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Livro 3 – A COMISSÃO DA VERDADE EM MINAS GERAIS

APURANDO AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS


Ficha técnica e expediente
É permitida a reprodução total ou parcial, desde que se respeite a fidelidade ao
texto original, seja citada a fonte conforme as normas vigentes e não seja para
venda ou qualquer fim comercial.
O conteúdo desta publicação é de inteira responsabilidade dos autores.
Diagramação: Caroline Cunha Rodrigues, Desirée Cunha Rodrigues
Ilustração de capa: Desirée Cunha Rodrigues
Colaboração: Camila Americano Lanhoso
Revisão ortográfico-gramatical: Meire Avelar Bernardes, Ronald Rocha

Ficha Catalográfica

M663c Minas Gerais. Governo do Estado.


A comissão da verdade em minas gerais apurando as violações aos
direitos humanos [recurso eletrônico] / Governo do Estado, Marco Túlio Antunes
Gomes, Marina Mesquita Camisasca e Thelma Yanagisawa Shimomura (org.).-
Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro, 2018.
37p. ; il. - (Coleção direitos humanos e ditadura; v. 3).

ISBN 978-85-99528-85-3 (Coleção). ISBN 978-85-99528-88-4 (Volume 3)

1. Direitos humanos. 2. Justiça de transição. 3. Ditadura. 4. Comissão da


verdade. I. Gomes, Marco Túlio Antunes. II. Camisasca, Marina Mesquita. III.
Shimomura, Thelma Yanagisawa (org.).

CDD: 323.81044

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Ana Cláudia Ribeiro CRB 6/2868.
Autores: Marco Túlio Antunes Gomes, Marina Mesquita Camisasca
Organizadora: Thelma Yanagisawa Shimomura

Direitos Humanos. Coleção Direitos Humanos e Ditadura.


Livro 3: A Comissão da Verdade em Minas Gerais apurando as
violações aos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Justiça de
Transição, Comissão da Verdade, Ditadura.
Apresentação
Os textos aqui apresentados foram elaborados por solicitação da Secretaria
de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
(Sedpac), visando ao importante objetivo de disseminar o conhecimento sobre os
direitos humanos, as comissões da verdade e a ditadura militar no Brasil.
O presente curso virtual, denominado Formação em Direitos Humanos:
Entendendo a Ditadura e as Comissões da Verdade, aborda três temas principais,
que se dividem em módulos distintos: Direitos Humanos; Justiça de Transição
e Comissões da Verdade; A Comissão da Verdade em Minas Gerais apurando
as violações aos Direitos Humanos. O seu propósito é que tais livros sirvam de
material educativo à disposição das pessoas interessadas, seja na plataforma online,
seja em versão impressa para posterior distribuição nas escolas públicas da Região
Metropolitana de Belo Horizonte.
A realização do curso se tornou possível mediante a colaboração mútua
entre a Diretoria de Políticas de Promoção em Direitos Humanos da Sedpac,
responsável pela estrutura virtual, a Secretaria de Estado de Educação de Minas
Gerais, que possibilitou a impressão e a distribuição dos materiais, o Centro de
Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, que
contribuiu com a redação do primeiro volume, e o Arquivo Público Mineiro, que
cooperou na edição do material.
Assim, a Sedpac cumpre a sua tarefa de difundir os acontecimentos do
período ditatorial-militar, elucidando as múltiplas violações à dignidade humana.
Considerando o impacto social e histórico dos fatos apurados, que reverberam até
os dias de hoje, a Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da
Sedpac convida todos os leitores a se incorporarem à tarefa de analisar, entender e
superar o trauma histórico provocado pelas ações estatais que violaram os direitos
humanos. Trata-se de, reconhecendo e respeitando as pessoas atingidas àquela
época, buscar a verdade e contribuir para a construção de um país democrático,
justo, soberano e com memória política integral.

Setembro de 2018,
Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos
Sumário

Página
1. A Comissão da Verdade em Minas Gerais 09
2. Um balanço do Relatório Final da Covemg 11
3. O contexto histórico das violações aos direitos humanos em 16
Minas Gerais: alguns casos exemplares
3.1 O governo João Goulart 16
3.2 O golpe de 1964 19
3.3 A ditadura militar (1964-1985) 20
3.3.1 Os anos iniciais 21
3.3.2 Os anos de chumbo 25
3.3.3 Os anos de distensão 31
3.3.4 A transição ao regime democrático (1985-1988) 34
Referências bibliográficas 36
9

1. A Comissão da Verdade em Minas Gerais

A criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em novembro de


2011, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações aos direitos
humanos praticados no Brasil entre 1946 e 1988, resultou de uma demanda da
sociedade civil brasileira pelo direito à memória e à verdade. Com a instalação de
seus trabalhos, em maio de 2012, tendo em vista sua finalidade e seus objetivos,
houve o estímulo para que outras comissões da verdade – estaduais, municipais,
universitárias, temáticas etc. – fossem criadas em todo o país, com o intuito de
auxiliar o processo de investigação local e pesquisar temas específicos. Nesse con-
texto, foi instituída, em 2013, a Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg).
A Covemg trabalhou intensamente para reunir, consolidar e analisar o
farto material coletado em vários arquivos públicos e pessoais, bem como em insti-
tuições e órgãos estatais, além de coletar depoimentos e relatos de sobreviventes e
familiares de mortos e desaparecidos. As investigações se concentraram no período
pós-golpe de 1964, embora tenham sido constatadas e apuradas violações antes
desse período.
Ao final do seu trabalho, a Covemg produziu um Relatório Final composto
por cinco volumes e pelos seguintes capítulos:
1) A Comissão da Verdade em Minas Gerais: história e atuação;
2) Acontecimentos envolvendo mortes e desaparecimentos de opositores
à ditadura militar;
3) Tortura e violência institucional aos opositores à ditadura em Minas
Gerais;
4) Locais de repressão e tortura;
5) As graves violações de direitos humanos no campo (1961-1988);
6) A repressão ao mundo do trabalho e ao movimento sindical urbano em
Minas Gerais, de 1946 a 1988;
7) A posição das igrejas cristãs durante o governo militar;
8) Violações de direitos humanos dos povos indígenas;
9) A extrema direita vai ao terrorismo em Minas Gerais;
10) Censura aos meios de comunicação de massa de Belo Horizonte, aos
espetáculos artísticos e culturais e aos intérpretes;
11) Cassação de representantes políticos, aposentadorias e demissões de
servidores públicos, no âmbito de Minas Gerais;
12) Repressão ao movimento estudantil e às universidades em Minas Ge-
rais;
13) Impedimento de convivência de crianças com seus genitores em razão
10

da sua prisão, morte ou desaparecimento;


14) Recomendações.
Considerando a complexidade das violações aos direitos humanos verifica-
dos em todas essas seções, a Covemg adotou as seguintes categorias para os casos
de mortes e desaparecimentos:
– pessoas que, por terem participado ou simplesmente por terem sido
acusadas de participar em atividades políticas, faleceram por causas não naturais
em dependências policial-militares ou assemelhadas;
– pessoas que faleceram em virtude de repressão policial-militar sofrida
em manifestações públicas ou em conflitos armados, com a presença de agentes do
poder público;
– pessoas que faleceram em decorrência de sequelas físicas ou psicológi-
cas, resultantes de perseguição, prisão ou tortura;
– pessoas que faleceram mediante suicídio praticado na iminência de se-
rem presas ou sequelas psicológicas resultantes de tortura praticada por agentes
estatais;
– execução sumária, arbitrária ou extrajudicial de pessoas acusadas de
participação em atividades políticas, efetivadas por agentes estatais ou associados;
– pessoas que morreram em decorrência de atentados produzidos ou ins-
tigados pelo poder público;
– desaparecimentos forçados.
11

2. Um balanço do Relatório Final da Covemg

Os dados existentes no Relatório Final da Covemg mostram que, durante


o período pesquisado (1946-1988), 152 opositores morreram ou desapareceram
no estado de Minas Gerais. A Comissão apurou também que 49 mineiros de opo-
sição ao regime militar foram assassinados ou desapareceram fora do território
estadual, embora ainda seja preciso apurar outras mortes, especialmente de cam-
poneses, operários e indígenas fora do estado.

Gráfico 1: Mortos e Desaparecidos em Minas Gerais

Elaborado a partir dos dados contidos no Relatório Final da Covemg

Em relação aos locais onde as mortes ou desaparecimentos ocorreram


destaca-se a cidade de Ipatinga, então distrito. No “Massacre de Ipatinga” 11 pes-
soas morreram ou desapareceram em um só dia. Na capital mineira também foram
assassinados diversos militantes políticos, inclusive operários.
Em relação às regiões do estado onde as mortes e desaparecimentos força-
dos ocorreram, verifica-se que as regiões Norte, Rio Doce e Jequitinhonha concen-
traram os maiores índices de violência. Tal fato se deve, principalmente, à violência
contra os camponeses e aos abusos e desrespeitos sistemáticos aos direitos huma-
nos, vinculados à conduta de agentes públicos e instituições estatais nas disputas
fundiárias, bem como nos projetos governamentais de modernização conservadora
do campo durante os anos de chumbo.
12

Gráfico 2: Locais das mortes e desaparecimentos forçados em Minas Gerais

Elaborado com dados contidos no Relatório Final da Covemg

Faz-se importante destacar, ainda, a região Central, palco de muitas vio-


lências. Na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, Raposos e Rio Acima, constata-
ram-se, por exemplo, pelo menos 16 ferimentos em 1948, por atentados na greve
dos mineiros e na invasão ao Escritório dos Vereadores do Povo, sendo mortos por
execução o parlamentar municipal William Dias Gomes e o operário Ornélio Perei-
ra da Costa. Nas proximidades da capital também houve repressão a camponeses.

Gráfico 3: Regiões de Minas Gerais onde ocorreram mortes e desaparecimentos

Elaborado com dados contidos no Relatório Final da Covemg


13

A Covemg apurou também as ocupações exercidas pelas 152 pessoas


mortas ou desaparecidas, referindo-se ao seu pertencimento a algum segmento so-
cial e tipo de atividade econômica no momento em que foram atingidas. Antes de
quantificar, é importante esclarecer que algumas pessoas possuíam mais de uma
ocupação, motivo pelo qual o número que as exprime supera o de mortos e desa-
parecidos. A maioria dos casos pesquisados é de origem camponesa ou de apoiado-
res que participavam dos movimentos ligados à questão agrária, totalizando 110.
Em seguida, constam 20 operários, 12 indígenas, 11 sindicalistas, 10 com outras
ocupações, nove militantes políticos sem outra especificação, três pessoas que ocu-
pavam cargos eletivos, duas crianças e um militar. Na categoria sindicalista estão
incluídos sete dirigentes de entidades representativas e três organizadores do mo-
vimento camponês. Outras ocupações dizem respeito às demais profissões, sendo
dois advogados, um escriturário, um eletricista, um contador, um servidor público,
um veterinário, um farmacêutico, um jornalista e um professor universitário. Duas
pessoas tinham cargo eletivo: prefeito e vereador.

Gráfico 4: Tipos de ocupação quando das mortes ou desaparecimentos forçados

Elaborado com dados contidos no Relatório Final da Covemg

A Covemg também levantou os anos em que se deram as mortes e desapa-


recimentos forçados.
Pode-se observar, por meio do gráfico, que ocorreu certo aumento de mor-
tes e desaparecimentos entre 1963 e 1964. A maior parte das mortes registradas
em 1963 refere-se ao Massacre de Ipatinga. O ano de 1964 foi marcado pelo gol-
pe militar, quando policiais e civis atuaram violentamente na caça aos chamados
14

Gráfico 5: Frequência das mortes e desaparecimentos por ano

Elaborado com dados contidos no Relatório Final da Covemg

“subversivos”: os assassinatos de Otávio e Augusto Soares da Cunha, pai e filho,


em Governador Valadares, são exemplos indicativos dessa violência. A família So-
ares da Cunha sofreu atentado em 1º de abril de 1964 por reservistas reincorpo-
rados à PMMG, por ser considerada comunista e favorável à causa camponesa na
região. Essas mortes são, comprovadamente, o primeiro crime da ditadura militar
em Minas Gerais.
A estrutura repressiva, caracterizada desde 1964 como política de Estado,
foi montada para perseguir, neutralizar e até mesmo eliminar oposicionistas. A
despeito das violências brutais, em 1968 eclodiram as históricas greves metalúr-
gicas de Belo Horizonte e Contagem. Com a edição do AI-5, em 13/12/1968, a
repressão chegou ao auge, impactando mais ainda o direito à vida. Em 1979 houve
nova ascensão das lutas sindicais dos professores e peões da construção civil, bem
como, novamente, dos metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem: reiniciaram-se
assembleias com vistas à recuperação das perdas salariais impostas em 1973, por
meio da política econômica governamental. Sublinhe-se o saldo de cinco operários
e camponeses mortos em 1975.
O aumento considerável de mortes e desaparecimentos entre 1984 e 1988
15

foi resultado da intensa repressão contra a luta dos camponeses pela reforma agrá-
ria. Interessante notar que, tão logo diminuiu a intervenção do Estado nas entida-
des representativas dos trabalhadores, reorganizou-se o movimento. Concomitan-
temente, os latifundiários também se organizaram por meio da União Democrática
Ruralista (UDR). O aumento dos confrontos e violências provocou o crescimento
das mortes no campo.
Cabe destacar que a denominação “Ano desconhecido” diz respeito às
ocorrências de mortes e desaparecimentos em data incerta, mas comprovadas por
meio de pesquisas realizadas nos acervos documentais e nas entrevistas com teste-
munhas. Vale observar também que os números levantados pela Covemg são par-
ciais, já que, devido a dificuldades de tempo e de recursos, nem todas as regiões de
Minas Gerais foram pesquisadas em sua integralidade. Contudo, os dados apura-
dos são de extrema importância para que se conheçam melhor as graves violações
aos direitos humanos.
16

3. O contexto histórico das violações aos direitos humanos


em Minas Gerais: alguns casos exemplares

3.1 O governo João Goulart

No início dos anos 1960 o Brasil era governado por João Goulart (1961-
1964), que assumiu a presidência sob a oposição ferrenha das direitas e o controle
pelo Congresso. Inicialmente premido pelo sistema de governo parlamentarista,
o presidente buscou compor alianças com grupos conservadores para garantir a
governabilidade, em especial o PSD, maior partido no Congresso. Por outro lado,
Goulart tinha compromissos com movimentos populares e partidos à esquerda,
cujas ações foram fundamentais para sustentar sua posse em face de ameaças gol-
pistas.
Tal situação contribuiu para que o presidente, especialmente durante o pe-
ríodo parlamentarista, se movimentasse de maneira oscilante, ora acenando para
os conservadores, ora assumindo posturas mais progressistas. Concomitantemen-
te, crescia o movimento reformista que defendia mudanças na estrutura socioeco-
nômica. Os defensores das reformas de base viam João Goulart como o herdeiro
do legado getulista e o político capaz de assumir a direção do processo geral por
transformações sociais.
Uma das diferenças entre o governo Jango e os seus precedentes foi o en-
volvimento do Poder Executivo com a questão fundiária, o presidente defendeu a
realização de uma reforma agrária no país. Tal postura se explicitou em novembro
de 1961, quando o presidente compareceu ao I Congresso Nacional de Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas, organizado pela União dos Lavradores e Trabalhado-
res Agrícolas do Brasil (Ultab), em Belo Horizonte. Ademais, o governo federal
investiu para aprovar um projeto de reforma agrária pelo Congresso. Contudo,
havia divergências em relação à maneira como se indenizariam os proprietários
das terras desapropriadas.
Sem conseguir implantar a reforma agrária e nem conter o crescimento
inflacionário, Jango passou a sofrer pressões cada vez maiores à direita e à esquer-
da. Para os setores populares, o governo deveria implantar profundas reformas no
País: a agrária, para extinguir os latifúndios e democratizar a terra; a urbana, para
deter a especulação imobiliária e o crescimento urbano desordenado; a eleitoral,
para estender o direito de voto a soldados e analfabetos, além de legalizar o Par-
tido Comunista Brasileiro; a bancária, para criar o Conselho Monetário Nacional
17

e o Banco Central; a financeira, referente ao estatuto do capital estrangeiro, para


regular a remessa de lucros ao exterior; a universitária, para aprimorar o ensino e
a pesquisa no Brasil (REIS FILHO, 2014, p. 33).
Diante das pressões, o presidente se inclinou à esquerda, apoiando as ma-
nifestações populares pelas reformas de base convocadas por partidos, sindicatos
e demais organizações da sociedade civil. Em 12/12/1963 em Brasília, sargentos
da Marinha e da Aeronáutica se rebelaram contra a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), que mantivera a ilegibilidade dos soldados nas eleições de 1962. O
silêncio de Jango diante dos revoltosos, que declararam suas simpatias pelas refor-
mas de base, foi explorado pela oposição, agitando as teses provocadoras de que
um golpe de Estado estaria sendo arquitetado pela esquerda e de que os praças
teriam sido cooptados. A propaganda reacionária contra a chamada insubmissão
à hierarquia passou a sensibilizar, não somente os oficiais de alto e médio escalão
que desde 1961 participavam de atividades conspiratórias, mas também os “lega-
listas”.
Buscando incitar os ânimos militares contra o presidente, o governador da
Guanabara, Carlos Lacerda, declarou em entrevista a um jornal norte-americano
que as Forças Armadas cogitavam a destituição de Goulart, mas o pronunciamen-
to feriu os brios dos ministros militares, que convenceram Jango a solicitar que o
Congresso decretasse estado de sítio. O pedido foi recusado pelos parlamentares
à direita e à esquerda, que temiam que essa fosse uma manobra presidencial para
conter os críticos mais enérgicos.
Em Ipatinga, Minas Gerais, em outubro de 1963, o clima também era de
beligerância, desaguando no “Massacre de Ipatinga”, conflito aberto entre traba-
lhadores, a empresa Usiminas e a PMMG. Na ocasião, os operários se mostravam
insatisfeitos com as más condições de trabalho, alimentação, transporte, moradia
e salário, bem como os maus-tratos cometidos pelos vigilantes e pelo destacamen-
to policial-militar local. No dia seis de outubro, de madrugada, os trabalhadores
que saíam do período noturno foram submetidos a uma áspera revista. Revolta-
dos, entraram em confronto com a Cavalaria da Polícia, que tentava dissolver uma
aglomeração no alojamento Santa Mônica. O confronto provocou a prisão de 300
trabalhadores.
Com a intermediação do Padre Avelino Marques, ficou decidido que ao
amanhecer haveria uma reunião da diretoria da Usiminas com representantes da
PMMG, do sindicato local e dos trabalhadores insatisfeitos. Na manhã do dia sete,
cerca de seis mil operários já estavam em greve e aguardavam o término da reu-
nião, na qual foi decidido que a Cavalaria seria recolhida durante as investigações
sobre as agressões e prisões ocorridas no dia anterior. Ao mesmo tempo, soldados
armados insistiam em permanecer no local e intimidavam os revoltosos, que passa-
18

ram a reagir com pedras e xingamentos.


No momento em que Padre Avelino e o presidente do sindicato, Geraldo
Ribeiro entravam em um carro para se encaminharem à multidão, 19 policiais,
alocados no alto de um caminhão, começaram a disparar contra a massa. Nunca se
soube ao certo quantos tiros foram efetuados naquele dia. No IPM consta uma foto
com 14 caixas de cartuchos vazias, que foram recolhidas pela polícia no local, cada
qual comportando 50 projéteis de calibre 45. Se todos os cartuchos foram usados,
seriam cerca de 700 tiros.

Incêndio de veículo
utilizado pela Oito pessoas morreram no massacre. Seis faleceram no próprio local do
PMMG durante conflito: Aides Dias de Carvalho, Alvino Ferreira Felipe, Antônio dos Reis, Geraldo
o “Massacre de
Itpatinga”. Foto Gualberto, Gilson Miranda e Sebastião Tomé. Dois chegaram aos hospitais, mas
do relatório final não resistiram aos ferimentos: a menina Eliane Martins, de três meses, e o fotógra-
da Comissão da
Verdade fo José Isabel do Nascimento. Houve ainda três desaparecimentos e 102 feridos.
Embora o “Massacre de Ipatinga” não tenha sido fruto da conspiração golpista em
marcha nacionalmente, o evento acabou adquirindo foros simbólicos como prelú-
19

dio ao que aconteceria no país após 31 de março de 1964.

3.2 O golpe de 1964

A articulação golpista contra João Goulart era extremamente sofisticada,


contando com a participação de militares, políticos – principalmente da União
Democrática Nacional (UDN) – e setores das classes alta e média. Em 1963, uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) averiguou a ocorrência de campanhas
eleitorais financiadas pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), órgão
conservador atrelado ao escritório da Central Intelligence Agency (CIA) no Rio de
Janeiro. Suas atividades, consideradas ilícitas, foram extintas pelo Judiciário. Con-
tudo, permaneceu em funcionamento o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES), que Heloísa Starling (1986) apontou como núcleo operacional coordena-
dor dos esforços pela desestabilização do governo, mediante o financiamento de
propaganda anticomunista e a organização de manifestações.
Em Belo Horizonte, um dos locais onde possuía filiais, o IPES cumpriu
uma dupla função: ao mesmo tempo em que atuava como centro de articulação
empresarial, disposto a implantar uma política econômica antipopular e totalmente
aberta ao capital externo, oferecia substrato político-ideológico à ação conspirató-
ria e tentava legitimá-la. Autodenominados “Novos Inconfidentes”, participavam
das atividades do IPES: militares, policiais, profissionais liberais, estudantes univer-
sitários, membros do clero e latifundiários. Com apoio do governador Magalhães
Pinto, a PMMG, em cooperação com os planos do IPES, abriu dois postos de ins-
crição em Belo Horizonte, onde 16 mil voluntários se inscreveram para enfrentar
as tropas governistas. (COVEMG, 2017, p. 110)
A despeito das divergências entre os setores da oposição, o anticomunis-
mo foi um dos elementos que os uniu na deposição de João Goulart. Em pesquisa
do Ibope, realizada em São Paulo em fevereiro de 1964, 54% dos entrevistados
julgavam que o comunismo estava aumentando no País, enquanto somente 16%
responderam o contrário. Para o historiador Rodrigo Sá Motta (2016), tais dados,
somados a outras enquetes no período, revelam que para boa parte da sociedade
no início de 1964, o propalado “perigo vermelho” era grande. Todavia, a maioria
dos eleitores se dispunha a votar em João Goulart no próximo pleito. Em 19 de
abril de 1964, o IPES, com o apoio da ala conservadora da Igreja Católica, organi-
zou em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em que milhares
de pessoas – sobretudo as camadas médias – saíram às ruas contra Jango, Brizola
e o comunismo.
20

A manifestação era uma resposta ao comício da Central do Brasil, promo-


vido pelas forças populares e sindicais no dia 13 de março. Na ocasião, o presidente
anunciou que assinara o decreto da Supra, que regulamentava a desapropriação
por interesse social de propriedades superiores a quinhentos hectares localizadas
na faixa contígua às rodovias e ferrovias federais, com dez quilômetros medidos
a partir das margens, além daquelas beneficiadas por investimentos federais em
obras de irrigação, drenagem e açudes.
Em 26 de março uma nova revolta militar eclodiu no Rio de Janeiro. O
Ministro da Marinha decretara a prisão de marinheiros e cabos que comemoravam
o segundo aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil,
entidade hostilizada pelo alto oficialato. Em resposta à repressão, os associados
se recusaram, por três dias, a abandonar o Sindicato dos Metalúrgicos, local onde
ocorria a solenidade. O presidente Jango resolveu agir, anistiando os rebelados, o
que foi mais uma vez explorado pela direita, que o acusou de agir contra a autori-
dade dos comandantes militares, pretexto que reforçou a conspiração.
No dia 30 de março, pela madrugada, o General Olympio Mourão Filho,
comandante da 4ª Região Militar sediada em Juiz de Fora, partiu com suas tropas,
rumo a Brasília, com o intuito de depor o presidente João Goulart. Em suas memó-
rias, o General Carlos Guedes (1979), responsável pelo comando militar do IPES
em Minas Gerais, relata que os conspiradores agiram paralelamente, mas, após
Mourão Filho antecipar a deflagração da quartelada, restou aos demais apoiá-lo. O
então Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, fez o mesmo. Assim como
ele, Carlos Lacerda e outros políticos golpistas imaginavam que a intervenção mi-
litar seria temporária, com o governo federal rapidamente devolvido aos civis con-
servadores.
Tentando resistir, o CGT convocou a greve geral, mas a participação foi
insuficiente para deter as forças golpistas. No dia 1º de abril, Jango partiu para o
Rio Grande do Sul, onde Brizola e o comandante do III Exército, General Ladário
Telles, o aguardavam. Mas àquela altura, boa parte das Forças Armadas já havia
aderido ao golpe. Temendo uma guerra civil, Jango optou por exilar-se. Antes mes-
mo que deixasse o solo nacional, o Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade,
demonstrando seu alinhamento com o plano em curso, declarou vaga a Presidência
da República.

3.3 A ditadura militar (1964-1985)


21

3.3.1 Os anos iniciais

No dia 9 de abril de 1964 uma junta militar composta pelos Comandan-


tes das três Forças Armadas publicou o Ato Institucional nº 1 (AI-1) documento
no qual o novo governo mantinha a Constituição de 1946, mas decretava que a
eleição do presidente e vice-presidente deveria ocorrer por maioria absoluta entre
os membros do Congresso Nacional. Dessa maneira, foi escolhido dois dias depois
o general Humberto Castelo Branco, candidato único do pleito. O AI-1 também
estabeleceu que o mandato do novo presidente se estenderia até 31 de janeiro de
1966, quando o documento deveria expirar.
À junta militar também era garantida a prerrogativa de suspender direi-
tos políticos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, assim
como eliminar a vitaliciedade e a estabilidade dos servidores públicos – vinculados
ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário. Em prol do autoproclamado “interesse
da paz e da honra nacional”, iniciou-se o expurgo dos oposicionistas no Congresso,
nas Forças Armadas e na Administração Pública. Entre 1964 e 1973, 4.841 pessoas
que ocupavam cargos de representação pública e de serviço público foram sumaria-
mente afastadas de seus cargos pelos sucessivos governos militares (FIGUEIREDO
apud CARVALHO, 2013, p. 164). Entre os cassados se encontravam personagens
destacadas na vida política nacional, como João Goulart, Juscelino Kubitschek, Jâ-
nio Quadros, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes.
Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa antecipou-se ao AI-1: em 8 de
abril de 1964 cassou os mandatos dos deputados Sinval Bambirra (PTB), Clodsmi-
dt Riani (PTB) e José Gomes Pimenta, o “Dazinho” (PDC). Os três foram acusados
por suposta quebra de decoro parlamentar devido ao envolvimento em atividades
sindicais: o primeiro era do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação
e Tecelagem; o segundo, vinculado ao Sindicato dos Trabalhadores na Indústria
de Energia; e o último, ligado ao Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Ex-
ploração do Ouro e Metais Preciosos (FARIA; DULCI, 2005, p. 252). Ademais,
em Minas Gerais, pelo menos 900 pessoas foram entre os meses de abril e junho
(COVEMG, 2017, vol. 1, p. 74).
Na capital federal, o General Castelo Branco demonstrava um estreito ali-
nhamento aos interesses dos empresários estimuladores e patrocinadores do golpe,
dando início a uma política econômica conservadora e liberal, que incentivava o
investimento de capitais estrangeiros e continha os gastos públicos por meio do
arrocho salarial (REIS FILHO, 2014, p. 55). A idade mínima de trabalho foi redu-
zida, a estabilidade no emprego extinta, as greves proibidas e as entidades sindicais
reprimidas.
22

O movimento de resistência à ditadura teve início logo após o golpe de


1964 e era composto por pessoas de diferentes setores da sociedade, com desta-
que para os estudantes. O movimento estudantil foi uma das maiores forças opo-
sicionistas ao regime militar principalmente pela sua capacidade de mobilização
popular e de organização de manifestações reivindicatórias, no entanto, sofreu,
imediatamente após o golpe, medidas de repressão, como, por exemplo, o corte das
verbas oficiais aprovadas pela Câmara dos Deputados para as entidades estudan-
tis e, ainda, a repressão à ideologia e às iniciativas adotadas pela União Nacional
dos Estudantes (UNE). Em 09 de novembro de 1964 foi instituída a Lei nº 4.464,
chamada Lei Suplicy, que estabeleceu uma nova política para o meio universitá-
rio, extinguindo a UNE e as demais entidades estudantis existentes. Outra medida
repressiva utilizada pelo regime foi a incursão de estudantes na Lei de Segurança
Nacional.
Apesar da repressão, o governo de Castelo Branco tentava forjar uma apa-
rência democrática ao manter o Congresso aberto e permitir a realização de elei-
ções. Contudo, em 27 de outubro de 1965, a fim de atribuir ao Executivo maiores
prerrogativas, o governo baixou o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que prorrogou o
mandato presidencial, reforçou o simulacro de eleições indiretas para presidente,
aumentou o número de ministros do STF e dissolveu os partidos políticos. Ficou
instituído, assim, um bipartidarismo cujas agremiações políticas passaram a re-
organizar-se em duas legendas oficiais: a Aliança Renovadora Nacional (Arena),
e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Naquele ano ocorreram eleições
gerais. O partido assumidamente governista, a Arena, amargou derrotas no Estado
da Guanabara, com a eleição de Negrão de Lima, e em Minas Gerais, onde a maio-
ria sufragou o nome de Israel Pinheiro. Na sequência, milhares de novas cassações
ocorreram, incluindo a de políticos filiados ao próprio partido governista. Segundo
o Relatório Final da Covemg, 6 deputados estaduais e um suplente tiveram seus
mandatos cassados em Minas Gerais até o final da ditadura militar, além de 14 de-
putados federais e 3 suplentes. Nos municípios mineiros, 2 prefeitos, um vice-pre-
feito, 3 vereadores e um suplente também perderam mandatos e direitos políticos.
A outorga do AI-2 facilitou a aproximação de três grandes expressões po-
líticas nacionais: o jornalista e ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que,
embora tenha apoiado o golpe de 1964, se viu marginalizado pelo regime ditato-
rial; o ex-presidente Juscelino Kubitschek, cujos direitos políticos já haviam sido
cassados em junho de 1964; e o ex-presidente João Goulart, que se encontrava
exilado em Montevidéu. A denominada Frente Ampla, que articularam, defendia a
redemocratização do País, uma reforma partidária, o crescimento econômico e a
soberania nacional em face de interesses externos. Realizaram-se comícios na cida-
de paulista de Santo André e, com mais de 15 mil pessoas, na paranaense Maringá.
23

Em 1968, a aliança foi posta na ilegalidade pelo presidente Costa e Silva (LAMA-
RÃO; 2018). Em agosto de 1976, Juscelino Kubitschek, que fora preso antes de
exilar-se e retornara ao Brasil, morreu em misterioso acidente de carro. Tal caso
foi investigado pela Covemg, que julgou plausível a existência de um assassinato
político. (COVEMG, 2017, vol. 1, p. 155).

Carro de JK após
o possível aten-
tado que causou
sua morte. Foto
do relatório final
da Comissão da
Verdade

Em fevereiro de 1966 foi editado o Ato Institucional nº 3 (AI-3), que torna-


va indiretas as eleições também para governador e vice, além de estabelecer que os
prefeitos das capitais fossem nomeados pelos governadores – mecanismo já experi-
mentado durante a ditadura Vargas (1937-1945). Dessa forma, garantia-se a posse
de políticos alinhados ao regime militar nos estados e municípios. Meses depois, o
Congresso “elegeu” para presidente o General Artur da Costa e Silva, Ministro da
Guerra de Castelo Branco, e para vice o deputado arenista Pedro Aleixo. O novo e
mais uma vez imposto mandatário militar foi empossado em 15 de março de 1967.
Ainda em 1966, mesmo com a proibição imposta por Castelo Branco, a
UNE convocou seu 28° Congresso. Apesar de muita repressão, o conclave foi re-
alizado em 28 de julho de 1966, na cidade de Belo Horizonte. Os estudantes con-
taram com o apoio de religiosos franciscanos, que cederam o porão da Igreja São
Francisco de Assis, no Bairro Carlos Prates, para abrigar o evento, já que o DCE
da UFMG – local onde o Congresso aconteceria – estava cercado pelo aparato po-
24

licial-militar (COVEMG, 2017, vol. 5, p. 28-29). Em clima de insegurança, pela pos-


sibilidade real de invasão e prisão, os delegados deram início às discussões. Ao fim
foram aprovados dois documentos: O Plano de Ação (1966-1967) e a Declaração
de Princípios da UNE. Também foram eleitos a nova diretoria e seu presidente, o
universitário mineiro José Luiz Moreira Guedes, pertencente à Ação Popular (AP).
Devido à repressão imposta pelo regime, alguns setores oposicionistas
passaram a considerar e discutir novas estratégias e táticas, inclusive a opção pela
luta armada. Em 1967, no congresso da Organização Revolucionária Marxista –
Política Operária (Polop), militantes de Minas Gerais e da Guanabara romperam
com a agremiação e formaram uma nova corrente revolucionária, o Comando de
Libertação Nacional (Colina), cuja maioria dos membros era extremamente jovem:
mais da metade tinha menos de 25 anos. Posteriormente, o Colina realizou em Mi-
nas Gerais 6 ações armadas. Ainda em 1967, o Comitê Municipal do PCB em Belo
Horizonte também se inclinou pela resistência armada e, desligando-se do partido,
formou a Corrente Revolucionária de Minas Gerais, que durante sua curta duração
realizou 9 ações armadas, sendo desorganizada em 1969. No tocante à AP, muitos
militantes entraram na clandestinidade a partir de 1968, alguns se integrando ao
movimento operário, outros se implantando em regiões rurais para trabalhar junto
ao campesinato e preparar futuras áreas guerrilheiras.
Em fins de 1966 e início de 1967 as táticas governamentais e os rumos da
ditadura militar não eram unanimidade no ambiente das Forças Armadas. A cha-
mada ala “castelista”, encabeçada pelo primeiro presidente militar imposto pelo
golpe, buscou a consolidação do que denominava ser uma “democracia restrin-
gida”. Castelo contava com o apoio de alguns liberais-conservadores da UDN e
outros políticos pró-regime, o que gerava a especulação de que seria favorável à
entrega do governo central a um civil. Já os militares ditos “linha-dura”, grupo ao
qual pertencia Costa e Silva, defendiam não apenas o aprofundamento do regime
militar, mantendo o centro de decisões totalmente fechado nas mãos do Alto Co-
mando e menosprezando as mediações políticas, como também julgavam necessá-
rio ampliar a repressão aos militantes e políticos, que chamavam pejorativamente
de “subversivos”, além de restringir mais ainda a participação de civis nas ativida-
des governamentais, chegando mesmo ao terrorismo de Estado.
Cabe destacar que a existência de uma “linha dura” não fazia da ala “cas-
telista” uma corrente “moderada” e muito menos justificava a tese de que teria
existido no Brasil uma “ditabranda”. Antes de afastar-se da presidência, o próprio
Castelo Branco se empenhou em impor uma nova Constituição, com vistas a conso-
lidar o aparato legal e estabilizar o regime arbitrário já amplamente contestado. Eis
por que, muito ao contrário de superar a exceção, a Carta nada mais fazia do que
institucionalizar a ditadura militar. Como último ato de seu governo, em janeiro
25

de 1967, Castelo outorgou a Carta ditatorial, incluindo em seu texto apenas umas
poucas contribuições deliberadas pelos deputados, que compunham o Congresso
Nacional.

3.3.2 Os anos de chumbo

Em 1967, quando tomava posse o General Costa e Silva, o país apresen-


tava uma tímida recuperação econômica, realizada à custa do congelamento de
salários. Impactados pelas políticas socais e econômicas dos governos militares,
bem como pela supressão das liberdades civis, sindicais e políticas, diversos setores
da sociedade foram às ruas para protestar em 1968. O movimento estudantil nesse
período foi marcado pela efervescência, amplitude e combatividade, dirigindo-se
contra a tentativa de eliminar as entidades representativas e a repressão policial-mi-
litar às manifestações e a espiral crescente de prisões políticas.
Estudantes manifestaram-se em todo o País contra a morte de Edson Luiz,
secundarista assassinado por policiais militares que invadiram o restaurante uni-
versitário Calabouço, no Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte, em uma das manifes-
tações pela morte do estudante, o então presidente do DCE da PUC Minas, Luiz
Gonzaga de Souza Lima, e o presidente do DCE da UFMG, Athos Magno Costa e
Silva, foram presos e levados ao DOPS.
Concomitantemente, o movimento operário, retraído desde o golpe de
1964, retornou à cena. Destacam-se três importantes greves, duas em Contagem
(MG) e Belo Horizonte, nos meses de abril e outubro, e outra em Osasco (SP), em
julho. A primeira greve de Contagem, ocorrida em abril, parou 20 mil metalúrgi-
cos e pegou o governo Costa e Silva de surpresa. O Ministro Jarbas Passarinho,
tendo fracassado em suas manobras, viu-se obrigado a negociar com os grevistas
e a conceder um abono salarial de 10%, afinal estendido nacionalmente (ROVAI,
2012, p. 39). Foi uma grande vitória. A greve de Osasco e a segunda paralisação
de Contagem foram duramente atingidas pelo aparato policial-militar, que assim
demonstrava preocupação com a ampliação e combatividade da oposição popular.
Intensificando-se, as manifestações nas fábricas, escolas, praças e ruas res-
soavam no Congresso. Em setembro de 1968, o deputado do MDB Márcio Moreira
Alves fez um corajoso discurso contra a invasão da Universidade de Brasília (UnB)
pela polícia militar e entrou na mira da repressão: os governantes exigiram a cassa-
ção de seu mandato. A negativa do pedido pela Câmara dos Deputados evidenciou
as dificuldades do regime militar e foi um dos pretextos para a publicação do Ato
Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968. O AI-5 vigorou até dezembro de
26

1978 e autorizou o Executivo a: decretar recesso nas casas legislativas, confiscar


bens, cassar direitos políticos de qualquer cidadão, intervir em estados ou municí-
pios e suspender o direito de habeas corpus – tudo isso sem qualquer interferência
do poder judiciário. Em seguida à sua publicação, foram detidos Carlos Lacerda e
Juscelino Kubitschek, assim como cassados onze deputados federais. Para driblar
a censura, o Jornal do Brasil relatou o clima político na coluna de meteorologia:
“Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo
varrido por fortes ventos.” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 455).
Em 1969, 333 parlamentares, chefes de executivos e políticos oposicionis-
tas tiveram seus direitos políticos cassados, incluindo 78 deputados federais, 5 se-
nadores, 151 deputados estaduais, 22 prefeitos e 23 vereadores. O governo Costa
e Silva fechou o Congresso Nacional, afastou 66 professores universitários, ocupou
várias sedes de jornais e fechou emissoras de televisão e rádio, além de prender
artistas, intelectuais e militantes políticos. Nesse mesmo ano foram escritas as Car-
tas de Linhares por presos políticos, denunciando as torturas e assassinatos que
sofreram ou presenciaram na cadeia.
O AI-5 institucionalizou a censura aos meios de comunicação e legalizou
a presença frequente de censores nas redações. As pautas passavam pelo crivo
do regime militar antes de serem publicadas, ficando as redações submetidas a
inspeções periódicas. O órgão responsável pelo controle direto dos meios de co-
municação era a Comissão Nacional de Telecomunicações (Contel), que estava sob
a coordenação do Serviço Nacional de Informações (SNI) e dos Departamentos de
Ordem Política e Social (DOPS).
Para a manutenção do regime militar os governantes
montaram um sofisticado aparato de informação e repressão. Já
em 1964 o general Golbery do Couto e Silva criou, a partir de
arquivos do IPES, o SNI, com o objetivo de supervisionar e coor-
denar as atividades de informações e contrainformações no Bra-
sil e no exterior. A estrutura do SNI fornecia ao sistema repres-
sivo uma capilaridade sem precedentes, ramificando-se através
das agências regionais, das Divisões de Segurança e Informações
(DSI) instaladas em cada ministério civil e das Assessorias de
Segurança e Informação (ASI) criadas em cada órgão público e
autarquia federal.
Além desses órgãos, a ditadura militar utilizou-se tam-
Primeira página da
Carta de Linhares. bém dos Dops já existentes nos estados. Em 1967, criou ainda o Centro de Informa-
Foto do relatório ções do Exército (CIE), que atuava simultaneamente na coleta de informações e na
final da Comissão
da Verdade repressão direta. Igualmente temidos eram o Centro de Informações da Marinha
(Cenimar), criado em 1957, e o Centro de Informações de Segurança da Aeronáuti-
27

ca (Cisa), criado em 1970. Nesse mes-


mo ano foram implantados os Centros
de Operação e Defesa Interna (Codi)
e os Destacamentos de Operação In-
terna (DOI), os famigerados DOI-Codi
que por decreto presidencial passaram
a centralizar o aparato e as operações
repressivas nas cidades e no campo.
Os sucessivos governos mi-
litares transformaram a repressão e
Revista Circus de
a eliminação física de opositores políticos em política de Estado. A efetivação
1975 com carimbos
da censura federal. dessa diretriz foi projetada e operacionalizada mediante cadeias de comando
Foto do relatório
militarizadas nos poderes estatais, que se estenderam aos agentes públicos e a
final da Comissão
da Verdade membros da sociedade civil, permitindo que os partidos, entidades representa-
tivas e pessoas incorporadas à resistência , nomeadas sistematicamente como
“subversivas”, “bandidas” e até “terroristas”, fossem perseguidas, detidas, tor-
turadas e exterminadas.
Enquanto o aparato repressor atuava, o país ingressou em um período de
expansão econômica, no qual a taxa de inflação alcançou os menores índices desde
1959. (PRADO; EARP, 2003, p. 222). Os setores de comércio e construção civil
voltaram a crescer e a exportação se diversificou a partir da ampliação do crédito.
O chamado “milagre econômico”, que aproveitou as condições internacionais favo-
ráveis, era celebrado e propagandeado no discurso oficial, inclusive nos meios de
comunicação, buscando isolar e sufocar as críticas oposicionistas.
O “milagre” fez despertar nas camadas médias urbanas um sentimento de
otimismo, alimentado pela propaganda ufanista. Embora os trabalhadores aprovei-
tassem as vagas de emprego então abertas com o fim da recessão, beneficiavam-se
mais os setores de renda intermediária e elevada, pela possibilidade de acesso a
bens de consumo duráveis. Sobretudo, ganhava o grande capital monopolista-fi-
nanceiro associado e multinacional, que, a partir da política econômica e das fa-
cilidades adotadas pelos governos militares, concentrou e centralizou seus ativos.
A euforia conservadora foi ameaçada quando o Procurador-Geral da República,
Jader de Figueiredo Correia, em 1968, apresentou os resultados devastadores da
comissão encarregada de apurar irregularidades no Serviço de Proteção ao Índio
(SPI). Considerando-as “o maior escândalo administrativo do país” (MUSEU DO
ÍNDIO. Relatório Figueiredo, v. 20, 1967, p. 380), o Relatório Figueiredo – como
ficou conhecido o documento – trazia diversas denúncias sobre “crimes contra o
patrimônio indígena” e relatos sobre “crimes contra a pessoa”, tais como assassi-
natos individuais ou coletivos, prostituição e trabalhos sem direitos legais ou até
28

Mapa contendo
distribuição dos
centros de re-
pressão e tortura
em Belo Horizonte.
Foto do relatório
final da Comissão
da Verdade
29

forçados. A omissão do SPI na contenção do extermínio dos indígenas foi escanca-


rada pelo documento, que alcançou repercussão internacional. De fato, a violência
dirigida aos povos indígenas, identificada pela comissão de Correia, chocou seus
membros, que revelaram sua indignação. Exemplo foi a descrição sobre o “Mas-
sacre do Paralelo Onze”, em que os requintes de crueldade e impunidade ficaram
sublinhados:

“[...] os Cintas-Largas, no Mato Grosso, teriam sido exterminados a di-


namite atirada de avião, e a estricnina adicionada ao açúcar, enquanto
os mateiros os caçam a tiros de “pi-ri-pi-pi” (metralhadora) e racham
vivos, a facão, do púbis para a cabeça, o sobrevivente!!! Os criminosos
continuam impunes, tanto que o presidente desta Comissão viu um
dos asseclas deste hediondo crime sossegadamente vendendo picolé à
crianças em uma esquina de Cuiabá, sem que a justiça matogrossense
o incomode”. (MUSEU DO ÍNDIO. Relatório Figueiredo, v. 20, 1967,
p. 382).

De acordo com Shelton Davis (1977), após a divulgação do Relatório Fi-


gueiredo jornais internacionais passaram a exigir que as Nações Unidas investigas-
sem o genocídio indígena. Nessa época, a revista alemã Der Spiegel, de Hamburgo,
publicou uma fotografia da índia Cinta-Larga assassinada e descrita no relatório de
Correia.
Apesar da comoção mundial, as denúncias se arrefeceram com a divul-
gação dos planos governamentais para o desenvolvimento econômico. O anúncio
sobre a construção da Transamazônica, rodovia que ligaria sete estados brasileiros,
captou olhares estrangeiros, pelo potencial de riqueza oferecido com o desenvol-
vimento econômico da região amazônica, sendo negligenciado o impacto causa-
do nas populações tradicionais da região (DAVIS; 1978, p. 37). Paralelamente,
foi criada, em dezembro de 1967, a Fundação Nacional do Índio (Funai), com a
promessa de moralizar o quadro administrativo indigenista e responder às denún-
cias internacionais. Naquele momento, servidores de um Posto Indígena (PI) foram
expulsos por índios Maxakali, em resposta à péssima assistência prestada e ao
arrendamento de terras indígenas. Incapaz de conter a rebelião, o SPI solicitou a
intervenção de forças policial-militares na área, sendo enviado um destacamento do
contingente rural, comandado pelo major Manoel dos Santos Pinheiro, da PMMG.
Pouco tempo depois, o mesmo oficial foi nomeado chefe da Ajudância Minas Bahia
(AJMB) e, com o aval do primeiro presidente da Funai, José de Queirós Campos,
criou duas instituições que atingiram indígenas de todo o país: a Guarda Rural
Indígena (Grin) e o Reformatório Krenak.
Entendendo o índio como capaz de “resolver um problema de segurança
30

nacional”, Pinheiro recrutou 18 indígenas de 5 etnias diferentes para receberem


treinamento policial no Batalhão Escola da Polícia Militar em Belo Horizonte (Jor-
nal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 ago. 1972). Instruídos com aulas de marcha e
desfile, “moral”, “cívica”, manejo de armas, ataque, defesa e até práticas de tortu-
ra, os membros da Grin foram enviados de volta a suas respectivas aldeias, onde
foram encarregados de: “manter a ordem interna e assegurar a tranquilidade dos
aldeamentos, através de medidas preventivas e repressivas” (FUNDAÇÃO NACIO-
NAL DO ÍNDIO. FF SPP-NO Cx. 244 Doc. 4441. Roteiro de Regulamento da
Grin. 1972. p. 5-6). Para o governo militar era essencial que a Funai superasse os
escândalos de corrupção e críticas de genocídio noticiados internacionalmente nos
anos derradeiros do SPI, criando e instrumentalizando a Guarda como vitrine da
“moralização” política e administrativa, mas ocultando seu papel repressivo e ma-
nipulador de populações indígenas.
Simultaneamente à criação da Grin, ergueu-se o Reformatório Krenak na
terra indígena homônima, situada no município de Resplendor, Minas Gerais. A
instituição foi implantada por Marco Tilo Gomes com o pretexto de receber in-
dígenas infratores de todo o país, a fim de recuperá-los e enviá-los de volta a suas
aldeias. Conforme José Gabriel Corrêa (2000, p. 156),

“O envio ao reformatório tinha um procedimento básico que se inicia-


va com a denúncia do(s) índio(s) ou do(s) incidente(s) pela administra-
ção local (chefe ou posto) ou regional (chefe da delegacia regional), e o
pedido de ‘solução’ para o ‘problema’ à direção da Funai. Dentro deste
procedimento não estavam incluídos os índios assistidos pela Ajudân-
cia Minas-Bahia e os guardas rurais indígenas, que nestes casos não
passavam por decisão da direção da Funai para serem enviados, sendo
remetidos por ordem direta do chefe da AJMB. Após a definição de
sua transferência para o reformatório, o(s) índio(s) eram enviados para
a sede da AJMB, e de lá escoltados para o reformatório, para cumpri-
mento de seu estágio recuperador.”

Transferidos arbitrariamente para o Reformatório Krenak, os indígenas


eram mantidos no local sob constante vigilância. Supostas indisposições para o tra-
balho, embriaguez, roubo ou até simples desentendimentos com o chefe de PI eram
alguns dos motivos pelos quais mais de uma centena de indígenas foram enviados
para o reformatório. Na instituição, condutas consideradas irregulares implicavam
reclusão em uma pequena cela, denominada xadrez, ou mesmo torturas executa-
das por policiais e pelos próprios membros da Grin.
31

Desfile da Grin.
Foto do relatório
A violência, durante o regime militar, atingiu a grupos diversos , no campo final da Comissão
da Verdade
e nas cidades. Em Minas Gerais, no meio rural, exemplos foram os despejos de
posseiros ocorridos em 1964 e 1967, no povoado de Cachoeirinha, hoje município
de Verdelândia. Localizado a 200 quilômetros de Montes Claros, ou seja, no sertão
do norte mineiro, o povoado de Cachoeirinha ficou submetido por mais de 15 anos
a um regime em que a única lei era ditada pelo coronel da PMMG em Montes Cla-
ros, Georgino Jorge de Souza. Muitos trabalhadores rurais viveram sob observação
constante, inclusive com paredes de casas perfuradas e devassadas cotidianamente,
despejos de moradores feitos do dia para a noite e práticas de torturas em praça
pública, com pessoas amarradas em moirões. (COVEMG, 2017, vol. 2, p. 29-30).
As truculências ocorridas nos anos de chumbo deixaram marcas profun-
das, generalizadas e duradouras na sociedade, chegando mesmo a reprimir pessoas
que nem mesmo atuavam diretamente contra o regime militar.

3.3.3 Os anos de distensão

Em 15 de março de 1974, o General Ernesto Geisel tomou posse como


presidente do país. Embora o regime ditatorial-militar tentasse simular que o novo
mandatário fora eleito indiretamente por um Congresso soberano, na prática, cou-
be aos comandantes das Forças Armadas a sua escolha. Aliás, cinco anos antes, o
32

método já ficara claro com a morte súbita de Costa e Silva, quando seu vice, o civil
Pedro Aleixo, fora impedido de tomar posse, sendo preterido em benefício da junta
militar, deixando assim explícito o caráter do regime.
No primeiro ano de mandato, Geisel anunciou que daria início a uma
transição “lenta, gradual e segura”, mas o plano revelou sua falácia quando na
eleição de 1974 a Arena foi derrotada pelo MDB em 16 dos 21 estados da União.
Para frear o crescimento dos adversários nas eleições municipais, o governante fez
aprovar uma lei que proibia propagandas eleitorais que não fossem a mera imagem
do candidato e seu número de votação, enquanto um narrador lia o seu currículo.
A Lei Falcão, assim conhecida em referência ao seu criador, o ministro da Justiça
Armando Falcão, promoveu resultados positivos para Geisel, sendo eleitos 3.176
prefeitos e vereadores arenistas na eleição de 1976, enquanto o MDB elegeu 614
(REIS FILHO, 2014, p. 109).
Apesar do êxito da ditadura nas urnas, havia ainda no Congresso os
oposicionistas eleitos em 1974, que tentariam vetar qualquer tentativa de impor
contrarreformas constitucionais. Lançando mão do AI-5, Geisel fechou as casas
legislativas por duas semanas e outorgou o chamado Pacote de Abril. Entre as
medidas anunciadas, distorceu a representação proporcional na Câmara Federal,
fortalecendo a representação dos estados menos populosos, onde a Arena gozava
de maior expressividade, instaurou eleições indiretas para governador e estendeu o
seu próprio mandato de cinco para seis anos. O pacote instituiu ainda que um terço
dos senadores seria indicado indiretamente, por meio de colégios eleitorais forma-
dos por deputados estaduais e delegados das câmaras municipais. Tais políticos
se tornaram conhecidos como senadores “biônicos”, em referência a um seriado
norte-americano de sucesso da época. Por fim, o Pacote de Abril criou sublegendas
na eleição direta para senadores, de maneira que os partidos poderiam lançar até
três candidatos.
Diante da retomada do crescimento da inflação, a euforia vivenciada no
período anterior se esvaiu. Apesar do crescimento da oposição, Geisel encerrou
o mandato elegendo seu sucessor, o general João Batista Figueiredo. Antes disso,
conseguiu liquidar com vários segmentos opositores ao regime, exemplos são as
execuções de Pedro Pomar, Ângelo Arroio e João Batista Drummond, assim como
os assassinatos do operário Manoel Fiel e do jornalista Herzog.
Mesmo “saneado” o cenário político evoluiu para a crise final do regime
militar. Como descrito em módulo anterior, foi no governo Figueiredo que se deu a
aprovação da Lei da Anistia (1979), com a qual os agentes da ditadura militar ten-
taram precaver-se contra responsabilizações relativamente às arbitrariedades que
praticaram desde 1964.
Como vitória do movimento democrático, no ocaso de 1979 foi extinto o
33

bipartidarismo. Várias legendas se repaginaram ou surgiram: a Arena deu lugar ao


Partido Democrático Social (PDS); o MDB, acrescentou um “P” à sua sigla; mili-
tantes revolucionários sobreviventes, segmentos do movimento operário, ativistas
de causas populares, intelectuais de esquerda, membros de Comunidades Eclesiais
de Base e organizações sobreviventes da clandestinidade criaram o Partido dos
Trabalhadores (PT); Leonel Brizola retornou à cena política, fundando o Partido
Democrático Trabalhista (PDT) em substituição ao antigo PTB. Com o tempo tam-
bém se legalizaram vários partidos comunistas e socialistas, bem como se organi-
zaram outros.
Em 1982 ocorreram eleições diretas para governador, as primeiras desde
1965. As oposições obtiveram vitórias significativas em estados como São Paulo,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. No ano seguinte, os setores
populares iniciaram a luta por eleições diretas a presidente, que acabou assumindo
dimensão congressual mediante a Proposta de Emenda Constitucional Dante de
Oliveira. A campanha para que a emenda fosse aprovada ficou conhecida como
“Diretas Já” e percorreu várias capitais estaduais e se espraiou por centenas de ci-
dades, realizando comícios que mobilizaram multidões com camisas verde-amare-
las. Os manifestantes pressionavam o Congresso pela aprovação da emenda cons-
titucional que restabeleceria as eleições direitas para presidente e vice-presidente
da República. No entanto, mesmo com a maior parte dos deputados votando a seu
favor, a proposta foi derrotada pela bancada situacionista, que bloqueou a maioria
qualificada exigida.
Assim, a eleição presidencial permaneceu indireta, polarizando a disputa
no Colégio Eleitoral entre dois candidatos: os segmentos democráticos com voz
congressual, entre os quais havia uma clara maioria conservadora, liberal e mode-
rada, inclinada à conciliação, lançaram o peemedebista Tancredo Neves, governa-
dor de Minas Gerais, enquanto os governistas propuseram o nome do ex-governa-
dor de São Paulo, Paulo Maluf (PDS). Tancredo sondou militares sobre possíveis
resistências ao seu nome e aglutinou simpatias de governistas ao lançar como vice
o senador do Maranhão, José Sarney, que abandonara o PDS.
Entrava em curso uma redemocratização conservadora e conciliatória, na
qual se buscou a preservação da ordem econômica e institucional (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 486-487). Com uma diferença de 300 votos, Tancredo Neves
foi eleito presidente da República, mas, acometido por uma diverticulite e compli-
cações pós-operatórias, faleceu antes mesmo de tomar posse. Em seu lugar, assu-
miu Sarney, que desde 1964 se mostrara alinhado à ditadura militar.
34

3.3.4 A transição ao regime democrático (1985-1988)

O governo de José Sarney foi marcado por um estranho interregno: se o


Brasil não mais poderia ser caracterizado como uma ditadura, tampouco se podia
afirmar que estava consolidado um estado democrático de direito.
Em muitos casos, nomes de opositores e militantes continuavam sendo
anotados nos relatórios dos serviços de informação. Documentos divulgados pelo
Arquivo Nacional recentemente revelaram que durante o mandato de Sarney o SNI
conduziu investigações de aproximadamente 308 mil pessoas, sindicatos e parti-
dos políticos (VALENTE; 2012). A censura a produções nacionais consideradas
imorais também permanece sob responsabilidade do Departamento de Censura
Diversões Públicas (DCDP) até 1988, sendo a novela Vale Tudo a última a sofrer
interferências do regime. Por pressão da Igreja Católica, o Governo Sarney tam-
bém vetou o filme francês Je vous salue, Marie (Eu vos saúdo, Maria) de Jean-Luc
Godard em 1986.
Sem a instituição de uma ordem constitucional integrada por direitos fun-
damentais, o Brasil continuou a ser palco de graves violações aos direitos humanos.
Em Itacarambi, interior de Minas Gerais, 3 membros da etnia Xakriabá foram
assassinados por 15 jagunços dirigidos por um grileiro, episódio que ganhou re-
percussão internacional e que foi classificado como genocídio pelo Quarto Tribu-
nal Russell. Na região nordeste de Minas Gerais, no município de Bertópolis, 3
Maxakali foram assassinados em 1982, 1983 e 1987, todos em áreas de conflito
territorial. Com a atuação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo
vinculado à Igreja e criado em 1972, os casos repercutiram. Apenas um foi inves-
tigado, sendo constatada a participação de 3 vaqueiros, que atuaram a mando de
um fazendeiro. No meio rural mineiro, os anos de 1985 e 1986 foram marcados
pelo ápice da violência, de vez que registraram o maior número de camponeses
assassinados. (COVEMG, 2017, vol 2, p. 121-122)
Em outubro de 1988, após um longo processo de elaboração e votação,
a Constituição Federal foi promulgada com grande expectativa, expressando os
anseios da sociedade no período. Após 21 anos de ditadura militar e repressão polí-
tica, a Carta Magna de 1988 consagrou, em especial, os direitos individuais, dando
atenção ao princípio da dignidade humana e aos temas que lhe são conexos, como
a proibição à tortura e à prática de racismo como crime imprescritível e inafiançá-
vel. Também consagrou os direitos sociais em capítulo específico, com atenção aos
reclamos dos trabalhadores por liberdade sindical. No conjunto, tais dispositivos
integram os denominados direitos fundamentais.
35

A Constituição de 1988 foi um marco na proteção aos direitos humanos.


Todavia, após a sua promulgação, a garantia e a defesa da dignidade humana foram
insuficientes para se deterem as arbitrariedades cometidas contra os cidadãos. La-
mentavelmente, nem todos têm acesso aos direitos básicos, o que torna vulneráveis
muitos extratos da sociedade. No entanto, cabe destacar que a Carta Constitucio-
nal conferiu ao regime político o compromisso de assegurar os direitos humanos,
podendo responsabilizar agentes públicos por sua ação ou omissão quando os vi-
lipendiam. Trata-se, portanto, de um importante passo para sustentar o regime
democrático.
36

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