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A ÁGUA E OS “INTERESSES” DAS SOCIEDADES

INDÍGENAS

Teresa Domitila Fossari[1]

Gerusa maria duarte[2]

Introdução

A poluição dos recursos hídricos - decorrente, em grande parte, da desenfreada corrida


para o “progresso tecnológico da civilização contemporânea” - e a escassez destes recursos
que aflige populações inteiras, muitas das quais à margem da chamada “civilização
contemporânea”, estão a solicitar medidas urgentes no sentido de reverter tal quadro.
Afinal de contas, trata-se da água, elemento indispensável a todas as formas de vida do
complexo sistema Terra. Uma corrida, esta sim, se torna prioritária, para garantir - seja no
presente seja para o futuro - a qualidade e quantidade dos recursos hídricos em todo o
planeta. (Vide ONU, 1992).

No Brasil, mais particularmente, a Lei no 9.433 - instituindo a Política Nacional de Recursos Hídricos e
criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídrico - pode ser vista como ponto de partida
desta corrida. Desta lei, focaliza-se aqui apenas o parágrafo 3o, do Artigo 39 (que fala da participação dos diferentes
segmentos da sociedade nacional nos Comitês de Bacia Hidrográfica). Parágrafo este, dirigido ao segmento
integrado pelas chamadas comunidades indígenas, prevendo que em Comitês de Bacia Hidrográfica “cujos
territórios abranjam terras indígenas devem ser incluídos representantes (...) da Funai, como parte da
representação da União; [e] das comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia.”[3]
Na realidade, o parágrafo acima, remete-se às 519 áreas indígenas distribuídas pelo território brasileiro,
vinculadas a 200 grupos étnicos que falam em torno de 170 línguas e dialetos (Cunha, 1995; Vidal, 1994).Cabe
mencionar que, cada etnia tem sua maneira própria de relacionar-se com o mundo natural. “ Não há duas
sociedades indígenas iguais. Mesmo quando ocupam zonas ecológicas semelhantes, elas mantêm sua
individualidade, tanto no plano das relações sociais como no campo simbólico.” (Ramos 1986:11).
As “sociedades indígenas” se comparadas à “nossa sociedade”, podem ser diferenciadas por certos aspectos
culturais - comuns a todas elas - que se manifestam “... desde a organização da produção até a relação dos
homens com o sobrenatural, passando por formas de residência e matrimônio e sistemas políticos.” (Ramos
1986:11)
Neste caso, é procedente destacar que “... o termo sociedades indígenas abarca um conjunto grande e
diverso de cultura e modos de vida, os quais só podem parecer relativamente semelhantes e comparáveis quando
confrontados com (...) outro conjunto de estilos de vida que aqui vamos chamar com o termo igualmente
genérico de nossa sociedade.” (Tassinari, 1995:447-448)
As relações que as “sociedades indígenas” mantém com o mundo natural, diferentemente do que acontece em
“nossa sociedade”, não são governadas apenas “por suas necessidades orgânicas ou econômicas.” (Levi-Strauss,
1970: 21). A posse de um território, por exemplo, entre as sociedades indígenas, não se dá somente no âmbito
material, mas, é também uma apropriação simbólica (Tassinari, 1995).
Acrescente-se que, o uso de um território é de domínio coletivo, sendo garantido a todas as famílias a
utilização dos recursos - tais como, a água dos rios e dos lagos, os peixes, as aves, os vegetais - que nele se
encontram. Por outro lado, a singularidade das características de cada sociedade indígena em se relacionar com a
natureza manifesta-se nas mais diferentes esferas da vida social: em seus rituais, cantos, adornos, ornamentos,
crenças, xamanismo, doenças, tabus alimentares e outras práticas do dia a dia. Estas relações são caracterizadas
pela maneira pela qual cada uma delas, segundo seus próprios critérios culturais, concebe o universo e a
humanidade que dele faz parte (Giannini, 1995).
A par do acima exposto, é de se supor que os “interesses” das sociedades indígenas pelas bacias hidrográficas
são marcados pelas relações que cada uma delas mantém com a água. Assim, tentar-se-á dar uma certa

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visibilidade às motivações subjacentes a tais “interesses”, tendo em vista refletir sobre a questão da água no
mundo contemporâneo - globalizado e capitalista - no sentido de pensá-la sob um outro ângulo, ou seja, o das
comunidades indígenas da atualidade. Para tanto, destacou-se da literatura etnográfica brasileira certos aspectos [4]
da vida cotidiana dos povos indígenas que - apesar de meras fragmentações [5] de diferentes sistemas culturais -
permitem apontar algumas características das relações materiais e simbólicas que tais sociedades mantém com a
água.
Estas características podem estar manifestadas, por exemplo, nas motivações que levam certos grupos a
localizar suas aldeias nas proximidades de rios ou de outros mananciais; nas atividades cotidianas e rituais
desenvolvidas junto aos rios; nas comunicações e transportes através dos rios; consumo de água (para
dessedentação, produzir bebidas, cozinhar alimentos sólidos; fabricar artefatos); nos mitos que, de um algum
modo, envolvem o elemento água; e assim por diante.

Os rios e as populações indígenas

As relações entre rios e as populações indígenas vem sendo registradas desde o século XVI, quando se iniciou
a conquista do atual território brasileiro. Por exemplo, é o que se encontra no “Tratado Descritivo do Brasil em
1587” de Gabriel Soares de Sousa: “A este rio chama o gentio o Pará, o qual (...) foi sempre muito povoado, (...)
por ser a terra muito fértil pelas suas ribeiras, e por acharem nele grandes pescarias.” (Souza, 1987:63).

No final do século XIX, von den Steinen encontrou os índios Suyá, que falam uma
língua do grupo Jê, habitando as margens do rio Xingu, na confluência do Paranjuba, e
através de um informante indígena ficou a par da existência e da localização de outras
aldeias.“O geógrafo indígena (...) representou na areia da praia (...), o esquema fluvial dos
formadores do rio Xingu e indicou o número preciso de tribos com o total de aldeias que
cada um possuía. Representou com um feixe de traços cada tribo, sendo cada traço
indicativo de um grupo local.” (Lanna, s/d).

Do mesmo modo os Oyampik, de língua da família Tupi-Guarani, que ocupam uma área situada entre o Brasil
e as Guianas (Ricardo, 1995; Montserrat, 1994), conhecem a hidrografia da área que habitam - junto ao igarapé
Tatu-Açu, afluente do Jarí – descrevendo com detalhes as cabeceiras dos rios Oiapoque, Araguari, Maroni e,
inclusive de seus formadores, Litani e Koele (Aguiar, 1943, apud, Arnaud, 1971).
O sistema aquático faz parte do contexto cultural dos Tukâno, considerando que na nomenclatura, sobre
acidentes geográficos, há vocábulos referentes a: cabeceira de rio (po’te), rio (di’a), desembocadura do rio (pi’to),
igarapé (ma), rio de tamanho médio (kabusé), braço de rio (iuhti), lago e água parada (dihtara), enseada ou baía
(betó), alagado (tahtá), beira-rio (diá sumuté) (Ribeiro, 1995). Estes índios de língua da família Tukâno, são
habitantes da Colômbia e, no Brasil, do Estado da Amazonas.
Um exemplo da estreita vivência com um sistema aquático é aquele dos índios Paumari, habitantes dos
Estados da Amazonas e Acre, de língua da família Arawá (Montserrat, 1994), que, no passado, percorriam todo o
médio Púrus em suas casa-balsas, demonstrando “... o alto grau de especialização atingido por esse grupo,
completamente adaptado, do ponto de vista econômico, ao gênero de vida fluvial e lacustre.” (Faria, 1951:25).

A localização das aldeias junto a cursos d’água, dependendo do grupo indígena, pode
ser motivada por fatores como proximidades de água potável, de bons portos, locais para
tomar banhos, ou outras necessidades materiais, sem contar as de ordem simbólica.

Os Tapirapé, por exemplo, construíam suas aldeias nas proximidades de cursos d’água encobertos por espessa
vegetação, mantendo um trecho aberto que servia como ponto de banho, de bebedouro, de pesca e de lavar a
rede-de-dormir. Obtinham água limpa e fresca, cavando um buraco - próximo da água envenenada - de modo que
esta ia sendo purificada ao se infiltrar pela faixa de terra que a separava do buraco. Além disso, deixavam a água
armazenada - nas próprias cabaças em que eram transportadas – por apenas alguma horas. Eles habitam a área
do rio Tapirapé, afluente do Araguaia, próximo à Ilha do Bananal e sua uma língua é da família Tupi-Guarani
(Baldus, 1970).
Entre os Waiãpi (outra denominação dos índios Oyampi), cada grupo para dispor de águas puras procurava
ocupar um igarapé, por isso é que, geralmente, encontram-se distribuídos nas diferentes bacias fluviais (Gallois,
1981).

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Os Makuxi, moram em aldeias junto à ‘vazantes’ e à ‘restingas’, cujas terras férteis são
propícias às roças - feitas nos mesmos lugares a cada ano. Entretanto, estes locais tornam-se
problemáticos quando as roças ficam inundadas, pois são obrigados a retirar a mandioca
logo depois que as águas descem, para evitar que apodreçam (Diniz, 1972). Habitantes da
Guiana e, no Brasil, do Estado de Roraima, estes índios falam uma língua da família Karib
(Ricardo, 1995; Montserrat, 1994).

Os Araweté, índios de fala tupi-guarani ( Montserrat, 1994), embora habitando áreas


junto ao igarapé Ipixuma, do Médio Xingu, são considerados índios de terra firme pelos
seus costume, por exemplo, a água para beber e cozinhar retiram de cacimbas abertas na
margem dos cursos d’água (Castro, 1992).

Outras comunidades indígenas, como dos Nambikuára, que viviam na serra do Norte e
vale do Jurema, instalavam suas aldeias em locais mais altos e distantes dos cursos d’água –
às vezes, até 1 km do rio mais próximo. Assentados em pontos mais altos podiam avistar o
território vizinho, controle indispensável para quem como eles estavam em guerra constante
(Pinto, 1938).

De modo semelhante, os Sanumá, com uma das línguas da família Yanomami,


ocupando áreas da fronteira entre o Brasil e Venezuela, constróem suas aldeias, em terrenos
mais altos e afastados dos grandes rios, tal localização implica em subidas e descidas a pé,
por caminhos que podem ultrapassar 45° de declive. Acarretando, assim esforço físico para
os membros da comunidade quando, por exemplo, carregam vasilhames cheios d’água -
que é retirada de igarapés ou nascentes, geralmente, distantes das suas aldeias (Ramos,
1990).

Entre as motivações dos Xavante, habitantes do Estado do Mato Grosso e que falam
uma língua da família Jê (Montserrat, 1994), para ocuparem áreas próximas de cursos
d’água, parece que a principal é de ordem simbólica - as relações que mantêm com o rio
(panõu) é condição primordial para muitos aspectos de sua cultura. O rio principal, e não a
disposição do sol, é o fator de orientação da disposição das casas na aldeia (em forma de
ferradura) cuja abertura está voltada para o panõu. Em cada aldeia há uma rede de
caminhos internos e dois caminhos periféricos, sendo que o principal conduz ao panõu,
aonde vão banhar-se e buscar água. é, também nas proximidades do rio que os homens se
pintam para participarem de vários de seus rituais (Giaccaria & Heide 1972).

Da mesma maneira, as casas dos índios Karajá, habitantes dos Estados do Mato Grosso e Tocantins, da língua
do tronco Macro-Jê (Ricardo, 1995; Montserrat, 1994), são orientadas pelo rio - elemento vital para esta sociedade
de pescadores (Malhano, 1986).

Transportes fluviais

A utilização de cursos d’água como meio de locomoção é muito freqüente. Por exemplo, os Apurina
empreendem viagens fluviais de longo percurso, com canoa (Gonçalves, 1991).
Os índios Asurini, da família lingüistica Tupi-Guarani (Montserrat, 1994), que vivem à beira do igarapé
Ipiaçava, margem direita do médio Xingu, atualmente utilizam canoas. Porém, no passado construíam “... uma
espécie de jangada (y’hára) de troncos de bananeiras para atravessar os igarapés ou estendiam pontes (maimy)
de uma à outra margem.” (Ribeiro, 1982:35-6).
De maneira semelhante aos Asurini, os índios Nambikuára - que não praticam
navegação, porém, nadam bem - atravessam os rios mais largos, em cima de um molho de
palmas de buriti que flutua e, assim, são levados pela correnteza em sentido diagonal
(Pinto, 1938).

Os índios do Uaupés - que ocupam a área da bacia do rio Uaupés, no noroeste do Amazonas (Chernela, 1987)
- viajavam durante o ano todo, com objetivos os mais diversos: procurar uma noiva, estabelecer comércio, visitar
outras casas, pescar e participar do poosé - festas em que se ofereciam peixes, beijus, ou outros itens. Nestas
viagens, ia toda a família, carregando redes, aturás e outros apetrechos que abarrotavam uma ou mais canoas,
navegando horas ou mesmo dias em direção a outros povoados, onde ficavam semanas (Alves da Silva, 1962).
O transporte fluvial que proporciona para muitos povos indígenas trocas materiais e/ou estreitamentos sociais,
também, é em certos casos veículo de disseminação de aspectos culturais. Por exemplo, os Aruaque através de
viagens feitas em numerosas canoas, nas quais levavam de tudo, percorriam dezenas de léguas difundindo a sua
cultura (Faria, 1951).

A pesca no rio

Para muitos grupos indígenas a pesca é uma atividade importante. muitos deles dispõem de estratégias para
não prejudicar esta fonte de alimento. por exemplo, os Wanâna, que falam uma língua da família Aruak
(Montserrat, 1994) e habitam áreas do Estado do Mato Grosso, região do Xingu, procuram preservar a floresta
ciliar, uma vez que estão cientes da importância desta vegetação como fonte de alimento da fauna aquática,
evitando, assim, o declínio da mesma (Chernela, 1987).
Da mesma maneira, os índios Desâna, falantes de língua da família Tukâno (Montserrat, 1994), que estão
localizados junto ao rio Tiquié - sede de Missões salesianas - Pari-Cachoeira, procuram garantir a sua pesca “No
território fluvial de cada aldeia existem locais de desova conhecidos e vigiados pelos habitantes.” (Ribeiro,
1995:173).

Estudos realizados entre os Kayapó, ou Xikrin, de língua da família Jê (Montserrat,


1994), que ocupam a região do médio Xingu, revelaram que, além de conhecerem o
comportamento dos peixes em termos de migração e de cruzamento, eles também dispõem
de um extenso inventário das espécies encontradas nas áreas em que pescam (Darrell,
1987).

Os índios Kulina constróem canoas e pescam. Porém, enquanto a pesca executada com arco é uma atividade
masculina, a que utiliza narcótico pode ser feita por homens, mulheres e crianças (Gonçalves, 1991). Estes índios
habitam terras do Peru e, no Brasil, do Estado do Amazonas, e falam uma língua da família Aruák (Ricardo, 1995;
Montserrat, 1994).

Porém nem todos praticam a pesca com canoas, os Asurini, por exemplo, habitando as
proximidades de igarapés, na época da vazante utilizam timbó em suas pescarias (Ribeiro,
1982).

Aliás, o uso do timbó em pescarias indígenas é muito comum, como entre os índios
Kampa,[6] cuja pesca é uma atividade comunal, desenvolvida na embocadura de igarapés.
Também capturam peixes com anzol e às vezes com tarrafa ou armadilhas. Na época da
seca, mergulham e fisgam os peixes localizados nos poços mais profundos (Gonçalves,
1991).

Entre os Xavante a pesca também é uma atividade coletiva - ocorrendo principalmente no final da época da
seca e no decorrer do período da chuva – sendo precedida de um ritual. Tanto os jovens (não iniciados nos
segredos da tribo) quanto as mulheres só podem participar desta atividade a partir do segundo dia de pesca
(Giaccaria & Heide 1972).

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os Tapirapé praticam a pesca principal entre os meses de junho a outubro, época em
que - devido ao rebaixamento das águas - os peixes aglomeram-se em determinados trechos
dos pequenos rios e lagos, ficando encurralados naturalmente ou artificialmente (neste caso
pelas tapagens feitas pelos índios, postes ligados por travessas e revestidos de folhagem).
Eles envenenam os peixes com um cipó que só mata os pequenos (Baldus, 1970).

Por outro lado, embora, os índios Krahó, habitantes do Estado do Tocantins, de língua
da família Jê (Ricardo, 1995; Montserrat, 1994), também pesquem, o peixe para eles não
chega a ser um recurso alimentar dos mais importantes (Melatti, 1978).

A água e as atividades domésticas

Em várias sociedades indígenas cabe à mulher abastecer de água a unidade doméstica. entre os Makuxi, cabe
a mulher não só carregar água como também lenha, sendo raríssimo o homem executar essas tarefas consideradas
femininas (Diniz, 1972).

As índias Kayapó, entre seus afazeres diários, aplainam o chão no interior das casas,
desenrolam as esteiras, tiram os pilões e as toras de taquaruçu nos quais armazenam a água
que trazem do igarapé, onde também tomam banho (Banner, 1961).

As índias Waurá, habitantes do Mato Grosso, região do Xingu e que falam uma língua
da família Aruak (Ricardo, 1995; Montserrat, 1994), por serem exímias oleiras, eram alvo
de ataques de outras tribos, então os homens da aldeia - localizada em área de difícil acesso
- viviam sob constante tensão e sempre alertas. No final da tarde, quando se reuniam para
fumar, um ou mais índios sempre portavam armas, para defenderem-se de um ataque
súbito. No verão, tais precauções eram maiores e para dificultar o rapto de mulheres,
trocavam o local onde elas iam buscar água (Lima, 1950).

O abastecimento de água para o consumo doméstico, entretanto, nem sempre é tarefa


feminina. Entre os Tükúna, ou Ticuna, que ocupam áreas do Peru, Colômbia e, no Brasil,
do Estado do Amazonas; falantes de uma língua isolada Tikuná (Ricardo, 1995; Montserrat,
1994), a divisão de trabalho é feita em termos de idade, assim, as crianças vão buscar água,
além de acompanhar os adultos nos seus trabalhos cotidianos (Oro, 1977).

Este também é o caso dos índios Gavião, moradores da margem direita do médio
Tocantins, em cuja sociedade as crianças são encarregadas de trazer a água, rachar a lenha,
limpar as habitações e ajudar no preparo dos alimentos (Arnaud, 1964). Este índios falam
uma língua da família Jê (Montserrat, 1994).

Segundo um relato de crianças Xavante, os meninos, além de brincar, tomar banho e ir ao rio, desempenham
algumas tarefas caseiras, aprendem a fazer flechas, apanhar água, segurar o irmão menor. Enquanto que as
meninas, junto com a mãe, trazem água e lenha e cuidam do irmãozinho (Giaccaria & Heide, 1972).

a água e a alimentação

Para os Kaingang, índios habitantes dos Estados de São


Paulo, Paraná, Santa catarina e Rio Grande do Sul, de língua da
família Jê (Ricardo, 1995; Montserrat, 1994), os líquidos, além
satisfazerem suas necessidades fisiológicas, são elementos de
interação social e medicamento. A água, além de ingerida ao
natural, também é sob forma de chimarrão, chás, bebidas
fermentadas ou alcoólicas (Becker, 1976).

Os Makuxi, por exemplo, obtém bebidas feitas de mandioca, como o pajuaru - derivado de uma “massa” que
passa por várias etapas de processamento, antes de ser misturada com água e peneirada, estando, assim, pronta
para ser consumida. Para a obterem, embrulham alguns beijus em folhas de bananeira, e os deixam submersos em
um rio ou igarapé, durante um tempo, até que os beijus formem uma massa pastosa (Diniz, 1972).

Por outro lado, os índios Nambikuára produzem uma bebida cujo ingrediente não é um
vegetal, mas o mel que é misturado com água (Pinto, 1938).

Outros alimentos líquidos também fazem parte da dieta de certos grupos indígenas,
como por exemplo, as sopas dos Tapirapé, cujos ingredientes variam entre amendoim,
milho, mandioca, semente de algodão, abóbora e banana (Baldus, 1970).

A água também é utilizada para cozinhar alimentos sólidos, como os bolos de milho ou de milho com feijão
que os Xavante fazem. Em um recipiente de couro de veado, estendido no chão, eles vão mexendo a massa e
acrescentando pequenas doses de água e farinha, até ela tornar-se homogênea (Giaccaria & Heide, 1972).
Uma outra utilização da água nos alimentos é aquela feita pelos Kaingang. Estes desidratam o pinhão para
armazená-lo por muitos meses. Para consumí-los, deixam os pinhões imersos em água corrente durante alguns
dias, depois ao sol até secarem e, então, os defumam sobre jiraus de taquara armados em cima de um fogão
(Castro, 1957, apud, Becker, 1976).

A água e a produção de artefatos

Em algumas comunidades indígenas, os homens vão buscar argila - para a produção de


cerâmica - em locais próximo de rios, ou mesmo no fundo destes. os Waurá, por exemplo,
na época em que o nível das águas fica mais baixo, no verão, mergulham no rio, até o
fundo d’água, onde coletam barro (Lima, 1950).

A produção de vasilhames cerâmicos, entre os Xavante, geralmente, é atividade de uma única mulher, que
recebe encomendas das famílias da aldeia. Mas a coleta de argila depende de uma expedição pelo rio, que pode
durar uma ou mais semanas, cujos componentes trazem para a oleira várias amostras, para que as examine e
escolha as mais apropriadas para fabricar os vasos (Giaccaria & Heide, 1972).

A água é indispensável no preparo de tinturas. Entre os índios Jurúna, habitantes dos


Estados do Pará e Mato Grosso, que falam uma língua do tronco Tupi (Ricardo, 1995;
Montserrat, 1994), as mulheres preparam uma mistura com sementes de algodão piladas, e
pó de terra avermelhada, que é imersa na água e depois espremida com as mãos, sobre uma
pedra lisa (Oliveira & Galvão, 1969).

Os índios Krahó utilizam babaçu para fixarem a tinta do urucum em seus corpos e das amêndoas fervidas em
água obtém um óleo que usam nos cabelos (Melatti, 1978).
Nos processos de produção de fios para tecer, a água também é indispensável. Entre os Kaingang, os fios são
feitos pelas mulheres que retiram os espinhos da urtiga brava e amassam as folhas dentro d’água, depois as
colocam para secar e, então desfiam. Os fios obtidos são fervidos em água misturada com cinza e lavados;
conservando os fios em água corrente eles ficam mais brancos e flexíveis (Becker, l976).
A preparação de cordas, da mesma maneira, depende de água. Por exemplo, os Xavante extraem fibras de
casca de árvores finas que deixam curtir por um certo tempo em água corrente. Das folhas de piteira também
obtém fibras, que são depositadas, por algum tempo, nos córregos para eliminar resíduos antes de serem
entrelaçadas (Giaccaria & Heide, 1972).
Banhos e brincadeiras nos rios

Os banhos realizados no rio revelam, preocupações com a higiene corporal, como os


Kampa que acordam cedo e vão ao rio lavar o rosto, molhar e pentear os cabelos. As
mulheres e as meninas buscam água no rio e preparam a refeição matinal. Ao cair da tarde,
antes de se reunirem para a última refeição do dia, vão ao rio tomar banho e se pintar
(Gonçalves, 1991).

Por outro lado, os Kayapó dirigem-se várias vezes por dia ao rio para tomar banho; não o fazem somente por
medidas de higiene, mas também por considerá-lo um local de divertimento. Para eles o banho é um meio de
esfriar o corpo e consideram um absurdo o uso de toalha depois de se refrescarem, a qual pode, segundo eles,
“apagar toda a frescura.” (Banner, 1961:29).
Os Münkü, índios que falam a língua Munku e que habitam o Estado do Mato Grosso, entretanto, permanecem
dentro de suas casas nas horas mais quentes do dia. O ato de tomar banho é uma demonstração de satisfação
quando recebem um visitante, para o qual oferecem chicha de mandioca. os homens dão início ao “jogo de cabeça”,
esporte que só é interrompido ao meio-dia quando todos vão ao córrego tomar banho (Lisboa, 1979).

Para os Nambikuára o banho no rio podia fazer parte dos


preparativos de suas pinturas corporais que aplicavam nas suas
festividades. As mulheres depois que recebiam presentes,
também, iam ao córrego, de onde retornavam com o rosto
inteiramente pintado (Pinto, 1938). parece que usavam as águas
como espelho.

Um Xavante vai ao rio várias vezes ao dia, no início fica agachado na água e lava a cabeça e as costas, depois
mergulha, nada e toma seu banho, porém este, não é só um ato de higiene, pois a água, também, encerra valor
simbólico. O contato do corpo com água, por exemplo, é eficaz, para: - impedir a fecundação, se uma mulher teve
relações com vários homens, na festa do wa’ya (vinculada à vida e à fertilidade); - fazer chover, se o banho for
efetuado pelo “senhor da seca” (uma das atribuições que certos Xavante recebem) - curar doenças, quando há um
doente em estado grave; - aliviar o cansaço, que para os Xavante é uma doença (Giaccaria, 1978).
Os Marúbo, índios habitantes do Estado do Amazonas, de língua da família Pano (Ricardo, 1995; Montserrat,
1994), dispensam cuidados especiais à sua higiene corporal, por exemplo, ao terminar uma refeição, o dono da
casa passa uma cuia com água para lavarem as mãos. O banho precede as três refeições diárias e apresenta-se em
outras esferas da organização social: o visitante para entrar numa casa banha-se, como também os convidados de
uma festa social para entrarem na casa anfitriã ou os convidados para uma refeição comunitária. (Melatti, 1987).
Nadar no rio, para os Kayapó também pode significar momentos de descontração; exímios nadadores se
divertem na água, onde um galho de árvore faz a vez de trampolim ou um cipó de trapézio; até as mulheres mais
novas brincam na água, porém na parte mais rasa (Banner, 1961).
A prática da natação pode ser um meio de locomoção, como no caso dos Xavante que são bons nadadores,
inclusive as mulheres que chegam a atravessar um rio carregando uma criança, que seguram com uma mão fora
da água (Giaccaria & Heide, 1972).

Nem todos os grupos indígenas, porém, vão ao rio tomar


banho, nadar, brincar ou por outros motivos. Os Asurini, por
exemplo, temendo os grandes rios, banham-se com cuias e
preferem beber a água retirada das cacimbas e dos pequenos
igarapés (Ribeiro, 1982).

A água e certos rituais

Banhos no rio ou em outros locais, por ocasião de um parto, é muito comum, entre as sociedades indígenas.
Entre os Xavante um recém-nascido recebe o seu primeiro banho imediatamente após o corte do cordão umbilical,
sendo submetido a uma ducha de água fria, trazida do rio, para que cresça forte e belo (Giaccaria, 1978).
Entre os Xokleng, índios do Estado de Santa Catarina, falantes de uma língua da família Jê (Ricardo, 1995;
Montserrat, 1994), era costume, após o parto, esfregar a placenta e o cordão umbilical com ervas, depois de
colocados em um cesto eram levados para um curso d’água, pelo irmão da mãe. Este e sua esposa tornavam-se os
“pais cerimoniais” do recém-nascido, cujos tornozelos eram envolvidos com um cordel, assim ficando por umas
duas semanas. O pai verdadeiro ia caçar e só retornava quando dispunha de caça suficiente para realizar uma festa,
durante a qual eram retirados os cordéis dos tornozelos da criança e depois lançados em um curso d’água – só
então ela recebia seu nome (Henry, 1964, apud, Lavina, 1994).

A mulher Kayapó se isola no mato para dar a luz, acompanhada de suas parentas. A
mãe é a primeira a pegar o bebê, sobre o qual é despejada água fria, enquanto ainda está em
suas mãos. Depois de limpo, outra mulher o segura enquanto a mãe recolhe a placenta,
envolvendo-a em folhas leva para um lugar afastado, e depois banha-se (Banner, 1961).

Entre os Kaingang, a parturiente ficava isolada num ranchinho, construído pelo seu
marido, aguardando o momento de dar a luz. Depois de cortado o cordão umbilical, chega
uma mulher da tribo para levar o recém-nascido até o arroio mais próximo, onde ele é
lavado (Becker, 1976).

O parto das índias Tapirapé ocorre dentro de suas casas e é assistido por mulheres da
comunidade. Estas colocam perto da parturiente uma panela com água para lavar mãe e o
bebê, cortam o cordão umbilical e o enterram (Baldus, 1970).

O pai de um recém-nascido, entre os índios Araweté, também fica sujeito a certas


restrições, devendo evitar, por exemplo: exposição excessiva ao sol e à lua, pois acreditam
que o “excremento dos astros” pode enegrecê-lo; carregar água ou andar em cima de solo
áspero, para que os espíritos da mata não flechem seus pés (Castro, 1992).

Os jovens, entre os índios Kayapó, quando são submetidos à cerimônia de iniciação deixam a aldeia para
recolher seus feixes de folhas de palmeira, sendo que nessa fase a meditação é o acontecimento principal. à noite,
eles fabricam o kaé (abrigo), o qual passa a ser ao mesmo tempo proteção e retiro. A denominação do
acampamento, ngo-kaé (ngo = água, lago), deixa transparecer o relacionamento deste com a água, que é força que
irradia e que faz com que seres fortes surjam em sua superfície (Lukesch, 1976).
O banho do noivado entre os índios Xavante é realizado enquanto os noivos são crianças, o pai da menina
escolhe os sogros e depois há uma cerimônia com troca de presentes entre as duas famílias. Este cerimonial, para
estreitar os laços entre as famílias dos futuros esposos, acontece no início da estação seca. Os homens se reúnem
na floresta, se pintam e depois saem em fila para a praça de reuniões no meio da aldeia, nela se sentam em circulo
e as mães trazem as filhas aos futuros genros e então há banho (Giaccaria & Heide, 1972).
A água também faz parte do ritual de casamento dos Kayapó, que consideram uma cerimônia de sangue. Os
recém-casados ficam deitados durante vários dias, sem falar (o silêncio é para preparar o espírito para receber a
influência das forças sobrenaturais) e sem comer (pois jejum traz força), só levantam à noite para comer. No último
dia deste ritual os tios e tias paternos deitam-se ao lado do casal; depois os homens e mulheres solteiras despejam
água sobre os recém-casados e seus parentes – a água, representa a força que introduz o casal em uma vida
conjunta forte (Lukesch, 1976).
Os rituais funerários, também, podem envolver banhos. Melatti (1978) presenciou um destes rituais de um
índio Krahó. logo depois de sua morte, uma de suas esposas cortou-lhe o cabelo e depois, ajudada por outras
mulheres, lavou-lhe o corpo. Entre os Krahó, durante um ritual funerário, também, é costume lavar os parentes do
defunto, sendo que a pessoa que lava recebe presentes - mandioca, arroz, uma esteira, ou mesmo dinheiro
(Lukesch, 1976).
Os índios Kaingang banhavam o morto para evitar o retorno de sua alma e, se fosse casado, havia o perigo de
voltar para buscar a mulher, um parente ou um amigo. Para evitar tal retorno, os participantes da cerimônia
lavavam-se com folhas cozidas. A viúva recebia um tratamento especial, ficando entregue aos cuidados do péñe
(uma classe de índios Kaingang que é indiferente à doença e feitiço) que lhe construía um abrigo retirado,
preparava-lhe a comida e retirava a “catinga” do marido, esfregando a pele da viúva com ervas misturadas com
barro. Após um mês a viúva juntava-se ao grupo para dançar. Terminada a dança, o péñe lava-lhe o corpo com
água e mel (Nimuendajú, 1993).

Os Bororo, índios do Estado do Mato Grosso, falam uma língua do tronco Macro-Jê
(Ricardo, 1995; Montserrat, 1994), realizam um ritual funerário tempos depois da morte,
quando descarnam os ossos colocando-os num cesto que deixam nas águas do lago mais
próximo da aldeia (Chiara, 1978).
Os Krahó costumam providenciar alimento para o mortoem sua vida no além.
Acreditando que durante o período do luto o seu espírito morto volta à aldeia, para buscar
alimento, deixam no lado de fora da casa uma cabaça com água para ele beber (Melatti,
1978).

No ritual denominado Awariyé, dos índios Krahó, as mulheres, em fila, seguem dois
cantadores (seus parentes consangüíneos) que levam água para molhar e dar de beber às
mesmas e na noite seguinte, são as mulheres que molham os homens. Durante a realização
do Awariyé a água é conforto para o parente, livrando-o do calor e da sede (Melatti, 1978).

A festa do “peixe-boi”, que os índios Kulina costumam realizar, consiste num ritual em
que há flagelações recíprocas, envolvendo muitos indivíduos que se reúnem no rio
(Gonçalves, 1991).

A água e os pajés

Entre algumas sociedades indígenas que ocupam terras banhadas pelo rio Uaupés, os banhos terapêuticos
aplicados pelos pajés eram associados, muitas vezes, à utilização de ervas para curar doenças (Alves da Silva,
1962).
A pajelança, entre os Araweté, não é realizada em qualquer espaço da aldeia, mas na casa de um pajé. Porém,
quando precisa devolver a alma a alguém - cujo ladrão de alma foi o espírito Iwikaihã, o Senhor da Água – ele vai
até o pátio do paciente, ou à beira do rio (Castro, 1992).
Segundo Lanna (s/d), um ritual entre os Suyá, índios que teriam realizado constantes deslocamentos em
áreas da bacia do Rio Xingu, teria acalmado o grupo - por ocasião de um tumulto desencadeado pelo estrondo da
queda de um bólido– quando o pajé foi consultar o ‘mecaron’ dos peixes, dirigindo-se para as margens do rio,
acompanhado de quase toda a aldeia, entrou nele e mergulhou várias vezes. Depois foi até o centro da praça e
lembrou, então, que há muito tempo teria ocorrido algo idêntico[referindo-se a um ataque dos Kaiapó, que resultou
na morte de muitos Suyá] o que teria sido prenúncio de muitas calamidades para a tribo. Estes índios falam uma
língua do grupo Macro-Jê (Montserrat, 1994).

A água e o controle sobre a natureza

Entre os Xavante, há homens encarregados de tarefas precisas em certas festas e funções, recebendo
denominações como o dono da anta, o dono dos queixadas, o dono das águas correntes, o dono do tempo. O dono
do tempo, por exemplo, durante a seca não pode lavar-se, pois se o fizer choverá e, para avisar que o tempo da
seca acabou, coloca na frente de sua casa um poste e vai tomar banho e joga água para o alto pede que a chuva
venha (Giaccaria & Heide 1972).
Os Krahó estão divididos em vários pares de metades. Entres as metades sazonais, a Wakmeye está ligada
simbolicamente ao pátio da aldeia, ao dia e à estação seca, enquanto que a metade Katamye à periferia da aldeia, à
noite e à estação chuvosa. Durante a estação seca são os Wakmeye que dirigem a aldeia e os Katamye na chuvosa.
Estas metades são mutuamente necessárias por motivos mágicos. Por exemplo, em 1962 a aldeia Pedra Branca
estava com problemas de abastecimento d’água, cuja causa foi atribuída ao fato de haver naquela aldeia somente
membros da metade Wakmeye. afirmação esta que demonstra a associação da metade Katamye com a água
(Melatti, 1978).

Os espíritos das águas

Os Tapirapé acreditam que existem muitos espíritos – que não são invuera (alma de defunto) - habitando
morros e águas, alimentando-se de peixes e que também gostam de tomar banho, enquanto que os verdadeiros
invuera não comem nem bebem (Baldus, 1970).
Para os Kayapó, os monstros inimigos são dotados de poderes invisíveis e malignos,
para perseguir os vivos. Este é o caso do monstro das águas, uma cobra grande que
ninguém enxerga, mas às vezes, pode ser ouvida e cheirada, a qual é causadora de
congestão e síncopes (Banner, 1961).

Entre os seres sobrenaturais que povoam o universo dos Araweté há o Iwikatihã


-senhor do Rio -, um espírito subaquático que vem raptar almas de mulheres e de crianças
(Castro, 1996).

No mundo mítico dos Kampa, há demônios aquáticos - imposhitóniro e shokatiniro -


que vivem nos rodamoinhos e passagens difíceis dos rios, à espreita para afogar e matar os
viajantes que passam (Gonçalves, 1991).

Os Xavante distinguem a água corrente (dos grandes rios -“água viva”) da água parada
(dos grandes lagos -“água morta”). Ambas são povoadas por espíritos, porém, nos rios
habitam os bons, e nos lagos os maus. A água viva, que faz parte da maioria dos ritos
Xavante, é fonte de vida, força e beleza (Giaccaria, 1978).

Mitos que se remetem à água

Segundo Lukesch (1976:59): “Na concepção do mundo Caiapó, sempre reaparece um


relacionamento entre o elemento água e o povo Caiapó, que para eles representa a própria
humanidade.”

A memória tribal dos Waiãpi (ou Oyampik) considera o curso médio do rio Jari o berço
de sua nação onde - nas proximidades da cachoeira Makakwa e na boca do rio Nipuku - o
herói Yane-lar criou a humanidade (Gallois, 1981).

Segundo a cosmologia dos Kanamari, índios do sudoeste do Estado do Amazonas, falam


uma língua da família Katukina, no início dos tempos havia a terra, o mato, o velho céu
próximo da terra, depois foram modificados e ficaram como agora. A terra atual resultou da
queda do “céu velho”. O “transformador” do mundo, Tamakori e seu irmão Kirak,
completaram o universo, tornando-o habitável. Tamakori abriu caminhos no mato e
transformou as picadas abertas em cursos cheios d’água, começando pelos rios Juruá e
Jutaí, eixos centrais do mundo. Depois os irmãos desceram o rio - supostamente o Juruá - e
trataram de povoá-lo (Carvalho & Reesink, 1993).

Entre os índios Krahô, a água é classificada em dois tipos: a água corrente de riachos e
as águas paradas de enchente ou de chuva, sendo que na água corrente foi criada a primeira
mulher (Chiara, 1978).

Os índios Karajá “..vivem praticamente do rio (acreditam que são descendentes de


entidades fluviais), sendo excelentes canoeiros.” (Laraia, 1995:283).

Da mitologia de algumas sociedades indígenas do Brasil, constam lendas do dilúvio,


por exemplo, entre os Kaingang, esta lenda remete à Serra do Mar: “Em tempos
imemoráveis deu-se um dilúvio que cobriu a terra inteira, habitada de nossos
antepassados. Somente o cume da serra Krinjinjimbé (Serra do Mar) sobressaia das águas
diluviais...” (Becker, 1976:279).

Problemas com o mundo dos não índios

Embora a política ambiental e a indigenista constem no papel, na prática os desmandos


têm permitido o desmatamento indiscriminado da superfície da floresta amazônica e que
boa parte dos rios e igarapés na região estejam contaminados pelo mercúrio do garimpo,
atingindo populações situadas a vários quilômetros de distância. “Nestes casos, as
sociedades indígenas e seus territórios são os mais visados exatamente por não terem uma
eficaz proteção do Estado.” (Magalhães, 1993:19).

A área onde se encontram os índios Waiãpi por ser riquíssima em minérios tem atraído garimpeiros desde
1930, sendo que: “A lavagem de uma grande quantidade de minério polui a água do rio, situação esta agravada
pelo uso de produtos químicos (...) e que provocaram a intoxicação dos Waiãpi da aldeia Nipuku, causando a morte
de um adulto em 1979.” (Gallois, 1981:28-9).
Segundo Giannini (1993), os índios Xikrin (ou Kayapó) têm claro que os “brancos” vêm derrubando florestas e
poluindo rios, inclusive de seus territórios tradicionais, sendo que a área antiga de perambulação foi totalmente
desmatada – tornando-se local de violentos conflitos fundiários.

Além de tudo, há a conflitante questão da demarcação das terras indígenas, que vem de
longa data. Por exemplo, na década de oitenta, o Pe. Thomaz de Aquino Lisboa empenhado
no processo de demarcação das terras dos índios Salumã (que se autodenominam Enauenê-
Nauê, habitantes da área entre os formadores do Jurema, no Estado do Mato Grosso),
argumentava que a área que estava sendo proposta para tal: “... é absolutamente
necessária para a sua sobrevivência como povo. (...) Em toda essa região existem os seus
cemitérios. As muitas cachoeiras e corredeiras são as moradas dos bons espíritos. (...) esse
povo indígena só come peixe e não come caça.” (Lisboa, 1985: 77).

Considerações finais

Os destaques, até aqui apresentados, permitem uma reflexão sobre o quanto as relações
da nossa sociedade com o mundo natural, mais particularmente com a água, estão
distanciadas daquelas mantidas pelas sociedades indígenas. Através de uns poucos
exemplos, dá para perceber o profundo respeito que tais sociedades têm pelo mundo
natural; a consciência plena de que dele são parte integrante; suas atitudes para evitar a
degradação do mesmo e assim por diante.

Diferentemente da nossa sociedade, para a qual a natureza, muitas vezes, concebida


como algo distante do homem, só se torna importante na medida em que constitui fonte de
lucro - aquela que garante a saúde da economia de poucos, em detrimento da degradação
que a muitos afeta. É devido, em parte, ao predomínio desta mentalidade que os recursos
hídricos vem sendo ameaçados em termos de sua qualidade. Desta maneira, uma reversão
deste quadro negativo, também, passa por mudanças neste tipo de mentalidade. No sentido
de que o mundo “civilizado” passe a enxergar a natureza sob valores semelhantes ao destas
sociedades, que, por motivos tanto positivos quanto negativos, paradoxalmente vivem sob a
“tutela” dos representantes da “nossa sociedade”.
E, para finalizar, acrescentaríamos que - além da multiplicidade de interesses que as sociedades indígenas
possam ter nas bacias hidrográficas relacionadas a seus territórios - uma grande parte das terras que lhes
pertencem, ainda estão na dependência de demarcações, gerando uma série de conflitos. Conflitos que,
provavelmente, também, poderão afetar as gestões dos Comitês de Bacias Hidrográficas relacionadas a terras
indígenas.

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Arqueóloga do Museu Universitário Prof. Oswaldo Rodrigues Cabral da universidade


federal de santa catarina e doutoranda do curso de pós-graduação em geografia,
Departamento de geociências, centro de filosofia e ciências humanas da universidade
federal de santa catarina.

[
2] Professora Doutora do curso de pós-graduação em geografia, Departamento de
geociências, centro de filosofia e ciências humanas da universidade federal de santa
catarina.

[
3] Grifo nosso.

[
4] É bem provável que certos aspectos aqui destacados tenham sofrido mudanças no
decorrer da época em que foram registrados - há uma ou várias décadas - até o
presente momento.

[
5]estas fragmentações só tem sentido enquanto objeto de ilustração, uma vez que a
complexidade das relações entre as diversas esferas da vida social nas sociedades
indígenas “... encontram-se imbricadas de tal forma que nunca podemos analisá-las
isoladamente” (Tassinari, 1995:450).

[
6] Kampa - índios de origem peruana, falantes da língua Aruák, que migraram para o
Brasil no final do século passado, sendo que, atualmente, a maior parte deles reside
no Peru (Gonçalves, 1991); no brasil estão no Estado do Acre (Ricardo, 1995).

Ponencia enviada al Tercer Encuentro Internacional Humboldt. Salta, Argentina.


Octubre de 2001

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