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A Mansidão como expressão da Revolução Cristã (Mt 5.

5)

“Será inútil ensinar a mansidão, a


menos que tenhamos iniciado com a
humildade” ‒ João Calvino, Efésios, São
Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.1), p. 108.

INTRODUÇÃO:
Uma das questões difíceis na comunicação é o resgate de um termo esquecido
ou condenado de forma equivocada a um status de pouca importância, especialmen-
te se essa importância não for apenas no campo teórico, mas, se relacionar direta e
imediatamente com a minha fé, decisões, comportamento e aspirações.

No Sermão do Monte Jesus Cristo gera este impacto com frequência. Nesta bem-
aventurança (Mt 5.5), como em todas as outras, não é diferente visto que há uma
conexão entre elas de forma que a anterior prepara para a próxima e esta pressupõe
1
a anterior. Os Seus ensinamentos caminham na contramão do que geralmente o
homem pensa, daí o conflito natural entre os princípios da Palavra e a nossa forma
ordinária de pensar.

Antes de analisar a declaração de Cristo, estudemos aspectos do contexto vivido


por Ele e seus ouvintes:

1. O ESPÍRITO QUE SE APAGARA:


No período após o Antigo Testamento a fé dos genuínos judeus foi fortemente
provada. No judaísmo interbíblico, predominava a idéia, com algumas poucas exce-
2
ções, de que o Espírito Santo se apagara devido ao pecado do povo. Esta concep-
ção trazia consigo sérias consequências, visto que para a Sinagoga, “a posse do
Espírito Santo, isto é, o Espírito de Deus, era a marca por excelência da pro-
3
fecia. Possuir o Espírito de Deus significava ser profeta”; logo, a afirmação de
4
que o Espírito se apagara, implicava na inexistência de um autêntico profeta e,
também, na “convicção de que o tempo presente está alienado de Deus.

1
Veja-se: David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p. 58.
2
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Literatura Apocalíptico-Judaica, São Paulo: Casa Editora Presbiteria-
na, 1992, p. 27ss.
3
J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1977, p. 124-125
4
O livro de Macabeus reflete esta ideia: “Levantou-se uma tão grande tribulação em Israel, que
não se tinha visto outra assim desde o tempo do desaparecimento dos profetas de Israel”
(1Mac 9.27. Vejam-se, também: 1Mac 4.46; 14.41). Veja-se: D.S. Russell, Desvelamento Divino: uma
introdução à apocalíptica judaica, São Paulo: Paulus, 1997, p. 89ss.
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Tempo sem Espírito é tempo sob o julgamento de Deus. Deus se cala”.

Segundo J. Jeremias, os rabinos explicavam da seguinte forma o fato do Espírito


ter se apagado:

“Ao tempo dos patriarcas, todos os piedosos e justos possuíam o Espírito


de Deus. Quando Israel prevaricou com o bezerro de ouro, Deus limitou o
Espírito a homens escolhidos, aos profetas, sumo sacerdotes e reis. Com a
morte dos últimos profetas escritores, Ageu, Zacarias e Malaquias, o Espírito
se apagou, por causa do pecado de Israel. Desde então, acreditava-se,
6
Deus continuava falando apenas pelo ‘eco da sua voz’ (bat qol = eco ),
7
um pobre substituto”.

Apesar dessa desolação, admitia-se a esperança de que no tempo Messiânico o


Espírito Santo traria de novo o profetismo e a renovação dos corações: esta era a
8
aspiração do povo, a vinda do Espírito.

2. AS EXPECTATIVAS MESSIÂNICAS:
Os judeus após o cativeiro babilônico – iniciado em 587/586 a.C., tendo o povo
começado a retornar apenas em 537 a.C. chefiado por Zorobabel (Cf. Ed 2.1ss) –,
tiveram vários dominadores estrangeiros (Persas, Gregos, Sírios, Romanos). A ra-
zão do interesse estrangeiro pela Palestina era simples: ela era uma região estraté-
gica; por seu território passavam estradas que levavam a todas as partes do mundo.
Os romanos, por exemplo, dominando a Palestina, tinham a “chave para o Meio Ori-
ente”; por isso, sucessivos governadores romanos permaneceram na Síria e Palesti-

5
J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 129.
6
lOq taB (Bath qôl). Literalmente, “Filha da voz” ou “Filha de uma voz”. O conceito é derivado de Dn
4.31. O Novo Testamento menciona algumas vezes uma voz que veio do céu (Vd. Mt 3.17; 17.5; Jo
12.28; At 9.4/ 22.7/26.14; 10.13,15). Unterman, assim define: “Voz celestial que continuou a
transmitir a mensagem de Deus ao homem depois que a PROFECIA bíblica chegou ao fim. O
sumo sacerdote podia ouvir a bat kol enquanto oficiava no Santo dos Santos, e, após a des-
truição do Templo, os que visitavam suas ruínas podiam ouvir a voz celestial expressando a
tristeza de Deus” (Bat kol: In: Alan Unterman, Dicionário Judaico de Lendas e Tradições, Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 43). Outra definição, como a de Van Pelt, com pequenas varia-
ções, é geralmente usada: “Um termo rabínico significando a divina voz, audível ao homem e
desacompanhada de uma visível manifestação da divindade” (J.R. Van Pelt, Bath Kol: In:
Geoffrey W. Bromiley, (General Editor), The International Standard Bible Encyclopedia, 2ª ed. Grand
Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1980, Vol. I, p. 438-439). Ao que pare-
ce este “eco” tendeu a ser explorado como um meio de se decidir em questões de difícil interpretação
da Lei; daí a insistência do Rabino Josué (c. 100 AD) em enfatizar a supremacia da Lei escrita, sendo
esta questão debatida entre as escolas de Shammai e Hillel. (Vd. Otto Betz, Fwnh/: In: TDNT., IX, p.
288-290; J.R. Van Pelt, Bath Kol: In: ISBE., I, p. 439a; A.K. Helmbold, Bath Kol: In: Merril C. Tenney,
gen. ed. The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible, 5ª ed. Grand Rapids, Michigan: Zonder-
van Publishing House, 1982, Vol. I, p. 492. No Talmude as referências à “Bath Kol” são inúmeras.
7
J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 128. Esta voz vinda do céu, geralmente consistia na
declaração do juízo de Deus dirigido a indivíduos, grupos, governos, cidades ou todas as nações.
8
Cf. J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 130 e P. Van Imschoot, Espírito: In: A. Van Den
Born, redator, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, 2ª ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1977, p. 485.
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na, já que ali estava a fronteira oriental do Império Romano, divisando com o seu
grande rival, o Império dos Partas.

Essas sucessivas invasões e o aparente silêncio por parte de Deus contribuíram


fortemente para a intensificação das esperanças messiânicas. Mesmo não havendo
unidade e coerência no pensamento judeu quanto à figura do Messias – falavam do
9
Messias como profeta, ou como sacerdote ou como rei e, até mesmo como um anjo
10
–, ao que parece, “a esperança de um Messias militar predominava”, o qual
libertaria o povo das mãos dos opressores estrangeiros, subvertendo a ordem esta-
11
belecida no dia chamado de “Dia do Senhor”.

Neste contexto surge um grupo mais radical, “que se opunha ao pagamento


de tributo dos israelitas a um imperador pagão, fundamentados na alega-
12
ção que isso era uma traição contra Deus, o verdadeiro Deus de Israel”. Es-
tes são apelidados de zelotes, devido ao seu zelo para com a Lei de Deus.

Outros grupos que apareceram neste período eram genericamente denominados


13
de Sicários, constituídos de nacionalistas judeus, os quais se armavam com ada-
gas ocultas para assassinarem homens que reputavam como inimigos da nação.

Todos esses grupos tentavam estabelecer o Reino de Deus pela espada, enten-
dendo assim, estar prestando um grande serviço ao Senhor.

Otto Borchert faz uma analogia interessante a respeito da concepção judaica e da


realidade do Messias:

“O Rei Messiânico havia sido prometido, e desta forma o mundo tomou


conhecimento dEle. Mas a concepção que os homens faziam dEle era a
de pessoas nascidas em uma mina, e que ouvem falar do sol. Essa raça,
vivendo debaixo da terra, imaginaria o sol como algo semelhante às suas
pequenas lâmpadas, ou como a luz de todas elas que conseguissem reu-
nir. Eles se reuniram contentes ao redor desse monte de lâmpadas de mi-
neiros, gritando jubilosos: ‘É com isto que o sol se parece!’ No entanto, o
sol no céu parece-se com qualquer coisa, menos com este sonho irreal a
seu respeito, concebido bem abaixo da superfície da terra. Foi desta for-
ma que o povo dos tempos de Jesus sonhava com o Messias, enquanto
14
que Jesus era o verdadeiro sol”.

9
Quanto à identificação da figura do Messias com um anjo, Vd. H.I. Hester, Introduccion ao Estudio
del Nuevo Testamento, 2ª ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1980, p. 76.
10
F. F. Bruce, New Testament History, New York: Doubleday & Company, Inc., 1971, p. 133.
11
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Literatura Apocalíptica Judaica, p. 36ss.
12
Zelote: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Junta Editorial Cristã,
1966, Vol. III, p. 1676.
13
A única alusão bíblica a esses grupos está em At 21.38. O nome grego e sik/arioj. O nome é de-
rivado da palavra latina sicae (adaga, pequeno punhal), daí sicaii, “homens com adaga”. A forma por-
tuguesa vem do latim sicarius.
14
Otto Borchert, O Jesus Histórico, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 275.
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Jesus Cristo foi reconhecido por muitos como o Messias. A questão é: em qual
estereótipo Ele se encaixaria? Podemos observar que, de modo preventivo Ele não
se chamou de “Messias”; raramente se designou como Cristo de Deus, por certo, pa-
ra evitar o mal-entendido que seu emprego teria provocado. Como vimos, o povo ju-
deu aguardava de modo especial um Messias militar; se Jesus proclamasse ser o
Cristo (= Messias), seria o mesmo que convidar o povo a interpretações das mais di-
versas e, o pior; todas erradas. Se Jesus, procedendo com cautela, não impediu que
houvesse sentimentos “messiânicos” por parte do povo em momentos de euforia de
15
“barriga cheia” (cf. Jo 6.11-15); se Ele agisse de forma diferente, dizendo-se o
Messias, “todo o judeu que ouvisse a palavra, ficaria a pensar em termos
duma eventual revolta contra Roma e da gloriosa consumação quando o
16
império judeu substituiria o romano”.

O apóstolo João declara: “Veio para o que era seu, e os seus não O receberam”
(Jo 1.11); e o próprio Jesus Cristo disse ao povo, desafiando-o a uma reformulação
de seus conceitos à luz das Escrituras: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter
nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo não quereis
vir a mim para terdes vida” (Jo 5.39-40). No entanto, a imagem criada em suas men-
tes era mais forte do que todo o esplendor da realidade: “Rodearam-no, pois, os ju-
deus, e o interpelaram: Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o
Cristo, dize-o francamente. Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes. As
obras que eu faço em nome de meu Pai, testificam a meu respeito. Mas vós não

15 11
“ Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os entre eles; e também igualmente
12
os peixes, quanto queriam. E, quando já estavam fartos, disse Jesus aos seus discípulos: Recolhei
13
os pedaços que sobraram, para que nada se perca. Assim, pois, o fizeram e encheram doze cestos
14
de pedaços dos cinco pães de cevada, que sobraram aos que haviam comido. Vendo, pois, os ho-
mens o sinal que Jesus fizera, disseram: Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo.
15
Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei, re-
tirou-se novamente, sozinho, para o monte” (Jo 6.11-15).
16
L. Morris, O Senhor do Céu, Queluz: Núcleo, 1979, p. 44. Todavia, Jesus, em algumas ocasiões –
atestando a consciência que tinha de ser o Messias –, se identificou como o Cristo (Mc 9.41; Lc
24.44-49); não se esquivou de tal identificação (Lc 7.19-22; Mc 8.29; Mc 14.61-62; Mt 16.16-17) – ao
contrário de João Batista que quando inquirido, disse não ser o Cristo, Jo 1.19-27 –, embora orde-
nasse aos seus discípulos que não contassem isto a ninguém (Mc 8.29-30; Lc 9.20-22), usando para
Si mesmo, a expressão “Filho do Homem”, como no contexto de Lucas, equivalente a “Cristo” (Lc
9.20-22/Lc 24.44-49). Algo que nos chama atenção é o fato de que após a confissão de Pedro e a
proibição de Cristo, de que se divulgasse ser Ele o Messias “começou Jesus Cristo a mostrar a seus
discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos prin-
cipais sacerdotes e dos escribas, ser morto, e ressuscitado no terceiro dia” (Mt 16.21. Cf. também Mc
8.31 e Lc 9.22). No texto fica evidenciado que, para Jesus, o Messiado não era o caminho da glória,
fama ou poder, mas, sim, da dor, do sofrimento, da humilhação, do abandono e da ressurreição, con-
ferindo assim à palavra, um significado superior jamais imaginado por um judeu. “Seu ministério, co-
roado por Sua paixão, foi caracterizado pela aderência constante à vereda que lhe fora
destinada pelo Pai; e, em consequência disso, Jesus deu ao vocábulo ‘Messias’ um novo
significado, que transcende todas as conotações que esta palavra anteriormente tivera” (F.
F. Bruce, Messias: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. II, p. 1038). Vejam-se
também: George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP., 1985, p. 132-134 e
L. Morris, O Senhor do Céu, p. 42-46).
A condenação de Jesus se deve ao fato de ser acusado de querer passar por Cristo (Cf. Mt 26.63,
64, 68; Mc 14.61-64; Lc 22.66-71); a sua crucificação demonstra de forma cabal que Ele não quis
contrariar a realidade desta acusação, assumindo, quer por palavras, quer por silêncio eloquente, a
realidade de sê-lo!
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credes, porque não sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha
voz; eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10.24-27).

Observem as discrepâncias existentes na opinião do povo quanto à identidade de


Jesus de Nazaré. “13 Indo Jesus para os lados de Cesaréia de Filipe, perguntou a
seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem? 14 E eles responderam:
Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas. 15
Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? 16 Respondendo Simão Pedro,
disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.13-16).

Jesus Cristo foi odiado e rejeitado pelo povo, não pelo que dissera, mas, pelas
expectativas que os próprios judeus desenvolveram e as colocaram sobre Ele. Na
verdade Jesus Cristo não frustrou ninguém; Ele jamais fez promessas vãs ou apre-
sentou esperanças fictícias. Os judeus se frustraram com seus próprios sonhos; os
quais, não os permitiam enxergar o Antigo Testamento e os ensinos do próprio Cris-
to. Os seus devaneios, na realidade, não faziam parte da agenda do Messias con-
forme o eterno propósito de Deus.

3. A MANSIDÃO ENSINADA POR JESUS CRISTO:


As Bem-aventuranças como todo o Sermão do Monte se constituem em um pe-
queno manual com grandes implicações espirituais, éticas, sociais, políticas, econô-
micas, enfim, engloba toda a nossa existência. O Sermão do Monte é um manual re-
volucionário do cristão. Ele é totalmente contracultural visto que caminha na direção
oposta a do senso comum humano. O senso comum, em geral, parece tão óbvio,
que está acima de qualquer suspeita. Por isso é que muitas vezes é mais fácil des-
truir uma teoria do que mudar o que faz parte da linguagem e do imaginário do povo.
17
Conforme vimos quando estudamos Mt 5.3, dissemos que para os gregos a i-
déia de bem-aventurança (maka/rioj) estava geralmente associada a algum bem
terreno: saúde, bem-estar, filhos e riquezas, ainda que não exclusivamente, poden-
18
do se referir também ao conhecimento e à paz interior. Vimos também que o Anti-
go Testamento contém muitas advertências contra o julgamento puramente externo.
Analisemos agora este passo sagrado, quando o Senhor nos ensina: “Bem-
aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5.5).

A) Significado da Palavra Mansidão:

O Novo Testamento dispõe de duas palavras que são empregadas indistinta-


19
mente: Prau/t+ hj (que é usada neste texto) e prao/thj, que significam: gentileza,

17
Todos os Homens e um Desejo: A Contracultura Cristã (Mt 5.3), Belo Horizonte: 25 de março de
2010.
18
Cf. U. Becker, Bênção: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. 1, p. 297.
19
Temos também prau/+j, praei=a e prau+/ que significam “manso”, “humilde” (* Mt 5.5; 11.29; 21.5;
1Pe 3.4).
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humildade, cortesia, consideração, amabilidade, meiguice, brandura. Ela indicava


uma “amizade suave e gentil”.

Barclay traz uma palavra esclarecedora:

“No grego clássico esta é uma palavra encantadora. À respeito dos ob-
jetos significa ‘suave’. É usada, por exemplo, a respeito de uma brisa ou
uma voz suave. A respeito das pessoas significa ‘brando’ ou ‘gracioso’. Há
um fragmento de Menandro que diz: ‘Quão doce é um pai que é meigo e
jovem de coração’. Seria verdade dizer que no grego clássico é uma pa-
lavra carinhosa. Na realidade, Xenofonte usou o plural neutro do adjetivo
no sentido de ‘carinhos’. É caracteristicamente uma palavra de bondade
20
e graciosidade”.

Aristóteles (384-322 a.C.) seguindo a sua metodologia de encontrar o meio termo


entre as virtudes, a colocou como o ponto central entre a ira excessiva
21 22 23
(o)rgilo/thj) e a total passividade (a)orghsi/a) . Sócrates (469-399 a.C.) dizia
24
que o amor incute em nós a “brandura”, excluindo a rudeza. Esta virtude, aprecia-
da de modo especial nas mulheres, era uma característica comum atribuída às deu-
25
sas gregas.

Portanto, podemos dizer que “Praus é a palavra em que força e suavidade


26
estão perfeitamente combinadas”.

B) Mansidão x Fraqueza:

Mansidão não é sinônimo de fraqueza, indolência ou indiferença. Facilmente


podemos confundir tais comportamentos. A mansidão não é apenas uma atitude ex-
terna, antes é uma atitude interior, um controle interno dos impulsos vingativos e
reivindicatórios que inesperadamente nos assaltam. “A mansidão é compatível
20
William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão),
p. 172.
21
Esta palavra, que não ocorre no Novo Testamento, é derivada de o)rgh/ (“ira’, “indignação”, “furor”)
(Mt 3.7; Mc 3.5; Rm 1.18; 2.5,8, etc.).
22
Esta palavra também não é empregada no Novo Testamento. Ela é formada por duas outras: a)
(“não”) e o)rga/w (“estar cheio de seiva”, “arder em desejos de luxúria”). O)rga/w é derivada de o)rgh/.
Somente esta aparece no Novo Testamento.
23
“No tocante à cólera também há um excesso, uma falta e um meio-termo. Embora prati-
camente não tenham nomes, uma vez que chamamos calmo ao homem intermediário, seja
o meio-termo também a calma; e dos que se encontram nos extremos, chamemos irascível
ao que excede a irascibilidade ao seu vício; e ao que fica aquém da justa medida chame-
mos pacato, e pacatez à sua deficiência” (Aristóteles, Ética a Nicômaco, São Paulo: Abril Cultu-
ral, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973, II.7. 1108a 6, p. 275).
24
Platão, O Banquete, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. III), 1972, 197d., p. 35.
25
Cf. F. Hauck; S. Schulz, Prau=j: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New
Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), Vol. VI, p. 646.
26
William Barclay, As Obras da Carne e o Fruto do Espírito, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 107.
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com grande força de caráter. A mansidão é compatível com grande autori-


dade e poder. (...) O homem manso é aquele que acredita em defender
com tal empenho a verdade que se dispõe até a morrer por ela, se for ne-
cessário. Os mártires foram pessoas mansas, mas jamais foram débeis. Foram
27
homens fortes, e, contudo, mansos”.

Nas páginas do Novo Testamento, encontramos Tiago contrastando a mansidão


com a ira: “Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pron-
28
to para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar (o)rgh/). Porque a ira (o)rgh/) do
homem não produz a justiça de Deus. Portanto, despojando-vos de toda impureza e
29 30
acúmulo de maldade (kaki/a), acolhei (de/xomai), com mansidão (prau=+thj), a
31
palavra em vós implantada (e)/mfutoj = “semeada”), a qual é poderosa para salvar
a vossa alma” (Tg 1.19-21).

Dentro de outra perspectiva podemos observar que muitas vezes enfrentamos al-
guns problemas não pelo que dissemos, mas pelo modo que dissemos. Fomos ás-
peros e agressivos. Amabilidade, gentileza e doçura não se contrapõem necessari-
amente à firmeza. Devemos ser firmes nas coisas que envolvem a Palavra de Deus
e a Sua causa, no entanto, não devemos ser grosseiros. Muitas vezes somos leva-
27
David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p. 61.
28
O)rgh/ ocorre no mínimo 35 vezes no Novo Testamento e, qumo/j é usado no mínimo 18 vezes. Na
Bíblia, ambos os termos aparecem algumas vezes relacionados: No Antigo Testamento: Dt 9.19; Sl
2.5; 78.49; Is 5.25; 7.4; 9.19; 34.2; Dn 3.13; Ez 22.31; Os 13.11; Mq 5.15; No Novo Testamento: Rm
2.8; Ef 4.31; Cl 3.8; Ap 19.15. Segundo Trench, o mesmo acontece no grego secular (Vd. Richard C.
Trench, Synonyms of The New Testament, 7ª ed. rev. and enlarg. London: Macmillan and Co., 1871,
§ XXXVII, p. 123).
Apesar de ambas as palavras serem quase sinônimas, parece-me que a distinção entre elas está
na duração da irritabilidade; enquanto qumo/j descreve uma ira repentina que logo se apaga, como
um “fogo de palha”, conforme diziam os gregos, o(rgh/ retrata uma ira que persiste ardendo lentamen-
te, recusando-se a ser pacificada, tendo assim, grande propensão a se transformar em “amargura”.
Contudo, essa distinção gramatical não deve ser aplicada a Deus visto que Ele Se comunica conosco
usando de termos humanos para descrever os seus “sentimentos” (Vd. William Barclay, El Nuevo
Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, (Mateo I), Vol. I, p 149-150; Vol. 11, p. 163;
G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Juan, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cris-
tiana, 1981, p. 162-163; F. Foulkes, Efésios: introdução e comentário, São Paulo: Mundo Cristão/Vida
Nova, (1979),p. 113 e, especialmente: H. Schönweiss; H.C. Hahn, Ira: In: Colin Brown, ed. ger. O
Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983,
Vol. II, p. 441-449; Richard C. Trench, Synonyms of The New Testament, § XXXVII, p. 123-127;
Hermann M. Kleinknecht, et. al., O)rgh/: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the
New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. V, p. 382-447.
29
“Mal”, “malícia”, “maldade”, “impiedade”, “depravação”, “vício”, “malignidade”. A palavra em alguns
textos significa uma depravação mental de onde decorrem todos os outros vícios; ela tem de modo
especial um sentido ético. * Mt 6.34; At 8.22; Rm 1.29; 1Co 5.8; 14.20; Ef 4.31; Cl 3.8; Tt 3.3; Tg 1.21;
1Pe 2.1,16. Na literatura clássica a palavra tinha o sentido de “vício” e “injustiça” (Vejam-se: Platão, A
República, 444e; Platão, Fedro, 248b; Aristóteles, Arte Retórica, II.12; Aristóteles, Ética à Nicôma-
co, VII.1.15; Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, II.1.21). Calvino comentando o uso
da palavra em Ef 4.31, diz: “Por esse termo ele quer dizer que a depravação da mente, a qual
é oposta ao espírito humano e à probidade, e a qual é usualmente chamada malignidade”
(J. Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.31), p. 149).
30
Tem também o sentido de “receber”, “aceitar”, “aprovar”. Estevão sendo apedrejado ora: “.... Se-
nhor Jesus, recebe (de/xomai) o meu espírito!” (At 7.59).
31
Esta palavra só ocorre neste texto em todo o Novo Testamento.
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dos a pensar que a convicção de estarmos certos elimina a necessidade de sermos


cordatos e amáveis em nossa posição. A verdade não necessita ser grosseira e ira-
cunda. Hendriksen (1900-1982) comenta: “Mansidão não é sinônimo de fraque-
za. A mansidão não consiste em falta de firmeza de caráter, uma caracterís-
tica da pessoa que está pronta a curvar-se ao sabor de toda brisa. Mansidão
é submissão ante qualquer provação, a disposição de sofrer dano ao invés
de causá-lo. A pessoa mansa deixa tudo nas mãos daquele que ama e que
32
se importa”. Do mesmo modo, Lloyd-Jones (1899-1981): “'Mansidão' significa
33
realmente prontidão para sofrer o mal, confiando tudo a Deus".

C) Mansidão e firmeza na defesa de nossa fé:

Pedro escrevendo à Igrejas perseguidas, diz que a nossa resposta aos que nos
caluniam e perseguem deve ser dada com firmeza e mansidão, apresentando a ra-
zão de nossa esperança em Cristo: “Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da
justiça, bem-aventurados sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas amea-
ças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso cora-
ção, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão
da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão (prau+/thj) e temor,
com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem
envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, porque, se
for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que
praticando o mal” (1Pe 3.14-17).

D) Mansidão no ensino e no exercício da disciplina:

Do mesmo modo devemos corrigir os infratores com espírito de brandura: “Ir-


mãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o
com espírito de brandura (prau+/thj); e guarda-te para que não sejas também tenta-
do” (Gl 6.1). Não pensemos que mansidão é sinônimo de acomodação no erro. A
mansidão se revela na correção que visa à restauração do irmão faltoso, com bran-
dura e humildade. Em outro lugar Calvino orienta-nos: “Não há nada pior no con-
selho fraternal do que um espírito azedo e arrogante, pois ele nos leva a
desdenhar e a sentir enfado por aqueles que se acham em erro, e nos leva a
ameaçá-los com o ridículo em vez de corrigi-los. A aspereza também, seja
em palavras, seja em expressão, priva nosso conselho de seus efeitos. Ainda
quando excedamos em espírito humanitário e em cortesia, jamais seremos
as pessoas certas para ministrar conselhos, a não ser que cultivemos muita
34
sabedoria e adquiramos muita experiência”.

À rebelde igreja de Corinto, Paulo pergunta de forma severa: “Que preferis? Irei a

32
William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, Vol. I, (Mt 5.5), p. 379.
33
D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p.
38.
34
João Calvino, Romanos, 2ª ed. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, (Rm 15.14), p. 506.
A Mansidão como expressão da revolução cristã – Rev. Hermisten – 10/09/10 – 9/14

vós outros com vara ou com amor e espírito de mansidão (prau+/thj)?” (1Co 4.21).

De forma análoga, a orientação àqueles que pensam diferente deve ser feita com
brandura e oração a fim de que Deus possa por meio da Palavra dar-lhes discerni-
mento – conhecendo a verdade –, livrando-os do cativeiro intelectual e espiritual de
satanás que tem os seus próprios planos destrutivos e alienantes de Deus: "Discipli-
35
nando (paideu/w = “ensinando”, “instruindo”) com mansidão (prau+/thj) os que se
opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para
conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se
36 37
eles dos laços (pagi/j) do diabo, tendo sido feitos cativos (zwgre/w) por ele, para
38 39
cumprirem a sua vontade (qe/lhma)” (2Tm 2.25-26).

Esta instrução (disciplina) não deve ser caracterizada pela polêmica – que por si
40
só não é edificante –, mas pelo desejo de conduzi-los à verdade.

“Os mestres precisam aprender que esse gênero de moderação deve


ser sempre usado nos atos de reprovação, para que não se firam os brios
dos homens no uso de excessiva austeridade. (...) Mas, acima de tudo,
devem tomar cuidado para não parecer que escarnecem daqueles a
41
quem estão a reprovar, nem sentir-se prazerosos com seu infortúnio. Não!

35
O substantivo paidei/a e o verbo paideu/w (de onde vem a nossa “pedagogia”), significam "educa-
ção das crianças", e têm o sentido de treinamento, instrução, disciplina, ensino, exercício, castigo.
(Para maiores detalhes, consultar: Hermisten M. P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2001, p. 270ss.).
36
Pagi/j significa “armadilha”, “rede”, “laço” [* Lc 21.34 (ARA) na ACR e BJ, no verso 35; Rm 11.9;
1Tm 3.7; 6.9; 2Tm 2.26].
37
Zwgre/w, “capturar”, “feito prisioneiro”, “prender com vida” (* Lc 5.10; 2Tm 2.26).
38
Qe/lhma [derivado do verbo Qe/lw], que significa “vontade”, “desejo”, “intenção”. Apesar do verbo
ser amplamente empregado na literatura clássica, o substantivo Qe/lhma aparece raramente. No No-
vo Testamento ele ocorre 61 vezes [o verbo 207 vezes]. A palavra enfatiza mais o elemento volitivo
do que o deliberativo, ou seja, a sua ênfase recai sobre o propósito almejado.
39
“Satanás visa impedir a nossa visão clara da realidade, confundindo os nossos sentidos e,
assim, paralisando a nossa vontade, tornando-nos presas fáceis para a execução de seus
propósitos. Não é à toa que no Apocalipse Satanás é denominado de ‘o sedutor de todo o
mundo’ (Ap 12.9)” (Hermisten M. P. Costa, O Pai Nosso, p. 89).
40
Segundo Calvino, na polêmica pela polêmica, há algo de ardiloso por parte do maligno. De modo
especial, Calvino chama a atenção dos pastores: “Essa é a trama de Satanás, ou seja: que, me-
diante perversa loquacidade de tais homens, ele enreda os bons e fiéis pastores com o fim
de distraí-los de sua preocupação pela doutrina. Daí a necessidade de nos precavermos e
não permitirmos qualquer envolvimento em argumentos polêmicos; porque, do contrário,
jamais nos veremos livres para direcionar nosso labor em prol do rebanho do Senhor, nem os
homens amantes de polêmicas nos deixarão de perturbar” (João Calvino, As Pastorais, São
Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 3.10), p. 357). Por outro lado: “Um bom pastor deve estar sempre a-
lerta para que seu silêncio não propicie a invasão de doutrinas ímpias e danosas, e ainda
propicie aos perversos uma irrefreada oportunidade de difundi-las” (João Calvino, As Pasto-
rais, (Tt 1.11), p. 316).
41
“....os crentes são açoitados, não para com isso satisfazerem à ira de Deus, nem para pa-
garem o que é devido ao juízo que Ele lhes impõe, mas a fim de aproveitarem a oportuni-
dade para arrependimento e para retorno ao bom caminho” (João Calvino, As Institutas da
A Mansidão como expressão da revolução cristã – Rev. Hermisten – 10/09/10 – 10/14

Ao contrário, devem esforçar-se para que fique evidente que a sua inten-
ção não é outra senão a promoção de seu bem-estar. (...) Portanto, se
desejamos fazer algo de positivo, ao corrigirmos as falhas das pessoas, é
saudável esclarecer-lhes que as nossas críticas são oriundas de um cora-
42
ção amigo”. “O alvo de um bom mestre deve ser sempre converter os
43
homens do mundo para que voltem seus olhos para o céu”.

E) Mansidão: o caminho da sabedoria em obediência à Palavra:

Tiago nos diz que a evidência da verdadeira sabedoria é a mansidão com que
ela é demonstrada: “Quem entre vós é sábio e inteligente? Mostre em mansidão
(prau=+thj) de sabedoria, mediante condigno proceder, as suas obras” (Tg 3.13).

A mansidão deve permear as nossas atitudes. Ela deve reger o nosso comporta-
mento e caracterizar as nossas relações, conforme Paulo instrui a Tito no sentido de
ensinar qual deve ser o comportamento dos membros da Igreja em relação a todas
as pessoas: “Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam
obedientes, estejam prontos para toda boa obra, não difamem a ninguém; nem se-
jam altercadores, mas cordatos, dando provas de toda cortesia (prau+/thj), para com
todos os homens” (Tt 3.1-2).

Paulo aplicando a teologia que ensinara, exorta os efésios: “Rogo-vos (paraka-


le/w), pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis (peripate/w) de modo digno da
vocação a que fostes chamados, 2 com toda a humildade e mansidão (prau+/thj),
com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (Ef 4.1-2).

O verbo “andar” está no aoristo ativo, indicando uma atitude que deve ser cons-
tante, contínua, envolvendo a idéia de movimento e progresso.

Em outro texto Paulo reforça este conceito, mostrando que assim como a humil-
dade, a mansidão não é algo acabado e completo; devemos persegui-la diariamen-
44
te: “Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue (diw/kw) a jus-
tiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão (prau+pa/qeia)” (1Tm 6.11).
Como vimos, Calvino comenta: “Será inútil ensinar a mansidão, a menos que
45
tenhamos iniciado com a humildade”.

Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006,
(II.5). Vol. II. p. 177).
42
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.14), p. 142.
43
J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.2), p. 301.
44
Diw/kw é utilizada sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja
(Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a persegui-
ção que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a
palavra utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-
5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz
que devemos perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14). Pedro ensina o mesmo a respeito da paz
(1Pe 3.11).
45
João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.1), p. 108.
A Mansidão como expressão da revolução cristã – Rev. Hermisten – 10/09/10 – 11/14

O início deste caminho de vida está no acolhimento da Palavra de Deus, que de-
ve ser feito com mansidão: “....acolhei, com mansidão (prau=+thj), a palavra em vós
implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma” (Tg 1.21). Não há lugar pa-
ra arrogância diante da Palavra; ela nos mostra de forma absoluta os nossos peca-
dos e a necessidade que temos de salvação em Jesus Cristo. Davi se constitui num
bom exemplo de acolhimento da Palavra. Quando devido aos seus pecados foi con-
frontado severa e justamente pelo profeta Natã, Davi, de modo humilde e arrependi-
do, disse: “Pequei contra o Senhor” (2Sm 12.13). Não há agressividade, nem des-
culpas. Ele pecou contra Deus e, por isso, confessou o seu pecado. O arrependi-
mento e a consequente confissão, ainda que depois de cerca de um ano, foi antece-
dida por uma reflexão sincera e por uma decisão corajosa.

O modelo perfeito de mansidão temos em Cristo Jesus, de quem devemos apren-


der como discípulo, completa e definitivamente, visto que em todo o Seu ministério
terreno deu-nos exemplo de mansidão sendo obediente ao Pai: “.... aprendei (man-
qa/nw) de mim, porque sou manso (prau/+j) e humilde de coração; e achareis des-
46
canso para a vossa alma” (Mt 11.29).

O caminho da mansidão passa invariavelmente pelo crescimento espiritual, já que


esta é uma virtude do Espírito. Portanto, esta virtude não é natural, devendo ser cul-
tivada pela obediência à Palavra de Deus: “.... o fruto do Espírito é: amor, alegria,
paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão (prau+/thj), domí-
nio próprio....” (Gl 5.22-23).

A idéia de mansidão é também a de controle. Conforme formos crescendo espiri-


tualmente, os nossos pensamentos, emoções, desejos e comportamento vão sendo
controlados por Deus. Assim, vemos que o mesmo Moisés que matou um egípcio
porque maltratava um judeu, é dito depois que ele tornou-se o homem mais manso
de toda a terra (Nm 12.3) (LXX: prau+/j).

A mansidão é uma virtude de grande valor diante de Deus, conforme diz Pedro:
“Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços
de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao
incorruptível trajo de um espírito manso (prau/+j) e tranquilo, que é de grande valor
diante de Deus” (1Pe 3.3-4).

4. OS MANSOS, A TERRA E O REINO:


Há uma diferença fundamental entre ter um bem e ser possuído por ele. Quando
colocamos o nosso coração naquilo que temos parece que já não mais o temos, o
bem é que nos possui, dominando o centro vital de nosso pensar, sentir e agir; o
nosso coração. Devemos, portanto, viver neste mundo com moderação, sem colocar

46
Do mesmo modo: 2Co 10.1: (“mansidão” = prau=+thj) e Mt 21.5: (“humilde” = prau=+j).
A Mansidão como expressão da revolução cristã – Rev. Hermisten – 10/09/10 – 12/14

o coração nos bens materiais, pois, tais sentimentos nos fazem esquecer a vida ce-
47 48
lestial e de “adornar nossa alma com seus verdadeiros atavios”.

Jesus Cristo diz que os mansos herdarão a terra. No Novo Testamento além da
associação natural do verbo herdar (klhronome/w), o substantivo herança (klhro-
49
nomi/a) e o adjetivo herdeiro (klhrono/moj) com o recebimento de posses da parte
dos pais (Mt 21.37-38; Lc 12.13; Gl 4.30), encontramos, com maior ênfase, a cono-
tação espiritual de:

a) Herança do Reino de Deus e de Cristo (Mt 25.34; 1Co 6.9,10; 15.50; Gl 5.21;
Ef 5.5; Tg 2.5),
b) Vida eterna (Mt 19.29; Mc 10.17; Lc 10.25; 18.18; Tt 3.7; Hb 9.15),
c) Salvação (Ef 1.14,18; Cl 3.24; 1Pe 1.4; Hb 1.14/Hb 6.12/At 20.32),
d) Glória futura (Rm 8.17-18) e
e) Bênção (1Pe 3.9/Hb 12.17/Ap 21.7).

Devemos observar que todas estas heranças advêm de Cristo, visto que Ele é o
herdeiro único e pleno de todas as coisas: “Nestes últimos dias, nos falou pelo Filho,
a quem constituiu herdeiro (klhrono/moj) de todas as coisas, pelo qual também fez
o universo” (Hb 1.2).

Pois bem: Jesus Cristo, que é herdeiro de todas as coisas, terrenas e celestiais,
no seu justo direito garante que os mansos herdarão a terra. Aqui podemos dar um
sentido material perceptivo afirmando que os mansos, na percepção perfeita da
graça de Deus, reconhecem em tudo que tem esta manifestação, portanto, tendo
bens, não colocarão seus corações nisto, sendo, deste modo, verdadeiramente pos-
suidores da terra, sem se deixar possuir por ela.

Há também um sentido espiritual e escatológico: O nosso bem maior, a nossa


terra prometida não é esta, mas, os novos céus e nova terra criados pelo Senhor,
cuja vida e grandeza estarão no Senhor que com Sua presença comunica vida, ale-
gria e paz a todos os seus habitantes. A nossa herança, a rigor falando, é o próprio
Senhor Jesus Cristo.

“Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o
mar já não existe. 2 Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do

47
A alegria cristã não está simplesmente condicionada ao ter e possuir. “Ainda que os fiéis tam-
bém aspirem e busquem o conforto terreno, todavia não o perseguem com imoderado e
desordenado ardor, senão que, pacientemente, podem suportar ser privados dele, desde
que tenham consciência de que são objetos do cuidado divino” (João Calvino, O Livro dos
Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 4.7), p. 108).
48
Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, Rijswijk, Países Bajos: Fundación Editorial de Li-
teratura Reformada, 1967 (Nueva Edición Revisada), III.10.4. “Os crentes gozam de genuína ri-
queza quando confiam na providência divina que os mantém com suficiência e não se
desvanecem em fazer o bem por falta de fé. (...) Ninguém é mais frustrado ou carente do
que aquele que vive sem fé, cuja preocupação com suas posses dilui toda a sua paz” (João
Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 9.11), p. 193-194).
49
Quanto à origem e emprego da palavra, veja-se: J. Eichler, Herança: In: Colin Brown, ed. ger. O
Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983,
Vol. 2, p. 364-371.
A Mansidão como expressão da revolução cristã – Rev. Hermisten – 10/09/10 – 13/14

céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. 3 En-
tão, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os
homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo es-
tará com eles. 4 E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá,
já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. 5
E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas.
E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. 6 Disse-
me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a
quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida” (Ap 21.1-6).

Percebam o ensino antitético de Jesus Cristo. Aqueles que aos olhos naturais a-
parentemente nada tem, sendo desconsiderados e tidos como derrotados, são, na
realidade, os que conseguem controlar suas paixões, confiando no cuidado miseri-
cordioso de Deus. Tais homens são como Paulo; pobres, enriquecendo a muitos e,
paradoxalmente, “nada tendo, mas possuindo tudo” (1Co 6.10). Estes são aqueles
que podem dizer também com o Apóstolo Paulo, referindo-se a Jesus Cristo: “....
com ele reinaremos” (2Tm 2.12).

Considerações Finais:

A mansidão, conforme nos mostra a Escritura é aquela qualidade do homem que


suporta com paciência as aflições, confiando em Deus, tendo seus impulsos peca-
minosos dominados pelo Senhor, submetendo-se com alegria aos desígnios de
Deus. No entanto, insistimos: mansidão não é sinônimo de inércia. Jesus Cristo, o
exemplo absoluto de mansidão, indignou-se com a incredulidade de seus ouvintes
50
(Mc 3.5) e expulsou os cambistas do templo por estarem profanando o templo (Mc
11.15-17). Ter um espírito manso significa ser totalmente controlado pelo Espírito de
Deus, o que nos permite suportar com paciência os reveses da vida e, ao mesmo
tempo, sermos ousados em nos manifestar contra aquilo que ofende a Deus e à Sua
casa.

50
O filósofo Bertrand Russell (1872-1970), quando alega o fato de Jesus manifestar “uma fúria vin-
ditiva contra os que não davam ouvidos aos seus ensinamentos”, como sendo um argumento
para ele não ser cristão (Cf. Bertrand Russel, Porque não sou Cristão, 2ª ed. São Paulo: Livraria Ex-
posição do Livro, 1972, p. 28), peca pelo fato de não considerar que a ira de Jesus era acompanhada
de um sentimento de “aflição”, “totalmente aflito” (Mc 3.5. sullupe/omai), pela dureza de seus cora-
ções, pois, aqueles que ali estavam (havia fariseus no grupo, Cf. Mc 3.6), tinham interesse em acusá-
lo (Mc 3.2) e, também, não devemos nos esquecer que a ira de Jesus não era causada por motivos
egoísticos, mas, pelo fato da Palavra de Deus por Ele anunciada não ser ouvida pelo povo, que se-
guia a influência farisaica.
Contudo, esses argumentos não valem para Russell pois ele se declara agnóstico quanto a Deus
(Cf. Bertrand Russel, Porque não sou Cristão, p. 55, 159) e, também, porque considera os cristãos
não muito inteligentes (Cf. Bertrand Russel, Educação e Ordem Social, São Paulo: Companhia Edito-
ra Nacional, 1956, p. 80-81).
A ira divina descrita nas Escrituras, entre outras, tem as seguintes motivações: a incredulidade: Mc
3.5; Jo 3.36; “impiedade e perversão” daqueles que “detêm a verdade pela injustiça” (Rm 1.18); de-
sobediência: Rm 2.8; Ef 2.3; 5.6; Cl 3.6. Notemos que todos esses textos revelam a livre escolha do
homem em renunciar a Palavra de Deus, o próprio Deus.
A Mansidão como expressão da revolução cristã – Rev. Hermisten – 10/09/10 – 14/14

51
A mansidão não é algo natural, resultado de nosso temperamento ou caráter,
52
antes, é uma qualidade espiritual aprendida de Cristo (Mt 11.29/2Co 10.1). No tex-
to de Efésios 4, Paulo nos orienta para que vivamos na Igreja de forma mansa, com
gentileza e tolerância, expressando assim a nossa humildade em nosso trato pesso-
al. A mansidão é a expressão de um coração humilde e confiante em Deus. Quem
assim procede pela graça de Deus será amplamente abençoado aqui e herdará a
vida eterna. Que Deus nos capacite a viver deste modo. Amém.

São Paulo, 16/17 de abril de 2010.


Revisão de 09/10 de setembro de 2010.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

51
Vejam-se: David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p.
61; H.H. Esser, Humildade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. 2, p. 386; G.B. Funderburk, Mansidão: In:
Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, Vol. 4, p. 80.
52
“.... aprendei (manqa/nw) de mim, porque sou manso (prau/+j) e humilde de coração; e achareis
descanso para a vossa alma” (Mt 11.29). “E eu mesmo, Paulo, vos rogo, pela mansidão (prao/thj) e
benignidade de Cristo, eu que, na verdade, quando presente entre vós, sou humilde; mas, quando
ausente, ousado para convosco” (2Co 10.1).

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