôperar as relaçôã es côm ô sagradô, ficôu côntrôlada pôr
ôutrôs “funciônaé riôs dô sagradô”. Estes heterôdôxôs tiveram grande aceitaçaã ô entre as
tradiciônais e diversas cômunidades catôé licas dô interiôr paraense, espalhadas em
diversôs espaçôs côntrôladôs pôr côrpôraçôã es, irmandades, leigôs, pajeé s e benzedôres 25
que mantinham côntatô côntíénuô côm ôs parentes e amigôs que residiam na cidade.
Nô seé culô XVIII, muitôs meé tôdôs repressivôs fôram criadôs para ôbrigar ô indíégena a
participar dôs ritôs catôé licôs sacramentais, fazendô usô de castigôs côrpôrais cômô
palmatôé ria e açôites, mas tôdôs em vaã ô, uma vez que ô catôlicismô das devôçôã es ganhôu
sentidô entre as pôpulaçôã es cabôclas cômô a verdadeira aprôximaçaã ô dô cabôclô côm ô
transcendente. Para Schiweickardt (2003)26, aô estudar a praé tica de rezadôres e
benzedeiras em Manaus, ôs leigôs fôram assumindô a funçaã ô dô sagradô e se
cônstituíéram nôs chamadôs “benzedôres” que aleé m de rezar, curavam as môleé stias e,
muitô mais dô que istô, representam uma espeé cie de autôridade que exercia livre
influeô ncia sôbre ô grupô dôs adeptôs. Saã ô côm estas pôpulaçôã es que Euricô Nelsôn se
deparôu aô apresentar ô cristianismô batista na Amazôô nia.
122

Se cônsiderarmôs que em Beleé m dô Paraé temôs uma pôpulaçaã ô que se declara catôé lica,
mas que nô dia a dia gravita nôs espaçôs da heterôdôxia catôé lica, funciônandô muitas
vezes cômô leigôs das irmandades, côrpôraçôã es e pajelança cabôcla, praé ticas religiôsas
livres dô côntrôle eclesiaé sticô da instituiçaã ô ôficial, supômôs que tambeé m em relaçaã ô aô
prôtestantismô este côtidianô naã ô mudaria facilmente.
Aleé m dissô, as experieô ncias advindas dô prôcessô de inquisiçaã ô na Amazôô nia pômbalina
emudeceram ôs atôres religiôsôs da regiaã ô, reticentes côm ôs rituais de denué ncias
apresentadôs aà Mesa de Inquisiçaã ô dô Santô Ofíéciô, nô anô de 1763 27. A inserçaã ô
prôtestante nô Paraé tambeé m eé marcada pelô côntrôle eclesiaé sticô das igrejas
estabelecidas, e ôs batistas naã ô saã ô diferentes dôs ôutrôs. A pôpulaçaã ô regiônal jaé estava
“acôstumada” côm uma apresentaçaã ô rôtativa dô cristianismô prôtestante, cômô pôr
exemplô, a côlpôrtagem, praé tica utilizada pôr Nelsôn para vender bíéblias e nôvôs
testamentôs na cidade. Esta praé tica jaé era bastante cônhecida na cidade desde Richard
Hôlden (Gueirôs, 1980), embôra ô cristianismô batista apresentadô pôr Nelsôn tenha
pôssibilitadô ô surgimentô de uma nôva dôutrina religiôsa, em fôrte ôpôsiçaã ô aô
catôlicismô rômanô, base dô sistema vigente na eé pôca, mas em franca decadeô ncia côm ô
alvôrecer da Repué blica, interessada em banir esta influeô ncia.
A rigôr, este prôtestantismô batista pregadô nô Brasil ajudôu a côncretizar as ideias dô
individualismô, sendô esta uma de suas maiôres côntribuiçôã es. Indubitavelmente, a
môvimentaçaã ô prôtestante num sistema sôcial cômô ô da Amazôô nia lôgô prôduziria
certa desarmônia neste ambiente, pôis se chôcôu côm ôs haé bitôs religiôsôs tidôs cômô
ôs baluartes da ôrdem sôcial.
Esta praé tica jaé era bastante cônhecida na cidade desde Richard Hôlden (Gueirôs, 1980), 28
embôra ô cristianismô batista apresentadô pôr Nelsôn tenha pôssibilitadô ô surgimentô
de uma nôva dôutrina religiôsa, em fôrte ôpôsiçaã ô aô catôlicismô rômanô, base dô
sistema vigente na eé pôca, mas em franca decadeô ncia côm ô alvôrecer da Repué blica,
interessada em banir esta influeô ncia. A rigôr, este prôtestantismô batista pregadô nô
Brasil ajudôu a côncretizar as ideé ias dô individualismô, sendô esta uma de suas maiôres
côntribuiçôã es. Indubitavelmente, a môvimentaçaã ô prôtestante num sistema sôcial cômô
ô da Amazôô nia lôgô prôduziria certa desarmônia neste ambiente, pôis se chôcôu côm ôs
haé bitôs religiôsôs tidôs cômô ôs baluartes da ôrdem sôcial.
Embôra, ôs interlôcutôres de Euricô Nelsôn, em Beleé m, nô limiar dôs seé culôs XIX e XX,
fôssem prôvenientes da grande pôpulaçaã ô fôrmada pelôs mais pôbres daquela
sôciedade, a inserçaã ô dôs batistas, côntudô, ôcôrre numa eé pôca de prôfundas
transfôrmaçôã es nas sensibilidades urbanas decôrrentes, principalmente decôrrentes da
intensificaçaã ô da vida industrial, da funçaã ô cômercial, financeira, pôlíética e cultural, ô
que pôr ôutrô ladô, gera um elevadô nué merô de subempregadôs e tambeé m
desempregadôs na capital dô Paraé (SARGES, 2000, P.15-20).29
Em síéntese, querô finalizar pônderandô que ô estudô da experieô ncia de massas
anôô nimas excluíédas dô prôcessô de môdernizaçaã ô permite uma escrita da histôé ria a
partir dôs lugares praticadôs, dô lôcal das viveô ncias, dôs môdôs de ôperaçaã ô, das artes
de fazer, das artimanhas de ôcasiaã ô e, côm istô, a histôé ria dô prôtestantismô nô Brasil,
estaraé desafiada a avançar para muitô aleé m dô reduzidô ôbjetô da histôé ria que priôriza
um mômentô histôé ricô-factual e nada mais. Côncôrdô côm Sôusa Filhô aô afirmar que ô
mundô diaé riô, ô mundô de prôfusaã ô de gentes, falas, gestôs, môvimentôs, côisas, abrigam
taé ticas dô fazer, invençôã es anôô nimas, desviôs da nôrma, dô instituíédô, embôra sem
cônfrôntô, mas naã ô menôs instituintes (SOUSA FILHO, 2002, p.3). 30
Segundô Richard Graham (1973),31 ôs missiônaé riôs prôtestantes ajudaram a preparar ô
grupô menôs favôrecidô, instruindô-ôs para pôderem cônviver nô meiô urbanô e
123

industrial e, aô mesmô tempô, prôtegendô-ôs dôs devastadôres côntrastes prôvindôs de


sua nôva e diferente situaçaã ô sôcial. Saã ô estas histôé rias dô dia a dia que pretendô
desvelar na presente pesquisa prôpôsta. Assim, infirô que ô prôtestantismô batista
apresentadô pôr Euricô Nelsôn em Beleé m dô Paraé , naã ô ficôu imune a essas “artes de
fazer” das pôpulaçôã es paraenses. Se esta hipôé tese fôr cônfirmada, iraé se avançar bastante
nô cônhecimentô da implantaçaã ô da igreja batista nô Paraé .
Côm a leitura das cartas que Euricô Nelsôn escreveu entre ôs anôs de 1897 a 1910, e que
hôje se encôntram nô acervô dôcumental dô Sôuthern B.H. Library and Archives em
Nashville, nôs Estadôs Unidôs, percebe-se ôutra perspectiva para ô estudô dô
cristianismô batista nô Paraé , pôis cômplementam ô que ôs trabalhôs biôgraé ficôs
deixaram de lôcalizar: ôs cônstantes embates entre Nelsôn e ôs demais prôtestantes
instaladôs na regiaã ô, as discussôã es em tôrnô de questôã es dôutrinaé rias e eclesiaé sticas.
Aleé m dissô, temôs ainda um intensô fluxô migratôé riô estrangeirô e atribui-se a essa
dinaô mica a chegada de Euricô Nelsôn em Beleé m, em um dôs vapôres que apôrtaram nô
Paraé em 1891, embôra ôs registrôs dispôníéveis sôbre ô prôcessô de imigraçaã ô sejam
fragmentadôs ôu incômpletôs.32 Alguns imigrantes seguiam para aé reas vôltadas aà
agricultura, ôutrôs seguiam para ôs seringais e ôutrôs permaneciam em Beleé m e esta
ué ltima fôi a sua ôpçaã ô, uma vez que aleé m de naã ô dôminar a líéngua pôrtuguesa, enfrentôu
cômô primeira dificuldade as implicaçôã es dô altô custô de vida de quem decidia
permanecer na cidade.
Embôra deseje ô afastamentô da perspectiva instituciônal e girar ô prôjetôr da histôé ria
para ôutrô lugar de enunciaçaã ô: ô mundô e a reaçaã ô dôs adeptôs – admitimôs que ôs
dôcumentôs histôé ricôs que fundamentam essa perspectiva saã ô escassôs. Ainda assim
reunimôs diferentes fôntes e prôcuramôs inôvar na metôdôlôgia de sua abôrdagem,
pôssibilitandô, ôutras explicaçôã es sôbre a temaé tica que vale a pena estudar. Desta fôrma,
aleé m da dôcumentaçaã ô pessôal de Nelsôn em Beleé m, nô períéôdô de 1897 a 1910, temôs
ainda ôs periôé dicôs religiôsôs que circulavam, tais cômô ôs jôrnais: “O Apôlôgista
Cristaã ô” dôs metôdistas, “A palavra” dôs catôé licôs, ôs jôrnais pôpulares “Fôlha dô Nôrte”
e ô “Hôlôfôte”. Nô Arquivô Pué blicô dô Paraé , haé um amplô acervô dôcumental que trata de
minutas, ôfíéciôs, relatôé riô de autôridades, mensagens, dôcumentôs sôbre prôcessôs
migratôé riôs. Estas fôntes ajudam a cômpreender ô cenaé riô religiôsô ônde Euricô Nelsôn
e cabôclôs, mestiçôs e pardôs articularam suas praé ticas religiôsas nô Paraé . Que grupô(s)
angariôu (aram) ô interesse de Euricô Nelsôn nô Paraé e que meé tôdô de evangelizaçaã ô
desenvôlveu na cidade nôs seus primeirôs anôs.

NOTAS
1LANDERS, J. M. Eric Alfred Nelson: the first baptist missionary on the Amazon, 1891-1939. Tese
(Dôutôradô) em Filôsôfia, Faculty ôf Addran Côllege ôf Arts and Sciences, Texas Christian
University, 1982.
2 Cônfôrme nôta explicativa de Landers, nô passapôrte suecô de Euricô Nelsôn aparece cômô
nôme de nascimentô Alfred Erik Nilssôn, embôra muitas vezes tenha assinadô Eric Alfred Nelsôn
e geralmente usava a reduçaã ô E.A. Nelsôn. Cf. LANDERS, 1982, p.15.
3 Cômô ôs batistas adôtam a praé tica dô batismô “sômente segundô a cônscieô ncia dô indivíéduô”,
côndenandô a praé tica dô batismô infantil, ô adeptô se batizadô em ôutra igreja cristaã , precisaraé
ser batizadô nôvamente ôu rebatizadô.
4 AÌ quele que vende Bíéblias ôu Nôvôs Testamentôs.
5 Pereira (1945), Crabtree (1953), e Landers (1982).
6 Cf. Pereira (1945) e Landers (1982)
124

7 SIPIERSKY, P. D. A inserção e expansão do pentecostalismo no Brasil. In Histôé ria das Religiôã es nô


Brasil. Recife: UFPe/Cehila, 2002.
8 Cf.Fôntes, 2002, p.17.
9 Ibdem
10 LACERDA, 2006, p.136
11 SARGES, M. N. S. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912 . Beleé m: Paka-Tatu,
2000.
12 SARGES, M. N. S. Memórias do “Velho” Intendente Antonio Lemos, 1869-1973. Tese (Dôutôradô).
UNICAMP:SP. 1998, p.123.
13 Uma espeé cie de prefeitô.
14 MAUEÉ S, R H. Um aspecto da diversidade do caboclo amazônico: a religião. Revista de Estudôs
Avançadôs da USP, 19(53): 259-74, jan/abr/ 2005
15 GALVAÕ O, E. A vida religiosa do caboclo da Amazônia:Bôletim dô Museu Naciônal, Antrôpôlôgia,
n. 15, 1953.
16 Idem, p.4
17 Maria de Nazareé Sarges refere-se aô haé bitô pôpular de côrar rôupas na frente das casas, cômô
sinal de que ôs côstumes paraenses estavam lônge de “espelhar ô discursô eurôpeizadô da
municipalidade” (Sarges, 1998, p.118)
18 CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de Fazer. Petrôé pôlis: Vôzes, 1994
19 AZZI, R. A Reforma católica na Amazônia:1850/1870. Revista Religiaã ô e Sôciedade. Riô de
janeirô: 1983, n. 10, PP 21-30
20 Idem, p.22.
21 HOORNAERT, E. O cristianismô Amazôô nicô. In: CEHILA. História da Igreja na Amazônia.
(côôrd. Eduardô Hôôrnaert). Ed. Vôzes, 1990, p. 393-411
22 Termô utilizadô pôr Eduardô Hôôrnaert aô referir-se a presença de numerôsôs agentes da
pastôral que naã ô saã ô amazôô nicôs e/ôu nem fôram criadôs na regiaã ô e missiônavam entre íéndiôs
e mestiçôs. Cf.Hôôrnaert, 1990, p.397.
23 Idem, p.400.
24 MACIEL, E. D. O drama da conversão: análise da ficção batista. Riô de Janeirô: CEDI, 1988.
25 O antrôpôé lôgô paraense Heraldô Maueé s em “Um aspectô da diversidade dô cabôclô
amazôô nicô: a religiaã ô” faz estudôs sôbre estas cômunidades catôé licas nô interiôr paraense,
inclusive chama de pajelança cabôcla a uma fôrma de cultô mediué nicô, cônstituíéda pôr um
cônjuntô de crenças e praé ticas muitô difundidas na Amazôô nia, que jaé tem sidô estudada pôr
vaé riôs pesquisadôres. Côm ôrigem na pajelança dôs grupôs tupis, esse cultô, que hôje se integra
em um nôvô sistema de relaçôã es sôciais, incôrpôrôu crenças e praé ticas catôé licas, kardecistas e
africanas, recebendô atualmente fôrte influeô ncia da umbanda. Cf. MAUEÉ S, 1995, p.18.
26 SCHWEICKARDT, J.C. Magia e Religião na Modernidade:os rezadores em Manaus. 01 ed.
Manaus. Editôra da Universidade dô Amazônas, 2002.
27 MAUEÉ S, R H. Padres, pajés, santos e festas: Catolicismo Popular e Controle Eclesiástico. Beleé m:
CEJUP, 1995
28 Sôbre a presença de Richard Hôlden na Amazôô nia, Cf. GUEIROS, D. O protestantismo, a
maçonaria e a questão religiosa, 1980.
29 Sarges, 2000, p.15-20.
30 Cf. SOUSA FILHO, A. Michel de Certeau: fundamentos de uma sociologia do cotidiano.
Sôciabilidades (USP). Saã ô Paulô/SP. v.2. p. 129-134, 2002.
31 Cf. GRAHAM, R. Grã-bretanha e o início de modernização no Brasil. Saã ô Paulô: Ed.Brasiliense,
1973
32 Cf. Fôntes, 2002.
125

X - AS ORIGENS DO MOVIMENTO ECUMÊNICO


NA AMAZÔNIA PARAENSE
SILVA, Antonio Carlos Teles da Silva. As origens do movimento ecumênico na Amazônia
paraense. Dissertação (Mestrado em Teologia). Instituto Ecumênico de Pós-graduação. Escola
Superior de Teologia (EST). Porto Alegre, 2005, pp. 138-149

DESDOBRAMENTOS PÓS MLPA (MOVIMENTO PELA LIBERTAÇÃO DOS PRESOS DO


ARAGUAIA)
A partir dôs acôntecimentôs ôcôrridôs entre agôstô de 1981 e dezembrô de 1983,
pôdemôs fazer um balançô dô significadô e das cônsequü eô ncias da prisaã ô dôs padres e
campôneses. EÉ inevitaé vel atribuirmôs aô mômentô pôlíéticô um pesô cônsideraé vel nessa
avaliaçaã ô, vistô que apôé s quase vinte anôs de gôvernô militar, pôr tôdô ô paíés ecôavam
exigeô ncias pôr liberdade e redemôcratizaçaã ô. O fracassô dô decantadô “milagre
brasileirô” as altas taxas de inflaçaã ô, ô enôrme vaé cuô cultural prôduzidô pelô pesô da
censura, criavam uma situaçaã ô de crescente acuamentô dô gôvernô ante as
reivindicaçôã es pôpulares cada vez mais ôrganizadas.
A impôssibilidade de cônter a divulgaçaã ô dô que ôcôrria nô Araguaia, expôô s a Amazôô nia
e ô Araguaia aôs ôlhares internaciônais e aà ôpiniaã ô pué blica brasileira cômô nunca antes,
ô que tôrnôu ô casô da prisaã ô dôs padres e pôsseirôs emblemaé ticô em relaçaã ô aà agônia
dô gôvernô militar e aà sua insustentabilidade. Aô mesmô tempô em que a impôrtaô ncia
estrateé gica da regiaã ô amazôô nica se evidenciava, a intervençaã ô federal na Amazôô nia
môstrava seus enôrmes equíévôcôs e passava a ser discutida.
O Môvimentô Pela Libertaçaã ô dôs Presôs dô Araguaia teve sua vitalidade em grande
parte determinada pôr esse crescente clima reivindicatôé riô sôbre ô paíés, que aliadô aô
sentimentô de indignaçaã ô despertadô pela prisaã ô dôs padres e pôsseirôs, môstrôu-se
desde ô iníéciô côm grande capacidade de cativar adesôã es e captar esse sentimentô de
indignaçaã ô. Para muitas pessôas ô MLPA tôrnôu-se muitô mais que uma causa a
defender, mas uma razaã ô para lutar e viver, um verdadeirô investimentô de vida, em
muitôs casôs um fim em si mesmô.
Essa extraôrdinaé ria capacidade de captar anseiôs se explica pela dinaô mica que se
estabeleceu aô lôngô das môbilizaçôã es. O MLPA tôrnôu-se pôr exceleô ncia um espaçô de
cônviveô ncia fraterna, de criatividade e de amadurecimentô. Neste sentidô, ô môvimentô
teve um caraé ter altamente fôrmativô. A cônviveô ncia cômô experieô ncia de vida, na qual ôs
participantes fôram levadôs a cômpreender criticamente ô mundô e ô funciônamentô da
sôciedade. Issô determinôu a fôrmaçaã ô de tôda uma nôva liderança para ôs môvimentôs
sôciais nô Paraé , e criôu côndiçôã es para a côntinuidade dô môvimentô em funçaã ô de
nôvas questôã es que surgiriam em seguida.
Apôé s ô encerramentô dô casô criôu-se um vaé cuô sôbre ô que fazer côm ô que havia sidô
criadô. Percebeu-se ô extraôrdinaé riô pôtencial de môbilizaçaã ô e a capacidade fôrmativa
que se tinha em maã ôs. Antes dô MLPA, algumas açôã es de caraé ter educaciônal pôpular jaé
haviam sidô elabôradas, cômô trabalhô côm mulheres alfabetizaçaã ô de adultôs etc. Em
funçaã ô das môbilizaçôã es pela libertaçaã ô dôs presôs ôs prôjetôs fôram tempôrariamente
adiadôs. Côntudô a experieô ncia dô MLPA significôu um saltô qualitativô inestimaé vel para
a nôva fase que se seguiu, vistô que ô môvimentô prômôveu grande amadurecimentô na
126

visaã ô de sôciedade pôr parte de muitôs participantes, aleé m dô fôrtalecimentô dôs


víénculôs de cômprômissô côm as causas pôpulares.
Nôé s tivemôs experieô ncias, caminhadas que em ôutrôs estadôs naã ô acônteceram. EÉ clarô
que agente naã ô deseja issô pra estadô nenhum, que fôi algô muitô dôlôrôsô. Mas ô que eu
vejô hôje eé que em situaçôã es de muita repressaã ô, as pessôas e as ôrganizaçôã es saã ô
ôbrigadas a ter criatividade. Quandô acaba a repressaã ô parece que ô môvimentô tambeé m
descansa, entaã ô eé ô ôutrô ladô da môeda, muita repressaã ô, muita dificuldade, mas
tambeé m issô eé ô teste da resisteô ncia, da criatividade, experieô ncia dô nôvô, das côisas
inusitadas, e issô naã ô se repete, em ôutras situaçôã es vôceô tem que inventar nôvôs
instrumentôs, nôvôs meé tôdôs (205 Entrevista Pa. Rôsa Marga Rôthe gravada em janeirô
de 2004).

Para interesse deste trabalhô eé impôrtante ressaltar que ô MLPA tôrnôu-se um mômentô
inicial e decisivô de viveô ncia ecumeô nica, antes mesmô de qualquer reflexaã ô teôé rica sôbre
a questaã ô, em sua relaçaã ô côm ôs prôblemas em tôrnô dôs quais surgiu ô môvimentô, ôu
seja, ôs cônflitôs dô Araguaia. A Pra. Rôsa Marga Rôthe sugere que ô MLPA fôi a
“sementeira” dô ecumenismô na Amazôô nia (Entrevista Pa. Rôsa Marga Rôthe, gravada
em janeirô de 2004). Antes de uma reflexaã ô teôé rica, nasceu de uma experieô ncia praé tica
de cônvíéviô e sôlidariedade. EÉ pôssíével afirmarmôs que ô môvimentô surgiu quase que
instintivamente, de um sentimentô gregaé riô de resisteô ncia e da intuiçaã ô religiôsa
pôpular, frutôs dô anseiô pôr liberdade e justiça.
Em funçaã ô dissô, ô MLPA cônseguiu agregar em tôrnô da causa da libertaçaã ô dôs presôs
dô Araguaia, pessôas e instituiçôã es das mais diversas tendeô ncias ideôlôé gicas.
Encôntravam-se côm frequü eô ncia nô mesmô palanque/pué lpitô, autôridades religiôsas
cônservadôras cômô ôs representantes da Arquidiôcese de Beleé m, lideranças pôlíéticas
de centrô direita prôcurandô dividendôs pôlíéticôs nô casô ateé as mais radicais lideranças
estudantis de ultra esquerda, algumas tambeé m ôcupandô espaçô pôlíéticô. Mas sem
dué vida, a parcela mais significativa dô môvimentô era cômpôsta pôr gente simples,
môbilizadôs pelas cômunidades da periferia e dô interiôr dô estadô.
O MLPA teve esse extraôrdinaé riô papel de despertar cônscieô ncias, de chamar e de
envôlver numa causa pessôas simples que de ôutra fôrma naã ô teriam ôpôrtunidade de se
envôlver em prôblemas que questiônam a estrutura da sôciedade. Grande parte dôs
participantes eram estudantes secundaristas e universitaé riôs, alguns pôucôs ligadôs a
môvimentôs estudantis, ôutrôs ligadôs aà s parôé quias da periferia de Beleé m. EÉ necessaé riô
tambeé m enfatizar a presença de mulheres nô môvimentô, em sua maiôria dônas de casa,
que tentavam cônciliar afazeres diaé riôs côm as cônstantes reuniôã es e môbilizaçôã es de
prôtestô. Para elas significôu a cônscieô ncia dô pôder femininô cômô maiôria e a
pôssibilidade de rômpimentô dô dômíéniô exclusivô dô mundô masculinô nas principais
decisôã es da sôciedade. Perceberam sua prôé pria fôrça pôlíética e inventaram um
“feminismô de base”.

CRIAÇÃO DO INSTITUTO UNIVERSIDADE POPULAR (UNIPOP)


Apôé s ô encerramentô das môbilizaçôã es em tôrnô libertaçaã ô dôs presôs, alguns grupôs
retôrnaram a prôjetôs anteriôres, enquantô bôa parte da liderança permaneceu em
côntatôs espôraé dicôs aà medida que surgissem fatôs que justificassem alguma tômada de
pôsiçaã ô. Alguns dôs prôjetôs anteriôres seguia na linha da educaçaã ô pôpular, cômô
alfabetizaçaã ô de adultôs, fôrmaçaã ô de lideranças cômunitaé rias, etc. Aô lôngô de pelô
menôs 4 anôs fôi sendô amadurecida a ideé ia de cônstituiçaã ô de uma entidade que fôsse
127

expressaã ô dô cômprômissô côm as causas pôpulares e aô mesmô tempô inserida na


realidade especíéfica da Amazôô nia.
Em 27 de ôutubrô de 1987 fôi ôficialmente fundadô ô Institutô Universidade Pôpular
(UNIPOP), em reuniaã ô celebrativa na Parôé quia Anglicana de Santa Maria de Beleé m, côm a
participaçaã ô de 15 entidades ligadas aô môvimentô pôpular, sindicatôs e instituiçôã es
religiôsas. A UNIPOP nasceu nô intuitô de ser “uma ONG de educaçaã ô pôpular, cujô
princíépiô baé sicô estaé nô pluralismô pôlíéticô, de geô nerô, cultural e religiôsô” (Artigô dô
site da Assôciaçaã ô Brasileira de Organizaçôã es Naã ô Gôvernamentais (ABONG)), côm ô
ôbjetivô da capacitar as lideranças dôs môvimentôs sôciais de Beleé m, num mômentô de
clara intensificaçaã ô de sua ôrganizaçaã ô. A viabilizaçaã ô dô empreendimentô fôi pôssíével
graças aô apôiô das ôrganizaçôã es parceiras internaciônais, Paã ô para ô Mundô, Igreja
Evangeé lica da Alemanha, ICCO da Hôlanda, Christian Aid da Inglaterra.
Dentre as entidades participantes estavam a Central UÉ nica dôs Trabalhadôres (CUT),
Federaçaã ô de OÉ rgaã ôs para Assisteô ncia Sôcial e Educaciônal (FASE), Môvimentô de
Mulheres dô Campô e da Cidade (MMCC), Centrô de Estudôs e Praé ticas de Educaçaã ô
Pôpular (CEPEPO), Centrô de Estudô e Defesa dô Negrô nô Paraé (CEDENPA), Federaçaã ô
dôs Trabalhadôres na Agricultura (FETAGRI), Cômissaã ô dôs Bairrôs de Beleé m (CBB),
Sôciedade Paraense de Defesa dôs Direitô Humanôs (SPDDH), Institutô de Pastôral
Regiônal (IPAR), Môvimentô Repué blica de Emaué s, Universidade Federal dô Paraé
(UFPA/Prôex), e ainda as Igrejas Catôé lica (CNBB), Luterana(IECLB), Episcôpal Anglicana,
Metôdista e Presbiteriana Unida.
A UNIPOP surge cômô em uma iniciativa de educaçaã ô experimental para a cidadania,
partindô de treô s abôrdagens especíéficas: a sôé ciô-pôlíética, a teôlôé gica-ecumeô nica, e a
lué dicô-teatral (Artigô dô site da Assôciaçaã ô Brasileira de Organizaçôã es Naã ô
Gôvernamentais (ABONG)).
Missão institucional: Côntribuir para um diaé lôgô fôrmativô côm e nôs môvimentôs
sôciais e pôpulares que pôtencialize a açaã ô dôs atôres sôciais, (jôvens, educadôres,
agentes pastôrais, crianças e adôlescentes, gestôres sôciais), fundamentadô numa
estrateé gia pôlíética, demôcraé ticô-pôpular e ecumeô nica, buscandô ô fôrtalecimentô da
identidade amazôô nica nô prôcessô de cônstruçaã ô de um nôvô môdelô de
desenvôlvimentô.( UNIPOP. Perfil Institucional )

Côm uma estrutura funciônal fôrmada pôr um Cônselhô de Representantes, a UNIPOP


passôu a desenvôlver suas atividades a partir de princíépiôs nôrteadôres: Demôcracia e
relaçôã es sôciais equilibradas, participaçaã ô e cidadania, desenvôlvimentô sustentaé vel
ampliadô, hôrizônte utôé picô: a busca permanente de uma sôlidariedade amazôô nica,
brasileira, latinô-americana e internaciônal. Cômô pué blicô alvô, jôvens que atuam em
prôcessôs ôrganizativôs, educadôres e educadôras, cônselheirôs de cônselhôs setôriais,
lideranças de diversôs segmentôs sôciais, gestôres, gestôras e agentes sôciais de ONGs,
ôé rgaã ôs pué blicôs e entidades pôpulares, integrantes de entidades pôpulares e môradôres
envôlvidôs nas lutas pôr pôlíéticas pué blicas. Seu aô mbitô de atuaçaã ô abrange
principalmente ô Estadô dô Paraé , mas manteé m inserçôã es em ôutrôs Estadôs da regiaã ô
amazôô nica. (UNIPOP. Perfil Institucional)
Para ô pastôr luteranô Dariô Schaeffer, que dirigiu a instituiçaã ô de 1987 a 1993, deve ser
ressaltada a interaçaã ô dôs seus prôpôé sitôs côm a realidade imediata da Amazôô nia:
Primôrdialmente a UNIPOP prôpôrciônava um espaçô de estudô, pesquisa e de debates
das lutas sôciais da Amazôô nia, mas tambeé m de tôdô ô Brasil e dô mundô. Dava acessô aô
cônhecimentô para lideranças dôs môvimentôs sôciais analisandô ô cônteué dô das metas e
das estrateé gias desses môvimentôs, lançava luz sôbre a causalidade dôs fenôô menôs
sôciais e pôlíéticôs, dandô uma visaã ô críética, dimensiônada, diversificada e de
128

prôfundidade aô que estava acôntecendô nô Brasil. Issô incluíéa naturalmente a luta pela
terra cômô uma das principais reivindicaçôã es dôs trabalhadôres brasileirôs. Mas naã ô sôé
nô campô, cômô tambeé m na cidade. A UNIPOP, pela sua côlôcaçaã ô, era especialmente uma
entidade vôltada para ôs prôblemas da cidade, principalmente de Beleé m, ônde
participaé vamôs ativamente e, p.e., dô debate dô planô diretôr para a cidade. Vôltamô-nôs
para ô interiôr, pôr sôlicitaçaã ô, realizandô cursôs em diversas lôcalidades a dandô
assessôrias p ex. a prefeitôs dô PT e de ôutrôs partidôs que as quisessem. Elabôramôs
cartilhas para fôrmadôres de ôrganizaçôã es, principalmente nô interiôr dô Paraé ,
especialmente para ôs môvimentôs referentes aà refôrma agraé ria. (Entrevista escrita côm
Dariô Schaeffer, em maiô de 2005)

A essa linha de atuaçaã ô sôé ciô pôlíética sômavam-se ainda a feiçaã ô teôlôé gica-ecumeô nica,
cômô expressaã ô da prôé pria identidade da instituiçaã ô. Issô se reflete nas atividades de
prômôçaã ô e cônvíéviô ecumeô nicô, entre as mais diversas igrejas e instituiçôã es religiôsas,
bem cômô côm expressôã es da religiôsidade pôpular, principalmente nôs prôgramas de
fôrmaçaã ô.
O ecumenismô estava na raiz da UNIPOP. As igrejas, especialmente as histôé ricas, abertas a
transfôrmaçôã es e que recônheciam a necessidade dessas transfôrmaçôã es, traziam suas
lideranças sôciais para a UNIPOP côm ô intuitô de aprôfundar sua militaô ncia pôlíética e
sôcial. Pôr ôutrô ladô ôs môvimentôs sôciais naã ô ôriundôs das Igrejas estavam
interessadôs na religiôsidade e nôs fundamentôs de feé – p. ex, a teôlôgia da libertaçaã ô -,
que môbilizavam naquele tempô ôs membrôs das cômunidades e se engajarem nas lutas
sôciais.
Pôr issô surgiram dôis cursôs: um de teôlôgia e ôutrô de aprôfundamentô dô
cônhecimentô pôlíéticô. A prôpôsta era de que esses cursôs deveriam seguir separadôs
durante dôis anôs. Nô terceirô se fundiriam e trôcariam sua experieô ncias, fazendô côm
que surgisse uma interdisciplinariedade que faria côm que ôs dôis grupôs se
aprôximassem e se entendessem. Aô mesmô tempô aprenderiam a entender melhôr a
alma dô pôvô que devem dirigir, que muitas vezes naã ô faz a separaçaã ô entre a feé cristaã e a
militaô ncia. (Entrevista escrita côm Dariô Schaeffer, em maiô de 2005)

Uma terceira linha de atuaçaã ô relaciôna-se aà criatividade artíéstica que se manifestôu de


fôrma marcante em tôda sua riqueza desde as môbilizaçôã es dô MLPA. Dentrô dô espíéritô
de unidade que marcôu a surgimentô da UNIPOP, a expressaã ô lué dicô/artíéstica teve a
inôvadôra tarefa de trabalhar a partir da raíézes culturais dô pôvô amazôô nicô e paraense.
O pôraã ô da UNIPOP serviu durante vaé riôs anôs de palcô para a prôcura pelô nôvô e pela
ôcupaçaã ô dô espaçô cultural de Beleé m côm prôpôstas que animassem a demôcratizaçaã ô
da cultura. A participaçaã ô dôs alunôs na criaçaã ô de expressôã es exemplificava ô que
deveria acôntecer nô dia a dia da luta laé fôra. Issô naã ô significôu a instrumentalizaçaã ô das
expressôã es culturais para um determinadô fôcô, cômô p. ex. ô partidô pôlíéticô ôu a
militaô ncia eclesiaé stica. Era antes a quebra dessa instrumentalizaçaã ô, ô rômpimentô das
regras, ô partô de nôvas expressôã es culturais. (Entrevista escrita côm Dariô Schaeffer, em
maiô de 2005)

A experieô ncia acumulada aô lôngô dôs anôs de atuaçaã ô permite que atualmente seja uma
entidade naã ô gôvernamental côm recônhecida inserçaã ô na realidade amazôô nica e
brasileira, côm recônhecimentô e credibilidade pôr parte dôs ôé rgaã ôs gôvernamentais, da
sôciedade civil ôrganizada e da sôciedade cômô um tôdô. Issô se reflete na ampliaçaã ô de
sua atuaçaã ô.
Desde 1996, vem ampliandô seu raiô de açaã ô temaé tica, atuandô na aé rea da Criança e dô
Adôlescente e a partir de 98 na fôrmaçaã ô prôfissiônal de jôvens, na fôrmaçaã ô de
educadôres/as e gestôres/as de ONG’s e de Cônselheirôs Tutelares e de Direitôs, na
fôrmaçaã ô de gestôres sôciais, na articulaçaã ô e fôrtalecimentô de redes e fôé runs tendô em
129

vista a sustentabilidade dô desenvôlvimentô na Amazôô nia ô que envôlve a melhôria da


qualidade de vida de tôdôs e tôdas que vivem e trabalham nesta regiaã ô.
Na aé rea ambiental, atua nô fôrtalecimentô dô FAOR - Fôé rum da Amazôô nia Oriental,
integrandô a Cômissaã ô Interinstituciônal dô Estadô dô Paraé – CINEA e desenvôlve um
Prôjetô de Educaçaã ô Ambiental e de Ecônômia Sôlidaé ria na Bacia dô Tucunduba (aé rea
perifeé rica de Beleé m), integrandô açôã es de fôrmaçaã ô na cômunidade e nas escôlas
lôcalizadas nessa aé rea, juntamente côm a Prefeitura Municipal, Universidade Federal e
envôlvendô quatrô ONG’s (APACC, CEPEPO, FASE, UNIPOP). (UNIPOP. Perfil Institucional)

CRIAÇÃO DO CONSELHO AMAZÔNICO DE IGREJAS CRISTÃS (CAIC)


Um dôs prôgramas iniciais da UNIPOP cônstava de um Cursô de Teôlôgia Pôpular cômô
espaçô de reflexaã ô biblicô teôlôé gica a partir dô cômprômissô libertadôr ecumeô nicô. Pela
sua natureza inôvadôra ô cursô teve grande alcance, a pôntô de ser divulgadô pela
grande imprensa de Beleé m.
Segundô ô diretôr da Instituiçaã ô, Dariô Geraldô Schaeffer, esta eé a quinta versaã ô dô cursô,
que se prôpôã e uma reflexaã ô sôbre a nôssa fôrmaçaã ô cristaã ; a leitura bíéblica juntamente
côm pessôas de ôutras igrejas ôu entidades ecumeô nicas, levandô em cônsideraçaã ô ô
côntextô histôé ricô em que fôi escrita (sôcial, pôlíéticô, ecônôô micô e religiôsô); e a discussaã ô
sôbre ô significadô de ser cristaã ô hôje e suas implicaçôã es. (Jôrnal O Liberal. 19 de
setembrô de 1991, p. 5)

Dentrô dessa linha de preôcupaçaã ô côm a reflexaã ô teôlôé gica a partir dô cômprômissô
côm a realidade amazôô nica, nutriu-se a ideé ia de um cursô de teôlôgia pôpular e
ecumeô nicô em níével de graduaçaã ô. A ideé ia tôrnôu-se realidade a partir da cônstituiçaã ô dô
Cônselhô Amazôô nicô de Igrejas Cristaã s (CAIC), fundadô em 18 de nôvembrô de 1996
cômô representaçaã ô dô Cônselhô Naciônal de Igrejas Cristaã s (CONIC) para a regiaã ô
amazôô nica. O cursô de teôlôgia passôu efetivamente a funciônar a partir de marçô de
1998 côm 33 alunôs de diferentes Igrejas, cômô a Catôé lica (maiôria), Episcôpal
Anglicana, Metôdista, Batista e mesmô de igrejas pentecôstais cômô Evangelhô
Quadrangular e Assembleé ia de Deus, reunidôs nô Nué cleô Baé sicô de Teôlôgia.
O Cursô de Teôlôgia Ecumeô nica eé ô primeirô cursô nô Brasil que surge a partir de um
Cônselhô de Igrejas. Outra particularidade eé a pretensaã ô de fazer “teôlôgia ecumeô nica”,
que dizer, prôduzir ô cônhecimentô teôlôé gicô a partir de uma pôstura, uma visaã ô, uma
perspectiva e uma metôdôlôgia ecumeô nica, cônsciente e respeitandô a diversidade da
expressaã ô religiôsa assim cômô, aô mesmô tempô, cômprômetidô côm tôda a terra
habitada”.
(...) Dessa fôrma, pretende-se abrir pôrtas para uma praé tica inôvadôra dôs cristaã ôs e das
Igrejas para trabalhar mais qualificadamente em cônjuntô, ôu para multiplicar e
estruturar nôsssa missaã ô a partir e dentrô da realidade amazôô nica. (...) O hôrizônte
ecumeô nicô significa neste côntextô, entre ôutrôs, ô resgate e a valôrizaçaã ô de raíézes da
religiôsidade indíégena cômô inclusaã ô das prôblemaé ticas especíéficas dô côntextô sôé ciô-
cultural. Nesta perspectiva, tôdôs ôs estudantes côntinuam tendô durante ô cursô uma
ligaçaã ô fôrte côm a praé tica nas cômunidades e/ôu nôs trabalhôs sôciais que serve cômô
alimentaçaã ô e côncretizaçaã ô da fôrmaçaã ô teôlôé gica. (Dirk OESSELMANN, em entrevista aô
Nosso Jornal, de Nôvembrô de 1998, p. 7)

Um impôrtante aspectô a se ressaltar eé que ô Cursô Ecumeô nicô de Teôlôgia dô CAIC


viabilizôu-se de impôrtantes parcerias: A UNIPOP cedeu parte de seu espaçô fíésicô, ô
Institutô de Pastôral Regiônal (IPAR) da Igreja Catôé lica dispônibilizôu sua bibliôteca,
aleé m da côlabôraçaã ô efetiva da Universidade Federal dô Paraé (UFPA) atraveé s de alguns
prôfessôres e tambeé m da Universidade dô Estadô dô Paraé (UEPA), ô que garantiu ô bôm
níével dô cursô desde seu iníéciô pelô diaé lôgô côm ambientes acadeô micôs jaé cônsôlidadôs.
130

Aleé m da preôcupaçaã ô côm a superaçaã ô da divisaã ô entre trabalhô pastôral-cumunitaé riô e


ô envôlvimentô sôé ciô-diacônal, ô cursô fôi elabôradô visandô atrair estudantes de
diversas tendeô ncias e segmentôs das igrejas e aô mesmô tempô tendô em vista ô
recônhecimentô pelô Ministeé riô da Educaçaã ô e Cultura.
A grade curricular fôi elabôrada mediante a cômparaçaã ô entre as diferentes iniciativas
existentes e a ôbservaçaã ô dôs criteé riôs necessaé riôs para ô recônhecimentô. A
cômplementaçaã ô dôutrinaé riô-cônfessiônal caberaé aà s respectivas igrejas denôminaciônais
que a faraã ô de acôrdô côm as ôpçôã es de ministeé riôs e necessidades de prôvimentô. (...)
Parcerias e intercaô mbiôs côm ôutrôs institutôs de fôrmaçaã ô de ôutras igrejas e tambeé m
universidades estaã ô sendô buscadas, côncômitantemente côm ô recônhecimentô dô MEC.
(Pa. Rôsa Marga ROTHE. Artigô da revista Tempo e Presença, Ed. 298, anô 1998, p. 25)

Aleé m da feiçaã ô de mutiraã ô, ô cursô eé marcadô pela diaé lôgô cônstantes entre diferentes
visôã es de mundô, devidô aà diversidade de fôrmaçaã ô e ôrigem de prôfessôres e alunôs.
Aleé m das igrejas Cristaã s Ecumeô nicas cômô a Catôé lica, Anglicana, Luterana (IECLB),
Metôdista e Presbiteriana Unida, tambeé m alunôs prôvenientes de igrejas evangeé lica mais
cônservadôras cômô Assembleé ia de Deus e Igreja dô Evangeé licô Quadrangular. Issô fez
dô cursô um espaçô privilegiadô de cônviveô ncia e trôca de experieô ncias.
Apôé s 6 anôs de existeô ncia, ô cursô cônta côm cerca de 50 alunôs, e ainda alguns
estrangeirôs em prôgramas de intercaô mbiô côm instituiçôã es dô exteriôr cômô Argentina
e Côsta Rica, mantendô a mesma linha de pluralidade:
...na qual tem difundidô uma fôrmaçaã ô que naã ô se restringe a uma teôlôgia
denôminaciônal – de uma Igreja particular – mas aprôfundada nô diaé lôgô entre diversas
tradiçôã es, na sua esseô ncia e ôrigem, cômô tambeé m nas diferenças em tôrnô da feé cristaã .
(...) Dessa fôrma, ôbjetivamôs abrir pôrtas para uma praé tica inôvadôra dôs cristaã ôs e das
igrejas para trabalhar mais qualificadamente em cônjuntô, ôu para multiplicar e
estruturar nôssa missaã ô a partir e dentrô da realidade amazôô nica.
(...) Nesse sentidô, este Cursô tem garantidô a fôrmaçaã ô e capacitaçaã ô para diversôs
trabalhôs nas igrejas, seja cômô pastôr (a), assistente cômunitaé riô, agente pastôral,
prôfessôr (a) e diaé cônô/diacônisa, aleé m de pôssibilitar aôs alunôs (as), membrôs de
vaé rias igrejas, ô desenvôlvimentô de pôtencialidades, em direçaã ô a nôvôs serviçôs de
assisteô ncia religiôsa e sôcial. (Ananias OLIVEIRA. Côôrdenadôr Pedagôé gicô dô Cursô.
Informativo CAIC, Nôvembrô de 2003)
131

XI - AMAZÔNIA E CRISTIANISMO – CRONOLOGIA

15.000 a.C. Chegada dô ser humanô na Amazôô nia


8.000-4000 a.C. Achadôs arqueôlôé gicôs nô Riô Tapajôé s
6.000-2.000 a.C. Transiçaã ô de pôvôs côletôres para hôrticultôres
3.000 a.C. Arqueôlôgia encôntra primeira ceraô micas
400 a.C. – 1.300 Arqueôlôgia encôntra resquíéciôs de uma pôpulaçaã ô ôrganizada nô Mônte Tesô dôs Bichôs,
d.C. nô Marajôé , côm cerca de 1.500 habitantes
Primeirô eurôpeu pôã e ôs peé s na Amazôô nia: Vicente Yanã es Pinzôn e tinha sidô
1.499 d.C.
cômpanheirô de Cristôé vaã ô Côlômbô. Deu nôme aô Riô de Santa Maria de la Mar Dulce.
Em Bula ô papa Leaã ô X côncedeu aô rei de Pôrtugal ô Padroado sôbre tôdas as igrejas das
terras cônquistadas. Dilatar a feé e ô impeé riô. Era permitidô aô rei: côbrar díézimôs; decidir
sôbre a criaçaã ô de nôvas igrejas, a cônstruçaã ô e cônservaçaã ô de môsteirôs, igrejas etc.;
1516
indicar aà Santa Seé uma lista dôs candidatôs aôs arcebispadôs, bispadôs e abadias
côlôniais; aprôvar ô enviô de religiôsôs seculares ôu regulares para as terras dô ultramar;
e prôver ô sustentô dôs eclesiaé sticôs sujeitôs aô serviçô religiôsô.
Depôis de cônhecidôs ôs cônflitôs côm íéndiôs e íéndias côm Franciscô Orellana, e relatadôs
1542
a Carlôs V, ô riô passa a chamar-se de Riô das Amazônas
1545-1563 Côncíéliô de Trentô (côntra-refôrma)
Ingleses, franceses, irlandeses e hôlandeses vaã ô aparecer e fundar fôrtificaçôã es e
1.600-1700
pôvôadôs. Expulsaã ô dôs ôutrôs eurôpeus e ôcupaçaã ô côlônial
1605 Chegada dôs Jesuíétas aô Maranhaã ô
Fundaçaã ô da cidade de Beleé m e a Amazôô nia cômeça a fazer parte da Côlônizaçaã ô
1616
pôrtuguesa
1617 Chegada dôs Franciscanôs aà Amazôô nia
1622 Criaçaã ô em Rôma da Côngregaçaã ô da Prôpaganda Fide
1636 Chegada dôs Jesuíétas a Beleé m
1646-1769 Tribunal da Inquisiçaã ô nô Paraé
1653 Chegada de Pe. Antôniô Vieira aô Paraé . Chama dô Paiaçu (grande Pai) pelôs íéndiôs
Pe. Antôniô Vieira fica presô na Igreja S. Jôaã ô Batista (cidade velha) pôr uns tempôs, ônde
1661 eé alimentadô pôr uma íéndia. Expulsô dô Maranhaã e dô Paraé pelôs côlônôs, pôis se côlôca
na defesa dôs íéndiôs
1665-1667 Pe. Antôniô Vieira fica 2 anôs presô a mandô da Inquisiçaã ô em Pôrtugal
1677 Criaçaã ô da Diôcese dô Maranhaã ô, desmembrada de Salvadôr
1670 Primeirôs escravôs chegam aô Maranhaã ô
1682 Entrada de escravôs nô Paraé
O rei dividiu a regiaã ô em aé reas de missaã ô entre ôs religiôsôs devidô ôs cônflitôs entre eles,
1693
mas tambeé m para resguardar as frônteiras (ver abaixô figura “Amazôô nia nô seé c. XVIII)
1697 Cíériô de Nazareé em Vigia
O cabôclô Plaé cidô acha a imagem de N. Sra. De Nazareé , aà s margens dô Riô Murucutu, em
1700
Beleé m
1700-1755 Estabelecimentô dô sistema de missôã es religiôsas e ôrganizaçaã ô pôlíética da côlôô nia
1719 Criaçaã ô da Diôcese de Beleé m, desmembrada dô Maranhaã ô
Marqueô s de Pômbal interveé m nas Côlôô nias pôrtuguesas em busca da môdernizaçaã ô.
Criadô ô Estadô dô Graã ô-Paraé e Maranhaã ô. O Graã ô-Paraé fôi subdivididô em duas
capitanias, aà dô Graã ô-Paraé e a dô Riô Negrô. O nôvô Estadô côntinuava a receber ôrdens
diretamente de Lisbôa (e naã ô da capital dô Estadô dô Brasil, ô Riô de Janeirô). Enviôu seu
1751
irmaã ô Franciscô Xavier de Mendônça Furtadô para ser gôvernadôr dô nôvô Estadô dô
Graã ô-Paraé e Maranhaã ô e aplicar sua pôlíética de transfôrmaçaã ô da côlôô nia. Mendônça
Furtadô ôrganizôu uma expediçaã ô côm fíésicôs, astrôô nômôs, geôé grafôs, engenheirôs, ô
arquitetô Landi, entre ôutrôs. Seu interesse era cônhecer a regiaã ô amazôô nica de pertô
Pômbal determina a entrega da administraçaã ô tempôral das aldeias aô Estadô (executada
1755
em 1757/58 côm ô nôvô Diretôé riô das Missôã es)
Mais 12.000 escravôs, atraveé s da Cômpanhia dô Cômeé rciô dô Graã ô-Paraé e Maranhaã ô,
1757-1777 nué merô cônsideraé vel para a pôpulaçaã ô de Beleé m (estimada em 8.000). Em 1782, mais 7
mil.
Criaçaã ô dô sistema de Diretôrias de íéndiôs e esfôrçô para alcançar ô avançô dô
1757-1798
capitalismô internaciônal
1758 Criaçaã ô dô diretôé riô dôs íéndiôs: ô Diretôé riô enuncia, aô lôngô dôs 95 paraé grafôs, ôs
principais ôbjetivôs a atingir: expandir a feé cristaã , abôlir ôs côstumes gentíélicôs, civilizar
132

ôs íéndiôs, desenvôlver a agricultura, incrementar ô cômeé rciô, intrôduzir a môeda metaé lica
em circulaçaã ô e fôrtalecer ô Estadô.
1759-1760 Expulsaã ô dôs Jesuíétas pôr intervençaã ô dô Marques de Pômbal
1766-1768 Chegada de prôvaé veis alemaã es prôtestantes na Amazôô nia
1793 I Cíériô realizadô côm a aprôvaçaã ô autôrizaçaã ô dô Vaticanô em 1792
1800-1823 Crise e estagnaçaã ô dô sistema côlônial.
1823 15 de agôstô: adesaã ô dô Paraé aà independeô ncia, quase 1 anô depôis
1824 Chegada dôs primeirôs prôtestantes (luteranôs) aô Brasil nô RS
1835-1840 Cabanagem
Rôbert Nesbit, navega ô Amazônas ateé ô Peru e aprôveitava as acômôdaçôã es dô naviô a
1837-1858
vapôr para transpôrtar uma grande quantidade de bíéblias prôtestantes.
1839 Chegada de Daniel Parish Kidder, naturalista e missiônaé riô evangeé licô
Chegada de muitas côngregaçôã es religiôsas na Amazôô nia, ô predômíéniô dô clerô
1843 ss
estrangeirô
Chegada dôs Lazaristas e iníéciô da rômanizaçaã ô, que se acentua côm a Prôclamaçaã ô da
1849
Repué blica, pregandô um catôlicismô cônservadôr e fiel aà s diretrizes dô papa
Chegada dô escôceô s Richard Hôlden aô Paraé , que veiô aô Brasil cômô missiônaé riô,
1860 financiandô pelô Cônselhô de Missaã ô da Igreja Episcôpal e pela Sôciedade Bíéblica
Americana
A Questaã ô Religiôsa e a prisaã ô dôs Bispôs D. Vital Maria de Recife e
D. Antôô niô de Macedô Côsta de Beleé m. Suas causas pôdem ser traçadas desde muitô
1870 tempô antes, fundadas em divergeô ncias irrecônciliaé veis entre ultramontanismo, ô
liberalismo e ô regime dô padroado. Outra razaã ô para ô cônflitô era a naã ô aceitaçaã ô
pelôs bispôs de maçôns na gereô ncia das irmandades religiôsas.
Chegada a Beleé m dô Presbiterianô Rev.dô Blackfôrd, ele teria feitô pregaçôã es nôs meses
1878
de setembrô e ôutubrô e distribuíédô bíéblias.
O primeirô serviçô prôtestante ôrganizadô fôi a fundaçaã ô de uma escôla de enfermagem e
1880 aulas de líéngua inglesa e de um jôrnal, O apologista cristão Brasileiro, fundadô pelô
metôdista Justus Nelsôn
A questaã ô dô Cíériô: A Irmandade de Nôssa Senhôra de Nazareé era a assôciaçaã ô de leigôs
respônsaé vel pela ôrganizaçaã ô da celebraçaã ô dô Cíériô de Nôssa Senhôra de Nazareé , mas a
1877-1880
presença de maçôns na Diretôria da Irmandade era cônsiderada pelô bispô cômô uma
afrônta. Cíériô: civil ôu religiôsô?
1891 Chegada de Euricô Nelsôn aô Paraé
1892 Criaçaã ô da Diôcese de Manaus
1894 Instalaçaã ô da Igreja Presbiteriana em Beleé m
1897 Fundaçaã ô da 1ª igreja Batista dô Paraé , pôr Euricô Nelsôn
1911 Fundaçaã ô da Igreja assembleia de Deus em Beleé m
1926 D. Irineu prôíébe a côrda nô Cíériô
1931 Gôv. Magalhaã es Barata garante a côrda nô Cíériô
1952 Fundaçaã ô da CNBB
1962-1965 Côncíéliô Vaticanô II
1968 Cônfereô ncia de Medellin, na Côlôô mbia
1970 Cônstruçaã ô da Trasmazôô nica
1972 Fundaçaã ô dô CIMI
1975 Fundaçaã ô da CPT
1979 Cônfereô ncia de Puebla, nô Meé xicô
Prisaã ô de padres e campôneses ô Araguaia e surgimentô dô Môvimentô pela Libertaçaã ô
1981-1983
dôs Presôs dô Araguaia (MLPA)
1982 Fundaçaã ô dô Cônselhô Naciônal de Igrejas Cristaã s (CONIC)
1987 Fundaçaã ô da Universidade Pôpular (Unipôp), côm fins ecumeô nicôs
1992 Cônfereô ncia de Santô Dômingô, Repué blica Dôminicana
1996 Fundaçaã ô dô Cônselhô Amazôô nicô de Igrejas Cristaã s (CAIC)
2007 Cônfereô ncia de Aparecida, Brasil

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