cadernos
metrópole
representação política
e governança metropolitana
Cadernos Metrópole
v. 14, n. 27, pp. 1-282
jan/jun 2012
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
CDD 300.5
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Conselho Editorial
Ana Maria Rapassi, Cibele Isaac Saad Rodrigues, Dino Preti, Dirceu de Mello (Presidente),
Marcelo da Rocha, Marcelo Figueiredo, Maria do Carmo Guedes, Maria Eliza Mazzilli Pereira,
Maura Pardini Bicudo Véras, Onésimo de Oliveira Cardoso
Coordenação Editorial
Sonia Montone
Revisão de português
Eveline Bouteiller
Revisão de inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Projeto gráfico, editoração e capa
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Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/
Brasil) Suzana Pasternak (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil)
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Minas Gerais/Brasil)
sumário
9 Apresentação
Governance and territorializa on: local welfare 41 Governance e territorialização: o welfare local
in Italy between fragmenta on and innova on na Itália entre fragmentação e inovação
Lavinia Bifulco
The weight of the metropolitan vote: 89 O peso do voto metropolitano: a representa vidade
the representa veness of metropolitan regions das regiões metropolitanas na Assembleia
in the Legisla ve Assembly of Paraná Legisla va do Paraná
Jéferson Soares Damascena
Celene Tonella
Habitus, planning and public governance 115 Habitus, planejamento e governança urbana
Nilton Ricoy Torres
Nego a ng the territory: the formula on 135 Negociando o território: a formulação do Plano
of the Strategic Master Plan of São Paulo Diretor Estratégico de São Paulo (2002-2004)
(2002-2004) Sidney Piochi Bernardini
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artigos
The tendency towards a degrading spa ality 155 A espacialidade degradante tendencial e o horizonte
and the horizon for poli cal space educa on de uma educação polí ca do espaço
Ulysses da Cunha Baggio
Gated communi es, me, space and society: 171 Condomínios fechados, tempo, espaço e sociedade:
a historical perspec ve uma perspec va histórica
Rita Raposo
Brasília: the straight lines in reverse 197 Brasília: as linhas retas pelo avesso
or the intersec on of usage ou no entrecortar do uso
Rosângela Vieira Neri Viana
Karla Chris na Ba sta de França
Ananda de Melo Mar ns
Changes in the socio-occupa onal structure 233 Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das
of the Brazilian metropolises, 1991-2000 metrópoles brasileiras, 1991-2000
Suzana Pasternak
8 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 1-282, jan/jun 2012
Apresentação
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Apresentação
10 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 9-13, jan/jun 2012
Apresentação
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Apresentação
Estado central, deslocam-se para autoridades locais. Nesse percurso, cristaliza-se a realidade de
um sentido contratual da cidadania social, em que prima o cidadão-consumidor sobre o cidadão
sujeito de direitos.
Na Itália, sublinha Bifulco, o movimento descentralizador elevou ao primeiro plano as
municipalidades e seus respectivos agentes: “o papel encenado pela política está ligado sobretudo
aos novos prefeitos, cujos poderes cresceram de maneira decisiva... com relação às políticas a
escala local é sem dúvida um elemento chave dessa renovação”. Importa notar aqui que, no
caso italiano, a fragmentação não implicou necessariamente a geração de uma governança
subótima, ao contrário, produziram-se vias inovadoras de gestão pública. A partir da análise de
duas ações de intervenção pública, sob o regime de contratos, a reforma dos serviços sociais e
os contratos de bairro, confirmou-se a última hipótese, em que prevaleceram incentivos a uma
quase institucionalização, mesmo sob a forma de contratos, de mecanismos de integração vertical
e horizontal de governança. O caso italiano fornece exemplos, portanto, de novos mecanismos de
governança desenhados a partir da reforma do estado, a qual não se traduz assim no abando da
vida social à lógica do mercado, com consequente fragmentação dos atores e sub-provisão de bens
públicos: “aconteceram processos de aprendizado institucional, graças aos quais as agregações
intermunicipais começaram a agir e a serem reconhecidas como novos atores públicos... em
alguns casos, planos e contratos dão prova de uma elevada capacidade integrativa”.
De alguma forma, deve-se assinalar que o artigo de Neil Brenner, Jamie Peck e Nik
Theodore – “Após a neoliberalização?” – fornece instrumental novo para a compreensão dos
constrangimentos externos às estruturas de governança nos estados nacionais e em suas
subunidades. Cabe assinalar, desde já, que a semântica proposta pelos autores não é isenta de
propósitos: ao recusar o conceito de neoliberalismo e lançar mão do conceito de neoliberalização,
pretendem assinalar que a implementação de novas práticas regulatórias a partir da década de
1970, orientadas para a extensão do escopo das estruturas do mercado, deve ser lida, antes de
mais nada, como processo. Um processo com dinâmicas distintas no espaço, temporalmente
descontínuo e permeado por tendências experimentais e híbridas. Antes de produzir algo como um
“regime liberal” – plenamente formado e que progressivamente se estenderia até compreender
todo o espaço regulatório global –, o processo de neoliberalização se articulou de maneira desigual
ao longo de lugares, territórios e escalas.
Assinalam, os autores, que esse desenvolvimento desigual da neoliberalização antes de
tratar-se de condição temporária, produto de uma institucionalização incompleta, representa uma
de suas características constitutivas. Conclusão óbvia quando se tem em vista que se trata de
processos dependentes da trajetória de origem (path dependency origin): na medida em que colide
com diversos cenários regulatórios herdados de rodadas anteriores (nacional-desenvolvimentismo,
socialismo e fordismo), o formato de articulação e institucionalização se caracterizará pela
heterogeneidade. Processos de neoliberalização têm seu formato definido tanto pela diversidade
dos contextos, como pelas distintas trajetórias de origem.
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Apresentação
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Apresentação
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Após a neoliberalização?*
After neoliberalization?
Neil Brenner
Jamie Peck
Nik Theodore
Resumo
À luz dos debates sobre as origens e implicações da Abstract
crise econômica global de 2008-2009, este ensaio Against the background of debates on the origins
apresenta um arcabouço teórico para analisar pro- and implications of the global economic crisis
cessos de reestruturação regulatória no contexto of 2008-2009, this essay presents a theoretical
do capitalismo contemporâneo. A análise gira em framework for analyzing processes of regulatory
torno do conceito de neoliberalização, que conside- restructuring under contemporary capitalism.
ramos ser uma palavra-chave para se compreender The analysis is framed around the concept of
as transformações regulatórias da nossa época. neoliberalization, which we view as a keyword
Inicialmente, oferecemos uma série de explicações for understanding the regulatory transformations
a respeito das definições que sustentam nossa con- of our time. We begin with a series of definitional
ceituação de neoliberalização como um processo clarifications that underpin our conceptualization
diversificado, geograficamente desigual e depen- of neoliberalization as a variegated, geographically
dente da trajetória. Nessa base, distinguimos três uneven and path-dependent process. On this basis,
dimensões dos processos de neoliberalização – we distinguish three dimensions of neoliberalization
experimentação regulatória; transferência interju- processes – regulatory experimentation; inter-
risdicional de políticas; e formação de regimes de jurisdictional policy transfer; and the formation of
normas transnacionais. Tais distinções formam a transnational rule-regimes. Such distinctions form
base para uma periodização esquemática de como the basis for a schematic periodization of how
os processos de neoliberalização têm se arraigado neoliberalization processes have been entrenched
em várias escalas espaciais e como se estendem at various spatial scales and extended across the
pela economia mundial desde a década de 1980. world economy since the 1980s. They also generate
Também geram uma perspectiva analítica para se an analytical perspective from which to explore
explorar vários cenários para formas contraneoli- several scenarios for counter-neoliberalizing forms
beralizadoras de reestruturação regulatória. of regulatory restructuring.
Palavras-chave: neoliberalização; contraneolibe- Keywords: neoliberalization; counter-
ralização; experimentos regulatórios; transferência neoliberalization; regulatory experiments; policy
de políticas; regimes de normas. transfer; rule regimes.
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Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
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Após a neoliberalização?
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Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
conforme Clarke, 2008; Peck, 2004; Saad-Filho em que necessariamente colidem com diversas
e Johnston, 2005; assim como Brenner et al., paisagens regulatórias herdadas de formações
2010). Ao invés disso, passamos diretamente e contestações regulatórias anteriores (incluin-
para um panorama de nossa própria orienta- do o fordismo, o nacional-desenvolvimentismo
ção teórica, que será, então, elaborada mais e o socialismo de estado), suas formas de arti-
detalhadamente em relação ao problema da culação e institucionalização são bastante he-
periodização, com referência aos desafios de se terogêneas. Assim, ao invés de esperar alguma
decifrar os desenvolvimentos contemporâneos forma pura, prototípica, de neoliberalização
(para declarações anteriores, conforme Brenner prevalente em contextos divergentes, conside-
e Theodore, 2002; Peck e Theodore, 2007; Peck ramos a diversificação – diferenciação sistêmi-
e Tickell, 2002). ca geoinstitucional – como um de seus aspec-
No nível mais geral, conceituamos neoli- tos essenciais e duradouros.
beralização como uma dentre várias tendências De acordo com Mittelman (2000, p. 4),
de mudança regulatória que foram desenca- a globalização representa “não um fenômeno
deadas no sistema capitalista global desde a único, unificado, mas uma síndrome de pro-
década de 1970: prioriza respostas baseadas cessos e atividades”. Sugerimos que é possível
no mercado, orientadas para o mercado ou conceituar a neoliberalização de maneira aná-
disciplinadas pelo mercado para problemas loga: ela também é mais bem entendida como
regulatórios; esforça-se para intensificar a uma síndrome do que como uma entidade, es-
comodificação em todos os domínios da vida sência ou totalidade singular. Desse ponto de
social; e, frequentemente, mobiliza instrumen- vista, uma tarefa-chave para qualquer analista
tos financeiros especulativos para abrir novas da neoliberalização é especificar o “padrão de
arenas para a realização capitalista de lucros. atividades relacionadas [...] dentro da econo-
Em nosso trabalho anterior, levantamos ques- mia política global” (Mittelman, 2000, p. 4) que
tões críticas sobre explicações estruturalistas constituem e reproduzem essa síndrome em
que veem a neoliberalização como um bloco lugares, locais, territórios e escalas que são, de
hegemônico abrangente, e também os argu- outro modo, diversos.
mentos pós-estruturalistas que enfatizam a
particularidade contextual radical de práticas
regulatórias e formas de subjetivação neoli- Definindo a neoliberalização
beralizadoras. Em contraste, consideramos a
neoliberalização uma forma diversificada de Como uma primeira abordagem a esta tarefa,
reestruturação regulatória: produz diferencia- propomos a seguinte formulação: a neolibe-
ção geoinstitucional em lugares, territórios e ralização representa uma tendência historica-
escalas; mas faz isso sistemicamente, como um mente específica, desenvolvida de maneira de-
aspecto penetrante, endêmico, de sua lógica sigual, híbrida e padronizada de reestruturação
operacional básica. Concomitantemente, enfa- regulatória disciplinada pelo mercado. Cada
tizamos a profunda dependência da trajetória elemento dessa afirmação necessita ser espe-
dos processos de neoliberalização: na medida cificado de maneira mais precisa.
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tendências mais amplas”, localizando as “cor- caráter constitutivamente desigual dos proces-
rentes turbulentas do desenvolvimento geográ- sos de neoliberalização, conforme delineado
fico desigual” que são produzidas através dos acima. Embora descrições globalistas tenham
processos de neoliberalização. enfatizado produtivamente a capacidade de
Como enfrentar esse desafio? Como se- atores e instituições hegemônicos de impor
ria um mapa em movimento dos processos de parâmetros disciplinados pelo mercado so-
neoliberalização que ocorreram durante os úl- bre instituições subordinadas e configurações
timos 30 anos? Com algumas exceções dignas regulatórias, relatos sintonizados localmen-
de nota, as literaturas existentes sobre neolibe- te e regionalmente têm focado, em geral, as
ralização têm produzido não mais do que res- transformações regulatórias que parecem ser
postas parciais a esse desafio, principalmente circunscritas a territórios subnacionais par-
devido a suas conceituações inadequadas de ticulares ou nichos escalares. O conceito de
desenvolvimento regulatório desigual (Brenner neoliberalização propiciou que pesquisadores
et al., 2010). Embora tenham identificado as em ambas as vertentes desta discussão vin-
características-chave das paisagens perpe- culassem suas análises a metanarrativas mais
tuamente mutantes da mudança regulatória amplas sobre formas pós-1970 de reestrutura-
pós-1970 disciplinada pelo mercado, a maioria ção e reorganização regulatória induzidas pela
das explicações não se preocupa muito em re- crise. Contudo, esse conceito é frequentemente
lacionar esses elementos uns aos outros, nem empregado imprecisamente ou sem a devida
às “correntes mais amplas de desenvolvimento reflexão, como se fosse um explanans autoevi-
geográfico desigual” às quais Harvey se refere. dente, ao passo que os próprios processos aos
Por exemplo, a maior parte da literatura quais se refere requerem interrogação e expla-
sobre neoliberalização ainda focaliza os reali- nação continuadas.
nhamentos de políticas em nível nacional. Tais O trabalho recente de Simmons, Dobbin
relatos frequentemente aludem a contextos e Garrett (2008) aborda muito mais explici-
geoeconômicos e geopolíticos, mas tendem tamente a questão de como os processos de
a pressupor a suposição metodologicamente neoliberalização evoluíram ao longo do tempo
nacionalista de que os estados nacionais repre- e do espaço. Sua análise examina os diferen-
sentam a unidade natural ou primária da trans- tes impactos de quatro mecanismos causais
formação regulatória (para críticas, cf. Brenner, distintos – coerção, competição, aprendizado
2004; Peck e Theodore, 2007). Tais tendências e emulação – ao explicarem o que os autores
metodologicamente nacionalistas têm sido caracterizam como a “difusão” do liberalismo
neutralizadas com sucesso quando a neolibera- econômico no final do século XX (Simmons et
lização é tratada como um bloco globalmente al., 2008, p. 2, passim). Entretanto, a preocupa-
hegemônico, assim como em trabalhos mais ção dos autores em adjudicar entre esses me-
recentes sobre a neoliberalização da governan- canismos causais é acompanhada de uma teo-
ça urbana e regional. No entanto, por mais va- rização pouco desenvolvida do próprio proces-
liosos que sejam tais engajamentos, nenhuma so de neoliberalização, que é retratado como
vertente da discussão abordou plenamente o uma “disseminação” de protótipos de políticas
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Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
orientadas para o mercado em territórios na- qualquer esforço para se construir o “mapa em
cionais, dentro de um sistema internacional movimento” da neoliberalização visualizado
interdependente (para uma crítica bem-argu- por Harvey (2005).1
mentada, cf. Peck, 2010b). Além das tendências
metodologicamente nacionalistas dessa abor-
dagem, a metáfora da difusão contém sérias
limitações como base para se compreender as
Três dimensões analíticas
geografias desiguais dos processos de neolibe-
ralização durante os últimos 40 anos. A neo- Para abordar essas tarefas, distinguimos três
liberalização não foi simplesmente inventada dimensões analíticas centrais dos processos de
em um local (nacional) e depois projetada – neoliberalização:2
por coerção, competição, aprendizado, imitação ● experimentos regulatórios: projetos específi-
ou qualquer outro mecanismo – em círculos cos de locais, territórios e escalas, elaborados
progressivamente maiores de influência territo- para impor, intensificar ou reproduzir modalida-
rial. Ao invés disso, “assemelha-se mais a um des de governança disciplinadas pelo mercado.
regime multipolar de (re)mobilização contínua, Tais projetos são necessariamente dependentes
que é animado e reanimado tanto pelas falhas da trajetória, e geralmente envolvem tanto um
das ondas anteriores de intervenção e regula- momento destrutivo (esforços para reverter ar-
ção inadequadas, como por visões estratégicas ranjos regulatórios não-mercado, antimercado,
inovadoras” (Peck, 2010b, p. 29). ou que restringem o mercado) como um mo-
Assim compreendidas, as geografias da mento criativo (estratégias para promover uma
neoliberalização não emanam para fora a par- nova infraestrutura político-institucional para
tir de um ponto de origem para “preencher” formas regulatórias mercantilizadas) (Brenner e
outras zonas de regulação geograficamente Theodore, 2002; Peck e Tickell, 2002). Esse as-
dispersas. Ao invés disso, como enfatizamos pecto da neoliberalização tem sido investigado
em nosso esboço, estamos lidando com um de forma abrangente pela vasta literatura ba-
processo multicêntrico e dependente da tra- seada em estudos de caso sobre exemplos na-
jetória, cuja dinâmica evolucionária e conse- cionais, regionais e locais da forma regulatória
quências político-institucionais transformam neoliberal.
continuamente as condições globais, nacionais ● sistemas de transferência interjurisdicional
e locais sob as quais as estratégias subsequen- de políticas: mecanismos institucionais e re-
tes de reestruturação regulatória emergem e des de compartilhamento de conhecimentos
se desenvolvem em todas as escalas espaciais. através dos quais protótipos de políticas neoli-
Também é crucial perceber que os processos de berais circulam por locais, territórios e escalas,
neoliberalização são espacialmente desiguais, geralmente transnacionalmente, para serem
temporalmente descontínuos e permeados por reempregados em outro local. Ao estabelecer
tendências experimentais, híbridas e frequente- certos tipos de estratégias regulatórias como
mente autoenfraquecedoras. Acreditamos que “prototípicas”, tais redes aumentam a legiti-
tais considerações devem estar no centro de midade ideológica dos modelos de políticas
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Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
Década
Sistemas neoliberalizados de transferência de políticas são cada vez mais mobilizados para abordar as tendências
de 1990
de crise e as contradições engendradas através de séries anteriores de reestruturação regulatória impulsionada pelo
mercado
Nota: as células sombreadas denotam as dimensões da reestruturação regulatória nas quais as tendências de neoliberalização
têm sido mais pronunciadas. Mesmo nas células sombreadas, contudo, outras formas de reestruturação regulatória coexistem
junto a tendências de neoliberalização.
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Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
o GATT e, até o início da década de 1970, o são projetados para impor parâmetros disci-
acordo de Bretton Woods, haviam estabelecido plinados pelo mercado a instituições e forma-
um arcabouço amplamente keynesiano para a ções políticas nacionais e subnacionais, talvez
produção e o comércio mundiais, um regime de possa ser considerada uma das consequências
normas que tem sido descrito como “liberalis- de maior alcance das últimas três décadas de
mo incrustado” (Ruggie, 1982) ou “constitucio- reforma político-econômica neoliberalizadora.
nalismo progressivo” (Gill, 2003). Embora tais As cartografias dinâmicas da neolibe-
arranjos tenham sido desestabilizados durante ralização aqui esboçadas envolvem rastrear
as décadas de 1970 e 1980, somente na déca- sistematicamente o desenvolvimento desigual
da de 1990 um regime de normas pós-keyne- e a circulação transnacional dos modelos de
siano, neoliberalizado e global foi consolidado. políticas neoliberalizadas, além de seus impac-
Através da construção do redesenho discipli- tos diversificados, dependentes da trajetória e
nado pelo mercado dos arranjos institucionais contextualmente específicos, em locais, territó-
globais e supranacionais, incluindo-se desde a rios e escalas diversos. Contudo, embora esse
OCDE, o Banco Mundial e o FMI até a OMC, desenvolvimento desigual dos processos de
a CE pós-Maastricht e o NAFTA, entre outros, neoliberalização tenha sido claramente essen-
os processos de neoliberalização passaram a cial para a paisagem global da reestruturação
impactar e reestruturar os próprios arcabou- regulatória pós-1970, representa apenas uma
ços geoinstitucionais que governam as formas camada dentro de um processo multidimensio-
nacionais e subnacionais de experimentação nal de destruição criativa institucional e espa-
regulatória. Essa configuração geoinstitucional cial. Pois, como indica a linha inferior da Figura
tendencialmente neoliberalizada é frequente- 1, os processos de neoliberalização também
mente referida como o “Consenso de Washing- transformaram os próprios arcabouços geoins-
ton”, mas seus elementos regulatórios e suas titucionais dentro dos quais o desenvolvimento
geografias político-econômicas não podem ser regulatório desigual se desenrola, fazendo com
reduzidos a um projeto hegemônico puramen- que formas contextualmente específicas de ex-
te baseado nos EUA. Ao invés disso, o “novo perimentação regulatória e transferência inter-
constitucionalismo” associado ao regime de jurisdicional de políticas sejam canalizadas ao
normas global, neoliberalizado e ascendente longo de caminhos com tendência a serem dis-
também depende de acordos de condiciona- ciplinados pelo mercado. Esse regime de nor-
lidade impostos pela OMC; órgãos regulató- mas certamente não diminuiu nem dissolveu a
rios supranacionais e zonas regionais de livre dependência endêmica da trajetória e a espe-
comércio, como a CE, NAFTA, CAFTA, APEC e cificidade contextual dos projetos de reforma
ASEAN; organizações multinacionais como o neoliberalizadores. Porém, transformou qualita-
G8 e a OCDE; assim como órgãos econômicos tivamente o que poderia ser chamado o “con-
globais quase independentes, como o Banco texto do contexto”, isto é, o terreno político,
de Compensações Internacionais (Gill, 2003). institucional e jurídico dentro do qual os cami-
A consolidação desses regimes de normas nhos local, regional e nacionalmente específi-
neoliberalizados globais e supranacionais, que cos da reestruturação regulatória são forjados.
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Após a neoliberalização?
Acreditamos que nenhum mapa em movimento regulatória. Conforme indicado pelo padrão
da neoliberalização pode ser completo se não sombreado na figura, cada um dos quatro ce-
der atenção a esses arcabouços macroespaciais nários envolve um grau diferente de neolibera-
e parâmetros político-institucionais, pois têm lização, definido, em cada caso, com referên-
implicações cruciais para os processos contex- cia a uma combinação entre as três dimensões
tualmente situados de experimentação regula- listadas na linha superior.
tória, sejam eles disciplinados pelo mercado ou O cenário da neoliberalização zumbi é
controladores do mercado. retratado na primeira linha. Nesse cenário, ape-
sar de suas consequências disruptivas e destru-
tivas, a crise econômica global de 2008-2009
não mina significativamente as tendências
Cenários de neoliberalização das últimas três décadas
de contraneoliberalização (Peck, 2009). O regime de normas neolibera-
lizado que havia sido consolidado durante a
As trajetórias de médio e longo prazo dos pa- década de 1990 e o início da década de 2000
drões contemporâneos da reestruturação regu- pode ser recalibrado ou reconstituído para
latória são inerentemente imprevisíveis; neces- restringir certas formas de especulação finan-
sitam ser iniciadas através de lutas incrustadas ceira, mas sua orientação básica em direção
em conjunturas específicas, provocadas pelas à imposição de parâmetros disciplinados pelo
contradições das primeiras ocorrências de neo- mercado sobre economias supranacionais, na-
liberalização. Todavia, as considerações acima cionais, regionais e locais permanece dominan-
sugerem uma abordagem para confrontar tais te. A ideologia neoliberal ortodoxa é cada vez
questões – uma abordagem que dê atenção, mais questionada, mas a maquinaria política
simultaneamente, a choques regulatórios glo- da disciplina de mercado imposta pelo estado
bais e suas ramificações em locais, territórios permanece essencialmente intacta; as agendas
e escalas específicos, e que, ao mesmo tempo, de políticas sociais e econômicas continuam
evite modelos dualísticos de transição e decla- a ser subordinadas à prioridade de manter a
rações a respeito da morte do neoliberalismo. confiança do investidor e uma atmosfera boa
Esboçamos aqui vários cenários possíveis para para os negócios; e as agendas de políticas co-
as trajetórias futuras da reestruturação regula- mo livre comércio, privatização, mercados de
tória. Esses são resumidos na Figura 2. trabalho flexíveis e competitividade territorial
A Figura 2 está organizada em parale- urbana continuam a ser tidas como certas. Nes-
lo à Figura 1, com exceção de que a posição se cenário, como propõe Bond (2009, p. 193),
das células sombreadas que retratam as três o resultado mais provável da atual crise geo-
dimensões da neoliberalização foi inverti- econômica é um “neoliberalismo e um impe-
da. A linha superior apresenta cada uma das rialismo relegitimados”. Consequentemente,
três dimensões da neoliberalização; a coluna há um maior arraigamento dos arranjos re-
mais à esquerda lista quatro cenários distintos gulatórios disciplinados pelo mercado, uma
para os futuros caminhos da reestruturação maior lubrificação e aceleração dos sistemas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 15-39, jan/jun 2012 31
Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
Tendência à mobilização de
Os projetos de contraliberalização permanecem relativamente
experimentos regulatórios
fragmentados, desconectados e insuficientemente coordenados
Cenário 2: redistributivos, restritores
– não se infiltraram significativamente em arenas institucionais
contraliberalização do mercado e/ou regressivos
multilaterais, supranacionais ou globais
desarticulada em contextos dispersos e
desarticulados, em escalas
Regimes de normas macroespaciais continuam a ser dominados
locais, regionais e nacionais
pela lógica do mercado, apesar de críticas persistentes realizadas a
partir de locais extrainstitucionais e de “instâncias inferiores” (e.g.
o movimento de justiça global)
Neoliberalização continuada
dos regimes de normas: os
Intensificação da orquestração, recursão mútua e coevolução
projetos de contraliberalização
tendencial de experimentos regulatórios redistributivos e restritores
podem começar a se infiltrar
Cenário 3: do mercado em contextos cada vez mais interligados
em instituições macroespaciais
contra-liberalização
que estabelecem as regras
orquestrada Adensamento, intensificação e ampliação das redes de
(e.g. Banco Mundial, União
transferência de políticas com base em alternativas (progressivas
Europeia), mas não conseguem
ou regressivas) ao regime de mercado
reorientar suas tendências
básicas voltadas ao mercado
Intensificação continuada de (formas progressivas ou reacionárias de) experimentação regulatória
redistributiva, socializadora, reinscrustadora e restritora do mercado
Nota: As células sombreadas denotam as esferas da reestruturação regulatória nas quais a neoliberalização
seria mais pronunciada.
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Após a neoliberalização?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 15-39, jan/jun 2012 33
Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
criação de redes transnacionais para a transfe- à saúde e utilidades públicas. Das cinzas do
rência de conhecimentos e políticas foi essen- regime de normas global neoliberalizado surge
cial para a consolidação, reprodução e evolu- um modelo de regulamentação global alterna-
ção dos processos neoliberalizadores durante tivo, social-democrático, solidário e/ou ecos-
as três últimas décadas, e tais redes certamen- socialista. O conteúdo político significativo
te serão igualmente essenciais para qualquer de tal regime de normas é – na verdade, tem
projeto que aspire a desestabilizar os arranjos sido há muito tempo – uma questão de deba-
georregulatórios disciplinados pelo mercado. te intenso dentro da Esquerda global (cf., por
No entanto, no cenário da contraneoliberaliza- exemplo, Amin, 2009; Gorz, 1988; Holloway,
ção orquestrada, as redes de transferência de 2002). Mas um de seus elementos principais
políticas contraneoliberalizadoras recentemen- seria uma democratização radical das toma-
te estabelecidas e cada vez mais coordenadas das de decisões e capacidades de alocação em
ainda não têm a capacidade de se infiltrar nos todas as escalas espaciais – uma possibilidade
escalões do poder político-econômico global, que contrasta fortemente com os princípios
como as agências multilaterais, os blocos de da disciplina de mercado e regra corporativa
comércio supranacionais e governos nacionais nos quais a neoliberalização se baseia (Harvey,
poderosos. Consequentemente, embora o re- 2008; Purcell, 2008).
gime de normas global neoliberalizado possa Também deve ser enfatizado que nem
tender a ser desestabilizado, sobrevive intacto. todas as alternativas a um regime de normas
Será que um regime de normas global neoliberalizado envolvem essa visão normativa
alternativo pode ser forjado? Em um quarto progressiva, solidária e radicalmente democrá-
cenário, socialização profunda, o regime de tica. Como Brie (2009) indica, qualquer número
normas global neoliberalizado é sujeito a um de cenários regressivos, até mesmo bárbaros,
maior escrutínio público e à crítica popular. é possível, incluindo várias formas de reação,
Subsequentemente, os arcabouços institucio- hiperpolarização, neoimperialismo, remilitari-
nais da neoliberalização que foram herdados zação e degradação ecológica neoconserva-
são infiltrados em todas as escalas espaciais doras, neototalitárias e neofundamentalistas.
por forças sociais e alianças políticas orienta- Questões básicas também podem ser coloca-
das para agendas alternativas que restringem das em relação à configuração geográfica de
o mercado. Essas poderiam incluir controles qualquer regime de normas global futuro. Se-
de capital e de trocas; perdão de dívidas; re- rá cada vez mais China-cêntrico, como prevê
gimes de impostos progressivos; esquemas Arrighi (2007)? Será fundamentado em uma
de crédito de base não-lucrativa, governados ordem mundial multipolar, como espera Amin
por cooperativas e desglobalizados; redistri- (2009)? Envolverá um arquipélago de redes in-
buição global mais sistemática; investimentos terurbanas ou interregionais progressivamente
em obras públicas; e a descomodificação e orientadas, em conjunto com novas formas de
desglobalização das necessidades sociais bási- exclusão socioespacial mundial, como Scott
cas, como abrigo, água, transporte, assistência (1998) antecipa? Ou envolverá alguma outra
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Após a neoliberalização?
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Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore
os arcabouços geoinstitucionais que impõem regulatória. Essa é a razão da ênfase que colo-
as regras do jogo a tais contextos, também camos aqui nas dialéticas inter e extralocais da
estarão limitando seriamente sua habilidade de transformação regulatória.
imaginar – e perceber – um mundo em que os Assim, nossa análise aponta para duas
processos de acumulação de capital não deter- conclusões gerais para estudos de paisagens
minem as condições básicas da existência hu- regulatórias urbanas e, de maneira mais geral,
mana. Portanto, em nosso ponto de vista, arca- para o estudo de transformações regulatórias
bouços interpretativos do “grande cenário” são supraurbanas. Em primeiro lugar, podemos
mais essenciais do que nunca, não apenas para antecipar que as trajetórias da reestruturação
analisar as origens, expressões e consequên- regulatória pós-2008 serão moldadas podero-
cias da crise financeira global contemporânea, samente pelas formas político-institucionais
mas também como pontos de referência estru- específicas de locais, territórios e escalas nas
turais e estratégicos para mobilizar alternati- quais as séries anteriores de neoliberalização
vas contra-hegemônicas às práticas político- foram articuladas. Em segundo lugar, nossa
-econômicas atualmente dominantes (para discussão sugere que, na ausência de estra-
uma versão anterior dessa argumentação, cf. tégias contraneoliberalizadoras para fraturar,
Peck e Tickell, 1994). É claro que os experimen- desestabilizar, reconfigurar e finalmente su-
tos locais têm importância, e devem ser enca- plantar os regimes de normas disciplinados pe-
rados seriamente, mas o mesmo se aplica aos lo mercado que prevalecem globalmente des-
regimes de normas institucionais mais amplos de o final da década de 1980, os parâmetros
e aos revezamentos interlocalidades de políti- para formas alternativas de experimentação
cas que enquadram e coconstituem caminhos regulatória nacional, regional e local conti-
contextualmente específicos da reorganização nuarão a ser intensamente circunscritos.
Neil Brenner
Professor of Sociology and Metropolitan Studies at New York University, USA. New York, EUA.
neil.brenner@nyu.edu
Jamie Peck
Canada Research Chair in Urban and Regional Political Economy and Professor of Geography at the
University of British Columbia, Canada. Columbia, Canada.
jamie.peck@ubc.ca
Nik Theodore
Director of the Center for Urban Economic Development (CUED) and Associate Professor in the
Department of Urban Planning and Policy at the University of Illinois at Chicago, USA. Chicago, EUA.
theodore@uic.edu
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Após a neoliberalização?
Notas
(*) Texto publicado no periódico Globaliza ons, 2010, v. 7, n. 3, pp. 327-345. Revisão técnica de
Carolina Siqueira M. Ventura.
((1) As análises empíricas apresentadas por Simmons, Dobbin e Garret (2008) são, na verdade,
muito mais complexas institucionalmente e matizadas geograficamente do que seu próprio
uso da metáfora de “difusão” dá a entender. É interessante notar que, em suas discussões
mais concretas sobre cada um dos quatro mecanismos de difusão, os autores sinalizam uma
conceituação alterna va da neoliberalização que enfa za a reorganização regulatória mul nível
e mul cêntrica, a heterogeneidade ins tucional, a contestação de polí cas e a dependência
da trajetória. Dessa forma, seu relato na verdade rompe substancialmente com a literatura
difusionista ao redor da qual constroem sua narra va.
(2) Esse conjunto de dis nções pode ser aplicável a outras formações de reestruturação regulatória –
e.g. ao “liberalismo incrustado” (Ruggie, 1982) ou “cons tucionalismo progressivo” (Gill, 2000)
no capitalismo fordista-keynesiano do pós-guerra, ou ao liberalismo clássico do final do século
XIX (Silver e Arrighi, 2003). Para os nossos propósitos neste ar go, contudo, são entendidas
como dimensões da reestruturação regulatória associadas à neoliberalização transnacional.
(3) Dentre as questões mais per nentes a serem perseguidas na inves gação empírica dos regimes
de normas estão: (a) Qual é seu escopo, i.e. quão amplamente ou estreitamente se estendem
pelo espaço geográfico? (b) Qual é seu formato, i.e. abarcam o espaço de forma abrangente
ou desigual? (c) Qual é seu nível de intensidade, i.e. quão fortemente ou frouxamente
circunscrevem as dinâmicas regulatórias intrassistêmicas? (d) Qual é seu nível de variabilidade
interna, i.e. que pos de diferenças polí co-ins tucionais são possíveis dentro deles? e (e) Qual
é seu grau de maleabilidade, i.e. até que ponto podem ser redefinidos por meio de negociações
ou lutas polí cas?
(4) Essa representação não se des na a negar a presença de projetos regulatórios que restringem o
mercado dentro das zonas sombreadas da figura, nem tampouco sugerir que os processos de
neoliberalização não figuraram de maneira alguma dentro dos quadrantes brancos. O obje vo,
ao invés disso, é demarcar analiticamente a trajetória geral da reestruturação regulatória
disciplinada pelo mercado.
(5) Em um ar go relacionado, analisamos esses processos transforma vos como uma mudança do
desenvolvimento desigual da neoliberalização para a neoliberalização do desenvolvimento
regulatório desigual (Brenner et al., 2010).
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 15-39, jan/jun 2012 39
Governance e territorialização:
o welfare local na Itália
entre fragmentação e inovação*
Governance and territorialization: local welfare
in Italy between fragmentation and innovation
Lavinia Bifulco
Resumo Abstract
Colocado de maneira simples, a territorialização Briefly put, the territorialization is a puzzle. The
é um enigma. O conceito cobre dois fenômenos concept covers two principal phenomena: the
principais: o processo de reorganização territorial process of territorial reorganization which has
que tem afetado diferentes níveis de ações affected different levels of public action and their
públicas e suas relações, e a tendência de tomar o relations; the trend of taking the territory as the
território como o ponto de referência para políticas reference point for policies and interventions.
e intervenções. Esses fenômenos são, ao mesmo These phenomena are at the same time distinct
tempo, distintos, porém ligados, e compartilham but linked, and share the same consequences,
as mesmas consequências, mobilizando novos mobilizing new actors / arenas and politicizing
atores/arenas e politizando uma gama bastante quite a wide range of issues. The aim of the paper is
ampla de questões. O objetivo deste artigo é duplo: twofold: to outline an analytical scheme regarding
delinear um esquema analítico do território como the territory as the medium of the present
o ambiente da relação atual entre cidadania e relationship between citizenship and governance;
governança; focalizar problemas e oportunidades to focus on problems and opportunities that are
que são desencadeados pelo welfare local na Itália. triggered by local welfare in Italy.
Palavras-chave: governança; territorialização; Keywords: governance; territorialization;
cidadania; welfare local; Itália. citizenship; local welfare; Italy.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 41-57, jan/jun 2012
Lavinia Bifulco
42 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 41-57, jan/jun 2012
Governance e territorialização
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 41-57, jan/jun 2012 43
Lavinia Bifulco
experimentando novas formas da ação coletiva próprias cidades como atores coletivos reco-
e da regulação territorial. O que implica o fim nhecíveis ao externo como tais;
definitivo da ideia naturalizada do território. ● a exigência de se levar em consideração a in-
Torna-se evidente, de fato, que a região não é terdependência entre os fatores dos quais de-
uma entidade natural, mas é uma construção pende o bem-estar, por exemplo a habitação, o
social e um espaço político (ibidem). É dito, trabalho, o acesso aos serviços de saúde;
com este propósito, que a descentralização ● o deslocamento da atenção pública da ques-
na Europa avançou um pouco por toda parte. tão social à questão urbana, identificada pela
Na Itália, há uma versão parcial de devolution evidência assumida pelos problemas do tra-
à espera de ser completada. Modelos federais balho, da insegurança e das minorias étnicas
são aplicados, por exemplo, na Alemanha, Bél- (Donzelot, 2006);
gica, Áustria, Espanha (García, 2006; Moreno, ● a ideia de que a escala local favorece a rea-
McEwen, 2005). lização de intervenções integradas e mais cor-
Junto às regiões, as cidades são atores respondentes às necessidades e às demandas
de primeiro plano na nova ordem territorial. específicas de uma coletividade (Benassi e
O protagonismo das cidades na Europa é lido Mingione, 2002).
à luz do papel encenado pela União Europeia. Um dos pontos cruciais é, obviamen-
De fato, a Europa das regiões foi rapidamen- te, a disponibilidade de recursos adequados e
te substituída por uma Europa das cidades. de mecanismos alocativos em nível nacional,
Aproveitando as oportunidades oferecidas pela mas também, às vezes, supranacionais, que
União (principalmente pelas políticas dos fun- sustentam as responsabilidades locais. Muito
dos estruturais), as cidades se tornaram atores frequente é a combinação entre recursos escas-
políticos no espaço europeu, à procura de le- sos e responsabilidades elevadas. Uma questão
gitimidade e de lugares de representação (Le ligada à estrutura das relações entre setor pú-
Galès, 2002, p. 90). Graças às políticas urbanas blico, família, terceiro setor – e mercado – com
e regionais que desenvolveu nos últimos trinta relação a intervenções de welfare e às relativas
anos, a União Europeia modificou o contexto responsabilidades (Saraceno, 2002). Em muitos
institucional e econômico no qual as cidades países europeus, as reorganizações recentes
estão inseridas, institucionalizando alguns pa- do welfare se inspiraram no princípio da sub-
râmetros dos quais dependem as modalidades sidiariedade. Mas a subsidiariedade tem impli-
da governance urbana (ibidem, p. 85). cações diferentes, de acordo com os contextos.
Um dos aspectos mais significativos des- Nos welfares mediterrâneos, a subsidiariedade
se desenvolvimento das cidades e das regiões é associada a mecanismos reguladores que, por
como espaço político é o assim chamado um lado, enfatizam o papel da família e, em
welfare local. Essencialmente, o welfare local uma certa medida, do terceiro setor, por outro
indica: lado, sustentam pouco e mal estes sujeitos a
● o papel que, nos processos de decisão, as- quem enfrentam (Kazepov, 2009).
sumem os administradores locais (regionais Segundo Ferrera (2005), um efeito impor-
e municipais), as redes público-privadas, as tante da nova fase das relações entre centro
44 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 41-57, jan/jun 2012
Governance e territorialização
e periferia concretizada pelo welfare local foi claros de como a referência a uma área territo-
a crescente politização dos issues relativos às rial se presta a enfatizar objetivos de ativação
transferências e às solidariedades interterrito- e participação.
riais. Os governos subnacionais tornaram-se, de Apesar de uma certa redundância de
fato, muito mais atentos a questões financeiras significados, a territorialização pode ser sinte-
nas suas relações com os governos centrais e tizada em dois núcleos com interseção entre
muito mais propensos a mobilizar-se. si: o território como colocação em jogo de uma
Por um ponto de vista deliciosamente reorganização política; o território como instru-
sociológico, o welfare local ilumina os modos mento de policy. Ambos colocam uma série de
como as políticas interagem com os processos questões. Geografias localizadas da política e
de organização e reorganização (Bagnasco, das políticas podem reduzir os efeitos equali-
2003). Uma vez ressurgido o papel político das zadores, já fracos, do Estado central e colocar
cidades, aumenta também a influência que as à prova tanto a integridade territorial quanto a
políticas (locais) podem ter no grau de inte- responsabilidade democrática (Keating, 1997).
gração das sociedades locais. Mais ainda se as Questões específicas voltadas à cidadania, co-
políticas assumem explicitamente o território mo veremos no parágrafo seguinte.
como target.
Remetemo-nos, desta maneira, às lógicas
da territorialização incorporadas nas relações Cidadania: geometrias variáveis
de policy em diversos setores (o desenvolvi-
mento local, as políticas contra a exclusão Neste quadro, pode-se identificar quatro ques-
social, a requalificação urbana). Neste caso, tões principais relativas à cidadania:
trata-se da tendência a enfrentar, de manei- ● a diferenciação territorial que coloca em dis-
ra integrada, um conjunto de problemas – de cussão o modelo da cidadania como perten-
natureza social, física e econômica – em áreas cente à comunidade definida pelo espaço do
circunscritas. As fórmulas são várias. Bastante estado-nação;
difusas são as intervenções que assumem co- ● o aumento de pessoas que não gozam de
mo targets territórios em desvantagem, com o direitos ou são denizens,4 por causa do cresci-
objetivo de redistribuir e equalizar as oportu- mento dos processos migratórios;
nidades. Além disso, a territorialização é con- ● uma europeização embrionária dos direitos
siderada uma condição favorável à realização derivados da integração europeia;
de políticas ativas, um tema chave na agenda ● o desenvolvimento de novas oportunidades
das políticas sociais na Europa.3 Pensa-se que para os cidadãos nos contextos da governance
a escala circunscrita e a aproximação física local.
entre serviços e cidadãos favoreçam processos Como sustentam Bauböck e Guiraudon
de inclusão e de empowerment, assim como (2009), a União Europeia tornou-se um labo-
anunciado por princípios de subsidiariedade. ratório para a experimentação de uma cidada-
As intervenções em bairros desenvolvidos, em nia diferenciada e “realinhada”: ”If citizenship
muitos países europeus, são exemplos bastante is membership in a bounded policy, then the
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Governance e territorialização
acontece nos mecanismos de descarga das tradicionalmente fazem a distinção entre di-
responsabilidades, e a cidadania é concebida mensão social e dimensão política. Isto é evi-
como um contrato. No modelo da governance dente nas experiências que reforçam simulta-
participativa, o território constitui um sistema neamente entitlements sociais e voice.
de ação e um recurso mobilizável por uma Os três modelos têm, obviamente, o ob-
variedade de atores, inclusos os cidadãos e, jetivo de enfatizar as diferenças e as questões.
em alguns casos, os denizens. A cidadania é Na realidade empírica, encontramos combina-
um processo: constrói-se, ao menos em par- ções de problemas e oportunidades bastante
te, na prática e muda no tempo e no espaço. confusas também no caso de experiências ins-
Além dos seus confins espaciais, são colocados piradas na participação dos cidadãos, como ve-
em discussão os confins que, em seu interior, remos a seguir.
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Governance e territorialização
O contrato, desse ponto de vista, deveria favo- envolvimento dos cidadãos são vagas e a di-
recer a responsabilização dos atores envolvidos reção desenvolvida pelas administrações pode
e a transparência dos mecanismos de decisão. ser fraca. Nos Contratos de bairro, um campo
Além disso, deveria consentir a adição de recur- de tensão é aquela dupla alma mencionada an-
sos adicionais, privados e públicos. Os critérios teriormente.
de financiamento enfatizam uma espécie de Para se compreender melhor esses e ou-
“dupla alma” da medida, ligada à copresença tros problemas, passarei agora à implementa-
de uma abordagem de discriminação positiva, ção, concentrando-me nas dinâmicas de inte-
que atribui prioridade às áreas desavantajadas, gração e nas de participação.
e procedimentos de admissão aos financia-
mentos, baseados na seleção após um anúncio
(Bricocoli, 2007). Efeitos de integração
Sendo de fato uma obrigação, os Planos
de zona, ao contrário dos Contratos de bair- Um dos efeitos “virtuosos” dos dois instru-
ro, foram feitos em todo o território nacional. mentos é a institucionalização de espaços para
Quanto aos territórios de referência (os assim a coordenação. No âmbito dos Planos de zo-
chamados âmbitos territoriais ou sociais), na na, muitos municípios investiram nas relações
maior parte dos casos, compreendem uma intermunicipais mais do que por obrigação ou
população entre 50.0000 e 100.000 habitan- pela conveniência de se associar. Ainda que de
tes (43,6%) (ISFOL, 2006). Quanto aos Con- maneira não linear, aconteceram processos de
tratos de bairro, um primeiro dado significati- aprendizado institucional, graças aos quais as
vo é o crescimento, no tempo, das propostas, agregações intermunicipais começaram a agir
tanto das apresentadas quanto das finan- e a serem reconhecidas como novos atores
ciadas. Entre a primeira e a segunda edição, públicos. Em alguns casos, Planos e Contratos
passa-se de 57 projetos admitidos para os dão prova de uma elevada capacidade integra-
financiamentos (em 126 propostos) a 192 (em tiva. Tratou-se das coalisões instauradas entre
cerca de 500 propostos). Um segundo dado é instituições e serviços como das colaborações
o crescimento do peso dos recursos regionais entre administrações e terceiro setor. Planos
que, substancialmente ausentes na primeira e Contratos inclinaram-se a sustentar proces-
edição, na segunda edição totalizam 35% dos sos de organização de partes mais ou menos
recursos complexivos. amplas da sociedade local. Em alguns territó-
Não levando em conta as diferenças, rios e em diversos bairros, desenvolveram-se
não só de ordem quantitativa, a importância dinâmicas associativas que reanimaram uma
dada ao território e as modalidades que par- sociedade civil desagregada (Bifulco e Cen-
ticipam de elaboração de projeto é claramen- temeri, 2008). O nascimento de agregações
te reconhecível como um núcleo cognitivo e que reúnem as organizações que operam em
normativo comum aos dois instrumentos. Há, um território (como os fóruns do terceiro se-
porém, aspectos que complicam o quadro. Com tor) frequentemente foi desejado “pelo alto” e
relação aos Planos de zona, as modalidades do “pelo baixo”.
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Governance e territorialização
organização dos habitantes que ativam uma âmbitos territoriais, a leadership enfatizou a
pluralidade de pontos de vista, sem querer conotação pública da programação social e
representá-la. Em todo caso, a experiência dos sua centralização com relação a estratégias de
Contratos documenta claramente a importân- crescimento da democracia local. Alguns atores
cia do papel que as administrações municipais públicos viram nesse instrumento a oportu-
são chamadas a exercer ao sustentar, reconhe- nidade para renovar a política e deram prio-
cer e mediar essa pluralidade (ibidem). ridade à construção de um sistema orgânico
É necessário, então, considerar que as de programação, capaz de incluir uma plateia
políticas socioassistenciais, assim como as de ampla de sujeitos. Deve-se dizer que se trata
recuperação urbana são relacionadas normal- somente de algumas experiências, ligadas ao
mente a pessoas e contextos em condições ciclo político do momento. Não sendo isoladas
precárias e situações em que não estão certos (em muitas municipalidades iniciaram-se práti-
nem os recursos necessários para participar cas de participação de tipos variados, como os
nem o interesse para tal fim (Borghi, 2006). O Balanços participativos), constroem situações
envolvimento dos cidadãos e seu peso “polí- efêmeras. Todavia, são suficientes para lançar
tico” dependem de modo determinante das uma tendência bastante inédita na Itália, que
oportunidades que as formas institucionaliza- coloca em campo um perfil ativo da leadership
das da negociação oferecem para o desenvol- política local e sua propensão a empreender
vimento da agency e da voice. O que significa mudanças para a democracia. Em termos me-
ter acesso àquele tipo de recursos (recursos nos nítidos, é o que aparece também nas pes-
materiais, informações e conhecimentos, di- quisas conduzidas sobre os Contratos de bairro.
reitos, legitimidades) que permitem exprimir- No conjunto, nesse modo, ativam-se dinâmi-
-se e contar na cena decisional pública. O que cas sociais e institucionais que acrescentam,
evidencia a observação da experimentação de maneira interdependente, as condições de
em Friuli mencionada anteriormente. Nesse bem-estar (well-being) e as condições de exer-
caso, é a redistribuição do poder de se decidir cício da voice, revitalizando a relação entre jus-
relativamente sobre as próprias condições de tiça social e democracia.
saúde e de vida que torna incisiva a partici-
pação. Uma redistribuição que é promovida e
sustentada pela administração pública, princi- Conclusões
palmente em nome da efetiva realização dos
direitos à saúde dos cidadãos. Embora talvez abusada, a imagem das geome-
A participação parece manter suas pro- trias variáveis exprime eficazmente a mobili-
messas se e quando ocorrem conjuntamente dade e a incerteza que marcam as dinâmicas
processos de aprendizado institucional e pro- atuais da governance, da territorialização e
cessos de aprendizado social. Com relação aos da cidadania. Após apresentar característi-
Planos de zona, foi evidenciado muito clara- cas e problemas principais dessas geometrias,
mente que a leadership política local é decisiva concentrei-me em alguns casos de governance
para que isso ocorra (Paci, 2008). Em alguns local na Itália especialmente significativos com
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relação ao duplo fenômeno implicado pela ter- na prática. Por isso, a abertura, a inclusivida-
ritorialização: a reorganização territorial entre de e a pluralidade das sedes decisionais e
escalas de governo; a ancoragem de políticas e projetuais são dimensões a se indagar de perto
intervenções no território. e com atenção;
A análise mostra a coexistência entre ● quanto à redistribuição do poder, os resul-
oportunidades de inovação e riscos de poste- tados mais inovadores – em termos tanto de
riores fragmentações. Mais precisamente: novos atores legitimados a participarem das
● como vimos a respeito dos Contratos de negociações, quanto de lógicas e efeitos da
bairro e dos Planos sociais de zona, toma vida negociação – são levantados onde o ator pú-
uma variedade de arenas institucionais. Nes- blico tende a exercer um papel de promoção
sa variedade, expressam-se os processos de e mediação. Às vezes, é a leadership política
institution building que dinamizam o desenho que domina a cena, sustentando, de modo ex-
e a implementação das políticas nos contextos plícito, uma opção de melhoria da democracia
locais. O alimento principal é a capacidade de que aponta para uma declinação participada
estabelecer molduras normativas e visões com- da programação;
partilhadas capazes de suportar as interações ● os mecanismos da localização, de um lado,
cooperativas intra e interinstitucionais em tor- criam um terreno favorável para as inovações,
no de problemas comuns (Donolo, 1997). Em de outro, arriscam reforçar antigos problemas
muitos aspectos, trata-se de “quase-institui- italianos, como a fragmentação institucional,
ções”, a partir do momento que a sua existên- a incerteza dos direitos e a autarquia local. Os
cia é condicionada pela vontade dos diversos problemas podem ser especialmente agudos
partners que contribuem para sua constituição quando faltam mecanismos redistributivos
(Vino, 2003); interterritoriais. Além disso, em alguns casos,
● graças às práticas inovadoras da cidadania os governos locais acabam por ter maiores res-
que se realizam localmente, as questões de jus- ponsabilidades, mas em ausência de recursos
tiça social assumem um peso decisivo com re- adequados, segundo os mecanismos típicos da
lação ao processo democrático. Essas práticas, “descentralização da penúria” que tornam vã
porém, realizam-se de modo não homogêneo qualquer atribuição de liberdade de ação.
no território nacional e têm recaídas pouco ge- A territorialização é um quebra-cabeça e
neralizáveis. O problema é que a referência à será necessário certo tempo para se entender
escala local – como todas as referências terri- melhor como combinar problemas e oportuni-
toriais – tem um poder inclusivo, mas também dades. Lembrando que um excesso de individua-
efeitos de exclusão. Além disso, a participação lização no espaço causa localismo (Bagnasco,
promete tanto a princípio quanto é complicada 2003), o mais insidioso dos problemas.
Lavinia Bifulco
Professora associada de sociologia da Faculdade de Sociologia da Universidade de Milano-Bicocca.
Milão, Itália.
lavinia.bifulco@unimib.it
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Governance e territorialização
Notas
(*) Revisão técnica de Patacom Consultoria Linguís ca.
(1) Como observa Janet Newman (2005), sobretudo as versões da teoria da governance emergente
na Europa con nental estão, em geral, muito atentas ao “social” e tendem a conceitualizar
modelos de governo e de regulação baseados na interação estado-sociedade.
(2) Os Planos sociais de zona foram indagados no curso do trabalho cole vo de pesquisa desenvolvido
em vários anos (financiamentos MIUR) no âmbito do Laboratório Sui Generis, da Universidade
de Milão-Bicocca, coordenado por Ota de Leonardis. Mais precisamente, foram analisados dois
Planos de zona na Campania, no sul da Itália, dois Planos de zona na Lombardia, no norte da
Itália, e dois distritos sociossanitários em Friuli-Venezia Giulia, no nordeste. A escolha das três
regiões levou em consideração a combinação entre três dimensões: a macroárea territorial; o
modelo de governance regional; os recursos públicos de welfare. Para uma apresentação mais
sistemática dos resultados de pesquisa ver Bifulco (2005); Monteleone (2007). Quanto aos
Contratos de bairro, trata-se de análise de po secundário que fazem referência, principalmente,
ao conjunto das experiências da Lombardia realizadas no âmbito do segundo anúncio.
(3) Um tema tão importante quanto ambíguo. A a vação, de fato, pode ser entendida de maneiras
diferentes: como par cipação no mercado de trabalho; como empowerment; como cidadania
a va (van Berkel e Møller, eds., 2002).
(7) Na maior parte dos casos, de fato, a tarefa de elaborar o Plano é confiada às associações entre
municípios e não aos municípios sozinhos.
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A estratégia eleitoral na representação
proporcional com lista aberta*
Electoral strategy under open-list proportional representation
Barry Ames
Resumo
Este texto revela de forma inovadora traço
distintivo do nosso sistema eleitoral proporcional Abstract
de lista aberta, a saber, a existência de quatro The current paper discloses a distinctive trait
modalidades de distribuição espacial do voto a of the open-list proportional representation
partir das quais se elegem quatro tipos de repre- adopted in Brazil. In such a system, congressmen
sentantes para nossas casas legislativas: deputa- are in fact elected from four spatial patterns
dos com votação concentrada e dominante, de- or constituencies : concentrated - dominant
putados com base fragmentada e dominante, municipalities, concentrated-shared
deputados com votação concentrada e partilhada municipalities, scattered-shared municipalities
e deputados com votação fragmentada e par- and scattered-dominant municipalities. Through
tilhada. O texto aponta, por meio da análise de the analysis of budgetary amendments made
emendas ao orçamento, o incentivo ao distribu- by congressmen the article sheds light on pork
tivismo e a práticas clientelistas decorrentes de barrel practices that stem from our electoral
propriedades de nosso sistema eleitoral. Correla- system. The article also correlates variables of
ciona dados de carreira política às modalidades political career with spatial patterns of vote
diversas de distribuição do voto, discrimina as distribution, tries to discriminate safe seats in
circunscrições eleitorais seguras e avalia, por fim, Brazil and, finally, the payoff of distributive and
o retorno eleitoral de práticas distributivas. parochial attitudes.
Palavras-chave: geografia; voto; localismo; Keywords: geography; vote; parochialism; pork
distributivismo. barrel.
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Barry Ames
Teoria: Este artigo desenvolve uma teo- procurar obter benefícios políticos e enfraquece
ria sobre estratégias de candidatos com base os programas e a disciplina dos partidos.
em princípios da escolha social e no funciona- A América Latina, em meados da déca-
mento da representação proporcional com lista da de 1990, é uma região marcada pelo oti-
aberta. A teoria é utilizada para explicar o com- mismo. Democracias incipientes sobrevivem;
portamento na campanha e os padrões espa- economias se estabilizam e crescem. Mas o
ciais de distribuição dos votos dos candidatos à Brasil continua a ser um enigma. Enquanto os
Câmara dos Deputados brasileira. preços sobem 30% ao mês e a distribuição de
Hipóteses : As estratégias de campa- renda piora, o legislativo obstrui as tentativas
nha são avaliadas com modelos que preveem de estabilização até que o executivo forneça
quando os deputados submeterão emendas empregos de baixo nível para os correligioná-
orçamentárias para beneficiar municípios- rios. Uma corrupção sem precedentes faz com
-alvo cujos votos querem garantir nas eleições que o Congresso afaste o primeiro presidente
subsequentes. Os municípios-alvo são escolhi- eleito pelo povo em 30 anos; um ano depois,
dos em função do custo de erguer barreiras à um novo escândalo de corrupção abala o pró-
entrada de outros candidatos, da dominação prio Congresso.
do deputado no município, da concentração Cada vez mais, os observadores culpam
espacial da votação estadual do deputado, as instituições políticas brasileiras. Considere o
da vulnerabilidade do município à invasão de sistema partidário e o legislativo. Mesmo pelos
candidatos de fora, da fragilidade do deputa- padrões latino-americanos, o sistema parti-
do na última eleição e da carreira política an- dário brasileiro é frágil (Mainwaring e Scully,
terior do deputado. 1992). Poucos partidos têm raízes genuínas na
Métodos: Regressão logística das emen- sociedade. A parte dos votos que cabe a cada
das ao orçamento nacional brasileiro em 1989 partido é volátil ao longo do tempo e entre
e 1990 e regressão OLS dos resultados eleito- eleições presidenciais e legislativas. No Con-
rais no nível municipal para a Câmara dos De- gresso, os líderes dos partidos exercem pouco
putados brasileira nas eleições de 1990. controle sobre suas delegações. Muitos depu-
Resultados : Os deputados buscam re- tados, senão a maioria, gastam a maior parte
dutos eleitorais seguros, procuram municípios de seu tempo arranjando empregos e projetos
vulneráveis e lutam para superar suas próprias governamentais que rendam benefícios a seus
fragilidades eleitorais por meio de práticas benfeitores e eleitores. Embora partidos bem-
clientelistas. As táticas dos candidatos variam, -sucedidos nas eleições abranjam uma ampla
em parte, porque os passados políticos são di- gama ideológica, alguns dos maiores partidos
ferentes e em parte porque os diferentes con- “de centro” são, na verdade, apenas cascas pa-
textos demográficos e econômicos dos estados ra deputados sem nenhum interesse em políti-
brasileiros recompensam algumas táticas e ca. Poucos partidos se organizam em torno de
penalizam outras. O comportamento dos can- questões de nível nacional; consequentemente,
didatos dificulta o controle dos eleitores so- o Congresso raramente aborda questões so-
bre os deputados, aumenta os incentivos para ciais e econômicas sérias.
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
municipal. Suponha que, para todos os can- dominar seus municípios-chave; aqueles com
didatos em cada município, calculemos Vix , a médias ponderadas mais baixas compartilham
quota do candidato i de todos os votos dados seus municípios-chave com outros candidatos.
no município x. Definimos a dominação muni- Assim, “dominação-compartilhamento” é a
cipal de cada candidato como a quota do can- primeira dimensão do apoio espacial.
didato dos votos totais dados aos membros de A segunda dimensão também se inicia
todos os partidos. Essas quotas representam a com Vix , a quota do candidato i do total de
dominação dos candidatos no nível municipal.4 votos dados em cada município, mas essa di-
Agora, suponha que usemos Vix para calcular mensão avalia a distribuição espacial dos mu-
D i , a dominação média para cada candidato nicípios em que o candidato se sai bem. Esses
em todos os municípios do estado, ponderada municípios podem estar concentrados, como
pela porcentagem dos votos totais do candi- vizinhos próximos ou contíguos, ou dispersos.
dato fornecida por cada município. Candidatos A combinação das duas dimensões produz
com médias ponderadas mais altas tendem a quatro padrões espaciais:
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0
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
Municípios dispersos-compartilhados .
Uma teoria sobre
Alguns candidatos recorrem a coortes de elei-
tores cujo apoio é numericamente pequeno
as estratégias dos candidatos
dentro de um único município. Dois exemplos sob a representação
comuns são os nipo-brasileiros e os evangéli- proporcional com lista aberta
cos, protestantes que tipicamente votam em
candidatos evangélicos. Essas coortes são coe- As estratégias ideais de campanha diferem in-
sas e leais, mas não são muito grandes; assim, tensamente entre sistemas eleitorais proporcio-
os candidatos que dependem desses eleitores nais e majoritários. Pelo fato de que pequenas
constroem coalizões compostas de pequenas fatias do eleitorado podem garantir a vitória
6
fatias de muitos municípios. nas eleições proporcionais, os candidatos que
Municípios dispersos-dominados . Esse querem se eleger concentram-se não no eleitor
padrão se ajusta a candidatos que alguma vez médio, mas em coortes distintas de eleitores
tiveram cargos burocráticos de nível estadual, (Cox, 1990). Como os candidatos definem essas
como secretário de educação, um cargo que coortes depende, obviamente, do tamanho dos
tem um potencial clientelista substancial. O pa- alvos potenciais e do total de votos necessá-
drão também é típico de candidatos que fazem rio para serem eleitos. As estratégias também
acordos com líderes locais. A Figura 2 apresen- dependem do custo das campanhas conforme
ta os votos de João Alves, um político baiano os candidatos se distanciam dos principais
dos velhos tempos, na eleição de 1990. A força correligionários, da existência de líderes locais
dos votos de Alves se dispersou pelo estado, procurando por patronagem, da concentração
mas ele recebeu muitos votos nesses locais. espacial do início das carreiras políticas dos
João Alves conquistou 70-80% dos votos em candidatos, e da simultaneidade das eleições
municípios tão dispersos fazendo acordos onde para outros níveis de governo.
quer que encontrasse chefes locais disponíveis.
Alves distribuía benefícios; os chefes retribuíam
com votos. João Alves presidia a Comissão Como os candidatos calculam
Orçamentária do Congresso. Em 1993, investi- os custos e benefícios dos apelos
gadores do congresso o acusaram de receber aos eleitores
dezenas de milhões de dólares em propinas de
construtoras. João Alves chegou ao Congresso Os candidatos sabem aproximadamente quan-
em 1966 sem dinheiro; no início da década de tos votos garantem uma cadeira na delegação
1990, possuía milhões de dólares em imóveis e congressista do seu estado. Esse mínimo de-
um avião de $6 milhões.7 pende do resultado esperado e do número de
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votos recebidos pelos candidatos mais popula- cidade e a ser mais deferentes em relação aos
8
res do seu partido. Dada uma meta de votos, proprietários. Esses trabalhadores apóiam can-
os candidatos imaginam várias maneiras de didatos que oferecem benefícios particularistas
construir coalizões vencedoras. Seus cálculos ao invés de candidatos que prometem fazer a
estratégicos centralizam-se nos custos e be- reforma social.9
nefícios de apelar a qualquer grupo potencial. A identificação com a comunidade, es-
Esta seção examina alguns princípios que afe- pecialmente em pequenas comunidades, acon-
tam os cálculos dos candidatos sob as regras tece de modo quase automático. Os políticos
eleitorais brasileiras. Esses princípios operam locais tentam fortalecer a identificação com a
em todo o país, isto é, independentemente de comunidade porque sua própria influência de-
contextos subnacionais. Em seguida, abordo pende de conseguir votos para os candidatos. A
aspectos da política brasileira que variam en- centralidade de cargos governamentais facilita
tre estados. a mobilização dos eleitores em pequenas co-
Eleitores como membros de grupos po- munidades, e o fato de a proteção do serviço
litizados. Um candidato racional procura gas- público restringir-se a posições de baixo nível
tar a menor quantidade de recursos e obter o politiza os cargos em setores públicos. Devido
maior apoio possível. O alvo ideal é um mem- ao fato de que as eleições para cargos executi-
bro consciente de si mesmo pertencente a um vos locais e para cargos legislativos são escalo-
grande grupo que possua uma identificação nadas, as autoridades locais sabem que estarão
ou queixa politizada. Os nipo-brasileiros, por no cargo tanto antes como depois das eleições
exemplo, sempre compreendem sua etnia; os legislativas; assim, são encorajados a fazer
evangélicos sabem que não são católicos. No acordos com candidatos legislativos.
entanto, os evangélicos têm maior probabili- A dificuldade de assegurar benefícios pa-
dade de ver a si mesmos como vítimas do que ra o grupo. Os deputados buscam apoio para
os nipo-brasileiros; assim, o voto evangélico é suas promessas de campanha no legislativo.
mais unificado. Em ambos os casos, os que es- Optam por benefícios geograficamente indivi-
tão de fora veem a divisão de maneira menos dualizáveis, por programas clientelistas, quan-
intensa; portanto, os candidatos podem ga- do o sistema decisório é fragmentado e a de-
nhar o voto dos evangélicos sem perder todos manda por bens públicos é alta, relativamente
os católicos. estável e específica de um distrito (Lowi, 1964;
No extremo oposto, em termos de per- Salisbury e Heinz, 1970). O Brasil se caracteriza
manência e politização de identificações, estão por ter estados poderosos que agem de acordo
os grupos ocupacionais. Para os trabalhadores com seus próprios interesses, seleção de candi-
industriais, a consciência de classe depende da datos ao congresso no nível estadual, municí-
natureza do processo de produção, dos salários pios que elegem governos locais independente-
e da organização do trabalho. Os trabalhado- mente, lideranças fracas de partidos nacionais
res de fábricas pequenas, especialmente no se- e separação de poderes entre o presidente e o
tor informal, tendem a ser mais jovens, menos legislativo federal. Ademais, enormes desigual-
qualificados, a ter chegado há menos tempo na dades regionais deixam alguns municípios tão
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
pobres que empregos governamentais e subsí- intermediário oferecem dinheiro ou uma fatia
dios são fontes cruciais de renda. Assim, a polí- do benefício assegurado, como um contrato
tica brasileira favorece a provisão de benefícios para construir uma rua. Se o intermediário er-
locais, geograficamente separados. guer com sucesso barreiras rígidas contra a en-
Os custos e benefícios das barreiras que trada de outros intermediários, os candidatos
impedem a entrada. Os deputados procuram pagarão mais pelos votos do intermediário do
isolar as coortes de eleitores das incursões que a soma dos valores que pagariam por ca-
de competidores porque sabem que as bar- da voto individualmente. Se, pelo contrário, o
reiras que impedem a entrada, eliminando a intermediário não conseguir proteger seu ter-
competição, reduzem o custo das campanhas. ritório, os candidatos pagarão um valor total
A dificuldade de erguer barreiras depende da mais baixo por esses votos do que seus valores
natureza do grupo a ser blindado. Aumentos individuais. Qualquer que seja o valor e a for-
salariais, por exemplo, requerem amplas coali- ma de pagamento, a remuneração dos inter-
zões legislativas; portanto, é difícil para qual- mediários exige que os candidatos garantam
quer pessoa reivindicar crédito exclusivo. As recursos individualizáveis.
barreiras contra forasteiros étnicos, por outro
lado, são essencialmente automáticas, mas
são mais dispendiosas para erguer contra ou- O custo da comunicação
tras etnias que pertençam ao grupo. com eleitores potenciais
É difícil erguer barreiras ao redor de lo-
calidades específicas? Um simples “Você não Fazer campanhas no Brasil é uma atividade
é daqui” blinda uma comunidade pequena e direta, realizada junto ao povo.10 Os candi-
altamente integrada. Violência, sob a forma de datos visitam pequenas comunidades, fazem
interrupção de comícios ou ameaças físicas, é reuniões e realizam comícios. É racional fazer
rotineira em áreas rurais. Comunidades mais campanha em locais em que sua mensagem
diversas desenvolvem competição entre fac- atinge poucos eleitores? Na verdade, é. Em
ções, na qual cada lado conta com correligioná- primeiro lugar, quanto mais concentrado for
rios fortemente partidários. Em áreas urbanas o grupo-alvo, menor será o custo de construir
complexas, nenhuma facção ou líder controla uma coalizão vencedora. Em segundo lugar,
uma parcela significativa do eleitorado, e a coalizões eleitorais que cobrem pequenas
polícia não deve favores a políticos individuais. áreas têm grande probabilidade de ser locacio-
Muitos candidatos tentam conseguir votos e as nais, isto é, baseadas puramente na identifica-
barreiras contra forasteiros de qualquer partido ção com a comunidade. Embora teoricamente
são difíceis de manter. os critérios locacionais e não-locacionais com-
Suponha que um intermediário controle binem perfeitamente (todos os habitantes do
o acesso a um grupo de eleitores. Esse contro- Sul são negros, todos os habitantes do Norte
le deriva de alguma combinação entre coerção são brancos), existem poucos casos como
e distribuição anterior de empregos ou servi- esse no Brasil. Assim, a distância física entre
ços. Deputados tentando obter os votos do um candidato e o último eleitor, o eleitor cujo
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Barry Ames
apoio garante a vitória, é quase sempre menor muitos candidatos locais, concorrer ao legisla-
11
para coalizões locacionais. tivo federal é a primeira atividade política que
O suprimento de políticos. As trajetórias abrange todo o estado. Como os candidatos lo-
das carreiras dos candidatos restringem suas cais começam com um único pico de reconhe-
estratégias de campanha e padrões de votos. cimento de seus nomes, uma campanha con-
Candidatos locais, isto é, ex-prefeitos ou verea- centrada é a escolha óbvia. Mas suponha que o
12
dores, sempre existirão em abundância. Exce- candidato tenha chefiado um departamento do
to aqueles cujas carreiras estão enraizadas em governo que administrava ruas ou escolas. Cer-
grandes áreas metropolitanas, os candidatos tamente, os burocratas que estiverem conside-
locais naturalmente desenvolvem distribuições rando a carreira política alocariam projetos de
concentradas, pois o reconhecimento de seu modo a obter vantagens políticas, e tais can-
nome diminui conforme a distância em relação didatos se tornariam conhecidos nas comuni-
ao seu emprego local aumenta. O que acontece dades que se beneficiam da sua generosidade.
quando aparecem candidatos que trabalharam Assim, o apoio dos votos de tais candidatos de-
na burocracia do estado, ou candidatos sem veria ser disperso ao invés de concentrado. Se
história política? Não é uma pergunta simples, eles dominarão ou compartilharão municípios
pois em qualquer eleição, o mix de carreiras depende do município-alvo e do programa que
dos candidatos depende de dois conjuntos de dirigiram. Nas comunidades rurais, a domina-
fatores. Um conjunto (que pode ser chamado ção pode resultar do fato de que um único pro-
de endógeno) depende do contexto da própria grama afeta muitas pessoas intensamente ou
eleição, no sentido de que as novas candidatu- do programa ter sido elaborado para comprar o
ras dependem da distribuição inicial dos candi- apoio de pessoas influentes locais, ao invés de
datos que estão exercendo seus mandatos. Por eleitores individuais.13 Comunidades urbanas
exemplo, em locais em que os custos do trans- absorvem múltiplos programas – muitas vezes,
porte são altos, onde o reconhecimento do no- dirigidos por políticos rivais – e os eleitores não
me do candidato em todo o estado é baixo, on- são tão facilmente controlados. Finalmente,
de há pouca concentração de trabalhadores ou suponha que a carreira do candidato seja na
de etnias e onde os eleitores preferem candi- área de negócios. As pessoas dessa área talvez
datos com experiência política municipal, ape- comecem com algum pico de reconhecimento
nas os tipos locais se oferecem. Mas o mix de central ao redor da localização do seu negó-
carreiras dos candidatos também depende de cio, mas tais picos raramente são tão grandes
um segundo conjunto de fatores, exógeno no quanto os dos políticos locais. Sua vantagem
sentido de que novas candidaturas respondem é o dinheiro: camisetas, panelas de pressão (a
às oportunidades e recompensas da atividade metade inferior dada antes da eleição, a meta-
legislativa. Pessoas com formações diferentes de superior depois) e empregos políticos para
tornam-se candidatos porque buscam extrair os eleitores. O dinheiro compra os chefes po-
recompensas pessoais da atividade legislativa. líticos que controlam os eleitores, e o dinheiro
Meu argumento é simples: em campa- engraxa as dobradinhas entre os candidatos às
nhas, o que você fez afeta o que você faz. Para assembleias legislativas estaduais e à Câmara
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
Federal. Portanto, para os executivos, o apoio devem procurar votos em território inimigo. E
disperso produz resultados: o candidato estra- como os municípios compartilhados são mais
tégico da área de negócios compra o apoio on- vulneráveis do que os dominados, a dominação
de quer que ele esteja disponível. e também a concentração devem diminuir para
Neste ponto, é necessário distinguir entre os candidatos locais.
desafiantes e titulares dos cargos. Suponha que Mudanças na concentração espacial tam-
um político local desafie o titular em um redu- bém ocorrem entre candidatos não locais. Os
to concentrado-dominante. Superficialmente, o principais círculos eleitorais dos candidatos que
desafio lembra uma disputa por uma cadeira dependem de distribuições dispersas – evangé-
ocupada na Câmara do Deputados dos EUA, licos, apresentadores de TV e burocratas do es-
mas, na verdade, é mais difícil. Redutos locais tado – são relativamente estáveis em tamanho;
geralmente são esparsamente povoados. Se o portanto, tais candidatos precisam de novos
desafiante conseguir apenas 51% dos votos seguidores. Como um pouco dos benefícios que
do titular, o confronto levará à derrota mútua. esses deputados dão aos seus principais correli-
Como os benefícios são mais importantes do gionários beneficia outros nos mesmos municí-
que a política nacional, nem os chefes locais, pios, e como os deputados economizam recur-
nem os eleitores querem substituir um deputa- sos permanecendo perto de seu apoio principal,
do que os tenha beneficiado. Disputas locais, sua concentração espacial deve aumentar.
portanto, são tão difíceis que raramente ocor- Os homens de negócios inicialmente
rem.14 A menos que o titular negligencie o dis- compram votos dando propinas para chefes
trito ou enfureça o chefe local, os desafiantes locais, mas uma vez na legislatura, é provável
terão que esperar alguém se aposentar. que busquem apoio mais popular para preen-
O que devemos esperar dos próprios ti- cher o espaço entre as áreas onde são fortes. A
tulares locais? Dada a baixa frequência de de- concentração entre candidatos bem-sucedidos
safios diretos em seus redutos, os locais têm que são homens de negócios aumenta. Maior
medo principalmente de uma queda no voto concentração, contudo, pode não produzir
partidário agregado. Se diminuir suficiente- maior sucesso eleitoral. O apoio eleitoral de
mente, a mesma classificação pós-eleição pode candidatos da área de negócios é mais incons-
não garantir uma cadeira. Assim, os titulares tante do que o apoio recebido por políticos
locais têm que caçar novos eleitores ou nos locais. Ofertas melhores fazem a lealdade dos
redutos de colegas de partido ou nos redutos chefes oscilar em direção a quem oferece o
de titulares de outros partidos. A identifica- lance mais alto. Assim, os homens de negócios
ção partidária no Brasil é fraca; os deputados enfrentam incentivos contraditórios. Embora
atraem facilmente eleitores de outros partidos. as oportunidades sejam claramente melhores
Como a representação proporcional recompen- para candidatos não limitados por carreiras lo-
sa totais partidários mais altos com cadeiras cais, os homens de negócios podem perder o
adicionais, os líderes dos partidos não enco- apoio tão rapidamente quanto o ganham. Os
rajam a caça furtiva nos redutos de partidos negócios fornecerão muitos candidatos novos,
aliados. Resumindo, os candidatos brasileiros mas os titulares da área de negócios serão
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012 69
Barry Ames
mais vulneráveis à derrota eleitoral do que can- votos recebidos pelo deputado em 1986; (3)
didatos com outras trajetórias. a vulnerabilidade do município X à invasão de
candidatos; (4) a similaridade socioeconômica
e demográfica de X em relação ao eleitorado
principal; (5) a insegurança eleitoral do depu-
Análise tado; (6) a trajetória da carreira do deputado.
Distância do centro da votação obtida
As linhas gerais do argumento devem manter-
em 1986. O “centro da votação” obtida por ca-
-se ou cair por terra no terreno empírico.15 A
da deputado titular em 1986 é medido de duas
análise se inicia com um modelo de estratégia
formas.17 O centro municipal, Cm, está basea-
de campanha que utiliza emendas orçamen-
do na dominação municipal – a porcentagem
tárias como indicadores da intenção do can-
da votação total recebida pelo deputado i em
didato. A seção a seguir incorpora emendas
cada município. O centro pessoal, Cp, se baseia
orçamentárias a um modelo de resultados elei-
na quota pessoal – a porcentagem do total es-
torais reais.
tadual do deputado i recebido em cada muni-
cípio. Calculo a distância de cada município do
estado em relação a Cm e Cp. Conforme os mu-
Estratégia de campanha nicípios ficam mais distantes, o reconhecimen-
na eleição de 1990 to do nome diminui e o custo da campanha
aumenta; municípios distantes possuem menor
Os deputados submetem emendas orçamen- probabilidade de serem alvos do deputado i.
tárias para reter antigos seguidores e atrair Ao mesmo tempo, deputados com centros pes-
novos. O Congresso não recuperou o direito soais de votação em municípios nos quais não
constitucional de modificar o orçamento nacio- dominam (tipicamente, grandes cidades) têm
nal até 1988, mas os deputados aprenderam probabilidade de fazer emendas mais longe de
rapidamente. Entre 1989 e 1992, o número seus centros pessoais porque compartilham o
anual de emendas orçamentárias subiu de município central com tantos outros candidatos
8.000 para 72.000, e mais de 90% foram di- que reivindicar o crédito é impossível.18
recionadas a municípios específicos. O modelo Dominação e concentração. Mais acima,
avalia, para cada município, a probabilidade defini dominação e concentração como carac-
de que um deputado concorrendo à reeleição terísticas dos deputados medidas no nível do
submeta uma emenda orçamentária.16 Espe- estado como um todo. Contudo, a dominação
cificamente, a probabilidade de que um depu- também é significativa no nível municipal.
tado que esteja concorrendo à reeleição em Um deputado poderia dominar municípios
1990 tenha submetido uma emenda em 1989 menores, por exemplo, mas compartilhar mu-
ou 1990 direcionada ao município X é uma nicípios maiores com outros. Apenas a domi-
função de seis fatores: (1) a distância de X do nação no nível municipal deve afetar a reali-
centro da votação obtida pelo deputado em zação de emendas.19 Quanto maior o nível de
1986; (2) a dominação e a concentração dos dominação em um município, mais o deputado
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
pode reivindicar crédito por esforços clientelis- dos votos da classe trabalhadora procurariam
tas e, portanto, mais emendas orçamentárias municípios industriais. Deputados que apelam
ele ou ela submeterão. Quando a dominação para funcionários públicos deveriam fazer isso
atinge níveis muito altos, o deputado tem uma em localidades nas quais há muitos cargos go-
“cadeira segura” (como no velho Sul norte- vernamentais. Assim, os deputados procuram
-americano, que só possuía um partido); assim, novos alvos que tenham composição socioeco-
as emendas devem diminuir. nômica semelhante à dos antigos redutos. Ini-
Candidatos cujo apoio foi concentra- cio definindo, com base na participação nos
do em 1986 devem fazer mais emendas, pois votos e na dominação municipal, o município
são vulneráveis às incursões de candidatos principal de cada deputado.21 Em seguida, cal-
com carreiras burocráticas ou na área de ne- culo a diferença entre cada município e o mu-
gócios. Candidatos concentrados saem de nicípio principal em relação a três indicadores
suas bases originais em círculos relativamen- socioeconômicos: tamanho do eleitorado, ren-
te concêntricos. Têm que ser menos seletivos da per capita e porcentagem da força de tra-
do que os candidatos com votos dispersos, balho empregada pelo governo. Os primeiros
pois escolhem alvos não apenas pelo critério dois indicadores refletem a possibilidade de
da vulnerabilidade, mas também do critério de busca de votos baseada em classes, enquan-
proximidade de seu próprio centro. Como re- to o terceiro representa um interesse bem-
sultado, candidatos concentrados apresentam -organizado. Como no Brasil, em geral, apelos
“emendas demais”. à classe social não rendem frutos, os funcioná-
Vulnerabilidade municipal. Os desafian- rios do governo são o alvo mais provável. Para
tes têm poucos incentivos para invadir muni- cada indicador, os municípios mais parecidos
cípios dominados por titulares fortes que bus- com o município principal do deputado devem
cam a reeleição. Mas as condições mudam; receber mais emendas.22
os municípios tornam-se permeáveis. Um de- Insegurança eleitoral. Sabemos que os
putado dominante se aposenta, deixando um votos individuais determinam, em grande me-
vazio eleitoral. Um influxo de migrantes sina- dida, a sorte dos deputados nas eleições. Aque-
liza um eleitorado livre do controle de velhos les cuja posição em 1986 foi baixa, que esca-
líderes e antigas lealdades. A invasão é en- param por pouco da eliminação, trabalharão
corajada pela fragmentação municipal, ou no mais na próxima eleição. Seu número total de
sentido de que muitos candidatos de um único emendas aumentará.
partido compartilham votos ou no sentido de Trajetória da carreira. Devido ao fato de
que candidatos de muitos partidos obtêm su- que políticos locais têm maior probabilidade
20
cesso eleitoral. de manter vínculos próximos com os eleitores
Paridade social. Se os titulares identi- do que políticos com carreiras burocráticas ou
ficam certos grupos ocupacionais ou étnicos na área de negócios, os candidatos locais devem
como correligionários-chave, devem visar apresentar mais emendas. Os locais também
novos municípios onde grupos semelhantes devem concentrar suas campanhas, incluindo
estão presentes. Deputados que dependem suas emendas orçamentárias, mais perto de suas
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72 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012
A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
Estimativa Logit
Características municipais e individuais Minas Rio de São
Predição Bahia Nordeste Sul
Gerais Janeiro Paulo
Distância do centro municipal – – – + + +
Distância municipal ao quadrado + + + –
Distância do centro pessoal + + – – –
Distância pessoal ao quadrado – – + +
Dominância municipal + + + + + + +
Dominância municipal ao quadrado – – – – – – –
Concentração + + + –
Porcentagem de votos a deputados aposentados + + –
Porcentagem de migrantes + + + + – +
Paridade ao município principal:
? + – –
distribuição de renda
Paridade ao município principal:
– – – –
funcionários do governo
Paridade ao município principal: população ? + – –
Fragmentação interpartidária + + + – + +
Fragmentação intrapartidária + + + +
Classificação na lista do partido em 1986 + + + + + +
Carreira local + – + + –
Carreira local x Distância municipal – + – + – +
Carreira local x Distância pessoal – – + – + –
Família política + – +
N= 6666 3841 9106 1536 7410 6841
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012 73
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74 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012
A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
estados obtiveram resultados significativos na razões demográficas, não históricas. O Rio tem
direção esperada; apenas São Paulo teve o si- apenas 65 municípios para servir de trampo-
29
nal errado. lins para seus 46 deputados (1,41 municípios
As outras variáveis de paridade social por deputado), enquanto a Bahia tem 8,6 mu-
demonstram que os apelos ideológicos são nicípios por deputado. Faltam oportunidades
real mente raros no Brasil. Semelhanças em aos candidatos locais do Rio, mas como não
distribuição de renda e população produziram enfrentam nenhuma máquina coerciva, são li-
resultados imateriais e inconsistentes.30 Além vres para competir com candidatos estaduais
disso, se os deputados buscam alvos em bases através da submissão de um grande número
ideológicas, a paridade social deve ser mais de emendas. São Paulo tem um número subs-
forte nas regiões mais desenvolvidas do país. tancial de candidatos locais, mas entre 1987 e
Rio, São Paulo e o Sul, contudo, não produziram 1990, muitos desertaram do PMDB, o partido
resultados mais consistentes do que o Nordes- dominante. Os desertores tiveram que lidar
te, a Bahia e Minas Gerais. O resultado negati- com a máquina poderosa do PMDB de Orestes
vo é importante: isto é, a maioria dos deputa- Quércia, que enviou candidatos para os redutos
dos vê as características sociais e ideológicas eleitorais desses candidatos. Mas a máquina
dos municípios como fatores menores em sua não tinha poder para manter seus oponentes
decisão de usar a política do clientelismo como dentro de seus redutos; assim, a expansão foi
uma ferramenta de campanha. sua estratégia ideal.
Considere agora as hipóteses que não A política no Sul e no Nordeste reflete
se confirmaram de maneira consistente. A teo- contextos históricos distintos. No Sul, as legen-
ria original previa, embora de forma hesitante, das partidárias são significativas, nenhum go-
que candidatos com carreiras na política local vernador tem a hegemonia de um ACM, a con-
realizariam mais emendas do que aqueles com centração espacial é intensa e os candidatos
carreiras burocráticas ou na área de negócios. locais dominam. Os candidatos que não pos-
Apenas no Rio e em São Paulo a hipótese foi suem base local lutam para encontrar apoio;
confirmada, e na Bahia e no Sul, os candida- assim, os políticos locais sabiamente permane-
tos locais realizaram menos emendas. Essas cem em seus redutos eleitorais, fazendo menos
diferenças não são simplesmente funções da emendas. O Nordeste e Minas Gerais apoiam
dominação dos candidatos com origens locais, níveis intermediários de candidatos locais; os
pois o Sul e Minas possuem a mais alta por- locais não lutam, como fazem na Bahia e no
centagem de candidatos locais, ao passo que a Rio, e não dominam, como no Sul.
Bahia e o Rio possuem a mais baixa. As táticas Originalmente, eu esperava que os polí-
dos candidatos locais dependem de contextos ticos locais simplesmente realizariam menos
históricos. A Bahia, por exemplo, tem poucos emendas conforme se distanciassem de suas
candidatos locais, e aqueles que se aventuram bases. Ao invés disso, os resultados fornecem
a sair de seus redutos eleitorais correm o risco uma comparação instrutiva com nossas medi-
de incorrer na ira de ACM. O Rio tem ainda me- das de distância, isto é, as variáveis que me-
nos candidatos locais do que a Bahia, mas por dem mudanças no comportamento de todos os
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
municipal respondem fortemente à dominação emendas feitas por outros deputados, são ago-
local, à vulnerabilidade à invasão de alvos po- ra variáveis explicativas. Finalmente, o modelo
tenciais, à sua própria fragilidade eleitoral e a inclui (para investigar o realinhamento partidá-
suas carreiras anteriores. Mas a ausência de es- rio) variáveis que medem o ganho de candida-
forços de campanha em comunidades sociolo- tos de partidos aliados.31
gicamente semelhantes aos principais círculos O modelo de resultados funciona bem e
eleitorais dos deputados (exemplificada pela explica mais de 50% da variação na votação de
fraqueza das variáveis de paridade social) con- 1990 dos candidatos em todos os lugares, com
firma a impressão de que poucos deputados exceção de São Paulo. 32 Os votos recebidos
buscam votos seguindo linhas ideológicas. A em 1986 foram os preditores mais poderosos.
ausência de programas de partido e a fragilida- Esse resultado seria esperado na maioria das
de da disciplina partidária fazem com que tais sociedades, mas, aqui, contradiz a sabedoria
apelos, exceto para o Partido dos Trabalhado- convencional do Brasil, segundo a qual a im-
res, sejam improdutivos. popularidade dos deputados faz com que ter
exercido um mandato seja uma desvantagem.
Fazer campanha é importante. Na Bahia, no
O comportamento estratégico Nordeste, em Minas Gerais e no Sul, as emen-
compensa eleitoralmente? das aumentaram os votos. 33 As emendas fi-
zeram a diferença no Rio de Janeiro e em São
As táticas dos nossos deputados em busca de Paulo também, mas apenas para deputados
votos dão certo? A Tabela 2 estima um modelo mais dominantes, isto é, as emendas nesses
de “resultados”. É semelhante ao modelo de estados tornaram-se mais importantes à medi-
“estratégia”, mas com importantes acrésci- da que a dominação municipal aumentou. Os
mos. O modelo de resultados incorpora a vota- municípios no Rio e em São Paulo são, em sua
ção de 1986 como um preditor da votação de maior parte, competitivos, com poucos deputa-
1990. Também avalia os efeitos da dominação dos dominantes. Em lugares em que os depu-
total (nível estadual) – além da dominação no tados compartilham votos com muitos outros
nível municipal – para descobrir se certos ti- (como nas capitais), as emendas são fúteis,
pos de deputados foram mais bem-sucedidos. mas à medida que a dominação aumenta, elas
As emendas de cada deputado, junto com as fazem mais sentido.
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Barry Ames
Emendas realizadas por outros depu- A hipótese falhou no Rio e em São Paulo pelas
tados deveriam diminuir a votação de um de- mesmas razões que vimos acima.34
putado, pois tais emendas significam que os Deputados dominantes ganharam mais
oponentes também focalizaram o mesmo mu- votos do que aqueles com distribuições com-
nicípio. Exceto no Rio e em São Paulo – onde as partilhadas, mas a concentração ajudou so-
emendas de outros deputados não produziram mente em Minas Gerais. 35 Em uma eleição
impactos –, foi exatamente isso que aconteceu. com mais de 50% de rotatividade dos titulares,
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
e com perdas substanciais por parte dos parti- uma derrota para o PMDB após seu sucesso
dos de centro e centro-esquerda, esse resulta- esmagador em 1986, os candidatos de direita
do tem grande importância. A dominação pro- (“candidato PFL-PDS”) ganharam, ao passo
tege os deputados de oscilações partidárias. A que o PMDB e os candidatos de esquerda re-
maioria dos titulares que perderam as cadeiras ceberam um impulso apenas no Nordeste e em
em 1990 compartilhava os círculos eleitorais. Minas Gerais.
Municípios representados por um único depu- Finalmente, as trajetórias das carreiras
tado, sejam contíguos ou dispersos, são mais dos deputados, pelo menos conforme medidas
seguros. Em um ambiente de partidos fracos e por ocupações anteriores ou por participa-
política de clientelismo, a realização de acor- ção em famílias políticas, não tiveram efeito
dos com os políticos locais – o clássico padrão consistente sobre os resultados eleitorais. No
dominante-disperso – faz sentido. Nordeste e em Minas Gerais – áreas em que
O modelo de estratégia demonstrou que porcentagens substanciais de deputados vêm
os deputados raramente procuram alvos de de famílias políticas – esses deputados se saí-
campanha socioeconomicamente similares aos ram melhor. Mas na Bahia, onde as famílias
seus municípios principais. Como era de se es- políticas são mais comuns, tais deputados não
perar, também é pouco provável que eles ga- receberam ajuda. Além disso, os candidatos lo-
nhem ou percam votos nessa base. Embora em cais não tiveram melhor desempenho em ne-
grandes cidades os deputados façam apelos nhum estado. A eleição de 1990 representou
ideológicos ou para grupos, eles não procuram um influxo de dinheiro alto na campanha para
ou recebem apoio em alvos de campanha dis- o Congresso. Se essa tendência continuar, os
tantes com tais apelos. Dado o alto custo de ca- candidatos locais, como esses resultados de-
çar no território de companheiros de partido, os monstram, terão sérios problemas.
candidatos aumentam o apoio apelando para Recapitulação. As estratégias dos depu-
novos grupos em suas áreas de base, ao invés tados têm importância. Os deputados lucram
de buscar grupos semelhantes, mas geografica- realizando suas próprias emendas; sofrem
mente distantes. Consequentemente, embora quando outros deputados visam os mesmos
mudanças na composição ideológica geral de municípios. Os deputados com distribuições
legislaturas possam resultar de realinhamentos dominantes de votos conseguem resistir mais
eleitorais, tais realinhamentos não são produto a oscilações partidárias do que aqueles com
de apelos de campanhas individuais. distribuições compartilhadas.36 Mas a maio-
Trocas de partidos desempenham um ria dos deputados ganha pouco concentrando
papel importante na sorte dos deputados. Em suas distribuições de votos ou fazendo apelos
todos os estados, os ganhos gerais de parti- ideológicos ou a grupos, e os padrões de car-
dos próximos no espectro político ajudaram reiras não têm um efeito amplo sobre a sorte
os candidatos. Como essa eleição representou em eleições.
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Barry Ames
80 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012
A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
Esta análise apenas tocou a superfície do orientados para a legislação nacional? A acei-
37
argumento teórico. Quais são as implicações tação ou rejeição do Congresso das emendas
das distribuições espaciais de votos para o com- orçamentárias dos deputados também merece
portamento legislativo subsequente? De fato, investigação. Por que alguns deputados são
os deputados brasileiros representam uma am- mais bem-sucedidos do que outros? Há regras
pla gama de eleitorados, que varia de distritos que garantem a todos uma parte da ação? Os
dominados por um único representante a coor- deputados seniores podem comprar os votos de
tes de interesses especiais dispersas, passando membros juniores necessitados? O caso brasi-
por acordos dispersos e distritos da classe tra- leiro – um sistema que permite a formação de
balhadora. Será que alguns distritos isolam os vários círculos eleitorais dentro de um único ar-
deputados das demandas presidenciais? A cor- cabouço institucional – é um laboratório perfei-
rupção é um desenvolvimento natural de certos to para o estudo de influências eleitorais sobre
círculos eleitorais? Alguns deputados são mais o comportamento legislativo.
Apêndice
Fontes e problemas dos dados
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Barry Ames
Barry Ames
Cientista político pela Universidade de Stanford. Professor do Departamento de Ciências Políticas na
Universidade de Pittsburgh. Pittsburgh, Pennsylvania, EUA.
barrya@pitt.edu
Notas
(*) Texto originalmente publicado em American Journal of Poli cal Science, v. 39, n. 2, maio 1995,
pp. 406-33. Revisão técnica de Carolina Ventura.
Os dados utilizados neste artigo serão colocados no ICPRS no final de 1995. Pesquisadores
interessados nos dados antes dessa data podem contatar o autor. Esta pesquisa foi financiada
pela Na onal Science Founda on, Washington University, St. Louis, e pelo IRIS – Ins tu onal
Reform and the Informal Sector, University of Maryland, College Park.
(1) Nenhum estudo com muitos Estados foi realizado, provavelmente devido à escassez de dados
sobre eleições de nível municipal, à ausência de mapas municipais digitalizados e à falta de
familiaridade com técnicas esta s cas espaciais.
(2) Até 1994, não havia um patamar mínimo para os par dos conseguirem cadeiras no legisla vo. Em
1993, o Congresso aprovou um patamar de 3%, mas uma brecha na lei minimizará seus efeitos.
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A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
(3) As máquinas de estado mais fortes provavelmente são as do Maranhão e da Bahia, ambos no
Nordeste. Enquanto era governador, Orestes Quércia dominava o PMDB em São Paulo, e
manteve muito desse poder durante a administração do sucessor que ele escolheu. Líderes
locais poderosos são encontrados principalmente em áreas menos industriais.
(4) Observe que dominação municipal não tem relação nenhuma com efe vamente ganhar cadeiras;
estados, não municípios, são distritos eleitorais. Também experimentei conceituar dominação
somente em termos de votos para candidatos do próprio par do do candidato.
(5) O Apêndice discute a construção do mapa, assim como outros problemas dos dados.
(7) Alves comandava um grupo de deputados conhecidos, por sua estatura, como os Sete Anões.
A comissão interna de investigação da Câmara acusou quase todos de extorquir e aceitar
propinas, mas a Câmara exonerou alguns. Quase todos têm a mesma distribuição de votos:
bolsões dispersos de apoio muito intenso.
(8) Os votos dos principais candidatos podem superar os dos retardatários, mas como o número de
candidatos eleitos é diretamente proporcional à quota cumula va de todos os votos do par do,
os candidatos populares possibilitam a eleição de candidatos com muito menos votos.
(9) Paulo Maluf, um polí co populista conservador, não conseguiu ganhar o estado de São Paulo na
eleição presidencial de 1989, mas ganhou a eleição para a prefeitura da cidade de São Paulo em
1992 precisamente com os votos desses trabalhadores.
(10) O acesso à mídia permanece central para realizar campanhas, embora os candidatos não
possam comprar tempo no rádio nem na TV. Pelo fato de o rádio e de os jornais no Brasil serem
geralmente par dários, as conexões da mídia fornecem uma barreira efe va à compe ção,
assim como um meio de comunicação com os eleitores. Recentemente, muitos apresentadores
de programas que se tornaram celebridades viraram candidatos.
(11) As exceções incluem coalizões eleitorais vencedoras baseadas no voto de classe nas cidades do
Rio de Janeiro ou São Paulo.
(12) Os prefeitos precisam procurar outro cargo, já que não podem se reeleger imediatamente. O
cargo de deputado federal, no entanto, não é necessariamente um passo acima: em 1992,
cerca de um quinto de todos os deputados federais fizeram o caminho inverso, disputando
prefeituras. Os detentores de cargos locais são abundantes como candidatos exceto em
estados fronteiriços, os quais se desenvolvem tão rapidamente que a polí ca local tende a ser
extremamente fraca. Municípios de fronteira dependem da generosidade estadual e federal, e
os polí cos frequentemente “caem de paraquedas” para conseguir votos.
(13) Uma rua, por exemplo, pode se destinar a enriquecer um determinado empreiteiro ou um
grande fazendeiro.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012 83
Barry Ames
(14) Na eleição de 1990, o governador de São Paulo, Orestes Quércia, apoiou um desafio a um
deputado que havia sido membro do PMDB de Quércia, mas havia desertado para o PSDB.
O desafiante bem financiado de Quércia ganhou, mas seu alvo também. Para um teste mais
amplo, considere a eleição de 1990 no Paraná. Das 30 cadeiras do estado no Congresso, os não-
tulares ganharam 24. Desses 24, 12 ganharam com redutos locais concentrados. Desses 12,
seis construíram redutos onde antes não havia nenhum. Quatro essencialmente assumiram os
distritos de tulares que não concorreram. Apenas dois conquistaram os redutos de tulares
que concorreram. Em um dos casos, o desafiante construiu um reduto muito maior; no outro,
o desafiante se beneficiou da oscilação para a direita do estado, derrotando dois tulares que
haviam compar lhado a mesma área.
(15) Dada a considerável con nuidade entre as úl mas eleições legisla vas da ditadura e as da Nova
República, não há campanhas sem tulares. Além disso, a disponibilidade de resultados para
apenas quatro eleições deixa a estabilidade do sistema em aberto.
(16) Obviamente, as emendas orçamentárias não são a única tá ca que os deputados u lizam. Eles
visitam vários municípios, fazendo comícios e oferecendo apoio a candidatos a outros cargos.
Assim, as emendas orçamentárias representam uma gama de atividades de campanha. Por
essa razão, minha análise focaliza as emendas subme das ao invés das emendas efe vamente
aprovadas pelo comitê orçamentário. As ações do comitê orçamentário representam um
processo legisla vo decisório que analiso em uma obra que desenvolvo no momento.
(17) O centro é o centróide de uma super cie plana na qual se assume que os votos de um município
são dados em seu centro. Note que Cm e Cp não estão necessariamente no centro sico real
de nenhum município em par cular. Os centros socioeconômicos na seção de paridade social,
contudo, são mesmo municípios individuais.
(18) Sobre o efeito da distância do eleitor em relação aos mercados locais de mídia do candidato,
cf. Bowler et al., 1992.
(19) Se a dominação no nível estadual tem algum efeito no nível do município, deve ser verdade
que os deputados, cujo apoio vem principalmente dos municípios que dominam provavelmente,
fazem mais emendas mesmo nos municípios que eles apenas compar lham. Isto é, o hábito do
clientelismo de deputados dominantes faz com que se comportem de maneira irracional.
(20) Fragmentação interpar dária é definida como 1 menos a soma do quadrado da quota de cada
partido em relação ao número total de votos. Fragmentação intrapartidária é definida de
maneira equivalente no nível do candidato individual, i.e., 1 menos a soma dos quadrados da
quota de cada candidato em relação ao total do par do.
(21) Se um deputado possuía um único município com uma par cipação pessoal claramente acima
de qualquer outra, selecionei aquele município como o principal. Se as par cipações pessoais
do deputado em dois municípios tinham diferença de poucos pontos percentuais, escolhi o
município com uma par cipação municipal maior como sendo o principal.
(22) Os indicadores socioeconômicos vêm do censo de 1980, exceto pelo tamanho da população de
eleitores, que é extraído dos registros eleitorais.
(23) Os deputados têm famílias polí cas se um parente da mesma geração ou de geração anterior
tiver sido prefeito, deputado estadual ou federal, senador, governador ou presidente. Para
dados biográficos, cf. Câmara dos Deputados (1981, 1983, 1991); Brasil (1989); e Isto é (1991).
Entrevistas com jornalistas suplementaram as fontes oficiais.
84 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012
A estratégia eleitoral na representação proporcional com lista aberta
(24) Os seis estados do Nordeste são Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e
Sergipe. Os três estados do Sul são Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
(25) Em alguns estados ou grupos de estados, o diagnóstico tanto para o modelo de Poisson como
para o binomial negativo mostrou superdispersão; para outros, Poisson funcionou bem.
Como a verdadeira questão é se um candidato visou o município x, e não quantas emendas
foram realizadas em x, a forma logística é perfeitamente adequada. Essencialmente, os
resultados são um pouco mais próximos às predições do modelo com o Poisson original, mas
ambas as formas são bastante similares.
(26) Pelo fato de este ser um estudo exploratório – e para minimizar as referências a coeficientes
insignificantes com frases como “sinaliza a direção certa” –, adotei um nível de significância de
0,10. No entanto, mais de 80% dos coeficientes significa vos também a ngem o nível de 0,05.
(27) A ausência do sinal previsto no termo quadrá co simplesmente significa que a realização de
emendas não mostrou retornos decrescentes.
(28) Tanto no Rio como no Sul, o coeficiente nega vo na variável distância-em-relação- ao-centro-
pessoal domina o coeficiente da variável distância-em-relação-ao-centro-municipal.
(29) O desvio de São Paulo provavelmente resulta da extrema falta de atratividade da cidade
altamente compe va na qual a maioria dos burocratas mora.
(30) O fracasso dos candidatos em buscar municípios de tamanho semelhante pode ter outra
causa: pequenas comunidades produzem poucos votos, enquanto grandes cidades são muito
compe vas.
(31) Na construção desse indicador, os votos do PFL e do PDS medem o ganho da direita; os votos
do PMDB medem o ganho da esquerda. Essa úl ma é uma medida imperfeita, mas em muitos
municípios o PMDB era a única oposição à direita. Cada deputado foi codificado, com base
na filiação ao par do, em termos de orientação de direita ou de centro-esquerda. Resultados
semelhantes são ob dos u lizando-se os totais de votos de 1978 e 1982 do MDB-PMDB como
subs tutos mais puros da votação do PMDB de 1986.
(32) O desempenho ruim do modelo em São Paulo (embora a nja facilmente significância esta s ca
geral) pode resultar do alto nível de polí ca ideológica do estado, que é uma função da força
dos par dos de esquerda como o PT. O PT encoraja os eleitores a escolher a legenda do par do
ao invés de candidatos individuais.
(33) O modelo incorpora emendas registradas para reduzir o efeito de cada emenda “adicional”. No
Sul, o coeficiente nega vo no termo que representa a interação entre emendas e dominação
significa que as emendas são contraproducentes acima de um certo nível de dominação. Cerca
de 5% dos deputados do Sul ficam acima desse ponto de inflexão. Tais deputados podem estar
engajados em uma luta inú l para manter suas bases em uma região onde a dominação é cada
vez mais rara.
(34) Sabemos, a par r do modelo de estratégia, que os deputados realizam menos emendas conforme
aumenta a distância em relação aos seus centros de votação. O modelo de resultados mostra
que sua votação de 1990 não estava relacionada, de maneira geral, à distância do centro.
Devemos lembrar, contudo, que o modelo inclui a votação de 1986; portanto, o coeficiente só
deverá ser significa vo se houver uma concentração de votos adicional e inesperada. Isso ocorre
em dois casos, Minas e São Paulo, em que deputados com padrões de votos mais concentrados
veram melhor desempenho em 1990 do que em 1986. No momento, não tenho como explicar
esse resultado.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012 85
Barry Ames
(35) A variável dominação mascara quaisquer possíveis efeitos produzidos pelas duas medidas de
fragmentação. Obviamente, a fragmentação é menor quando os deputados dominam os
municípios.
(36) Os deputados também podem mudar de par do para lucrar com o aumento dos esquemas de
bancadas par dárias.
(37) Esses achados também têm implicações para outros contextos polí cos com regras similares,
e.g., as eleições primárias no EUA (tanto a legisla va quanto a presidencial) e eleições para
os conselhos municipais. Com a disseminação dos sistemas de informações geográficas, ficou
muito mais fácil explorar esses contextos.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 59-87, jan/jun 2012 87
O peso do voto metropolitano:
a representatividade das regiões
metropolitanas na Assembleia
Legislativa do Paraná
The weight of the metropolitan vote: the representativeness
of metropolitan regions in the Legislative Assembly of Paraná
Abstract
Resumo In the last few decades the metropolises had had the
Nas últimas décadas as metrópoles tiveram o re- recognition of its relevance in the urban dynamics.
conhecimento de sua relevância na dinâmica urba- However, this very fact has not happened with the
na. Entretanto, não ocorreu a politização do tema politicization of the metropolitan issue. One searches
metropolitano. Busca-se testar a hipótese de que to test the hypothesis of that the recklessness
a negligência em relação às questões metropolita- in relation to the questions metropolitans has a
nas tem um nexo causal com o sistema represen- causal nexus with the Brazilian representative
tativo brasileiro. Esse sistema tende a prejudicar system. This very system that in its implementation
a capacidade de representação parlamentar dos tends to undermine the capacity of parliamentary
centros mais urbanizados do País. Analisaremos a representation of the country's most urbanized
composição da Assembleia Legislativa do Paraná – centers. In this sense, we review the current
ALEP, tendo por base a territorialização dos votos composition of the legislative assembly of Parana –
obtidos pelos deputados eleitos em 2006 nas re- ALEP, based on the territorialization of votes cast by
giões metropolitanas (RMs) polarizadas por Curiti- parliamentarians elected in 2006 in the metropolitan
ba, Maringá e Londrina. A partir dos mapas eleito- regions (MRs) polarized by Curitiba, Maringa and
rais, verifica-se que ocorre uma sub-representação Londrina. From the electoral maps, it is verified
das regiões metropolitanas na Assembleia. Conco- that an under-representation of the regions occurs
mitantemente, há uma sobrerrepresentação das metropolitans in the Assembly. Concomitantly, it
cidades-polo, em detrimento das outras cidades has an overrepresentation of the city-polar region, in
das RMs. detriment of the other cities of the RMs.
Palavras-chave: representação metropolitana; Keywords: representation metropolitan; State
Assembleia Legislativa do Paraná; eleição de 2006; legislature of the Paraná; election of 2006;
representação; voto metropolitano. representation; metropolitan vote.
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Jéferson Soares Damascena e Celene Tonella
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O peso do voto metropolitano
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O peso do voto metropolitano
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Jéferson Soares Damascena e Celene Tonella
Alguns autores, como Ames (2003) e um número excessivo de veto players, ou seja,
Nicolau (2007), sustentam que o formato po- atores com poder de obstrução de mudanças
lítico institucional e eleitoral brasileiro, de lista podem gerar uma permanente crise de gover-
aberta e proporcional, não permite governos nabilidade, uma vez que, para o autor, os políti-
com sustentação parlamentar. Torna-se neces- cos são incentivados a maximizar seus ganhos
sária a formação de alianças amplas, resultan- pessoais, buscando projetos e recursos para
do em coalizões que fragilizariam o Executivo, suas clientelas específicas. Desse modo, grande
que precisaria, então, para governar, lançar parte dos representantes orienta sua carreira
mão de incentivos a um Legislativo inclinado a "para a oferta de contratos de obras públicas
comportamentos individualistas, que minariam e nomeações para cargos burocráticos" (Ames,
a coesão e a disciplina partidárias. Ademais, a 2003, p. 46). Esse tipo de político, com perfil fi-
proporcionalidade na divisão das cadeiras frag- siologista e clientelista, seria majoritário e con-
menta os partidos e reduz a conexão dos elei- tribuiu para o desenho das regras necessárias
tores com seus representantes. Para Nicolau, à vazão livre do paroquialismo no interior do
Poder Legislativo:
[...] com muitos representantes elei-
tos no distrito, os eleitores teriam mais [...] ali os líderes partidários não pos-
dificuldades para identificar o represen- suem controle sobre as bancadas e os
tante e fazer uma boa avaliação de sua indivíduos ou grupos suprapartidários
atuação, seja para puni-lo (caso não encontram-se em condição de determinar
tenha tido uma boa atuação), seja para o preço de sua cooperação. Os presiden-
recompensá-lo (quando tenha tido uma tes da República, por sua vez, precisam
boa atuação). (Nicolau, 2007, p. 61) "estar sempre reconstruindo maiorias".
(Ames, 2003, p. 294)
Ames (2003) toma por argumento cen-
tral a fragilidade do sistema institucional políti- Mesmo com todo o poder, principalmen-
co eleitoral brasileiro, consequência do sistema te em matéria orçamentária, que a Constitui-
de representação de lista aberta, em que as ção lhe outorgou, o Executivo, por não contar,
estratégias eleitorais refletem um tipo singular de fato, com uma maioria no Congresso, se
de competição, que pode ser representado com depara com uma considerável margem de in-
base em duas dimensões: uma, que varia relati- certeza na aprovação da sua agenda. Assim, a
vamente e em ordem direta com a "penetração mesma coalizão que lhe deu sustentação elei-
política vertical" do candidato, ou seja, o total toral para chegar ao poder, não lhe dá garan-
de votos amealhados em determinado municí- tia de sustentação política nas votações. Para
pio ou conjunto de municípios e que traduz a Mainwaring (2001), outra característica dessa
dominância do político naquele espaço. Outra relação entre os Executivos e os Legislativos
disputa se caracteriza pela relação da distribui- brasileiros, derivadas da necessidade de forma-
ção geográfica dos municípios, em que o can- ção de governos de coalizão sempre em bases
didato obteve sua votação e que revela o grau frágeis, seria o uso político dos recursos públi-
de concentração ou dispersão de sua base elei- cos sob a forma de patronagem. Em outras pa-
toral. Combinadas, tais instituições produzem lavras, trata-se da nomeação de apadrinhados
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Jéferson Soares Damascena e Celene Tonella
teriam condições de eleger em torno de 23 de- naturais” perdem o “vigor” na captação de vo-
putados, elegeram 19. Ainda conforme Carva- tos. Ou seja, nas cidades border line da região
lho (2010), na bancada dita metropolitana, a metropolitana, o desempenho dos candidatos
quase totalidade dos deputados apresenta vo- com base em Maringá sofrem a concorrência
tação concentrada em um único município, que de outros deputados.
pode ser a capital do estado ou a cidade-polo: Mesmo que tenha ocorrido uma renova-
ção de 50% entre os quatro deputados eleitos
Ora, se os deputados metropolitanos,
ou o que poderíamos designar de nossa pela região metropolitana de Maringá em 2006
bancada metropolitana, tratam-se de re- em relação a 2002, podemos afirmar que, na
presentantes com votação concentrada prática, mais uma vez apenas a elite estava re-
em suas respectivas RMs, cabe por fim presentada. Talvez assim, sem qualquer ameaça
identificar a natureza – mais ou menos
de ruptura com as elites dominantes, estivesse
integrada dentro do espaço metropolita-
no – do município que recebe a maioria garantida a manutenção de práticas políticas
dos votos dos deputados dali egressos. tradicionais, comprovando que, ainda hoje, a
Selecionando dois pontos no tempo, as renovação em Maringá ainda é conservadora:
eleições de 1994 e a de 2006, verifica-
mos que nossa bancada metropolitana, [...] verificamos que a política local seguiu
além de concentrar a votação, tem seus um padrão recorrente na política nacio-
votos – de forma mais do que majoritá- nal, que é o de manter fortes contornos
ria – extraídos dos municípios-polo (em clientelistas e personalistas. Tal constata-
geral, as capitais dos estados) e das ção baseou-se numa prática dos políticos
áreas mais integradas das RMs. As áreas descompromissados com as bases por
menos integradas, mais periféricas das um lado, e, por outro, no limitado índice
nossas RMs pouco se acham representa- de cobranças por parte da sociedade em
das [...]. (Carvalho, 2010, p. 11) relação aos seus representantes. (Tonella,
1991, p. 160)
Essa constatação explicaria, a priori, a
falta de interesse na politização das questões Levando em conta a votação concentra-
metropolitanas, porque, segundo a literatura da na região, em especial na cidade-polo, e o
da conexão eleitoral, esses deputados estariam histórico dos eleitos mais votados na RMM,
“comprometidos” em atender as suas bases por sendo Ênio Verri (PT), Luiz Nishimori (PSDB),
meio de ações de natureza localista, em uma Dr. Batista (PMN), Cida Borghetti (PP) e Wil-
espécie de “paroquialismo metropolitano”. son Quinteiro (PSB), que assumiu há pouco
No caso da RMM, alguns deputados ob- menos de 18 meses do fim da legislatura, po-
tiveram votações expressivas e concentradas demos inferir, como sugere Carvalho (2009),
não só na cidade-polo, mas também em Saran- a conformação de uma “bancada metropo-
di e em Paiçandu, municípios conurbados com litana.” Porém, à medida que nos afastamos
Maringá. Analisando os dados, um fato que desses três municípios contíguos dentro da
“salta aos olhos” é que, à medida que se sai do RMM, verificamos votações significativas de
centro da RMM, Maringá, a votação dos depu- alguns deputados que não têm sua base elei-
tados que adotamos por seus “representantes toral na RMM, em alguns casos, superando os
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O peso do voto metropolitano
candidatos tidos por “representantes naturais” cidades, votações maiores do que alguns candi-
da região metropolitana. datos que têm sua base em Maringá, o que não
Importante registrar que, dos treze mu- altera significativamente o quadro, pois a cida-
nicípios 3 que compõem a RMM, é apenas e de-polo tem o maior contingente de eleitores.
tão somente em três deles, Maringá, Paiçandu A concentração dos votos dos cinco de-
e Sarandi, os deputados Ênio Verri (PT), Cida putados eleitos mais votados na RMM, de
Borghetti (PP), Dr. Batista (PMN), Luiz Nishi- acordo com o critério de Carvalho (2010),
mori (PSDB) e Wilson Quinteiro (PSB) têm vo- permite assumir que os cinco deputados mais
tação absolutamente maior. Em alguns casos, a votados na RMM sejam considerados “deputa-
votação de pelo menos um dos quatro é me- dos metropolitanos”, porque, do total de votos
nor que a de deputados “estranhos” à região. obtidos na região, todos fizeram mais de 50%
No caso, em Ângulo, Antonio Martins Anibelli desses votos na cidade-polo.
(PMDB) teve 39,97% dos votos nominais, se- É importante observar que, dos quatro
guido por José Durval Matos Amaral (DEM), candidatos mais votados na região metro-
com 15,16% dos votos nominais em contras- politana de Maringá, o deputado Dr. Batista
te com Cida Borgheti (PP), que teve a terceira (PMN) apresentou a maior concentração de
maior votação, 9,26% dos votos nominais. Já votos na RMM (93,68%), mas foi Wilson Quin-
em Astorga, José Durval Matos Amaral (PMDB) teiro (PSB) quem apresentou o perfil de votos
obteve 13,43%, e Luís Nishimori (PSDB) 7,34% mais concentrado na cidade-polo (72,42%),
dos votos nominais. No município de Itambé, demonstrando um padrão mais concentrado.
a situação se repete, demonstrando uma forte Cida Borghetti (PP) foi a mais votada entre os
votação de José Durval Matos Amaral (PMDB), quatro no Estado. Reeleita, ampliou sua base
com 21,78%, enquanto Cida Borgheti (PP) teve eleitoral, tendo a terceira menor concentração
19,29% dos votos nominais. dos seus votos tanto na região metropolitana
Mandaguari confirma a tendência de (77,26) quanto na cidade-polo (49,30%). Já
dispersão de votos dos deputados de Maringá, Luis Nishimori (PSDB), também no seu segun-
mas chama atenção a alta fragmentação dos do mandato, é o deputado da região metropo-
votos, uma vez que possui um eleitorado de litana que tem o perfil mais disperso, apresen-
20.549 votantes, e a maior votação foi de Luis tando o menor índice de concentração tanto
Carlos Caíto Quintana (PMDB), com 5,14% dos na RMM (64,27%), ainda sim bastante alta,
votos nominais, perfazendo apenas 953 votos. como na cidade-polo (33,15%). Entretanto, no
É possível constatar que, dos cinco deputados município de Marialva, seu reduto eleitoral, o
eleitos mais votados, quatro deles têm sua ba- deputado teve votação maior que e de todos
se eleitoral na cidade-polo, Maringá, e apenas os outros juntos, 6.090 votos, e Nishimori (PS-
um, Luis Nishimori (PSDB), teve boa votação, DB) também demonstrou agregar os votos da
mas seu voto é mais disperso. colônia japonesa, muito grande na região nor-
Conforme a análise é feita saindo da te do Paraná.
RMM e da “zona de influência” da cidade-polo, Analisando a concentração dos votos dos
outros candidatos conseguem, em algumas deputados estaduais eleitos, e considerando-se
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que Cida (PP), Ênio (PT), Dr. Batista (PMN) e Nishimori (PSDB) também demonstra agregar
Quinteiro (PSB) residem, votam e têm repre- os votos da colônia japonesa, muito grande na
sentações políticas em Maringá, à exceção de região norte do Paraná.
Nishimori (PSDB), que tem empresa em Marial- A região metropolitana de Londrina é ce-
va, é possível inferirmos que a predominância nário de um fato que confirma a tese defendida
das elites políticas da cidade-polo é muito sig- por Carvalho (2009) de que a sub-representa-
nificativa e decisiva. Por outro lado, os demais ção das grandes cidades e das regiões metro-
doze municípios que fazem parte da RMM, a politanas é intrínseca à natureza do sistema
exemplo de Sarandi e Mandaguari, que contam eleitoral representativo brasileiro. Contando
com o segundo e terceiro maiores eleitorados com oito municípios que representam um po-
da região, respectivamente, estas sim estariam tencial eleitoral de 433.187 votos válidos para
sub-representadas. deputado estadual, a região metropolitana de
Conforme demonstra o Quadro 1, a Londrina elegeu três deputados. Ao comparar-
concentração dos votos dos cinco deputados mos com a região metropolitana de Maringá,
eleitos mais votados na RMM, de acordo com que, mesmo tendo um número em torno de
o critério de Carvalho (2010), permite assumir 29,12% a menos de eleitores (306.168 votos
que sejam considerados “deputados metropoli- válidos para deputado estadual), elegeu quatro
tanos”, visto que, do total de votos obtidos na deputados e um suplente que mais tarde assu-
região, todos fizeram mais de 50% desses vo- miu o mandato, é possível inferir uma conside-
tos na cidade-polo. Interessante notar que, dos rável sub-representação da região metropolita-
quatro candidatos mais votados na RMM, o de- na de Londrina.
putado Dr. Batista (PMN) apresentou a maior O mais votado da RML foi Antonio Be-
quantidade de votos na RMM (93,68%), porém linati (PP), que obteve 78.429 votos válidos,
foi Wilson Quinteiro (PSB) quem apresentou o o que representa 18% do total da região me-
perfil de votos mais concentrado na cidade- tropolitana. O segundo deputado mais votado
-polo (72,42%). Cida Borghetti (PP) foi a mais na RML foi Luiz Eduardo Cheida (PMDB). Co-
votada entre os quatro no estado. Reeleita, am- mo deputado eleito pela RML em 2006, Cheida
pliou sua base eleitoral, tendo a terceira menor (PMDB) também obteve bom desempenho na
concentração tanto na região metropolitana cidade de Londrina (10,61%), tendo uma vo-
(77,26%), quanto na cidade-polo (49,30%). Já tação muito fraca nas demais cidades da RML.
Luis Nishimori (PSDB), também no seu segundo O terceiro deputado eleito mais votado, José
mandato, é o deputado da região metropoli- Durval Amaral (PFL, hoje DEM), obteve 51,41%
tana que tem o perfil mais disperso, apresen- dos votos válidos na RML, nesse que seria seu
tando o menor índice de concentração tanto quinto mandato consecutivo como deputado
na RMM (64,27%), ainda sim bastante alta, estadual, mas poucos votos na cidade-polo.
como na cidade-polo (33,15%). Entretanto, no Por fim, dos três deputados eleitos e mais
município de Marialva, seu reduto eleitoral, votados na RML, apenas Durval Amaral (PFL),
o deputado com votação maior que de todos apesar da votação concentrada na RML, não
os outros juntos, e mesmo com 6.090 votos, apresenta o mesmo desempenho na cidade-
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O peso do voto metropolitano
-polo, tendo um perfil de votação mais disperso ideológica; entretanto, não tem se revertido em
pelos demais municípios, em especial Cambé, números suficientes para eleger representantes
segundo maior eleitorado da RML. da temática.
No caso da RMC, onze deputados tiveram
mais de 50% da votação na região metropoli-
tana, resultando, contudo, em pelo menos três
cenários; Isabete Pavin (PMDB), Cleusa Ferreira
Produção legislativa
(PV), Carlos Simões (PTB) e Edson Strapasson
dos deputados metropolitanos
(PMDB) apresentam-se como os deputados de
caráter metropolitano, com a maioria dos votos Para demonstrar melhor os desdobramentos da
obtidos na região metropolitana, mas não con- conexão eleitoral e da concentração dos votos
centrados na cidade-polo. O segundo caso cor- dos deputados na RMM e na cidade-polo, ana-
responde às votações de Osmar Bertoldi (PFL) lisaremos os projetos de lei propostos (Quadro
e Mauro Moraes (PMDB), os quais apresentam 2). É possível perceber com mais clareza como
as mesmas características de votação restrita se dá a ação localista nas proposições. Para
à RMC, mas com mais de 80% dos votos em tanto, apresentaremos as proposições segundo
Curitiba. Os demais compõem um quadro inter- sua natureza e recorrência, divididas em qua-
mediário de votações mais dispersas em todo o tro linhas gerais, e primeiramente classificare-
espectro metropolitano. mos os projetos de lei que declaram entidades
Como Carvalho sugere, a concentração sem fins lucrativos como sendo de “utilidade
de votos dos deputados ditos “metropolitanos” pública”. Esses projetos são aprovados sem
nas cidades-polo caracteriza um situação não dificuldade no plenário, pois em sua imensa
prevista na literatura da sociologia eleitoral: maioria contemplam entidades e organizações
da base eleitoral do deputado. Assim, nos dete-
[...] estaríamos, então, diante de um hí-
remos mais nesse tipo de projetos por entendê-
brido perverso, não previsto pela tradição
de nossa sociologia eleitoral: a sub-repre- -los como indicadores da ação paroquialista,
sentação das áreas urbanas, de um lado, e uma vez que as entidades passam a gozar de
o paroquialismo metropolitano, de outro. benefícios do Executivo Estadual, com maior
Embora de origem urbana, a representa- acesso a políticas públicas (Cervi, 2009).
ção metropolitana no Brasil, ao concen-
Também agruparemos os projetos de lei
trar sua votação no espaço geográfico de
um único município, se moveria – tal qual que se destinam a prestar homenagens em
os congêneres das áreas rurais pela lógica geral póstumas (nominando ruas, estradas,
do particularismo, deixando fora de sua escolas, prédios públicos); leis que criam da-
agenda temas de natureza universalista, tas comemorativas e leis que concedem títulos
como a governança metropolitana. (Car-
para homenagear personalidades. Essas leis
valho, 2009, p. 369)
também contam com alta taxa de aprovação,
O pressuposto é que o tema metropoli- porque seus efeitos, na prática, são inócuos e
tano chama a atenção de um eleitor de perfil não implicam dispêndio de recursos e servem
mais avançado, com um voto de extração mais apenas para melhorar a imagem do deputado.
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Consideraremos as leis que criam, alteram ou mandato, é a deputada mais ligada às ques-
regulamentam políticas públicas e programas, tões metropolitanas.
envolvendo temas como saúde, educação, meio O segundo tipo de projeto de lei mais
ambiente, direito do consumidor, entre outros. proposto foi criação, alteração ou regulamen-
Essas proposições são caracterizadas, por sua tação de programas e políticas públicas (saú-
natureza, obtêm baixa taxa de aprovação por de, educação, meio ambiente, etc.), tendo 61
entrarem em conflito com as diretrizes aprova- apresentações ou 21,18% do total. O deputado
das por lei complementar ou “simplesmente, que mais apresentou proposições desta natu-
não são consensuais à maioria dos parlamen- reza foi o deputado Dr. Batista (PMN), sendo a
tares (sofrem o dilema da ação coletiva e a maioria deles ligada à temática da saúde, sua
dispersão de preferências entre os deputados)” área de atuação. Dr. Batista costuma reforçar
(Veiga et al., 2008, p. 18). esta identificação, ao percorrer o estado dando
Por fim, classificamos as propostas de palestras sobre vários temas.
projeto de lei que afetam de forma direta a ad- A criação de datas comemorativas,
ministração pública, instituindo cargos e alte- concessão de títulos e denominação de ruas,
rando salários ou regulamentando questões de com 42 solicitações, ou 14,58% do total.
natureza orçamentária e fiscal, como a criação Nesse tipo de projeto de lei, o deputado que
e isenção de tributos. Esses projetos de lei são mais apresentou propostas foi Luiz Nishimori
na maioria arquivados, por tratarem de maté- (PSDB), muitos deles relacionados com a colô-
rias legislativas cuja prerrogativa de proposi- nia japonesa, de todo estado, justificando seu
ção é exclusiva do executivo estadual (Veiga perfil de votação mais disperso. Em relação às
et al., 2008). propostas de lei que tratam da administração
O Quadro 2 demonstra a existência de pública (política fiscal, orçamentária, tributá-
relevante quantidade de projetos de declara- ria), na prática prerrogativas do Executivo e de
ção de entidades de utilidade pública de tal difícil aprovação, apenas 25 foram apresenta-
forma que, do total de 288 projetos propos- das, ou seja, 8,6% do total. Por fim é necessá-
tos pelos deputados da RMM, 62 são dessa rio destacar que, dos 288 projetos de lei apre-
natureza, ou seja, 21,53%. O deputado que sentados (não consideramos sua aprovação ou
mais apresentou este tipo de projeto foi Cida arquivamento), apenas quatro, ou seja, 1,39%
Borghetti (PP) com 23 proposições, sendo 16 versavam sobre a questão metropolitana, sen-
deles para entidades da cidade-polo, Maringá, do dois de Cida Borghetti (PLs 310/2007 e
o que representa 69,57% do total de projetos 344/2007) que incluem municípios na RMM.
de concessão do título de entidade pública, Luiz Nishimori (PSDB ) apresentou uma pro-
apresentados pela deputada. Como já ressal- posta (PL 129/2008), que também inclui mu-
tamos, esse tipo de projeto de lei permite às nicípios na RMM, bem como Wilson Quinteiro
entidades gozarem de benefícios do Executi- (PSB), com a PL 105/2010, que dispõe sobre o
vo Estadual e terem maior acesso a políticas monitoramento da qualidade do ar da região
públicas. Cida Borghetti (PP), no seu segundo metropolitana de Maringá.
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PL Complementar 175/2010 - Altera o art. 1º da lei complementar nº 81, de 17/6/88, que foi alterada
pelas leis complementares nºs 86/00 e 91/02, que institui a região
metropolitana de Londrina (constituída pelos municípios de Londrina,
Cambé, Bela Vista do Paraíso, Jataizinho, Ibiporã, Rolândia, Sertanópolis,
Tamarana, Primeiro de Maio e Alvorada do Sul).
PL Complementar 231/2009 - Altera o art.1º da lei complementar nº 81/88, que instituiu a região
Alexandre Curi (PMDB)
metropolitana de Londrina (inclusão do município de Primeiro de Maio).
PL Complementar 26/2009 - Institui a região metropolitana de Umuarama e dá outras providências
(Umuarama, Alto Paraíso, Cruzeiro do Oeste, Ivate, Perobal, Maria Helena,
Xambrê, Altônia, Alto Piquiri, Brasilândia do Sul, Esperança Nova, Cafezal
do Sul, Cidade Gaúcha, Douradina, Francisco Alves, Icaraíma, Iporã, Mariluz,
Nova Olímpia, Pérola, São Jorge do Patrocínio, Tapejara e Tapira).
PL Complementar 129/2008 - Propõe ampliação dos municípios que compõem a região metropolitana
Luiz Nishimori (PSDB)
de Maringá.
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legislativo que lhes forneça suporte, demons- centros urbanos, que enfrentam problemas ca-
trando quão importante é a representação des- da vez mais complexos, requerendo soluções
sas regiões na arena legislativa. Assim, gestão conjuntas e integradas, e não apenas servindo
metropolitana e representação têm implicação a interesses de acúmulo de capital político com
direta na vida cotidiana do cidadão destes vistas à reeleição.
Celene Tonella
Cientista político. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Estadual de Maringá. Maringá, Paraná, Brasil.
celenetonella@yahoo.com.br
Notas
(1) Ressaltamos, porém, que, devido à falta de colaboração dos responsáveis pela estrutura da
Assembleia Legisla va do Paraná-ALEP, não vemos acesso aos dados referentes às emendas ao
orçamento por parte dos deputados. Sem dúvida, esses dados seriam de extrema relevância na
iden ficação de eventuais prá cas distribu vas e clientelistas.
(3) A RMM conta hoje, oficialmente, com 25 municípios. A adoção de 13 municípios corresponde à
configuração existente em 2006.
(4) A declaração de en dade de u lidade pública pode ser pleiteada nos três níveis de governo. Por
meio desse reconhecimento, as en dades podem obter verbas, isenções, receber doações e
demais bene cios do governo. No caso do estado do Paraná, a legislação é bastante an ga, Lei
6.944, de 10/1/78, parcialmente alterada pela Lei 8589, de 22/10/1987. A Lei 6.944 não define
o po de bene cio que o poder público estadual pode conceder às en dades. Define quais os
requisitos a serem obedecidos para obter a declaração. O ar go 1º, que define os requisitos,
em inciso IV, que comprovadamente, mediante relatório apresentado, promove a educação, a
assistência social ou exerce a vidades de pesquisas cien ficas, de cultura, inclusive ar s cas ou
filantrópicas, de caráter geral ou indiscriminatório.
(5) O deputado Alexandre Curi foi o campeão de votos no Estado, sendo reeleito com 131.988 votos.
Na RMC fez 26.377 votos, mas representou apenas 20% do total. Não se caracteriza, portanto,
como deputado metropolitano.
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O peso do voto metropolitano
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Habitus, planejamento
e governança urbana
Habitus, planning and public governance
Nilton Ricoy Torres
Resumo Abstract
Este artigo é organizado em duas seções. A pri- This paper is organized in two sections. The
meira avalia as teses avançadas por Bourdieu, first deals with the propositions advanced by
formuladas a partir de sua teoria estrutural cons- Bourdieu by focusing on his theory of structural
trutivista. São analisados os conceitos de habitus, constructivism. It draws on Bourdieu's theory of
de "campo" e o da "dinâmica das lutas pelo poder habitus,” field" and "the dynamic of struggles and
e dominação". O objetivo é avaliar em qual medi- within the field" in order to assess the extent to
da as proposições de Bourdieu ajudam a enten- which Bourdieu constructs can help to understand
der a prática de planejamento urbano no Brasil. the dynamic of planning practice in Brazil. The
Na segunda parte são discutidas seis hipóteses second section evaluates six working hypothesis
elaboradas em torno dos conceitos de habitus e dealing with Bourdieu concepts of social field
campo social, de Pierre Bourdieu, que explicam a and habitus which explain the dialectical relation
relação dialética entre o agente e a estrutura. A between structure and agency in the planning
discussão é realizada tomando como referência process. The empirical analysis and the theoretical
a história da prática de planejamento brasilei- confrontations are simultaneously developed by
ra e, em particular, a de São Paulo. Os conceitos taking the experience of Brazilian planning practice
de habitus e de campo são abordados em deta- and particularly that of São Paulo city. The concepts
lhes e articulados aos conceitos de relações de of field and habitus in planning are analyzed in
poder, dominação e ao de lutas de classes, que detail, in articulation with the concepts of power,
são de especial importância para a compreensão domination and class struggle, which according
dos processos de mudança da estrutura social. O to Bourdieu, are central for understanding the
trabalho procura esboçar um esquema que possa process of change of the social structure. The
servir de referência para pensar a prática de pla- paper attempts to sketch a reference framework
nejamento como um campo de posições e de lutas for analyzing the practice of planning as a field
entre forças que buscam a conservação e forças of struggles between forces seeking to keep and
que buscam a transformação social. forces seeking to change the social structure.
Palavras-chave: habitus; campo social; planeja- Keywords: habitus; social field; planning; urban
mento; governança urbana; poder. governance; power.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 115-133, jan/jun 2012
Nilton Ricoy Torres
116 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 115-133, jan/jun 2012
Habitus, planejamento e governança urbana
interioridade”, o habitus busca articular o mo- da consciência que faz recair sobre o sujei-
do como a sociedade se torna depositada nos to a construção da realidade. O habitus é um
agentes sociais sob a forma de disposições esquema historicamente constituído de com-
duráveis e propensões estruturadas para pen- partilhamento generativo de percepções, de
sar, sentir e agir. Essas capacidades irão, então, apreciações e de categorizações, que serve pa-
guiá-los em suas respostas criativas aos cons- ra mediar entre a estrutura e a agência, isto é,
trangimentos e solicitações da estrutura social para conectar a estrutura social e o agente em
em que estão inseridos. um relacionamento dialético (Bourdieu, 1984;
O método de análise é empírico e sistêmi- Hillier e Rooksby, 2001, p. 2). Para Bourdieu, o
co e o pressuposto fundamental é que a dinâ- habitus é uma matriz de disposições, adquirida
mica social se dá no interior de um grupo social com as experiências sociais inculcadas e que
(campo), no qual os indivíduos (agentes), como pode ser entendida como sabedoria prática.
portadores de atributos específicos (habitus) , Essa matriz define os modos de perceber, sen-
estabelecem confrontos pela hegemonia do tir e pensar que levam o agente a atuar de de-
campo. O campo é composto por valores ou terminada maneira diante de certas situações.
tipos específicos de capital produzidos pelo As disposições não são mecânicas nem deter-
campo. A dinâmica social é marcada por lutas ministas, pois resultam de um processo com-
entre os agentes que buscam a manutenção plexo de mútua incorporação e interdepen-
ou alteração das formas de distribuição do ca- dência entre a estrutura e o agente. O agente
pital e das relações de força dentro do campo. as adquire pela interiorização das estruturas
As lutas e os conflitos travados no campo são sociais. Essas estruturas, como portadoras da
comandados por estratégias que encontram, no história individual e coletiva, são internaliza-
habitus, o elemento determinante da ação. O das a ponto de o agente ignorar que existem.
campo é constituído de posições ocupadas pe- São rotinas corporais e mentais inconscientes
los agentes e são essas posições que determi- que permitem o agir sem pensar, pois são pro-
narão a forma de conduta dos indivíduos e gru- duto de uma aprendizagem da qual o agente
pos dentro do campo. Aos conceitos de habitus não tem mais consciência e expressa-se por
e de campo, Bourdieu agrega uma constelação uma atitude "natural" de conduta em um de-
de conceitos secundários que evoluem articula- terminado meio.
dos entre si para fundamentar o entendimento O habitus é um sistema de disposições
relacional do fenômeno social. duráveis e transferíveis que opera como su-
porte das práticas e representações sociais
vinculadas a uma forma específica de exis-
Habitus tência. O habitus é condicionante e condicio-
nador de nossas ações e aparece sob a forma
O conceito é desenvolvido para escapar do de símbolos, crenças, gostos e preferências
racionalismo objetivista do estruturalismo, o que caracterizam a posição social do indiví-
qual reduz o indivíduo às determinações da duo. É incorporado pela interação social, mas,
estrutura, mas também para evitar a filosofia ao ser incorporado, funciona para classificar e
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Nilton Ricoy Torres
organizar essa interação. Uma vez incorporado, inovar seu habitus para se adaptar às novas
o habitus se torna parte da natureza dos agen- situações e demandas sociais. A reflexividade
tes. A incorporação do habitus ocorre de duas crítica no processo de adaptação do habitus
formas. A primeira, pela educação familiar e acelera a transformação. Dessa forma, o
regras de classe, e acontece de maneira implí- habitus é um atributo dinâmico: quando o ator
cita e inconsciente; a segunda é um processo entra em um campo ou jogo que não é familiar,
explícito, metodicamente organizado e provém há uma transformação no habitus e o agente
da educação escolar, da indústria cultural e dos desenvolve novas facetas de si próprio. Com a
meios de comunicação de massa. mudança do habitus, o ator altera sua manei-
Como disposições flexíveis e plásticas, os ra de ver, perceber, julgar e valorizar o mundo,
habitus se manifestam no cotidiano das rela- determinando, então, seu modo de agir cor-
ções sociais de diversas formas. Eles emergem poral e mental. Desse modo, os habitus, como
sob a forma de conhecimento tácito e uma estruturas sociais incorporadas, podem ser vis-
visão de mundo. Expressam-se por meio de tos como formas “de conhecimento prático...
reações às experiências, percepções do jogo, de mundos sociais resultantes… da divisão
hipóteses, por intuições, sensibilidades, modos em classes (grupos de idade, gêneros, classes
de fazer, sentimentos, predisposições, expecta- sociais) e que funcionam abaixo do nível de
tivas, senso de possibilidades e de lugar, ante- consciência e do discurso” (Bourdieu, 1984). O
cipações práticas de uma situação, percepção habitus é, portanto, o mecanismo transmissor
do timing e do tempo, gostos e desejos, do e “inculcador" das normas, dos valores e das
conhecimento das posições, do sentido lógico, crenças do grupo social que agem durante o
das aspirações, inspirações, táticas e estraté- processo de socialização do indivíduo e vão
gias. O habitus é o elemento vital na organi- se tornar os princípios de ação, de atitudes e
zação da vida social, pois atua como uma lei opiniões do indivíduo em sua práxis cotidiana.
imanente para orientar as ações do cotidiano e O habitus, assim interiorizado, é convertido em
para construir o conhecimento prático que ca- uma disposição que produz práticas que vão
pacita o agente a operar no mundo. Assim, o dar sentido à realidade e às percepções que ge-
habitus condiciona os agentes sociais de modo ram significado (ibid.).
a determinar seu modus operandi, suas moti- O habitus não é um espaço natural,
vações, suas preferências, aspirações e expec- mas, ao contrário, é um espaço social cons-
tativas. O habitus não possui soluções prontas truído, incorporado pelas estruturas mentais.
para cada situação ou contexto. Ele é uma res- É um mecanismo que permite a produção e
posta improvisada à circunstância do momen- a reprodução das práticas sociais, pois é uma
to. O habitus é, basicamente, adaptativo. Ele percepção estruturada sobre o modo de agir e
se modifica e adapta-se a cada nova situação comportar-se dentro das normas estabelecidas
e a cada mudança na estrutura social: novos do campo social. O habitus é constituído por
comportamentos, novas tecnologias, novas meio de ações miméticas e participativas em
realidades, novas condições, novas restrições. consonância com as lógicas de interação social
O ator deve e é constantemente compelido a dentro do campo. É pela prática da repetição
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Habitus, planejamento e governança urbana
que o agente aprende uma maneira de ser e de legitimar a ação do agente em suas relações
fazer, percebida como correta. Nesse processo, com a sociedade, o habitus contribui para res-
o agente incorpora uma visão de mundo, um significar essa ação no sentido da manutenção
modo de ser, de fazer, o qual, no contexto da ou da mudança no modo de agir desse agente
práxis, diferencia-o e torna-o distante de outros no campo social. Sendo assim, Bourdieu defi-
que adotam diferentes formas de ser e de fazer. ne o habitus como o produto da internalização,
Pela via do habitus, o agente ocupa seu pelo indivíduo, das condições históricas e so-
espaço no campo social e permite que os de- ciais realizadas ao longo de sua trajetória pes-
mais também ocupem seus espaços, em uma soal e social. Além de produto (consequência)
relação de complementaridade e reciprocidade. da história que produz as práticas individuais e
Por isso, o habitus determina e regula tanto o coletivas, o habitus também produz (causa) his-
indivíduo como o grupo (portanto, as práticas tória em conformidade com os esquemas por
coletivas). Como os habitus sofrem influências ela engendrados. Em outras palavras, o habitus
de diferentes ambientes, decorre que “… as é estruturado (resultado) pela incorporação das
diferentes condições de existência produzem estruturas sociais e pela posição de origem do
habitus diferentes”(ibid.). Assim, as inclinações sujeito e é também “estruturador (causa) das
se transformam em gostos, ações e formas ações e representações dos sujeitos”.
de ser particulares que, por sua vez, reforçam Como o habitus atua como uma espécie
o habitus e mantêm a ordem social existente. de regulador da ação social, tanto na dimensão
O agente social é múltiplo e variável e pode subjetiva como objetiva, ele pode ser usado
desenvolver “múltiplos habitus”, pois ele não para analisar as atitudes subjetivas capazes de
está inextricavelmente imerso em um único estruturar as representações e a geração de no-
habitus, mas pode se mover de um habitus pa- vas práticas. Cada sujeito vivencia experiências,
ra outro e desenvolver comportamentos adap- em função de sua posição na estrutura social
tativos dentro de um mesmo habitus. e essas experiências se efetivam em sua subje-
O habitus está sempre em busca da su- tividade, constituindo uma espécie de “matriz
peração das antinomias que se manifestam na de percepções e apreciações”. Essa matriz ser-
tensão entre os eventos do passado e o pro- virá de guia para orientar as ações do agente
blema do futuro. Nesse sentido, Bourdieu argu- nas situações posteriores. Por terem o habitus
menta que o habitus pode mudar à medida que como fundamento, as práticas e as represen-
as condições sociais e históricas são alteradas tações podem ser orientadas para seu objetivo
(Bourdieu, 2009). Por esse processo, o habitus sem terem de envolver, por um lado, um dire-
incorpora outros esquemas de percepção e cionamento manifesto e consciente em relação
ação, que contribuirão para a conservação ou a aos fins e, por outro, o controle expresso das
transformação das estruturas do campo social. operações necessárias para atingi-los. Essas
Dessa maneira, o conceito de habitus serve pa- disposições são objetivamente reguladas e re-
ra analisar tanto situações de crise e mudança gulares, mas não são produtos da obediência
quanto de coesão e perpetuação do jogo e das às regras; são coletivamente orquestradas sem
relações de poder dentro do campo social. Ao resultar da ação diretriz.
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ações visíveis desses atores (que estruturam de forças" no qual se exerce a dominação;
as relações). Decorre então que o campo não 2) uma estrutura que constrange a ação dos
é uma estrutura estática, mas o resultado da agentes nele envolvidos; (3) um "campo de
história das diversas posições (que o consti- lutas" entre os agentes que atuam de acordo
tuem) e das disposições que elas privilegiam com suas posições no campo de forças, bus-
(cf. Bourdieu, 2001, p. 129). A existência e os cando conservar ou transformar a estrutura
limites de um campo são estabelecidos pelos (Bourdieu, 2010, p. 50). Todo campo é defi-
interesses nele contidos, pelos investimentos nido por uma estrutura de espaços relacionais
econômicos e psicológicos dos agentes e pelas internos (na qual os agentes e instituições
instituições nele inseridas. Para Bourdieu, os coexistem em diferentes posições na estrutu-
campos se estabelecem por processos de di- ra) e pelo espaço externo (que não é campo)
ferenciação social e pelas formas de ser e de (ibid.). Internamente, o campo é constituído
conhecer o mundo de seus membros, que vão, por uma estrutura objetiva de posições e por
então, determinar seu objeto específico e seu uma estrutura subjetiva de disposições, que
princípio de compreensão. Os campos assim se intera gem mutuamente em constante ar-
determinados tornam-se espaços estruturados ticulação. Nesse processo, o campo estrutura
de posições as quais, em um dado momento, o habitus e esse constitui o campo (Bourdieu,
constituem um microcosmo social de valores 1992). O campo é, portanto, a exteriorização
(capitais e cabedais), de objetos e interesses ou objetivação do habitus e esse é a internali-
específicos (Bourdieu, 1987). zação ou incorporação da estrutura social. As-
Bourdieu constrói o conceito de campo sim, a posição do agente no campo é, ao mes-
a partir de uma visão construtivista do estru- mo tempo, causa e consequência do habitus,
turalismo, de forma a permitir que os campos pois limita e gera o habitus da classe em que
sejam analisados como estruturas objetivas, se posiciona o agente.
separadamente das características de seus A posição de um agente no campo de-
ocupantes. A análise se concentra nas estrutu- termina o modo como ele acessa e consome
ras dos diferentes campos, enfocando-as como os objetos sociais e culturais e o modo como
produto da incorporação (gênese) das estrutu- ele produz e acumula valores (Bourdieu, 1984).
ras preexistentes (ibid.). Os campos são conce- O campo é o lugar onde se travam as disputas
bidos como “universos” (universo das artes, da objetivas entre os agentes (indivíduos, grupos
política, da música, da ciência) e constituem-se ou instituições) que competem pelo contro-
como espaços autônomos no interior do mun- le de um cabedal específico (ibid.). Dentro do
do social. A sociedade é, portanto, vista como campo os agentes são vistos como portadores
constituída por diversos campos (universos ou de habitus homogêneos, porque valorizam e
espaços) de relações concretas, possuidores jogam os jogos do campo na disputa por posi-
de uma lógica de funcionamento própria que ções e capital.
é incomensurável, não reproduzível e irredutí- O campo possui propriedades universais
vel à lógica que rege os demais campos. Por (presentes em todos os campos) e caracterís-
isso o campo é definido como: 1) um "campo ticas particulares (específicas de um campo).
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está em jogo é tão importante a ponto de que- de reconhecimento social, tais como o prestí-
rer fazer uma revolução. gio, a honra, autoridade, etc. O capital simbó-
lico é uma síntese dos demais, na medida em
que ele os incorpora e constitui-se pela con-
versão dos demais. A educação de um agente,
Capital por exemplo, representa seu capital cultural;
já o valor simbólico de uma obra de arte po-
Para Bourdieu, o “interesse” significa "capi-
de significar pertencimento a uma classe. A
tal", tanto no sentido econômico como no cul-
honra, a reputação, o prestígio são formas de
tural, social, político, simbólico, etc. Acumular
capital simbólico que obedecem a uma lógica
capital é o alvo fundamental dos agentes de
específica de acumulação fundada no conheci-
um campo e, para ascender ou manter posi-
mento e no reconhecimento do outro.
ções na estrutura do campo, os agentes de-
vem participar dos jogos. É uma luta explícita
que se trava no plano material e político, mas
também no simbólico, no qual se confrontam
Relações de força,
os interesses de conservação (reprodução) e os poder e dominação
interesses de mudança (subversão da ordem
dominante no campo). Todo campo é uma arena de conflitos perma-
O conceito de capital de Bourdieu funda- nentes entre os grupos que mobilizam estraté-
menta-se em uma visão econômica. O capital gias para conservar ou subverter as estruturas
é acumulado (por operações de investimento), sociais. Dentro do campo, as relações de força
é transmitido (por herança) e reproduzido (pe- entre os agentes e as instituições determinam a
la habilidade de seu detentor de investir). A estrutura do mesmo. Essas relações envolvem
valorização e acumulação dos vários tipos de lutas pela hegemonia em busca do controle do
capital ocorrem de diversas maneiras: investi- poder de ditar as regras e de repartir o capital
mento, extração de mais-valia, etc. Etimologi- específico do campo. O modo como o capital é
camente, o conceito de capital é idêntico ao de repartido condiciona as relações entre os agen-
cabedal (ou conjunto de bens) e envolve um tes, determinando sua estrutura (Bourdieu,
sofisticado sistema de conceitos acerca dos 1984). Como o capital é distribuído de forma
elementos portadores de valor que extrapola desigual, relações de competição e de força es-
a visão puramente econômica. Nesse siste- tabelecem-se entre os grupos dominantes que
ma estão incluídos: 1) o capital cultural: co- buscam defender seus privilégios e os demais
nhecimentos, habilidades, informações, etc., grupos. Para Bourdieu, a dominação é exercida
vinculados às qualificações intelectuais pro- sempre mediante violência, seja ela bruta, seja
duzidas e transmitidas pela família e pelas ins- simbólica, e manifesta-se pela coação física so-
tituições educacionais; 2) o capital social: os bre os corpos, ou pela coação espiritual sobre
acessos sociais, isto é, os relacionamentos e a as consciências. O campo é o palco de confron-
rede de contatos; 3) o capital simbólico: rituais tos entre os agentes que detêm o poder e os
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incorpora saberes sobre como planejar, sobre o particular (soluções locais), em um processo
as imagens e os papéis do planejador, sobre dedutivo que permita o controle e a articulação
crenças e certezas de sua prática. O habitus, das propostas e ações.
assim constituído, torna-se um produto de con- Um terceiro modo de incorporação do
dicionamentos que levam o agente-planejador habitus no planejamento é por meio da edu-
reproduzir as condições sociais de sua própria cação profissional e das diversas formas de in-
reprodução, o que se tornará o princípio gera- culcamento de um modo de pensar transmiti-
dor da ação de governança urbana. Segundo, da pelo meio acadêmico, institutos de pesqui-
os habitus são incorporados pela cultura (habi- sa e universidades. Existem diversas correntes
tus) preexistente nas instituições governamen- de pensamento dentro do meio científico
tais nas quais o planejamento se realiza como acerca do que é planejamento e de seu papel
ação pública. Nesses contextos há um discurso social, político e ideológico. Essas correntes
difuso, genérico, universal e consensual sobre possuem premissas, axiomas e métodos intro-
a responsabilidade administrativa e social do duzidos (inculcados) nos alunos através dos
planejar a cidade. O planejador no contexto da anos de formação, constituindo escolas ou
administração pública, pouco a pouco, incor- culturas de planejamento, que determinarão a
pora uma percepção sobre sua missão como forma de ver, perceber e fazer o mesmo.
membro do corpus publicus e resume-se em ● Hipótese 3: O planejamento pode ser
um zelar pelo "bem comum", "pelo interesse entendido como um habitus incorporado à prá-
público" e pelo "bem-estar geral". Estar na po- tica, isto é, um conjunto de disposições e costu-
sição de agente do planejamento integrado à mes que determinam o fazer do planejamento.
estrutura do estado significa trabalhar em fun- O planejamento como um habitus pode
ção do interesse público (do estado). A “cultura ser entendido como um conjunto de disposi-
da casa” (habitus) é outra maneira peculiar de ções definido por crenças, modos de pensar, de
assimilar o jogo do campo, que, no caso da de entender e de perceber. São suposições mate-
São Paulo, é marcado por um modo de fazer rializadas na forma de verdades, maneiras en-
planejamento que tem como ponto de parti- raizadas de fazer e empreender a prática pro-
da a visão sinótica, isto é, planejamento como fissional. O habitus do planejar percebe o pla-
processo que caminha de cima para baixo, no nejamento como um modo de gestão racional,
qual o ato do planejar tem sua gênese na ela- estratégica, capaz de articular a ação adminis-
boração de um Plano Diretor Estratégico que trativa para o controle integrado dos proces-
define as diretrizes gerais de desenvolvimento. sos urbanos. Esse habitus entende que a ação
A necessidade sinótica se constitui como par- do planejar deve partir de formulações gerais
te de um conhecimento tácito, fruto de regras (diretrizes globais), incorporando as várias di-
não escritas e integradas às práticas das insti- mensões do território (usos do solo, transporte,
tuições do governo. Não parece, aos olhos do habitação) para integrar e articular as ações
planejador (habitus), que a prática possa ser di- dos diversos setores da regulação administrati-
ferente. Pela via do habitus o planejamento de- va (setores de obras, saúde, transporte, cultura,
ve caminhar do geral (diretrizes globais) para infraestrutura). Da mesma maneira, fruto de
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habitus já consolidados, o planejamento cons- própria razão de ser do campo, ou seja: o pla-
titui jogo de repressão e tutela, no qual a ação nejamento existe para racionalizar as ações
de polícia é parte integral do planejamento. In- do governo, maximizar os benefícios, coibir
culcada no imaginário do planejador, há uma situações indesejáveis, disciplinar as ações
concepção de proteção do interesse público dos agentes, penalizar os desvios de conduta.
e um senso de responsabilidade social, moti- Como regra geral, o planejamento existe para
vado pelas ideias de zelo, vigília e comando. cumprir essas funções. Independentemente
Sem o planejamento e sob a ação exclusiva do sentido das ações (privilegiar a funciona-
das forças de mercado, a cidade se conflagra lidade do mercado ou a distribuição social da
em caos. Vislumbra-se, então, a pertinência do renda), o nomos do planejamento é sempre
poder regulatório e de regulação do planeja- agir por intermédio do estado, em nome do
mento para amenizar as disfunções, as injusti- interesse público.
ças sociais, as carências espaciais. Imagina-se Em São Paulo, a política de uso e ocupa-
que a competente intervenção do estado e as ção do solo, por exemplo, reproduz-se por ha-
estratégias de luta dentro do campo possam bitus antigos, já consolidados, que foram in-
promover a inclusão social no espaço, consoli- corporados aos modos de administrar o uso do
dar a função social da propriedade e garantir o território urbano. Esses habitus entendem o es-
direito à cidade. paço da cidade como uma bricolagem de áreas
Bourdieu afirma que cada campo possui especializadas (zonas de uso) e com densida-
uma doxa constituída pelo senso comum, ex- des diferenciadas. O objetivo é regular o uso e
pressando-se na forma de ideologia em que as a ocupação do território, tendo em vista man-
circunstâncias são aceitas como "sendo assim ter e garantir a funcionalidade econômica da
mesmo”. São percepções, apreciações e valo- aglomeração e a reprodução das relações so-
res compartidos por todos dentro do campo. ciais. Por essa razão, na regulação do território,
No campo específico do planejamento, a doxa em São Paulo, considera-se normal, de praxe, e
se estabelece em torno da ideia que o planejar até tradição, isto é, entende-se como adequada
deve ser um processo racional, estratégico e e necessária a ação de controlar e disciplinar
calculado, voltado para a resolução de impas- o modo como os usos se estabelecem e as ati-
ses e manutenção das regras do jogo. Ele de- vidades são exercidas no espaço urbano. Na
ve: dirigir, coordenar e regular e para isso deve visão (habitus) dos planejadores instalados no
coibir, restringir ou incentivar. Por isso, a doxa campo de governança burocrático, parece não
do planejamento incorpora, implicitamente, a haver outra forma de administrar o uso do so-
ideia de "reprodução", porque ela se constitui lo senão pelos mecanismos da tutela e da vio-
a partir do ponto de vista da classe dominante, lência simbólica da legislação punitiva. Dessa
mas se apresenta como o interesse universal, maneira, a condução do planejamento do uso
pertencente a todos os membros do campo. do solo, em São Paulo, pode ser vista como um
Os nomos são as regras gerais e estáveis habitus arraigado nas estruturas mentais dos
que regulam o jogo no campo. No campo do planejadores, assim como nas estruturas ob-
planejamento essas regras estão vinculadas à jetivas das instituições de governança urbana.
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Habitus, planejamento e governança urbana
políticas por meio do discurso da racionalidade de importância vital para as lutas nos demais
técnica e científica e de coordenar a distribui- campos sociais, pois é o locus onde se legitima
ção do capital econômico pelo orçamento pú- a distribuição dos capitais econômicos públi-
blico). O poder de regulação e polícia, incorpo- cos. O controle desse poder permite coman-
rado ao planejamento, atua também como um dar várias formas de repartir o capital sobre o
forte mecanismo de distribuição indireta e de território, o que possibilita alterar o equilíbrio
redirecionamento de recursos (e cabedais). de forças e a acumulação de capitais entre os
A capacidade de legitimar as decisões diversos agentes. Visto isso, lutas sociais inten-
políticas e de prover uma imagem menos ar- sas se desenrolam dentro do campo do plane-
bitrária aos sectários acordos de “gabinete” jamento, pois o modo de operar desse campo
é um dos mais cobiçados produtos do campo torna-se uma estratégia para mudar ou manter
do planejamento e rende, conforme sugere as relações de dominação dentro da sociedade.
Bourdieu, o capital simbólico. É a capacidade ● Hipótese 6: O planejamento é um cam-
de produzir esse tipo de capital que permite po especial na medida em que, de tempos em
ao planejamento articular propostas e justificar tempos, ele pode se tornar um “aparelho”.
encaminhamentos essenciais para a eficácia da Sendo o planejamento exercido dentro da es-
administração pública. O planejamento posto trutura do estado, sua prática torna-se direta-
em prática pelos agentes torna-se uma forma mente dependente dos interesses dos grupos
de capital simbólico, pois constitui estratégia hegemônicos no poder.
de dominação ao estabelecer condições, impor Nessas situações, o planejamento é en-
limites, formular premissas, propor objetivos tendido como um campo instrumentalizado do
que, pouco a pouco, se transformam no nomos campo político que o domina e impõe limites à
de toda a população. O nomos, de acordo com sua autonomia. Não há lutas nem competição
Bourdieu, sintetiza a visão dominante que se entre os agentes dentro do campo, e o plane-
impõe ao conjunto da sociedade (grupos domi- jamento se torna apenas uma máquina para
nados). Assim, ao apresentarem suas proposi- produzir legitimações políticas. Normalmente, a
ções sob a forma de "a cidade que queremos" atividade de planejamento é constituída por re-
ou "São Paulo não deve parar" ou "cidade lações de trabalho hierarquizadas e dependen-
saudável", os agentes do planejamento vão, de tes de estruturas de poder externas ao campo.
fato, definindo um conceito de cidade sintoni- Tal condição restringe a autonomia do plane-
zado aos interesses dominantes e expressa-se jador e faz com que as ações de governança
nos planos e nas políticas públicas. É possível dependam de decisões tomadas em outros
afirmar que o habitus o qual comanda a prática universos, isto é, nos campos das autoridades
(e a ciência) do planejamento pode incorporar executivas e/ou legislativas. Nas circunstân-
visões, percepções e concepções de mundo que cias históricas em que a autonomia do campo
acabam por manipular valores, limitar objetivos é reduzida, os conflitos entre os agentes são
e condicionar as diretrizes de ação. subsumidos e as relações sociais no cam-
No contexto da sociedade, o planejamen- po transformam-se em uma espécie de "pax
to é um campo estratégico por produzir valores universal". Esses momentos se caracterizam
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por regimes de governança autoritários, nos pré-concebidos da ação, pois a prática é a res-
quais os agentes planejadores que possuem posta do ator para a questão que se defronta
vinculação política com os grupos dominantes no momento. No caso do planejamento, pode-
(externos) assumem o controle do campo, e -se inferir que o habitus de planejar tempos
o planejamento se torna apenas um instru- históricos, lugares e situações diferenciadas é
mento executivo para desempenhar tarefas o que determina o modus operandi de grande
técnicas. Esses regimes são, de modo geral, parte da prática do campo do planejamento.
marcados por administrações conservadoras Planejamento definido como habitus é
nas quais predominam processos de decisão uma possibilidade e um campo que se abre pa-
pouco transparentes e impostos de cima para ra a pesquisa sobre a prática do planejamento.
baixo. Os planos e as políticas públicas elabo- Nesse novo campo de estudos não há determi-
rados nessas circunstâncias são enigmáticos, nações dadas a priori, pois não há objeto prio-
fechados e sectários, cabendo aos agentes em ritário ou permanente de análise. O foco não se
posição de interventores do campo forjar mo- concentra sobre as estruturas de planejamento
delos justificativos. nem sobre os atores sociais, mas sobre as rela-
ções dialéticas que se estabelecem entre eles. A
formulação de Bourdieu possibilita entender o
planejamento como um campo estruturado de
Conclusão forças e de práticas, permeado por habitus es-
truturados e estruturantes desse mesmo cam-
A contribuição fundamental de Bourdieu para po. O planejamento, assim definido, permite
o entendimento do planejamento como práti- capturar a prática do planejar como um habitus
ca de governança urbana centra-se, a meu ver, que resulta da interiorização das estruturas (de
na ideia de habitus, e seu confronto com uma planejamento) e as mudanças das mesmas co-
situação específica da qual resulta a prática. mo produto da ação de exteriorização das inte-
Ou seja, não há verdades absolutas ou modelos rioridades dos planejadores.
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Habitus, planejamento e governança urbana
Referências
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 115-133, jan/jun 2012 133
Negociando o território: a formulação
do Plano Diretor Estratégico
de São Paulo (2002-2004)
Trading the territory: the formulation of the Strategic
Master Plan of São Paulo (2002-2004)
Resumo
Depois de mais de trinta anos da instituição do
Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado em Abstract
1971, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo foi After more than thirty years from the establishment
sancionado em setembro de 2002, após um inten- of the Plano Diretor de Desenvolvimento
so e peculiar processo de debates e discussões com Integrado (PDDI), in 1971, the Strategic Master
vários segmentos da sociedade aglutinados em Plan of São Paulo was sanctioned in September
três grandes blocos de interesses: os representan- of 2002 after an intense and queer process of
tes do setor imobiliário, as associações de bairros debates and discussions adding several segments
e os movimentos sociais por moradia. A sequência of the society agglutinated in three large blocks
de discussões que culminou com a aprovação, em of interest: the representatives of the real estate,
2004, das leis complementares dos planos regio- neighborhood associations and social movements
nais estratégicos (PREs) e de uso e ocupação do for housing. The sequence of discussions was
solo elevou ainda mais as disputas em torno dos culminated in the adoption, in 2004, of the
interesses específicos de cada um destes grupos re- complementary regional strategic plans and the
presentativos, cujas principais questões e debates zonning law increasing further the disputes over
estão aqui resumidamente relatadas. these three groups.
Palavras-chave: Plano Diretor; planejamento ter- Keywords: Master plan; territorial and urban
ritorial e urbano; processos participativos; Estatuto planning; participatory process; Statute of the City;
da Cidade; Plano Diretor Estratégico de São Paulo. Strategic Master Plan of São Paulo.
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aderência entre discurso e prática. E essa ade- forças determinantes para o resultado final do
rência será tanto maior quanto mais favoráveis plano aprovado, conforme veremos a seguir.
forem as condições de atuação dos segmentos Percebe-se, pelo menos no caso de São Paulo,
mais variados e mais abrangentes da socieda- que este processo de participação despertou-as
de. Assim é que é possível superar tantas ex- para um novo palco de disputas e embates.
periências no Brasil nas quais o campo de lutas
tem sido historicamente escamoteado pela li-
beralidade das políticas urbanas com a tradi-
cional pactuação entre Estado e burguesia. Pa-
A construção do Plano Diretor
ra Oliveira, que estudou o caso de Curitiba, não
Estratégico de São Paulo
há como ser diferente: a compatibilização dos e suas leis complementares
interesses dos empresários com os dos urba-
nistas, pelo menos em torno de algumas ques- O PDE (Plano Diretor Estratégico), como ficou
tões essenciais, é fundamental para o êxito de conhecido o atual plano diretor de São Paulo,
qualquer política de planejamento urbano. Em Lei Municipal 13.430/02, foi sancionado no dia
uma sociedade capitalista, na qual as “coisas 13 de setembro de 2002 e, já em 2004, foi re-
têm donos, inclusive principalmente a terra”, gulamentado com a promulgação da Lei muni-
torna-se limitada a amplitude das realizações cipal 13.885/04, que estabeleceu normas com-
em planejamento (Oliveira, 2000, p. 113). É plementares ao Plano Diretor Estratégico, ins-
através dos processos democráticos aliados à tituiu os 31 Planos Regionais Estratégicos das
constituição de um marco legal mais progres- Subprefeituras (PREs), dispôs sobre o parcela-
sista, entretanto, que tais arranjos podem ser mento e ordenou o uso e ocupação do solo. A
quebrados, gerando novas possibilidades que aprovação desses dois instrumentos legais, que
vão além dos velhos pactos de poder nas deci- se deu durante a gestão da ex-prefeita Marta
sões sobre os rumos do território. Suplicy entre os anos de 2001 e 2004, deve ser
Com a intensificação dos processos vista como um processo sequencial, no qual, a
participativos na condução do planejamen- participação de vários segmentos da população
to municipal a partir da atuação dos Conse- na sua elaboração lentamente se intensificou.1
lhos Munici pais e a exigência da realização Pode-se afirmar com isso que esse processo se
de audiências públicas durante a elaboração deu de forma desigual e variada, tanto em ter-
dos planos diretores, indaga-se se os emba- mos de formatos, como em termos quantitati-
tes, lutas e conflitos entre os vários segmentos vos de participações, sendo possível visualizar
representativos da sociedade estão emergindo quatro momentos bem distintos. O primeiro, no
de fato e estão produzindo novas soluções e período compreendido entre janeiro de 2001
pactos, diferentes daqueles tradicionalmente e maio de 2002, abrangeu o processo de dis-
conhecidos. É através dos estudos específicos cussão para a elaboração do projeto de lei do
destes processos atuais que tal questão poderá plano diretor até seu envio à Câmara Munici-
ser respondida. No caso do novo plano diretor pal. O segundo período, entre maio e agosto de
de São Paulo, assistiu-se a uma polarização de 2002, compreendeu a discussão do projeto de
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lei na Câmara e sua aprovação em 23 de agos- momentos seguintes foram também bem de-
to do mesmo ano (posteriormente sancionado marcados, ressaltando-se novamente a parti-
em setembro). O terceiro, compreendido entre cipação da Câmara Municipal com a notória
novembro de 2002 e agosto de 2003, incluiu relatoria de Nabil Bonduki, na condução do
a discussão para a regulamentação do plano processo, ajudando a fortalecer ainda mais a
diretor com a formulação da proposta da nova proposta sancionada em 2004.
lei de uso e ocupação do solo e a construção
dos planos regionais estratégicos pelas Sub-
prefeituras e o quarto, entre agosto de 2003 Incorporações, rejeições,
e julho de 2004, abrangeu a discussão pública
conduzida pela Câmara Municipal para a apro-
controvérsias e conflitos
vação de todos os projetos enviados, culmi-
no processo de construção
nando na sua aprovação em julho e sanção em dos projetos de lei
agosto de 2004.
No caso da construção do PDE, a ela- Algumas reflexões, diante de processos partici-
boração da primeira minuta do projeto de pativos como o que ocorreu durante a elabo-
lei pelo Poder Executivo e sua revisão e qua- ração e aprovação do PDE de São Paulo e suas
lificação durante o período que tramitou na leis complementares, apontam para o signifi-
Câmara Municipal, embora componham dois cado do avanço das práticas democráticas na
momentos diferentes bem delineados, são sociedade brasileira pós-Constituição de 1988.
parte de um mesmo processo em que se des- Na percepção de uma individualização cada
taca o papel da Câmara Municipal, e, mais vez mais pujante nas sociedades contemporâ-
especificamente, do gabinete do vereador neas, como evidencia Ascher (2010, p. 38), em
Nabil Bonduki, escolhido para ser o relator do que as escolhas individuais são sempre, ao me-
projeto. Sua atuação destacou-se não só pela nos em parte, determinadas socialmente, mas
articulação para viabilizar a aprovação do pro- o sistema em que se constroem essas decisões
jeto de lei, como também pela aglutinação de é mais complexo, e os indivíduos, assim como
forças, menos presentes durante a elaboração as organizações, estão mais conscientes de
do primeiro projeto pelo Executivo Municipal. decidir sob uma racionalidade limitada e su-
A contribuição de demais segmentos sociais, as escolhas dependem de um maior número
como os movimentos de moradia e o envolvi- de interações, pergunta-se como, hoje, é pos-
mento de um número substancial de pessoas, sível fortalecer a esfera pública nos processos
na fase de tramitação na Câmara, imprimiu, à decisórios da arena política. Este tem sido um
nova minuta do plano diretor, maior aderên- dos principais dilemas enfrentados por Antony
cia dos setores populares, demonstrando um Giddens na discussão sobre a passagem da
peculiar e original envolvimento da Câmara modernidade para a pós-modernidade no âm-
Municipal, decisivo para a aprovação do pro- bito da sociologia política. Para ele, a transfor-
jeto em agosto de 2002. No caso da nova lei mação necessária para a reconstituição de uma
de uso e ocupação do solo e dos PREs, os dois vida pública nos tempos atuais baseia-se em
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a necessidade de tornar o plano mais autoa- 5 – a criação de uma nova Zonas Especiais de
plicativo. No seu parecer conclusivo acerca Interesse Social (Zeis), a Zeis 4 (além das outras
do Projeto de Lei 290/02, na ocasião do seu três Zeis propostas), com o objetivo específico
encaminhamento para votação, assim estão de minimizar conflitos de usos na Área de Pro-
registradas as principais alterações à proposta teção aos Mananciais incidente sobre a cidade
original do Executivo: de São Paulo,5 e a delimitação destas e das de-
1 – a necessidade de dividir a Macrozona de mais Zeis indicadas no projeto do Executivo;
Estruturação e Qualificação Urbana, definida 6 – a previsão de um Conselho de Política
no projeto original como uma grande e única Urbana diretamente subordinado ao gabinete
macrozona mista, em quatro áreas diferencia- do prefeito com a principal responsabilidade
das – a Macroárea de Reestruturação e Requa- de coordenar a ação dos conselhos setoriais e
lificação, a Macroárea de Urbanização Conso- acompanhar a implementação dos objetivos
lidada, a de Urbanização em Consolidação e a e ações expressas no plano diretor.
de Urbanização e Requalificação – de acordo Cada uma destas mudanças, algumas
com identificação das características, graus de relativamente profundas, não ocorreu tranqui-
consolidação urbana e necessidades sociais e lamente. A formação dos três grandes blocos
de serviços urbanos específicos; de interesse neste momento: a Frente Popular
2 – a adoção de coeficientes de aprovei- pela Reforma Urbana, que reuniu movimen-
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tamento básico dos lotes (acima de 1) e um tos, ONGs e universidades; o setor imobiliá-
período de transição para aplicação desses co- rio, capitaneado pelo Secovi SP (Sindicato
eficientes no lugar do coeficiente básico 1, defi- da Habitação de São Paulo) e Sinduscon SP
nido no projeto anterior para toda a cidade, de (Sindicato da Indústria da Construção Civil de
modo a evitar impactos negativos no mercado São Paulo) e as associações de bairro, capita-
imobiliário e uma variação brusca nos valores neadas pelo Movi men to Defenda São Paulo
dos imóveis; (Bonduki, 2007, p. 219), evidencia a compo-
3 – o estabelecimento do instrumento da ou- sição de forças diante de questões cruciais
torga onerosa por meio de fórmula previamen- de fundo ideológico e político que a primeira
te definida, cujo valor variável seria resultante minuta apresentada ainda não havia aflorado.
do interesse urbanístico e do interesse social Neste segundo momento, era clara a intenção
de determinadas categorias de atividade para de aplicar os instrumentos da política urbana
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a cidade; em consideração às diretrizes estabelecidas
4 – a definição de uma nova categoria de ha- pelo Estatuto da Cidade. Mas ainda incipientes,
bitação, a Habitação de Mercado Popular, que tais instrumentos inspiravam dúvidas, receios e
junto com a Habitação de Interesse Social pre- desconfianças por parte de alguns segmentos.
sente no projeto de lei original, ampliaria o pa- Um conjunto de críticas e conflitos, que já esta-
drão de habitação a ser estimulado e possibili- vam se delineado ainda no primeiro momento
taria o atendimento às faixas de renda média, de construção do plano diretor, consolidou-se
além da prioritária de “baixa renda”; neste segundo.
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rasa do significado do plano diretor e das ino- entidades interessadas em manter o direito de
vações cruciais que poderia trazer à cidade com construir organizaram-se rapidamente. O Seco-
a inclusão dos instrumentos da política urbana vi, Sinduscon, Creci e outras entidades do se-
estabelecidos pelo Estatuto da Cidade. tor ecoaram juntos na defesa por um potencial
As discussões sobre o potencial constru- básico maior que 1 gratuito, penetrando suas
tivo por zonas iniciaram-se ainda no primeiro representações na Câmara de Vereadores e no
momento, restritas internamente ao governo. Conselho de Política Urbana que se formaria
O ex-diretor do Departamento de Planos Urba- logo em seguida à sanção do plano diretor. O
nos da Secretaria Municipal de Planejamento, argumento apresentado naquele momento não
Engenheiro Ivan Maglio, conta que não havia foi o da “desvalorização do terreno”, mas o do
consenso acerca do uso dos coeficientes de “direito adquirido” – de que a maior parte das
aproveitamento mínimo e máximo 6 para a zonas em São Paulo, à exceção das exclusiva-
aplicação dos instrumentos e de que alguns mente residenciais (Z1), de preservação patri-
participantes pensavam que a utilização de monial e ambiental (como as Z8) e algumas
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um coeficiente básico para toda a cidade des- outras, já possuíam o coeficiente de aprovei-
valorizaria os terrenos. Vencida, porém, essa tamento mínimo igual a 2 e que, portanto, a
etapa de discussão, a versão apresentada pelo capacidade para este tipo de adensamento já
Executivo incluiu, para a maior parte da cidade existia a priori. A isso, associava-se o discurso
(Macrozona de Estruturação e Qualificação Ur- de que o plano que o governo apresentava ti-
bana) o coeficiente de aproveitamento igual a nha uma vertente meramente arrecadatória,
1, podendo ser ultrapassado (até 2,5), limitado pretendendo-se, com ele, inibir o crescimento
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ao “estoque de potencial construtivo fixado imobiliário da cidade.
para cada zona ou distrito” e através de con- No gabinete do vereador Nabil Bonduki,
trapartida financeira9 “representada por bene- esse debate não ficou só no campo da “nu-
fícios urbanísticos à vizinhança e à cidade, a se- merologia”, como bem lembra Evaniza Rodri-
rem prestados pelos proprietários dos imóveis gues, atual Coordenadora da União Nacional
em questão”. O governo passou a defender o dos Movimentos de Moradia. A compreensão
coeficiente básico igual a 1 como forma de di- de que era importante pensar os modelos de
rigir a queda dos valores dos terrenos, questão ocupa ção a partir das diferenças existentes
que foi refutada pelos produtores imobiliários na cidade e de que o adensamento construti-
que não acreditavam nessa tese. O Secovi SP vo não significava necessariamente adensa-
alegava, por exemplo, que, mesmo com o coefi- mento populacional elevou a discussão para
ciente igual a 1, os proprietários manteriam os questões de fundo, considerando os vários
preços altos e os empreendedores buscariam estágios de consolidação urbana e as várias
outras alternativas para a produção de imóveis: centralidades e, em especial, o centro principal
compra de terrenos maiores e construção de da cidade e a sua dinâmica de esvaziamen-
condomínios horizontais. A coalizão de forças to populacional. Essa reflexão levou à criação
em relação ao potencial construtivo tomou for- das quatro Macroáreas dentro da Macrozona
ça nos momentos seguintes, mas é certo que as de Estruturação e Qualificação Urbana, como
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mencionado acima, assumindo-se os diferen- bairros onde reside a população de maior faixa
tes graus de consolidação que esta Macrozona de renda. Em quase todos, a recusa à “inva-
possuía. Além disso, a adoção dos “fatores de são” do comércio, ao trânsito e à verticalização
planejamento: Fp” e dos “fatores sociais: Fs”10 apareceu fortemente nas variadas manifesta-
presentes na fórmula de outorga onerosa, di- ções, inclusive na imprensa, como demonstra a
ferenciados e aplicados em cada macroárea série de matérias publicadas semanalmente pe-
específica, considerava toda a discussão em lo caderno “Imóveis” do jornal Folha de S.Paulo
relação às formas de adensamento construtivo durante o mês de setembro de 2002, logo após
e populacional. O resultado deste processo foi a aprovação do PDE.
a alteração do coeficiente de aproveitamento Na maior parte delas, o descontentamen-
básico 1 proposto no projeto de lei para um to com a lei aprovada foi amplamente noticia-
que variou de 1 (nas antigas zonas Z1, Z9, Z6 do, já que para esses moradores entrevistados,
e Z7) a 2 (nas demais). A essa decisão, houve tratava-se de manter ou tornar estes bairros
uma forte reação dos grupos que defendiam a livres de qualquer interferência, fosse pela res-
contenção à verticalização e as associações de trição a intervenções públicas como ampliação
moradores que bradavam pela preservação dos e extensão de vias, fosse pela proibição de usos
bairros residenciais de baixa densidade cons- do solo mistos. Uma vez que as disposições so-
trutiva e populacional. bre zoneamento não foram incluídas nas alte-
As associações de moradores e de bairros rações do plano diretor, muitas associações que
protagonizaram os debates acerca da segunda reivindicavam restrições mais rígidas nas regras
grande questão polêmica do plano diretor. Parte de uso e ocupação de seus bairros sentiram-se
das discussões ficou conhecida pela veemência não contempladas.
com que o Movimento Defenda São Paulo con- De um lado, estavam aquelas associações
duziu as negociações com o Poder Executivo e que ou defendiam a manutenção das zonas ex-
com a Câmara de Vereadores. Ainda que, para clusivamente residenciais, ou lutavam para que
a opinião pública, esse debate tenha se restrin- seus bairros fossem transformados em uma.
gido à defesa da preservação das chamadas De outro, estavam os comerciantes e donos de
“zonas exclusivamente residenciais”, delimita- estabelecimentos de usos não residenciais que
das originalmente na Lei de 1972, como Zona queriam aproveitar o momento para regularizar
1 (Z1), ele foi mais diversificado e incluiu um situações de inadequação diante da antiga lei
conjunto de posicionamentos que tinha na ma- de zoneamento de 1972. Moradores do Jardim
nutenção da qualidade urbana de alguns bair- da Saúde, Parque dos Príncipes e Jardim Cam-
ros uma bandeira de luta. As discussões locais po Grande, por exemplo, lutaram para que seus
foram ganhando força até culminar no momen- bairros se transformassem em zonas exclusiva-
to da elaboração dos planos regionais, quando, mente residenciais e se articularam para incluir
após um maior amadurecimento acerca das uma das emendas aprovadas pela Câmara (ar-
problemáticas e intenções do poder público, os tigo 160), mas vetadas pela prefeita na ocasião
embates foram mais intensos. Neste campo, in- da sanção. Em lado oposto, estavam os donos
teressante notar que os alardes ocorreram nos de lojas localizadas em vias que atravessavam
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bairros exclusivamente residenciais, como a rua aprovação do plano diretor estratégico. Para
Gabriel Monteiro da Silva, uma das principais alguns urbanistas, que compunham uma ver-
avenidas que corta o tradicional bairro Jardim tente de oposição ao governo da ex-prefeita
América e que se consolidou com o uso predo- Marta Suplicy, as modificações comandadas
minantemente comercial, bem como os donos pelo gabinete do vereador Nabil Bonduki ti-
de restaurantes e outros tipos de atividades nham melhorado significativamente o projeto,
da Vila Nova Conceição, que também se mo- mas eram ainda insuficientes – demandavam
bilizaram para aprovar uma emenda (artigo uma melhor articulação entre as tantas leis e
165) a seu favor, parte vetada pela ex-prefeita planos que foram remetidos para regulamen-
Marta Suplicy. tação posterior (como transporte e habitação)
O critério, adotado pelo relator Nabil com as diretrizes do plano, assegurando-se a
Bonduki, de não autorizar mudanças pontuais aplicabilidade de demandas importantes. O re-
de zoneamento no plano diretor estratégico corte do zoneamento foi, para eles, decorrente
permitiu que muitas das emendas propostas da ausência de uma tipologia clara de zonas.
não fossem aprovadas e que, por solicitação Um dos interlocutores deste momento, o pro-
do próprio vereador e de mais 20 entidades, fessor e urbanista Luiz Carlos Costa, insistia na
fossem vetadas pela prefeita. Isso permitiu que articulação de todos os elementos do plano.
todos os conflitos em relação ao zoneamento Em entrevista concedida no dia 15 de agosto
pudessem ser amadurecidos e discutidos com de 2002 para o jornal Folha de S.Paulo, Costa
mais calma no momento seguinte, durante as ressaltava a necessidade de que o plano dire-
reuniões regionais, o que resultou em acalora- tor contivesse todos os elementos necessários
dos debates nas dezenas de encontros realiza- para assegurar a coerência, no conjunto da ci-
dos durante a construção desses planos, com dade, das ações executivas e normativas pro-
vários dos conflitos resolvidos e outros amplia- postas. Em outras palavras, dizia:
dos. Assim é que bairros como Jardim Paulis-
Não basta, por exemplo, definir um siste-
tano, Jardim América e Jardim Europa conse-
ma de transportes com determinada capa-
guiram a manutenção da exclusividade do uso cidade se não ficarem igualmente estabe-
residencial e bairros como Vila Nova Conceição lecidos os limites quantitativos de uso pa-
tiveram parte de seu território enquadrado em ra as regiões servidas por ele (...). Apesar
zona exclusivamente residencial, parte em zo- dos diversos mapas que ele contém, não
se consegue visualizar claramente qual o
na mista.
plano urbanístico proposto, seus objetivos
O mosaico resultante deste processo de- e a estratégia de implementação.
monstra o peso das negociações, mas aponta
também para uma complexidade, em termos Esta questão da capacidade de suporte da in-
de número de zonas e parâmetros de uso e fraestrutura em consonância com o zoneamen-
ocupação do solo. Esta aparente falta de sen- to ensaiava alguns posicionamentos da crítica
tido lógico, que ficou mais patente depois de que se faria, nos anos posteriores, à aprovação
aprovada a lei de zoneamento, já vinha sen- do plano diretor e da lei de uso e ocupação do
do discutida ainda no conturbado período de solo, quando o setor de produção imobiliária
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caso, foi feita, na sua maioria, pelas Habi’s, terrenos ou edifícios isolados, mas grandes
que recebiam indicações dos movimentos de perímetros que incluíam conjuntos de imóveis
moradia, da Cohab-SP (Companhia Metropo- contíguos de vários proprietários e com várias
litana de Habitação de São Paulo) e da CDHU modalidades de uso, predominando, entretan-
(Companhia de Desenvolvimento Habitacional to, os não utilizados ou subutilizados.
e Urbano do Governo do Estado de São Paulo). A arquiteta Ana Lucia Ancona, que coor-
A Cohab, por exemplo, desenvolvia um estudo denou o processo de delimitação dessas Zeis
de imóveis para constituir um banco de terras pela Sehab, argumenta que era importante
da Companhia para futuros empreendimentos trabalhar critérios para viabilizar a implemen-
habitacionais. Todos esses terrenos estudados tação destas zonas, já que não cabia delimitar
foram indicados. todos os terrenos vagos. Esses critérios passa-
Na perspectiva de se utilizar esses imó- vam, por exemplo, pela questão da viabilidade
veis disponíveis para a habitação em todas as técnica e econômica, pois nem todos os imó-
regiões da cidade, surgiu a ideia, então, de veis indicados eram adequados ou viáveis para
se trabalhar com uma categoria de Zeis que a construção de habitação social, em razão,
abrangesse imóveis na área central da cidade. principalmente, do seu preço. Uma forma de
Consideradas como categoria à parte, essas trabalhar esses critérios foi introduzir regras
zonas foram denominadas Zeis 3, constituídas específicas para os empreendimentos habita-
tanto por terrenos não utilizados ou subutili- cionais de interesse social, categoria de uso
zados (estacionamentos, por exemplo) como criada especificamente para o caso das Zeis.
por edifícios verticais não utilizados ou aban- Um dos critérios de atendimento, neste caso,
donados. A delimitação dessas também tinha era o de renda familiar (até seis salários mí-
antecedentes, já que a Coordenadoria do Pro- nimos), mas outros, como por exemplo, tama-
grama Morar no Centro, ligada à Sehab, ha- nho mínimo da unidade, restringiam o atendi-
via contratado estudos para a delimitação dos mento a um universo específico de famílias ou
chamados Perímetros de Reabilitação Integra- pessoas. Por outro lado, havia também a preo-
da do Habitat (PRIHs). Ao incluir setores urba- cupação de que os perímetros fossem de fato
nos ocupados por habitações precárias e corti- coerentes com a situação de subutilização –
ços na área central, os objetivos desses eram um dos critérios, por exemplo, foi indicar imó-
o de valorizar as potencialidades do bairro e veis subutilizados há pelo menos cinco anos.
da comunidade, mobilizar os grupos visando Ancona lembra que a diversidade de usos era
sua organização e exercício da cidadania e a uma diretriz clara do plano diretor e, portanto,
inclusão social por meio de melhorias das con- o recorte mais adequado das zonas tinha que
dições habitacionais. Muitos desses períme- seguir referências de uso do solo. Não se pre-
tros foram, portanto, delimitados como Zeis. tendia delimitar grandes áreas ou bairros intei-
Mas não só. Antigas áreas industriais aban- ros, mas estabelecer, de fato, um recorte pre-
donadas nos eixos ferroviários ao longo do rio ciso daquelas propriedades que eram interes-
Tamanduateí e na Vila Leopoldina também fo- santes para habitação de interesse social. Ao
ram incluídas. Não foram delimitados apenas que parece, tal diretriz foi objeto de conflitos
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com os movimentos que desejavam imprimir estratégia, nesse caso, era possibilitar a produ-
perímetros mais extensos, como fizeram no ção habitacional também pelo mercado, além
distrito da Mooca, cuja proposta teve que ser do poder público. No campo das modificações
ajustada por Sehab, recusando boa parte das pontuais estavam as inclusões de Zeis propos-
áreas indicadas pelos movimentos. tas pelos movimentos e por vereadores. Muitas
Todo o trabalho de delimitação, neste foram recusadas pela equipe da Sehab, mas
primeiro momento, foi realizado em no máxi- voltaram a ser propostas durante a elaboração
mo três meses e as Zeis foram incluídas sem dos planos regionais. As porcentagens de HIS
muitos debates. Mas quando o Projeto de Lei (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habita-
chegou à Câmara, a mobilização dos movimen- ção de Mercado Popular) obrigatórias nas Zeis
tos trouxe nova luz para a questão. Segundo também foram incluídas, além dos incentivos
Evaniza Rodrigues, enquanto havia certo con- em relação ao não pagamento das outorgas
senso em relação às Zeis 1, as Zeis 2 e 3 esta- onerosas e o estabelecimento do coeficiente
vam aquém das expectativas dos Movimentos. de aproveitamento máximo em 4 para as áreas
Foi a coalizão de forças que se deu naquele centrais, gratuito para HIS.
fórum que permitiu uma entrada mais efetiva Os Movimentos consideravam os períme-
dos Movimentos nesta discussão. É importante tros de Zeis 2 e 3 apresentados pelo Executivo
lembrar que a Conferência Municipal de Habi- insuficientes e, desde então, o trabalho junto à
tação que havia acontecido em setembro de Câmara Municipal foi o de propor a delimita-
2001 tinha municiado os movimentos a discuti- ção de novas zonas. Evaniza Rodrigues conta
rem propostas para a política habitacional que que a busca por novos terrenos se deu de for-
passavam pela reativação dos mutirões como ma relativamente improvisada. Sem recursos
forma de produção habitacional, regularização (automóveis, funcionários ou técnicos), grupos
fundiária, obras de urbanização e pelo incen- dos Movimentos se organizaram para visto-
tivo à moradia no Centro. Dali, a inclusão de riar terrenos e apresentá-los ao gabinete do
zonas especiais orientadas para a produção da vereador Nabil Bonduki. No gabinete, um gru-
moradia era um passo. po de técnicos auxiliava os grupos a localizar
Na Câmara, modificações expressivas e delimitar esses terrenos no mapa da cidade.
alteraram substancialmente o projeto original. Depois, eram encaminhados à Sehab para que
No campo das modificações gerais, houve a efetivassem a delimitação completa.
inclusão da categoria de Zeis 4 – imóveis va- Os conflitos, neste momento, vieram à
gos localizados na Área de Proteção aos Ma- tona, pois boa parte das áreas indicadas pelos
nanciais, pensados para servir como “áreas movimentos não foram novamente aceitas por
pulmão” no processo de remoção de famílias Sehab, esbarrando naqueles critérios previa-
moradoras em áreas de risco naquela zona e, mente estabelecidos. Evaniza lembra que uma
no âmbito da discussão com o setor imobiliário, parte das indicações era de terrenos muito
a inclusão de mais uma categoria de tipologia pequenos, abaixo do critério de tamanho es-
habitacional, a de mercado popular, para aten- tabelecido e, além disso, estava a questão dos
der às famílias de até 16 salários mínimos. A preços considerados elevados para viabilizar
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empreendimentos de interesse social. Quando 16, passou a ser praticado após a aprovação
o Projeto de Lei chegou novamente à Câmara do plano diretor por cooperativas habitacio-
Municipal, as deficiências continuavam laten- nais ou incorporadoras voltadas ao mercado
tes para os movimentos de moradia. Na cha- habitacional de “renda média”. Isso aqueceu a
mada “região leste 1”, por exemplo, não havia possibilidade de não ter que usar o instrumen-
sequer uma área delimitada e, mesmo com a to das Zeis para realizar empreendimentos de
indicação de novos imóveis pelos movimen- interesse desse mercado.
tos, a configuração não se modificou. Terrenos Do outro lado está a crítica dos próprios
bem localizados nas regiões leste e sudeste, setores ligados ao mercado imobiliário que não
por exemplo, não tiveram a concordância por concordaram com o conjunto de Zeis 3 delimi-
parte da SEHAB. Percebia-se uma tendência, tadas na área central. Demarcadas em perí-
orientada pelos critérios estabelecidos, em diri- metros relativamente extensos, as Zeis 3, para
gir as Zeis de “vazios” nas áreas mais periféri- Eduardo Della Manna, diretor de Legislação ur-
cas da cidade. A primeira proposta lançada em banística do Secovi-SP, nunca seriam viabiliza-
um boletim do plano diretor nos primórdios do das em razão dos altos preços dos imóveis se-
processo já mostrava esta tendência, e o ma- lecionados. Os pouquíssimos empreendimentos
pa final incluído no plano aprovado ratifica sua já produzidos, restritos à esfera do Poder Pú-
posição em relação às Zeis 2. blico, demonstram a dificuldade de viabilizar as
Para Evaniza Rodrigues, o tratamento Zeis 3, segundo ele. A partir de outra ótica, es-
dado às Zeis 2 foi a grande falha do plano di- sa constatação também foi feita por Tsukumo
retor, demonstrando um descontentamento, (2007). Ela ressalta que estudos recentes mos-
ainda hoje, em relação aos resultados alcan- tram que o Centro não está desvalorizado e
çados. “Este conjunto de Zeis 2 nem arranha que a demarcação das Zeis 3 partiu, portanto,
o déficit habitacional atual”, diz ela. Suas crí- de uma suposição equivocada – de que a sim-
ticas não param por aí. Lamenta o fato de que ples manutenção da população de baixa renda
tais Zeis não estejam relacionadas com outros no Centro seria, por si, um fator de deprecia-
instrumentos, como o parcelamento, edifica- ção dos valores dos imóveis. Assim também, a
ção e utilização compulsórios ou o direito de autora alerta para uma crença exagerada no
preem pção, por exemplo. Lembra também poder transformador dos instrumentos urbanís-
que a faixa salarial estabelecida em até seis ticos, que devem estar inseridos em estratégias
12
salários mínimos como critério de atendi- mais arrojadas de gestão, investimentos e pro-
mento acaba privilegiando apenas as famílias dução habitacional. Cabe ressaltar, neste senti-
que possuem faixas salariais mais próximas do, que a participação ou intervenção dos pro-
de seis, excluindo aquelas com faixas salariais prietários de imóveis, cruciais para a efetivação
abaixo de três. Assim também, a permissivida- de qualquer política habitacional, não foi muito
de para a instalação de usos mais diversifica- expressiva nos momentos de construção do
dos em Zeis, não restritas à habitação social plano e, ao que parece, ficaram, na sua maioria,
pode “deturpar”, às vezes, seu objetivo origi- alheios ao processo ou tiveram intervenções
nal. O atendimento ao HMP, em faixas de 6 a muito pontuais.
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Negociando o território
Nos momentos seguintes à aprovação destinada a HIS e HMP, e desses, 50% obriga-
do plano diretor, pode-se dizer que houve uma tórios para HIS e os outros 30% para HIS ou
forte mobilização para a inclusão de novos HMP. Em Zeis 2 e 3, neste montante de 80%, a
perímetros de Zeis, principalmente das Zeis 2, composição foi fixada em 40% para HIS e 40%
demonstrando-se que o amadurecimento do para HIS ou HMP. Os outros 20% poderiam ser
processo e a realização destas reuniões regio- destinados a outros usos, inclusive para HMP.
nais foram essenciais para a revisão destas zo- Outra modificação importante que deve ser
nas, questão que não tinha sido devidamente destacada refere-se às exceções previstas para
esgotada nos momentos anteriores. O papel todos os casos de Zeis e também incorpora-
dos Movimentos, na insistência de incluir novos das posteriormente na lei de uso e ocupação
perímetros, resultou no aumento expressivo do solo. Foram excepcionados das destinações
de Zeis. Se em relação às Zeis 1, por exemplo, obrigatórias nestas Zeis: os terrenos públi-
houve um aumento de pouco mais de 23% de cos edificados ou não edificados, destinados
perímetros delimitados (517 no PDE para 640 a áreas verdes e a equipamentos sociais de
nos PREs), em relação às Zeis 2 e 3, houve um abastecimento, assistência social, cultura,
aumento de mais de 94% de perímetros (292 educação, esportes, lazer, recreação, saúde
dos PREs contra 150 do PDE). e segurança, além dos terrenos particula res
Por outro lado, as negociações com o edificados ou não edificados que viessem a
setor imobiliário resultaram em modificações ser destinados a equipamentos sociais, desde
não satisfatórias nas regras da composição que conveniados com o Poder Público. Tais ex-
de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habi- ceções são até bem-vindas, pois assumem a
tação de Mercado Popular (HMP) em Zeis. O prática corriqueira de atividades diversificadas
artigo 176 do PDE estabelecia que nas Zeis 1 nos assentamentos habitacionais. O problema,
e 2 era obrigatório destinar o mínimo de 70% no entanto, foi não ter se estabelecido um per-
13
da área construída para HIS, podendo o res- centual mínimo obrigatório para os empreen-
tante da área ter destinação em conformida- dimentos habitacionais. Todas essas inserções
de com as regras da antiga Z2 – que permitia tiveram impactos na aplicação posterior deste
usos mistos – e nas Zeis 3, tal porcentagem foi instrumento, já que antigos edifícios residen-
fixada em 50%, podendo o restante ser utili- ciais delimitados como Zeis 3 e que se assen-
zado em conformidade às regras estabelecidas tam sobre antigas áreas verdes públicas não
para a antiga Z4, que também permitia usos terão que ser obrigatoriamente reabilitados
mistos. Por pressão dos setores imobiliários, tal para habitação. É o caso dos edifícios São Vi-
regra foi substancialmente modificada na lei to e Mercúrio, localizados no centro da cida-
de zoneamento. Em Zeis 1, estabeleceu-se que de, que foram demolidos para dar lugar a uma
no mínimo 80% da área construída deveria ser provável praça.
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Sidney Piochi Bernardini
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Negociando o território
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Notas
(1) Es ma-se que até o final do processo com promulgação da Lei que ins tuiu os planos regionais
estratégicos e a lei de uso e ocupação do solo, par ciparam mais de cinquenta mil pessoas e
mais de três mil en dades.
(2) Em dezembro de 2003, após o Projeto de Lei ser encaminhado à Câmara Municipal e a realização
de inúmeras audiências públicas regionais e temá cas, uma liminar solicitada pelo Promotor
de Jus ça Mário Malaquias determinou a interrupção do processo, alegando que a Prefeitura
não havia publicado os dois projetos de lei (zoneamento e planos regionais) para a realização
das audiências públicas e que os planos regionais deveriam ser discu dos junto a dois outros
projetos: o plano municipal de habitação e o plano municipal de circulação viária e transportes.
Na prá ca, tal interrupção demonstrava o descontentamento de alguns setores, principalmente
das associações de bairros que discordavam de aspectos do zoneamento, pouco discu dos ou
não atendidos nas audiências anteriores. Uma matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo,
em 4 de setembro de 2003, indicava a existência de “brecha” no projeto do zoneamento, que
permi a a instalação de comércio e serviços em zonas exclusivamente residenciais, questão que
era absolutamente atacada pelas associações desses bairros residenciais.
(3) Coeficiente de Aproveitamento é a relação entre a área construída de uma edificação e a área do
terreno que ela ocupa.
(4) Ins tuído pelo Estatuto da Cidade, o instrumento da outorga onerosa do direito de construir
consiste na concessão que o Poder Público Municipal oferece ao particular, mediante o
estabelecimento de normas no plano diretor municipal, para que possa construir acima do
coeficiente de aproveitamento fixado para aquela área ou zona, mediante contrapartida
financeira. A fórmula da outorga onerosa foi ins tuída com a inclusão de dois fatores: o fator
de planejamento urbano e o fator de interesse social, que deveriam variar conforme a zona e os
obje vos de desenvolvimento urbano e de diretrizes de uso e ocupação do solo estabelecidos
no PDE.
(5) A Área de Proteção aos Mananciais foi ins tuída pelas leis estaduais 898/75 e 1172/76, incidindo
sobre vários municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Com o obje vo de proteger os
mananciais hídricos da região, o perímetro desta área abrangeu extensos territórios no entorno
dos reservatórios hídricos des nados a abastecer sua população. No caso do município de São
Paulo, o perímetro incluiu áreas no entorno dos reservatórios Billings e Guarapiranga que,
mesmo com a ins tuição da lei, veram um rápido e danoso processo de ocupação irregular,
comprometendo a qualidade das águas destes reservatórios.
(6) O PDE considerou o coeficiente de aproveitamento mínimo aquele abaixo do qual o imóvel pode
ser considerado subu lizado e máximo, aquele que não pode ser ultrapassado.
(7) Coeficiente básico é, segundo o PDE, aquele que resulta do potencial constru vo gratuito inerente
aos lotes e glebas urbanos.
(8) Estoque de potencial constru vo é, segundo o PDE, o limite de potencial constru vo adicional,
definido para zonas, microzonas, distritos ou subperímetros destes, áreas de operação urbana
ou de projetos estratégicos ou seus setores, passível de ser adquirido mediante outorga onerosa
ou por outro mecanismo previsto em lei.
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Negociando o território
(9) Contrapar da financeira é o valor econômico, correspondente à outorga onerosa, a ser pago ao
Poder Público pelo proprietário de imóvel, em espécie ou em Cer ficado de Potencial Adicional
de Construção – Cepac.
(11) O ar go 171 da Lei do PDE definiu as Zonas Especiais de Interesse Social como sendo porções
do território des nadas, prioritariamente, à recuperação urbanís ca, à regularização fundiária
e produção de Habitações de Interesse Social – HIS ou do Mercado Popular – HMP definidos
nos incisos XIII e XIV do ar go 146 desta lei, incluindo a recuperação de imóveis degradados, a
provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter
local.
(12) Ana Lucia Ancona lembra que o teto estabelecido em seis salários mínimos teve como referência
o parâmetro adotado para o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que na prá ca tem
atendido às faixas salariais acima de quatro salários mínimos.
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Regionais Estratégicos.
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A espacialidade degradante tendencial
e o horizonte de uma educação
política do espaço
The tendency towards a degrading spatiality
and the horizon for political space education
Ulysses da Cunha Baggio
Resumo Abstract
Este artigo se propõe a analisar a formação pro- This article aims to analyze the progressive
gressiva de uma condição socioespacial contra- formation of a contradic tor y sociospatial
ditória, descontínua e desigual, submetida a uma condition, discontinuous and uneven, submitted
crescente privatização e mercantilização, que se to increasing privatization and commodification,
afirma como uma tendência na urbanização ex- that has been consolidating as a trend in
tensiva contemporânea. Ela se apresenta bastante contemporary extensive urbanization. It is spread
difundida no mundo atual, com forte incidência no out in the current world, with strong incidence
Brasil e na sua realidade urbana, não se restringin- in Brazil and in its urban reality, not only in
do a expressões metropolitanas, mas também re- metropolises, but also in small and medium cities,
cobrindo cidades médias e pequenas, constituindo, thus constituting an urban geography of space
desse modo, uma geografia urbana da segregação segregation. Reverberating in the dimensions
espacial. Reverberando nas dimensões da vida co- of daily life, this contradictory and intensified
tidiana, esse movimento contraditório recrudescido movement raises insurgencies and practices of
suscita insurgências e práticas de caráter reativo, a reactive nature, which open up possibilities
pelas quais se abrem possibilidades a formas de for the forms of appropriation and use of space,
apropriação e uso do espaço, mais especificamen- more specifically of the city. This scenario has
te da cidade. Esse cenário nos estimulou a pensar encouraged us to think about the importance
sobre a importância e a necessidade de uma educa- and necessity of a political space education for
ção política do espaço para a contemporaneidade. contemporaneity.
Palavras-chave: segregação espacial; alienação Keywords : space segregation; sociospatial
socioespacial; apropriação do espaço; representa- alienation; appropriation of space; representation
ção do espaço; educação política do espaço. of space; political space education.
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Ulysses da Cunha Baggio
No plano da vida cotidiana (âmbito em Pode-se admitir, nesse sentido, que a con-
que se estabelece o embate dialético entre tro- vivência e a ocorrência de relações mais diretas
ca e uso), regida pelo urbano e estreitamente entre as pessoas no espaço urbano não só es-
relacionada e condicionada pelo Estado, o tem- timulariam um sentido mais humano à cidade,
po (e as relações sociais), à medida que se dis- como também sentimentos de pertencimento
tancia dos ciclos naturais, mostra-se progressi- e afeto por ela, componentes fundamentais à
vamente como tempo econômico, quantitativo, civilidade e à cultura pública, o que solicita o
isto é, como tempo de trabalho, em detrimento (re)aprendizado da convivência e o exercício da
do tempo humano e social, o que constrange e tolerância, que só se realiza sob condições de-
subverte relações preexistentes. A concepção e mocráticas mais efetivas, ou ainda sob plenas
a experiência do tempo tornam-se, assim, con- condições de emancipação social.
tábeis, e a vida urbana, ritmada pelo tempo do Embora a cultura racionalizante capitalis-
trabalho, suscita uma concepção quantitativa ta incida amplamente na sociedade e no espa-
bastante difundida na sociedade. Essa condi- ço, há descontinuidades e situações pelas quais
ção, de acordo com Erich Fromm, traz impli- podem se precipitar certas insurgências sociais
cações na própria “orientação do caráter” das não alinhadas a ela, através das quais a apro-
pessoas, a que ele designa como “orientação priação do tempo e do espaço pode ocorrer
mercantil”, cujas raízes estariam “na impres- sob a perspectiva de uma maior valorização do
são de que se é também ‘mercadoria’ e do va- humano, que, ao objetivar-se nos lugares por
lor pessoal de cada um como valor de troca”. modos territoriais de vivência, o redefiniria pe-
lo sentido do uso. Daí valorizarmos a fecundi-
A concepção mercantil de valor, o des-
dade de experiências socioespaciais livres, que
taque dado ao valor de troca antes que
ao valor de uso, levou a uma concepção se objetivam como formas e práticas (como
semelhante de valor aplicável às pessoas certos movimentos de moradores de bairro na
e particularmente à própria pessoa de luta pelo resguardo e preservação de patrimô-
cada um. [...] Na orientação mercantil, o nio arquitetônico-urbanístico bem como modos
homem enfrenta suas próprias forças co-
territoriais de vivência, movimentos de cultura
mo mercadorias dele alienadas. Não está
unificado com elas, pois estão dissimula- de arte e música em periferias e áreas centrais
das para ele, porque o que importa não é da cidade, etc.) com as quais a vida cotidiana
sua realização pessoal ao empregá-las, e se desenrola na cidade, mais independentes
sim seu sucesso em vendê-las. Tanto suas ou distanciadas de funcionalismos e dirigismos
forças quanto o que elas criam se afas-
do Estado, uma vez que este não se apresenta
tam, tornam-se algo diferentes de si, al-
go para os outros julgarem e usarem. [...] aqui como mediação única ou exclusiva entre
A premissa da orientação mercantil é a as pessoas e sua liberdade, representando, por
vacuidade, a ausência de qualquer quali- assim dizer, efetivas utopias urbanas do dese-
dade específica que não seja suscetível de jo, dotadas de um caráter libertário, pois mais
modificação, pois qualquer traço persis-
espontâneas e ao gosto de seus atores. Nesse
tente de caráter poderá algum dia entrar
em choque com as exigências do merca- sentido, elas encerram virtualidades luminosas
do. (Fromm, 1978, pp. 65-76 passim) quanto à constituição de outra espacialidade,
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em que pese o fato de serem as práticas sociais de uma miríade de atores/agentes, geogra-
voluntárias de vivência aquelas que prescre- fizam processos e situações sociais, a realiza-
vem maior sentido à vida, capazes de precipitar ção da vida e da existência nas suas mais va-
a constituição de espaços mais estimulantes e riegadas expressões e especificidades. Nesse
influenciadores, forjados por práticas de apro- sentido, a apropriação pode ser compreendida
priação e uso mais qualitativo de lugares. Uma como os diversos modos pelo qual o espaço é
vez que indagam a possibilidade de novas vias ocupado e usado, tanto por formas materiais
à cidade e ao urbano, elas incitam à problema- (objetos), como por atividades inscritas ter-
tização da alienação política e de uma forma ritorialmente (que configuram os usos da ter-
de socialização sob os influxos e modulações ra), e ainda por indivíduos e segmentos sociais
do capital e do mercado, o que vale dizer de variados. Quando a apropriação do espaço se
uma socialização não política. Vale lembrar, a realiza de forma sistematizada e institucionali-
propósito, que o sentido maior da política é a zada ela pode envolver a produção de formas
liberdade. Abre-se, assim, uma perspectiva pela territorialmente determinadas de solidariedade
qual se pode pensar a cidade não apenas como social, operando, ademais, como uma efetiva
ela é, mas também como ela pode ser a partir atribuição simbólica e valorativa de lugares,
de práticas, virtualidades e sobrevivências irre- necessária à própria reprodução da sociedade.
dutíveis do tempo presente. Isso vale dizer que as formas podem adquirir
ressignificação socioespacial, de modo a aten-
der necessidades não previstas e não contem-
pladas, não raro negadas pelo próprio Estado.
O espaço sob A apropriação, portanto, está inserida no uni-
uma tensão objetivada verso das relações sociais e recobre práticas
sociais de naturezas diversas sobre o espaço,
Sob os vetores de uma massiva mercantiliza- ações empreendidas por sujeitos sociais nos
ção, o espaço é submetido à potencialização lugares, com as quais eles são representados
do conflito entre valor de uso e valor de troca, e interpretados, em que pesem mediações da
entre demandas referenciadas à existência e à técnica, da política e das ideologias. A apro-
vida, de um lado, e de apropriações do espaço priação do espaço, bem como seu uso não
para fins de obtenção de algum benefício eco- apenas se dão desigual e fragmentadamente,
nômico e renda, de outro. Essa tensão é insepa- como também se mostram dotados de certa
rável da mercadoria e, portanto, do próprio es- flexibilidade em seu processo de realização,
paço, tensão que se objetiva como um conflito como bem se pode constatar no universo dos
efetivamente socioespacial, integrando, assim, problemas urbanos, tais como a precarieda-
o mundo prático-sensível. de das condições de moradia para boa parte
A apropriação se insere no universo da da população, insuficiência e degradação de
política, portanto é inerente ao processo social, infraestruturas técnicas e sociais, baixa ofer-
pela qual a sociedade na sua diversidade, por ta de áreas de lazer, dificuldades no trânsito,
meio da atuação permanente e multifacetada entre outras expressões. À medida que elas se
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concreta que prescinda do componente materiais conquistados por estas lutas, tais co-
territorial”, exercendo interferências importan- mo moradia, benfeitorias urbanas, etc., não po-
tes na vida das pessoas na cidade. E acrescenta: dem ser negligenciados pela análise, uma vez
que sem eles a existência não alcança condi-
[...] o valor do indivíduo depende do lugar
ções mais favoráveis e melhoradas na cidade
em que está e que, desse modo, a igualda-
de dos cidadãos supõe, para todos, uma e na vida urbana, tornando a figura do cidadão
acessibilidade semelhante aos bens e ser- uma mera ficção ou caricatura.
viços, sem os quais a vida não será vivida Considerando-se que a cidadania implica
com aquele mínimo de dignidade que se o acesso democratizado a serviços e bens urba-
impõe. [...] Uma repartição espacial não-
nos básicos, ela se articula à formação de um
-mercantil desses bens e serviços, basea-
da exclusivamente no interesse público, espaço público na cidade, sobre o qual recaem
traria, ao mesmo tempo, mais bem-estar as forças do mercado e os desígnios do con-
para uma grande quantidade de gente e sumo, impactando e reduzindo sua existência.
serviria como alavanca para novas ativi-
Os processos de especulação ampliada do solo
dades. (Santos, 1993, pp. 116-117)
urbano estão na base dessa condição mortifi-
Decorre que, à medida que a cidadania cante do espaço público na cidade, que revela
incorporasse o território em sua base, ela seria a prevalência do valor de troca no território. Por
então capaz de imprimir maior eficácia quanto essa via, as relações de sociabilidade, de identi-
ao tratamento de problemas sociais no nível dade e vínculo com o lugar são constrangidas e
econômico, político e social. Dado que ela está redefinidas, mas não propriamente eliminadas
inserida no universo das relações políticas, ad- de forma absoluta diante dos limites encon-
quire, assim, uma efetiva expressão geopolíti- trados no movimento de realização geográfica
ca, pois as relações políticas e o território, para do valor de troca. As possibilidades quanto a
além de interagirem recíproca e estreitamente, uma possível revalorização do espaço público
figuram na base da formação e do exercício do não se restringiriam, pelo nosso entendimento,
poder. Ademais, não se pode perder de vista o à esfera do Estado, mas fundamentalmente a
fato de que a efetiva realização da cidadania e determinadas práticas de (re)apropriação so-
seu exercício pressupõem o direito a uma in- cioespacial inventivas e dotadas do sentido do
serção digna na cidade, isto é, de determinadas uso social coletivo, para as quais o poder pú-
condições que favoreçam o uso social e coleti- blico, é bem verdade, pode empenhar esforços
vo de forma permanente na cidade. O próprio importantes, necessários e urgentes. É nesse
percurso das lutas sociais urbanas se revela sentido que determinadas formas urbanas po-
como um campo de experiências e aprendiza- derão assumir outras e novas funções que refli-
do social politicamente profícuo, pelo qual a tam o interesse social e público, e não apenas
construção da cidadania pode ser forjada. Afo- interesses particulares específicos. O espaço
ra questionamentos se o percurso dessas lutas poderá se tornar, assim, aquilo que a sociedade
é ou não mais importante que seus resultados, deseja que ele seja, o que também envolve a
há que se considerar que os serviços e os bens mobilização do desejo no sentido da mudança
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Ulysses da Cunha Baggio
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Condomínios fechados, tempo, espaço
e sociedade: uma perspectiva histórica*
Gated communities, time, space and society:
a historical perspective
Rita Raposo
Resumo Abstract
Neste artigo, discutimos as origens do fenômeno This paper discusses the origins of the “gated
“condomínios fechados”, sua evolução e a sobre- communities” phenomenon, its evolution, and
vivência contemporânea das suas características the contemporary enduring of its more distinctive
originais mais distintivas. Analisamos o modo como pristine features. It is about how a specific and
essa forma socioespacial específica, historicamente historically located socio-spatial form got to
localizada, logrou chegar ao presente praticamente survive almost unchanged in its very symbolical
inalterada no que respeita às suas principais carac- core, and in its essential social and political
terísticas simbólicas e ao essencial das suas condi- background conditions, for more than t wo
ções sociais e políticas de base, apesar de todas as centuries in spite of all the obvious supervening
transformações registadas ao longo de mais de dois changes. Our analysis is essentially based on the
séculos. A análise baseia-se na bibliografia interna- available international literature on the issue and
cional disponível sobre o assunto e na observação on the direct observation of the phenomenon in
direta do fenômeno na Área Metropolitana de Lis- the Lisbon Metropolitan Area, which we have been
boa, que estudamos em profundidade desde a dé- studying in depth since the 1990s, and in other
cada de 1990, e noutros lugares do mundo que tive- world cases we had the opportunity to confront
mos a oportunidade de confrontar empiricamente. empirically with.
Palavras-chave: condomínios fechados; origens; Keywords: gated communities; origins; social
produção social; segregação; simbolismo. production; segregation; symbolism.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 171-196, jan/jun 2012
Rita Raposo
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e invadiram o território das principais metrópo- ausência a ocidente e a norte), padrão para
les, instalando-se nos seus subúrbios, cidades e o qual existem explicações históricas relativa-
exúrbios (ou seja, nas zonas situadas para além mente simples e compreensíveis (e.g. Raposo
da linha de urbanização metropolitana). Passa- e Cotta, 2009).
ram também a assumir formas muito variadas: Malgrado as grandes variações formais
dos empreendimentos urbanos (em regra de exibidas pelo fenômeno CFs, ao longo do tem-
escala mais reduzida e essencialmente cons- po e do espaço, ele corresponde a uma forma
tituídos por edifícios de apartamentos) até às socioespacial distintiva. Essa afirmação resulta
grandes master-planned communities suburba- de uma definição própria e de uma interpreta-
nas e exurbanas já citadas. ção sociológica específica do fenômeno. Essas
Se Blakely e Snyder (1997) estimaram baseiam-se na análise das principais caracte-
que nos EUA, nesse mesmo ano, já existiam rísticas espaciais, sociais, físicas, funcionais e
20.000 empreendimentos fechados corres- legais dos CFs localizados na AML e noutras
pondentes a 3 milhões de unidades residen- partes do mundo e do tempo (documentados
ciais e respeitando a 8 milhões de residentes, internacionalmente), assim como dos principais
no resto do mundo o fenômeno começou a fatores e processos de produção social regular-
fazer-se notar desde cerca de 1980, nalguns mente associados ao seu surgimento e expan-
casos de forma já muito expressiva. Nomea- são. Comecemos pela proposta de uma defini-
damente no Brasil, nessa sua “década perdi- ção (Raposo, 2002 e 2003) que consideramos
da” (Ribeiro, 1996), os condomínios fechados suficientemente compreensiva, distintiva e em-
afirmaram-se como uma realidade importan- piricamente operacional. De acordo com essa,
te, pelo menos no Rio de Janeiro (idem) e em os condomínios fechados correspondem a uma
São Paulo (Caldeira, 1996). Em contrapartida, forma socioespacial residencial que contempla
por então, em Portugal (que, de resto, terá si- um conjunto diverso de soluções de habitação
do fortemente influenciado pelo caso brasilei- (edifícios isolados e conjuntos de edifícios de
ro), à semelhança de outros países e regiões, apartamentos; conjuntos de moradias; conjun-
apenas surgiam os primeiros exemplares (Ra- tos mistos que incluem os dois tipos anteriores)
poso, 2002). No que respeita ao mundo maior, e que detém, simultaneamente, as três caracte-
existe informação segura de que o fenômeno rísticas seguintes: 1) equipamentos privados ou
se encontra representado, pelo menos desde privatizados de utilização coletiva em número
o final dos anos de 1990 (e em clara expan- e tipo variável (e.g., ruas, piscinas, campos de
são desde então), em vários países africanos, tênis, jardins, parques); 2) impermeabilidade do
americanos, asiáticos, europeus e da Oceânia: perímetro e controlo do acesso (Luymes, 1997)
China, Angola, Bulgária, Líbano, Argentina, de tipo e grau variável; 3) propriedade priva-
Austrália, Índia, Malásia, Chile, Rússia, África da coletiva (ou acesso a e usufruto coletivo
do Sul, Singapura constituem apenas alguns privatizado) de espaços exteriores associados
exemplos. Para o caso europeu, vale a pena à função residencial que coincidem com ou
salientar a prevalência do fenômeno a sul e a constituem o suporte físico dos equipamentos
leste e em Inglaterra (e sua quase completa já referidos.
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identificam com uma “população involunta- intermédio da sua forma construída e da sua
riamente definida e tratada como inferior pela apresentação publicitária (o que é especial-
sociedade dominante” (Marcuse, 1997, p. 232). mente válido para a edição contemporânea).
Alternativa e tipicamente, os residentes em CFs Como se verá, malgrado todas as mudanças
provêm de classes médias e médias-altas, já que intervieram ao longo de mais de dois
que, se bem que com excepções, os membros séculos, as semelhanças entre ambas as edi-
de classes de topo parecem preferir, em regra e ções são extraordinárias.
graças à sua maior liberdade de escolha, solu-
ções residenciais mais individualizadas.
Considerar que os CFs correspondem a
uma forma de segregação serve tanto à com-
Discussão de duas
preensão de vários aspectos relativos à sua na-
teses sobre a origem
tureza como à sua produção social. O mesmo dos condomínios fechados
acontece com a consideração de que aqueles
se tratam, tipicamente, de um produto imobi- No que respeita à pesquisa das origens do
liário. Os condomínios fechados são uma mer- fenômeno, é frequente encontrar duas teses
cadoria que obedece a uma fórmula definida, a principais, que, de resto, surgem muitas ve-
qual, apesar de poder exibir diversas formas, é zes associadas. A primeira respeita essencial-
quase sempre um caso de engenharia do tem- mente à identificação de visões específicas
po, do espaço e da sociedade. Interpretá-los do espaço e da sociedade que, supostamente,
assim é também uma maneira de indicar que o terão inspirado diretamente (e, portanto, sido
lado da oferta, a indústria imobiliária (incluin- responsáveis por) a formação e a configuração
do os agentes que, no passado, ainda estavam física e social dos CFs. Por sua vez, a segun-
longe de merecer por inteiro tal designação) da tese é relativa aos antecedentes históricos
sempre teve um papel decisivo na sua criação e do fenômeno, isto é, às formas socioespaciais
expansão. Nas próximas páginas, analisaremos similares que terão precedido no tempo os
o trajeto histórico do fenômeno. Começaremos condomínios fechados contemporâneos. Ora,
por discutir algumas teses existentes sobre a se bem que estas duas demandas não sejam
origem dos CFs, para, logo em seguida, passar exatamente incompatíveis, é de notar que elas
à análise da sua primeira edição histórica, das devem ser claramente distinguidas já que cor-
suas formas e das suas principais condições de respondem a questões bastante diferentes. A
produção social. Por fim, olhamos a atual edi- primeira é sobre a possível influência que al-
ção do fenômeno, evocando as principais se- gumas construções ideológicas tiveram na his-
melhanças e continuidades que os atuais CFs tória dos condomínios fechados; a segunda é
apresentam em relação aos seus antecessores. sobre essa mesma história.
Nomeadamente, analisar-se-ão seu contexto de A primeira tese a que nos referimos de-
produção social específico, assim como as prin- fende que o modelo da Cidade Jardim, de Ebe-
cipais representações do tempo, do espaço e nezer Howard (1850-1928) corresponde a uma
da sociedade que exibem, nomeadamente por das principais origens dos CFs (e.g. Caldeira,
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2000, e a sua referência à “linhagem” do fe- dos principais seguidores, nesse continente,
nômeno). Claramente, e conforme à distinção das ideias de Howard. De fato, a par de Stein,
supra, esse argumento refere-se à genealogia vários outros arquitetos e urbanistas norte-
ideológica dos CFs e não à sua história real. A -americanos foram conquistados para o ideal
segunda tese, tantas vezes repetida, por sua da Cidade Jardim, com destaque para seus
vez, clama que a verdadeira origem dos con- parceiros da Regional Planning Association
domínios fechados contemporâneos radica nas of America. Essa correspondia a um grupo de
cidades fortificadas europeias pré-modernas. inovative thinkers em que também se incluía
Ora, se bem que esses dois argumentos te- Lewis Mumford (McKenzie, 1994, p. 9). Mesmo
nham, como vimos, naturezas muito distintas, já depois da II Guerra Mundial e do fracasso
entendemos merecer por igual o exercício da de Radburn, esse grupo continuou a insistir,
crítica. Comecemos com o caso do modelo da sem sucesso, na implementação do ideal da
Cidade Jardim. Apesar de poderem ser aponta- Garden City nos EUA. De facto, “ they could
das algumas semelhanças formais entre os CFs not overcome the ideological and financial
e a visão de Howard, as diferenças são segura- qualities of American city building practice”
mente em maior número e muito mais signifi- (Richert e Lapping, 1998, p. 127).
cativas. Os únicos elementos que os dois casos O ideal de Howard das Garden Cities
têm, mais ou menos, em comum são a proprie- of Tomorrow (note-se que esse é o título da
dade e o governo privados de todo o solo da ci- segunda impressão, datada de 1902, já que a
dade, o caráter autocontido (mas não fechado, obra deu originalmente à estampa em 1898
no ideal de Howard), o planeamento geral e o sob o nome de Tomorrow: A Peaceful Path to
desprezo do tecido urbano existente (de resto, Real Reform) apenas foi inteiramente aplicado
um traço comum, à maior parte das visões mo- em Inglaterra, ainda que se tenham sucedido
dernistas da urbe). Contudo, mesmo estes ele- outras “realizações paralelas” na Suécia, nos
mentos podem conduzir a interpretações muito Países-Baixos, em Itália e na União Soviética
diferentes e, seguramente, a desenvolvimentos (Mumford, 1964, p. 650). Da iniciativa direta
práticos muito distintos. de Howard e da Garden City Association, que
Recorde-se, imediata e exemplarmen- aquele fundou em 1899, apenas surgiram
te, com McKenzie (1994), como a experiência duas cidades novas em Inglaterra: “il invitait
norte-americana de Radburn, concebida inicial- tous ceux qui pouvaient faire confiance à
mente como a translação inaugural do mode- sa conception et qui avaient les capitaux
lo de Ebenezer Howard para os EUA, resultou nécessaires, à tenter avec lui l’experiénce
em apenas mais um “monumento ao privatis- de la construction de la première cité-jardin,
mo”, já que esse ideal colidiu com a natureza expérience qui débuta à Letchword, en 1904.
e o espírito mais profundos do capitalismo Une quinzaine d’années plus tard, il commença
norte-americano. O planeamento de Radburn, d’édifier, à Welwyn, une autre cité semblable”
Nova Jersey, iniciado em 1928, teve por princi- (Mumford, 1964, p. 645). Mas a influência
pal arquiteto Laurence Stein, um dos grandes dessa concepção não se ficou por aí. Para além
urbanistas norte-americanos de então e um de ter largamente influenciado o urbanismo
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do século XX, o sucesso obtido nessas Mas para além do tema da propriedade
duas primeiras experiências em Inglaterra privada do solo, que tantas vezes tem levado à
conduziu diretamente à adoção do modelo confusão do modelo das Cidades Jardim com
no planeamento e construção das New Towns o caso dos condomínios fechados, há outros
inglesas do pós-guerra (idem). aspectos de relevo que, na respectiva com-
Em contrapartida, como vimos, apesar de paração, também têm contribuído para esse
os EUA estarem mais próximos de Inglaterra do tipo de interpretação. Nomeadamente, tem
que de qualquer outro país no que respeita a sido frequentemente estabelecida uma equi-
tradições urbanísticas e jurídicas, e de, declara- valência direta entre o governo tecnocrático
damente, terem constituído uma das principais da Garden City e o governo dos CFs por asso-
fontes de inspiração da obra de Howard, neles ciações de proprietários. Contudo, mais uma
o modelo não teve qualquer sucesso prático. A vez, existem limites práticos, e especialmente
par de outros aspectos, a questão da proprie- ideológicos, para tal interpretação. É claro que
dade do solo constituiu, desde o início, um dos o fato de Ebezener Howard ter projetado o go-
principais problemas de adaptação do ideal verno da Cidade Jardim como uma tecnocracia
das Garden Cities às terras norte-americanas. ajuda a esse tipo de leitura. Contudo, vejam-se
Howard previu no seu modelo que todo o so- imediatamente as observações de McKenzie
lo dessas cidades haveria de ser privado, assim (1994, p. 5) sobre esta matéria.
como o seu governo. Contudo, essa concepção
continha um “detalhe” enorme, tão grande, que The government Howard proposed was
a democratically controlled corporate
os EUA nunca poderiam ter “engolido” (e muito
technocracy. Renters would elect the
menos os potenciais investidores no projeto): a heads of various practical departments
propriedade privada do solo haveria de perma- grouped under general headings: Public
necer coletiva, e os particulares, os residentes, Control, with departments on finance, law,
apenas poderiam ser arrendatários de lotes ou assessment, and inspection; Engineering
[…].The city’s constitution would more
de unidades de habitação. Radburn acabou por
closely resemble the charter of a business
alojar apenas 500 famílias; o promotor, a City corporation than the governing document
Housing Corporation, faliu em 1934; o plano of any existing nation or city.
físico ficou muito longe de se conformar com
This principle reflected Howard’s belief
o das Garden City e, acima de tudo, a popula- that politics, in the sense of various
ção que veio a instalar-se nessa nova planned interests competing for favor in the
community não tinha nada a ver com a que ins- distribution of government services and
wealth, would be essentially eliminated
pirara todo o projeto. Radburn acabou por ser
in his planned city. In place of politics
apenas mais uma “suburban sudivison for the
and ideology would be the rational
moneyed classes, albeit one with a number of management of practical matters by
innovative features”, uma “upper middle class experts, each elected to a particular
town” (McKenzie, 1994, p. 48), dotada de uma department because of his or her
expertise in the area.
população homogênea e suburbana.
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1998, p. 127). Também Tuan (1990) apresen- internas, e o caso em que esses mesmos ele-
tou opinião semelhante, frisando que a Cidade mentos construídos servem a separação de
Jardim, e nomeadamente a sua materialização diferentes grupos ou classes sociais no seio da
em Letchworth, foi desenhada como uma ver- mesma cidade. Assim, tal tese falha um aspec-
dadeira cidade, incluindo uma população diver- to decisivo, seja o fato de os CFs corresponde-
sificada, múltiplos usos do solo e uma elevada rem a uma forma genuinamente moderna e de
densidade residencial. Esses mesmos argumen- constituírem uma faceta ou variante específica
tos poderiam ser usados hoje para marcar a di- da história geral da segregação social que ca-
ferença entre o ideal da Cidade Jardim e os CFs racteriza de modo distintivo a cidade moderna
(em especial na sua versão master-planned), o (e a pós-moderna, se bem que com variações).
que, de resto, já foi feito por Paul Knox (1992, De fato, o trabalho das ciências sociais
p. 207). Esse salienta que, ao contrário do mo- (e.g. Fishman, 1987; Tuan, 1990; Salgueiro,
vimento das Cidades Jardim e das New Towns 1992) veio revelar a existência de profundas
inglesas, a proveniência das MPCs contemporâ- diferenças entre as sociedades modernas e pré-
neas (na sua maioria muradas e fechadas), que -modernas no que respeita ao fenômeno da
apelida “paisagens empacotadas”, “is almost segregação, nomeadamente no terreno das ci-
entirely from within the private sector, their dades. Demonstrou que na cidade pré-moderna
objectives being less concerned with planning aquele fenômeno é relativamente excepcional,
and urban design as solutions to problems of já que é caracterizada pela mistura funcional
urbanization than as solutions to the problem e social, segundo um padrão dito de “grão fi-
of securing profitable new niches within the no” e restrito a casos muito específicos, isto é,
urban development industry”. que nem constituem a norma, nem se baseiam
Passemos agora à discussão da tese em princípios de desigualdade socialmente
que clama que a verdadeira origem dos CFs centrais nesse contexto, pelo menos a Oci-
contemporâneos (seja a sua origem histórica) dente. É assim que a segregação nas cidades
radica nas cidades europeias fortificadas pré- pré-modernas se encontra apenas associada a
-modernas. De um modo geral, esse argumento princípios de ordem étnico-religiosa (o exemplo
costuma ser apresentado de uma forma muito clássico é o do gueto de Veneza do século XV:
solta, apenas evocando as muralhas e os por- vide Sennett, 1994, para uma análise aprofun-
tões que nessas cidades protegiam as respecti- dada da matéria), ou profissional e corporativa.
vas populações de diversas ameaças exteriores. Nas cidades pré-modernas (com destaque para
Em nossa opinião, esta tese esquece-se de um as europeias) não só não se observa a segrega-
elemento fundamental que inviabiliza qual- ção residencial de classes sociais, como se não
quer comparação séria entre essa forma pré- assiste à separação espacial das esferas do tra-
-moderna e os CFs nas suas diferentes edições balho e da família, nem dos sexos e das idades.
históricas. Nomeadamente, olvida a profunda É claro que a ausência relativa de segre-
diferença que existe entre o caso dos muros e gação na cidade pré-moderna não significa a
dos portões que encerram uma população in- inexistência de desigualdades profundas. Ape-
teira, sem olhar às suas desigualdades sociais nas a ordem social tradicional não precisava
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da distância física para garantir suas enormes paisagem urbana de Londres: a privatização
distâncias sociais. As pessoas de diferentes es- de algumas praças residenciais, por coletivos
tados ou ordens sociais podiam cruzar-se nos de residentes. De acordo com Henry Lawren-
mesmos espaços físicos sem alguma vez es- ce (1993, p. 90), este fenômeno: “represented
quecerem a que espaços sociais pertenciam. some of the first expressions of the desire for
Também é certo que as distinções sociais não class segregation, domestic isolation, and
deixavam de se revelar por intermédio de vá- privatized open space that later were to form
rios outros signos físicos tais que a dimensão the basis of suburban living”. Como veremos,
ou a arquitetura das casas. É certo ainda que a novidade destas praças residenciais não re-
algumas atividades consideradas (material sidiu apenas no fato de serem clausuladas,
ou socialmente) poluentes também podiam mas num coerente e mais amplo conjunto de
ser remetidas para fora da muralha, seja para elementos; seja o mesmo que autoriza estabe-
essa “quinta dimensão” (Tuan, 1990) a que lecer a respectiva continuidade por relação a
correspondiam os subúrbios pré-modernos. formas residenciais posteriores, entre as quais
Contudo, a regra na cidade tradicional é a da os CFs contemporâneos. É dessas praças que
mistura, a do ombrear de ordens sociais e de falaremos imediatamente no ponto seguinte, a
atividades. Na cidade pré-industrial, assim co- par de uma outra forma mais avançada que,
mo no campo, o espaço refletia e reforçava obedecendo à mesma lógica, continua essa
múltiplas interdependências sociais que mais primeira experiência. Trata-se do caso dos
tarde haveriam de se romper. De fato, antes do subúrbios românticos planeados anglo-ameri-
seu advento, a proximidade física entre mem- canos. Eis duas formas que em conjunto iden-
bros de diferentes grupos ou ordens não tinha tificamos com o primeiro “momento” ou “edi-
o mesmo significado nem inspirava os mesmos ção” do fenômeno. Entretanto, é de notar que
receios que a sociedade e a cidade moderna também já McKenzie (1994) e Luymes (1997)
haveriam de conhecer. tinham estabelecido uma relação de continui-
Apenas a modernidade e sua ordem so- dade entre alguns exemplares dessas formas e
cial, econômica e moral, capitalista e burguesa os actuais CFs.
impuseram a regra da segregação social, por
vezes sob condições extremas e mesmo dramá-
ticas como aconteceu nas cidades de Manches-
ter, Liverpool, Londres e, mais tarde, em Nova
Uma história, duas formas
Iorque e noutras cidades norte-americanas,
localizações onde, precisamente, nasceram A primeira forma desenvolveu-se no século
alguns dos mais desenvolvidos CFs. De fato, XVIII, como referido, a partir da praça residen-
procurando no tempo os antecedentes histó- cial inglesa, nascida em Londres no século pre-
ricos dos condomínios fechados, entendemos cedente. Se bem que inicialmente identificada
não se poder recuar além de cerca de meados com a aristocracia, esse tipo de praça, com o
do século XVIII, momento a partir do qual há passar do tempo, veio a refletir valores e traços
registro de uma importante transformação na também, e até mais facilmente, atribuíveis à
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burguesia e, acima de tudo, identificáveis com em riqueza e prestígio, à medida que progre-
um mundo capitalista e moderno. Com efeito, dia a lógica do acortesamento, como aconteceu
em Inglaterra, no início, os residentes dessas exemplarmente em França. No início, as suas
praças eram na sua maioria nobres, se bem que residências urbanas situadas nessas praças
no século XVIII já vários burgueses ricos tam- elegantes construídas nos limites de Londres
bém as habitassem. Em contrapartida, a segun- destinavam-se apenas à passagem dos meses
da forma que consideramos, o subúrbio român- de inverno.
tico planeado anglo-americano (ele próprio Os “empreendimentos”, de que as pra-
apenas uma variante da forma suburbana), já ças constituíam o centro, incluíam muitas vezes
é verdadeiramente burguesa, se bem que refle- uma praça de mercado separada, várias ruas,
tindo as influências de modelos aristocráticos lojas, uma igreja e habitação para criados, ar-
que, em certa medida, procura emular. Encon- tesãos, etc., se bem que nos séculos XVIII e XIX
trando-se exclusivamente ligado ao passado muitas já fossem puramente residenciais e que,
do urbanismo anglo-americano, esse primeiro inclusive, se fizessem acompanhar de barreiras
momento do fenômeno surgiu na transição de que fechavam as ruas que lhes davam acesso.
um mundo dito tradicional, predominantemen- Em regra, a terra pertencia a um senhor que
te rural e agrícola e caracterizado por uma es- a arrendava a especuladores ou diretamente
trutura social em que imperava o princípio do aos residentes, normalmente por períodos lon-
nascimento, para o mundo da Modernidade, gos que podiam ir até 99 anos. De igual for-
urbano, industrial, capitalista, dotado de uma ma, era habitualmente o proprietário da terra,
nova estrutura social que apresentava novos e apenas raramente o promotor, que detinha
atores e novas relações sociais. o controlo do desenho dos edifícios em torno
da praça. O controlo dos proprietários exercia-
-se ainda sob a figura de restrictive covenants
A praça residencial inglesa que obrigavam os arrendatários, prevenindo
que introduzissem alterações aos edifícios ou
O fenômeno de privatização ou clausura de utilizassem o espaço aberto da praça de modo
praças residenciais em Inglaterra iniciou-se indesejável. O traçado e o desenho arquitetô-
em meados do século XVIII e prolongou-se no nico destas praças inspiravam-se nos modelos
seguinte. Sua história começa em Londres no continentais das praças renascentistas de Itá-
século XVII, mas apenas o século seguinte as- lia e de França. A primeira praça residencial a
sistirá à mudança que lhes garantirá um lugar surgir em Londres foi Covent Garden. Em 1630
nesta história. Sua origem é aristocrática e liga- iniciou-se sua construção nas terras do Conde
-se à nobreza inglesa estabelecida no campo de Bedford, sob o desenho de Inigo Jones. No
inglês, a esse grupo de ricos gentlemen farmers topo sul encontrava-se a Casa de Bedford, no
que clausularam os campos e neles introduzi- lado oeste nascia a igreja de São Paulo, a norte
ram a lógica capitalista. Este importante braço e leste da praça foram construídas casas para
da nobreza inglesa escapou assim à sorte de arrendar. A composição geral da praça, com ar-
muitas nobrezas rurais que ficaram para trás, cadas, imitava a parisiense Place Royale, hoje
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Place des Vosges, que fora construída apenas acesso para o exercício de diversas atividades
vinte e cinco anos antes (Lawrence, 1993). produtivas e recreativas. Até a década de 1720,
O amplo espaço central da praça de Co- a exclusão do público dessas praças era difícil
vent Garden começou por ser apenas pavimen- e não claramente legal. Apenas o prestígio de
tado com pedra e aberto ao uso público. Esse viver em determinada praça onde ficava a ca-
recinto era ladeado por ruas que continuavam sa de um senhor de grande estirpe (no caso de
para além da praça, ligando-se em parte à ma- St. James’s Square tinha-se o rei por vizinho)
lha urbana, em parte ao campo adjacente. À conferia valor econômico à residência nesse
semelhança das muitas outras praças que ha- local. Só no século XVIII os valores capitalistas
veriam de ser construídas desde então, Covent haveriam de contestar as noções feudais do
Garden foi antes de mais projetada como uma valor do solo (Lawrence, 1993). Logo no início
praça residencial, e o uso público não consti- desse século se afirmou parte da nova tendên-
tuía sua principal vocação. Foi especialmente cia. Uma nova praça, Hanover Square, surgiu
após o grande incêndio de Londres de 1666, e à em 1713, apresentando no seu centro um jar-
medida que a cidade se expandia, que a praça dim vedado (mas ainda não fechado à chave).
residencial se tornou numa das principais for- Várias outras, novas ou mais antigas, haveriam
mas escolhidas para a criação de novas zonas rapidamente de adotar o mesmo padrão, dotan-
para as classes mais abastadas. Segundo La- do-se por igual de jardins vedados com grades
wrence (1993, pp. 94-95), “from the beginning, metálicas. Tal aconteceu em especial com as
the squares were intended to be amenities that mais atacadas pela “populaça”. Os residentes
increased the value of the property surrounding lutavam então pelo direito à clausura total e
them, in speculative construction projects legal desses jardins no meio das praças e ao seu
aimed at providing housing for the growing usufruto exclusivo, o que acabou por acontecer
upper-class population of London”. Mas, a in- por intermédio de uma forma jurídica especí-
tenção de oferecer amenidades aos residentes, fica: “Parliamentary enclosure acts similar to
e de recolher os benefícios financeiros da con- those used at the same time on rural estates”.
sequente valorização da propriedade, acabou Com estas medidas, “the urban common-field
por não se concretizar por inteiro, pelo menos tradition quietly died” (idem, p. 97). A primeira
nos tempos mais próximos. As praças mantidas autorização surgiu em 1726: St. James’s Square,
abertas ao público acabariam por ser sujeitas a a mais aristocrática de todas as praças de Lon-
usos incompatíveis com esse objetivo. dres. Muitas outras haveriam de se lhe seguir.
De fato, como argumenta o mesmo autor, Henry Lawrence (1993) nota que, à seme-
essas praças eram paisagens socialmente ambí- lhança do que acontecia com os enclosures no
guas, e as relações de propriedade envolvidas campo, também os enclosures urbanos “were
eram basicamente feudais: 1) os residentes a major step away from the feudal forms of
apenas detinham, por arrendamento, o direi- property relations and toward capitalist forms”
to de uso das casas; 2) as praças eram baldios (idem). O autor estabelece um claro paralelo
[commons] em relação aos quais os anteriores entre os dois casos de clausura, urbana e rural.
residentes mantinham o antigo direito de Por então, também nos campos de Inglaterra,
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Condomínios fechados, tempo, espaço e sociedade
to be a good investment as well a good home” gótico moderno, o italianate, o Old English). O
(Fishman, 1987, p. 10). Não fora a rejeição do modelo básico estava lançado.
modelo urbano de vida, ao mesmo tempo que O subúrbio podia ser agora o objeto de
se afirmava uma alternativa ideológica, e a uma única operação de promoção e constru-
existência de condições econômicas propícias ção, para além de dispor de uma Arquitetu-
e nunca esta mudança teria sido adquirida. A ra específica. Ele encontrar-se-ia na base do
prová-lo parece encontrar-se o fato de, do ou- planeamento de um conjunto de novos su-
tro lado da Mancha, o desejo de isolamento búrbios que haveriam de surgir desde o final
doméstico e de segregação da burguesia do da década de 1830 nas franjas de cidades do
continente ter seguido um outro rumo. norte de Inglaterra, e desde cerca de 1850
Segundo Robert Fishman, o subúrbio nos EUA. Nascia então o subúrbio romântico
moderno só começou verdadeiramente quan- planeado anglo-americano. Em relação a Park
do “the merchant elite shifted its primary Village existia apenas uma, mas importante,
residence to the weekend villa, allowing the novidade: todo seu espaço era clausulado. De
woman and the children of the family to modo significativo, foi em Manchester e em
remain wholly separated from the contagions Liverpool que surgiram suas primeiras edi-
of London while the merchants themselves ções. Corria o ano de 1837 quando nasceram
commuted daily from their villas to London by Victoria Park e Rock Park, respectivamente.
private carriages” (idem, p. 39). O momento Seguiram-se, entre outros, Prince’s Park, em
exato em que tal ocorreu é, de acordo com o Liverpool, e Ladbroke Grove em Londres. Am-
autor, difícil de determinar. Contudo, esse afir- bos foram construídos em 1842. Por sua vez,
ma que existem registos de que, na última dé- nos EUA, nos anos de 1850, surgiram vários
cada do século XVIII, Clapham, entre outros, já empreendimentos semelhantes ao mode-
era um verdadeiro subúrbio conforme ao apon- lo inglês do subúrbio romântico. Alguns dos
tamento anterior. Contudo, a esses haveria de primeiros exemplos foram Evergreen Hamlet,
se seguir uma experiência mais completa: Park Pensilvânia (1851); Glendale, Ohio (1851);
Village, surgida na década de 1820. Esse levava Llewellyn Park, Nova Jersey (1856) e Lake
a assinatura de John Nash, arquiteto que habi- Forest, Illinois (1857) (Archer, 1988).
tualmente apenas trabalhava ambientes aristo- O subúrbio romântico anglo-americano
cráticos. Planeado de raiz, Park Village consa- foi planeado como um todo unitário, compos-
grava o subúrbio anglo-americano como o mo- to por moradias isoladas distribuídas de forma
delo das “houses in a park” (idem, p. 71). Cria- a obter-se uma baixa densidade, dispondo de
va uma verdadeira fórmula, um habitat total e amenidades coletivas como parques, ribeiros,
mercantilizável. Esta cruzava o pitoresco inglês lagos e árvores que isolavam visualmente as
(a “paisagem à inglesa”) com a libertação dos casas umas das outras, e obedecendo ainda a
estilos arquitetônicos em face da antes muita um modelo paisagístico romântico: ruas que
usada regra Palladiana (renascentista, clássica, serpenteiam e formam meandros atravessam
formal) da construção de villas suburbanas, e a o seu interior, harmonizando-se com a estética
adoção da diversidade e do historicismo (e.g. o naturalística e pitoresca do plano geral (idem).
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Esse tipo de espaço apresentava ainda como definitivamente o subúrbio como o seu locus
características importantes o fato de ser mu- de residência preferido. Entretanto, era a norte
rado e de dispor de portões que limitavam o que a população urbana trabalhadora ganhava
acesso ao seu interior, impondo fisicamente o a verdadeira e dramática face do proletariado
que todos seus restantes elementos já confor- urbano industrial moderno. Aí a burguesia tam-
mavam: homogeneidade (e exclusão) social. A bém mudava de rosto: à medida que se trans-
especialização funcional deste tipo de espaço plantava das empresas comerciais para a arena
configura ainda outro tipo de “segregação”: da indústria cada vez mais sulcava o fosso que
“market and service facilities are carefully a havia de separar dessa outra classe de que
segregated away from the residential area; nascera, nalguns casos há uns séculos, noutros
stables and mews are in part eliminated, and in possivelmente há muito menos tempo.
part relegated to a distant corner of the estate” Robert Fishman elegeu, com razão,
(Archer, 1988, pp. 224-225). Por último, deve- Manchester e seu subúrbio romântico planea-
-se salientar uma característica fundamental do de Victoria Park, para análise. Da mesma
do subúrbio romântico, que, de resto, garante a forma que Los Angeles foi escolhida por vá-
possibilidade das restantes: o respectivo espa- rios autores contemporâneos como o paradig-
ço era controlado por um só proprietário com ma da cidade pós-moderna, Manchester ou
capacidade para impor um plano único, ante- Cottonopolis ficou especialmente conhecida
rior ao seu desenvolvimento. Este modelo ob- como o modelo da cidade industrial moder-
teve, como seria de esperar, algumas variações. na, em particular graças à obra A Situação da
Nomeadamente, os casos inglês e norte-ame- Classe Trabalhadora em Inglaterra de Friedrich
ricano não foram exatamente iguais. Contudo, Engels. Foi a rápida nitidez das divisões de clas-
obedeceram por igual ao padrão acima descri- se que apressou a suburbanização em Man-
to. Constituíram, assim, o mais perfeito e direto chester, que trouxe essa fuga burguesa do cen-
ancestral dos actuais CFs, em especial na sua tro da cidade. Segundo Fishman tudo mudou
versão suburbana. radicalmente numa década: entre 1835 e 1845.
É significativo que tenha sido em Man- Só então surgiu o subúrbio de Manchester. O
chester e em Liverpool, cidades industriais “medo de classe”, muito mais do que aconte-
do norte de Inglaterra, que essa forma de su- cera em Londres, constituiu um dos principais
búrbio clausulado tenha surgido em primeiro motivos dessa decisão “urgente” da burguesia,
lugar. Fishman (1987) recorda que Londres se bem que o ideal do isolamento doméstico e
permaneceu pouco industrializada quase até o trabalho da especulação imobiliária também
ao fim do século XIX e que, como tal, se ca- tenham cumprido o mesmo papel que Londres
racterizou ainda durante esse século por uma já conhecera. Apenas em Manchester e noutras
certa complexidade pré-industrial, tanto no cidades congêneres se desenvolveram todas as
que respeita às relações de classe, como à pressões sociais que haveriam de tornar o su-
estrutura urbana. Esse quadro também é con- búrbio, para os burgueses, num caso de “vida
sistente com o fato de, apenas após a década ou de morte”. Mais uma vez, a estratégia foi
de 1870, a burguesia londrina ter escolhido a da segregação e do dissimular de tudo o que
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Condomínios fechados, tempo, espaço e sociedade
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Condomínios fechados, tempo, espaço e sociedade
nem com a segregação moderna. Contudo, em Sua visibilidade e as potenciais tensões sociais
regra, trouxeram uma fórmula de integração associadas, em ambos os momentos, parecem
social que passava pelo trabalho e a produção, ter facilitado a segregação.
sob cuja égide parecia poder a todos acomodar, Tais tensões parecem, precisamente, es-
com a ajuda do Estado, se bem que, é claro, em tar na origem de vários sentimentos de insegu-
lugares distintos. Desta forma, o sentimento e rança. Em primeiro lugar, surge o da inseguran-
a experiência da ordem, do progresso, mesmo ça física que, atualmente, nalgumas cidades e
que desigual, não parecem ter propiciado a regiões do mundo se encontra, objetivamente,
expansão dessa forma de habitar que, na sua associado a situações dramáticas de pobreza,
primeira edição, se encontrou inequivocamente crime e violência urbana, mas que, noutras,
ligada a um quadro social de profundas trans- depende de outras fontes seguramente mui-
formações estruturais e de extremas desigual- to menos extremas. Em segundo lugar, deve-
dades, assim como de crise na experiência do -se também considerar o sentimento de inse-
tempo, do espaço e da sociedade. gurança de classe (e do medo do “contágio”
Não foi seguramente por acaso que a conducente à “excitação” do jogo da distinção
segunda edição do fenômeno surgiu nos EUA, social) dos grupos que seguem na via ascen-
um dos seus palcos originais, antes de atingir dente (em muitos casos, são estes os principais
grande parte do mundo. A década de relan- “fornecedores” de residentes de CFs), em face
çamento, 1970, também parece ser significa- da proximidade física de outros grupos sociais,
tiva. Mais uma vez, o fenômeno se associa a situados em posição inferior, mas suficiente-
um período de rápidas e profundas mudanças. mente visíveis para recordar aos primeiros a
No caso dos EUA e de outros países é mes- fragilidade de sua própria posição, porquanto
mo possível falar de uma transição histórica. ainda frequentemente “muito fresca”. Também
Parece-nos legítimo estabelecer um paralelo no que respeita à cultura ou à “vida mental”
entre o tempo que testemunhou a transição da metrópole, vale a pena chamar a atenção
da sociedade tradicional para a modernidade para a importância, em ambos os momentos,
e o que assistiu à chegada do pós-fordismo e dos “medos civilizacionais” e de perda de con-
da pós-modernidade. A estrutura social e a trole sobre o espaço e a sociedade habituais.
cultura de muitas cidades sofreram, em ambos É certo que esse quadro muito geral não
os períodos, grandes transformações que ha- se aplica de modo exato a todos os locais on-
veriam de revolucionar a organização do espa- de hoje proliferam CFs. Muitas das cidades em
ço urbano. Ambos os momentos assistiram à que esses estão presentes não podem, de fato,
formação de novas classes ou grupos sociais ser descritas como o palco de processos pós-
e ao desenvolvimento de novas dinâmicas e -fordistas ou de pós-modernização, seja pelo
relações de classe. Sublinhe-se em particular menos de forma significativa. Contudo, mesmo
o fenômeno da polarização social, tradução si- quando assim acontece, assinala-se a presen-
multânea da rápida mobilidade ascendente de ça de fenômenos equivalentes, a saber, gran-
alguns grupos sociais e do aumento dos níveis de desigualdade, insegurança e instabilidade
(e da transformação dos tipos) de pobreza. social. Mais, deve-se ainda notar que, tanto
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no caso da primeira como da segunda edição De fato, vários elementos parecem re-
do fenômeno, se encontra, em regra, em jogo petir-se, tanto no que respeita às condições de
outro tipo de condições sociais. Referimo-nos produção social, já vistas, como às principais
a fatores que não evidenciam manter qualquer representações do tempo, do espaço e da so-
relação específica com os antes enunciados ciedade que os CFs exibem: nomeadamente
nem se associam, necessariamente, a qualquer por intermédio da sua forma construída (plano,
forma particular de mudança social. Esses fa- arquitetura, paisagismo, toponímia, mobiliário
tores parecem apenas depender de circunstân- urbano) e da sua apresentação publicitária (o
cias políticas e culturais locais. Referimo-nos, que é especialmente válido, mas não exclusivo,
nomeadamente, à situação em que a liberdade para a edição contemporânea). Nossa análise
de ação do setor imobiliário e a ideologia do baseia-se na bibliografia internacional dispo-
“privatismo” (McKenzie, 1994) se sobrepõem à nível sobre o assunto e na observação direta
iniciativa pública e à sua capacidade de contro- do fenômeno na Área Metropolitana de Lis-
lo do espaço e da sociedade. boa, que estudamos em profundidade desde a
Na verdade, os CFs, tanto hoje como década de 1990, e noutros lugares do mundo
no passado, apenas parecem ter oportunida- que tivemos a oportunidade de confrontar em-
de e verdadeiro sucesso nos cenários em que piricamente. De um modo geral, em ambas as
se observam a ausência ou a insuficiência, a suas edições, os condomínios fechados exibem-
abstenção ou o fracasso, da intervenção esta- -se simbolicamente como “lugares” à parte
tal na regulação do espaço e da sociedade e em que o tempo, o espaço e a sociedade são
na provisão de bens públicos. Tal aconteceu completamente distintos de (e superiores a) o
claramente por ocasião da primeira versão do mundo “normal”, “lá fora” (o que, em conjun-
fenômeno. Foi no quadro do capitalismo liberal to, garante a “segurança” de seus residentes).
e da opção pela (e da ideologia da) não inter- Comecemos pela forma como o espa-
venção pública no território urbano que o mun- ço é normalmente representado. Recortados
do anglo-americano experimentou uma forma fisicamente, os CFs são imediatamente forne-
própria de fazer cidade e subúrbio muito dis- cidos com moldura e distância, o que contri-
tinta da que se verificou na Europa continen- bui para sua identificação com a própria ideia
tal moderna. E foi nesse mesmo contexto que, de paisagem, seja aquela em que a noção de
como vimos, os condomínios fechados encon- “ideal estate” toma o lugar da de “real estate”
traram seu primeiro lugar. Algo de semelhante (Mitchell, 1994). O seu espaço apresenta-se ex-
ocorre nos nossos dias tal como o demonstra purgado de tudo (nomeadamente do seu Dark
a geografia contemporânea do fenômeno. Ho- Side) o que o possa anular ou destruir como
je, os cenários do fenômeno são mais amplos paisagem e, no mesmo ato, subtrair-lhe o seu
e mais diversificados. Ainda assim, é de reco- valor como mercadoria. Nesta representação
nhecer que, se bem que o tempo tenha trazido do espaço dos CFs, a ideia de natureza ocupa
a inovação, existiu um modelo anterior cujas um lugar central desde as origens. Se bem que
características principais se mantêm, a vários sempre domesticada, racionalizada e objeto de
respeitos, surpreendentemente atuais. aturada “manicura”, aquela é normalmente
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Condomínios fechados, tempo, espaço e sociedade
apresentada como “natural”. No passado, co- a origem dos CFs, é também hoje evidente, in-
mo vimos, a preferência foi para a versão “pi- cluindo nos EUA. Nomeadamente para o caso
toresca” (conforme à adoção da Paisagem à das MPC’s fechadas de Washington DC, Knox
Inglesa). Contemporaneamente, multiplicam-se (1992, p. 215) observa que esses emprendi-
os gostos: do primordial, selvagem ou nativo, ao mentos correspondem a “a collage of private
ecológico, passando pelo pitoresco ou o exótico. worlds, each entered through substantial
Por sua vez, o tempo, na representação portals in the manner of an English landed
normal dos CFs, abandonou, distanciou-se estate, and each announcing itself on large
da história e passou a ser um mito, por vezes and expensively sculpted and gilded signs
uma memória, simultaneamente “calcificada” with names that draw freely on historic and
e alheia ou mesmo uma nostalgia de coisa aristocratic themes”.
nenhuma. Fixado e anulado pela distância Finalmente, no que respeita à representa-
graças à própria imaginação do tempo, esse ção da sociedade, há que salientar a frequente
tempo, tal como sucede com a estrutura dos tendência para a reunião (em proporções variá-
mitos, é total e dotado de uma coerência ina- veis) do melhor de dois mundos: gemeinschaft
tacável: é um tempo abstrato (passado ou fu- [comunidade] e gesellschaft [associação ou
turo) e muitas vezes uma tradição inventada sociedade], conforme à fórmula de Ferdinand
(Hobsbawm e Ranger, 1983). Essa represen- Tönnies (1979). Por um lado, as relações so-
tação acomoda, muitas vezes, em simultâneo, ciais nos CFs são, em regra, apresentadas co-
a promessa de um renascer absoluto, de uma mo calorosas, autênticas e morais e, por outro,
nova vida, de um futuro brilhante (onde podem como racionais, civilizadas, meramente con-
pontuar referências várias ao novo ou moder- viviais ou clubby e respeitadoras do indivíduo
no), e a evocação de um passado nostálgico. e da privacidade familiar. Dadas as caracterís-
Esse, por sua vez, encontra-se essencialmente ticas gerais dos CFs e a literatura disponível,
associado a um imaginário aristocrático pré- é bastante mais provável que, de fato, a sua
-moderno que parece garantir, como há mais vida social seja essencialmente dominada pe-
de dois séculos, aos clientes dos CFs uma ve- las lógicas do individualismo, da privacidade e
nerável e distintiva (falsa) identidade históri- da associação seletiva de indivíduos e famílias
ca: nobreza, antiguidade, distinção, prestígio, do mesmo nível social, tal como já o referi-
privilégio, refinamento, exclusividade… Esta ra Archer (1988) para o caso do subúrbio ro-
espécie de “aristocracite”, seja a referência mântico anglo-americano. A referência à ideia
insistente a um reportório simbólico que po- de comunidade (e de sua “busca” nostálgica)
deríamos julgar já ultrapassado ou exausto, é particularmente frequente no caso dos EUA,
aproxima claramente os burgueses contem- a propósito da qual, precisamente, existe uma
porâneos dos de há muitos séculos… como se ampla discussão e controvérsia sobre sua exata
a burguesia (ou a classe média, se se preferir) natureza (e.g. Low, 2003). Por sua vez, e ape-
nunca pudera libertar-se de seus primeiros nas a título de exemplo, no caso português, o
amos e antagonistas. A presença simbólica apelo à ideia de comunidade, se bem que pre-
desta concepção do tempo, assinalável desde sente, é muito menos saliente, preferindo-se
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claramente a ideia de privacidade. Eis algo que resto já notado por vários autores: e.g. Fishman
parece fazer sentido numa sociedade de mo- (Bourgeois Utopias, 1987); McKenzie (Priva-
dernização tardia e portanto ainda sem lugar topia, 1994); Mike Davis (1990), pioneiro dos
para nostalgias comunitárias como acontece estudos sobre os condomínios fechados con-
nos EUA. Como recorda Bauman (2001, p. 3): temporâneos, que a propósito do caso de Los
“Raymond Williams, the thoughtful analyst of Angeles evoca a dupla utopia/distopia; David
our shared condition, observed caustically that Harvey (2000), autor que recorre ao conceito
the remarkable thing about community is that de “utopia degenerada” de Louis Marin para a
‘it always has been’”. qualificação do fenômeno. É certo que a ideia
Em conclusão, para além de todas as de utopia se identifica sempre com a crítica
variações possíveis, não há lugar para dúvidas da sociedade existente; contudo, por natureza
que as principais representações da sociedade, e definição ela é progressiva, carregando um
do tempo e do espaço, exibidas pelos CFs (se- importante potencial de resistência. Em con-
ja no passado, seja contemporaneamente), se trapartida, e ao contrário do que é comum ao
harmonizam entre si para fornecer uma ima- utopianismo e ao gênero utópico em geral, o
gem total, benigna, ordenada, esteticizada e reportório simbólico dos CFs tem apenas na-
moralizada que se distancia (simbólica e fisi- tureza conservadora. Não corresponde nem
camente) do mundo mais largo, normalmente a uma “utopia de reconstrução” nem a uma
descrito como oposto e decadente. Desta for- “utopia de refúgio” (Mumford, 1963), mas, tão
ma, aproximam-se (em conjunto) “perigosa- só, a uma estratégia de abandono e exclusão
mente” da própria ideia de utopia, aspecto de do mundo e, assim, de celebração da casa.
Rita Raposo
Licenciatura em Sociologia, mestrado em Economia, doutoramento em Sociologia Econômica.
Professora doutora. Professora auxiliar e Investigadora no Instituto Superior de Economia e Gestão
da Universidade Técnica de Lisboa, Departamento de Ciências Sociais e SOCIUS – Centro de
Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações. Lisboa, Portugal.
mariaritaraposo@gmail.com
Nota
(*) Este ar go não foi traduzido para a língua portuguesa em uso no Brasil.
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Condomínios fechados, tempo, espaço e sociedade
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196 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 171-196, jan/jun 2012
Brasília: as linhas retas pelo avesso
ou no entrecortar do uso
Brasília: the straight lines in reverse or the intersection of usage
Resumo Abstract
Este artigo analisa algumas expressões da me- This article aims to understand some expressions
trópole que surgem no uso cotidiano do espaço. of the metropolis which emerge in everyday use
O ponto de partida é a utilização no espaço do of space. The starting point is the analysis of the
Plano Piloto de Brasília – e sua inserção nele – por usage/insertion within the Pilot Plan of Brasilia
aqueles que, de certa maneira, rompem com as for those who somehow break the normatizations
normatizações do uso e fazem emergir as contra- of usage and emerge urban contradictions. It is
dições urbanísticas. Não se trata de um estudo necessary to emphasize that we do not analize
sobre o plano urbanístico de Lúcio Costa, muito the urban plan of Lucio Costa, much less the
menos sobre o desdobramento da urbanização unfolding contemporar y urbanization, even
contemporânea, ainda que tais elementos cons- though those elements form the tessitura in our
tituam a tessitura da análise. Antes, refere-se a analysis. We are methodologically reflecting
uma reflexão sobre a realidade expressa no sen- through practice and knowledge, the reality
tido da cidade. expressed towards the meaning of the city.
Palavras-chave: cidade; metrópole; plano urbanís- Keywords: city; metropolis; urban planning; space
tico; reprodução do espaço; urbano. representation; urban.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 197-215, jan/jun 2012
Rosângela Vieira Neri Viana, Karla Christina Batista de França e Ananda de Melo Martins
Marcovaldo sonhara o ano inteiro em ficas, contidas nos ritmos e imposições da me-
poder usar as ruas como ruas, isto é, ca- trópole7 na cidade brasiliense? O pressuposto é
minhar no meio delas: agora podia fazê- que, ao mesmo tempo, elas derivam e são deri-
-lo, e também podia passar os semáfo- vadas da imbricação do espaço vivido ao espa-
ros no vermelho, e atravessar em dia-
ço produzido e, consequentemente, ao espaço
gonal, e parar no meio das praças. Mas
entendeu que o prazer não era tanto o concebido8 na vida na cidade. Nessa profusão
de fazer essas coisas insólitas quanto o de ordem-desordem, nesse conjunto-disjunto,
de ver tudo de um outro modo: as ruas a cidade aparece na relação necessária entre
como fundos de vale ou leitos secos, as sociedade e produção do espaço. Espaço em
casas como blocos de montanhas íngre-
que desvãos trazem detalhes de um viver que
mes, ou paredes de escolhos.
Italo Calvino escapam, posto que colocados lado a lado com
as chamadas “desordens urbanísticas”, mas
que fazem aparecer a cotidianidade na questão
1
Este artigo tem como objetivo analisar espacial. É um espaço cingido por tempos di-
2
algumas expressões da metrópole que emer- versos, potência de humanidade e incoerências
3
gem no uso e no cotidiano do seu espaço na típicas da modernidade brasileira.
metrópole. O recorte empírico utilizado corres- Com referência ao vivido, mediante uma
ponde à prática espacial no Plano Piloto de Bra- aproximação com a realidade urbana, encon-
4
sília. A provocação da epígrafe mantém conso- tra-se o sentido da cidade. Nesse contexto, as
nância com o tipo de uso que a grande maioria expressões da metrópole, ainda que essa seja
dos habitantes5 da cidade de Brasília – o que analisada em seus avessos, podem ser obser-
não é diferente em outras cidades – deseja, so- vadas nas moradias existentes nos subsolos
nha e vive no espaço urbano. O sentido do urba- das quadras comerciais da via W-3 Norte, bem
no, aqui, ultrapassa o modo de produção, pois é como nas grandes placas propagandísticas,
um modo de consumo em que o pensamento e que ocultam outro andar, burlando as normas
o sentimento caracterizam, também, um modo (de gabarito) previstas no ordenamento do
de vida. Simultaneamente a uma lógica capita- Plano Piloto de Brasília.9 Todas essas expres-
lista que ordena o território, ele dá o sentido e sões evidenciam a forma como um fundo que
a materialidade às condições de reprodução das volta à superfície na composição da represen-
relações de produção. tação urbanística (Virilio, 1993, p. 52). Tais ex-
Configura-se um processo que ultrapassa pressões, embora conflituosas, são constituin-
os planos urbanísticos – a ordem cartesiana es- tes da vida.
pacial – e cria rupturas, ainda que cambiantes, Não se trata de rupturas na cidade
na organização do espaço. E nesse movimento política, mas de adaptações que mantêm a
a articulação entre plano, preservação e cidade urdidura do projeto urbanístico, tombado in-
6
acaba por favorecer, no cotidiano, fenômenos trinsecamente, no sentido de habitar a cidade,
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Brasília: as linhas retas pelo avesso ou no entrecortar do uso
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maioria das metrópoles, lado a lado ao setor (fixo, investido) e do capital variável (salá-
de comércio e serviços de alto valor agregado, rios)” (Lefebvre, 1973, p. 49). Dessa maneira,
contribui para que partes da cidade recebam a economia não prescinde da força de trabalho
maiores investimentos do setor público. Essas barata e de um espaço com características lu-
novidades, segundo Viana (2008), apresentam- crativas. Inerente a esse, há a heterogeneida-
-se na materialidade do espaço, uma vez que de apresentada em suas formas e usos. Con-
modificam a divisão do trabalho no conjunto tudo a dificuldade de explicar as relações que
da sociedade e indicam outra produção espa- na cidade tornam possível o entendimento de
cial específica para o conjunto dos meios de partes em seu conjunto é grande. A compreen-
reprodução (do capital e da força de trabalho). são da realidade urbana requer pensar na vida
No Plano Piloto de Brasília, edificações moder- cotidiana, substrato da mão de obra, fonte de
nas evidenciam as adequações ao capitalismo riqueza capitalista. Por ser um tema complexo,
financeiro nas representações das fachadas en- limita-se aqui a indicar algumas relações pos-
vidraçadas dos imóveis e de produção de espa- síveis, mesmo que isso possa oferecer riscos
ços para atender a uma classe privilegiada de de distanciamento dos fatos. Essa análise de-
alto valor aquisitivo. manda uma unidade nas relações sociais sob
É nesse sentido que afirmamos tratar-se o sentido amplo de produção, extensivo ao es-
de formas que guardam o empreendedorismo paço como mercadoria.14
urbano e que, pelo processo que as constitui, No que diz respeito à premissa de que a
subsumem o tempo no espaço, tal como defi- cidade é uma mediação entre forças produti-
ne Lefebvre (2004): tempo permanente posto vas e as relações de produção,15 o projeto de
em superfície. Vale assinalar que o empreen- revitalização da via W-3 torna-se significativo.
dedorismo urbano apresenta-se como conjun- Apesar de esse projeto ainda não ter sido im-
to de ações políticas, econômicas e técnicas plementado, é interessante notar que, no seg-
para impulsionar o desenvolvimento econômi- mento Sul e Norte da via W-3, há propostas
co e social nas cidades. Não prescinde, assim, distintas para sua revitalização. Tais distinções
quer da forma quer de projetos políticos urba- fazem emergir conteúdos geográficos signifi-
nos que possibilitem a racionalidade da ação cativos. Vários registros jornalísticos da mídia
capitalista e do uso da técnica, para realizar impressa e televisiva e próprio texto do proje-
o sentido da urbanização nesse momento de to de revitalização mostram que, nas quadras
desregulamentação e liberalização dos mer- 700 em especial, do Setor Comercial Residen-
cados pelo modelo de produtividade dado na cial Norte (SCRN), ocorrem uma significativa
atual mundialização. deterioração dos prédios e desvio do uso ur-
Entretanto, outras formas de utilização banístico estabelecido. Esses desvios, já há al-
do Plano Piloto tornam-se possíveis. Mesmo gum tempo, começaram a ser banidos, com a
porque “todo crescimento econômico pres- retirada de alguns serviços, como por exemplo
supõe [...], simultaneamente, a reprodução as lojas de revendas de automóveis.16 Contu-
alargada da força de trabalho e da maquina- do, permanece ainda a diversidade de servi-
ria, por outras palavras, do capital constante ços e comércios, lojas de autopeças, oficinas,
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segregadoras concebidas por um projeto urba- população com menor poder aquisitivo, que
nístico, indicam práticas que trazem o avesso procura por residência e por acesso, ainda que
da cidade de Brasília, que foge ao plano carte- em condições precárias, aos serviços disponí-
siano em que a (re)produção da vida deve se veis no Plano Piloto de Brasília. Buscam evitar
adequar às normas. Na ruela entre a primeira e um uso maior de tempo e de dinheiro com des-
segunda série de blocos, as formas de moradia locamentos diários para chegar ao trabalho/
e algumas atividades comerciais (academia, estudo fortemente concentrado no Plano Pilo-
cozinhas industriais, por exemplo) ocupam to. Para a análise, essa “opção” pela moradia
uma área que, a priori, deveria ser destinada central evidencia que ao pensamento teórico
a depósitos de mercadorias do comércio que é está posta a necessidade de compreender a
exercido na superfície (Figura 6). centralidade, segundo Lefebvre (2008), como
No entanto, ao longo de sua extensão, parte do direito à cidade, o direito ao urbano
muitas dessas áreas foram transformadas, a construído a partir da vida cotidiana criativa e
maior parte em espaço de moradia para uma humanizada.
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O cuidado que cada morador direcio- No que tange à relação de zelo, um dos
na ao espaço em que vive, ao longo da ruela principais indicadores de uso desse espaço,
entre a primeira e a segunda série de blocos, além das casas bem cuidadas na altura do
mostra, por meio das aparências, partes que passeio – fachadas pintadas, jardins bem tra-
indicam relação de zelo (quadras 711, 710, tados –, tem-se a arte na rua dada pela pre-
709). Para Lefebvre (2004, p. 81), a relação do sença dos grafites e a aparente relação de vi-
homem tanto com a natureza quanto com sua zinhança (Figuras 8 e 9). Aos poucos, o espaço
natureza é mediada pelo habitar. Os elemen- concebido se transforma, em certa medida,
tos de uma humanização possível estão postos pelos usos presentes no cotidiano, atravessado
nessa espontaneidade ou mesmo são vestígios pela vida cotidiana que, por meio de práticas,
de arte e poesia, de reencontro com seus de- apontam a possibilidade sempre latente de
sejos e seu corpo, ainda que permeados no humanização do urbano pela apropriação do
vivido obscurecido pelo mundo da mercadoria espaço ao longo do tempo.
e consequentemente de seu empobrecimento. O entrecortar do uso indica uma perma-
Em outras partes, identifica-se aparente nência que traz o avesso da cidade. Ela se dá
degradação, com acúmulo de lixo, principal- na busca pela sobrevivência em espaços pen-
mente (Quadras 714, 713, 712), como demons- sados em linhas retas para um público mais se-
tram as Figuras 7 e 8. Estaria esse conjunto de leto. Ou de um grupo de uma classe específica
fotografias dizendo algo acerca da contradição de servidores do Estado, uma vez que Brasília,
humana, entre desejo e racionalidade? Mas a especialmente o Plano Piloto, foi construída
que indagações tais fotografias podem levar? para ser uma cidade política. Nesses termos,
O que é, afinal, a problemática do habitar e o discurso normativo – que propugna a inter-
não do habitat reduzido, cindido e esfacela- venção urbana como forma de sanar a violên-
do, segundo Lefebvre (2004)? O habitar, se- cia em locais de precária existência material
gundo esse autor, precisa ser analisado como e fomentar o progresso, pela implantação de
fundamento basilar da sociedade e não como serviços e obras de infraestrutura – favorece
subordinação e por ele ir para o horizonte pos- as condições da acumulação capitalista. Im-
sível de nossa humanização. Para entender o possível negar a acumulação como presença
habitar no contexto em que se torna habitat, imanente nos projetos de revitalização. Por
é preciso pôr acento no capitalismo. É preciso isso, devem ser tratadas políticas urbanas que
entender como os homens se inserem e são le- são, para serem analisadas e debatidas. Isso
vados à sua margem e como nesse movimento para impedir que se perpetue a privatização
perdem o uso, a cidade na condição de media- do espaço público e seja possível outro sentido
ção da sua vida no e para o mundo. na produção do urbano.
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habitat , como ressalta Lefebvre (2004, pp. reforçam a representação das grandes cidades
80-81), e cuja vivência encontra-se em toda na atualidade: o tempo permanente ordenado
sua complexidade, situam-se no campo da pela arquitetura. Quase como um eterno pre-
natureza. Assim, a maioria das coisas justas, sente concretizado, sua função pode ser a de
segundo o acordo feito pelo grupo na cidade, tornar a todos espectadores da cultura do pro-
encontra-se em permanente conflito com a gresso, absorvendo, assim, até mesmo a critici-
natureza (porque essa dá aos homens dese- dade em relação ao par contraditório cultura/
jos naturais e por isso inerentes). Em suma, o progresso. Vale dizer, cultura articula-se à inte-
prescritivo (ordem urbanística) sobre o neces- riorização de valores comuns a todos. Portanto,
sário (vivência concreta do ser) nada mais é difere do conteúdo de mudança que o progres-
que a lei do cidadão e a lei do homem. Nes- so realiza, posto que é movimento.
sa torção (ou seria um deus ex machina?) em Mas os avessos urbanísticos ainda assim
que o fundo volta à superfície na composição permanecem. A concordância dessa permanên-
da cidade-metrópole, tem-se as partes difra- cia reside na manutenção de uma arquitetura
tadas no seu espaço. que, apesar de ser de “má qualidade”, não cria
Pode-se compreender o espaço de re- confrontos. Antes, reforça adesões à formaliza-
presentação como o transgredir a norma urba- ção do espaço produzido. De certa maneira, é
nística no limite do tombamento. É do exterior praticamente possível afirmar que os avessos
(aqui Plano Piloto) que provém a necessidade urbanísticos presentes na W-3 Norte são e es-
de aqui permanecer e se submeter a tais condi- tão implicados em uma espécie de consonân-
ções. Por isso, no intuito de escamotear o con- cia dada pela própria vida e suas urgências.
flito, uma vez que esse traz em si a separação Desse modo, o discurso da degradação urbana
na sociedade pela constatação de um modo joga com a culpa e com a opinião pública. A
único de vida, a representação do espaço (es- presença dos avessos urbanísticos se dá pela
paço concebido dado pelo plano urbanístico e existência de necessidades das pessoas quan-
normatizado) produz e reproduz concepções do em coletividade, não de um mando político
urbanas que fragilizam o fazer político. e menos ainda das leis da cidade. O discurso
Esse fazer político permite o avesso do destrói a culpabilidade do poder público de sua
plano urbanístico. Não parece ser estranho isso organização do território para a lógica mercan-
numa capital onde os ritmos e a técnica am- til. É dessa maneira que o processo de urbani-
pliaram a fluidez do tempo no espaço? Sim e zação produz e reproduz espaços diferenciados
não. Se a cidade é ligada às forças produtivas e na metrópole, sob os auspícios de uma verdade
à formação da mais-valia, isso explica o espaço que brotou das banalidades da vida, das opi-
adequado a um tempo acelerado que permite niões públicas e das formas reconhecidas, para
a realização da mercadoria. Concomitantes a preservar a áurea de cultura no movimento do
essa velocidade, as construções no Plano Piloto progresso de que a cidade é assim tecida.
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Brasília: as linhas retas pelo avesso ou no entrecortar do uso
Notas
Este ar go, escrito a seis mãos, tem como colaboradores-pesquisadores os graduandos em geografia
Leonardo Rocha de Castro e Tiago Sampaio, cujo auxílio foi imprescindível na coleta de dados
empíricos.
(2) O uso do termo “expressões” não significa o desprezo aos processos mediadores imanentes à (re)
produção do espaço extensivos e imbricados ao sen do de cidade, do mundo e da vida. Mas
como algo fenomênico que ar cula o plano da vida ao ins tuído e também às representações
(Carlos, 2001).
(3) Trata-se, neste momento, do co diano capturado e submerso nas funções corriqueiras do dia a
dia, cuja dimensão, ainda que alienada às necessidades da sobrevivência norma zada, pode dar
indica vos importantes à análise, tendo em vista que, de acordo com Damiani (2002, p. 161),
o co diano apresenta diversos níveis de alienação e “envolve outros momentos da vida social,
além do trabalho, sob sua lógica, momentos que já não são alheios, ingênuos à reprodução do
capitalismo”.
(4) Vesentini (1985, p. 107) afirma que “Brasília é uma só cidade, do Plano Piloto às cidades
satélites”. O Plano Piloto não exis ria sem as cidades satélites – atualmente designadas Regiões
Administra vas – e essas só existem em virtude do plano proposto para a construção da capital.
(5) Vale-se aqui da definição de Lefebvre (2004, pp. 80-81) para habitantes, que não restringe os
homens aos atos elementares de sobrevivência, e sim de vivência concreta.
(6) Para Lefebvre (1991, p. 35), a noção de co diano não possui sen do fora das contradições do
processo histórico. Nesses termos, ao caracterizar a sociedade em que se vive, compreende-se a
co dianidade como o co diano situado nas relações do mundo.
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Rosângela Vieira Neri Viana, Karla Christina Batista de França e Ananda de Melo Martins
(8) As noções de espaço concebido, produzido e vivido derivam das análises de Penna (2000, p. 13),
a par r da obra de Lefebvre. Respec vamente, relacionam-se à “representação do espaço”
(às deliberações sobre o espaço), à “prá ca espacial” (diz sobre a produção e reprodução das
formas sicas no espaço) e ao “espaço de representação” (a prá ca co diana em que o valor de
uso permeia qualita vamente seu significado e abre possibilidades de insurgências).
(9) No Plano Piloto em Brasília, em virtude de sua concepção urbanís ca, em que os prédios são
erguidos sobre pilo s, vendem-se projeções e não terrenos, uma vez que as áreas térreas dos
prédios devem permanecer abertas para a livre passagem de todos. Tanto a altura dos prédios
quanto a localização e a função foram estabelecidas no Projeto de Lúcio Costa. Aprofundam-se
essas questões ao longo deste ar go.
(10) A des nação inicial dessa via consta no Relatório Lúcio Costa: “Ao fundo das quadras estende-se
a via de serviço para o tráfego de caminhões, des nando-se ao longo dela a frente oposta às
quadras, à instalação de garagens, oficinas, depósitos do comércio em grosso etc., e reservando-
-se uma faixa de terreno, equivalente a uma terceira ordem de quadras, para floricultura, horta
e pomar. Entaladas entre essa via de serviço e as vias do eixo rodoviário, intercalam-se então
largas e extensas faixas com acesso alternado, ora por uma, ora por outra, e onde se localizaram
a igreja, as escolas secundárias, o cinema e o varejo do bairro disposto conforme a sua classe ou
natureza. O mercadinho, os açougues, as vendas, quitandas, casas de ferragens, etc., na primeira
metade da faixa correspondente ao acesso de serviço; as barbearias, cabeleireiros, modistas,
confeitarias etc., na primeira seção da faixa de acesso priva va dos automóveis e ônibus, onde
se encontram igualmente os postos de serviço para venda de gasolina. As lojas dispõem-se em
renque com vitrinas e passeio coberto na face fronteira às cintas arborizadas de enquadramento
dos quarteirões e priva vas dos pedestres, e o estacionamento na face oposta, con gua às vias
de acesso motorizado, prevendo-se travessas para ligação de uma parte a outra, ficando assim
as lojas geminadas duas a duas, embora o seu conjunto cons tua um corpo só ”.
(11) As quadras residenciais do Plano Piloto de Brasília estão dispostas ao longo do Eixo Rodoviário
Norte e Sul que percorre toda a extensão das duas asas – Asa Norte e Asa Sul. As quadras que
se localizam a oeste do Eixo têm como endereçamento as centenas ímpares (Quadras 100, 300,
500, 700 e 900). Já as quadras que se localizam a leste do Eixo são numeradas pelas centenas
pares (Quadras 200, 400, 600 e 800).
(12) Segundo Lúcio Costa, no “Plano de Preservação do Conjunto Urbanís co de Brasília”, do livro
Brasília 57-85, p. 123, item 3.1. Disponível em: <h p://www.semarh.df.gov.br/005/00502001.
asp? CD_CHAVE=15836>. Acesso em: 28 nov 2010.
(14) Em relação ao espaço como mercadoria, ver a dissertação in tulada A (re)produção do espaço
como mercadoria: Pólo 3 - Projeto Orla extensões-latências (Viana, 2008).
(15) Com a ciência de que esta ar culação entre forças produ vas (meios de produção e força de
trabalho) e relações de produção (propriedade econômica das forças produ vas) possui ampla
controvérsia no pensamento marxista, adota-se aqui a análise de Cohen (1978, especialmente
o capítulo II).
(16) Esses estabelecimentos foram transferidos para um novo local denominado Cidade dos
Automóveis.
(17) Cassin (1993) evidencia uma tradução possível de um autor grego cuja identidade ainda se
discute.
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Brasília: as linhas retas pelo avesso ou no entrecortar do uso
Referências
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BRANDÃO, V. B. (2009). W3 Sul, ontem, hoje e amanhã – os dilemas de uma avenida modernista. 8º
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CALVINO, I. (1994). Marcovaldo ou as estações na cidade. São Paulo, Companhia das Letras.
COHEN, G. A. (1978). Karl Marx's Theory of History: A defence. Oxford: Clarendon; Princeton: Princeton
University Press.
DAMIANI, A. L. (2002). “O lugar e a produção do co diano”. In: CARLOS, A. F. A. (org.). Novos caminhos
da Geografia. São Paulo, Contexto.
HOBSBAWM, E. e RANGER, T. (org.) (2008). A invenção das tradições. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
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latências. Dissertação de Mestrado. Brasília, Universidade de Brasília.
VIRILIO, P. (1993). O espaço crí co e as perspec vas do tempo real. Rio de Janeiro, Editora 34.
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O planejamento urbano e as enchentes
em Dourados: a distância entre
a realidade e a legalidade
Urban planning and flooding in Dourados:
the distance between reality and legality
Resumo
As enchentes urbanas estão presentes na realida- Abstract
de de grande parte das cidades brasileiras. Oriun- Urban flooding is present in the reality of a large
das do desenvolvimento desordenado e da falta number of Brazilian cities. The result of disorderly
de planejamento, transformam-se em grandes de- development and lack of planning turns into
safios para os gestores, pois necessitam conciliar a challenge for administrators, however we
desenvolvimento com gestão ambiental do meio need to agree on development with urban
urbano. Este artigo apresenta um olhar sobre o environment planning in mind. This article looks
panorama das enchentes no município de Doura- at a panorama of fl ooding in the municipality of
dos-MS, suas implicações, as medidas de controle Dourados, MS, Brazil, its implications, control
empregadas pelo poder público e a necessidade de measures by the public powers and the need for
uma gestão integrada. integral planning.
Palavras-chave: enchentes urbanas; planejamento ur- Key words : urban flooding; urban planning;
bano; Dourados; crescimento populacional; legislação. Dourados; populational growth; legislation.
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O planejamento urbano e as enchentes em Dourados
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O planejamento urbano e as enchentes em Dourados
zona essencialmente urbana aquela já loteada Além disso, o Código de Obras orien-
e que tenha sido beneficiada por serviços pú- ta os projetos e a execução de edificação no
blicos, e por zona não essencialmente urbana município, assegura a observância de padrões
aquela compreendida nos limites urbanos, po- mínimos de segurança, higiene, salubridade e
rém em fase de expansão (Dourados, 1979b). conforto das edificações de interesse para a
A aprovação de projetos de loteamento comunidade e promove a melhoria desses em
em terrenos baixos e alagadiços está condi- todas as edificações de seu território.
cionada à execução de obras de drenagem e O uso e a ocupação do solo são defini-
aterragem, por parte do loteador. Nos lotea- dos pela lei complementar n° 008, de novem-
mentos, as áreas de fundos de vales e onde bro de 1991, que dispõe sobre o zoneamento
haja vegetação de porte devem ser respeitadas. de uso do solo e do sistema viário municipal
As áreas verdes não podem ser loteadas e as em que constam os critérios estabelecidos
edificações nestes locais só são permitidas em para os loteamentos e arruamentos em qual-
casos especiais, conforme a Lei de Zoneamento quer nível, as edificações, obras e serviços pú-
(Dourados, 1979a). blicos ou particulares, de iniciativa ou a cargo
A execução de obras e edificações em de quaisquer empresas ou entidades, mesmo
loteamentos sem aprovação oficial fica sujeita as de direito público, dependendo as constru-
à interdição administrativa e demolição, sem ções de prévia licença da Administração Muni-
prejuízo das demais cominações legais. A Pre- cipal (Dourados, 1991).
feitura Municipal pode, ainda, promover o re- Segundo a lei municipal de uso do solo,
loteamento de áreas já loteadas, para melhor fundo de vale é a faixa não edificável no sen-
aproveitamento e enquadramento no zonea- tido de proteção aos cursos de água, cuja lar-
mento de uso do solo (Dourados, 1979a). gura tem no mínimo cinquenta metros em cada
Instituído em 1979 pela Lei nº 1.067, o margem, inclusive áreas alagadiças. As áreas
Código de Posturas de Dourados dispõe sobre de fundo de vale dos loteamentos são de domí-
as relações de polícia administrativa entre o nio do poder público e cabe a esse regulamen-
Poder Público Municipal e os munícipes. tar seu uso (Dourados, 1991).
Entretanto, as construções e reformas, Dourados também possui uma Política
efetuadas por particulares ou entidades pú- Municipal de Meio Ambiente, conhecida como
blicas, a qualquer título, são reguladas pela Lei Verde, instituída pela Lei Complementar n°
lei municipal nº 1.391 (Código de Obras), de 055, de dezembro de 2002, que objetiva manter
1986, além de obedecerem às normas federais o meio ambiente equilibrado, através do desen-
e estaduais relativas à matéria, bem como a volvimento socioeconômico orientado em bases
Lei Municipal nº 1.040, de 1979, e legislações sustentáveis. Para tanto, em seus princípios es-
complementares. Esta lei complementa as exi- tão o planejamento e a fiscalização do uso dos
gências de caráter urbanístico estabelecidas recursos naturais, a gestão do meio ambiente
por legislação municipal que regula o uso e a com a participação da sociedade nos processos
ocupação do solo e as características fixadas decisórios sobre o uso dos recursos naturais e
para a paisagem urbana. nas ações de controle e de defesa ambiental.
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O planejamento urbano e as enchentes em Dourados
de atendimentos realizados pela Defesa Civil, Boa, onde suas águas ocupam o leito maior
que se concentraram nos bairros Vila Cachoei- com a precipitação. Esse evento é agravado
rinha, Jardim Pelicano, Jardim Clímax e Jardim pela impermeabilização do solo à montante
Guaicurus em que foram atendidas respectiva- que acelera o escoamento superficial e inten-
mente 219, 80, 69, 32 moradias. sifica a magnitude de inundação em períodos
A incidência de inundações no bairro Vila chuvosos. Outro fator importante é a existência
Cachoeirinha decorre primeiramente da dinâ- de moradias às margens de ambos os córre-
mica natural dos córregos Rego D’água e Água gos muito próximas do leito maior, bem como
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o acúmulo de resíduos às suas margens que pois é no verão que a ocorrência de tempesta-
ganham as águas facilmente e contribuem pa- des e chuvas bruscas, de grande intensidade
ra o estrangulamento de seu curso em pontos e curta duração, contribuem para a incidência
estreitos e seu consequente transbordamento. de inundações.
No Jardim Pelicano, as inundações decor- Na Tabela 2, encontram-se os valores
rem de fatores como declive e velocidade da para temperatura, umidade relativa do ar, ve-
água das chuvas que avolumam as enxurradas. locidade do vento e pluviosidade, onde é possí-
No Jardim Clímax, as inundações resultam do vel observar que a ocorrência dos períodos de
aumento do volume das águas pluviais que maior pluviosidade está concentrada nos me-
chegam ao córrego Água Boa por meio de ga- ses chuvosos que vão de janeiro a março e de
lerias e contribuem para seu transbordamento. outubro a dezembro. Porém, no ano de 2009, a
Neste local, encontra-se o assentamento popu- chuva foi intensa nos meses de julho e agosto,
larmente conhecido como “Favela do Jardim caracterizando um ano atípico de inverno chu-
Clímax”, onde as moradias muito próximas das voso. Em 2010 e parte de 2011, a ocorrência de
galerias de águas pluviais são afetadas pelas chuvas foi típica para a região, com delimitação
inundações em períodos chuvosos. clara dos períodos de seca e chuva.
Para o Conselho Municipal de Defesa do Outro problema no município são
Meio Ambiente – Comdam, atualmente o maior os lotea mentos irregulares em áreas de
problema relacionado às inundações em Doura- preservação ambiental, localizados ao lon-
dos concentra-se nas margens do Córrego Rego go do Córrego Paragem e na região do alto
D’água, principalmente, na “Favela do Jardim e médio Córrego Laranja Doce que eventual-
Clímax”, dados que corroboram as informações mente sofrem com inundações.
obtidas junto à Secretaria Municipal de Plane- De acordo com a Secretaria Municipal
jamento. Esta ocupação irregular teve início na de Planejamento, em algumas das áreas de
década de 1970 e persiste até os dias atuais. O risco, como ao longo do Córrego Paragem,
poder público municipal elaborou um projeto na região do Cachoeirinha e do Clímax, já
para a construção de casas populares destina- houve a remoção dos invasores para conjun-
das a essas famílias e o incluiu no PAC – Progra- tos habitacionais populares construídos para
ma de Aceleração do Crescimento do Governo essa finalidade. Entretanto, houve reinvasão
Federal em 2007. As casas estão sendo construí- por novos moradores que, muitas vezes, são
das no prolongamento do Jardim Flórida. Con- familiares dos primeiros invasores. Isso de-
tudo, com atrasos no cronograma desde 2009, monstra que os instrumentos de controle so-
a cada chuva, as famílias que ali se encontram cial, de regulação e de fiscalização não estão
continuam sofrendo com as inundações. atuando de forma eficaz, quadro que repre-
Segundo a Defesa Civil Municipal, os senta um aspecto negativo para o município,
principais períodos em que ocorrem os even- uma vez que o programa do Governo Federal
tos mais significativos de cheias e alagamen- para solucionar este tipo de problema não
tos estão entre os meses de outubro a março, contempla reinvasão.
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O planejamento urbano e as enchentes em Dourados
para uma maior atenção às Zonas Especiais de andamento o projeto de construção do Con-
Interesse Ambiental – ZEIA e Áreas de Preser- junto Habitacional Ipê Roxo, com 186 mora-
vação Permanente – APP’s, pois a pressão para dias que contemplarão famílias de baixa renda
construção de moradia, por parte da popula- que vivem em áreas de risco. Outro projeto em
ção, é grande em Dourados e as áreas sujeitas andamento refere-se à urbanização da bacia
a inundações devem ser monitoradas e cerca- hidrográfica do córrego Paragem, que prevê a
das a fim de evitar a ocupação indevida. Além remoção de invasores, e a implantação de um
disso, atualmente, este conselho está revendo a parque linear. As obras relativas ao córrego
“Lei Verde” e tencionando o poder público mu- Rego D’água foram retomadas pela prefeitura.
nicipal para que revise o Plano Diretor e a Lei O cercamento de todas as áreas de pre-
do Uso do Solo. Sabe-se que a legislação de- servação ambiental e a fiscalização das mes-
ve passar por adequações quando necessário, mas pela Polícia Ambiental não foram ações
porém uma das necessidades mais prementes elencadas como prioritárias pela atual adminis-
é o poder público dotar a administração de tração municipal, embora, segundo a Secretaria
estrutura capaz de fiscalizar e fazer cumprir as de Planejamento, tais ações possam contribuir
leis e normas que regem a sociedade. preventivamente na redução de invasões e de
Os recursos para atender a demanda construções de moradias irregulares em áreas
de habitação popular destinada à retirada de de risco.
pessoas residentes em áreas de risco são pro- Dentre as próximas ações do governo
venientes do Governo Federal através do Mi- Municipal, está a alteração do Plano Diretor,
nistério das Cidades, de fundos destinados a que teve início em agosto de 2011, com a parti-
programas sociais. O Estado pode entrar com cipação da sociedade. Também é objeto de dis-
parcerias, como, por exemplo, nas obras de cussão a expansão do perímetro urbano de 82
saneamento básico. Ao Município cabe soli- km2 para 205 km2 e, consequentemente, a revi-
citar recursos por meio de projetos e, quando são da Lei de Uso do Solo do Município, já que
atendido, é sua responsabilidade geri-los para uma ação está diretamente vinculada à outra.
resolver as invasões em áreas de preservação Se a expansão da área urbanizada das cidades
ambiental e de risco. sobre o território necessariamente implica al-
As áreas destinadas aos loteamentos gum tipo de impacto sobre o meio ambiente,
para construções de habitações populares quando ela ocorre de forma precária e incom-
com o objetivo de remover as famílias residen- pleta, mais impactos ainda ela provoca quando
tes em áreas de fundo de vale são adquiridas não atende às exigências técnicas necessárias
pelo município, compradas de terceiros, onde ao parcelamento do solo não respeitando os
a Prefeitura deve implantar a infraestrutura condicionantes do meio físico (Moretti e Fer-
do novo loteamento. nandes, 2000).
De acordo com o último levantamento Outro grande problema da cidade de
da Prefeitura, são aproximadamente 7.500 Dourados corresponde à drenagem urbana e,
pessoas, com renda de 0 a 3 salários, que ne- para atender a esta demanda, foram requeri-
cessitam de moradias. Atualmente, está em dos recursos federais através da elaboração
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Bianca Rafaela Fiori Tamporoski et al.
de projetos de drenagem pluvial que contem- estão muito além da capacidade de seu equa-
plam, inclusive, o estudo de impacto ambien- cionamento (Silva e Travassos, 2008).
tal dessas obras. Segundo a Secretaria de Diante dessa situação, o país necessita
Planejamento, na abertura de loteamentos as desenvolver uma cultura de gestão integrada
ruas apenas são asfaltadas sem a instalação das águas, pois, atualmente, o que existe é
de obras de drenagem. O asfaltamento sem uma multiplicidade de agentes, com objetivos
a devida infraestrutura de drenagem provoca e responsabilidades conflitantes. Cada um vi-
impactos em todo o aparelhamento urbano, sualiza uma única função e um único uso para
como se verifica no bairro Jardim Universitá- a água, de acordo com seus interesses e ne-
rio, localizado atrás do Centro Universitário cessidades. O resultado é uma série de inter-
da Grande Dourados – Unigran, onde existem venções descoordenadas que frequentemente
ruas destruídas pela erosão provocada pela geram significativos danos ao meio ambiente,
força da água das chuvas. além de desperdiçar os recursos disponíveis
Para a Secretaria de Planejamento, as (Bonn, 1997).
inundações, além de causar muitos prejuízos à
população atingida, também causam impacto
sobre os trabalhos desenvolvidos em vários se-
tores e secretarias municipais. Contudo, sabe- Conclusão
-se que as medidas preventivas necessárias pa-
ra que esse quadro seja sanado em Dourados O número de casos de alagamentos atendidos
envolve o planejamento urbanístico e ambien- pela Defesa Civil de Dourados apenas no pri-
tal da cidade, focando o bem comum e o futuro meiro semestre de 2011 cresceu muito quando
de todos os cidadãos, não apenas os interesses comparado aos dois anos anteriores. Também
particulares de poucos. houve aumento no número de pessoas com
A falta de integração entre os setores necessidade de remoção das áreas de preser-
que promovem a gestão municipal afeta di- vação ambiental e de risco, o que demanda a
retamente o meio ambiente, a população e construção de moradias populares, dependen-
onera os cofres públicos, pois as limitações do, assim, de recursos federais para a imple-
das ações do poder público em muitas cida- mentação das obras.
des brasileiras estão indevidamente voltadas Do ponto de vista da gestão, o poder
para medidas estruturais com visão pontual público municipal trata o problema das inun-
(Tucci, 1997a), o que resulta, dentre outros, dações de forma setorial quando retira e rea-
da incapacidade de conceber políticas públi- loca a população invasora de áreas de risco.
cas que levem em conta não somente o efeito, Uma perspectiva reducionista que enxerga
mas também suas causas de transformações apenas a ocupação humana em regiões sujei-
do espaço urbano (Tucci, 1997b). Esse distan- tas a inundações ao contrário de contemplar
ciamento também decorre do imenso passivo o planejamento urbano que considere a re-
socioambiental existente nessas cidades, onde dução da impermeabilização do solo confor-
os problemas de degradação socioambiental me o crescimento populacional e que esteja
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O planejamento urbano e as enchentes em Dourados
integrado a uma gestão ambiental focada no forma intersetorial. Isto significa elaborar e de-
manancial hídrico da cidade e desconsiderando senvolver o planejamento urbano considerando
o retrato da realidade nacional. a cidade como um todo, de forma sistêmica e
Embora, saiba-se que o planejamento integrada, levando em conta as interações entre
urbano é o caminho mais curto e econômico as intervenções humanas e o meio natural no
para solucionar os problemas com eventos de âmbito do manancial constituinte das bacias hi-
inundações e todas suas consequências des- drográficas pertencentes ao território municipal,
truidoras e onerosas, o que se observa é uma diminuindo, assim, a distância entre a realidade
inabilidade dos gestores em fomentar um pla- socioambiental do município e o discurso conti-
nejamento urbano e ambiental organizado de do nas agendas e documentos.
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Bianca Rafaela Fiori Tamporoski et al.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional
das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Changes in the socio-occupational structure
of the Brazilian metropolises, 1991-2000
Suzana Pasternak
Abstract
Resumo The paper shows the results of a comparative study
O trabalho apresenta os resultados de um estudo with ten metropolises and an urban agglomeration
comparativo com 10 metrópoles e uma aglome- in Brazil, trying to observe the similarities and
ração urbana no Brasil, procurando observar as differences among their socio-occupational
semelhanças e diferenças entre as estruturas so- structures and their evolution between 1991 and
cioocupacionais das metrópoles estudadas e sua 2000. It answers the following questions: 1) how
evolução entre 1991 e 2000. Trata-se de responder the productive restructuring affected the socio-
às questões: 1) como a reestruturação produtiva occupational structure of each metropolis at the
afetou a estrutura sócio-ocupacional de cada me- end of the last century; 2) whether the evolution
trópole no fim do século passado; 2) se a evolução between 1991 and 2000 was similar in the
entre 1991 e 2000 foi semelhante nas aglomera- agglomerations that were studied; 3) who are the
ções estudadas; 3) quem são os componentes das components of the different socio-occupational
distintas categorias sócio-ocupacionas nas dife- categories in the metropolises of the large Brazilian
rentes metrópoles das grandes regiões brasileiras. regions. The demographic growth of all the studied
Todas as metrópoles estudadas tiveram crescimen- metropolises has been higher in the periphery
to demográfico maior na periferia que no núcleo. than in the central part of the city. Although the
Embora as metrópoles sejam específicas, há certa metropolises are specific, there is a certain similarity
semelhança na sua estrutura: no ano 2000, em to- in their structures: in the year 2000, all the middle
das as ocupações médias predominam. No Sudeste, jobs were predominating. In the Southeast, the
é nítida a perda de dirigentes, mas apenas em São loss of leaders is clear, but only in São Paulo has
Paulo percebeu-se aumento significativo da base a meaningful increase in the basis of the social
da pirâmide social. pyramid been noticed.
Palavras-chave: estrutura sócio-ocupacional; me- Keywords: socio-occupational structure; Brazilian
trópoles brasileiras; reestruturação produtiva nas metropolises; productive restructuring in the
metrópoles. metropolises.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 233-278, jan/jun 2012
Suzana Pasternak
234 Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 233-278, jan/jun 2012
Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
das eventuais posições sociais que os grupos setores da produção, como o Secundário
de indivíduos ocupam e detectar as múltiplas e o Terciário, e, finalmente, entre os ocu-
pados no Setor Secundário, foi feita uma
escalas de hierarquização no espaço social. A
distinção a partir da inserção dos traba-
estrutura social “[...] é entendida, simultanea-
lhadores nos segmentos modernos ou
mente, como um espaço de posições sociais tradicionais da indústria (Ribeiro e Lago,
e um espaço de indivíduos ocupando esses 2000). (Mammarella, 2007, p. 157)
postos e dotados de atributos sociais desigual-
mente distribuídos e ligados às suas histórias” Entre 1991 e 2000, o Censo modificou
(Ribeiro e Lago, 2000, p. 112), dentro de uma sua forma de definir tanto o desemprego, co-
articulação que remete ao pensamento de mo o tipo de ocupação, o que dificulta a com-
Bourdieu (1989). O autor desenvolve a noção paração entre 1980, 1991 e 2000. Em 1991, o
de que os indivíduos ou agentes ocupam po- período de referência para a verificação do es-
sições relativas no espaço social, as quais se tado de emprego era de 12 meses, assim como
encontram em oposição. É possível classificar em 1980. E a condição de ocupação referia-se
empiricamente essas posições relativas segun- a três possíveis estados: se trabalhou habitual-
do os diferentes agrupamentos sociais, poden- mente ou eventualmente neste período de re-
do ser identificadas pelo volume dos capitais ferência, ou se não trabalhou. No ano 2000,
(econômicos, sociais e simbólicos) que eles de- o período de referência foi de uma semana,
têm e pela estrutura desses capitais. Colocados e a questão foi mais detalhada: perguntava-
em posições semelhantes e estando sujeitos a -se se trabalhou em atividade remunerada
condicionamentos similares, há probabilidade ou não; em caso da resposta não, se estava
de que esses agentes ou indivíduos desenvol- temporariamente afastado, se exerceu ativi-
vam atitudes, interesses e práticas aproxima- dade não remunerada ou se, no período de 1
das. A incorporação desse esquema à pesquisa mês na data anterior ao Censo, tomou alguma
sobre as metrópoles brasileiras está pautada providência para conseguir trabalho. Assim, as
no pressuposto metodológico da centralidade cifras de ocupados entre os anos 1980, 1991
do trabalho como categoria estruturadora das e 2000 não são comparáveis: a adoção do pe-
relações sociais (Ribeiro e Lago, 2000, p. 112). ríodo de uma semana, em lugar de 12 meses,
pode induzir a uma ampliação da magnitude
As categorias sócio-ocupacionais, através do desemprego. De outro lado, atividades do-
das quais é possível captar a segmenta-
miciliares como ajuda a outro, trabalho para
ção social nas metrópoles brasileiras,
o autoconsumo, etc., reduzem o desemprego,
foram construídas a partir de alguns prin-
cípios gerais que se contrapõem e que es- pois passam a ser computadas.
tão na base da organização da sociedade Em 2000, modificou-se também a for-
capitalista, tais como: capital e trabalho, ma de classificar as ocupações, através da
grande e pequeno capital, assalariamen-
utilização da CBO (Classificação Brasileira de
to e trabalho autônomo, trabalho manual
Ocupações) e da CNAE (Classificação Nacional
versus não manual e atividades de con-
trole e de execução. Também foi levada de Atividade Econômica). Na pesquisa, foi fei-
em consideração a diferenciação entre to um ajuste da classificação ocupacional de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 233-278, jan/jun 2012 235
Suzana Pasternak
1991 com a metodologia censitária de 2000, o obtido da mesma forma que o de 2000. Mesmo
que possibilita a comparação entre estas duas assim optou-se por analisar a evolução, apesar
datas. Para 1980, entretanto, isso não foi feito. desta ressalva. A análise relativa dos percentu-
Assim, qualquer comparação que envolve os 20 ais pode elucidar a evolução.
últimos anos do século XX só poderá ser feita Foram verificadas também as altera-
entre grandes grupos, e o percentual de popu- ções no mercado de trabalho formal das me-
lação ocupada em relação à total entre estas trópoles estudadas. Para tanto se utilizaram
três datas não é passível de comparação. Por dados da RAIS (Relação Anual de Informações
isso, a análise da evolução das categorias só- Sociais, Ministério do Trabalho), cobrindo o
cio-ocupacionais se concentra em 1991 e 2000. mercado formal de 1991 e 2000, cotejando-os
E deve ser lembrado que o número absoluto com as informações censitárias sobre a popu-
de ocupados de 1991 não é, rigorosamente, lação ocupada.
grandes empregadores
dirigentes dirigentes do setor público
dirigentes do setor privado
profissionais autônomos de nível superior
profissionais empregados de nível superior
profissionais de nível superior
profissionais estatutários de nível superior
professores de nível superior
pequenos empregadores pequenos empregadores
ocupações de escritório
ocupações de supervisão
ocupações técnicas
ocupações médias
ocupações de saúde e educação
ocupações de segurança, justiça e correio
ocupações artísticas e similares
trabalhadores do comércio
trabalhadores do terciário
trabalhadores de serviços especializados
trabalhadores manuais da indústria moderna
trabalhadores manuais da indústria tradicional
trabalhadores do secundário
trabalhadores manuais de serviços auxiliares
trabalhadores manuais da construção civil
prestadores de serviços não especializados
trabalhadores do terciário não especializado empregados domésticos
ambulantes e biscateiros
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Nesse movimento também foram alte- cial, o de elevada rotatividade, etc.” (Piquet,
radas situações que marcaram durante 2000, p. 98). Tanto trabalhos produzidos sobre
muito tempo a organização espacial da esta dinâmica, como os dados da RAIS (Rela-
atividade econômica e o tipo de vínculo ção Anual de Informações Sociais, Ministério
existente entre as regiões. O território
do Trabalho), cobrindo o período de 1991 a
se cobriu de redes de fluxos, tangíveis e
intangíveis, que intensificaram as rela- 2000, atestam esta redução do mercado for-
ções entre as pessoas, as empresas e os mal nas metrópoles de São Paulo e Rio de Ja-
lugares, facilitando a possibilidade de neiro, as maiores do país, onde o impacto da
cooperação, mas aumentando também reestruturação produtiva parece ser maior (a
a competição. Algumas regiões de anti-
taxa de crescimento dos empregos formais de
ga tradição industrial perderam atrativo
como localização diante do aparecimen- São Paulo no período foi de -0,28% ao ano,
to de outras áreas emergentes. (Piquet, e a do Rio de Janeiro, de -0,87% anuais). De-
2000, p. 97) ve também ser lembrado que a reengenharia
feita nestes anos, visando tornar os produtos
As consequências desse processo se fi- brasileiros mais competitivos, terceirizou parte
zeram sentir também no mercado de trabalho, do trabalho não diretamente ligado à produ-
provocando alterações no perfil do emprego. ção, antes computado como industrial, agora
Há algumas teorizações sobre essas mudan- como serviço. É o caso, entre outros, das ativi-
ças, entre as quais uma das mais conhecidas dades de manutenção, segurança, alimentação
é a de Sassen (1991) que propõe, como hipó- e limpeza.
tese central para as chamadas cidade globais, As sociedades do mundo desenvolvido
“a existência de um vínculo estrutural entre o têm apresentado um processo de terceirização,
tipo de transformação econômica caracterís- com transferência de empregos das atividades
tica dessas cidades e a intensificação de sua da indústria de transformação para as ativida-
dualização social e urbana” (Preteceille, 1994, des de serviços. Alguns autores chamam a este
p. 66). fenômeno passagem da fase industrial para
No Brasil, as consequências das trans- uma fase pós-industrial e, inclusive, acreditam
formações econômicas mundial compeliram a que um indicador como uma proporção de
indústria, setor mais exposto à concorrência mais da metade dos empregos em serviços po-
internacional, sobretudo depois da abertura deria ser considerado como indicador positivo
comercial do governo Collor, nos anos 90, a de progresso econômico: o progresso se daria
proceder a um vigoroso ajuste produtivo, que pela passagem das sociedades pré-industriais
resultou numa intensificação de capital nas para outras, de caráter industrial, e destas para
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Suzana Pasternak
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
No Brasil, muitas grandes empresas ver- • as mudanças foram num mesmo sentido
ticalmente integradas estão sendo levadas, em todas as metrópoles de cada segmento
por pressão do mercado, a terceirizar suas ati- espacial?
vidades complementares para comprá-las no • há distinções marcantes entre as metrópoles
mercado concorrencial a menor preço. Assim, das diversas regiões?
muitas atividades antes integradas à grande •a precarização realmente aumentou na déca-
indústria passam a serem exercidas por peque- da? Ou seja, houve real aumento dos empregos
nos empresários, autônomos, cooperativas, sem carteira e dos autônomos? A taxa de de-
o que transforma certo número de empregos semprego, por mudança no conceito, não pode
formais em ocupações precárias, sem garan- ser comparada.
tias e direitos trabalhistas. Há um claro pro- • quem são os componentes das categorias só-
cesso de precarização das relações de trabalho cio-ocupacionais em cada metrópole? Por exem-
nos anos 90, o que nem sempre significa dimi- plo: a elite nordestina é semelhante à elite das
nuição do nível de rendimento. metrópoles mais industriais? Quem são as cha-
O presente trabalho analisa a estru- mada camadas médias nas distintas metrópoles
tura sócio-ocupacional em 11 regiões me- brasileiras? A estrutura ocupacional dos traba-
tropolitanas brasileiras que compõem o lhadores manuais urbanos apresenta diferenças?
Observatório das Metrópoles (Belém não foi
analisada):
• no Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte;
Escala e taxas de incremento
• no Sul, Curitiba e Porto Alegre; da população
• no Nordeste, Nat al, For t aleza, Recife
e Salvador; As metrópoles estudadas pelo Observatório
• no Centro Oeste, Goiânia; apresentam tamanho populacional bem distin-
• a aglomeração urbana de Maringá. Goiânia to: as três metrópoles do Sudeste – Belo Hori-
e Maringá serão analisadas como áreas de zonte, Rio de Janeiro e São Paulo – têm popula-
expansão. ção com mais de 4 milhões de habitantes. São
Pretende-se verificar: Paulo tinha, no ano 2000, mais de 17 milhões
• semelhanças e diferenças entre as estruturas e o Rio de Janeiro, quase 11 milhões. Porto Ale-
sócio-ocupacionais das metrópoles por região; gre, no Sul, Recife e Salvador, no Nordeste, con-
• semelhanças e diferenças entre as mudanças tam com mais de 3 milhões; Fortaleza e Curiti-
nesta estrutura nos ano 90, que marcam a re- ba apresentam tamanho demográfico de mais
estruturação produtiva no país. de 2,5 milhões de pessoas, enquanto Belém,
Tenta-se responder às questões: Goiânia e Natal ficam na casa de 1 milhão. A
• como a reestruturação produtiva afetou a es- aglomeração urbana de Maringá não alcança-
trutura social de cada metrópole brasileira? va 500 mil pessoas no ano 2000. O tamanho da
• há semelhanças e diferenças nestas estrutu- população total apresenta, assim, uma enorme
ras e por quê? amplitude, assim como a população ocupada.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Notou-se, em relação ao incremento po- dividida numa taxa de 1,91% para o núcleo
pulacional 1991-2000, que São Paulo e Rio de central e 6,57% para a periferia. Maringá, por
Janeiro tiveram taxas modestas (1,19 e 1,49 % sua vez, cresce à taxa de 2,26, sendo a única
anuais, respectivamente). No Sudeste, a única aglomeração que cresce de forma mais equili-
metrópole com crescimento elevado foi Be- brada entre centro ( 2,06%) e periferia (2,57%)
lo Horizonte, com taxa de 3,84% anuais. Mas Assim, todas as metrópoles estudadas
essa taxa elevada deve-se principalmente ao tiveram crescimento maior na periferia. As me-
crescimento periférico, de 6,91% anuais. A taxa trópoles do Sudeste mostram esvaziamento
do núcleo central, para as três metrópoles do populacional e funcional de áreas centrais con-
Sudeste, é baixa (0,76% para o Rio de Janeiro, solidadas. Esta frente de urbanização periféri-
0, 81% para São Paulo e 1,16% para Belo Ho- ca, não raro, se traduz em destruição de meio
rizonte). Tanto no Rio, como em São Paulo, com ambiente. Em todas as metrópoles percebe-se
em Belo Horizonte, a periferia cresce bem mais um movimento geral em direção a uma ur-
que o município capital. banização dispersa, com maior proporção de
O nível de crescimento total das metró- população urbana e menos agricultores e uma
poles do Sul é bem mais alto: Curitiba cresceu estrutura sócio-ocupacional mostrando perda
a 3,51% ao ano no período, e Porto Alegre a de trabalhadores industriais, ganho de traba-
2,12%. Nas metrópoles do Sul, o crescimento lhadores de serviços (especializados e não es-
periférico também ultrapassou largamente o pecializados) e maior profissionalização.
do pólo central: em Curitiba foi 2,72 vezes o
da capital, e em Porto Alegre, 3,30 vezes. Porto
Alegre teve apenas 0,93% de taxa de cresci-
mento no núcleo.
Evolução do mercado
No Nordeste, as taxas também foram ele-
formal de empregos
vadas em Fortaleza (2,92% anuais) e Salvador
(2,16). Já no Recife o crescimento populacional A evolução dos empregos formais nas metró-
entre 1991 e 2000 foi de apenas 1,64. Mas nas poles estudadas entre 1991 e 2000 se deu de
metrópoles do Nordeste o fenômeno do maior forma distinta: no Sudeste, São Paulo e Rio de
crescimento dos municípios periféricos também Janeiro apresentaram perda absoluta de postos
é visível, mesmo Recife apresentando taxa de de trabalho formais, mais acentuada no Rio
incremento na periferia de 2,11% anuais. Em que em São Paulo, enquanto em Belo Horizonte
Fortaleza e Salvador, essas taxas ultrapassam o número absoluto de postos de trabalho su-
3,5% anuais. Em Natal, a taxa de crescimento biu um pouco na década. No Sul, tanto Porto
total atingiu 2,61% anuais no período, também Alegre como Curitiba tiveram aumento, grande
com a periferia crescendo 2,34 vezes o centro em Curitiba (a maior taxa de aumento entre
(a taxa dos municípios periféricos foi de 4,22% as metrópoles estudadas); no Nordeste, onde
ao ano, e a do município central de Natal, de todas as metrópoles apresentaram aumento, a
1,80%). Em Goiânia, a taxa bastante alta de maior taxa de incremento aconteceu em Salva-
crescimento total de 3,24% ao ano pode ser dor, com ganho de 1,98% anuais, num total de
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113 mil novos empregos formais no período. As Fortaleza e Belo Horizonte, certa estagnação no
duas áreas de expansão tiveram altas taxas de Recife, Natal e Porto Alegre e perda nas duas
incremento anual de empregos. Tanto Maringá maiores metrópoles, Rio de Janeiro e São Paulo.
como Goiânia viram seus empregos formais No conjunto as metrópoles estudadas ganha-
crescerem a taxas maiores que 3,5% anuais, ram 475 mil empregos formais no período. As
com Goiânia ganhando mais de 100 mil postos duas maiores metrópoles brasileiras, Rio de São
de trabalho no período. A Tabela 2 abaixo mos- Paulo, perderam 257 mil postos de trabalho
tra os ganhos em Curitiba, Maringá, Salvador, nos anos 90.
Empregos formais
Região RM
1991 2000 Diferença Taxa - %
Rio de Janeiro 2.355.039 2.117.078 -237.961 -0,87
Sudeste São Paulo 4.749.809 4.630.809 -119.000 -0,28
Belo Horizonte 1.018.915 1.192.068 173.153 1,76
Porto Alegre 884.943 953.005 68.062 0,83
Sul
Curitiba 505.113 730.814 225.701 4,19
Fortaleza 419.474 495.382 75.908 1,87
Natal 195.029 210.830 15.801 0,87
Nordeste
Recife 591.460 621.075 29.615 0,54
Salvador 588.685 702.172 113.514 1,98
Maringá 65.972 94.839 28.867 4,12
Expansão
Goiânia 281.826 384.024 102.198 3,50
Fonte: RAIS/MTE, 1991 e 2000.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
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paulista: apresenta maior peso na construção O perfil dos empregos em Belo Horizon-
civil (19% dos empregos em 1991 e 23,19% no te apresenta grande peso na indústria meta-
ano 2000), a indústria metalúrgica é relativa- lúrgica (mais de 22% em 1991), nos serviços
mente menos importante do que em São Pau- de utilidade pública (9,02% em 1991), na
lo, mas a químico-farmacêutica e a têxtil tem indústria de bebidas e alimentos (10,78% no
peso grande tanto em 1991 como em 2000. ano 2000). O grande peso do emprego indus-
Outras diferenças grandes surgem nos serviços trial em Belo Horizonte é o da construção civil,
industriais de utilidade pública, que no Rio em- com 30,16% dos empregos em 1991 e 31,98%
pregam mais de 10% da força de trabalho for- em 2000. Belo Horizonte compartilha essa for-
malmente empregada, enquanto em São Paulo te proporção de empregados na construção
esse percentual passa de 2,61% para 3,52%, civil com Recife (onde a proporção é 31,60%
entre 1991 e 2000 e na indústria de alimentos no ano 2000), com Salvador 9,41% em 1991
e bebidas, no Rio com 12,65% dos empregos e e 42,7% em 2000) e Goiânia (43% em 1991 e
São Paulo com 7,28%. 31% no ano 2000).
No Sul também acontece uma queda na 32,12% dos seus empregos formais na indús-
proporção de empregos industriais. Porto Ale- tria em 1991, perde mais de 11 pontos percen-
gre tem queda insignificante, de apenas 1,7 tuais e apresenta profunda transformação da
pontos percentuais, conservando seu perfil de estrutura de emprego em 2000, com ganho de
cidade operária. Curitiba, entretanto, que tinha 18 pontos em serviços.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Fortaleza surge como a metrópole nor- Recife têm estrutura de empregos muito seme-
destina com maior proporção de empregos for- lhante no ano 2000. Em Salvador e no Recife,
mais na indústria: 27% em 1991 e 26% no ano o aumento relativo dos empregos nos serviços
2000. Natal e Recife ficam com cerca de 19% é alto. Já em Natal esta proporção já era alta
de emprego industrial, e Salvador tem apenas em 1991, subindo ligeiramente em 2000. Em
15% no ano 2000. De outro lado, Salvador apre- Fortaleza vai existir a menor proporção de em-
senta mais de 70% de sua força de trabalho pregos formais em serviços entre as metrópoles
formal nos serviços, mais que o Natal e Recife, nordestinas, e o aumento entre 1991 e 2000 foi
onde o percentual é de mais que 65%. Natal e de pouco mais de 4 pontos percentuais.
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O perfil industrial das metrópoles do construção civil, o outro ramo industrial com
Nordeste é distinto das do Sul e Sudeste. alta proporção é o da indústria de produtos
Nessas, a proporção dos empregos formais alimentícios, com 25% dos empregos formais
na construção civil era de ordem de 20% em na indústria em 1991 e 21% em 2000. Em Sal-
2000, com exceção de Belo Horizonte, onde vador, 15% dos empregos na indústria estão
alcançava 32%. Já Recife, Natal e Salvador na indústria química, 10% nos produtos ali-
apresentam percentuais da ordem de 26% a mentícios. Nessas duas metrópoles, cerca de
43% de emprego na construção civil. Forta- 10% dos empregos formais encontram-se nos
leza diminui sua proporção de 23% em 1991 serviços industriais de utilidade publica, dife-
para 19% no ano 2000. rentemente de Fortaleza e Natal.
O outro ramo industrial com for te As duas aglomerações chamadas de
proporção de empregos formais é o da expansão: Goiânia e a aglomeração urbana
indústria têxtil: em Fortaleza alcança 35% em de Maringá apresentam perfil diverso. Goiâ-
2000 (45 mil pessoas), e em Natal, 38% (15,5 nia tem pouco mais de 20% dos empregos
mil empregos). formais na indústria, enquanto Maringá che-
Salvador e Recife têm em comum com ga a quase 31%. De outro lado, o setor servi-
as outras metrópoles nordestinas a grande ços aparece com forte percentual em Goiânia
proporção em construção civil (32% no Reci- (61,5% em 2000), e em Maringá tem apenas
fe e 43% em Salvador). Diferem, entretanto, 42,24% dos empregos. Entre 1991 e 2000,
de Fortaleza e Natal na distribuição dos ou- as duas metrópoles se mantiveram com rela-
tros setores industriais: no Recife, além da tiva estabilidade.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Goiânia Maringá
Setor
1991 2000 1991 2000
Indústria 20,76 21,05 26,14 30,42
Comércio 12,01 16,62 18,06 23,01
Serviços 59,90 61,45 43,82 42,32
Agropecuária 0,41 0,88 5,74 4,24
Outros/ig 6,92 0,00 6,23 0,00
Total 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: MTE/RAIS, de 1991 e 2000.
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O perfil dos setores industriais onde se Goiânia e Maringá também têm grande
aloca essa mão de obra também difere bastan- proporção de empregos na construção civil.
te: no Sudeste, a não ser em Belo Horizonte, a Mas o resto de seu perfil industrial é distinto:
proporção de empregados na construção civil em Maringá, nota-se a grande importância da
fica inferior a 20% da mão de obra emprega- indústria de alimentos, têxtil e de madeira e
da na indústria. O perfil dos empregos no setor mobiliário. Em Goiânia, produtos alimentícios
secundário é também específico, com concen- e têxteis.
tração nos setores de metalurgia, material de Essas estruturas distintas do emprego
transporte, indústria química e indústria têxtil, formal e o perfil da economia de cada metró-
no caso de São Paulo; química e têxtil e ser- pole se refletirão na evolução das categorias
viços de utilidade pública, no caso do Rio de sócio-ocupacionais.
Janeiro e metalúrgica e produtos alimentícios,
além da construção civil, para Belo Horizonte.
No Sul, chama a atenção a evolução da
mão de obra formal em Curitiba: material de
Estrutura sócio-ocupacional
transporte, que empregava 6 mil pessoas em
nas Regiões Metropolitanas
1991, vai empregar 18 mil no ano 2000. A in- do Brasil, 1991 e 2000
dústria de alimentos, com 13 mil, passa a 18
mil também, no ano 2000. As indústrias de Para análise comparativa, sintetizou-se a es-
material de transporte, químico-farmacêutica trutura sócio-ocupacional urbana em quatro
e produtos alimentícios agregam 30% dos em- grandes grupos:
pregos industrias. Já na RM de Porto Alegre, • categorias superiores, compreendendo os
domina a indústria de calçados, com cerca de dirigentes, profissionais de nível superior e pe-
25% do total de empregos. Nas duas metró- quenos empregadores;
poles do Sul, o emprego formal na construção • categorias médias;
civil não alcança 20% no ano 2000. • categorias populares urbanas, com trabalha-
As metrópoles do Nordeste, como já foi dores de terciário especializado, não especiali-
colocado, têm grande proporção de empregos zado e secundários;
na construção civil diferentemente das outras • agricultores.
metrópoles. Em Salvador, o percentual chega a Devido à impossibilidade de compara-
43%, representando 44 mil empregos no ano ção das proporções tal como se apresentam
2000. Em 1991, o número absoluto era ainda nas tabelas, dado o conceito distinto utilizado
maior, 47 mil postos de trabalho. Salvador e nos Censos de 1991 e 2000 para a definição
Recife apresentam, tal como o Rio de Janeiro, de ocupado, verificou-se apenas o incremento
10% dos empregos em serviços de utilidade relativo, colocando-se como limiar a porcenta-
pública. Além da construção civil, a indústria gem de 20%. Assim, quando uma proporção
forte no Nordeste é a têxtil, a não ser em Salva- aumentava ou diminuía mais que 20%, consi-
dor, onde sua representação é pequena. derava-se relevante.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Estrutura sócio-ocupacional
das metrópoles do Sudeste
Nota-se semelhança entre as distribui- • tanto no Rio, como em São Paulo e em Be-
ções sócio-ocupacionais nas metrópoles do Su- lo Horizonte, o maior peso entre as categorias
deste e sua dinâmica na década de 90: sócio-ocupacionais encontra-se entre as catego-
• nas três, a proporção de categorias superio- rias médias. Nas três metrópoles, essa proporção
res situa-se em torno de 10% em 1991, aumen- diminui em 2000, passando de porcentagem em
tando em 2000; torno de 30% para algo em volta de 27%;
• nas três, o peso dos dirigentes cai bastante • nas três metrópoles, a proporção de cate-
entre 1991 e 2000; a maior queda se dá em São gorias populares urbanas aumentou, sobretu-
Paulo, onde a proporção era maior em 1991; do devido ao aumento – superior a 20% – do
• nas três metrópoles, verifica-se nítido au- terciário especializado. Na metrópole de São
mento dos profissionais de nível superior, maior Paulo, notou-se também, e apenas nela, um in-
que 20% no período; cremento do terciário não especializado;
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Suzana Pasternak
• nas três metrópoles, a proporção de agricul- relativo nos empregos formais em serviços, o
tores é pequena, e está com diminuição relati- que se refletirá no crescimento dos trabalha-
va acentuada, maior que 20%. dores do terciário especializado, maior que
Lembrando a Tabela 4, pode-se asso- 20% no período, e na queda dos trabalhado-
ciar o enorme incremento do terciário não res do secundário. Percebe-se nas metrópo-
especializado na metrópole paulista ao gran- les do Sudeste:
de aumento da estimativa de informalidade, • forte profissionalização;
19% em 1991 e 35% no ano 2000. Foi São • ligeira queda das categorias médias, de pa-
Paulo a metrópole que mais perdeu partici- tamar maior que 30% para valores mais pró-
pação no emprego formal. E as três metró- ximos de 27%;
poles tiveram forte queda nos empregos • aumento de terciário especializado;
formais na indústria e grande incremento • diminuição dos agricultores.
Estrutura sócio-ocupacional
das metrópoles do Sul
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Suzana Pasternak
Estrutura sócio-ocupacional
das metrópoles do Nordeste
Fonte: IBGE: Censos Demográficos de 1991 e 2000. Tabulações especiais Observatório das Metrópoles.
As estruturas sócio-ocupacionais das me- Salvador apenas de 3,6%, que sobe para 5%
trópoles nordestinas têm mais em comum en- em 2000; de outro lado, o peso dos agricultores
tre si que em relação às metrópoles do Sudeste em Fortaleza, Natal e Salvador em 1991 alcan-
e do Sul: çava mais de 6%; além disso, nas metrópoles
• apenas em Natal não houve aumento maior do Nordeste há ganho entre os dirigentes, o
que 20% nas categorias superiores, embora que não acontece no Sudeste e no Sul;
mesmo em Natal observa-se incremento nesta • no ano 2000, há uma aumento das cate-
proporção. A proporção de ocupados perten- gorias populares urbanas em todas as quatro
centes às categorias superiores era bem menor metrópoles nordestinas estudadas, assim como
em 1991 que nas metrópoles do Sudeste e Sul, uma redução das camadas médias, com exce-
e mesmo em 2000 continua menor: no Sudeste ção de Salvador;
e no Sul, em 1991, a proporção de ocupados • a dinâmica 1991-2000 apresenta semelhan-
das categorias superiores ficava em torno de ças: todas as metrópoles do Nordeste apre-
11%, e em 2000, de 12%; já nas metrópoles sentam ganho significativo de trabalhadores
do Nordeste, em 1991, Fortaleza, Natal e Re- do terciário especializado e perda importante
cife apresentavam proporções entre 7 a 9%, e dos agricultores;
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Suzana Pasternak
Estrutura sócio-ocupacional
das metrópoles das áreas de expansão
Maringá Goiânia
Grandes categorias
1991 2000 1991 2000
Dirigentes 1,75 1,25 1,45 1,62
Profissionais nível superior 4,00 5,39 5,37 6,53
Pequenos empregadores 5,32 4,16 4,05 3,44
Categorias superiores 11,07 10,80 10,87 11,58
Categorias médias 21,37 20,90 27,77 24,52
Trabalhadores terciário especializado 13,79 17,15 17,48 18,98
Trabalhadores do secundário 25,23 26,53 24,49 24,79
Trabalhadores terciário não especializado 16,71 16,42 17,49 18,10
Categorias populares urbanas 55,73 60,10 59,46 61,86
Agricultores 11,82 8,20 1,89 2,03
Fonte: IBGE: Censos Demográficos de 1991 e 2000. Tabulações especiais Observatório das Metrópoles.
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Suzana Pasternak
• quais as características das categorias médias Censos Demográficos de 1991 e 2000, re-
nas diferentes metrópoles e nas distintas datas? lacionadas à demografia, renda, trabalho,
• qual o peso de cada categoria ocupacional educação e moradia. Algumas metrópo-
nos trabalhadores manuais urbanos de cada ti- les não tiveram tempo hábil para o deta-
po de metrópole? Quem são estes trabalhado- lhamento desses indicadores. Assim, esta
res manuais urbanos e suas características se parte do texto reunirá informações de São
mantiveram na década? Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Por-
Para embasar essas questões, utiliza- to Alegre, Curitiba, Natal, Recife, Fortaleza
ram-se alguns indicadores fornecidos pelos e Salvador.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Alegre, como em Belo Horizonte, deu-se o fenô- • tanto em Curitiba como em Porto Alegre
meno inverso. As rendas per capita aumentam, a elite ainda mora em casas: a verticali-
o que indica tamanho menor de família, tal co- zação de Curitiba aumenta, mas não atin-
mo no Sudeste; ge 50% . Porto Alegre tem uma elite mais
• a média de anos de estudo aumenta e tem a verticalizada, mas em proporção menor que
mesma grandeza que nas metrópoles do Sudeste; o Rio de Janeiro.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 233-278, jan/jun 2012 259
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e no Sudeste, essa proporção atingia mais de tempo que no Sul ou no Sudeste, com exceção
80% em Belo Horizonte e quase 90% no Rio de Belo Horizonte;
e em São Paulo. Percebe-se a existência de • a comparação com a renda média domiciliar
proporção significativa de não brancos na elite foi prejudicada pela constatação que alguns
do Nordeste; valores podem estar superdimensionados. Mas
• a proporção de nascidos no estrangeiro aparentemente em Fortaleza e em Natal atinge
entre a elite nordestina é ínfima, mesmo no valores maiores que no Sul e no Sudeste. Uma
Recife, onde atinge um pouco mais (3,7% hipótese é de que altos executivos migrantes
em 1991). As únicas metrópoles com alta internos exijam salários e bonificações altas
proporção de nascidos no estrangeiro são para fixarem residência no Nordeste;
Curitiba e São Paulo. No Nordeste, a elite é • a tendência ao aumento da média de anos
basicamente nacional, a não ser em Salvador, de estudo se mantém;
onde 12% dos dirigentes em 2000 nasceram • outra grande diferença entre a elite do Nor-
no estrangeiro; deste e a do Sul Sudeste diz respeito às con-
• percebe-se nas metrópoles nordestinas que dições de moradia: a não ser o Recife e em
parcela considerável da elite é migrante recen- Salvador, a verticalização é baixa. Em 1991, o
te: em Natal, em 1991, mais de 12% estava na saneamento básico era precário, melhorando
cidade há menos de 5 anos. Mesmo em Forta- em todas as metrópoles nordestinas no ano
leza a proporção de 7% dos membros da elite 2000. E o número de banheiros por domicílio
há menos de 5 anos no Estado, assim como no é também alto, tal qual as casas da elite no Sul
Recife, mostra uma elite que chegou há menos e no Sudeste.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Analisando o Quadro 5, que se refere aos de Janeiro e em Belo Horizonte, está por volta
profissionais de nível superior das metrópoles de 3%; já em São Paulo situa-se em 2%. Entre
do Sudeste, e comparando os indicadores aos os dirigentes, esse percentual era da ordem de
dos dirigentes, tem-se: 4,5%. Assim, os profissionais de nível superior
• a razão de sexo entre os profissionais de ní- são mais jovens que os dirigentes;
vel superior é distinta da razão de sexo entre os • a proporção de brancos é dominante entre
dirigentes, com maior proporção de mulheres os profissionais de nível superior das metrópo-
nas três metrópoles, com tendência ao aumen- les no Sudeste, mas em nível inferior à dos di-
to do peso para o sexo feminino, como para os rigentes: entre esses, 85% eram brancos. Entre
dirigentes. A ordem de grandeza dessa porcen- os profissionais de nível superior, apenas em
tagem é de 50% para o Rio de Janeiro e São São Paulo a proporção é equivalente. No Rio
Paulo, e 60% para Belo Horizonte; e em Belo Horizonte, a proporção desce para
• a proporção de pessoas com mais de 65 perto de 80%. Nas três metrópoles, ela é de-
anos é menor que entre os dirigentes. No Rio crescente em 2000;
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 233-278, jan/jun 2012 261
Suzana Pasternak
• São Paulo continua com proporção alta de dirigentes, observa-se que é mais baixa, já que
nascidos no estrangeiro, 13% no ano 2000, a dos dirigentes apresentava média de 25 salá-
mas muito menor que entre os dirigentes; rios mínimos;
• a proporção de migrantes há menos de 5 • percebe-se, nas três metrópoles, uma preca-
anos no estado é alta em São Paulo, onde rização das relações de trabalho: a proporção
8% dos profissionais de nível superior estão de contribuintes à previdência decresce nas
nesta condição no ano 2000. Para a mesma três metrópoles, com decréscimo de 15 a 17
metrópole, entre os dirigentes a proporção pontos percentuais;
era de 6% . Portanto da mesma ordem de • a média de anos de estudo é maior que entre
grandeza. Em Belo Horizonte, as porcentagens os dirigentes em São Paulo e no Rio;
são menores ; • a moradia é pouquíssimo menos verticali-
• a renda média domiciliar dos profissionais zada que entre os dirigentes. E a proporção
de nível superior de São Paulo e Belo Horizonte dos moradores em apartamentos é maior no
está em torno de 20 salários mínimos, subindo Rio. As condições sanitárias das moradias são
em Belo Horizonte e descendo em São Paulo no boas, e a média de banheiros por domicílio é
período estudado. No Rio, apresenta-se mais perto de dois, menor que entre os dirigentes,
alta. Comparando essa renda média com a dos de 2,7.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Caracterizando-se os profissionais de ní- mínimos. Para o Sul, a renda média dos dirigen-
vel superior do Sul, percebe-se que: tes foi de 23 salários mínimos;
• o perfil demográfico – proporção de homens • também é notável a precarização das rela-
e de idosos – é bastante semelhante entre si ções de trabalho entre os profissionais de nível
e com as metrópoles do Sudeste. Percebe-se superior no Sul, cerca de 19 pontos percentuais
também que os profissionais de nível superior em Curitiba e 15 em Porto Alegre. E a propor-
têm maior proporção de mulheres e menor de ção dos que trabalham por conta própria e não
pessoas mais velhas que os dirigentes; têm previdência é de 50% em Curitiba e 42%
• a proporção de brancos é alta, da ordem de em Porto Alegre, equivalente, assim, à propor-
95% em Porto Alegre e 92% em Curitiba; ção dos mineiros e paulistas;
• praticamente não há estrangeiros em Porto • as condições sanitárias domiciliares são boas,
Alegre, mas em Curitiba a proporção é signifi- e a média de banheiros por domicílio é perto de
cativa, como em São Paulo; 2, inferior à média dos dirigentes. Em Porto Ale-
• a renda média dos profissionais de nível su- gre, a verticalização das moradias é forte, com
periores estava em torno de 18 salários míni- mais de 605 dos profissionais de nível superior
mos em 1991. Em Curitiba, desce no ano 2000, residindo em apartamentos, mais que os diri-
enquanto em Porto Alegre sobe para 23,5 salá- gentes, ainda detentores de residências unifami-
rios mínimos. Nas metrópoles do Sudeste, essa liares. Em Curitiba, a proporção era menor, mas
renda média situava-se por volta de 20 salários também maior que a entre os dirigentes.
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Demografia
– % homens 58,35 53,10 60,2 55,4 56,09 52,12 58,6 53,9 58,36 53,84
– % 65 anos e mais 0,86 1,05 1,1 1,6 0,55 0,80 0,8 0,9 0,80 1,04
– % brancos 75,14 74,62 77,9 61,5 55,98 59,30 86,4 86,9 89,20 89,10
– % nascidos no estrangeiro 3,85 4,96 – – 0,21 0,28 4,17 2,3 0,58 0,37
– % migrantes há menos de 5 anos no Estado 7,93 7,30 5,0 1,2 4,41 4,80 9,40 10,2 3,79 4,15
– tempo médio dos migrantes no Estado 5,08 5,71 – – 4,98 5,17 4,66 5,0 4,98 4,93
Renda
– média renda domiciliar sm 12,55 14,26 9,68 14,99 10,15 14,02 10,1 10,9 9,39 14,01
– média renda per capita sm 3,80 5,24 – – 2,94 4,54 3,1 3,8 3,14 4,99
Trabalho
– % de contribuintes à previdência 81,75 70,63 84,4 72,5 86,10 67,73 84,6 73,2 84,72 68,77
– % de conta própria sem previdência 42,35 57,91 – – 35,40 61,21 49,6 62,7 41,71 54,48
Educação
– média de anos de estudo entre os que estudaram 9,54 10,80 10,1 10,8 9,86 10,75 9,9 10,7 9,80 10,74
Moradia
– % apartamentos 15,90 25,29 35,9 34,6 24,36 34,21 28,4 27,7 40,77 38,10
– % casas com saneamernto escoado 88,1 93,62 84,9 91,9 83,83 89,72 76,7 90,3 79,66 94,63
– média de banheiros 1,43 1,57 – – 1,48 1,57 1,5 1,5 1,25 1,32
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
• entre as categorias médias também se veri- em Porto Alegre, com percentuais em torno de
fica a precarização das relações de trabalho na 35 a 38% morando em apartamentos. Em to-
década de 90, com perda de cerca de 15 pontos das as metrópoles, as condições sanitárias do-
percentuais em quase todas as metrópoles do miciliares são corretas e melhoraram em 1991.
Sudeste e do Sul. E, entre os que trabalham por A média de banheiros por domicílios é inferior
conta própria, grande proporção já não con- à das categorias superiores;
tribui para a previdência. Esta média era em • pode-se concluir que as categorias média
torno de 40% em 1991, subindo para mais de das metrópoles do Sudeste e do Sul apresen-
55% no ano 2000; tam muita semelhança entre si, e diferem das
• as camadas médias são menos verticalizadas categorias superiores em relação à cor, razão
que as categorias superiores em todas as me- de sexo, renda, escolaridade, precarização
trópoles do Sul e Sudeste. Sua maior proporção maior das relações de trabalho, menor verticali-
de verticalização vai ocorrer no Rio de Janeiro e zação e menos banheiros por moradia.
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secundário nas diversas metrópoles, o que indi- indústria tradicional representam apenas 16%
caria composição distinta entre trabalhadores dos trabalhadores do secundário. O maior per-
do terciário especializado e não especializado e centual encontra-se entre os trabalhadores da
trabalhadores do secundário nas aglomerações construção civil. Já em Porto Alegre, a indústria
brasileiras estudadas. tradicional aparece com força, com 32,53%
Observa-se que o peso dos ocupados no dos operários. O polo calçadista tem presen-
secundário é bastante diverso nas diferentes ça indiscutível. Aliás, outra metrópole onde
metrópoles, indo de percentuais elevados en- a indústria tradicional lidera o percentual de
tre as categorias populares urbanas, como nas trabalhadores é Fortaleza. Nota-se que o cha-
metrópoles do Sul, onde agrega cerca de 60% mado perfil 2, com aproximadamente 40% das
desta categoria, passando por São Paulo, Belo categorias populares urbanas no secundário,
Horizonte e Fortaleza, com percentual apro- é bastante diverso: em São Paulo, a indústria
ximado de 40%, Rio de Janeiro e Natal, com moderna aparece como grande empregadora,
35%, e Recife e Salvador, com cerca de 30%. com quase 30% dos trabalhadores do secun-
São quatro perfis de metrópole em relação ao dário; já em Fortaleza, esse papel é desem-
peso do secundário entre as categorias urba- penhado pela indústria tradicional e em Belo
nas populares. Horizonte pela construção civil. Nas outras
Mas vão existir diferenças dentro des- metrópoles, tanto do perfil 3 (35% de traba-
ses perfis. As metrópoles do Sul, onde a pro- lhadores das categorias populares urbanas no
porção de trabalhadores do secundário é alta, secundário) como do perfil 4 (apenas 30% no
de aproximadamente 60%, mostram uma dis- secundário) a construção civil é, indiscutivel-
tribuição destes trabalhadores entre os diver- mente, a grande empregadora entre os traba-
sos segmentos do secundário. Pela Tabela 12, lhadores do secundário. Se a análise for feita
nota-se que em Curitiba os trabalhadores da por grande região, o Rio de Janeiro apresenta
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Suzana Pasternak
um perfil nordestino, enquanto Fortaleza fo- Salvador a construção civil empregue mais de
ge a este perfil. Chama a atenção que em 40% do total de trabalhadores do secundário.
Categoria sócio-ocupacional Curitiba Porto Alegre São Paulo Belo Horizonte Fortaleza
Indústria moderna 24,20 23,26 29,59 23,89 15,06
Indústria tradicional 16,00 32,53 19,11 17,84 37,75
Serviços auxiliares 26,00 17,90 24,96 22,71 18,79
Construção civil 32,80 26,31 26,34 35,57 28,40
Total secundário 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Resumindo, há duas metrópoles com gran- peso relativo maior na indústria moderna – São
de peso de ocupação na indústria tradicional – Paulo, embora Curitiba e Belo Horizonte já apare-
Porto Alegre e Fortaleza, com Natal surgindo como çam com peso relativo digno de nota neste item.
possível centro da indústria tradicional, com 26% Resta saber o perfil destes trabalhadores
dos ocupados do secundário. Apenas uma com do secundário.
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
Demografia
– % homens 86,6 87,8 78,12 80,46 81,05 84,12 74,50 75,17 72,38 73,45
– % 65 anos e mais 1,0 1,2 1,55 1,17 1,22 1,36 1,17 1,32 1,22 1,27
– % brancos 75,3 76,4 73,84 84,56 59,42 56,88 34,69 38,71 23,60 31,58
– % migrantes há menos de 5 anos no Estado 6,10 7,10 3,17 2,49 12,65 10,22 3,57 3,38 4,98 3,30
– tempo médio dos migrantes no Estado 4,80 5,10 4,94 5,66 4,84 5,81 4,90 5,59 – –
Renda
– média renda domiciliar SM 5,6 6,3 4,91 6,88 7,69 8,50 4,90 6,95 2,78 8,15
– média renda per capita SM 1,4 1,7 1,39 2,10 2,06 2,18 1,19 1,91 0,64 1,95
Trabalho
– % de contribuintes à previdência 67,0 56,7 76,70 64,23 65,80 50,17 80,76* – 49,86 43,28
– % de conta própria sem previdência 67,2 84,6 52,99 71,13 59,06 77,77 31,53 71,24 – –
Educação
– média de anos de estudo entre os que estudaram 5,5 6,6 5,36 6,36 5,68 6,72 5,41 6,47 3,95 5,41
Moradia
– % apartamentos 5,2 3,9 7,72 5,79 3,31 8,14 3,03 7,96 2,57 4,02
– % casas com saneamernto escoado 47,5 74,8 57,91 83,46 72,66 92,48 62,25 76,35 11,46 53,40
– média de banheiros 1,1 1,2 0,90 1,05 1,11 1,22 1,02 1,14 0,89 0,95
Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 233-278, jan/jun 2012 271
Suzana Pasternak
Renda
– média renda domiciliar SM 4,93 6,99 4,34 5,67 6,75 – 5,67 5,72
– média renda per capita SM – – 0,64 1,35 2,12 3,84 – 1,46
Trabalho
– % de contribuintes à previdência 51,3 40,7 53,41 45,18 60,58 43,41 66,13 42,49
– % de conta própria sem previdência – – 76,61 90,37 – – 69,48 83,00
Educação
– média de anos de estudo entre os que estudaram 5,5 6,7 5,44 6,07 – 6,08 5,15 6,16
Moradia
– % apartamentos 10,4 9,6 1,15 17,00 6,64 7,18 5,23 17,48
– % casas com saneamernto escoado 66,9 78,4 8,70 50,65 21,83 39,36 75,25 69,36
– média de banheiros – – 1,1 1,22 1,90 1,04 0,97 1,12
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Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras, 1991-2000
• a migração aparece como significante ape- • a média de anos de estudo, tal como nas ou-
nas em Natal; tras, está por volta de 6 anos, sendo maior em
• a renda média domiciliar é semelhante à das 2000 que em 1991;
metrópoles com perfil 1 e 2; • as condições de moradia são bastante precá-
• as relações de trabalho estão mais precárias rias em Natal e no Recife, embora o saneamen-
em 2000 que em 1991 e têm ordem de gran- to básico tenha melhorado sensivelmente na
deza inferior às metrópoles do Sul e São Paulo; década. A moradia é quase sempre horizontal.
Alguns pontos podem ser enfatizados so- de serviços não especializados. Nas metrópo-
bre os trabalhadores do terciário não especiali- les do Sul e em São Paulo e Rio de Janeiro,
zado, a partir da observação de indicadores de a forte presença feminina deve estar ligada
2000 para as metrópoles em estudo: ao contingente de trabalhadores domésticos.
• a razão de sexo favorece as mulheres, com É provável que em Fortaleza, Belo Horizonte,
exceção de Belo Horizonte, onde é pratica- Natal e Recife, além dos domésticos, a repre-
mente igual. Em Fortaleza, a proporção de ho- sentação dos prestadores de serviços não es-
mens alcança mais de 40%. Os trabalhadores pecializados, biscateiros e ambulantes tenha
do terciário não especializado incluem domés- forte componente masculino. Já em Salva-
ticos, ambulante e biscateiros e prestadores dor, além dos domésticos, é provável grande
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lhadores é a menor entre as categorias sócio- duas regiões, há grande aumento relativo dos
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Suzana Pasternak
têm maior proporção de brancos entre as cate- • dentro de cada um desses perfis, vão existir
gorias superiores; distintas composições dentro dos trabalhadores
• quase não há estrangeiros e a proporção de do secundário. Há duas metrópoles com grande
migrantes é pequena. A única exceção é em peso de ocupação na indústria tradicional: Por-
Natal, onde cerca de 10% dos ocupados nas to Alegre e Fortaleza, com Natal despontando
categorias médias são migrantes; como possível polo de emprego para operários
• a renda domiciliar média das categorias mé- da indústria tradicional. Apenas uma metrópo-
dias é menor que das superiores. Há variabili- le – São Paulo – caracteriza-se como centro de
dade de renda média entre Sul-Sudeste e Nor- emprego de operários da indústria moderna,
deste. A renda média do Nordeste é superior, embora Curitiba e Belo Horizonte já apareçam
com exceção de Natal; com peso relativo digno de nota nesse item.
• a escolaridade é menor que nas categorias Nas outras, o maior peso relativo encontra-se
superiores, mas semelhante entre as metrópo- na construção civil. Salvador chega a ter mais
les, em torno de 10 anos de estudo; de 40% dos seus ocupados no secundário na
• a contribuição à previdência cai entre 1991 e construção civil;
2000 em todas as metrópoles. Em 2000, atinge • em todas as metrópoles, a proporção de ho-
níveis muito baixos nas metrópoles do Nordeste; mens entre os trabalhadores do secundário é
• as condições de moradia apresentam menor maior que a média da metrópole, e maior que
verticalização que entre as categorias supe- entre os profissionais de nível superior e as ca-
riores. As condições sanitárias das moradias tegorias médias. É provável que os operários da
do Nordeste melhoraram na década, mas ain- construção civil, majoritariamente masculinos,
da são inferiores às condições de moradia no estejam afetando esse porcentual;
Sul-Sudeste. • em todas as metrópoles, a proporção de ido-
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Suzana Pasternak
Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Pesquisadora do CNPq. Vice coordenadora do Observatório das Metrópoles.
suzanapasternak@uol.com.br
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Suzana Pasternak
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RIBEIRO, L. C. de Q. e LAGO, L. (2000). O espaço social das grandes metrópoles: São Paulo, Rio de
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CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
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BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salva-
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dico, número do periódico, páginas inicial e final do artigo.
Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos
Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
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local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final.
Exemplo:
SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle
social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL EN-
VELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/
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