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UNIVERSIDADE DE CABO VERDE

Scientia via est


www.unicv.edu.cv

FICHA TÉCNICA
Título
II Colóquio Cabo-verdiano de Educação – CEDU 2015
Políticas e Práxis da Educação nas Perspetivas e em Contextos Pós-coloniais

Organizadora
Ana Cristina Pires Ferreira

Revisão
Anabela Fortes Moreno
Mariana Faria

Concepção Gráfica
GCI - Gabinete de Comunicação e Imagem da Uni-CV

Edições Uni-CV
Praça Dr. António Lereno, s/n - Caixa Postal 379-C
Praia, Santiago, Cabo Verde
Tel (+238) 260 3851 - Fax (+238) 261 2660
Email:edicoes@adm.unicv.edu.cv

Copyright©
Organizadora, autores e Universidade de Cabo Verde

ISBN 978-989-8707-23-9

Praia, dezembro de 2015


II COLÓQUIO CABO-VERDIANO DE EDUCAÇÃO – CEDU 2015
“Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais”
Universidade de Cabo Verde - Campus do Palmarejo, Praia, 24 e 25 de Abril de 2015

Comissão Organizadora
Ana Cristina Pires Ferreira (Universidade de Cabo Verde)
Ana Domingos (Universidade de Cabo Verde)
Arlindo Vieira (Universidade de Cabo Verde)
Eurídice Amarante (Universidade de Cabo Verde)
Lionilda Sá Nogueira (Universidade de Cabo Verde)
Magno Rocha (Universidade de Cabo Verde)
Mariana Faria (Camões, I.P./ Universidade de Cabo Verde)
Sara Spínola (Universidade de Cabo Verde)

Comissão Científica
Adriana Carvalho (Universidade de Cabo Verde)
Almerindo Afonso (Universidade do Minho)
Ana Cristina Pires Ferreira (Universidade de Cabo Verde)
Arlinda Cabral (CES-Universidade Nova de Lisboa)
Bartolomeu Varela (Universidade de Cabo Verde)
Bento Duarte Silva (Universidade do Minho)
Carlos Bellino Sacadura (Universidade de Cabo Verde)
Carlos Spínola (Universidade de Cabo Verde)
Corsino Tolentino (Academia das Ciências e Humanidades de Cabo Verde)
Crisanto Barros (Universidade de Cabo Verde)
Elias Moniz (Universidade de Santiago)
Fernando Serra (Universidade Técnica de Lisboa)
Filomena Fortes (Comité Olímpico Cabo-verdiano)
Germano Lima (Universidade de Cabo Verde)
José Augusto Pacheco (Universidade Minho)
José Carlos Anjos (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
José Manuel Pereira (Universidade de Cabo Verde)
Júlio Santos (Universidade Minho)
Luísa Inocêncio (Universidade de Cabo Verde
Maria André Trindade (Instituto Universitário da Educação)
Mariana Gaio Alves (Universidade Nova de Lisboa)
Michel Cahen (Instituto de Estudos Políticos-Universidade de Bordéus)
Sílvia Cardoso (Universidade Nova de Lisboa)
Teresa Leite (Escola Superior de Educação de Lisboa)
Victor Fortes (Universidade de Cabo Verde)
AGRADECIMENTOS
A realização deste Colóquio foi possível graças aos patrocínios e apoios
concedidos pela Reitoria da Universidade de Cabo Verde e seu Departamento de
Ciências Sociais e Humanas, Universidade do Minho, Centro de Língua Portuguesa/
Camões, I.P., Instituto Internacional de Língua Portuguesa, Embaixada de França
em Cabo Verde, BORNEfonden (Cabo Verde) e Ministério de Educação e Desporto
a quem os organizadores agradecem.
POLÍTICAS E PRÁXIS DA
EDUCAÇÃO NAS PERSPETIVAS
E EM CONTEXTOS
PÓS-COLONIAIS

ATAS DO II COLÓQUIO CABO-VERDIANO REALIZADO NO


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DA
UNIVERSIDADE DE CABO VERDE

Organizadora
Ana Cristina Pires Ferreira
ÍNDICE

CURRÍCULO, TECNOLOGIAS E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO


FEEDBACK DO PROFESSOR: DISCURSO ORIENTADOR NA AUTORREGULAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO VOCACIONAL DE JOVENS INSTITUCIONALIZADOS
Dulce Martins; Carolina Carvalho........................................................................... 12
FLIPPED CLASSROOM PARA CABO VERDE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
Eloisa Helena Monteiro Fernandes; Adriana Mendonça; Guilhermina Lobato
Miranda .................................................................................................................. 24
FORMAÇÃO DE COORDENADOR PEDAGÓGICO NORTEADA PELO PROGRAMA
DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS 5CS: IMIGRANDO AS POTENCIALIDADES
DA TEORIA DA FLEXIBILIDADE COGNITIVA PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL
Juraneide Ferreira Mato; Maria Teresa Ribeiro Pessoa...........................................36
MUSEUS VIRTUAIS DA EDUCAÇÃO: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DE
PATRIMÓNIOS DIGITAIS E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS EM PORTUGAL E CABO
VERDE
Maria João Mogarro; Maria Adriana Carvalho ...................................................... 47
QUE CABO-VERDIANO PARA O SÉCULO XXI? PERSPETIVAS A PARTIR DE
MANUAIS ESCOLARES
Ana Cristina Duarte Pires-Ferreira.......................................................................... 57
UM CONTRIBUTO PARA A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE O
ENSINO ONLINE NA UNICV
Maria Luísa Inocêncio............................................................................................. 72
UTILIZAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS ASSOCIADAS AO USO
DA PLATAFORMA MOODLE: UMA EXPERIÊNCIA COM ESTUDANTES DA
UNIVERSIDADE DE CABO VERDE
Elisabeth Alves Andrade..........................................................................................84

PROFISSIONALIDADE E FORMAÇÃO DE DOCENTES


A EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS: PERSPECTIVAS E DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO
DA DOCÊNCIA
Georgina Quaresma Lustosa1, Teresa Pessoa2, Antônia Edna Brito.......................106
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA EM BENGUELA -
ANGOLA
Joana Quinta......................................................................................................... 115

ANÁLISE DAS NECESSIDADES DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES


DO ENSINO SECUNDÁRIO DE CABO VERDE NO CONTEXTO DA REVISÃO
CURRICULAR
Arlindo Vieira......................................................................................................... 127
Maria Alice de Pina Tavares; José Carlos Morgado...............................................138

DE PAR EM PAR MULTIDISCIPLINAR: UM MODELO DE FORMAÇÃO


PEDAGÓGICA DE PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR
João Pedro Pêgo; Ana Mouraz.............................................................................. 149

FORMAÇÃO CONTÍNUA DOS PROFESSORES: REQUISITO PARA UM ENSINO DE


QUALIDADE
Lionilda Mágueda Évora de Sá Nogueira.............................................................. 160

OS DESAFIOS DAS REFORMAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA ÁFRICA


SUBSARIANA
Arlindo Vieira......................................................................................................... 170

POSSIBILIDADES PARA UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA COLABORATIVA E


EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS (EJA) NO ESTADO DE PERNAMBUCO/BRASIL.
Maria Candida Sergio............................................................................................ 181

REGULAÇÃO ÉTICO-DEONTOLÓGICA DA PROFISSÃO DOCENTE – PROJETO DE


INVESTIGAÇÃO-AÇÃO NUMA ESCOLA DO ENSINO SECUNDÁRIO NA ILHA DE
SÃO VICENTE (CABO VERDE)
Maria da Conceição Azevedo................................................................................ 192

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ANGOLA
Rosa Silva; António Carvalho da Silva...................................................................205
INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO SOBRE CONTRIBUTOS DE AÇÕES DE
FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE
Dulce Pereira dos Santos; Kátia Maria da Cruz Ramos.......................................... 216

RELAÇÃO DO PROFESSOR ITINERANTE COM O PROFESSOR DO ENSINO


REGULAR NA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NOS ANOS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Mércia Ramos de Barros; Kátia Maria da Cruz Ramos ......................................... 227

ENSINO DAS LÍNGUAS E BILINGUISMO


A QUESTÃO LINGUÍSTICA EM CABO VERDE: UM ESTUDO DE CASO: 18
“VOZES” OUVIDAS NO ÂMBITO DA REFORMA DO ESTADO
José Esteves Rei..................................................................................................... 239

EDUCAÇÃO BILINGUE EM MOÇAMBIQUE. UM ESTUDO DE CASO, NA


PROVÍNCIA DE GAZA, CENTRADO NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO ENSINO
BÁSICO
José Amilton Joaquim; José Augusto Pacheco....................................................... 249

ENSINO DA ESCRITA EM LÍNGUA FRANCESA: ANÁLISE DE UM MANUAL.


CONCEÇÕES E PRÁTICAS DOS SUPERVISORES
Maria Rosa Agues Martins.................................................................................... 258

ENSINO DAS CIÊNCIAS: PERSPETIVAS ATUAIS


ENSINO DAS CIÊNCIAS: PERSPETIVAS ATUAIS APRENDER E EXPLICAR
CIÊNCIAS FORA DA ESCOLA – INDAGAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE
JOVENS E EXPLICADOR
Elisabete Ferreira; Miguel Fonseca........................................................................ 272

ESTUDO EXPLORATÓRIO DAS DIFICULDADES ENCONTRADAS NA


RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM MATEMÁTICA, POR ALUNOS DO 6º ANO DE
ESCOLARIDADE
Maria André Trindade........................................................................................... 283
GEOGEBRA NA DESCOBERTA DE POTENCIALIDADES COGNITIVAS DE
PROBLEMAS GEOMÉTRICOS
Natália Victorovna Kôrmysheva Dias Furtado; Tetyana Victorovna Kôrmysheva
Mendes Gonçalves................................................................................................ 293

O ENSINO E APRENDIZAGEM PRÁTICA DA GEOGRAFIA NO SUBSISTEMA DO II


CICLO DO ENSINO GERAL, NO NAMIBE - ANGOLA
Mário Abel Máquina; Fernanda Maria Veiga Gomes............................................306

O ENSINO DA MATEMÁTICA E A AVALIAÇÃO EXTERNA DE ESCOLAS: UM


ESTUDO COM PROFESSORES DO 1.º E 2.º CICLOS
Marta Isabel do Amaral Carvalho Pinto; José Augusto Pacheco........................... 314

SEQUENCIALIDADE EDUCATIVA ENTRE O ENSINO BÁSICO E O ENSINO


SECUNDÁRIO NA DISCIPLINA DE MATEMÁTICA: O CASO ILHA DO PRÍNCIPE
Joana Latas; Paulo Rodrigues................................................................................ 325

POLÍTICAS EDUCATIVAS, COOPERAÇÃO E INVESTIGAÇÃO EM


CONTEXTOS PÓS-COLONIAIS
A “NOVA ARQUITETURA DA COOPERAÇÃO” E OS DESAFIOS PARA O ENSINO
SUPERIOR. CABO VERDE, UM ESTUDO EXPLORATÓRIO.
Sílvia Azevedo; António Magalhães; Ana Cristina P. Ferreira................................340

DESAFIOS DA INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTOS DE DESENVOLVIMENTO: UM


PROJETO DE INVESTIGAÇÃO EM ANGOLA
Sara Poças1; Amélia Lopes2; Teresa Medina2; Júlio Gonçalves dos Santos3...........355

INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTOS PÓS-COLONIAIS –A NECESSIDADE DE AUTO-


REFLEXÃO CRÍTICA
Júlio Gonçalves dos Santos.................................................................................... 369
PALAVRAS PRÉVIAS
O II Colóquio cabo-verdiano de Educação - CEDU 2015 foi realizado pela
Coordenação das Ciências da Educação, do Departamento de Ciências Sociais e
Humanas, na Praia, a 24 e 25 de abril de 2015. O evento aconteceu num contexto
em que diversos países em desenvolvimento estavam a efetuar o balanço relativo
ao alcance dos objetivos de desenvolvimento do milénio, a avaliar os planos
estratégicos decenais para a Educação e a perspetivar os próximos quinze anos.
Sendo uma boa parte desses países antigas colónias, independentes na segunda
metade do século XX e tendo Cabo Verde comemorado a 5 de Julho de 2015, o
seu quadragésimo aniversário de país independente, afigurou-se oportuno que,
o CEDU2015 se debruçasse sobre as políticas e práxis da Educação em contextos
pós-coloniais.
A reflexão e o conhecimento partilhado durante o evento incidiram sobre
políticas e práxis ancoradas na qualidade da Educação, nas suas mais diversas
formas e dimensões, privilegiando não só contextos/espaços, em períodos pós-
coloniais, mas também uma perspetiva pós-colonial que valoriza o conhecimento
autóctone/ local.
Os objetivos essenciais do colóquio são: dar visibilidade à investigação que se
faz em Cabo Verde sobre a Educação e à investigação sobre a Educação em Cabo
Verde; promover a partilha de estudos internacionais sobre ideias, sistemas e
práticas educativas de interesse e atualidade. É pois, na senda desses objetivos
que se compilou uma boa parte das comunicações apresentadas na sua versão
integral e agora se publicam sob a forma de Atas.
Os textos foram agrupados, nas seguintes áreas temáticas, de acordo com os
subtemas do colóquio: Políticas educativas e investigação em contextos pós-
coloniais; Profissionalidade docente e formação de docentes; Currículo, tecnologias
e a qualidade da Educação; Ensino das Ciências: perspetivas atuais; Ensino das
línguas e bilinguismo; Educação inclusiva.
Pel’A Organização
Ana Cristina Pires Ferreira
CURRÍCULO, TECNOLOGIAS E A QUALIDADE
DA EDUCAÇÃO
FEEDBACK DO PROFESSOR: DISCURSO
ORIENTADOR NA AUTORREGULAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VOCACIONAL DE JOVENS
INSTITUCIONALIZADOS

Dulce Martins; Carolina Carvalho


Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal
dulcemartins@campus.ul.pt; cfcarvalho@ie.ulisboa.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
De acordo com a literatura educacional, o feedback revela-se como um aspeto
importante na relação entre professor e aluno. É através do feedback do professor
que os alunos têm a oportunidade de se autorregularem, quer em aspetos de
aprendizagem e do desempenho académico, quer na identificação de capacidades
individuais, fornecendo suporte para o desenvolvimento de perspetivas
vocacionais.
Este estudo faz parte de um projeto de investigação mais amplo desenvolvido
em contexto institucional de cinco centros educativos portugueses, tendo o
objetivo de entender as perceções de desenvolvimento da identidade vocacional
dos jovens institucionalizados, enquanto estudantes do ensino profissional.
O plano metodológico utilizado incluiu a recolha de dados documentais das
trajetórias de vida dos jovens e entrevistas semiestruturadas. Participaram 15
jovens institucionalizados, com a média de idades situada nos 16 anos. Todos estes
jovens frequentavam cursos de Educação e Formação de Adultos, para obtenção
de equivalência ao 6º e 9º ano de escolaridade, bem como para qualificação
profissional.
Da análise de conteúdo ao discurso dos jovens, o feedback dos professores pode
ser considerado um mediador na autorregulação de aprendizagens académicas,
bem como na promoção de competências sociais e vocacionais. A voz destes
jovens leva-nos a pensar que o professor tem um espaço de intervenção, com a
sua prática, na orientação e desenvolvimento vocacional.
Palavras-chave: Feedback do professor, desenvolvimento vocacional, jovens
institucionalizados

INTRODUÇÃO
Este estudo integra uma tese de doutoramento em Psicologia da Educação que
aprofunda a temática do “Desenvolvimento da identidade vocacional dos jovens
institucionalizados em centros educativos portugueses”, a qual faz parte de um
projeto mais amplo.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No domínio das ciências sociais a temática do feedback tem na literatura da


psicologia referências a um crescimento acentuado desde o behaviorismo. É
sobretudo através do trabalho Kluger e DeNisi (1996) que a noção de feedback se
torna mais presente na literatura psicológica (Hattie, 2011). Os autores definem
feedback como uma “ação de um agente externo para fornecer informações sobre
aspeto(s) de realização de tarefas” (Kluger & DeNisi, 1996, p. 235).
No campo educacional a definição proposta por Kluger e DeNisi (1996) coloca
ênfase no envolvimento dos alunos na aprendizagem (Schussler, 2009), bem
como no desempenho em atividades na sala de aula (Hattie, 2003). Deste modo,
o feedback na sua dimensão cognitiva pode ser entendido como a prestação de
informações por um indivíduo na qualidade de agente educativo em aspetos do
conhecimento ou do desempenho de outro indivíduo (Hattie & Timperley, 2007).
De acordo com Hattie (2009) é através da relação pedagógica entre professor
e aluno que o feedback adquire centralidade como uma das estratégias mais
poderosas no desenvolvimento da aprendizagem. O feedback do professor é
entendido como forma de promover a aprendizagem dos alunos, quer no domínio
dos conteúdos curriculares, quer na preparação dos indivíduos para atitudes de
cidadania (Mouta & Nascimento, 2008) e de orientação vocacional na transição
para a vida ativa (Martins & Carvalho, 2014; Carvalho, Martins, Santana, &
Feliciano, 2014).
De acordo com Santana (2009), a orientação vocacional é uma das valências
pedagógicas da escola em geral e dos professores em particular. Para além do
papel habitual que os professores ocupam no contexto escolar, estes constituem-
se como agentes essenciais na “formação e preparação dos jovens para habilidades
de vida e cidadania” (Mouta & Nascimento, 2008, p. 87) enquanto personalidades
relacionais muito presentes na vida escolar dos seus alunos. Além disso, um dos
problemas atuais das escolas prende-se com o número de técnicos que trabalham
na orientação vocacional considerado “insuficiente para atender à demanda e
para responder eficazmente às necessidades dos alunos” (OCDE, 2005, p. 16).
A relação que se estabelece entre professor e alunos em sala de aula tem claro
impacto sobre o desempenho e na autorregulação da aprendizagem (Zimmerman
& Schunk, 2007). É através da relação pedagógica em sala de aula que ocorre o

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

clima propício para o envolvimento intelectual e de desempenho positivo dos


alunos. Segundo Schussler (2009), isto ocorre quando os alunos percebem que
o professor lhes fornece (a) oportunidades para que tenham sucesso; (b) meios
para que a aprendizagem ocorra de forma flexível, i.e., ajustada às necessidades
dos alunos, e (c) quando os professores manifestam respeito, transmitindo aos
alunos que são capazes de aprender. É no decorrer destas possibilidades que o
feedback do professor se evidencia como estratégia promissora de regulação da
aprendizagem (in)formal.
Através do trabalho de Hattie e Timperley (2007) o modelo de teoria do feedback
é reconhecido em diferentes níveis de efeitos, incluindo “o nível de desempenho
da tarefa, o nível do processo de compreensão de como fazer uma tarefa, o nível
do processo de regulação ou metacognitivo, e/ou o nível pessoal (não relacionado
com as especificidades das atividades) “ (p. 86). O feedback do professor revela-
se como um aspeto importante na relação entre professor e aluno, com o qual
ambos têm a oportunidade de se autorregularem em aspetos de aprendizagem
e do desempenho, na identificação de capacidades individuais, fornecendo até
suporte para o desenvolvimento de perspetivas e planos vocacionais (Martins &
Carvalho, 2014; Carvalho et al., 2014).

MÉTODO

1.1 PARTICIPANTES
Os participantes deste estudo eram jovens institucionalizados em cinco centros
educativos portugueses, de Portugal Continental, em cumprimento de medidas
tutelares educativas sob o regime de internamento aberto, semiaberto e fechado,
com as idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos de idade (M = 16.5, DP
= 1.06). Participaram ao todo neste estudo 15 jovens rapazes que frequentavam
cursos EFA de tipologia B2 e B3 que conferiam equivalência ao 2º e 3º ciclo do
Ensino Básico, bem como uma qualificação profissional.

1.2 INSTRUMENTO E PROCEDIMENTO


O plano metodológico utilizado incluiu a recolha de dados documentais
das trajetórias de vida dos jovens (e.g., Processo Educativo Pessoal; Processo

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Tutelar Educativo) e entrevistas semiestruturadas para identificar as perceções


de desenvolvimento da identidade vocacional dos jovens institucionalizados,
enquanto estudantes do ensino profissional, designadamente sobre importância
dos professores na orientação vocacional.
Este estudo decorreu em cinco centros educativos, para os quais se obtiveram
as autorizações da Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, dos centros
educativos e dos jovens participantes.
No sentido de facilitar o processo de recolha de informação, elaborou-se um
guião para a realização das entrevistas semiestruturadas em torno das seguintes
questões: (a) Qual é a sua idade? (b) Qual é o curso que frequenta no centro?; (c)
Onde nasceu?; (d) Onde Vivia?; (e) Com quem vivia?; (f) Até que ano frequentou a
escola? (g) Se eu lhe pedisse para contar uma história sua enquanto aluno, o que
me contava?; (h) O que sentiu quando chegou ao Centro?; (i) O que sentiu quando
foi encaminhado para a formação profissional?; (j) Quais os agentes educativos
que lhe são mais próximos em termos de formação?; (k) Quais considera mais
importantes na orientação vocacional?; Porquê; (l) Acha importante que os
professores aconselhem, expliquem e falem sobre os cursos/profissão/emprego
que pode escolher?; (m) Considera que a opinião dos professores sobre a sua
trajetória escolar o poderá influenciar na escolha/tomada de decisão de um futuro
emprego/profissão?
Partindo das questões do guião, do consentimento informado e da garantia
de salvaguarda do direito à privacidade de todos os atores intervenientes nos
centros educativos, as opiniões dos jovens participantes foram audiogravadas para
posterior transcrição e análise de conteúdo.

RESULTADOS
A análise dos resultados procurou entender as perceções de desenvolvimento
vocacional dos 15 jovens participantes institucionalizados em centros educativos.
As figuras a seguir apresentadas são o resultado da elaboração de várias grelhas de
redução de dados, i.e., do “recorte, agregação e enumeração” para representar o
conteúdo (Bardin, 2011, p. 129), com recurso ao programa NVivo, versão 10.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Das perceções dos jovens: (a) caraterísticas biográficas dos jovens participantes;
(b) trajetórias escolares antes da institucionalização; (c) trajetórias escolares após
a institucionalização; (d) os professores na orientação vocacional. Os resultados
relativos a estas quatro categorias são apresentados segundo a ordem enunciada.
Com a pesquisa a documentos institucionais dos 15 jovens (e.g., Processos
Tutelares Educativos), apurou-se que os jovens participantes cumpriam medidas
tutelares educativas sob o regime de execução de internamento aberto (6.6%),
semiaberto (60%) e fechado (33.3%). Os motivos que levaram ao internamento em
centro educativo foram crimes puníveis por lei, designadamente: (a) crimes por
ofensa à integridade física; (b) por furto ou roubo; (c) por violação e (d) homicídio
qualificado. A maioria dos jovens participantes (53.3%) apresentavam medidas
tutelares educativas anteriores às medidas que estavam a cumprir, à data de
recolha de dados, como por exemplo medidas cautelares de guarda e medidas de
acolhimento noutras instituições.

2.1 CARACTERÍSTICAS BIOGRÁFICAS DOS JOVENS


PARTICIPANTES
Os 15 jovens tinham a média de idades situada nos 16 anos. A variável
idade será mais adiante tratada em relação à trajetória escolar após a
institucionalização (2.2).
Na Figura 1, apresentam-se os resultados da combinação das variáveis biográficas
relativas ao local de nascimento e de residência dos jovens participantes.
Figura 1. Local de nascimento e de residência dos jovens participantes

Conforme Figura 1, a maioria dos jovens entrevistados nasceu em Lisboa (60%)


e residia na área metropolitana da mesma cidade (80%). Três jovens nasceram

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em Cabo Verde, um na Roménia e outro em Espinho (Zona Norte de Portugal


Continental).
Na Figura 2 verifica-se que sete jovens (46.6%) viviam num agregado
monoparental constituído pela figura materna.
Figura 2. Agregado familiar dos jovens participantes

2.2 TRAJETÓRIAS ESCOLARES ANTES DA


INSTITUCIONALIZAÇÃO
Na Figura 3 verifica-se que a maioria dos jovens participantes, com a média de
idades situada nos 16 anos, tinha à data da sua institucionalização concluído o 6º
ano de escolaridade, correspondente ao 2º ciclo do Ensino Básico.
Figura 3. Idade e percurso escolar dos jovens antes da institucionalização

Na relação idade e percurso escolar nota-se um desfasamento em relação à idade


esperada (12 anos) para a conclusão do 6º ano numa trajetória escolar regular.
Apenas um aluno registou uma trajetória regular, tendo o 9º ano de escolaridade
concluído.
Na Figura 4 ilustra-se um fraco envolvimento com a escola expresso na voz dos
jovens.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Figura 4. Atitudes face à escola

2.3 TRAJETÓRIAS ESCOLARES APÓS A INSTITUCIONALIZAÇÃO


As trajetórias após a institucionalização são consequência do percurso escolar
antes da institucionalização. Na Figura 5 lê-se que a maioria dos jovens participantes
estava a frequentar cursos EFA de tipologia B3 para obtenção de equivalência ao
9º ano de escolaridade, 3º ciclo do Ensino Básico, bem como de uma qualificação
profissional em várias áreas profissionais, tais como: Operador de Manutenção
Hoteleira (OMH), Pintura e Construção Civil (PCC), Eletricidade de Instalações (EI),
Instalador e reparador de Computador (IRC), Empregado de Mesa (EM).
Figura 5. Percurso escolar após a institucionalização

Na Figura 6, a institucionalização foi referida com um sentir de “choque”,


“confuso”, “ tristeza e até de “esperança. A frequência dos cursos EFA foi
identificada como uma oportunidade de mudança e possibilidade de “talvez
arranjar uma profissão”.
Figura 6. Atitudes dos jovens face à institucionalização

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2.4 OS PROFESSORES NA ORIENTAÇÃO VOCACIONAL


Na Figura 7 é visível que os professores foram os agentes educativos considerados
mais próximos, experientes e conhecedores das matérias que lecionam e das
trajetórias dos seus alunos, que “aconselham” e “incentivam”.
Figura 7. Frequência de palavras acerca da importância do professor no desenvolvimento
vocacional

DISCUSSÃO
Os jovens participantes apresentavam trajetórias biográficas e escolares pouco
estruturadas. O agregado familiar é caracterizado pela monoparentalidade
e o percurso escolar é na voz dos jovens identificado pelo desinteresse e
absentismo escolar.
Em conformidade com outras investigações (e.g., Manso & Almeida, 2009), o
processo de institucionalização foi percecionado pelos jovens participantes de
duas formas: sentimento de tristeza versus oportunidade de mudança de vida.
Parece-nos que os jovens percecionam o acesso à formação como uma forma de
valorização pessoal e social.
Os jovens identificaram os professores como os agentes educativos mais próximos
e em termos de formação como experientes e bons conhecedores dos seus alunos.
O feedback dos professores pode ser considerado um mediador na autorregulação
de aprendizagens académicas, bem como na promoção de competências sociais e
vocacionais. A voz destes jovens leva-nos a pensar que o professor tem um espaço

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de intervenção, com a sua prática, na orientação e desenvolvimento vocacional


(Carvalho et al., 2014; Martins & Carvalho, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo principal deste estudo salienta as perceções de desenvolvimento
da identidade vocacional de jovens institucionalizados em centros educativos
portugueses, enquanto estudantes em cursos EFA, ligando o feedback dos
professores como forma de orientação vocacional.
O estudo insere-se numa preocupação transnacional que centra a promoção
de oportunidades de aprendizagem formal, que na atualidade preenche a
agenda política europeia para o desenvolvimento de uma sociedade coesa e
economicamente sustentável. Diante de uma sociedade cada vez mais competitiva
há necessidade de (re)pensar a adequabilidade das formas de aprendizagem,
nomeadamente para os jovens que se inserem em contextos socioeconómicos
mais desfavorecidos.
O discurso orientador dos professores, presente na ação do feedback, é uma
ação poderosa e positiva (Hattie, 2003) que engloba a aprendizagem a par do
desenvolvimento vocacional. Pesquisas recentes evidenciam que o feedback apesar
de ser uma estratégia pedagógica com impacto é pouco realizada (Hattie & Rates,
2014). Assim, é necessário promover formas de desenvolvimento profissional
ou de capacitação dos professores para mediação da orientação vocacional em
contextos de educação e formação.

AGRADECIMENTOS
Aos jovens participantes e instituições; membros do projeto Feedback, Identidade
e Trajetórias Escolares: Dinâmicas e Consequências (PTDC/CPE-PEC/121238/2010)
e à Fundação para Ciência e Tecnologia.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

REFERÊNCIAS
Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70
Carvalho, C., Martins, D., Santana L. E., & Feliciano, L. (2014). Teacher’s Feedback:
Educational Guidance in Different Schools Contexts. Procedia - Social and
Behavioral Sciences 159, 219–223. doi:10.1016/j.sbspro.2014.12.360
Hattie, J. & Rates, G. (2014). Using Feedback to promote learning. In Benassi, V.,
Overson, C., & Hakala, C. (Eds). Aplying Science of Learning in Education-Infusing
Psychological Science into the Curriculum (pp. 45-58). Society of Psychology
and for the Teaching: Division 2 APA. Retirado de http://teachpsych.org/
Resources/Documents/ebooks/asle2014.pdf
Hattie, J. (2003). Teachers make a difference. What is the research evidence? Australian
Council for Educational Research (1-17). Australia: University of Auckland. Retrieved
from https://www.det.nsw.edu.au/proflearn/docs/pdf/qt_hattie.pdf
Hattie, J. (2009). Visible Learning: a synthesis of over 800 meta-analyses relating to
achievement. London: Routledge.
Hattie, J. (2011). Feedback in schools. In Sutton, R., Hornsey, M.J., & Douglas,
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visiblelearningplus.com/sites/default/files/Feedback%20article.pdf
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23
FLIPPED CLASSROOM PARA CABO VERDE: UM
ESTUDO EXPLORATÓRIO

Eloisa Helena Monteiro Fernandes; Adriana Mendonça; Guilhermina Lobato


Miranda
Uni-CV; Uni-CV; IE – ULisboa
eloisahe.fernandes@student.unicv.edu.cv; adriana.mendonca@docente.unicv.edu.cv;
gmiranda@ie.ulisboa.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na educação
tem transformado as práticas pedagógicas dos docentes, dinamizando os processos
de ensino e de aprendizagem dos jovens e adolescentes. Estas mudanças na
sociedade e na educação exigem do professor e do aluno mais (in) formação para
lidarem com as exigências desta sociedade de conhecimento. Esta investigação,
realizada no âmbito da dissertação de mestrado, visa contribuir para o estado
de arte no domínio das TIC em Cabo Verde, bem como ajudar na melhoria do
ensino e da aprendizagem nas escolas secundárias do país. Pretende-se explorar
a aplicação do método Flipped Classroom no âmbito do processo de Revisão
Curricular no ensino secundário e nas mudanças implementadas pelo programa
Mundu Novu; contribuir para a mudança das práticas pedagógicas nas escolas
do país; diagnosticar as dificuldades sentidas pelos professores na utilização
de metodologias diferenciadas, ativas e inovadoras; identificar medidas que
contribuem para uma rápida implementação do método em Cabo Verde.
Recorrendo a uma metodologia quantitativa, pretende-se conhecer as principais
práticas pedagógicas dos professores de ensino secundário na ilha de Santiago,
procurando com base nesses resultados construir um estado de arte devidamente
consolidado, procurando contribuir com a disseminação de conhecimentos no
âmbito das metodologias de ensino e de aprendizagem ativas, apoiadas pelas TIC.
Palavras- Chave: Flipped Classroom, Práticas Pedagógicas, TIC

INTRODUÇÃO
A integração escolar das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já
é uma realidade em muitos países e em Cabo Verde está-se a dar os primeiros
passos rumo a uma educação de qualidade em resposta às exigências do ensino
e da aprendizagem próprias desta sociedade de informação. Assim como se
encontra espelhado no Programa Estratégico para a Sociedade de Informação
(PESI), o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
para a afirmação de uma sociedade de informação e de conhecimento representa
uma opção estratégica, atendendo a que estas representam um meio central

25
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

da modernização e internacionalização da economia. As TIC representam um


fator de inserção ativa de Cabo Verde na economia global, contribuindo para
romper as barreiras do determinismo insular para que se possa estar em sintonia
com o mundo, acompanhar as grandes transformações, participar na evolução
do conhecimento e do saber, estar perto dos centros de decisão, identificar as
oportunidades e pô-las ao serviço do próprio desenvolvimento (República de Cabo
Verde, 2005, p.15).
Aliar as práticas educativas às TIC é uma necessidade, fundamentada por inúmeras
razões, designadamente pelo facto de Cabo Verde ser um país eminentemente
jovem cuja faixa etária, que atinge os quase 60% da população, estar entre os 15
e os 19 anos de idade (UNICEF, 2011, p.16), ou seja, a maior parte da população
encontra-se em idade escolar. Trata-se ainda de um país onde a riqueza se concentra
essencialmente nos recursos humanos, pelo que é de suma importância que se
invista na educação dos seus cidadãos e que seja uma educação que corresponda
aos anseios dos jovens ávidos de saber na senda desta sociedade digital.
Neste sentido, também a integração das tecnologias educativas nos processos
de ensino e de aprendizagem, poderá ainda contribuir para colmatar os problemas
relacionados com a taxa de abandono escolar, que se afigura como uma realidade
preocupante nestas ilhas e com uma maior acentuação no ensino secundário,
atendendo a que dos 100% de alunos que terminam o ensino básico, apenas 59,3%
dão continuidade aos estudos secundários (UNICEF, 2011, p.16). Que medidas
educativas tomar neste cenário desafiador? Sabe-se que fora do ambiente
escolar há muitas atrações para os jovens e adolescentes que, nesta fase da vida,
procuram a ‘novidade’ e o seu papel na sociedade, valorizando as capacidades de
interagir, de descobrir e de criar. Assim, exatamente porque poderá não “cumprir”
com essa função motivadora, pelo menos não em todas as áreas disciplinares, a
escola poderá ser considerada um espaço pouco interessante e quiçá até estranho
onde não se fala a “língua” dos jovens. A escola não poderá estar à margem destas
mudanças e desta “nova sociedade” do conhecimento.
Na década de 70, Paulo Freire, na primeira publicação do livro “Pedagogia do
Oprimido” já criticava o papel passivo que os educandos eram “inocentemente
obrigados” a assumir, pois “em lugar de comunicar-se, o educador faz

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

“comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem


pacientemente, memorizam e repetem. Eis a concepção bancária da educação (…)
” (Freire, 2003, p. 58).
Este conceito de “educação bancária” já não condiz com esta sociedade designada
de “sociedade de informação”, que tem como alicerce o desenvolvimento
tecnológico e a forma como todos e cada um interage com os conteúdos, uns com
os outros e com o conhecimento.
Para Costa, Rodriguez, Cruz e Fradão (2012), a cultura da escola não vai ao
encontro da cultura dos jovens e adolescentes, pois estes “voam num tempo
improvável”, não se limitam aos fatores espaço/tempo e esta liberdade de
pensamento é conseguida através da interação com os serviços da Internet; eles
têm suas próprias formas de ver o mundo que os rodeia, de se comunicarem
utilizando “símbolos próprios da cultura digital”. Tendo como contexto o acima
descrito, em que se percebe o quanto as escolas estão desajustadas quanto aos
objetivos, ambições e expetativas dos seus alunos (e professores, passa-se a
analisar brevemente algumas das inquietações que nortearam esta investigação.

PROBLEMÁTICA DO ESTUDO
No que se refere ao uso da Internet e dos seus serviços nunca se está adiantado
ou se é ambicioso demais, visto que a cada “clic” haverá uma nova invenção, um
novo aplicativo e novas e variadas formas de manejá-los. Tudo isso se sente de
uma forma mais acentuada nestas ilhas, uma vez que a relação Cabo Verde – Rede
de Internet só foi possível em meados do ano de 1997 (ANAC, 2009).
Não obstante, o curto percurso na senda desta sociedade de informação tem-se
vindo, ao longo dos anos, a lutar para que Cabo Verde se integre nesta sociedade.
Estarão, no momento, criadas as condições para esse desiderato? O governo de
Cabo Verde, através do PESI, nomeadamente do pilar da educação, concretizado
com o designado “choque tecnológico” do programa Mundu Novu e da revisão
curricular recentemente realizada, tem vindo a demonstrar a importância que
atribuí à integração das TIC na educação no país. Estará esta articulação entre os
princípios do programa Mundu Novu e a revisão curricular garantida nos novos
programas escolares?

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Uma das missões do programa Mundu Novu é a implementação de um modelo


interativo de ensino e de aprendizagem. Sabendo-se que esse objetivo requer um
conjunto de desafios e medidas que, paulatinamente são garantidos através da
formação e informação facultada pelo programa, porque não contribuir, através
desta modesta investigação para o alcance dessa missão? Assim, poderá o método
Flipped Classroom, contribuir para a introdução do novo modelo de ensino nas
salas de aula de Cabo Verde? Será este um método exequível para a realidade
cabo-verdiana no que se refere às tecnologias educativas? Quais os níveis de ensino
que poderão beneficiar deste método? Quais as vantagens do recurso ao Flipped
Classroom para o ensino e a aprendizagem no ensino secundário em Cabo Verde?
Considerando a problemática acima identificada, procurou-se aprofundar essas
inquietações, visando 1) explorar a aplicação do método flipped classroom no
âmbito do processo de revisão curricular no ensino secundário e nas mudanças
implementadas pelo programa “Mundu Novu” 2) desenvolver o estado da arte no
domínio do método Flipped Classroom de forma a contribuir para a sua progressiva
implementação nas salas de aula de Cabo Verde; 3) contribuir para a mudança de
práticas pedagógicas nas escolas do país. A concretização destes objetivos mais
gerais será realizada, paulatinamente, através dos seguintes objetivos específicos:
4) identificar a necessidade de desenvolvimento de práticas pedagógicas
sustentadas pela inovação; 5) explorar o nível de familiaridade dos professores do
ensino secundário relativamente ao método Flipped Classroom; 6) diagnosticar as
dificuldades dos professores na utilização de metodologias diferenciadas, ativas e
inovadoras e 7) identificar as perceções dos professores relativamente às TIC no
seu contexto profissional e nas suas práticas e formação na área.

PORQUÊ FLIPPED CLASSROOM OU SALA DE AULA


INVERTIDA?
Nesta investigação propõe-se debruçar sobre a experiência dos professores
e investigadores Jonatham Bergmann e Aaron Sams com o método Flipped
Classroom.
Bergmann e Sams são professores da disciplina de química e como todos os
docentes as suas interrogações eram semelhantes: como agir ou o que fazer

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

para prender a atenção dos alunos, fazendo com que a motivação para aprender
partisse dos mesmos. No caso destes professores a preocupação provinha do
elevado número de faltas dos estudantes, justificadas pelos mais variados motivos.
Na perspetiva de se identificar soluções para que os alunos que perdiam as aulas
não ficassem sem os conteúdos, passaram a gravar as aulas em vídeos e postar
na Internet, o que teve grande adesão, tanto da parte dos que faltavam às aulas
como os que estavam presentes. A partir daquele momento perspetivaram uma
nova forma de transmitir as informações aos seus educandos, que batizaram de
“Flipped Classroom”. Assim a sala de aula estava invertida (Trevelin, Pereira &
Neto, 2013, p. 7). Mas será que o conceito Flipped Classroom se resume à gravação
das aulas em vídeos para posteriormente serem facultadas aos alunos através das
ferramentas da Internet? A resposta a esta questão é não.
Para Bergmann, Overmyer e Wilie (2014, p.?) “Flipped Classroom is not a synonym
for online video (…) about replacing teachers with videos, an online course (…)
students spending the entire class staring at a computer screen (…) ”
Este método promove a interação entre professor e alunos e destes com o
conteúdo a ser ministrado na aula, possibilitando aos discentes uma familiarização
mais acentuada com o que se lhes propõe aprender. Os alunos aprendem ao seu
ritmo, têm mais tempo para esclarecimento de dúvidas, trabalham em grupo o
que lhes permite ouvir a explicação dos conteúdos na sua linguagem, facilitando a
compreensão.
O método pode ser aplicado a todos os níveis de ensino e todas as disciplinas
desde que com a devida contextualização a cada realidade.
Procurando-se perceber um pouco melhor este método, pode-se considerar que:
The purpose of flipping the classroom is to shift from passive to active learning to
focus on the higher order thinking skills such as analysis, synthesis and evaluation
(Bloom). As explained in this short video, Flipping the Classroom: Simply Speaking
(Penn State), students access key content individually (or in small groups) prior
to class time and then meet face-to-face in the larger group to explore content
through active learning and engagement strategies (Leggett, s.d., p. 2).

Inerentes a este método, existem alguns elementos chave que não poderão ser
descurados e que se apresentam na figura 1.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Figura 1: Componentes-chave do método Flipped Classroom (http://www.uq.edu.au/


tediteach/flipped-classroom/what-is-fc.html)

A adoção deste método remete para a utilização de metodologias ativas na


tarefa de ensinar e de aprender. Tendo mais tempo para estar com os alunos
na sala de aula, o professor poderá recorrer a uma vasta gama de metodologias
para a prossecução dos objetivos, nomeadamente: trabalho de grupo, debates,
dramatizações, realizar mais aulas expositivas participativas que, condições
essenciais para fomentar uma aprendizagem construtivista que, segundo Miranda
(1988), “significa que os alunos não são meros receptores de informação antes
constroem ativamente o conhecimento” (p.11).

FLIPPED CLASSROOM: UM ALIADO DA PRÁTICA EDUCATIVA


Para Miranda (2006) há três posições diferentes que são adotadas na literatura em
relação à utilização das tecnologias na educação: a posição otimista, a pessimista e
a realista. Os otimistas veem nos computadores e na Internet a solução de todos os
problemas e limitações na prática do ensinar e do aprender, acreditam em “efeitos
revolucionários na cognição em particular” (p. 79). Os pessimistas não ignoram
as vantagens na utilização do computador e da Internet na educação, contudo
centram-se principalmente nas desvantagens da introdução massiva destes na
sociedade e na educação ao defenderem que “aqueles que usam muito a internet
nomeadamente os chatrooms, criam uma espécie de retraimento emocional (…)
” (p. 79). Os realistas não têm uma visão romântica em torno das tecnologias
educativas e sua utilização, estão cientes da realidade com as suas limitações,

30
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

receios, resistência e expetativas, uma vez que “desejam descrever e, se possível,


explicar o que se passa na “prosaica” e por vezes mesmo frustre realidade” (p. 80).
Para que os professores venham adotar uma “posição ativa” no uso das TIC e da
Internet sugere-se o método Flipped Classroom (FC) ou Sala de Aula Invertida.
Seguindo os principais pressupostos do programa Mundu Novu no que se refere
à mudança de práticas pedagógicas e inovações educativas, entende-se necessário
promover práticas de dinamização dos processos de ensino e da aprendizagem em
todos os níveis de ensino, designadamente no ensino secundário, nível de ensino
a que se reporta esta investigação. Tal como afirma Mendonça (2014, p. 103), a
melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem passa necessariamente por
uma mudança nas práticas letivas, que em alguns casos, há muito que se encontram
estagnadas. Mudar as práticas implica uma reflexão profunda por parte dos
diversos intervenientes da educação, tornando o processo relativamente moroso,
pelo que se entende que deverá ser paulatino.
Tal como se sabe, numa aula, é possível que não se consiga realizar todas as
tarefas ou atividades, daí a necessidade da existência de trabalho para casa
(TPC) com o objetivo de consolidar o que foi desenvolvido naquela aula. Este
procedimento é o da tradicional aula expositiva, o que não se verifica nas aulas em
que se adota o método FC; nestas, há uma troca das variáveis “aulas expositivas
e resolução de exercícios”. As informações, as explicações dos conceitos e todos
os conteúdos teóricos são realizados em casa ou em outro lugar onde o aluno
se sinta à vontade e tenha meios, e a parte “mais prática”, é reservada à sala de
aula, sendo aí que ocorre a “inversão”. Estas informações são disponibilizadas aos
alunos utilizando recursos da internet, através de gravação de aulas em vídeos e
podcasts recorrendo a diferentes softwares e ferramentas da internet.
Barseghian (2011, citado por Colombo, Stahl, Schröetter, & Duncan, 2014) define
Flipped Classroom como.
“aquela que enfatiza o uso das tecnologias para o aprimoramento do aprendizado,
de modo que o professor possa utilizar melhor o seu tempo em sala de aula em
atividades interativas com seus alunos ao invés de gastá-lo apenas apresentando
conteúdo em aulas expositivas tradicionais”. (p.3)

31
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Procurando-se refletir sobre a possibilidade de dinamização das aulas nas escolas


secundárias do país com recurso ao Flipped Classroom, considerou-se que apesar de
não constituir uma “tarefa” impossível, poderá ainda ser relativamente complexa,
atendendo a que ainda existem muitas famílias que não dispõem de todas as
condições tecnológicas necessárias (computadores e Internet) para que este método
seja implementado. Contudo, num mundo em constante transformação, sendo a
própria sociedade cabo-verdiana exemplo disso, atendendo à considerável evolução
tecnológica e educativa que vivenciou nos últimos dez anos, tudo poderá acontecer.
Em países como os Estados Unidos da América já na década de 80 Eric Mazur
desenvolveu uma pesquisa sob o tema Peer Instruction em que discorreu sobre o
uso do computador na instrução. Nos anos seguintes; foram surgindo publicações
de vários artigos na mesma temática enfatizando a gravação do conteúdo das
palestras em vídeos a partir de um software com o objetivo de diminuir o tempo
da exposição do tema. Nas décadas seguintes houve outros investigadores que
foram aperfeiçoando a técnica de transmissão de informação utilizando software
(e-tech) com o mesmo objetivo. O certo é que o referido método tem merecido
atenção dos mais variados meios de comunicação em muitos países do mundo e
não está restrito somente ao meio académico. Daí a criação da Flipped Learning
Network (flippedlearning.org/site/default.aspx?PageID=1) criada com o objetivo
de fornecer aos docentes informações sobre como implementar com sucesso o
método FC nas suas atividades letivas.

METODOLOGIA
Atendendo à escassez de investigações desta natureza em Cabo Verde, procurou-
se com este estudo, responder às necessidades evidentes vivenciadas no país,
especificamente na área educativa, contribuindo com o estado de arte que possa
apoiar outros educadores com interesse nesta matéria. Assim, propõe-se realizar
um estudo exploratório, de natureza quantitativa, tendo como instrumento de
recolha de dados o inquérito por questionário.
O estudo exploratório tem como objetivo “proceder ao reconhecimento de uma
realidade pouco ou dificilmente estudada e levantar hipóteses de entendimento
dessa realidade” (Carmo & Ferreira, 2008, p. 48). Tal como explica Theodorson e

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Theodorson (citado por Piovesan & Temporini, 1995):


“The exploratory study (which may use any of a variety of techniques, usually
with a small sample) permits the investigator to define his research problem
and formulate his hypothesis more accurately. It also enables him to choose the
most suitable techniques for his research and to decide on the questions most
in need of emphasis and detailed investigation, and it may alert him to potential
difficulties, sensitivities, and areas of resistance” (p. 319).

Procurou-se inquirir uma amostra representativa da população docente do ensino


secundário em Santiago (da Praia ao Tarrafal), originária de todas as ilhas do país.

PARTICIPANTES
Para a consecução dos objetivos previamente traçados, foram selecionados
150 professores de todos os níveis do ensino secundário, de doze escolas em
diferentes Concelhos da ilha, nomeadamente as Escolas da Praia (Abílio Duarte,
Cônego Jacinto Peregrino da Costa, Polivalente Cesaltina Ramos, Pedro Gomes,
Constantino Semedo e Manuel Lopes), nos Concelhos do interior da ilha, Tarrafal –
Escola Secundária do Tarrafal, Santa Cruz – Escola Secundária Alfredo da Cruz Silva,
São Lourenço dos Órgãos – Escola Secundária Luciano Garcia e Concelho de Santa
Catarina as Escolas Secundárias Amílcar Cabral, Gran Duque Henri (escola técnica)
e Napoleão Fernandes.

RESULTADOS ESPERADOS
Sem ignorar as muitas limitações a que o país está sujeito no que diz respeito às
tecnologias educativas, ambiciona-se com esta investigação: 1) construir um estado
da arte em relação ao método Flipped Classroom e áreas afins suficientemente
consistente para informar e sensibilizar a comunidade académica para estas
práticas e instigar outros investigadores para a realização de mais estudos desta
natureza; 2) elaborar um diagnóstico da perceção dos professores sobre o uso das
TIC nos processos de ensino e aprendizagem, incluindo o seu grau de conhecimento
do método Flipped Classroom; 3) propor ações de formação que contribuam para
o aperfeiçoamento das competências docentes, conduzindo a uma mudança
de atitudes e conceitos em torno das atividades letivas; 4) facultar pistas para o
desenvolvimento de alguns conteúdos disciplinares com recurso ao FC; 5) facilitar

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

a interação entre os professores na partilha das suas experiências, expetativas,


anseios e receios no que diz respeito à adoção das TIC no seu quotidiano pessoal
e profissional.
A realização desta investigação visou essencialmente contribuir para a
melhoria da educação em Cabo Verde, procurando facultar algumas pistas
para o aprofundamento de algumas competências pedagógicas, bem como
compreender as principais dificuldades experienciadas pelos docentes do ensino
secundário do país. As informações adquiridas ao longo desta investigação (ainda
em curso) possibilitarão o desenvolvimento de um plano de formação contínua,
idealmente apoiado pelo FC, que dinamizará os saberes pedagógicos dos docentes,
contribuindo para o sucesso educativo.

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35
FORMAÇÃO DE COORDENADOR PEDAGÓGICO
NORTEADA PELO PROGRAMA DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DOS 5CS: IMIGRANDO
AS POTENCIALIDADES DA TEORIA DA
FLEXIBILIDADE COGNITIVA PARA O CONTEXTO
EDUCACIONAL

Juraneide Ferreira Mato; Maria Teresa Ribeiro Pessoa


Universidade de Coimbra - Portugal
jufmatos@hotmail.com; tpessoa@fpce.uc.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A morosidade com a qual acontecem as mudanças na escola vem sendo
destacada pela comunidade educativa e parte dessa responsabilidade é atribuída
à limitação das ações formativas, seja inicial ou continuada, que prosseguem
sustentadas em modelos anacrônicos, de natureza mais teórica e distanciadas da
realidade. Reconhecendo a carência de mecanismos de formação que considerem
os fatos diversificados que emergem da escola e de formadores de professores
que compartilhem dessa realidade, estamos realizando uma investigação na
Universidade de Coimbra, Portugal, na área de Ciências da Educação, especialização
em Formação de Professores, com o objetivo de desenvolver e avaliar o Programa
de Formação Continuada 5Cs (PFC5Cs), cujos Cs referem-se às dimensões
Coerência, Colaboração, Conscienciosidade, Construção e Criticidade, que dará
suporte teórico a um programa de formação continuada para Coordenadores
Pedagógicos/Diretores de Turma, com a finalidade de os tornar aptos a realizarem
formação continuada de professores no contexto laboral, com base no PFC5Cs. O
Programa terá como base epistemológica os princípios da Teoria da Flexibilidade
Cognitiva (Spiro, 1987), pelos fundamentos da Teoria da Complexidade (Morin,
2003) e Teoria do Conhecimento cunhada por Paulo Freire (2003) e será testado
em três países lusófonos, Brasil, Cabo Verde e Portugal. A metodologia qualitativa
e crítico-interpretativo nortearão a investigação ação.
Palavras chave: Casos reais; Coordenadores pedagógicos; Programa de Formação
Continuada dos 5Cs (PFC5Cs)s; Teoria da Flexibilidade Cognitiva.

1. INTRODUÇÃO
Estamos vivendo e convivendo em uma nova ordem mundial fortemente
marcada pelas tecnologias que informam em tempo real, aproximam os
mundos, proporcionam grandes avanços na ciência e vem suscitando incertezas,
contradições e complexidades em diversos setores da sociedade. Segundo Hall
(2001), “todas as estruturas sociais fazem parte do processo de deslocamento
movido pela forte influência da globalização, e a educação como uma composição
dessa sociedade, também sofre os efeitos desse deslocamento social, político,
econômico e cultural” (citado por Anjos, 2011, p. 1).

37
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O universo escolar, uma das estruturas com elevado nível de importância na


composição da sociedade atual, vem sendo amplamente impactado por essa nova
ordem social e, frequentemente, solicita-se reestruturação urgente do sistema
educativo. Em 1999, Perrenoud indagou se a escola poderia ficar imóvel nesse
contexto de transformação e complexidade e quais as lições que a formação de
professores poderia tirar dessa característica da sociedade atual.
A indagação de Perrenoud não ficou no ar. É inegável que o sistema educativo vem
tentando evoluir, assim como é inegável, as dificuldades enfrentadas. Uma dessas
dificuldades é atribuída ao fato da educação ter legitimado seus fundamentos
por longo período nos pressupostos positivistas, de tal maneira que rejeitava
qualquer possibilidade de aquisição de conhecimento que não fosse concentrada
na quantificação, de forma determinista (Schön, 1983). Para o referido autor, a
dificuldade na mudança da profissionalidade do professor e, consequentemente
da escola, é o fato do racionalismo técnico, legado do positivismo,1 ter impregnado
as ações formativas, iniciais ou continuadas, e entrincheirado os professores em
tarefas alienantes no decorrer de muitas décadas.
Nesse sentido, em 2003, Morin advertiu que a instituição escolar ainda não
havia rompido com os pressupostos da racionalidade técnica e a insistência em
permanecer nessa linha de pensamento dificultava a ampliação do pensamento e
evitava entrada de novas propostas que possibilitem reformar o pensamento dos
profissionais da educação. Percebe-se que a preocupação de Morin ainda persiste.
Autores como Formosinho (2009), Nóvoa (2007), Freire (2005), Morin (2003),
Perrenoud (2000) Tardif (2000), Zeichner (1993), Shulman (1989), Schön (1983),
dentre outros, chamam atenção sistematicamente para o fato da maioria dos
programas de formação insistir em currículos descontextualizados e acríticos,
quase sempre construídos de natureza mais teórica e distanciada da realidade.
Afinal, para atender a demanda da realidade social, que estratégia de formação
poderá gerar mudanças significativas no processo de ensino e aprendizagem?
Quais dimensões é preciso considerar nas ações formativas a fim de desenvolver a
profissionalidade docente de acordo com o que requer a escola atual?

1. Corrente filosófica que admite somente o que é real, o inquestionável e que teve larga influência na
educação em diversos países.

38
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Esses questionamentos nos conduziram a uma pesquisa bibliográfica com mais


profundidade nos escritos dos autores referidos anteriormente, e cinco palavras
surgiram insistentemente, enquanto refletíamos acerca da leitura: Coerência,
Colaboração, Conscienciosidade, Construção e Criticidade.
O surgimento dessas palavras nos levou à Larrose (2002), que pede para
explorarmos melhor as palavras, por que elas possuem o poder de produzir
sentido e criar realidade. O autor em referência diz que atividades que elegem as
palavras, cuidam das palavras, jogam com as palavras, transformam palavras, não
são atividades ocas ou vazias, enquanto Freire diz que “homens não se constroem
em silêncio, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (1994, p. 45 ).
Considerando o que dizem Larosse e Freire e nossos questionamentos acerca da
formação continuada de professores, optamos por construir uma proposta formativa
para nossa pesquisa em Doutoramento, com base nas cinco palavras Coerência,
Colaboração, Conscienciosidade, Construção e Criticidade, as quais doravante serão
tratada como dimensões a serem desenvolvidas no programa de formação que
denominamos de Programa de Formação Continuada dos 5Cs (PFC5Cs).
A pesquisa, que tem como objetivo geral desenvolver e avaliar um programa
de formação continuada de coordenador pedagógico, a fim de torná-los aptos a
realizar a formação continuada de professores em contexto laboral, norteada por
casos reais, está sendo realizada em três Países lusófonos, Brasil, Cabo Verde e
Portugal, em busca de analisar a proposta de formação continuada norteada pelo
PFC5Cs, em países diferenciados. Os elementos epistemológicos que nortearão
o PFC5Cs são os pressupostos teóricos cunhados por Paulo Freire, os princípios
da Teoria da Flexibilidade Cognitiva desenvolvida por Spiro e colaboradores e os
fundamentos da Teoria da Complexidade proposta por Edgar Morin.
Nossa proposta tenciona colaborar com a ampliação de autonomia nas escolas
no que refere ao processo formativo de seus professores, especialmente em Cabo
Verde, país que, após sua independência em 1975, para além de vir buscando
disseminar paradigmas dominantes instalados na maioria dos programas de
formação e currículos (Barros, 2011) assim como vários outros países do mundo,
vem buscando modernizar as formas de produção de conhecimentos advindos do
período colonial, que privilegia a hegemonia como a única forma de vida possível,
como destaca Varela (2014).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O PFC5Cs é composto de quatro elementos chaves: o local de formação, o


formador, o formando e a estratégia formativa. Nesse artigo iremos discorrer acerca
das potencialidades do coordenador pedagógico como formador de professores em
contexto laboral, tendo como base da formação os casos advindos da prática.

2. FORMAÇÃO CONTINUADA COM BASE NO PROGRAMA DE


FORMAÇÃO DOS 5 CS
Atualmente a sociedade exige novas demandas para a instituição escolar e
essa característica eleva a carga das atribuições dos professores, o que provoca
um delineamento da profissão docente com alto nível de exigência, dificuldade,
complexidade e imersa em diferentes realidades. A escola de hoje é esboçada
como um local que necessita aprender a gerir diversos tipos de estratégias para
as aprendizagens no atendimento urgente das realidades sociais, e essa demanda
exige desenvolvimento de outras capacidades para os professores (Matos &
Pessoa, 2014).
Para alguns autores as ações formativas influenciam amplamente no
desenvolvimento ou manutenção das práticas educativas. Na concepção de
Loureiro (2001) a “formatação bancária da formação, aliada ao seu formato
escolar, da conta de quanto ela interessa ao indivíduo, mas não parece ser uma
necessidade da escola” (citado por Machado & Formosinho, 2009, p. 290).
Ferreira (2009) sugere que as formações continuadas em formato de escola, ou
seja, formação onde o professor recebe informações teóricas passivamente, de
maneira acrítica e sem considerar o contexto de trabalho, já estão ultrapassadas
e defende uma formação perspectivada no contexto de trabalho “em que as
práticas formativas se articulam com as situações de trabalho e os quotidianos
profissionais, organizacionais e comunitários da escola” (Ferreira, 2006, p. 329).
Flores (2010) trilha por esse mesmo caminho e aconselha que as ações
formativas, seja inicial ou continuada, precisam se organizar considerando
a realidade da escola, “colocando de lado processos e práticas de formação
dominados, em muitos casos, por modelos tradicionais, escolarizados e baseados
n’uma racionalidade técnica” (p. 5).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

García (2013) lembra que, as formações em exercício, dentre outras várias


concepções de formação, vêm tendo notável evolução em alguns países. Na
mesma linha de pensamento, Alarcão (2001) defende que os professores precisam
de formação continuada em seu local de trabalho por que é na escola onde a
realidade se mostra com toda sua complexidade.
Indo ao encontro dessa linha de pensamento, acreditamos na potencialidade
formativa dos casos que emergem cotidianamente no âmbito da escola, assim
como consideramos importante que o formador esteja em consonância com o local
da formação. Nessa perspectiva, Vasconcellos (2004) aponta que o coordenador
pedagógico é potencialmente o formador para realizar a formação dos professores
em contexto de trabalho, por conviver com as peculiaridades do cotidiano da
escola em todas as dimensões e permear por questões que envolvem o aluno, a
família e a ação docente.
A vivência e convivência do coordenador na escola o deixam diante de situações
macro e micro, que surgem das e nas complexidades inerentes ao processo de
ensino e aprendizagem, portanto, situações coletivas e particulares, consistentes e
reais, que podem subsidiá-lo em um processo formativo em contexto laboral, com
base nos casos concretos. Nóvoa (2009) acredita que “a formação de professores
ganharia muito se se organizasse, preferentemente, em torno de situações
concretas, de insucesso escolar, de problemas escolares ou de programas de acção
educativa. E se inspirasse junto dos futuros professores a mesma obstinação e
persistência que os médicos revelam na procura das melhores soluções para cada
caso” (p. 34).
Na percepção de Perrenoud (2000), trabalhar coletivamente com base em
situações problemas ressignifica o sistema de concepção do mundo do trabalho,
promove a interação com o outro, possibilita discussões enriquecedoras e o
choque das representações força cada um a rever seu pensamento e a considerar
o dos outros.
Nesse sentido, caberá ao coordenador pedagógico enquanto formador em
contexto, criar estratégias para localizar os problemas que dificultam o processo
de ensino e aprendizagem e buscar subsídios teóricos em formações continuadas,
para sistematizar e orientar a busca de solução para os problemas ao lado dos

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

professores. Os casos discutidos coletivamente convidam o profissional a sair da zona


de conforto, aguça a consciência em torno das consequências de sua ação, induz a
criticar e criticar-se; a observar se está sendo coerente com o que diz, com o que faz,
com o que se apropriou teoricamente no decorrer de sua história. É uma proposta
que requer a reforma do pensamento do professor, conforme propõe Morin (2003).
Baseado nesse referencial teórico o PFC5Cs traz em si uma proposta de formação
para coordenadores pedagógicos, que considera os casos advindos do contexto
de trabalho, com a finalidade de os tornar aptos a realizarem formação dos
professores no âmbito da escola, utilizando o referido programa. O PFC5Cs tem
como base epistemológica orientadora os pressupostos teóricos cunhados por
Paulo Freire, os princípios da Teoria da Flexibilidade Cognitiva e os fundamentos da
Teoria da Complexidade, conforme mostra o figura 1.
Figura 1 - Programa de Formação Continuada dos 5Cs

Estamos nos referindo aqui a problematização da realidade, como propõe Freire


(2005), a análise crítica, consciente, coerente que construa dinâmica colaborativa, à
luz de elementos teóricos que apontem conjuntamente para revisão e reconstrução
de saberes que desembaracem os professores de paradigmas dominantes e
possibilite que a escola desenvolva mais autonomia em busca de sua evolução.
Nesse sentido, a Teoria da Flexibilidade Cognitiva possui os referidos requisitos
teóricos para problematizar a realidade, desconstruir e (re) construir os casos

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

advindos do contexto laboral. A Teoria da Flexibilidade Cognitiva (TFC) vem


sendo pesquisada por Rand Spiro e colaboradores desde o final dos anos 80. É
uma teoria que envolve o processo de ensino, aprendizagem e representação do
conhecimento e tem bases em pressupostos construtivistas. Desenvolveu-se ao
tentar solucionar as dificuldades que os alunos de medicina apresentavam em
transferir o conhecimento para novas situações, e sua preocupação central são
os casos emergidos do contexto de trabalho e a dificuldade dos profissionais em
transferir o conhecimento para novas situações da prática (Carvalho, 2000).
A TFC tem como peculiaridade, ser uma teoria que não pode ser aplicada em
qualquer nível de conhecimento. De fato, Spiro e Jehng (citados por Pessoa, 2011)
defendem que a TFC somente é aplicável nos domínios de conhecimentos que
requer múltiplas representações, ou seja, os domínios considerados complexos e
irregulares, pouco estruturados e de nível avançado de conhecimento, que se situa
entre a fase inicial de conhecimento e a fase de especialização. Como local pouco
estruturado entende-se locais onde as situações não são uniformes e não ocorrem
de forma linear (Pessoa, 2001), o que inclui a escola como local pouco estruturado
e de nível avançado de conhecimento.
Essa perspectiva despertou o interesse de alguns pesquisadores da área
de educação e, em Portugal, o tema já vem sendo alvo de estudos acerca da
sua aplicabilidade na formação de professores. Pessoa (2008) considera que a
formação de professores realizada com base na TFC, presume “uma nova forma de
aprender e uma nova forma de ensinar” (p. 3).
Nesse sentido consideramos que, apoiar programa de formação norteado pela
TFC, possibilita construção de saberes coletivamente, de forma conscienciosa,
crítica e coerente, como demanda a complexidade que envolve o ato de ensinar
e aprender atualmente. Por outro lado, estimula o afastamento das abordagens
distanciadas da realidade e de mecanismos de memorização de conceitos.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aprender a pensar diante da incerteza e complexidade que emana da escola é
aprender a (des) construir e reconstruir saberes, é possibilitar o desenvolvimento
de outras capacidades para os professores da atualidade. Essa exigência vem sendo
feita por alguns segmentos da sociedade que demonstram desapontamento e
preocupação com a qualidade do sistema educativo, em algumas partes do mundo.
Alguns especialistas da área de formação de professores não duvidam de que,
grande parte da responsabilidade do insucesso do sistema educativo atual, está
centrada nas ações formativas, que insistem em desconsiderar as necessidades reais
da escola, ao que propõem a análise sistematizada dos casos advindos do contexto
escolar como uma nova forma de (re) construção de conhecimento, que envolve
desenvolvimento da reflexividade e flexibilidade do pensamento dos docentes.
Essa perspectiva aponta para um novo movimento em torno da proposta
de construção/reconstrução ou elaboração de conhecimento, se aproxima do
reconhecimento de que a aprendizagem é um movimento construído pelo sujeito
que aprende e se distancia do ideal de conhecimento objetivo, determinado por
ideais positivistas que dominou e compartimentalizou, por algumas décadas, o
processo de ensino e aprendizagem.
Atentando para essa demanda, estamos construindo um programa de Formação
Continuada dos 5Cs, com a finalidade de tornar os coordenadores pedagógicos
agentes ativos da formação dos professores no âmbito da escola, com base nos
casos concretos advindos do contexto escolar, tendo como apoio para desconstruir
e reconstruir os referidos casos, a Teoria da Flexibilidade Cognitiva, que tem como
principal preocupação o estudos de casos concretos.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

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Zeichner, K. (1993). A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas.
Lisboa: Educa.

46
MUSEUS VIRTUAIS DA EDUCAÇÃO: PROCESSOS
DE CONSTRUÇÃO DE PATRIMÓNIOS DIGITAIS
E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS EM PORTUGAL E
CABO VERDE

Maria João Mogarro; Maria Adriana Carvalho


Universidade de Lisboa; Universidade de Cabo Verde
mjmogarro@ie.ulisboa.pt; adriana.carvalho@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
No tempo atual temos assistido a um olhar renovado dos investigadores sobre
o património cultural da educação, privilegiando a materialidade desse património
e a inserção dos artefactos nos contextos das práticas pedagógicas onde foram
usados e reutilizados. Esta colocação dos objetos no seu contexto possibilita a
atribuição de significado ao lugar que ocuparam no universo da práxis educativa
e dos processos pedagógicos. Acompanhando uma linha de investigação que se
destacou em vários países (Espanha, Países Baixos, Brasil, etc.), foi implementado
em Portugal um projeto que teve como um dos seus produtos fundamentais
o MuVE-Museu Virtual da Educação (Instituto de Educação da UL), tendo
posteriormente sido desenvolvido um produto semelhante num projeto em Cabo
Verde. Fortemente articulados, estes dois museus virtuais pretendem constituir
uma forma de recuperação, salvaguarda e difusão do património da educação, mas
também um instrumento para o desenvolvimento de experiências pedagógicas
nas escolas. A arquitetura informática destes museus suporta a sua estruturação
interna pelos níveis de escolaridade em que assentam os sistemas educativos,
mas abrindo-se também a temáticas específicas (educação colonial, educação
feminina, imprensa). Ambos os museus se encontram on line e a sua divulgação
tem sido progressiva nos meios académicos e escolares.
Palavras-chave: Museus Virtuais; património educativo; inovação.

PATRIMÓNIO DA EDUCAÇÃO, CULTURA MATERIAL E MUSEUS


VIRTUAIS
Na última década, assistiu-se a um significativo interesse pela escola e pelo
seu passado, o que deu novos sentidos a iniciativas dos anos anteriores. Olhares
renovados foram dirigidos pelos historiadores e investigadores da história da
educação sobre o património e a materialidade da escola e vários projetos de
investigação e de intervenção têm sido desenvolvidos no âmbito destas temáticas.
Internacionalmente, este movimento de preservação e valorização do património
da educação tem vindo a ganhar uma relevância crescente nos campos científicos
da educação e da história, nomeadamente no espaço europeu (Mogarro, 2015;
Grosvenor, Braster, Pozo Andrés, 2012). Articulando linhas de investigação, neste

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

domínio, com iniciativas de grande fôlego que conferem visibilidade à história


da escola e ao património da educação em vários países, surgiram publicações
cujos autores pertencem às várias comunidades científicas dos respetivos países e
estão, simultaneamente, ligados a projetos e à criação e consolidação de museus
de educação de prestígio internacional.
Assim, surgiu em França uma obra coletiva de referência sobre o património
da educação nacional (Alexandre-Bidon, Compère & Gaulupeau, 1999), que se
articula com a ação desenvolvida pelo Musée National de l’Éducation (Rouen),
que integra o INRP – Institut National de Recherche Pédagogique. Também
no campo da história das disciplinas escolares têm sido realizados estudos
importantes (Pintassilgo, Teixeira, Beato & Dias, 2010; Pintassilgo, 2007), a par do
desenvolvimento de projetos de salvaguarda dos materiais científicos, no contexto
da articulação destes com os métodos pedagógicos. Em Espanha, as obras sobre
esta temática (Escolano, 2007; Escolano & Hernández, 2002; Ruiz Berrio, 2006)
inserem-se num movimento de investigação que também conduziu à criação de
uma rede significativa de museus pedagógicos, escolares e sobre a infância. As
comunidades científicas do Norte da Europa (Bélgica, Holanda, Grã-Bretanha, etc.)
têm vindo a desenvolver estudos sobre a materialidade da escola, articulando
esta dimensão com investigações sobre a realidade na sala de aula (a blackbox
do sistema educativo) e as práticas pedagógicas (Lawn, 2009; Lawn & Grosvenor,
2005; Depaepe, 2000; Lawn, Grosvenor & Rousmaniere, 1998). Os numerosos
endereços de museus e coleções relativas à educação e à infância, especialmente
os museus virtuais, que são indicados por diversos investigadores, revelam a ligação
da comunidade universitária com os museus de educação, que assumiram uma
importância e dimensão significativas nestes países. No panorama internacional
verifica-se assim um interesse convergente das linhas de investigação sobre
o património cultural e material da educação com a consolidação de iniciativas
museológicas dedicadas aos mesmos temas. É um movimento transnacional, cujas
semelhanças evidenciam a globalização da forma escolar e dos objetos materiais
que a configura(ra)m (Nóvoa & Schriewer, 2000).
Em Portugal este movimento tem-se vindo a afirmar. Historicamente, o
museísmo pedagógico conheceu dois momentos importantes com o Museu
Pedagógico Municipal de Lisboa (em 1883), de Francisco Adolfo Coelho, e a

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Biblioteca Museu do Ensino Primário (1933), dirigida por Adolfo Lima (Mogarro,
2003). Mais recentemente, no campo do estudo científico sobre o património
da educação, é fundamental tomar como referência um levantamento de 1996
sobre as instituições escolares do sistema de ensino não superior, abrangendo os
seus espólios arquivísticos, bibliográficos e museológicos. O trabalho foi realizado
por um grupo coordenado por António Nóvoa e conduziu à criação do Instituto
Histórico da Educação, que existiu entre 1998-2002. Era a afirmação veemente
de “uma ideia com passado”, como então foi sublinhado (Nóvoa, 1997) e que hoje
constitui uma referência para nós.
Em Portugal, registam-se numerosas iniciativas (de natureza muito diversificada)
no sentido de desenvolver estudos sobre a escola, o seu património histórico e a
sua memória (Mogarro, 2006;
Fernandes & Felgueiras, 2000). Mais recentemente, a base de dados do Ministério
da Educação sobre o Inventário on line Património Museológico da Educação
permitiu uma análise extensiva sobre as coleções das escolas, com o registo de
cada objeto museológico e seus aspetos. No entanto, torna-se necessário um
enquadramento científico sistemático e uma interpretação contextualizada,
relativamente aos objetos e em articulação com os processos educativos (Mogarro,
Gonçalves, Casimiro & Oliveira, 2010).
Em Cabo Verde, foi criado o Núcleo de Memórias na Universidade de Cabo Verde
(deliberação do Conselho da Universidade, de 27 de Dezembro de 2011), com a
missão de promover a prestação de serviços científicos e técnicos especializados
nos domínios dos Arquivos, do Património, da Museologia Educativa e da História
da Educação em Cabo Verde, bem como a recolha sistemática de informação e
de fontes documentais, escritas, icónicas e orais do património cultural cabo-
verdiano, tendo em vista a constituição de repositórios (físicos e virtuais) e de bases
de dados relevantes sobre os domínios referidos. Neste quadro, foi elaborado o
estudo multidisciplinar Memórias do Liceu da Praia (Carvalho & Gomes, 2013) e o
projeto Recuperação e Valorização da Memória Institucional da Universidade de
Cabo Verde. A salvaguarda do património museológico educativo cabo-verdiano
tem sido o foco central das atividades da ASPPEC - Associação para a Promoção do
Património Educativo e Cultural, que constituiu um Núcleo Museológico sobre o
ensino colonial, em parceria com a Universidade de Cabo Verde.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O interesse sobre o património cultural da educação insere-se nas novas


perspetivas sobre a cultura escolar e a materialidade, que olham os materiais
didáticos e os objetos de uso quotidiano como artefactos que iluminam as
inovações tecnológicas e sua aplicação às realidades educativas. Em si, estes
objetos permanecem inertes (lápis, carteiras, quadros, livros, computadores)
mas colocados nos contextos dos usos que deles fizeram professores e alunos,
passam a constituir poderosos instrumentos para iluminar as práticas pedagógicas
desenvolvidas na sala de aula e as rotinas quotidianas. É uma dimensão da vida
escolar que tem permanecido na penumbra e no silêncio, mas recentemente
afirmou-se como uma linha de investigação das mais ricas e mobilizadoras da história
da educação e da história cultural, exigindo novas abordagens metodológicas. As
novas tecnologias da informação e comunicação têm sido mobilizadas para estas
investigações, nomeadamente através da criação de museus virtuais da educação,
que permitem uma divulgação alargada deste património e a constituição de redes
que funcionam como comunidades colaborativas de investigação e de práticas.
Estes novos produtos criam um património virtual da educação, que levanta novas
questões e debates na agenda educativa.

O MUVE - MUSEU VIRTUAL DA EDUCAÇÃO, NO CONTEXTO


DO PATRIMÓNIO CULTURAL DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL
(INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA)
No âmbito deste enquadramento científico foi desenvolvido o Projeto
“Educação e Património Cultural: escolas, objetos e práticas”, financiado pela
FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia) e alojado no Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa. Este projeto teve a duração de três anos (2010-2013) e a
coordenação de Maria João Mogarro, tendo reunido uma equipa de investigadores
nacionais de várias universidades e outras instituições culturais e educativas,
assim como investigadores internacionais de reconhecido envolvimento neste
campo. O projeto assumiu como objetivo geral o estudo e promoção da escola
e do seu património cultural e pedagógico, contribuindo para a sua recuperação,
preservação e relação com as práticas profissionais e, neste sentido, propôs-se:
a) Estudar a herança cultural da educação em Portugal a partir da perspetiva da
escola, dos seus objetos e das práticas pedagógicas que enquadram a utilização

51
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

destes materiais; b) Promover a investigação sobre estes temas, analisando


a informação já disponível, criando bases de dados temáticas e produzindo
literatura científica para promover este património; c) Estabelecer uma rede de
contactos com as comunidades científicas europeias que estudam este tema, a
fim de comparar critérios, meios organizacionais e experiências; d) Estabelecer
ligações entre os recursos museológicos e as fontes arquivísticas e bibliográficas,
de forma a consolidar a conexão entre as fontes de informação de suporte variado,
as instituições escolares e sua história; e) Estabelecer ligações entre a escola e a
comunidade, usando como referência o elemento comum a ambos - a memória da
escola, da infância e da juventude, bem como os objetos materiais que convocam
essa memória.
A ligação com as comunidades científicas internacionais procura, ainda, comparar
estratégias seguidas para a preservação, valorização e promoção do património
cultural da educação, a fim de estabelecer processos equivalentes em Portugal e
Cabo Verde.
Um dos principais produtos deste projeto foi o Museu Virtual da Educação
(MUVE), concebido em articulação com o Centro de Competências em Tecnologia e
Inovação (C2TI), também do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Uma
bolseira do Projeto “Educação e Património Cultural: escolas, objetos e práticas”
esteve com dedicação quase total à concepção deste Museu, durante cerca de
um ano, enquanto os outros investigadores faziam um esforço de adequação
dos seus trabalhos a este novo tipo de Museu. Assim, desenvolveram processos
de análise e tratamento do património educativo por cada um deles trabalhado,
selecionando os artefactos que deviam integrar o MUVE e contribuindo ainda com
textos explicativos sobre esses materiais e os seus usos em contextos de práticas
pedagógicas. Este trabalho teve por base uma ficha elaborada a partir de outras
experiências e seguindo os parâmetros usados em projetos com conteúdo similar.
A estrutura do Museu Virtual da Educação (MUVE) abarca os diversos níveis
de ensino: infantil, elementar, preparatório, liceal, técnico profissional e normal,
assim como formas educativas com um carácter mais específico, como a educação
feminina ou a educação colonial. Cada uma destas secções ou núcleos organiza-se
por cinco eixos temáticos: arquitetura, espaços e atores; equipamentos e material

52
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de apoio; materiais didáticos; trabalhos escolares; e, em alguns dos núcleos, temas


diversos. Os conteúdos presentes apresentam um elevado carácter científico pois
aos objetos está, sempre que se justifica, associado um artigo, ou informação
adicional, demonstrativo das práticas e usos que enquadram esse mesmo objeto
em contexto escolar. Tem também a possibilidade de apresentar visitas virtuais,
exposições temporárias e documentação. Para aceder pode usar o link: http://
muve.ie.ul.pt

O MVECV, MUSEU VIRTUAL DA EDUCAÇÃO | CABO VERDE, NO


CONTEXTO DO PATRIMÓNIO CULTURAL E EDUCAÇÃO EM CABO
VERDE (UNIVERSIDADE DE CABO VERDE)
No âmbito das atividades do Núcleo de Memórias da Universidade de Cabo Verde
foi formulado o Projeto “Património cultural e educação: preservar materiais,
desvendar práticas, divulgar patrimónios”, financiado pela Universidade e pela
Fundação Calouste Gulbenkian. O projeto, iniciado em 2012, foi coordenado por
Maria Adriana S. Carvalho e contou com a colaboração de insignes investigadores do
Instituto de Educação, da Universidade de Lisboa, nomeadamente os Professores
Joaquim Pintassilgo, Ana Isabel Madeira, Maria João Mogarro e João Filipe Matos.
Destaca-se ainda a cooperação científica da Professora Marta Lourenço do Museu
Nacional de História Natural e da Ciência e dos técnicos do Centro de Competências
em Tecnologias e Inovação – C2TI, da mesma universidade.
O projeto assumiu como objetivo geral a valorização de um património riquíssimo
e único, pertencente ao ensino primário e aos liceus (época colonial), que
reclama ações de intervenção urgente, com vista à sua salvaguarda, preservação,
organização e divulgação. Tendo como referência a fundamentação teórica
apresentada em teses de doutoramento sobre esta problemática, o trabalho em
curso situa-se no campo de intersecção entre as contribuições epistémicas e a
pesquisa empírica. Na identificação das fontes para a história da educação em
Cabo Verde, tem sido dada uma atenção crescente aos locais de memória, à escola
como um lugar cultural e à dimensão material da cultura escolar.
Um dos produtos deste projeto foi o Museu Virtual da Educação | Cabo
Verde (MVECV), construído em articulação com o Centro de Competências

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

em Tecnologia e Inovação (C2TI), do Instituto de Educação da Universidade de


Lisboa. É nossa ambição transformar o Museu Virtual da Educação num centro
de difusão da memória da educação e do ensino em Cabo Verde. Este propósito
tem norteado a seleção, a análise e tratamento dos documentos e artefactos que
integram o MVECV, contextualizados por narrativas da sua história, usos, práticas
e representações.
Disponível nos links http://mvecv.unicv.edu.cv e http://mvecv.ie.ulisboa.pt,
o Museu Virtual apresenta-se com a missão de resgatar e valorizar a cultura
escolar cabo-verdiana, num primeiro tempo, durante a época da administração
colonial (séc. XX) e os primórdios da independência nacional. Está estruturado
por níveis de ensino: primário, liceal (Liceus da Praia e de Mindelo) e técnico-
profissional. Cada uma destas secções organiza-se em três eixos temáticos:
espaços e equipamentos; recursos didáticos e ensino-aprendizagem. O Museu
apresenta, ainda, notas biográficas de educadores, exposições temáticas e
documentos de arquivo sobre a história da educação em Cabo Verde. É um
espaço virtual – em atualização permanente – que disponibiliza o património
escolar e científico divulgado em teses, dissertações e publicações especializadas,
bem como artefactos e documentos provenientes dos espólios da Associação
para a Promoção do Património Educativo e Cultural de Cabo Verde, do Arquivo
Histórico Nacional e dos liceus e escolas históricos. A descrição dos objetos tem
por base uma ficha, segundo o modelo Dublin Core que utiliza o RDF (Resource
Description Framework). Cada objeto é descrito com informações sobre as suas
características físicas - composição, matéria, cores, técnica, dimensões, data,
etc, e com informações complementares, obtidas através de outras fontes, que
nos situam nos processos de criação, produção e utilização e nas representações
simbólicas, potenciando a contextualização numa cultura e dimensão histórica. O
acesso ao acervo museológico pode ser obtido pela designação dos documentos e
artefactos, por temas, autores, cronologia e palavras-chave.
Ainda em fase experimental, o MVECV aspira tornar-se um espaço de partilha e
de debate em torno da historiografia da educação em Cabo Verde e de confluência
de iniciativas (privadas ou institucionais) e de práticas de valorização e divulgação
do património educativo e cultural em contexto colonial e após a independência.

54
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

CONCLUSÃO
Estes dois museus virtuais da educação representam produtos significativos
de projetos de investigação que visam a salvaguarda e valorização do património
educativo, em dois países específicos unidos por uma língua e uma cultura comum,
a par de uma história partilhada. São também iniciativas representativas de um
esforço de inovação, envolvendo as comunidades académicas e os professores
das escolas e inserem-se nas correntes mais recentes destas temáticas a nível
internacional.

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56
QUE CABO-VERDIANO PARA O SÉCULO XXI?
PERSPETIVAS A PARTIR DE MANUAIS ESCOLARES

Ana Cristina Duarte Pires-Ferreira


Universidade de Cabo Verde
cristina.ferreira@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Perspetivar o africano para o século XXI implica analisar reformas na Educação
que raramente excluem o currículo. Apesar de este ser entendido como um todo
que engloba finalidades, conteúdos escolares, métodos pedagógicos, modalidades
de avaliação e de gestão das aprendizagens, o foco desta comunicação será os
manuais de leitura do ensino básico. Estes veiculam uma visão parcial da sociedade
e o perfil desejado para a criança e o jovem, enquanto futuros cidadãos. Assim,
o objetivo é, com base no exame de manuais e entrevistas a diversos atores,
aportar elementos de resposta às questões seguintes: que perfil do cabo-verdiano
é veiculado nos manuais de língua portuguesa nas reformas educativas de 1990
e de 2010? Como a orientação curricular para a abordagem por competência,
privilegiada na reforma educativa em curso, influencia a representação do cabo-
verdiano patente nos referidos manuais? Que desafios para a sociedade cabo-
verdiana estão subjacentes a essas representações veiculadas nos manuais? O que
se pode extrapolar do caso cabo-verdiano para a África?
Palavras-chave: currículo, manual escolar, Cabo Verde

INTRODUÇÃO
Perspetivar o cabo-verdiano para o século XXI demanda mudanças que
raramente excluem o currículo. Por isso, esta comunicação terá como base a
reforma curricular mais recente. Apesar desta abranger o currículo no seu todo o
que engloba finalidades, conteúdos escolares, métodos pedagógicos, modalidades
de avaliação e de gestão das aprendizagens (Békalé, 2013, p. 38), o meu foco será
nos manuais escolares de leitura utilizados no ensino básico. São privilegiados os
manuais em vigor seja novos, seja não renovados no âmbito da reforma curricular
em curso desde 2006. Com efeito, os manuais são instrumentos da implementação
da reforma que refletem, parcialmente, a realidade social, política, económica e
cultural; são historicamente contextualizados e veiculam a visão, a seleção feita
em relação ao que deve ser o perfil desejado da criança e do jovem no futuro.
O currículo, e os manuais em particular, para além de retratar o contexto nacional,
recebe também influência das políticas educativas e escolares internacionais que
veiculam padrões universais a serem difundidos na maioria dos países.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Nesse sentido, os objetivos do estudo são:


(i) Compreender as perspetivas sobre o cabo-verdiano para o século XXI patentes
nos manuais de leitura do ensino básico;
(ii) Analisar os desafios para formar o cabo-verdiano para o século XXI,
considerando a tensão existente entre as exigências da globalização e do local.

1. BREVE APRECIAÇÃO DO CONTEXTO

1.1 INTERNACIONAL
Findo o prazo para a consecução dos objetivos de desenvolvimento do Milénio,
dezembro de 2015, novas perspetivas do que se pretende para o mundo nos
próximos 15 anos desenham-se. A visão que ganha força é a de um mundo de
prosperidade, igualdade, liberdade, dignidade e paz, que demanda políticas mais
fortes de proteção social e de garantia do pleno emprego.
Cabo Verde não está alheio a esse movimento internacional em prol de uma
agenda global para o desenvolvimento após 2015, pelo que no Fórum de
Transformação do país no horizonte 2030, ocorrido em maio de 2014, o Governo
reafirmou a visão do futuro desejado: uma nação mais próspera, equitativa,
inclusiva, com igualdade de oportunidades para todos.
Concomitantemente, assiste-se à pressão internacional e nacional para que o
país aumente a sua performance económica e competitividade. Subsiste, ainda, a
injunção das organizações internacionais de ajuda ao desenvolvimento para que
haja crescimento económico baseado não tanto na exploração de recursos naturais
(modelo predominante atualmente) mas sim na industrialização, na economia de
serviços, baseada no conhecimento.
O programa de Educação para Todos, dos anos 90 e 2000, que levou à
massificação do acesso pôs a nu a grande diversidade dos que chegam à escola
o que torna complexa a tarefa de conceção do perfil do indivíduo que se
pretende. Além disso, a questão da qualidade tornou-se crucial e incontornável
no desenvolvimento sustentável dos países após-2015. Assim, o 4º objectivo
perspetivado nesse quadro é:

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

“Goal 4. Ensure inclusive and equitable quality education and promote life-long
learning opportunities for all”2.

1.2 NACIONAL
O Governo publicou, em 2010, uma nova orientação para o sistema educativo, o
decreto Lei das Bases do Sistema Educativo (DLBSE) que preconiza como finalidades
do sistema educativo (Artº 5º):
§ A formação integral e permanente do indivíduo, numa perspetiva universalista;
§ A eliminação do analfabetismo;
§ A salvaguarda da identidade cultural como suporte da consciência e dignidade
nacionais e fator estimulante do desenvolvimento harmonioso da sociedade;
§ A educação contextualizada e associado ao mundo do trabalho que prepare
cidadãos e permita a integração destes na comunidade e contribuir para o seu
constante progresso.
Os principais objetivos de política (Artº 10º) que destaco, dada a sua pertinência
para esta comunicação, são:
§ Assegurar a formação da consciência ética e cívica, do desenvolvimento de
atitudes positivas em relação ao trabalho;
§ Aprofundar o conhecimento e a afirmação da língua nacional cabo-verdiana,
enquanto primeira língua de comunicação oral, visando a sua utilização oficial
a par da língua portuguesa;
§ Assegurar a igualdade de oportunidades para ambos os sexos;
§ Proporcionar ao cidadão um equilibrado desenvolvimento físico, o reforço da
consciência e da unidade nacionais e o estímulo à preservação e à reafirmação
da identidade cultural e do património nacionais.
Decorrente desses princípios e objetivos, o Ministério da Educação e Desporto
(MED) concebeu o perfil de saída do jovem que frequenta o ensino básico
obrigatório, que foi alargado de 6 para 8 anos no DLBSE de 2010. Este perfil, que
apresento a seguir, engloba a visão do que se pretende para o cabo-verdiano no
século XXI e é orientador do desenvolvimento curricular.

2. Consultado a 21-08-2014, disponível em http://sustainabledevelopment.un.org/focussdgs.html)

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

- Comunicar de forma adequada nas línguas cabo-


verdiana e portuguesa atendendo a diferentes situações
Competências
da vida quotidiana e contextos relacionados às várias
Linguísticas/ áreas do conhecimento
comunicativas
- Utilizar pelo menos uma língua estrangeira para interagir
de forma adequada em função das situações
- Mobilizar os conhecimentos e procedimentos básicos
em matemática e nas ciências na resolução de situações-
problemas da vida quotidiana
Científico-
- Saber utilizar as TIC de maneira crítica e criteriosa
tecnológicas
- Saber agir com responsabilidade em relação a si, à
comunidade, à realidade circundante, com base em
saberes relacionados às várias áreas do conhecimento
- Saber selecionar e utilizar de forma diferentes
Aprender a
informações na construção pessoal e em grupo de
aprender
conhecimentos
- Revelar hábitos saudáveis (higiene, saúde reprodutiva,
etc.)
- Saber exercer uma cidadania construtiva e responsável
Sociais e - Saber gerir as emoções em situações de interacção e ser
Emocionais resiliente
- Demonstrar espírito de inovação e sentido de
oportunidade
- Realizar trabalho colaborativo com certa autonomia
- Saber apreciar diferentes manifestações artísticas e
Estética/artística valorizar o património cultural nacional
e de expressões - Saber expressar adequadamente no campo estético,
culturais artístico e cultural
- Demonstrar espírito criativo
Fonte: Ministério da Educação e Desporto (2012). Reforma Educativa: Documento conceptualizador
da ação no ensino não superior (adaptado pela autora)

61
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

1.3 QUESTIONAMENTOS
Face a essas constatações e considerando a temática central do Colóquio
questiono: que perfil do cabo-verdiano se pretende desenvolver para que haja
uma sociedade mais próspera, justa e inclusivas, com economia competitiva
mundialmente?
Apoiando-me na reflexão de Ki-Zerb (2006)3
“A educação deve ser considerada o coração do desenvolvimento. Hoje, isto
justifica-se tanto mais porquanto o principal investimento é o da inteligência
(…). Mais do que nunca, a educação e o desenvolvimento devem ser postos em
equação, na condição de tratar-se de uma educação adaptada. É aqui que é
necessário sair do mimetismo, da cópia pura e simples dos modelos vindos de
fora. Tal como existe hoje, a educação é uma “educação antidesenvolvimento”. A
maioria das crianças africanas recebe hoje uma educação que destrói o seu futuro
em todos os planos” (p. 156).

De forma concreta a questão é: até que ponto, os manuais de língua portuguesa


do ensino básico permitem compreender se se pretende formar um cabo-verdiano
com independência cultural, criativo e que se move sem problemas numa sociedade
aberta e multicultural? Para responder a esta questão apoio-me numa outra: que
representações da criança, da sociedade e do futuro estão inseridas nos manuais
de língua portuguesa no ensino básico cabo-verdiano?
Além disso, sabendo que a reforma curricular recente introduziu uma nova
abordagem pedagógica, abordagem por competências (ApC), questiono a
influência que esta terá no perfil do cabo-verdiano veiculado pelos manuais de
língua portuguesa do ensino básico.

2. CONCEITOS ESSENCIAIS E NOTAS METODOLÓGICAS


Para um melhor entendimento do trabalho de investigação apresento de forma
breve, noções que considero essenciais no mesmo.
O manual escolar pode ser entendido como um organizador do conhecimento a
ser usado pela criança, que traduz uma visão da organização social que o produz

3. René Holenstein (2006). “Para quando África?”Entrevista de René Holenstein. Campo das Letras

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

e do mundo (BrugeillesetCromercit par Békalé, p. 46). O manual “não é tanto o


reflexo que o ordenamento da representação da realidade social legitimada e por
isso os modelos de comportamentos sociais, contribuindo para a elaboração das
identidades individuais e coletivas” (BrugeillesetCromercit par Békalé, p. 46).
Concordo com Mollo (1978) que a escola através, nomeadamente dos manuais,
forma uma identidade social específica ao transmitir um conjunto de valores,
modelos com os quais as crianças devem identificar-se. Esses modelos bem como “a
adoção de uma linha educativa dependem da representação da criança que se faz
no momento em que se aplica, assim como do seu devir…” (De Lauwe, 1965, p. 236).
Quadro nº 1: Manuais de língua portuguesa para o ensino básico por ano e situação

Manual- Ano de
Ano de entrada Situação
Escolaridade em vigor
1º ano 2013 Novo e generalizado
2º ano 2013 Novo e generalizado
3º ano Ainda não reformado, perspetiva-se novo em 2014-
15
4º Ainda não reformado, perspetiva-se novo em 2015-
16
5º Ainda não reformado, perspetiva-se novo em 2014-
15
6º Ainda não reformado, perspetiva-se novo em 2015-
16
7º 2011 Reformado, versão experimental
8º 2012 Reformado, versão experimental

A escolha dos manuais de língua portuguesa do ensino básico deve-se ao fato


desta ser disciplina obrigatória de base. Acresce-se que a língua portuguesa é a
que possui maior carga horária de ensino-aprendizagem, sendo portanto.
Face à diversidade, de manuais e sendo o estudo necessariamente limitado
no tempo e no seu campo de análise, optei por focar a atenção nos textos mais
elaborados dos manuais dos anos iniciais (1º e 2º ano), intermédio (4º ano) e

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

terminais (7º e 8º anos). Estes textos permitem captar melhor as diferentes


representações e a ideologia veiculada. Também privilegiei os manuais novos
introduzidos com a reforma curricular. Por conseguinte, o corpus texto foi retirado
de 5 manuais em vigor e é constituído por 167 textos assim distribuídos:
Quadro nº 2: Apresentação sintética do corpus de textos
Ano Ano Unidades Textos em Imagens
Título do manual
esc Edição Temáticas análise em análise
Língua Portuguesa (LP1) 1º 2013 8 22 23
Língua Portuguesa (versão 2º 2011 8 33 23
experimental) (LP2)
Língua Portuguesa (versão 7º 2011 3 31 12
experimental) (LP7)
Língua Portuguesa (versão 8º 2012 10 47 27
experimental) (LP8)
Língua Portuguesa (LP4) 4º 1994 0 34 32
Total Geral 167 117

O exame do conteúdo dos manuais foi efetuado com base numa grelha de
leitura que permite desenvolver uma análise temática e por categorias. Estas e
as subcategorias utilizadas foram inspiradas das análises realizadas por diversos
autores (Mollo, 1965, 1970; Chombart de Lauwe, 1965; Dandurand, 1972;
Rosenberg, 1976) sobre manuais escolares e literatura infantil franceses. A grelha
engloba as categorias seguintes: Escola (relações e valores), Família (relações e
valores), Personagens (imagem da Criança e do Adulto e dos contextos em que se
encontram), Cidadania e valores políticos, morais e sociais, Contexto geográfico,
cultural e histórico nacional e estrangeiro.
Levei também em consideração as ilustrações não para efetuar uma análise
aprofundada das mesmas, mas para identificar os elementos figurativos e perceber
se eram simples complementos do texto ou se reforçavam a mensagem veiculada.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

4. A REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE E DO CIDADÃO E AS


PERSPETIVAS DE FUTURO

4.1 OS CONTEXTOS
Identificando os espaços geográficos representados nos manuais, constatei que
nos 46 textos em que podem ser claramente identificados), o nacional prevalece
(31 textos). O manual LP4, de 1994, é particular porque não foi possível identificar
nele contextos estrangeiros ainda que contenha 2 textos de autores africanos.

4.1.1 NACIONAL
Tanto o urbano como o rural são, igualmente, evocados nos textos enquanto o
mar está muito pouco presente, a não ser nos raros textos que se referem a viagem
inter-ilhas (ir ao Fogo, a Brava), à antiga pesca da baleia, e ainda nas imagens desse
elemento nos manuais mais recentes (LP7). As referências ao contexto urbano
destacam Mindelo, considerada a mais cosmopolita, Assomada (1994), um misto de
urbano e rural e omitem a capital do país, Praia. Será uma intenção de descentrar?
Noto pois, uma tendência crescente à representação do país como sendo
urbano o que vai ao encontro da realidade atual e das projeções futuras em que
a população nas cidades predominará (mais de 50% em Cabo Verde). Coloca-se o
desafio de, no futuro, valorizar o contexto rural sobretudo para as crianças que
nele vivem e de reforçar a mensagem de proteção do ambiente, sabendo que a
sustentabilidade ambiental é um valor essencial para o futuro. Ora, privilegiando
um ambiente urbanizado e continuando a veicular uma imagem idílica do mundo
rural pergunto até que ponto a escola estará a inculcar o princípio de preservação
do ambiente? Apenas dois textos (LP7 e LP8) referem-se a essa problemática mas
de forma vaga.
Além do espaço geográfico, o contexto nacional é revelado nos textos que
abordam aspetos da cultura cabo-verdiana, nomeadamente as manifestações
culturais (música, artesanato, etc.), os usos, costumes (festejar São João) e crenças
(contos tradicionais). Nota-se uma simplificação e uma seleção no que se apresenta
às crianças da cultura cabo-verdiana em que se mistura o pagão e o religioso, o
africano e o europeu: todos os manuais incluem textos relativos ao Natal; quase
todos referem-se ao Carnaval e ao Festival de Baía das Gatas (S. Vicente).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Contudo, à semelhança do que aconteceu em 1976, há uma mensagem de


identificação com a cultura nacional que é forte, pois os manuais LP1 e LP1 incluem
textos de canções, poemas em língua cabo-verdiana que relatam a realidade
quotidiana. A primeira unidade do manual LP1 apresenta alguns exercícios
que apelam ao uso (falado e escrito) da língua materna das crianças. Apesar da
comunicação em língua materna ser um dos elementos da política educativa
explanada na Lei de Bases do Sistema Educativo de 2010, a sua utilização ainda não
está sistematizada.
Posso inferir que este fenómeno constatado nos manuais recentes evoca a
perspetiva de futuro que o cabo-verdiano deve poder navegar desde cedo entre as
diferentes línguas materna e as de comunicação com o mundo.

4.1.2 ESTRANGEIRO
Para além do contexto nacional, os manuais referem-se a espaços geográficos
estrangeiros sendo o continente africano privilegiado. Contudo, este é apresentado
através de contos e lendas (privilegiam a savana, os animais) que não permitem ao
cabo-verdiano ter uma noção real desse espaço, nem mesmo dos países africanos
de língua portuguesa. As ilustrações, tão pouco retratam a vida nos países
africanos, estes são representados pelo mapa do continente, à exceção a duas
ilustrações em que figura Nelson Mandela.
O contexto europeu é veiculado através de contos clássicos, nomeadamente,
“A aventura de Gulliver, o rapto de Helena”, relatos de vida, “Diário de Anne
FranK” que deixam entender que se procura divulgar uma cultura universal
seguindo mais as orientações pedagógicas dos manuais (ensino e aprendizagem
de diferentes tipos de textos) do que poderiam ser necessidades das crianças e
jovens cabo-verdianos.
Enfim, infere-se um certo distanciamento da Africa, um aproximar da realidade
nacional e demarcação da sua especificidade cultural através dos textos em crioulo
e, ao mesmo tempo, uma intenção de abertura para o mundo (Africano e Europeu)
sobretudo, através do imaginário (contos).O desafio inerente a essa perspetiva é
de ultrapassar as tensões ideológicas.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

4.2 CIDADANIA E OS VALORES POLÍTICOS, MORAIS E SOCIAIS


Notei nos manuais em vigor, inclusive o de 1994, que os textos de moral explícita
tendem a desaparecer (acontece desde 1986) o que revela, de acordo com
Dandurand (1972), “uma neutralidade moral cada vez mais afirmada do conteúdo
do livro de leitura” (p. 200) mas não se trata de “uma evolução em direção à
amoralidade dos livros de leitura mas de uma presença menor e mais escondida
do ensino moral” (Op. Cit.).
No corpus de textos utilizado identifiquei aspetos referentes à moral e à cidadania
em cerca de 44 dos mesmos, sendo de notar que nos excertos de contos, lendas os
foi mais fácil identificar valores morais. Constitui três subcategorias, de normas e
comportamentos, valores universais e outros. A primeira inclui uma boa parte dos
valores extraídos das unidades de registo (textos e frases) e que se identificam, por
ordem de frequência (maior para menor) em que aparecem, como sendo: combate
à arrogância, à ganância; humildade, sacrifício pelos outros (referente às mulheres,
às mães) e disciplina.
Os textos dos manuais recentes veiculam de forma explícita e implícita uma
perspetiva de cidadania, quando se referem ao exercício de direitos e deveres,
nomeadamente o conhecimento dos símbolos nacionais, o hino nacional e
bandeira, reproduzidos no LP1 e LP2; o respeito das instituições públicas (texto de
apresentação de cumprimentos ao Presidente da República- LP2); o respeito de
regras de convivência na turma; os direitos e os deveres dos alunos. Um dos textos
compara o governo da escola ao de um país (LP8, pp 14-15):
“Disse que a escola era como um país. E era. Tinha regras que se cumpriam e
outras que não se cumpriam (….) É o país do Ontem, do Hoje e do Amanhã, onde
os professores apelam incessantemente às fontes de paciência, em nome dos
meninos que eles foram, e onde semeiam, sem saber se o joio vencerá o trigo ou
se a colheita será farta ou não (…)”.
Além do acima referido, uma boa parte dos textos faz a defesa, a promoção e
a exaltação da Paz, da Igualdade e da Liberdade. O amor à Pátria é também um
aspeto veiculado. A Paz e a Liberdade é personificada não só por figura nacional
sobejamente conhecida, Amílcar Cabral mas também por figuras internacionais

67
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

como Nelson Mandela, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King. Reconheço
que a inserção desses tipos de textos nos manuais (LP7 e LP8) remete para o
2º estádio do processo de socialização política4 das crianças, “personificação”
definida por Easton e Denis (1978) como a conceção da vida política enquanto
ação de algumas personalidades.
Para além disso, constata-se que os autores dos manuais procuram de forma
explícita a sensibilização política com a inclusão de textos que evocam a participação
na discussão de problemas, de questões que afetam o país, como por exemplo, a
notícia sobre o 6º parlamento infanto-juvenil (LP8, p. 66), a comemoração do dia
da Mulher cabo-verdiana (LP8, pp. 79-80) ou ainda o texto de uma criança sobre o
dia da independência (LP4, p.57).
Enfim, considero ser também elemento importante dessa socialização política a
inserção de diversos textos de promoção da igualdade, da inclusão e de rejeição à
discriminação por causa da diferença (cor da pele, de cultura, género e deficiência).
A título de exemplo:
“(…) E daí? Qual a importância tem isso? Homem ou mulher, onde está a
diferença? Eu… posso ser cosmonauta, se quiser está bem? A mãe, por exemplo,
trabalha com computadores (…) (LP4, 24)
“Quando chegaram, a mãe levou-a à sala de aula. Elas cumprimentaram os
colegas através de gestos, pois a Cláudia era surda. As crianças da turma ficaram
admiradas e curiosas e disseram: queremos aprender a linguagem gestual para
podermos comunicar com a Cláudia”. (LP2, p. 59).
A partir dessas informações entendo que os valores de inclusão, de equidades
associadas ao civismo, à cidadania são elementos caros à perspetiva de formação
do cabo-verdiano no século. Contudo, a inculcação desses valores não está isento
de tensões entre estes e as perspetivas tradicionalistas do papel do homem, da
mulher e da criança na sociedade africana; tensão entre a manutenção de uma
certa ordem política e o seu questionamento através das mensagens difundidas
nos manuais.

4. Esse processo integra segundo o autor os seguintes estádios: politização (sensibilização à existência
do político, personificação (ação política de algumas entidades), idealização (afetação do poder de um
sinal positivo ou negativo) e a institucionalização (política como uma estrutura de poder).

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Desafio ainda de levar as crianças a não adotarem uma atitude de perfeita


neutralidade face à política no país e de se formarem enquanto cidadãos ativos.

4.3 PERSONAGENS
4.3.1 A CRIANÇA E OS CONTEXTOS EM QUE SE ENCONTRA
Em síntese, parece que se perspetiva uma identidade plural, cosmopolita e de
certa forma aberta. Esta afirmação baseia-se no destaque concedido ao contexto
escolar, no modelo de família apresentado em que se nota uma tensão entre
europeísmos e africanidades, entre o local e o global. Tensão que se encontra
também a nível dos discursos políticos sobre a educação que assigna à escola as
funções de reforço da identidade nacional e de promoção de valores universais
(LBSE, 2010). Na realidade a confrontação África/Europa assume em Cabo Verde
diversas nuances que dependem da conjuntura e das elites políticas e administrativas
no poder (Moniz, 2009). Com efeito, em 1986, fez-se uma “limpeza” da África nos
manuais (Pires-Ferreira, 1994, Spínola, 2008), que persiste em 1994, enquanto se
valoriza o nacional, o estilo europeu. Nos manuais recentes procura-se “resgatar”
a África mas numa outra perspetiva, não a de luta pela independência e reforçar
o nacional, o quotidiano próximo das crianças. Em relação a este último aspeto
patenteia-se a influência da opção curricular da abordagem por competências,
importada das organizações internacionais, que preconiza a inserção da criança
em situações significativas para ela e próximas da sua realidade.

4.3.2 O ADULTO E OS CONTEXTOS EM QUE SE ENCONTRA


A mensagem implícita nos parece ser de reconhecimento da mulher enquanto
base essencial de sustentação da sociedade cabo-verdiana como acontece em
diversos outros países africanos, sendo o desafio de encontrar um maior equilíbrio
entre o papel dos homens e das mulheres no desenvolvimento. Com efeito, como
se irá notar na secção sobre os valores, o combate à discriminação das mulheres
(suas capacidades e ocupações) é uma “causa” veiculada em todos os manuais
desde 1994.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo o Estado cabo-verdiano (Ministério da Educação) detentor o monopólio
da edição de manuais e que são por ele financiados depreende-se que que a
mensagem ideológica é tanto explícita como implícita. Assim, a representação da
sociedade privilegiada nos manuais recentes, em uso segue os preceitos de coesão
social, de sociedade inclusiva, de modernização das instituições (sendo a escola
uma delas), de participação social patentes na política governamental.
Com efeito, a sociedade representada tende a urbanizar-se, a ser mais
equitativa na distribuição dos papéis dos homens e das mulheres na sociedade,
com particular destaque à micro-sociedade que é a família. No entanto, não são
descurados os problemas sociais associados a conflitos na família, à degradação
ambiental. Os manuais procuram valorizar a cultura, o património nacional, não na
sua diversidade mas sim no uso da língua cabo-verdiana e no que parece constituir
a imagem dominante no exterior do país, a música (representada pelos festivais
musicais e pelas letras das canções reproduzidas) e o Carnaval.
Ainda que o Estado cabo-verdiano tenha assumido a orientação curricular de
desenvolvimento de competências, que traz a esperança de uma nova sociedade
porque « facilita a aprendizagem pela resolução de problemas e tomada de decisões
autónomas, coloca em perspetiva uma geração mais proactiva e empreendedora » (,
dirigente do Ministério da Educação) as imagens veiculadas tanto da criança e como
do adulto, pouco ou nada têm a ver com a pro-actividade, com o empreendedorismo.
Não existe consenso no seio dos docentes relativamente aos manuais, pois enquanto
alguns reconheçam que estimulam os alunos a serem mais participativas outros os
consideram demasiado complexos para a faixa etária das crianças.
Assim, concordo com Perrenoud que a escola deve melhor preparar para a vida,
para as transformações no mundo, pelo que o currículo de forma geral e o manual
escolar em particular, para além de colocarem a criança, o jovem perante situações
do seu quotidiano, não podem descurar as influências da globalização.

70
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

REFERÊNCIAS
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Sociologie, III, pp. 193-212.
De Lauwe, M.-J. (1965). Convergences et divergences des modèles d’enfants dans
les manuels scolaires et dans la littérature enfantine. Psychologie française,
pp. 236-244.
Forquin, J.-C. (2008). Sociologie du curriculum. Rennes : Presses universitaires de
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Mollo, S. (1970). L’école dans la société. Paris: Dunod.
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Science Politique, XXIV, pp. 33-54.
Perrenoud, P. (1999). Construir as competências desde a escola. Porto Alegre:
Artmed.
Pires-Ferreira, A.-C. (1994). Identité sociale et manuels scolaires: cas du Cap Vert.
Dijon: Université de Bourgogne (Mémoire de Maîtrise non publiée).
Spinola, C. (2008). A identidade pósnacional no caboverdiano: uma questão da
Educação. Porto: Universidade do Porto (Tése não publicada).

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UM CONTRIBUTO PARA A CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO SOBRE O ENSINO ONLINE NA
UNICV

Maria Luísa Inocêncio


Universidade de Cabo Verde
luisa.inocencio@docente.unicv.edu.cv
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RESUMO
A problemática de avaliação em contextos de formação online envolvendo
práticas de e-learning mostram o renovado interesse pela educação a distância,
impulsionado pelo reconhecimento do contributo das tecnologias de informação e
comunicação na Educação.
Na Uni-CV, os modelos de formação online de professores suportados pela
plataforma Moodle têm sido, nos últimos anos, objeto de análise atenta e de
reflexão científica.
Com esta comunicação, pretende-se, por um lado, trazer para reflexão um
conjunto de situações problemáticas relacionadas com a qualidade do percurso
formativo dos participantes do Curso de Complemento Pedagógico de Licenciatura
e, por outro lado, contribuir para esclarecida tomada de decisões, fundamentada
em evidências científicas.
Desenvolveu-se um estudo exploratório e descritivo de natureza qualitativa,
que se assenta em princípios de construção colaborativa do conhecimento. Como
instrumento de recolha de dados utilizou-se a entrevista online por questionário
administrada a uma amostra constituída por dezanove inquiridos, dos quais 8
docentes e 11 formandos, os resultados obtidos mostram que as potencialidades
oferecidas pelas TIC favorecem a expansão da oferta formativa na modalidade
e-learning, a qual necessita forçosamente de acompanhamento contínuo,
ajustamento e aperfeiçoamento.
São apontadas algumas limitações deste estudo e definidas perspetivas de
investigação.
Palavras-chave: modelos de formação de professores, plataforma Moodle,
experiência-piloto

INTRODUÇÃO
Com o advento da Internet de banda larga tonou-se possível a implementação de
práticas de formação suportadas por plataformas de e-learning, proporcionando à
educação e formação novas oportunidades para a renovação de teorias e práticas
pedagógicas. Estas tecnologias tendem a ajustar-se melhor a contextos promotores

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de aprendizagens online, devido ao facto de terem subjacentes abordagens


metodológicas socio-construtivistas e colaborativas. Ou seja, a sua adaptabilidade
aos princípios de aprendizagem ativa e aos referenciais teóricos orientados para
uma prática pedagógica promotora do pensamento crítico permite-lhes essa
facilidade (Santos & Jorge, 2013).
Assiste-se, nos últimos anos, a uma integração progressiva das TICE (Tecnologias
de Informação e Comunicação em Educação) nos processos educativos,
implicando por um lado, que as universidades a dotem medidas em prol da
adequação e modernização dos processos formativos, por outro, permitem-nas
avaliar a sua prática, com vista à tomada de decisões consitentes e à introdução
de medidas corretivas.
Perante esses novos desafios, e associados a uma integração progressiva das
TICE (Tecnologias de Informação e Comunicação em Educação) nos processos
educativos, abrem-se espaços a novos contextos educativos, nomeadamente, o
e-learning (Monteiro, 2012). Este novo paradigma de ensino a distância, como
refere Gomes (2004), consistemum novo cenário de utilização das TIC que vem
ganhando adeptos nos domínios do ensino e da formação.
Não obstante o reconhecimento das enormes potencialidades e virtualidades
tecnológicas e pedagógicas do e-learning, as plataformas que o suportem, por vezes,
são usadas como meros repositórios de informação, onde os estudantes limitam-
se a consumir a informação e os recursos didáticos que lhes são disponibilizados
pelos docentes. Esta forma passiva de consumo de informação, quando praticada
em regime de exclusividade, disvirtua o verdadeiro potencial dos sistemas de gestão
de aprendizagem, potenciando experiências de aprendizagem em pobrecidas,
em detrimento de “modelos de aprendizagem que incorporem processos de
desconstrução e promovam “verdadeiros” ambientes de aprendizagem (idem, p. 24).
Curiosamente, apesar de continuar a subsistir o uso preferencial e instrumental
dos dispositivos tecnológicos, numa perspetiva de reprodução do modelo
tradicional, em contraposição como tecnologia capaz de proporcionar uma efetiva
aprendizagem, a plataforma Moodle tende a ganhar preferência das instituições
de formação, tendo em conta o reconhecimento do seu potencial de comunicação
e interação por vários segmentos e categorias de profissionais.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Em Cabo Verde, as plataformas de gestão de aprendizagem são ainda pouco


utilizadas no contexto educativo, sendo ainda escassos os estudos que deem conta
de práticas bem sucedidas da sua utilização. Este estudo, que se destinou a formação
de professores do ensino secundário e desenvolvido completamente on-line, revela-
se de extrema relevância, na medida em que permite conhecer resultados alcançados
com o 1º Curso de e-learning, realizado no ano letivo 2013-2014, na Uni-CV, o que
abre a possibilidade de renovação desta experiência em novos moldes.
Pretende-se que este trabalho de investigação possa contribuir, por um lado,
para subsidiar decisões e ações na promoção de alterações e mudanças na melhoria
de organização de ações de formação suportadas no Moodle e, por outro, lançar
bases para a construção do modelo tecno-pedagógico de cursos online na Uni-CV,
identificando os fatores que condicionaram o processo.

1.ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.1. PLATAFORMA MOODLE - O DESAFIO DA AVALIAÇÃO


Assiste-se atualmente a um renovado interesse pela formação de professores
online, decorrente da ampla disseminação e da dinâmica de utilização das TIC na
educação. As práticas de ensino e formação apoiadas na Web surgem, como uma
opção cada vez mais privilegiada pela comunidade educativa, tendo em conta a
flexibilidade temporal e espacial com que permitem o acesso a recursos e conteúdos
pedagógicos e a interação entre formadores-formandos e estrs entres si.
Gomes (2009) assinala que as novas abordagens da EaD estão frequentemente
associadas aos ambientes online, os quais tendem a mobilizar expetativas e exigem
o envolvimento e colaboração de todos os intervenientes do processo. Desta
colaboração dependerá a renovação de práticas que, para serem credíveis devem
ser objeto de permanente acompanhamento e de avaliação.
Nesta linha de pensamento, Silva, Gomes & Silva (2006), citados em Gomes,
(2009), entendem que para que as inovações no modus operandis das instituições
de formação tenham impacto e sejam importantes elementos de renovação devem
ser perpassados e subsidiados por processos de permanente monitorização, desde
a sua conceção, passando pela organização, desenvolvimento e finalização.

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A introdução no processo educativo de novos recursos tecnológicos, de que é


exemplo a plataforma Moodle – Ambiente de Aprendizagem Dinâmico, Modular
e Orientado a Objetos –, tende a constituir uma opção relevante, no contexto
da globalização. Reconhecidamente dotada com potencialidades no que toca à
mediatização dos conteúdos e de comunicação entre formandores/formandos e
estes entre si, e largamente utilizada na gestão de cursos por escolas, universidades,
empresas e, até individualmente por professores para desenvolver em atividades
de aprendizagem, a plataforma Moodle representaum privilegiado instrumento de
gestão de curso.
Também designado por Sistema Virtual de Aprendizagem (AVA), o Moodle,
alicerça-se em princípios pedagógicos e o construtivismo social, teoria de
aprendizagem com forte impacto numa efetiva e significativa aprendizagem,
dada ao facto de as ferramentas que incorpora possibilitar em uma aprendizagem
colaborativa (Vilela, 2012). Usado por 67 mil entidades, dispersas por 216
países, o Moodle, como refere Pereira (2007) tem angariado muitos adeptos
nos investigadores educacionais, os quais assumem que a investigação deve
valorizar os significados, as perceções, os pontos de vista e intenções dos seus
intervenientes. Sendo estes adeptos sujeitos humanos, com capacidade crítica e,
não, meros contempladores passivos do mundo material, as suas perceções devem
constituir pontos de referências relevantes nos processo de formação.
Ao permitir conciliar simultaneamente tanto a auto-formação como a
aprendizagem colaborativa, a educação baseada em ambientes como o Moodle
apresenta-se, na opinião de Garrison e Anderson (2000), citados por Santos e Jorge
(2013), como o caminho a seguir, cabendo à pedagogia tirar partido das inovações
tecnológicas que se lhe colocam.
No mesmo sentido vão as palavras de Pereira (2007) que exorta para a
necessidade de se adotar práticas cujos desenhos instrucionais da ação formativa
estejam assentes numa base epistemológica socio-construtivista.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2. METODOLOGIA

2.1. TIPO DE ESTUDO QUANTO AO MODO DE ABORDAGEM


O estudo, de natureza qualitativa, infatiza « o modo como as pessoas
interpretam e dão sentido às suas experiências e ao mundo em que elas vivem
» (Vilelas, 2009, 105). Baseia-se no pressuposto apresentado por Gomes (2009,
p.129) sobre a importância de avaliação de programas e práticas de formação
a distância, defendendo, juntamente com os outros autores que « (…) qualquer
inovação só poderá ter impacto e generalização almejados se for devidamente
avaliada (…) ». Outrossim, este estudo assenta na ideia de que os ambientes
e-learning possibilitam novas formas de ensinar e aprender (Moreira, Pedro e
Santos, 2009; Coll, Mauri e Onrubia, 2006) e no pressuposto de que a concepção
sócio-construtivista de ensino e aprendizagem melhora o potencial dos ambientes
e-learning para multiplicar, em contextos exteriores à formação, o aprendido na
formação (Dias, 2009).
O presente estudo tem como objetivo geral contribuir para o aprofundamento do
conhecimento sobre as teorias e práticas de formação na Uni-CV, bem como produzir
pistas que potenciem tomadas decisões fundamentadas em evidências científicas.

2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Este estudo tem como objetivos: interpretar as perceções/representações
dos formandos e dos formadores sobre o seu grau de satisfação em relação ao
curso; identificar os fatores que condicionaram o processo de aprendizagem
dos formandos; e enunciar estratégias de intervenção tendentes a reduzir as
dificuldades identificadas.

2.2. INSTRUMENTAÇÃO
Administraram-se dois questionários on-line, sendo um aos estudantes e, outro,
aos docentes. Concebidos coma ajuda do software Survey Monkey, tinham como
objetivo conhecer o grau de satisfação dos alunos em relação ao desempenho
dos docentes, e vice-versa. As respostas dos inquiridos foram encaminhadas
para uma base de dados digital, evitando a sua manipulação, e garantindo um

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maior rigor e fiabilidade dos dados. Utilizou-se o Excel para se fazer o respetivo
tratamento estatístico.

2.3. PARTICIPANTES
Onze estudantes participaram no inquérito, dos quais 10 responderam às
questões, sendo 8 do género feminino, e 2 do género masculino. Cinco têm a idade
compreendida entre 30 e 40 anos, três entre 40 e 50 anos, dois não indicaram a
sua idade. Evidencia-se uma clara predominância da faixa etária entre 30-40. Dos 10
respondentes, 6 afirmam ser professores, 2 não exercem funções docentes e 2 não
responderam a esta questão. Quanto ao nível de escolaridade e ao tempo de serviço,
as respostas dos entrevistados encontram-se resumidas no Quadro1, infra:
Quadro 1 –Habilitações académicas/tempo de serviço

Habilitações académicas Tempo/anos de serviço


Pós-graduado em Engenharia Mecânica 20
Licenciada em Estudos Lusófonos área 9
Desenvolvimento e Cooperação
Mestrado 5
Licenciatura 12
Licenciatura em Gestão de Empresa 10
Mestrado 7
Licenciatura em Gestão 10
Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas 2
Licenciatura 10

Os dados mostram os professores são de áreas disciplinares e níveis de graduação


diferenciados.

3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


As dimensões avaliadas referem-se acada uma das 8 unidades curriculares (UC),
incidindo a avaliação sobre cada tópico dos questionários:(i) adequabilidade das
metodologias utilizadas pelo e-formador; (ii) capacidade do formador em linha
em responderem tempo útil às solicitações dos formandos; (iii) dificuldades

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defrontadas pelos e-formandos na aquisição das aprendizagens; (iv) utilidade dos


recursos disponibilizados na plataforma; e o (v) grau de aquisição das aprendizagens.
Quadro 2 – Unidades Curriculares

Nº Semestre 1 Nº Semestre 2
1. Psicologia da Educação - (PE) 5. Teoria e Prática de Avaliação em
Educação (TPAI)
2. Sociologia da Educação - (SE) 6. Paradigmas e Práticas de
investigação
em Educação (PPIE)
3. Didática Específica 1 - (DE1) 7. Didática Específica 2– (DE2)
4. Teoria do Desenvolvimento 8. Planificação e Gestão Escolar –
Curricular – (TDC) (PGE)

Começa-se por apresentar e discutir os resultados das perceções dos estudantes


e, de seguida far-se-à uma síntese dos resultados das perceções dos docentes:

3.1. PERSPETIVAS DO E-FORMANDO

1. ADEQUAÇÃO DAS METODOLOGIAS UTILIZADAS


De entre as oito UC em estudo a de PPIE foi considerada a que utilizou melhores
metodologias, ocupando o 1º lugar de preferência (Excelente), seguindo-se-lhe a
de PE que ocupam 2º lugar, com a classificação de Muito Bom. O 3º lugar coube às
UC de TDC, SE, DE1, DE2 e TPAE, com a classificação de Bom. O 4º e último lugar
coube a AGE, com a classificação de Razoável.

3.2. CAPACIDADE RESPOSTA DO FORMADOR


Relativamente à capacidade do e-formador reagir, em tempo útil, às solicitações
dos estudantes, as UC de PPIE e PE continuam a ter a preferência dos inquiridos,
Excelente e Muito Bom, respetivamente. As UC de TPDC, SE, DE1, DE2 e TPAE
receberam a classificação de Bom e a AGE, de Razoável.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3.3. DIFICULDADES DEFRONTADAS


Os estudantes não se defrontaram com quaisquer dificuldades nas UC de PPIE e
de PE, ao passo que em TDC, SE, DE1, DE2 e TPAE, os estudantes defrontaram-se
com poucas dificuldades. Na UC de AGE, as dificuldades foram muitas.

3.4. UTILIDADE DOS RECURSOS DISPONIBILIZADOS


Na UC de PPIE a utilidade dos recursos é considerada Excelente, enquanto nas
UC de PE e de TDC os recursos foram considerados de Muita Boa utilidade. Nas
restantes unidades curriculares (SE, DE1, DE2 e TPAE e AGE) classificou-se de Bom
a utilidade dos recursos disponibilizados.

3.5. DOMÍNIO DAS APRENDIZAGENS


Neste item, a UC de PPIE volta ali de rara preferência dos entrevista dos que
consideram de Excelente o nível das aprendizagens adquiridas nesta UC, seguindo-
se-lhe as de PE, TDC, DE1, DE2, cujas aprendizagens adquiridas foram classificadas
de Muito Bom. Nas UC de SE, TPAE e AGE, o domínio das aprendizagens foi
considerada de Bom.
A título de consideração finais, dir-se-ia que as UC de PPIE e PE foram as eleitas
como de maior preferência dos entrevistados, sendo este reconhecimento é um
indicador do recurso à abordagem socio-construtivista, que concebe o formando
como principal protagonista do processo de ensino-aprendizagem.
A análise das questões abertas, interpela às estruturas de decisão da Uni-CV,
para a necessidade de medidas que conduzam à melhoria a qualidade do CCPL.

4. PERSPETIVA DOS DOCENTES


A análise da perspetiva do docente incidiu sobre aspetos como: (i) fatores que
contribuíram para o sucesso da UC; (ii) fragilidades encontradas; (iii) estratégias
adotadas na remoção das dificuldades; nível de motivação em relação ao próprio e
em relação ao formando, entre outros.
Não obstante os contrangimentos, os docentes avaliaram em Bom e Muito Bom
o curso, conforme Quadro 3, abaixo.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Quadro 3- Avaliação do CCPL

Classificação Nº respondentes
Bom 4
Muito Bom 2
(em branco) 1
Total geral 7

Atendendo as análises dos resultados obtidos, produziram-se as seguintes


conclusões.

4.1. CONSIDERAÇÕES FINAIS


As potencialidades oferecidas pelas TIC e, concretamente pela plataforma
Moodle, têm tido uma papel relevante na expansão da oferta formativa da Uni-CV,
o que proporciona aos professores oportunidades de frequentarem cursos, sem
restrições de horários.
O recurso a práticas de e-learning necessita forçosamente de acompanhamento
e avaliação contínuos.
Da análise dos resultados ressalta-se que tanto os estudantes como os formadores
valorizam as aprendizagens construídas numa perspetiva socio-construtivista,
fundamentada na interação e diálogo bidirecional e multidirecional, e não na mera
disponibilização de conteúdos para a estudo autónomo dos alunos. Este facto
alerta para a necessidade de utilização plena das potencialidades do Moodle.
Os resultados evidenciaram insuficiências organizativas (articulação entre
estruturas), tecnológicas (acesso à Internet de banda larga), legislativas (ausência
de instrumentos orientadores) e pedagógicas (insuficiente interação, falta de
feedback em tempo útil; insuficientes orientações para o estudo autónomo dos
estudantes). Face a este quadro, desaconselha-se a oferta de cursos do campus
virtual, enquanto a Uni- CV não assegurar as condições necessárias, identificadas
pelos entrevistados. Os docentes entendem ser física e psicologicamente inviável,
com as atuais condições existentes, atender aos problemas descritos, se o número
de estudantes e de docentes for superior ao registado no CCPL.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Com efeito, tanto os docentes como os estudantes são unânimes quanto à


emergência de futuras edições do CCPL.

5. RECOMENDAÇÕES
A modo de síntese, identificaram-se 3 fatores a considerar na avaliação das
próximas edições do CCPL e, eventualmente, de outros cursos/programas de
formação em e-learning, cuja qualidade irá depender da capacidade da instituição
para implementar medidas corretiva. São eles:
§ Legislação: aprovar e implementar o Regimento do Curso das Orientações
Pedagógicas e do Regulamento do estágio pedagógico; criar de um sistema de
incentivos aos formadores e comunicação adequada sobre os requisitos do curso.
§ Competências dos formadores e formandos: a intervenção dos e-formadores
no apoio à aprendizagem em regime de e-learning exige-se-lhes um amplo
leque de competências e habilidades. Os formandos devem receber uma
formação prática que lhes auxilie no acesso fácil aos recursos disponibilizados
pelos docentes e ao serviço de assistência técnico.
§ Infraestruturas: garantir garantir acesso ilimitado às condições existentes
Centro de Formação Aberta e a Distância - FOADeL e a uma linha telefónica
para ligações de emergência.

6. LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Como principal limitação deste estudo, assinala-se o tamanho da amostra,
muito reduzida, o que não permite a sua generalização a outros cursos do campus
virual da Uni-CV, sendo as suas conclusões válidas apenas para o curso em apreço.
Considera-se uma sugestão útil que nas futuras investigações sejam desenvolvidos
estudos cujas amostras sejam mais abrangentes e representantivas, permitindo
conhecer outras dimensões da atividade pedagógica em contexto online.

6. BIBLIOGRAFIA:
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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

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Fundamentos de uma pedagogia científica contemporânea. Porto:
Universidade do Porto;
Santos, R. & Jorge, I. (2013). Utilização da plataforma Moodle por docentes do
ensino não superior: O vaso da Escola EB2, 3 S. João de Deus. Educação
Formação & Tecnologia. Julho, 6 (1), 68-85;
Vilelas, J. (2009). Investigação o processo de construção do conhecimento. Lisboa:
Edições Sílabo.

83
UTILIZAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS
ASSOCIADAS AO USO DA PLATAFORMA
MOODLE: UMA EXPERIÊNCIA COM ESTUDANTES
DA UNIVERSIDADE DE CABO VERDE

Elisabeth Alves Andrade


Universidade de Cabo Verde
elisabeth.andrade@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
As tecnologias de informação e comunicação constituem uma referência de
primordial relevância para a pedagogia atual. As mudanças dos paradigmas
educacionais a que temos assistido nos últimos anos em educação têm renovado o
progressivo interesse no recurso às novas tecnologias digitais. Torna-se necessária a
aplicação de novas concepções e práticas pedagógicas que fortaleçam o estudante
no acesso à tecnologia para que ele aprenda, e reforcem o papel do professor na
sua capacidade para responder às situações desafiadoras no dia-a-dia.
O presente artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma experiência
de utilização da plataforma moodle na Uni-CV, envolvendo os estudantes dos
cursos de licenciatura em Estatística e Gestão de Informação 1º ano e licenciatura
em Engenharia Informática de Computadores 2º ano. No decurso da experiência,
foram utilizadas e exploradas algumas ferramentas do moodle, designadamente
trabalho, fórum, teste online, mensagens e glossário da disciplina, para o
complemento e reforço das aulas ministradas, presencialmente, nas disciplinas de
Informática e Sistema Operativo.
Com este artigo, pretende-se ainda, realçar um conjunto de benefícios e,
também, dificuldades que foram encontradas no decurso da realização desta
experiência. A finalidade é recolher alguns subsídios para uma posterior reflexão
sobre o uso da plataforma moodle na Universidade de Cabo Verde, colaborando
assim para o incentivo à sua utilização nas práticas letivas no ensino superior.
Palavras-chave: TIC, ensino à distância; moodle; ferramentas de aprendizagem
à distância, interação

INTRODUÇÃO
O interesse pelo campo das tecnologias de informação e comunicação na
educação é hoje, particularmente, saliente pelo incomparável potencial inerente
às mais recentes tecnologias digitais em rede, mas, sobretudo, porque elas, de
alguma maneira, se associam à força necessária para desencadear a mudança na
própria escola. (Carvalho, 2000 ”et all”) in (Costa 2007:15).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Em termos práticos, a utilização de meios tecnológicos em educação tem, na


essência, duas formas de abordagem diferenciadas que se poderão situar entre
dois extremos: uma que os coloca ao serviço exclusivo do professor (educador,
formador), apoiando-o na tarefa de comunicação e transmissão do saber, outra,
que sugere e fundamenta a sua importância, sobretudo, ao serviço do estudante,
como organizadores e facilitadores da aprendizagem. (Bouthours, 1987) (in) (Costa
2007:16).
Segundo Jonh Page (sem data), uma das razões para a utilização das TIC na
educação prende-se com o facto de que os alunos podem trabalhar a um ritmo
individual uma vez que eles são, naturalmente, todos diferentes. As tecnologias
de informação podem permitir a um aluno desfasar-se do resto da turma e
prosseguir a um ritmo que se lhe adeque melhor. A plataforma moodle constitui-
se numa poderosa ferramenta ao serviço dos docentes e estudantes, podendo ser
facilmente implementada, tornando-se num sistema para uma gestão eficaz de
disciplinas. (http://moodle.org consulta em 22.09.2013).
Por outro lado, com as TIC, os estudantes que têm uma produtividade pessoal,
precisam das ferramentas informáticas (processador de texto, folhas de cálculo,
programas de gráficos, etc.) tanto como os seus professores. A flexibilidade no
tempo, no modo e condições de acesso, encontrando ou criando lugares e
oportunidades de educação e formação são os principais aspetos deste modelo
que se desenvolve na rede, enquanto espaço de aproximação e formação de novos
laços entre os indivíduos e entre estes e os contextos de aprendizagem. (Costa
2007:32 “et all”).
Desta forma, a educação à distância e a emergência de novas formas de
ensino, baseadas nas TIC, têm vindo a revelar-se como importantes estratégias
dos sistemas de educação de grande parte das instituições educativas de nível
superior. (Miranda, 2007: 168).

BREVE INTRODUÇÃO À PLATAFORMA MOODLE


Segundo os autores (Figueira, Figueira, Santos, 2009), o moodle poderá ser
utilizado por docentes, estudantes, administradores de sistemas informáticos ou
até funcionários de secretaria de instituições de ensino. Pode-se trabalhar desde as

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

áreas de instalação num servidor de uma instituição de ensino até aos professores
que disponibilizam conteúdos educativos.
A palavra moodle é acrónimo de Modular Object Oriented Dynamic Learning
Environmet, isto é, um ambiente virtual de ensino- aprendizagem dinâmico e
orientado por objetos.
O moodle é um “software” livre disponível na internet em www.moodle.org,
a grande popularidade do moodle (mais de 200 000 utilizadores registados,
pertencentes a 175 nações) deve-se ao facto de ser código aberto e de livre
utilização, estas caraterísticas levaram a que seja atualmente uma das mais
utilizadas a nível mundial. Portanto, é um software criado para professores e
alunos totalmente grátis, desenvolvido por Martin Dougiamas, Austrália Ocidental,
em 2001.
Existe em 75 idiomas, incluindo o português, que facilita a comunicação entre
os intervenientes da comunidade escolar através da comunicação síncrona, ou
seja, em tempo real, com a disponibilização do “chat” e de salas de discussão,
relacionadas com disciplinas, temas, etc. Permite, igualmente, uma comunicação
assíncrona, através da utilização do correio eletrónico e dos fóruns de discussão.
A seguir é apresentada uma estatística da sua utilização a nível mundial, (https://
moodle.org/stats/, consulta em 20-07-2013):

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Figura 1 – Estatísticas Moodle e registos mundiais

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ENSINO À DISTÂNCIA NA UNI-CV


No fim do ano letivo 2009/2010, deu-se início, na Uni-CV, ao estudo sobre a
implementação da segunda edição de uma experiência piloto assente nas
designadas novas TIC, particularmente, com o uso da plataforma moodle,
ferramenta que potencia e se revela poderosa nos contextos e aprendizagem.
Na universidade de Cabo Verde, o modelo de ensino à distância, encontra-
se neste momento em processo de implementação, nomeadamente o sistema
de gestão de aprendizagem moodle, sendo que alguns docentes já utilizam a
plataforma moodle nas suas disciplinas mesmo que alguns ainda apenas como
repositório de conteúdos. (Inocêncio, Pereira, Andrade, 2010).
Como experiências na implementação do e-learning, iniciou-se no ano letivo
2012-2013 o curso de complemento pedagógico de licenciatura (CCPL). É o primeiro
curso e-learning da iniciativa da Uni-CV que surgiu da necessidade de dar resposta a
melhoria da qualidade do ensino. O programa tem quatro unidades curriculares no
primeiro semestre contanto com 14 e formandos efetivos no total de 59 inscritos
inicialmente. Participaram na atividade virtual do curso no seu local de residência,
respetivamente nas Ilhas de São Vicente, Sal e Santiago. (Correia, Inocêncio, 2013).
Foi também criada dois cursos de complemento de licenciatura em agronomia e
zootecnia em funcionamento na Escola de Ciências Agrária e Ambiental (ECAA) em
modalidade e-learning através da plataforma moodle da Uni-CV. Neste período a
Uni-CV participa no projecto de reforços e capacidades (PRECA) em parceira com
a Universidade Virtual Africana (UVA) cujo grande objetivo é a implementação do
e-learning na Uni-CV mais concretamente na criação de um centro de formação
aberta, à distância e e-learning (FOADel) para o desenvolvimento e execução de
programas e atividades de educação aberta e a distância.
Através do Núcleo de Apoio ao Ensino a Distância (NaEaD), existe publicações no
Boletim Trimestral que podem ser consultados no website da UniCV/publicações
http://www.unicv.edu.cv/index.php/documentacao/2013-03-18-17-36-00/
boletins-do-nucleo-ead, onde poderá encontrar de forma detalhada mais
informações sobre as experiências de ensino à distância na Uni-CV.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Segundo (Lima, Capitão, 2003:29), o ensino à distância é um modelo educacional


que proporciona a aprendizagem sem limites do “espaço ou do tempo” (anywhere,
anytime). O cenário educacional pressupõe a existência de uma separação
geográfica ou temporal entre professor e alunos, a utilização da tecnologia
como instrumento de distribuição e de comunicação educacional e o controlo da
aprendizagem pelo aluno. Uma das principais caraterísticas do ensino à distância
assenta no facto de que o controlo do itinerário do ritmo da aprendizagem é
decidido pelo estudante.
Uma das tecnologias utilizadas no ensino à distância é a internet, a partir do
final da década de 1990, o mercado empresarial tem vindo a adicionar a letra “e” a
um conjunto de palavras como, por exemplo, e-commerce, e-bussines, e-shopping,
e-transactions e, ultimamente, o e-learning. Literalmente, o “e” no e-learning
designa tudo o que é eletrónico mas também significa digital e internet.
Para os ambientes de aprendizagens, baseados na web, destaca-se a plataforma
moodle, que é uma plataforma que permite a criação e gestão de cursos em
ambientes online, e é neste contexto que se apresenta em seguida uma experiência
realizada na plataforma moodle .

DESCRIÇÃO DAS FERRAMENTAS DO MOODLE NA UNI-CV


A utilização da plataforma moodle nas disciplinas de Informática para Estatística
e Gestão de Informação e Sistemas Operativos, surgiu do interesse pessoal,
introduzindo uma prática inovadora e desafiadora no processo de ensino e
aprendizagem, experimentando então, um novo ambiente de aprendizagem baseada
nas tecnologias, para realização de uma experiência com os estudantes da Uni-CV.
Esta experimentação envolveu um público-alvo composto por 44 estudantes,
pertencentes aos cursos de EGI 1.º e EIC 2.º, do Departamento de Ciências e
Tecnologia (DCT). Todos os estudantes beneficiaram de uma pequena ação de
capacitação na utilização do moodle, tendo sido dotados de competências básicas
de utilização nas respetivas disciplinas.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RAZÕES DA UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA MOODLE


A seguir, as principais razões que levaram à utilização do moodle:
§ Repositório de conteúdos digitais em formatos word, power point, pdf,
vídeos, links, páginas de textos, os estudantes tem acesso a qualquer hora e
em qualquer lugar a um vasto conjunto de diferentes tipos de materiais e a
disciplina fica organizada num único espaço;
§ Inovação no processo de ensino e aprendizagem, desenvolvendo nos
estudantes hábitos de utilização da Internet e de outras ferramentas
informáticas em atividades de estudo;
§ Espaço interacção e de partilha de conteúdos através de fóruns;
§ Melhoria na organização e controlo das atividades dos alunos – rigor e
transparência nos prazos definidos nas tarefas;
§ Aprofundamento do conhecimento, o acesso a recursos interativos, materiais
manipuláveis virtuais, podem promover um conhecimento mais aprofundado
de um dado conceito, como programas específicos, vídeos, links, etc.
§ Facilidade nos trabalhos futuros de manutenção, uma vez que as actualizações
deverão ser pontuais e facilmente realizadas, pois todo o material da disciplina
já existe;
§ Comunicação à distância com os estudantes através da ferramenta de
mensagens, etc.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS


Para ambos os cursos EGI e EIC, foi feito um pequeno diagnóstico com os
estudantes, a fim de conhecer alguns pré-requisitos, como:
§ Acesso ao computador e à internet
§ Utilização do e-mail institucional
§ Conhecimento da plataforma moodle ou sua utilização em outras disciplinas
§ Contas de acesso
Da análise realizada, foi destacado o seguinte: relativamente ao curso de EGI 1.º ano,
dos 16 estudantes, todos afirmaram ter acesso ao computador, sendo 10 com acesso
à internet e seis sem acesso à internet. Ainda, sete daqueles estudantes afirmaram
que têm este acesso em casa e três na Uni-CV. Todos utilizaram anteriormente a
plataforma moodle na disciplina Álgebra Linear e Geometria Analítica (ALGA).

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No que toca ao e-mail LiveID, 12 estudantes afirmaram ter acesso e apenas 4 não
fazem o seu uso.
Para o curso de EIC 2.º Ano, dos 18 estudantes, 17 têm computadores e apenas
um não o possui. Quanto ao acesso à internet, 16 estudantes afirmaram ter
acesso à internet nos lugares seguintes: Uni-CV e Casa, sendo que 12 têm acesso
tanto na Uni-CV como em casa e 2 apenas em casa e outros 2 apenas na Uni-
CV. Quanto à utilização da plataforma moodle, 16 estudantes confirmaram a
sua utilização anterior também nas disciplinas de Álgebra Linear e Geometria
Analítica e Electromagnetismo. Apenas 2 não a utilizaram. Sobre o e-mail LiveID,
17 estudantes utilizam o e-mail institucional, sendo assim apenas 1 não usa.

CONFIGURAÇÃO DAS DISCIPLINAS NO MOODLE


Para aceder à plataforma moodle da Uni-CV, basta digitar o endereço www.
elearning.unicv.edu.cv, aqui são apresentados todos os cursos da Uni-CV ja criados
na plataforma. Nas opções apresentadas, deve-se escolher o ano e as respetivas
disciplinas disponíveis. Para os cursos apresentados neste artigo, as disciplinas
disponíveis são Informática para EGI e Sistemas Operativos. Ambas as disciplinas se
encontram no formato de tópicos, tópico aberto para EIC e tópico fechado para o
curso EGI para uma melhor organização e visualização do ambiente da disciplina. O
acesso às mesmas foi feito mediante uma chave de inscrição que foi facultada aos
estudantes no 1º dia de aulas. A seguir será apresentada uma parte do ambiente
das disciplinas.

Figura 2: Ambiente disciplina Sistema Operativo

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FERRAMENTAS DO MOODLE
O moodle permite a publicação online de quatro tipos de material sem
interatividade: Página de texto e web, URL, etiqueta de texto/imagem. Por outro
lado, a versão básica do moodle disponibiliza seis tipos de material didático
interativo: submissão de trabalho, teste online, realização de referendo, lição,
inquérito, exercício.
Para além destas, existem cinco atividades eminentemente socias em que os
estudantes devem interagir uns com os outros: Chat, fórum, glossário, wiki,
workshop.

FERRAMENTAS UTILIZADAS - CURSO EGI


TRABALHO
Esta atividade pode ser utilizada para receber as produções dos estudantes.
Estas produções podem ser textos (artigos, relatórios, projectos, descrições,
etc), imagens, que serão enviados pelo ambiente da disciplina para o servidor de
ficheiros.
Figura 3: Texto em linha curso EGI

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Figura 4: Envio do ficheiro curso EGI

Este tipo de trabalho, para além de permitir que o estudante envie o seu anexo,
permite a atribuição de notas, actualização de comentários e verificação do
cumprimento ou não o prazo.

FÓRUM
Esta atividade é uma das mais importantes, pois é aqui que têm lugar a maior
parte dos debates, a partilha de ideias e o esclarecimento de dúvidas. Podemos usar
o fórum para: estimular o pensamento crítico, reflexão sobre um tema proposto,
estimular o aluno a escrever a sua opinião de forma clara e ordenada, discussão
interação entre os participantes, perceber as dúvidas de muitos e intervir de

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forma pró-ativa, favorecer a participação de todos, independentemente do tempo


(horário) individual;
Figura 5: Fórum considerações gerais curso EGI

TESTE ONLINE
O teste é um instrumento composto por perguntas: falso-verdadeiro, escolha
múltipla, correspondência, resposta curta.
As respostas são avaliadas de forma automática, permite fornecer feedback geral
para cada questão, pode ser configurado para permitir várias tentativas ou apenas
uma, permite definir um tempo para a conclusão do teste, calcula a nota final.

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Figura 6: Teste online MS Excel 2010 curso EGI

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Terminado o teste, o estudante deve clicar no botão próximo, para guardar e


visualizar os seus comentários, que dependerão do tipo de configuração que o
professor fizer no teste.
Uma das grandes vantagens do teste online é que o professor tem o resultado
automaticamente, o que poderá ser utilizado para exportar em excel e aproveitar
estes dados para fazer o cálculo final da nota de cada estudante. Possibilita, ainda,
a visualização dos resultados em forma de gráfico e tabelas.

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Figura 7: Exportação para excel

Figura 8: Gráfico resultados

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FERRAMENTAS UTILIZADAS - CURSO EIC 2.º ANO


MENSAGENS
O bloco de mensagem permite a comunicação entre os utilizadores. As
mensagens enviadas e recebidas são armazenadas no próprio moodle.
Figura 9: Mensagem de dúvidas

GLOSSÁRIO DA DISCIPLINA
O glossário é uma lista de termos com definições como um dicionário ou
enciclopédia e pode ser utilizado como uma atividade colaborativa em que os
alunos fazem as inserções dos termos e como material de apoio.

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Figura 10: Termos no glossário

FÓRUNS
O fórum já foi descrito no ponto 5.1.2, bastará colocar o exemplo da sua utilização nesta
disciplina.

Figura 11: Fórum Pesquisas

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TRABALHO
A atividade trabalho também já foi descrita no ponto 5.5.1, será apresentado o
exemplo da sua utilização.
Figura 12: Atividade trabalho

Dos resultados apresentados, ficou claro que a utilização da plataforma moodle


auxiliou bastante no complemento à lecionação destas disciplinas porque:
§ Foram consultadas as informações sobre os conteúdos programáticos, textos e
ficheiros para leitura e download, links, vídeos, etc. Assim, para cada uma das
disciplinas foram utilizados fórum, glossário, teste online, trabalhos, mensagens.
§ Os estudantes participaram na sua maioria em todas as atividades e apesar
dos problemas de acesso à internet e cortes de energia fizeram um balanço
positivo desta experência;
§ A utilização e exploração das ferramentas como fóruns, mensagens e glossário
permitiram um enriquecimento e aprofundamento nas disciplinas;

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Notou-se uma autonomia e responsabilidade na produção e envio das tarefas


§
já que os estudantes tinham que respeitar os prazos e as outras regras
estipuladas para a entrega dos trabalhos; ídem para as atividades realizadas;
Os estudantes fizeram muitas pesquisas para poderem colaborar nas atividades
§
propostas como exemplo do fórum e glossário e, também, de alguns livros dos
autores de referência que tiveram que procurar na internet para partilhar;
Houve muita partilha de documentos e troca de mensagens ;
§
Ficaram sensibilizados para a utilização das TIC nos seus estudos: utilização do
§
computador, internet, exploração de softwares específicos e conhecimentos
de programas utilitários;

PRINCIPAIS CONCLUSÕES
Desta experiência destacam-se alguns pontos pertinentes e que poderiam ajudar
na divulgação de algumas pistas que possibilitarão chegar a novos caminhos nas
nossas práticas educativas com apoio à plataforma moodle.

GANHOS
De acordo com os dados expostos, ficou visível que o moodle é uma
§
ferramenta que facilita as atividades do docente e dos estudantes no contexto
de aprendizagem, dado ao seu ambiente amigável e de fácil navegação;
Todos os estudantes destes cursos beneficiaram de uma pequena ação de
§
formação em utilização da plataforma moodle.
Os estudantes utilizaram a internet e poderam conhecer e explorar várias
§
outras ferramentas de apoio à aprendizagem com a utilização do moodle nos
seus estudos;
Recompensaram uma certa autonomia e responsabilizadade no
§
desenvolvimento dos seus trabalhos e de outras pesquisas;
A organização da disciplina por tópicos ou formato semanal num só espaço
§
permitiu com maior facilidade que os estudantes possam, a qualquer
momento e em qualquer lugar, interagir com o docente e com os outros
colegas, acedendo a conteúdos da disciplina, enviando mensagens de dúvidas
e esclarecimentos, deixando as suas contribuições sobre a forma de fóruns,
glossários, etc.
Todos os trabalhos efetuados na disciplina foram entregues de forma online,
§
via plataforma, não sobrecaregando assim o e-mail do docente e evitando

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custos em impressão e fotocópias, bem como deslocações para a entrega dos


mesmos e rigor no cumprimento dos prazos estipulados.

DIFICULDADES
A utilização da plataforma moodle consumiu mais tempo de trabalho ao
§
docente principalmente na preparação dos e no acompanhamento das todas
as atividades dos estudantes na plataforma;
No período da realização desta experiência, a plataforma apresentou
§
problemas de limitação de espaço de armazenamento - apenas 2MB;
O mesmo acontece com a colocação de ficheiros no ambiente, há que se ter
§
em conta o uso dos caráteres sensíveis nos ficheiros;
Acesso à internet um pouco dificultada e alguns cortes de energia;
§
Considerações finais
§ Os docentes devem reunir-se regularmente para partilha das suas inovações
pedagógicas, estimularem a discussão de todos quantos se interessem por
esta área;
§ Divulgar as suas práticas apoiadas nas TIC entre a comunidade académica para
reflexões e o uso dos novos recursos de aprendizagem online existentes.
§ Exige-se um esforço acrescido e um grande desafio na elaboração de conteúdos
digitais das disciplinas, disponibilizados de forma online num único espaço de
forma seguro;
§ A Uni-CV deve criar as condições adequadas ao desenvolvimento e utilização
das TIC em contexto de ensino e aprendizagem, nomeadamente, a utilização
da plataforma moodle (criação e disponibilização de cursos online), já que se
trata de uma universidade em rede e Cabo Verde é um país insular e composto
por diversas ilhas separadas, alargando assim a sua oferta formativa;
§ Aconselha-se fazer o backup das disciplinas regularmente no moodle;

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os docentes devem reunir-se regularmente para partilha das suas inovações
§
pedagógicas, estimularem a discussão de todos quantos se interessem por
esta área;
Divulgar as suas práticas apoiadas nas TIC entre a comunidade académica para
§
reflexões e o uso dos novos recursos de aprendizagem online existentes.
Exige-se um esforço acrescido e um grande desafio na elaboração de conteúdos
§

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

digitais das disciplinas, disponibilizados de forma online num único espaço de


forma seguro;
A Uni-CV deve criar as condições adequadas ao desenvolvimento e utilização
§
das TIC em contexto de ensino e aprendizagem, nomeadamente, a utilização
da plataforma moodle (criação e disponibilização de cursos online), já que se
trata de uma universidade em rede e Cabo Verde é um país insular e composto
por diversas ilhas separadas, alargando assim a sua oferta formativa;
Aconselha-se fazer o backup das disciplinas regularmente no moodle;
§

REFERÊNCIAS
Correia, M. L. & Inocêncio, M. L. (2013). Interacção em ambientes virtuais de
ensino e aprendizagem: que modelo de interação serve melhor a formação a
distância? Comunicação apresentada ao CEDU -2013 I Colóquio Cabo-Verdiano
de Educação (4-3 de Julho), Praia.
Costa, F. A., Peralta, H., Viseu, S. (2007). As TIC na Educação em Portugal: Local:
Porto Editora.
Elearning UniCV: www.elearning.unicv.edu.cv.
Estatísticas moodle: http: https://moodle.org/stats/
Figueira, A., Figueira A, C., Santos, H. (2009). Moodle, Criação e Gestão de cursos
online. Local: FCA.
Inocêncio, L., Pereira, M., Andrade, E., (2010). O potencial do e-Learning para além
da tecnologia um desafio emergente na Uni-CV. Local: Praia: Edições Uni-CV.
Lima, J., Capitão, Z. (2003). E-learning e e-conteudos, Aplicações das teorias
tradicionais e modernas de ensino e aprendizagem á organização e estruturação
de e-cursos. [http://www.centroatl.pt/titulos/si/imagens/e-book-ca-e-learning-
excerto.pdf]

104
PROFISSIONALIDADE E FORMAÇÃO DE
DOCENTES
A EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS: PERSPECTIVAS E
DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DA DOCÊNCIA

Georgina Quaresma Lustosa1, Teresa Pessoa2, Antônia Edna Brito


Universidade de Coimbra1,2- Portugal; Universidade Federal do Piauí - Brasil
georginaquaresma@yahoo.com.br; tpessoa@fpce.uc.pt; antonedna@hotmail.com
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Pensar a educação é, em qualquer momento, pensar perspectivas e desafios.
Perspectivas no sentido de ver a educação de forma grande, com significado
de formação integral dos sujeitos aprendentes. Desafios como forma de
desenvolvimento dos programas de formação dos professores, evidenciando o
reconhecimento dos docentes como “profissionais da aprendizagem” (Zabalza,
2004, p. 169). Profissionais capazes de exercer o ofício a partir do desenvolvimento
das competências científica e pedagógica, mas não apenas como meros técnicos
do ensino. Como tão bem expressa Pessoa (2007, p. 03), “o educador não deverá
ser apenas um técnico, mas um tecelão de afetos consigo, com os outros, com os
textos e com os contextos”. Vivemos tempos de mudanças desagregadoras, que
exigem da educação uma nova dinâmica social, numa perspectiva de formação que
contemple fatores como a reflexão, a construção da afectividade e da esperança e
a ressignificação das emoções. Temos como objectivos deste estudo em primeiro
lugar a compreensão teórica desta nova demanda de ensinar e aprender na
perspectiva da reflexão, da construção do afecto e da esperança para os espaços
docentes. Pretendemos trabalhar com a literatura de Pessoa (2007); Zeichner
(2008); Freire (1998); Zabalza (2004), entre outros, e, por outro lado, conversar
com e através dos relatos da experiência, contextos vivenciados pelos autores
deste estudo.
Palavras-chave: educação e desafios, construção reflexiva, perspectivas
afectivas.

INTRODUÇÃO
Para iniciar este texto recorremos à presença significativa de Rubem Alves (2011)
com o seu texto “Educação dos Sentidos e Mais...” no qual o autor zelosamente
trabalha o valor dos sentidos no processo formativo das pessoas. Alves (2011) com
linguagem poética recorre ao caminho das imagens para tratar das explicações
conceituais. E a imagem utilizada pelo autor para trabalhar a educação com sentido
é das caixas que o corpo carrega a caixa de ferramentas e a caixa de brinquedos.
Seguindo sua imagem, a caixa de ferramentas o corpo leva na mão direita, mão
da destreza e do trabalho e na mão esquerda, mão do coração, é levada a caixa

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de brinquedos. As ferramentas são extensão do corpo, são meios para se viver,


aumentam nossa força e nos dão poder. E a primeira tarefa de cada geração, é
passar aos filhos, como herança, a caixa de ferramentas.
Mas, na caixa de ferramentas, deve conter um cantinho separado para colocar
a arte de pensar. E aí, entraria, no nosso entendimento, a missão dos espaços de
apendizagem: promover a arte de pensar. Pensar as ferramentas existentes, ou a
arte de pensar a chave para criar as ferramentas inexistentes? O autor realça que
os processos de avaliação sabem como testar o conhecimento das ferramentas.
Mas não estão preocupados em adoptar os procedimentos para avaliar a arte de
pensar. Afirma o autor que, a caixa de brinquedos levada na mão esquerda está
recheada de coisas que não servem para nada. Lá estão poesias, músicas, cheiro
de jardim, quadros de Monet, vento no rosto, sonata de Mozart, risos de crianças.
Coisas inúteis e, no entanto, elas nos fazem sorrir. E não é para isso que se educa?
Para que nossas crianças saibam sorrir?
Alves (2011) despertou a ideia das caixas de ferramentas e de brinquedos tendo
como referencial o pensamento de Santo Agostinho que escreveu sobre essas
duas caixas usando, logicamente, uma linguagem diferenciada, uma linguagem
contextual. Agostinho falava sobre a ordem da utilidade e a ordem da fruição.
Dizendo que todas as coisas que existem se dividem em duas ordens distintas. A
ordem do UTI e a ordem do FRUI. A ordem do UTI se refere “o que é útil, utilizável,
utensílio”. FRUI é a ordem do “usufruir, desfrutar, amar uma coisa por causa dela
mesma”. A primeira ordem é o lugar do poder. Todos os utensílios foram e são
inventados para aumentar o poder do corpo. A segunda ordem, ao contrário, é a
ordem do amor, coisas que não são utilizadas, que não são úteis. Porque não são
para serem usadas, mas para serem gozadas.
O autor resume a sua filosofia da educação com algumas questões pertinentes:
os saberes que se ensinam em nossas escolas são ferramentas? Tornam os alunos
mais competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, os alunos,
aprendem a ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Aprendem a fazer
amor com o mundo? Têm mais alegria? Infelizmente não há avaliações para medir
a alegria, porque a alegria está na caixa de brinquedos, portanto não é útil, não dá
poder, o seu sentido é o gozo é o prazer de ser. Mas, entendemos, assim como Freire

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

(1997), que a actividade docente deve ser uma experiência alegre por natureza. É
falso tomar como inconciliáveis a seriedade docente e a alegria, como se a alegria
fosse inimiga do rigor metódico. Mas a capacidade de brincar também precisa ser
aprendida, assim como os outros sentidos que fazem a educação ter sentido.

1. OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS


PARA A EDUCAÇÃO COM SENTIDOS
Utilizando a bela metáfora de Alves (2011) vamos tentar trabalhar a educação
com sentidos. Para tanto, precisamos da caixa de ferramentas, sem esquecer a
importância da caixa de brinquedos, sem esquecer os sentimentos que dão sentido
a construção de uma educação parceira da vida. Um dos sentidos da educação
é a arte de ver, a arte de ver com olhos de poeta. Os poetas ensinam a ver. Os
professores precisam aprender a ver com olhos de poeta. Aprender a ver, como diz
sabiamente Alberto Caeiro (1925):
“Não basta abrir a janela. Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser
cego. Para ver as árvores e as flores...”.
Drummond (poeta brasileiro) viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que
ele viu virou poema. Tudo depende do lugar que os olhos são guardados. Se eles
estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua
função prática. O ver se subordina ao fazer, o que é necessário, mas não é tudo.
Quando os olhos estão na caixa de brinquedos, eles se transformam em órgãos
de prazer: brincam com o que veem, olhar pelo prazer de olhar. Esse olhar é o
olhar das crianças. São os olhos de crianças que precisamos levar para os espaços
de aprendizagem. Conforme o pensamento de Alves (2011, p. 24) a arte de ver
deveria ser a primeira função da educação. E para isso precisaria de um novo tipo
de professor, um professor que não teria muito a ensinar, “mas que se dedicaria
a apontar para os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana”.
Portanto, devemos aguçar o nosso olhar no sentido de ver outras dimensões,
além daquilo que se apresenta compreender como lidar com os diferentes olhares,
olhar com olhar de desejo, nos sentindo importantes e mais fortes no nosso papel
de professor, cada dia mais firme, mais belo, cada dia mais professor, professor
com olhar de poeta, com olhar de criança, com olhar de desejo, com olhar de quem
quer fazer amor com o mundo.

109
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

A arte de ouvir é outro sentido da educação. Conforme o autor trabalhado,


de todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver
juntos e da cidadania é a arte de saber ouvir. Saber ouvir é também a arte de saber
fazer silêncio. Nós ocidentais somos preocupados com a questão do Ser. O povo
oriental, pela questão do vazio, do nada. Alves (2011) vem poeticamente dizer:
“É no vazio da jarra que se colocam flores”. O silêncio tem significado próprio,
ele permite o movimento nas significações a percorrer sentidos. Há um modo de
estar em silêncio que corresponde a um modo de estar no sentido. O silêncio não
tem sentido passivo e negativo como foi atribuído pelas formas sociais da nossa
cultura que é a cultura da oralidade e do discurso. Conforme Orlandi (1992, p. 13)
“O silêncio é assim a “respiração” (o fôlego) da significação; um lugar de recuo
necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido (...)”.
O aprendizado da arte de ouvir não se encontra em nossos currículos. A prática
educativa tradicional se inicia com a palavra do professor. Acordar os ouvidos, não
nos parece constar em nenhum tratado sobre a educação. Ouvir os sons do mundo
é uma felicidade transcendental que precisamos aprender a buscar. Ao lado da
nossa justa preocupação com o falar, tenhamos também uma justa preocupação
com o escutar, uma justa intimidade com o silêncio. Quando isso acontecer, quem
sabe, as nossas crianças e nossos jovens aprenderão a identificar os sons do
mundo e ficarão subitamente alegres. A partir do exposto, podemos indagar: quais
significações e sentidos podemos atribuir à educação? Conforme já explicitado
neste texto, a educação requer a articulação entre as múltiplas dimensões que
envolvem o homem, lembrando que esse homem não é somente intelecto.
Razão por que, destacamos que os processos educativos constituem cenários de
diferentes saberes: o saber, o saber fazer e o saber ser.
A educação, por meio dos processos de ensinar/aprender, envolve uma relação
com o saber que, sem perder a sua essência, pode ser materializado de forma
prazerosa e marcado pela sensibilidade. A abertura para a sensibilidade, seja em
nossos percursos de vida pessoal, seja em nossas histórias de vida profissional, nos
implica connosco mesmo, com os outros e com o mundo e nos revela que o saber
pode ser “(...) encharcado da selva da vida, do sabor (sapere) do vivido/vivente,
impregnado de Sentidos existenciais” (Araújo, 2008, p. 52). As ideias do autor
nos fazem pensar a educação como um processo no qual há lugar para saberes

110
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

e fazeres prenhes de sentidos e significações que podem afetar prazerosamente


quem ensina e quem aprende.
Pensar a educação e o ensino sob a ótica da sensibilidade, retomando o
pensamento do autor, demanda considerar que as diferentes relações que se
estabelecem nos diversos contextos educativos (relação com o saber, consigo
mesmo e com os outros, por exemplo), sem perder de vista o rigor metodológico e
o caráter científico, nos desafia a revisitação de nossos modos de educar, de ensinar
e de ser professor, na perspectiva de ruptura com o enrijecimento das práticas
educativas, para investirmos na busca de uma educação que (cor)responda aos
anseios de um educando que é marcado pelo inacabamento, pelo devir, ou seja,
para investirmos em uma formação com sentido.

2. A FORMAÇÃO COM SENTIDO


Face à complexidade da sociedade actual onde como refere Pessoa (2002, 2007)
o colapso da certeza científica e da linearidade do processo de crescimento e
desenvolvimento profissional torna os conhecimentos e/ ou caminhos tidos como
certos, pelos educadores, em obsoletos ou sem sentido para os formandos, onde
se multiplicam as referências e se relativiza o que se sabe, a dinâmica educativa
centrada na transmissão de saberes e fazeres terão de ser repensada. São
demasiado rápidas as mudanças e uma compressão intensa do tempo e espaço
tem provocado redefinições dos papéis de quem ensina e de quem aprende e de
toda a dinâmica do processo educativo.
Então, como salienta Hargreaves (1998, p. 27) “à medida que o tempo passa este
hiato entre o mundo da escola e o que existe para além dela está a tornar-se cada
vez mais óbvio. A natureza anacrónica da escola é cada vez mais evidente. É esta
disparidade que define grande parte da crise contemporânea da escolarização e
do ensino” A escola nem sempre responde da melhor forma. Como refere também
Hargreaves (1998,10), entre as respostas apresentadas pelas escolas orientadas
por princípios da modernidade, estão as grandes dimensões e complexidades
burocráticas que assumem, estão padrões mais complexos de especialização,
estão estratégias de ensino tradicionais e lineares que apelam à memorização de
conhecimentos, aspectos estes que poderão explicar o “seu fracasso persistente

111
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

em cativar as emoções e as motivações de muitos dos seus alunos e de um número


considerável dos seus professores”.
É importante perspectivar o papel do professor de formas diversas até porque
tem, conforme refere Pessoa (2002, p. 2007) havido consenso em atribuir ao
educador um papel importante na transformação das práticas formativas: a) é
necessário que o professor assuma um papel interventor no diálogo a estabelecer
e a construir entre contextos – escola, família, educando, comunidade - que
não poderão mais manter-se isolados; b) de um professor especialista no saber
e na gestão eficaz do ensino e aprendizagem faz sentido relevar a passagem da
mediação intelectual à mediação afetiva; c) é importante hoje a ideia do professor,
como refere Pessoa (2007), tecelão de afetos; d) à imagem do educador como
técnico contrapõe-se, agora, a imagem do educador como profissional reflexivo
que torna importante a capacidade de resolver problemas, mas, sobretudo, a
capacidade de olhar de forma flexível, sob perspectivas diversas e, assim, chamar
para a formação o desenvolvimento dos sentidos: saber olhar e saber escutar.
O educador será ou deverá ser alguém com uma boa capacidade de escuta e
observação, um ser emocional ou preocupado em desenvolver a afectividade.
Buchmann (1993) reconhece estas dimensões e atribui-lhes uma posição de relevo
em profissões que pressupõem uma capacidade e disponibilidade para ajudar o(s)
outro(s) e, assim, requer o desenvolvimento de virtudes como generosidade e
amabilidade, coragem e esperança, sobriedade e afabilidade ao serviço de outros.
Como refere este autor, nesta construção ou diálogos com a prática ou realidades
educativas, que implicam saber olhar e atender o outro(s), sobressai a “metaphor
of looking” (Buchmann, 1993,8).
Freire (1997, p. 111) afirma que é escutando que aprendemos a falar com
nossos alunos e postula que o professor “(...) que escuta aprende a difícil lição
de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com
ele”. Conceber um processo formativo, portanto, implicará, com certeza, várias
dimensões de escuta e olhar: mais do que olhar ou pensar no futuro (looking ahead),
recordar será olhar para trás e reflectir (looking back) e ter consideração (holding
in regard) será olhar alguém ou algo com afecto e admiração. Subjacente a este
processo de olhar (looking) está o desenvolvimento de um espírito consciencioso

112
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

e perspicaz (Buchmann, 1993, p. 2) onde a capacidade de estar atento ganha lugar


de destaque como função vital e mobilizadora do pensamento do educador para
o que é essencial.
A dimensão dos afectos emerge e a reflexão, neste contexto, é importante.
Apesar de Buchmann (1993) se lhe referir como um olhar para trás, ela só terá
sentido, nos contextos educativos, como este autor refere, à luz de um futuro.
Estas dinâmicas reflexivas possibilitam a construção de significados e sentidos à
experiência ou às situações educativas, por natureza problemática e complexa. A
escuta, a observação e a escrita são processos formativos com sentido(s).
A respeito do acto de educar, Freire (1997, p. 139), afirma que formar não se
restringe a treinar o educando em algumas destrezas ou competências. Pelo
contrário, o autor propõe pensarmos a prática educativa como actividade ética e
especificamente humana, que exige do educador abertura para querer bem aos
alunos, tendo em vista que a afectividade não se separa da cognoscibilidade. Para
o autor é necessário “(...) reinsistir em que não se pense que a prática educativa
vivida com afetividade e alegria prescinde da formação científica séria (...)”. É
possível, então, pensarmos a educação como um processo prenhe de sentimentos,
de emoções, de sonhos, de desafios e afectos.

REFERÊNCIAS
Alves, R. (2011). Educação dos sentidos e mais... Campinas, São Paulo: Verus
Editora.
Araújo, M. L (2008). Os sentidos da sensibilidade: sua fruição no fenômeno do
educar. Salvador: EDUFBA.
Buchmann, M. (1993) Beyond planning and decision making: Professional
development in teacher thinking In L. KREMER-HAYON, H. C. VONK & R.
FESSLER (1993) Teacher Professional Development: A multiple perspective
approach (pp. 1-21). Amesterdam: Swets & Zeitlinger B.V.
Drumonnd, C. A. (1938). Poema: No meio do caminho tinha uma pedra. São Paulo:
3º nº Revista Antropofágica.
Freire, P. (1997). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra.

113
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Hargreaves, A. (1998). Os professores em tempos de mudança: trabalho e cultura


dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: Mc Graw-Hill.
Orlandi, E.P. (1992). As formas do silêncio, Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp.
Pessoa, F. (1925). “Poemas incompletos”. In Poemas de Alberto Caeiro. 1ª pub. In
Athena, n. 5. Lisboa.
Pessoa, T. (2007). O educador como tecelão de afectos: reflexões e desafios na
escola actual. In J. Sousa. & C. Fino (Coord.) A Escola Sob Suspeita (pp.343-
360). Lisboa: Edições Asa.
Pessoa Mendes, T. (2002) Aprender a Pensar como Professor – contributo da
metodologia de casos na promoção da flexibilidade cognitiva. Tese de
doutoramento não publicada. Coimbra: Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação.

114
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA
PORTUGUESA EM BENGUELA - ANGOLA

Joana Quinta
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia Lisboa - Portugal
quintajo@gmail.com
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A investigação tem como objeto de estudo a formação de professores de Língua
Portuguesa (LP) na Escola de Formação de Professores de Benguela (EFPB).
Os objetivos consistem em analisar os modelos de formação de professores
de LP usados no estudo de caso, para elevar o nível de formação dos mesmos.
Clarificar as políticas linguísticas implementadas no sistema de ensino.
A metodologia consiste numa análise documental com recurso a uma Análise de
Componentes Principais (ACP), elaborada no software PASW 20.0 mostrando as
relações entre as variáveis de formação recolhidas com as entrevistas.
As principais conclusões são as carências na formação de professores;
necessidade de formação de professores de LP, necessidade de contextualizar os
conteúdos de formação, nota-se a evolução da LP nos PALOPs e a relevância do
papel da LP nesses países;
A partir dos anos 60 do Século XX aprovou-se um projeto que criava Centros de
Estudos Universitários. Em 1978, depois da independência de Angola, ocorreu uma
reforma, em termos de análise de currículos. Em 2001, implantou-se a reforma
atual com o objetivo de dar respostas às necessidades do ensino.
Palavras-chave: Formação, Professores, Variação Linguística, Língua Materna,
Língua Segunda.

INTRODUÇÃO
Observam-se os modelos de formação inicial de professores que estão no
sistema de ensino em Portugal, desde o século XX. Os Modelos de Organização
da Formação, as implicações políticas e filosóficas da formação são escurecidas,
problematizando as diferentes circunstâncias sociais e educativas, pelo que a
formação ocorre.
O objeto de estudo da investigação centra-se no assunto da formação de
professores de LP. O estudo de caso é sob a Escola de Formação de Professores de
Benguela (EFPB).
O objetivo desta investigação é analisar o processo de formação de professores
de LP na EFPB, a fim de se perspetivar uma formação inicial, adequada, para

116
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

professores dessa disciplina. Assim sendo, é necessário ter em conta o processo


de formação em análise, ou seja:
1. Discutir os modelos de formação de professores de LP implementados na
EFPB, baseado numa análise SWOT5;
2. Refletir sobre as políticas linguísticas usadas no sistema de ensino. Um dos
essenciais contributos desta tese prende-se com o facto de relacionar a evolução
dos modelos de formação com uma série de indicadores de desenvolvimento
sustentável (educação), testando a sua correlação com o nível de qualidade de
ensino. Para este efeito, recorre-se a uma Análise de Componentes Principais
(ACP), no programa PASW 20.0;
3. Perspetivar estratégica para incentivar a leitura e a aprendizagem da escrita
na formação de professores.
Analisam-se diversos autores para melhor evidência das diferentes perspetivas,
ou seja, os autores, respeitantes à importância do programa relativo à formação
de professores, por outro lado, os que referem a necessidade do ensino bilingue.
Isto é, ter a LP como língua segunda na formação.
A metodologia assenta no uso da análise Documental, para se analisar as
modificações sucedidas no processo de formação de professores de LP, as
mudanças de currículos, rendimento, abandono escolar e o número de diplomados
em cada ano.
As entrevistas serão realizadas aos dirigentes da escola em estudo como o
Diretor, Diretor Pedagógico, Coordenador de LP, e a alguns Professores de LP. O
estudo de caso é sob Escola de Formação de Professores em Benguela (EFPB).

1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Uma das províncias de Angola, designada por Benguela, com sede na cidade
de Benguela, tem uma área de 39 827 km² e tem cerca 2 110 000 residentes. A
província de Benguela localiza-se a 692 Kms da capital nacional, chamada Luanda.

5. Strenghts, Weaknesses, OpportunitiesandThreats.

117
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Correia Pereira fundou o Forte de São Filipe de Benguela a 17 de Maio de


1617. Esta data marca a fundação desta cidade que é composta pelos sequentes
municípios Balombo, Baía Farta, Benguela, Bocoio, Catumbela, Caimbambo, Cubal,
Chongoroi, Lobito e Ganda.
Quanto à evolução histórica destacam-se algumas datas: a partir dos anos 60
do Século XX aprovou-se um projeto que criava Centros de Estudos Universitários
que “ (…) seriam responsáveis pelo oferecimento de cursos profissionalizantes
e especialização de nível superior, com o objetivo de formar professores para o
ensino médio e técnicos de especialidades (…)”. (Cunha, 2010, p. 6).
Depois da independência de Angola que se deu em 1975, a Lei constitucional
angolana aprovou um novo sistema de ensino que foi implementado em 1978. Visto
que, dois anos depois da independência, ou seja, “em 1977, Angola dispunha apenas
de cerca de 25 mil professores pobremente formados.” (Chivelaet al., 2003, p. 2).
No entanto, na estrutura do ensino superior, o sistema dos centros de estudos
universitários iniciado nos anos 60 continuou até aos anos 80, cinco anos depois
da independência. A partir desta data, entre os anos 80 e 90 ocorreu uma
reforma, em termos de análise de currículo, dos Institutos Superiores de Ciências
da Educação. De acordo com Cunha “ (…) para cumprir a série tarefa de formação
de novos quadros de qualidade e em quantidade suficiente para atender Angola,
o Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda tornou-se uma das
instituições mais privilegiadas, reunindo condições que lhe proporcionou ao
longo do processo das reformas educacionais assumir uma ação fundamental
junto às escolas” (Cunha, 2010, p. 8).
Todavia, a situação educacional angolana agravou-se durante o conflito armado
que conduziu à escassez de recursos educativos, à destruição das escolas, à
incapacidade de acolher todas as crianças no sistema de ensino, à superlotação
de turmas, para além de “ (…) uma débil formação dos agentes de educação, a um
corpo de docentes fragilizado e em alguns casos de baixo nível de escolarização
com maior incidência nas zonas rurais (…)” (Chicumba, 2012, p. 16). Assim, a partir
de 2001, no intuito de minimizar a carência no setor educacional, foi criado pelo
Conselho de Ministros (CM) “O programa de imergência que prevê o recrutamento
de professores para o programa de construção das salas de aulas. Considerando o

118
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

sistema de dois turnos diários, as necessidades em professores para as 1.500 salas


são avaliadas em 3.000 professores.” (CM, 2001, p. 49). Neste sentido, organizou-
se programas especiais nos centros de formação com o objetivo de dar respostas
às necessidades básicas dos professores.

1.1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES


Coscarelli (2008) realizou um estudo, que pretendia dar ao professor alguns
métodos dinâmicos na aula de português, fruto de experiências profissionais, para
que este consiga chegar a uma nova prática da aula de LP com sucesso. Nesta
mesma linha, Sim-Sim (2012) complementou centralizando os professores do 1º
ciclo do Ensino Básico, como responsáveis pelo ensino formal da língua.
Gomes (2009) e Neto (2009) salientam a problemática de formação de
saberes do professor no quadro da formação inicial, existindo numa hierarquia
de conhecimentos de crucial importância para os futuros professores. Focaram,
também na necessidade de formar, convenientemente, o futuro professor, no
sentido de ser criativo e com capacidade de contextualização, visto ser um dos
elementos fundamentais que integram o processo de ensino-aprendizagem.
Por outro lado, outros autores estão mais virados para o desenvolvimento da
língua segunda, ou ensino bilingue, na formação de professores.
Chicumba (2012) abordou a questão da análise, da avaliação, da sensibilização
e motivação dos diferentes setores da sociedade angolana sobre a importância
da educação bilingue; mostrando, assim, a formação de professores como
uma componente imprescindível e decisiva para o desenvolvimento das suas
competências em prol dos novos desafios que a sociedade se propõe atingir.
Do ponto de vista do ensino da língua, a contextualização dos currículos e dos
conteúdos programáticos é fundamental no sucesso do ensino/aprendizagem.
Neste sentido, Candé (2008) e Baldé (2013) abordaram a problemática da língua
e cultura portuguesa como língua estrangeira ou língua segunda, mostrando a
dificuldade de aprendizagem da língua portuguesa na Guiné-Bissau, pelo fato de
os professores não estarem preparados para adaptar a metodologia da língua.
Estes autores sugerem que os professores de LP, desse país, sejam formados, de
modo a ensinarem a língua portuguesa como língua estrangeira ou língua segunda.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

1.1.1. CARATERIZAÇÃO DOS MODELOS DE FORMAÇÃO


A análise da formação de professores em Portugal, tem sido baseada na
problemática dos modelos de organização da formação e constata-se que eles
são de quatro tipos: o Modelo Clássico, a Profissionalização em Exercício, a
Profissionalização em Serviço e o Estágio integrado. Os dois primeiros podemos
caraterizá-los como empiristas e centrados, o terceiro como funcional e
descentralizado e detalhado Bietápico e o último como funcional e descentralizado
(Formosinho, 1986):
-Formação em Exercício, determinada a professores em prática, a formação
pedagógica é realizada nas próprias escolas, proporcionando uma ligação entre a
teoria e a prática. Em 1979 foi institucionalizado na formação dos professores no
ensino preparatório e secundário.
- Formação em Serviço é uma variante da formação em prática. A formação neste
caso é executada numa instituição superior. Em 1988 este modelo foi substituído
pelo antecedente.  
- Formação Integrada que inclui constituintes pedagógicos e científicos. Assim,
existiu na formação de professores no ensino secundário entre 1901 e 1930,
tornou a ser inserida nas Faculdades de Ciências em 1971 e depois do 25 de Abril
de 1974 desenvolveu-se nas novas Universidades.
- Formação bietápica é científica e pedagógica, pelo que são consideradas como
duas formações distintas, podendo acontecer em situações muito desfasados. Depois
de 1930 este modelo imperou na formação dos professores do ensino secundário.
A análise simplesmente administrativa que tem sido realizada destes modelos
tem ocultado as suas implicações políticas e filosóficas. Os autores que se seguem
defendem o Modelo Bietápico de Formação reforçando a condição imperativa de
vir a parte teórica e científica da formação antes da prática pedagógica.
Santos & Carvalho (2014), referem que o Modelo Bietápico de Formação
integrou o Moodle nas práticas letivas, permitiu a monitorização e consolidação da
apropriação progressiva de novos modos de articulação, integração das diversas
ferramentas usadas na formação, criação de espaços de formação não formal
como presencial e/ou a distância de modo a desenvolver os workshops.

120
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Por outro lado, os autores seguintes referem a importância dos modelos


integrados na inclusão das pedagogias de modo integrado nos programas
curriculares ao longo do curso. Assim, acham que o profissional docente deve
receber formação no terreno de modo a estimular as suas competências.
Conceição (2012) salienta a prática de ensino integrado e às relações que
se instituem entre identificar dissonâncias, consonâncias e ressonâncias da
pedagogia transmissiva e da pedagogia da participação e os seus impactos nas
práticas pedagógicas integradas; identificar os significados da formação e os
seus contributos para a mudança das práticas e para a criação de uma cultura
de colaboração; abranger como é que as experiências práticas, individuais e em
grupo, são compreendidas pelos formadores e pelos professores que selecionam
por formações de caráter disciplinar e integrantes de programas nacionais.
Silveira (2011) na sua investigação observou-se que a formação contínua é
fundamental para o desenvolvimento do professor separadamente do seu tempo
na carreira e que a ação de formação para o ensino do português, aplicada a
professores de 1º ciclo, foi, na opinião dos entrevistados, de grande relevância
para corrigir lacunas da formação inicial ou para inserir novos conceitos e novas
práticas no ensino e na promoção da leitura. Certificou-se, também que o tempo
de duração de uma formação e o modo como esta é seguida, como o contexto,
pelo que se desenvolve, são motivos de saliência na sua apreciação.
Ainda, existe um outro modelo de Formação, o Semi-integrado que, é uma
variante da formação integrada. A formação pedagógica aparece separada da
formação científica6 e apareceu a partir de 1987 nas Faculdades de Letras das
Universidades. A preparação pedagógica do professor ficará sem dúvida, uns são
mais providos do que outros, cada um, por si próprio, se pode ir recebendo ao
longo da vida, com a experiência. Trata-se de um modelo semi-integrado, pelo
que o processo da formação científica universitária é sucessivo, em regime de
integração nos dois últimos anos da licenciatura, por um curriculum de formação
pedagógica, pelo que precede o tempo de estágio7.

6. A parte prática é dada no seguimento da científica.


7. Acessível em: https://www.google.pt/
search?q:modelo+de+formação+de+professores+integrado&ie=utf

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

1.2. PERFIL DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA


O professor de português, sobretudo deve ser rigoroso no exercício da tarefa de
corrigir erros dos seus alunos. Conforme Lima “O ensino eficaz da língua portuguesa
e a sua aprendizagem constitui o sucesso das outras áreas disciplinares” (Lima,
2010, p. 78). No mesmo prosseguimento, Varanda diz que “O professor de língua
portuguesa deve ensinar as estratégias de compreensão de textos informativos,
porque esta competência contribui para o sucesso escolar, pois que esses
são materiais de ensino de outras disciplinas” (Varanda, 2011, p. 76). De fato é
fundamental que os alunos aprendam a perceber o que leem e ouvem. Estas
estratégias passam, também pelos resumos que estes devem fazer como exercício
depois da leitura. Neste contexto, a disciplina de LP é mais do que um instrumento
de trabalho na comunidade lusófona, porque ela é um elo de desenvolvimento da
comunidade.
Cardoso aconselha sobretudo a desenvolver, nos alunos, a competência
linguística que se manifesta na forma como os alunos comunicam as suas ideias e
como produzem textos escritos. Nesta mesma obra aconselha-se que na disciplina
de língua portuguesa se celebre as datas nacionais e internacionais significativas,
como o dia da poesia. Podendo ser feito de várias maneiras como:
- Elaboração de poemas pelos alunos;
- Seleção de poemas de autores portugueses;
- Exposição dos mesmos;
- Recitação de poemas em vários locais da escola” (Cardoso, 2013, p. 254). Em
outras datas como o dia da criança, do pai, da ecologia, entre outras propor, por
exemplo as composições sobre tais temas, a fim de se desenvolver a capacidade do
aluno em organizar as ideias e pô-las por escrito de forma percetível.
A motivação do professor fundamenta-se, de entre outras, nas seguintes
condições:
1. “O gosto e a capacidade de ensinar;
2. O conhecimento preciso dos objectivos e a preocupação na procura de
caminhos criativos para os atingir;

122
3. A capacidade de se alegrar com os avanços de cada um dos alunos para
atingirem os objectivos.” (Gomes, 1991, p. 10).
A psicologia cognitiva mostra que o indivíduo é provido de duas vias que lhe
permitem a aquisição da aprendizagem da leitura e escrita que são a via direta ou
lexical e a via fonológica. Neste contexto, o docente de LP deve criar atividades
que mostrem caraterísticas gráficas de palavras. Usar com frequência este tipo
de exercício, a fim de que os alunos guardem nas suas memórias a sequência
de grafias dentro das palavras. A via fonológica, segundo (Sousa, 2010, p. 44) “
(…) recorre a regras de correspondência fonema – grafema para transformar os
grafemas em fonemas (…) ”. Nesta via o aluno escreve tal como pronuncia. Daí a
dificuldade de transcrição gráfica, por parte de alguns alunos, no que diz respeito
às palavras irregulares.
Por outro lado, se a tecnologia traz benefícios, nota-se, também que desmotiva
no domínio da escrita, pelo fato de se omitir letras nas palavras e cada um poder
criar abreviaturas ao usar mensagem. Diante deste cenário, o professor de LP deve
criar na sala de aula, atividades de escrita e leitura, para que os alunos ganhem
apetências nesta matéria. No dizer de Rodrigues “só uma prática de leitura
contínua e sistemática poderá dar origem a bons leitores (…) “ (Rodrigues, 2012, p.
9). As novas tecnologias, por vezes podem estimular os alunos ao gosto da leitura
e da escrita.

CONCLUSÃO
A análise da formação de professores em Portugal tem sido apoiada na
problemática dos modelos de organização da formação e confirma-se que eles
são de quatro tipos como o Modelo Clássico, a Profissionalização em Exercício,
podemos caraterizá-los como empiristas e centrados, a Profissionalização em
Serviço como funcional e descentralizado e detalhado Bietápico e o Estágio
integrado funcional e descentralizado (Formosinho, 1986).
Neste seguimento, a psicologia cognitiva exibe que o sujeito é dotado de duas
vias que lhe permitem a aquisição da aprendizagem da leitura e escrita que são a
via direta ou lexical e a via fonológica. Neste âmbito, o docente de LP deve gerar
atividades que apresentem caraterísticas gráficas de palavras. Por outro lado, se
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

a tecnologia transfere benefícios, nota-se, também que desmotiva no domínio da


escrita, pelo fato de se omitir letras nas palavras e cada um poder criar abreviaturas
ao usar mensagem.
É na escola que os alunos vão aprender condutas adequadas como a interajuda,
o diálogo, a não-violência, a obediência, a humildade, a vivência na variedade,
entre outros valores assentes nos carris da sociedade.

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126
ANÁLISE DAS NECESSIDADES DE FORMAÇÃO
CONTÍNUA DE PROFESSORES DO ENSINO
SECUNDÁRIO DE CABO VERDE NO CONTEXTO
DA REVISÃO CURRICULAR

Arlindo Vieira
Universidade de Cabo Verde
arlindo.vieira@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
O presente estudo procura“articular a formação contínua, no contexto de
revisão curricular em Cabo Verde, nos seus modelos, processos e práticas, com
as necessidades de formação”. A abordagem metodológica remeteu-nos para a
necessidade de elaborar um guião de inquérito por entrevista e três inquéritos
por questionários, tendo em vista a recolha de dados. Inquirimos professores
experimentadores do novo programa (n=83), coordenadores disciplinares (n=47) e
orientadores de programas (n=10). Entrevistámos professores experimentadores
(n=11) e responsáveis técnicos dos serviços centrais (n=4), para além da recolha
de dados através da análise documental, com incidência no corpus legislativo,
relatórios e memorandos. Os resultados demonstram que formação contínua
de professores, poderá articular-se com as necessidades de formação, nos seus
modelos, processos e práticas, na medida em que se procura superar as deficiências
sentidas no exercício da profissão, aliadas ao modelo desenvolvimento profissional
contínuo, centrado na escola e nas reais necessidades dos professores e do sistema
educativo, assumindo, ao mesmo tempo, uma dimensão prospetiva e retrospetiva,
pesquisando necessidades potenciais e respondendo à satisfação das mesmas.
Palavras-chave: Análise de necessidades de formação contínua de professores,
Abordagem por competências, Reformas curriculares em Cabo Verde; Ensino
Secundário.

INTRODUÇÃO
A presente comunicação é resultado de uma investigação sobre “Análise das
necessidades de formação contínua de professores do ensino Secundário de Cabo
Verde no contexto da revisão curricular”e tem por finalidade pesquisar a relação
existente, no quadro do processo de revisão curricular de Cabo Verde, em curso,
entre a formação contínua de professores e suas necessidades de formação.
Num momento em que o sistema educativo cabo-verdiano atravessa fases
cruciais da sua reforma curricular, que levou à criação de uma Unidade de
Desenvolvimento Curricular (UDC) na Direção Nacionalde Educação (DNE), por
um Despacho Ministerial de 23/03/06, a publicação do novo plano curricular,
pelo Decreto- Lei nº 32 de 14 de Setembro de 2009, e a publicação da nova Lei

128
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de Base de Sistema Educativo, pelo Decreto-Legislativo nº 2 de 07 de Maio de


2010, torna-se urgente discutir os novos desafios que se colocam na formação
de professores, com realce para a formação contínua, considerando as inovações
a serem introduzidas ao nível do currículo e as consequentes responsabilidades
atribuídas aos professores, sobretudo as que se prendem com o proporcionar os
alunos uma boa aprendizagem e de qualidade.
Um dos eixos da revisão curricular é a formação dos professores. Neste contexto,
é imprescindível centrar a investigação na formação contínua de professores,
com a problematização dos seus modelos, processos e práticas, analisando a sua
adequação tanto à revisão curricular, pois sem professores não existe currículo,
entendido como projeto de formação que ocorre numa dada organização em
função de propósitos (Pacheco, 2004), de ideias e valores (Roldão, 1999), e cujo
processo está envolto em contradições (Morgado, 2000) e convicções pessoais,
mormente quando o currículo é definido como uma conversação complexa (Pinar,
2007), quanto às necessidades de formação contínua (Rodrigues & Esteves, 1993),
sendo certo que nenhuma reforma educacional tem valor se a formação de
docentes não for encarada como prioridade (Nóvoa, 1995).
Estudos recentes referem que as reformas, enquanto estratégias de investigação
e de desenvolvimento profissional, decorrente de introdução das inovações
pedagógicas e reformas curriculares, se têm recorrido ao processo de análise
de necessidades de formação (Esteve e Rodrigues, 1993; Rodrigues 1999; Vieira,
2006). Estrela e outros (1998; 1999) consideram que os estudos desenvolvidos no
âmbito da análise de necessidades de formação contínua têm vindo a demonstrar
a sua importância neste quadro.

EM JEITO DE UMA ARGUMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA


Partimos do conceito de necessidades de formação como o conjunto de
preocupações, desejos, carências e problemas sentidos ou percecionados pelos
professores no desenvolvimento do processo pedagógico (Tejedor, 1990, cit. Garcia,
1999; Rodrigues, 1999, Rodrigues & Esteves, 1993; Vieira, 2006), sem desvalorizar
a importância que os aspetos defeituosos (Montero, 1990) possam ter no processo
de desenvolvimento profissional, conjugando as carências dos professores em

129
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

relação às novas funções que lhe são exigidas e os seus desejos de um melhor
aperfeiçoamento profissional.
Uma das argumentações teóricas prende-se com o facto de que os dados teóricos
e empíricos comprovam que o processo de análise de necessidades de formação
deva recorrer as diversas perspetivas. Neste estudo, socorremo-nos da conjugação
de várias abordagens complementares, como a avaliação direta de necessidades, a
partir de uma sondagem abrangente; a exploração de perceção que os membros
de uma dada comunidade têm das suas necessidades; a determinação decorrente
das exigências de funcionamento das organizações, realizada por especialistas; e
a determinação a partir da expressão das expetativas dos indivíduos ou grupos,
recorrendo a informantes-chave, para alcançar os objetivos propostos.
Para uma argumentação metodológica, a recolha de dados reveste-se de
natureza qual-quantitativa (Seabra, 2010, Serapioni, 2000), pois, procura encontrar
a chave para um desenho metodológico em que as fraquezas de um método são
equilibradas pelas forças de outro, numa simbiose e complementaridade que
conduz a resultados satisfatórios, aproximando-nos do conhecimento mais fiel da
realidade em estudo.

APRESENTAÇÃO DOS PRINCIPAIS RESULTADOS


Um primeiro aspeto a salientar, neste estudo, é o de que a totalidade dos
professores abrangidos afirma estar interessado e muito interessado em participar,
futuramente, em ações de formação contínua. Este facto reforça a importância
atribuída à formação contínua e uma elevada disponibilidade pessoal para a aderir.
Embora as dificuldades não sejam propriamente necessidades de formação,
podendo apenas ter incidência na mesma, dos dados evidenciados na análise
global das entrevistas e dos questionários, os professores experimentadores
enfrentam dificuldades de vária ordem: de ordem técnica, logística e formativa na
implementação do novo programa. A nova estruturação lógica e metodológica dos
programas e o fraco acompanhamento técnico do ME têm dificultado o exercício
da experimentação.
Os professores enfrentam limitações em elaborar/criar materiais didáticos
apropriados à esta abordagem. Um acompanhamento técnico junto dos professores

130
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

experimentadores se faz sentir, sobretudo, ao nível da sala de aula para aferir


das necessidades dos professores na efetiva implementação da pedagogia de
integração na abordagem por competência. É necessário que a formação tenha uma
componente mais prática com demonstrações, podendo recorrer-se às estratégias
ativas e diversificadas.
Os objectivos de formação sobre os quais recaem um elevado nível de interesse
manifestado pelos investigados permitem mencionar que os professores
desejam formação contínua, essencialmente, para os aperfeiçoar melhor para
o desempenho da profissão docente e responder aos problemas decorrentes
da inovação da prática pedagógica. Semelhantemente, os dados resultantes das
entrevistas estruturadas aos responsáveis técnicos, aos coordenadores e aos
orientadores dos programas mostram que as dificuldades são da mesma ordem.
Uma outra ordem de dificuldades dos professores se relaciona, de facto, com a
produção de materiais didáticos, a elaboração de planos de aula e o domínio da
pedagogia de integração. Acrescenta-se que os professores devem dominar o
currículo escolar e as estratégias de ensino. Os professores demonstram ainda
dificuldades ao nível de criação de grupos de trabalho e o domínio de construção
de instrumentos de avaliação das competências dos alunos.

SÍNTESE GLOBAL DOS RESULTADOS OBTIDOS


Em termos globais, os dados indiciam que as necessidades prioritárias se
centram nas áreas relacionadas com a abordagem por competências, relativas às
competências de base. Em termos analíticos são necessidades de formação: na
elaboração de situações de integração, na avaliação criterial, em planificar em
termos de integração, em diagnosticar as dificuldades dos alunos, em corrigir uma
prova de avaliação com base em critérios, em gerir um módulo de integração,
em organizar e gerir uma remediação e em conduzir aprendizagens pontuais de
maneira activa; seguidas das relacionadas com as de desenvolvimento curricular,
como a planificação, a gestão letiva, e avaliação, e nas áreas de desenvolvimento
curricular. Do ponto de vista das necessidades de formação, os professores
experimentadores de novos programas manifestam necessidades de aprofundar
melhor todos os temas abordados na formação, com destaque para a “elaboração
de situações de integração e de avaliação de competências dos alunos”. Estes

131
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

resultados corroboram com os dados dos vários documentos analisados, segundo


os quais os conteúdos da formação sobre abordagem por competência não foram,
ainda, aprimorados, convenientemente, pelos diversos agentes educativos,
particularmente pelos professores.
Em relação às práticas de organização e gestão da formação há necessidade de
formação contínua em APC para clarificar, precisar e profundar a abordagem em
todos os temas, devendo, para isso, recorrer às estratégias mais práticas sobre
conteúdos específicos e às metodologias ativas e diversificadas, envolvendo outras
instituições de formação. Uma formação contextualizada, com o tempo suficiente
que permitam aos formandos o domínio dos conteúdos abordados. A sua gestão
deve ser focalizada em estratégias de ensino e planificação conjunta e deve ser
desenvolvida sob a forma de ateliês e seminários de capacitação pedagógica com
recurso às palestras e/ou conferências; encontros de formação com apresentação
dos novos programas feitos nas escolas; espaço semanal na TV ou rádio com técnicos
da Unidade de Desenvolvimento Curricular para a sua divulgação e publicitação. É,
de facto, necessária uma clarificação e uma assunção do papel que as diferentes
instituições têm nesse processo, assim como uma harmonização entre o que a
legislação prevê em termos de política educativa e aquilo que efetivamente se
está a implementar.
Um segundo aspeto a constatar é a da que estas áreas de formação focam as
necessidades de formação contínua dos professores para melhorar a intervenção
pedagógica na escola e em desenvolver práticas mais diretamente ligadas aos
problemas concretos da sala de aula, particularmente com a adopção de abordagem
por competências. Em suma, as necessidades de formação contínua, daqui
decorrentes, apontam, essencialmente, para o desenvolvimento de competências
e de conhecimentos dos professores no quadro da revisão curricular em curso.
Numa perspetiva mais analítica, e com base nos dados que obtivemos nos
questionários, nas entrevistas e nos documentos analisados, há muito interesse
dos professores inquiridos em desenvolver conhecimentos, competências e
atitudes para a melhoria do trabalho com os alunos, nomeadamente, na área
de diversificação dos métodos de ensino, no apoio a alunos com dificuldades
de aprendizagem e na prática de pedagogias diferenciadas, na diversificação das

132
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

estratégias pedagógicas, no acompanhamento dos alunos e na planificação do


processo de ensino/aprendizagem adequado às situações concretas, na integração
de alunos que acarretam de diagnóstico das dificuldades de aprendizagem na
sala de aula, no lidar com turmas com elevado número de efetivos, em elaborar
situações de integração, em avaliar os alunos, recorrendo aos critérios, em gerir um
módulo de integração, e em dinamizar grupos para uma aprendizagem eficaz.
Relativamente às representações dos coordenadores pedagógicos sobre
as “principais dificuldades percebidas e que os professores das suas escolas
demonstram e que a formação poderia resolver,” referem que os professores têm
dificuldades em lidar com a exigência de implementação do novo programa, em
lidar com o fraco acompanhamento do ME, e em lidar com a nova estruturação
lógica e metodológica do programa e manual. No que se refere à “recomendação
que fazem para quem tivesse que orientar uma acção de formação para os
professores”, os conselhos remetem-se para a necessidade de clarificar e precisar
a formação (abordagem complexa), de recorrer às estratégias mais práticas, e de
especializar os formadores em APC. Sugerem formação contínua em APC de forma
contextualizada e por grupos disciplinares, num timing suficiente que permita o
domínio dos conteúdos ministrados. Em relação aos conteúdos sugeridos para
a formação contínua, existem referências que apontem na área de planificação
de aula em APC e na avaliação das competências dos alunos, sem negligenciar o
aprofundamento de todos os outros conteúdos/temas já abordados na formação.
Para os responsáveis técnicos do serviço central, os professores têm dificuldades
em lidar com a nova abordagem, em lidar com a exigência de revisão curricular,
e em lidar com a formação caraterizada pela forte exigência teórica e prática.
Sugerem um aprofundamento de formação ao nível de avaliação dos alunos na
nova abordagem, nas novas metodologias de ensino e ao nível dos conceitos
inerentes à APC. Esta formação deve ser feita por área disciplinar ou mesmo por
disciplina. É necessário abordar temas mais específicas de formação, como sejam a
Psicologia de aprendizagem e a de desenvolvimento. Há uma necessidade de haver
uma colaboração mais estreita e efetiva entre o ME e as instituições de formação
(Uni-CV, IUE e outras) que possa garantir condições necessárias face às carências
sentidas ao nível de acompanhamento e seguimento dos professores.

133
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No respeitante às representações dos orientadores dos programas, as principais


dificuldades percebidas são as de ordem técnicas e logísticas, nomeadamente, em
lidar com a sobrecarga horária e em lidar com o novo programa. Uma das maiores
dificuldades dos professores é a integração dos conceitos de abordagem por
competências para a sua aplicação prática, distinta de pedagogia por objetivos. É
necessária a focalização de estratégias de ensino e o aprofundamento de formação
contínua na APC. Em relação aos conteúdos sugeridos, há necessidade no domínio
de currículo, de Psicologia educacional, e da gestão das condições logísticas.

SÍNTESE CONCLUSIVA
Tanto dos resultados provenientes das entrevistas aos professores e aos demais,
como dos textos legais e documentos internos analisados, infere-se que há
necessidades de formação contínua dos professores para o aprofundamento na
área da nova abordagem pedagógica, adotada no sistema educativo, e nas áreas
para a melhoria de intervenção da sua prática letiva. Com efeito, várias vezes os
professores afirmaram não saber “elaborar situações de integração” e, sobretudo,
como “avaliar as produções dos alunos nessas situações”. Dos vários documentos
analisados, infere-se que a APC não foi, ainda, aprimorada, convenientemente,
pelos diversos agentes educativos. Depreende-se que os conteúdos abordados nas
sessões de formação são exigentes e “complexos” para uma “rápida assimilação e
aplicação” em tempo “record” que se almeja.
Assim, podemos afirmar que a institucionalização da formação contínua de
professores poderá articular nos seus os modelos de formação, na medida
em que procurará compensar ou preencher as lacunas ou deficiências da
formação inicial. Articulará, ainda, com o modelo de desenvolvimento profissional,
baseado no desenvolvimento curricular/organizacional. Poderá articular com
as necessidades nos seus processos de formação dos professores na medida
em que requer um sistema integrado e centrado na escola com base nas reais
necessidades dos professores e da comunidade educativa. Articulará, ainda, nas
suas práticas com a necessidade de formação na medida em que, no âmbito da
planificação, o processo de formação contínua assumir uma dimensão prospetiva,
pesquisando necessidades potenciais que permitissem rever e melhorar ou até
alterar programas, serviços, estruturas ou mesmo criar, de novo, outros cursos
mais condicentes, e ao mesmo tempo, em que adquire uma dimensão retrospetiva

134
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

(avaliação sumativa) ou de acompanhamento (avaliação formativa), procurando


compreender em que medida as necessidades estabelecidas foram satisfeitas

ALGUMAS RECOMENDAÇÕES
Dado que a educação é, essencialmente, uma área de aplicação, a investigação
deverá propor algumas recomendações para eventuais alterações da prática
educativa, fundamentando-nos não só apenas nos resultados obtidos, mas
também da realidade que conhecemos de Cabo Verde. Pensamos poder fazer
algumas recomendações a considerar na elaboração dos futuros programas de
formação para professores, e passamos a enunciar, apenas as que consideramos
serem de caráter prementes: a) criar medidas legislativas para a regulamentação
de mecanismos de formação profissional contínua de professores; b) estruturar
programas de formação no sentido de integrar objetivos relacionados com:
a diversificação dos métodos de ensino; o apoio e o diagnóstico de alunos
com dificuldades de aprendizagem; a prática de pedagogias diferenciadas; as
estratégias pedagógicas de acompanhamento de alunos, articulados com as
áreas de competências de base exigida pela revisão curricular; c) promover
rede de formação contínua, assegurada, predominantemente, pelas respectivas
instituições de formação inicial em estreita cooperação com os estabelecimentos
onde todos os agentes educativos desempenham as suas funções; d) promover
atividades de formação, privilegiando as que impliquem a análise objetiva e
holística do fenómeno educativo, sobretudo, das situações conhecidas como
sendo problemáticas; e) sugere-se o abandono da lógica de APC no sistema normal
de ensino, provendo, sim, a melhoria dos programas com temas transversais e
atuais na base de pedagogias ativas, relegando a abordagem por competências
para os sistemas de formação profissionalizantes.

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137
A REFORMA EDUCATIVA EM ANGOLA: O QUE
PENSAM OS PROFESSORES

Maria Alice de Pina Tavares; José Carlos Morgado


Universidade Katyavala Bwila, Benguela – Angola; Universidade do Minho, Braga
– Portugal
alitavares46@hotmail.com; jmorgado@ie.uminho.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A última reforma educativa em Angola, instituída com a publicação da Lei nº
13/01, de 13 de dezembro – Lei de Bases do Sistema de Educação (LBSE) –, constitui
um marco importante na história da educação daquele país. Passados dez anos
sobre a sua implementação, importa averiguar quais os efeitos que gerou junto
dos principais agentes envolvidos nesse processo – os professores.
Esta comunicação pretende dar conta de alguns resultados de um estudo
mais amplo, realizado junto de professores que lecionam em escolas do ensino
primário, ao longo do qual procurámos conhecer as suas perceções e averiguar se
as mudanças desencadeadas pela reforma educativa se aproximam ou afastam das
ideias que a consubstanciaram.
Na realização desta parte do estudo recorremos a uma metodologia quantitativa,
tendo utilizado como instrumento de recolha de dados um questionário que
aplicámos aos professores que no ano letivo de 2012/2013 exerceram funções em
escolas públicas do ensino primário na província de Benguela, em Angola.
Os resultados demonstram que a decisão curricular em Angola continua muito
centralizada, o que tem inviabilizado a construção de uma efetiva autonomia
curricular e contribuído para que os professores se limitem, essencialmente,
a cumprir aquilo que lhes é prescrito. Daí que a flexibilização, articulação e
contextualização do currículo continuem mais no campo das intenções do que nas
práticas que desenvolvem nas escolas, em particular nas salas de aulas.
Palavras-chave: Reforma educativa, currículo, profissionalidade docente.

INTRODUÇÃO
Tendo em conta que o lema central da reforma é criar condições que proporcionem
uma Educação para todos, entendida como necessária quer para o desenvolvimento
pessoal e profissional de cada indivíduo, quer para a melhoria das condições de vida
das comunidades, quer, ainda, para o desenvolvimento sustentado e o progresso
do País, considerámos pertinente averiguar se os propósitos que têm presidido a
esse empreendimento estão, de facto, a concretizar-se a nível das práticas que se
desenvolvem nas escolas e nas salas de aula.

139
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Nesta comunicação, damos conta de alguns dos resultados obtidos nesse


processo de investigação. Depois de refletirmos sobre o conceito de reforma,
analisamos as opiniões dos professores acerca da reforma educativa e do impacto
que a mesma gerou nas escolas em que trabalham. Os dados apresentados
estruturam-se em torno das mudanças operadas tanto ao nível das dinâmicas de
trabalho dos professores como das decisões curriculares que tomam na escola.

1. A REFORMA EDUCATIVA E CURRICULAR EM ANGOLA


Ao falarmos de reforma não podemos deixar de tentar compreender o significado
deste termo, bem como os sentidos que lhe estão associados. Tal ensejo é ainda
mais pertinente se, como reitera Pacheco (2001, p.149), tivermos em conta que
“falar de reforma, hoje e amanhã, tal como ontem, torna-se indispensável”, porque
qualquer reforma é um processo de mudança global, complexo e demorado, através
do qual se procura alterar o estado das coisas e ajustá-las, progressivamente, a
novas exigências conjunturais.
Para Canário (1992, p.49), o termo reforma refere-se a uma mudança em larga
escala, com “carácter imperativo para o conjunto do território nacional, implicando
opções políticas, redefinições de finalidades e objetivos educacionais e alterações
estruturais no sistema”. Ainda que a reforma possa abranger o sistema educativo
tanto na sua totalidade como apenas uma parte dele, reiteramos a opinião do autor
de que qualquer reforma se concretiza com a finalidade de introduzir alterações
políticas e pedagógicas justificadas.
Em idêntica linha de pensamento, Popkewitz (1997, p. 12) considera que “a
reforma é melhor entendida como parte de uma regulação social”, o que resulta
do facto de as atuais reformas não serem, simplesmente, “um mecanismo formal
para reagir aos factos, mas [serem] parte dos factos em si, que servem para
estruturar a lealdade e solidariedade social”. Por outro lado, qualquer reforma
pressupõe mudanças e, eventualmente, alguma inovação. Daí o autor (idem, p.
26) afiançar que os objetivos da mudança estão direcionados para “redefinir as
condições sociais, de forma a possibilitar ao indivíduo a demonstração de atributos,
habilidades ou efeitos específicos considerados como resultados esperados dessa
mudança planejada”.

140
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Só que, nem sempre reformar significa mudar. Para Gimeno (1997, p. 26), a ideia
de reforma associa-se à ideia de “remoção”, o que confere uma “certa notoriedade”
ao processo perante a opinião pública e os docentes, relegando, muitas vezes, para
segundo plano “uma política de medidas discretas mas de constante aplicação,
tendentes a melhorar o serviço da educação”. No fundo, muitas reformas criam
“sensação de movimento, geram expectativas e isso parece provocar por si
mesmo a mudança” (ibidem). É nesta ordem de ideias que Popkewitz (1997, p.
166) considera que o principal desafio de qualquer reforma é “identificar os meios
mais apropriados para alcançar os fins estabelecidos, assim como as estratégias
para aumentar a eficiência e a coordenação dos programas”. Também para Silva
(2008, p.184), uma reforma educativa “é um dos mais poderosos instrumentos
no campo da administração do ensino, e a própria ideia de reforma está também
ligada a ideia de sistema: unidade coerente composta de diferentes elementos”.
Por isso, considera que as reformas “são projetos políticos e intelectuais com forte
repercussão nas práticas, ligando as vertentes técnica e política da administração
educacional, e as componentes teórica e prática” (ibidem). Daí a sua importância
na mudança e melhoria do sistema educativo de qualquer país.
No caso de Angola, a reforma educativa e curricular é um processo que vem
decorrendo há já alguns anos com o intuito de gerar condições para criar estruturas
básicas essenciais ao sistema de ensino e implementar políticas educacionais
que garantam a modernização do sistema e o desenvolvimento de inovações
pedagógicas que tornem o ensino mais atrativo e de melhor qualidade, numa
lógica de igualdade educativa para todos os cidadãos.
Foi com base nos pressupostos que acabámos de referir que se tornou pertinente
averiguar se, no ensino primário, a reforma conduziu a uma efetiva descentralização
das decisões curriculares, se viabilizou a participação dos professores e das
comunidades educativas na vida das escolas e se conseguiu gerar mudanças nas
dinâmicas de trabalho que se desenvolvem no seu interior.

141
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2. IMPACTO DA REFORMA EDUCATIVA NAS ESCOLAS

2.1. DESCRIÇÃO DO ESTUDO


Como referimos oportunamente, este texto dá conta de alguns resultados de
um estudo mais amplo, em que participaram professores do ensino primário
que, no ano letivo de 2012/2013, lecionaram em escolas públicas da província
de Benguela, em Angola.

2.1.1. PROBLEMÁTICA DE INVESTIGAÇÃO


A problemática de investigação que abordámos ao longo deste percurso
investigativo de que aqui damos conta circunscreveu-se às principais mudanças
concretizadas pela Reforma Educativa em Angola, com o intuito de averiguar se, no
ensino primário, a reforma tem sido feita a partir de uma efetiva descentralização
das decisões curriculares, se tem viabilizado o reforço da participação dos
professores e da comunidade educativa na vida das escolas e se tem conseguido
gerar mudanças nas dinâmicas de trabalho que se desenvolvem no seu interior
ou se, pelo contrário, o discurso que está na base da reforma continua a situar-se
apenas no domínio da retórica.

2.1.2. METODOLOGIA UTILIZADA


Considerando a problemática em estudo e os objetivos que pretendíamos
concretizar nesta fase do processo, decidimos realizar uma investigação
quantitativa, de cariz descritivo e interpretativo, tendo para o efeito utilizado como
instrumento de recolha de dados um questionário, o que nos permitiu abranger
um número considerável de respondentes, incluídos numa amostra representativa
da população em estudo. Os dados recolhidos foram, posteriormente, tratados
através de um conjunto de operações de estatística descritiva.

2.2. MUDANÇAS DECORRENTES DA REFORMA EDUCATIVA E


CURRICULAR
2.2.1. MUDANÇAS NAS DINÂMICAS DE TRABALHO NA ESCOLA
Um dos conjuntos de questões colocadas aos professores, no âmbito da reforma,
referia-se às mudanças nas dinâmicas de trabalho que desenvolvem nas escolas.

142
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Os resultados obtidos encontram-se inseridos no Gráfico 1.


Gráfico 1 – Dinâmicas de trabalho dos professores

A análise dos dados inseridos no gráfico anterior permite-nos inferir que,


relativamente à(s)forma(s) de trabalho dos professores, a maior parte dos inquiridos
(62,9%) afirma que já não trabalha de modo tão individualista, uma prática ainda
comum em muitas escolas. Posição diferente é assumida por 21,4 % de inquiridos,
uma vez que afiança que os professores continuam bastante individualistas, um
aspeto que, em nosso entender, tem reflexos negativos quer ao nível do próprio
funcionamento da escola, quer ao nível do desenvolvimento profissional dos
docentes. Existe ainda uma percentagem significativa de inquiridos (15,7%) que
não se pronuncia a este respeito, o que não deixa de ser preocupante.
Em relação à forma como planificam e desenvolvem as atividades letivas,
a maioria parte dos respondentes (77,4%) admite que alterou o modo como
trabalhava nestes domínios, existindo, porém, uma percentagem ainda significativa
de docentes que ou afirma o contrário (14,1%) ou ignora o assunto (8,5%). Estes
resultados demonstram que a maioria dos respondentes está consciente da
necessidade de alterar a forma como planifica as atividades letivas, bem como o
modo como as desenvolve na sala de aulas, aspetos essenciais para conseguirem
envolver os alunos nos processos de ensino-aprendizagem e de melhorarem os
seus resultados.
Questionados sobre as metodologias a que recorrem nas aulas, 75,7% dos
inquiridos afirma que decide em conjunto, com os colegas, quais as metodologias

143
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de ensino a utilizar, opinião de que discordam 15,1% dos respondentes. Os restantes


9,2% não emitem qualquer opinião. A concretizar-se, esta prática permite-nos
concluir que os professores começam a valorizar as decisões conjuntas, o que,
para além de lhes proporcionar mais segurança, contribui para poderem decidir
coletivamente quais as melhores formas de organizar e concretizar o ensino e a
aprendizagem.
No que diz respeito à realização de atividades conjuntas, e na sequência da
questão anterior, 63% de respondentes assegura que esta é uma prática que tem
vindo a tornar-se recorrente nas suas escolas, embora exista um número ainda
expressivo de docentes (20,8%) que garante não ser uma prática comum na
instituição em que trabalham.
Em suma, os dados demonstram que existe já um número significativo de
professores que se foi apropriando dos benefícios que resultam do trabalho
conjunto, quer em termos pessoais quer em termos profissionais.

2.2.2. MUDANÇAS NAS DECISÕES CURRICULARES DOS PROFESSORES


Um outro conjunto de questões, também fundamental, diz respeito à planificação
didática, o que nos levou a questionar os professores sobre as decisões curriculares
que tomam nesse processo. Os dados obtidos encontram-se inseridos no Gráfico 2.
A análise dos dados ineridos no gráfico permitem-nos constatar que,
relativamente à planificação dos processos de aprendizagem em função do contexto
onde a escola se insere, 86% dos inquiridos assegura que têm em consideração
esse requisito, opinião de que discordam 6,9% de docentes. Os restantes 7,1% não
emitem qualquer opinião sobre o assunto. Apesar da tomada de decisões, ainda,
ser uma prática incipiente em muitas escolas, visível pela posição ambígua que
os professores assumem relativamente à sua autonomia curricular, é evidente a
tentativa de contextualizar o currículo, procurando adaptá-lo às características
reais de cada contexto, o que é fundamental para o sucesso dos alunos.

144
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Gráfico 2 – Decisões dos professores relativamente à planificação didática

Ainda no que diz respeito à planificação e consequente concretização dos


processos de ensino-aprendizagem, bem como ao sucesso educativo dos alunos
que as frequentam, estudos recentes (Leite et al., 2012) demonstram que as
caraterísticas do contexto em que a escola se insere são fundamentais na
organização e concretização do currículo.
Solicitados a pronunciarem-se sobre a importância das caraterísticas dos
alunos, 78% dos professores afirma que considera esse aspeto quando planifica
as suas aulas, 9,5% revela que não têm em conta esse pressuposto e 12,5%
mostra-se indiferente a essa possibilidade. Ora, vários estudos têm revelado
que o conhecimento por parte dos professores das características dos alunos é
fundamental para poderem atender às suas necessidades e para conseguirem
atingir os objetivos que se pretendem em termos educativos.
Ainda nesse domínio, e na sequência da questão anterior, importa referir que
78,6% dos professores inquiridos considera que as planificações que desenvolve em
colaboração com os colegas são essenciais para a coordenação dos programas ao
longo do ano, 9,7% têm opinião contrária e 11,7% não se pronuncia a este respeito.
Relativamente à possibilidade de os professores poderem recorrer a temas que
consideram importantes para a aprendizagem dos alunos, 61,7% assegura que,
sempre que possível, recorre a esses temas em prol das necessidades dos alunos,
15,2% afirma que recorre a outras temáticas para além dos que estão previstos
nos programas e os restantes 23,1% não emite opinião a esse respeito. Apesar de

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

o currículo ser definido a nível central, os professores devem ter autonomia para
recorrer a temáticas que considerem pertinentes, isto é, devem ter possibilidade
de explorar temáticas e recorrer a metodologias que permitam adaptar o currículo,
tanto ao contexto como aos estudantes, tendo em vista a melhoria das suas
aprendizagens.
No tocante à introdução de novos conteúdos nos programas, sempre que os
professores considerem necessários, as opiniões dividem-se: 46,6% dos inquiridos
assegura que recorre a outros conteúdos para além dos que estão previstos nos
programas, 39,1% assegura que não e 14,3% não se pronuncia sobre o assunto.
Se tomarmos em consideração a diferença percentual que existe entre os que
admitem e rejeitam esta possibilidade, podemos concluir que os professores não
utilizam as oportunidades de decisão que lhes estão consignadas no processo de
desenvolvimento do currículo, nem se mostram dispostos a poder usufruir delas.
Trata-se de uma situação preocupante, uma vez que ninguém melhor do que o
professor poderá tomar essas decisões, pois é ele que conhece as reais necessidades
dos estudantes. No entanto, a análise das respostas a esta questão levantou
algumas dúvidas em relação aos que afirmam recorrer a outros conteúdos, uma
vez que a extensão dos programas em vigor dificulta essa possibilidade. Por isso,
este é um assunto que merecia uma análise mais profunda, para verificar a que
conteúdos os professores se referem, porque recorrem a eles e quais os benefícios
que daí resultam para os alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluída a apresentação dos dados, importa agora fazer uma análise crítica
dos mesmos, já que, para além de permitir inferir algumas conclusões no estudo
que realizámos, permitirá constatar se, na opinião dos professores, a reforma
educativa em Angola produziu os efeitos previstos, bem como inventariar aspetos
de melhoria futura.
No que diz respeito às dinâmicas de trabalho dos professores, verificámos que
embora predomine o trabalho individual, começam a aflorar situações de trabalho
conjunto, o que demonstra que os professores têm consciência dos benefícios
que daí podem advir em termos pessoais e profissionais. Convém lembrar que

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

a colaboração é um dos temas que, nos últimos anos, tem sido frequentemente
referenciado no campo da educação, uma vez que se reconhece ser uma mais-
valia na melhoria da qualidade dos processos de ensino-aprendizagem e no
desenvolvimento profissional dos professores.
Um outro aspeto digno de registo é o reconhecimento, pelos inquiridos, da
necessidade de alterar a forma como planificam e desenvolvem as atividades
letivas, o que só será possível através da mudança das suas práticas curriculares.
Não nos surpreende que esta seja uma mudança ainda muito ténue, uma vez que
envolve uma mudança de mentalidades, a que não é alheia uma transformação
dos valores, das emoções e das conceções que modelam a prática docente e a
visão sobre a educação, o ensino e a aprendizagem.
O mesmo se passa relativamente à possibilidade de recorrerem a temas que
considerem fundamentais para a aprendizagem dos alunos. Embora reconheçam
que é uma prática crucial para o sucesso educativo dos alunos, bem como para a
construção da sua autonomia, constata-se que não é, ainda, uma prática comum
nas escolas.
Porém, existe ainda uma outra questão não menos preocupante, que o estudo
mais amplo revelou e que não podemos deixar de trazer à colação. O facto de
uma maioria significativa de professores, formados para lecionarem no 1º e no 2º
ciclo, não serem portadores dos conhecimentos e das competências pedagógicas
e metodológicas necessárias para atender às necessidades dos alunos do ensino
primário. Daí a necessidade de, por um lado, aumentar a capacidade e melhorar
a qualidade da formação ministrada nas escolas de formação de professores do
ensino primário e de, por outro lado, criar condições para que os professores
que já estão no sistema possam fazer formação contínua em instituições que os
apetrechem com saberes – científicos, pedagógicos, didáticos e metodológicos
– que lhes permitam atender às necessidades de aprendizagem dos jovens que
frequentam este nível de ensino.
É que, como refere Morgado (2011, p. 808), “a necessidade de os professores
mudarem as suas práticas curriculares” é inadiável, sendo certo que “qualquer
reforma que descure este aspeto está condenada ao fracasso”. Para que isso
seja possível, é preciso que os docentes “deixem de se limitar a cumprir aquilo

147
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

que lhes é prescrito, se empenhem numa contínua renovação e (re)valorização


científica e pedagógica e se assumam como profissionais autónomos que tomam
decisões em prol do conjunto concreto de alunos com que trabalham” (ibidem).
Daí a importância que a formação – inicial e contínua – desempenha em todo
esse processo.

REFERÊNCIAS
Canário, R. (1992). Escolas e Mudanças: da lógica da reforma à lógica da inovação.
In A. Estrela & M. Falcão (Orgs.), A Reforma Curricular em Portugal e nos Países
da Comunidade Europeia. Lisboa: Universidade de Lisboa.
Gimeno, J. (1997). Docencia y cultura escolar: reformas y modelo educativo. Buenos
Aires: Lugar Editorial.
Leite, C. et al., (2012). Práticas curriculares no ensino da matemática: perceções
de alunos do 9.º ano de escolaridade e sua relação com a contextualização
curricular. interacções, nº. 22, pp. 83-112. Disponível emhttp://revistas.
rcaap.pt/interaccoes/article/viewFile/1537/1228 . (Consultado em 25 de
outubro de 2013)
Morgado, J. C. (2011). Identidade e profissionalidade docente: sentidos e (im)
possibilidades. Ensaio: Avaliação e Politicas Públicas em Educação, v. 19, n. 73,
793-812.
Pacheco, J. A. (2001). Currículo: teoria e praxis. Porto: Porto Editora
Popkewitz, Th. (1997). Reforma Educacional – uma política sociológica. Porto
Alegre: Artmed.

DOCUMENTOS LEGISLATIVOS
Lei nº 13/01, de 31 de dezembro – Aprova a Lei de Bases do Sistema de Educação
(LBSE). Diário da República, I série - nº 65 de 31 de Dezembro de 2001.

148
DE PAR EM PAR MULTIDISCIPLINAR: UM
MODELO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE
PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR

João Pedro Pêgo; Ana Mouraz


Faculdade de Engenharia da U. Porto; Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da U. Porto
jppego@fe.up.pt; anamouraz@fpce.up.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
O projeto “De Par em Par”, em curso na U. Porto desde 2009, pretendeu romper
com a tradição solitária de se exercer a docência no Ensino Superior e promover
práticas colaborativas que constituíssem um modelo de formação pedagógica.
O seu caráter inovador não reside na entrada de outros professores dentro da
sala de aula, mas na abertura da mesma porta ao olhar de outros professores
de outras áreas disciplinares, com outras culturas epistémicas. Contribui-se,
por isso, para o estabelecimento de ligações entre professores de diferentes
Unidades Orgânicas e para o reconhecimento necessário da alteridade que pode
produzir colaborações futuras.
O projeto foi recentemente financiado para a sua disseminação através do
programa “Projetos Inovadores no Domínio Educativo - Desenvolvimento do
Ensino Superior”, e do Concurso Inovação Didática no Ensino Superior Português
pelo que se pretende contribuir para a discussão do modelo, em arenas mais
abrangentes da Comunidade académica e contribuir para o reconhecimento do
modelo de observação de pares multidisciplinar como uma prática de formação de
professores do Ensino Superior.
Na apresentação que se propõe ao CEDU 2015, pretende-se dar conta quer dos
resultados que o projeto foi produzindo ao longo dos 5 anos da sua implementação,
quer das principais conclusões obtidas no Seminário Interinstitucional de Partilha
Pedagógica, que teve lugar no dia 6 de fevereiro na U. Porto, do qual a presente
comunicação constitui o resumo alargado.
Palavras-chave: Ensino Superior; Modelo de formação pedagógica; Observação
de Pares multidisciplinar.

1 INTRODUÇÃO
As universidades têm mudado devido à maior diversidade do seu público, assim
como aos novos desafios que as sociedades lhes colocam. Entre estas mudanças,
as questões pedagógicas têm uma enorme importância por se associarem às
finalidades da sociedade do conhecimento e da aprendizagem ao longo da vida
que o Horizonte 2020 estabeleceu para os países europeus. Paralelamente a

150
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

estas mudanças, nos últimos anos assistiu-se a um crescimento significativo do


interesse e das medidas destinadas a apoiar a aprendizagem e o desenvolvimento
profissional dos docentes ao nível institucional.
A observação de pares é uma atividade comum no Ensino Superior, mormente
nas Universidades anglófonas, e está associada, sobretudo, a finalidades formativas
e/ou de avaliação de desempenho dos profissionais docentes. Se usada com uma
finalidade formativa, a Observação de Pares procura romper com a tradição solitária
de se exercer docência no ensino superior e promover práticas colaborativas capazes
de constituir modos de formação pedagógica. No projeto que se toma como ponto
de partida, o “De Par em Par”, em curso na Universidade do Porto, pretendeu-se
contribuir para esta finalidade. Todavia, o seu caráter inovador não reside na entrada
de outros professores dentro da sala de aula (no que se convencionou chamar o
jardim secreto do currículo), mas na abertura da mesma porta ao olhar de outros
professores de outras áreas disciplinares, com outras culturas epistémicas (Mouraz
et al., 2013). Contribui-se, por isso, para o estabelecimento de ligações entre
professores de diferentes Unidades orgânicas e para o reconhecimento necessário
da alteridade que pode produzir colaborações futuras.
A observação de pares multidisciplinar é uma prática pedagógica nova, pese
embora a observação de pares constituir uma prática muito utilizada na promoção
do ensino e da aprendizagem, como acima se referiu. No ano de 2012, uma busca
sistemática de literatura sobre o tema, apenas devolveu um estudo, publicado em
2009, que dava conta de um programa multidisciplinar de observação de pares,
promovido na Faculty of Health Sciences da Universidade de Adelaide na Austrália
(O’Keefe et al., 2009). Mesmo nesse programa, a dimensão multidisciplinar residia
na existência de diversas disciplinas que contribuíam de modo complementar
para a formação médica dos estudantes, pelo que a observação multidisciplinar
se inscrevia no mesmo objetivo - o de promover a formação profissional dos
professores que trabalham para uma mesma finalidade - a formação médica dos
estudantes, ainda que as suas disciplinas tenham matrizes disciplinares diferentes.
O Laboratório de Ensino Aprendizagem (LEA), criado em 2009 numa parceria
entre a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e a Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), iniciou no 2º

151
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

semestre do ano letivo de 2008/2009 uma experiência informal de observação de


aulas em parceria, de que foram protagonistas professores das duas Faculdades.
Nos semestres subsequentes e até ao presente, a iniciativa tem vindo a ser
aprofundada, sendo marco importante deste percurso o alargamento da iniciativa
a todas as Unidades Orgânicas da UP, isto é, a todas as Faculdades, que se iniciou
no ano letivo de 2010/11. Desde o seu início a atividade já mobilizou perto de 200
docentes de treze unidades orgânicas (UO) da U. Porto (Pêgo et al., 2011). Alguns
destes têm vindo a participar repetidamente na iniciativa, mas há a consciência de
que é necessário dar um caráter de maior continuidade à experiência, explorando
melhor o seu potencial formativo e alargá-la a outros docentes.
Desde o seu início, em 2009, o programa de observação de pares multidisciplinar
“De Par em Par” (www.deparempar.pt), levado a efeito na Universidade do Porto,
tem apostado nas virtualidades da multidisciplinaridade como uma das suas
características mais inovadoras, quer porque tal prática constituía uma forma
de aproximação ao esteio pedagógico que deve sustentar as práticas de ensinar
e aprender, também na Universidade, quer porque se rompiam as barreiras
disciplinares com as quais a Academia ainda encerra os saberes que produz (Knorr
Cettina, 1999; Becker & Troyler, 2001).
Ao longo destes 5 anos (de 2009 a 2014) foram produzidas informações sobre
as caraterísticas das aulas observadas, que, ano após ano, foram devolvidas aos
professores participantes na experiência de observar e ser observado no reduto da
sala de aula. O processo sempre pretendeu aliar a vertente da pesquisa à vertente
da formação/ intervenção, pelo que os dados recolhidos através das grelhas de
observação (até 2012) e guiões de observação (a partir de 2012) preenchidos pelos
participantes serviram sempre, depois de tratada a informação aí constante, esse
duplo propósito.

2 OBJETIVOS DO PROJETO
O “De Par em Par” tem como finalidade criar instrumentos para a melhoria
da qualidade e pertinência do trabalho docente dos professores envolvidos no
projeto e, consequentemente, do ensino superior. Tomando a Universidade
do Porto como caso de estudo, pretende-se criar um modelo que possa ser

152
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

aplicado, sistematicamente, a outras instituições de ensino superior, nacionais e


internacionais.
Os objetivos do projeto podem sumariar-se da seguinte forma:
Permitir uma maior consciência do trabalho docente realizado e suas
§
implicações;
Intervir ao nível dos processos de ensino-aprendizagem no sentido de obter
§
maior coerência com os objetivos pretendidos para a unidade curricular;
Desenvolver a cultura da cooperação entre pares;
§
Desenvolver um sistema de controlo da qualidade docente no Ensino Superior;
§
Estimular a competência formativa da UP e promover a relação com outras
§
Universidades do espaço lusófono;
Divulgar os resultados obtidos pelo “De Par em Par”, nomeadamente na sua
§
fase atual de trabalho de avaliação do impacte do projeto nas atividades
pedagógicas e científicas dos professores que têm vindo a participar no projeto
ao longo do tempo.
Validar a Observação de pares multidisciplinar como um modelo de formação
§
de professores do Ensino Superior.

3 ORGANIZAÇÃO E METODOLOGIA DAS OBSERVAÇÕES


O “De Par em Par” tem por base a organização dos participantes em quartetos
de observadores/os em que cada docente participante é simultaneamente
observador e observado. Cada quarteto é composto por dois docentes de uma
mesma unidade orgânica, ou seja, faculdade, e por outros dois docentes de uma
unidade orgânica parceira. Tomando a A liberdade de se envolver ou não na
observação de pares; como exemplo mínimo da organização das aulas observadas,
o docente A é observado pelo docente B da mesma unidade orgânica e pelo
observador C da unidade orgânica parceira. Com esta metodologia pretende-se
obter uma visão, em termos de área disciplinar, próxima do observado e outra
externa a essa mesma área disciplinar, enriquecendo o processo de observação
pela complementaridade de ambas as visões.

153
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Figura 1 - Organização dos quartetos

Segundo McMahon, Barret & O’ Neill, (McMahon et al., 2007), para prevenir
o risco da perda de poder sobre o trabalho próprio é importante garantir ao
observado:
§ A liberdade de se envolver ou não na observação de pares;
§ A escolha do observador;
§ A escolha do que está em foco na observação;
§ A escolha das formas e métodos de feedback;
§ O anonimato da devolução dos dados;
§ O controlo do uso dos dados;
§ O controlo dos passos a dar no futuro.
Tendo em conta estas preocupações, a gestão interna dos quartetos é gerida
pelos próprios docentes, sem qualquer intervenção da organização do projeto,
o que garante, por um lado, a confiança interpares e, por outro, o anonimato e
confidencialidade das observações realizadas perante a organização. Compete
ao Coordenador de Quarteto, nomeado para o efeito, garantir que o quarteto
funciona regularmente, agilizando o agendamento das observações e comunicando
à organização eventuais dificuldades de ação. O esquema apresentado na A
liberdade de se envolver ou não na observação de pares;, sendo o esquema de
funcionamento mínimo esperado pela organização, não é de todo limitante.
Fica ao critério dos docentes do quarteto agendar mais observações que as

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

esquematizadas, e ter todos os elementos do quarteto presentes em todas as


observações. Esta autonomia e liberdade de ação, que é privilégio do quarteto,
garantem uma ampla participação e satisfação dos docentes com o De Par em Par.
A metodologia de observação de aulas escolhida para o “De Par em Par” tem três
momentos distintos: antes, durante e após a aula observada. No momento antes,
dá-se a troca de informação que permite contextualizar a aula a ser observada.
Durante a observação faz-se um registo, num guião de observação fornecido, das
características fundamentais da mesma. No momento após a aula, observadores
e observado fazem uma reflexão conjunta da observação, apontando estratégias
para a melhoria pedagógica da aula. Os guiões de observação são preenchidos e
colocados de forma anónima numa plataforma associada ao website.
O guião de observação que é usado durante a observação das aulas e preenchido
presencialmente pelos dois observadores presentes é constituído por vários
descritores da aula observada, divididos em cinco categorias, a saber: organização;
exposição; clima de turma; conteúdo; consciência e flexibilidade. O preenchimento
dos descritores é feito numa escala que varia de 1 (fraco) a 5 (forte), em que se
pretende registar se, na aula que está a ser observada, o descritor apresenta uma
importância baixa ou elevada para o desenrolar da aula. Pretende-se, desta forma,
centrar a observação na aula e não no docente, evitando-se que, implicitamente,
haja um modelo de aula ideal que outro tipo de meio de observação pudesse implicar.
Além da classificação quantitativa, o observador é convidado a complementar a
observação com comentários e observações sobre os descritores propostos e,
caso considere adequado, a propor novos descritores que se apresentem mais
adequados à aula em questão.

4 RESULTADOS E VALIDAÇÃO DO MODELO MULTIDISCIPLINAR


Ao longo dos últimos cinco anos do funcionamento o “De Par em Par” abriu a sala
de aulas de quase duzentos docentes da U. Porto, num total de 266 participações,
a que corresponderam mais de 300 observações registadas. Este manancial
de registos permitiu obter um valioso retrato das aulas lecionadas na U. Porto.
Faremos, de seguida um sumário daquilo que nos ensinou o “De Par em Par” nos
últimos cinco anos, nomeadamente, na valorização do modelo multidisciplinar
escolhido para a observação de aulas.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

4.1 ANO LETIVO 2009/2010 (2 FACULDADES, 18


PARTICIPANTES)
Da análise dos guiões de observação recolhidos constata-se que há uma relação
entre os aspetos negativos relacionados com o comportamento desatento dos
estudantes e as aulas centradas no professor. De igual modo, há uma relação entre
o comportamento mais interativo do professor e a participação dos estudantes na
aula. Esta interpretação é reforçada pelas questões mais abrangentes colocadas
pelos observadores: como envolver os estudantes na aula, é o grande desafio.
É possível concluir que a experiência de participação do projeto “De Par em
Par” deu aos professores participantes a oportunidade de refletir sobre as suas
práticas, numa extensão da observação que fizeram dos seus pares. Quer dizer, a
observação de pares tem um potencial formativo que interessa aprofundar.

4.2 ANO LETIVO 2010/2011 (11 FACULDADES, 60


PARTICIPANTES)
A grelha de observação (instrumento de observação usado anteriormente ao
guião de observação) tem limitações pedagógicas e epistemológicas, já que tem
implícita a ideia de uma “aula ideal”, orientada para o modelo de aula do tipo
expositivo, pré-Bolonha.
O impacto da experiência de observação de pares não reside tanto no efeito
imediato das práticas melhoradas dos professores intervenientes que já são boas,
mas no facto de acharem que podem sempre melhorar e de aceitarem o escrutínio
dos pares como um contributo para o desiderato.
Constatou-se uma semelhança entre aspetos que caracterizaram as aulas
observadas e as práticas do observador, porquanto se evidenciaram preocupações
semelhantes, bem como metodologias e formas de organização das aulas, mesmo
se pertenciam a áreas científicas diferentes.

4.3 ANO LETIVO 2011/2012 (12 FACULDADES, 83


PARTICIPANTES)
A totalidade dos participantes daquele ano letivo considerou que, por razões
diversas e com diferentes objetivos, a observação de pares multidisciplinar é uma

156
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

mais-valia na melhoria das práticas pedagógicas dos envolvidos e contribui para a


criação de um espírito universitário comum.
Dois fatores parecem ser importantes:
d. O alargamento dos horizontes curriculares em que os professores se movem e
definem as suas práticas pedagógicas;
e. As práticas reflexivas, isto é, o reenquadramento conceptual da atividade
pedagógica a partir de outros eixos referenciais.
a. o contacto com outras culturas epistémicas e outros modos de
funcionamento de diferentes Unidades Orgânicas;
b. a experiência pedagógica revisitada pelo olhar alheio (e respetivos
artefactos);
c. a observação do exemplo de outros profissionais,
d. ou a experiência de fazer auto-avaliação e aprender na primeira pessoa.

4.4 ANO LETIVO 2012/2013 (11 FACULDADES, 55


PARTICIPANTES)
A tendência geral dos níveis de importância dos descritores atribuídos pelos
observadores às aulas que presenciaram é muito positiva. As referências tratadas
qualitativamente são sobretudo de tendência positiva. Os descritores mais
valorizados absolutamente, indiciam que os professores observados dão um
grande relevo às dimensões de estruturação da aula e do seu alinhamento com
a exploração dos conteúdos em presença. Os descritores que tiveram menor
importância relativa e foram menos vezes assinalados dizem respeito a uma
participação ativa dos estudantes.

4.5 ANO LETIVO 2013/2014 (9 FACULDADES, 40


PARTICIPANTES)
Continua a verificar-se uma tendência positiva dos níveis de importância dos
descritores atribuídos pelos observadores às aulas que presenciaram. Parece haver
uma ligeira inflexão da importância dos itens relacionados com uma atitude de
maior controle do professor, que estará a dar lugar a uma valorização dos aspetos
relativos à contextualização do currículo e das aprendizagens.

157
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Os descritores que continuam a ter menor importância relativa e foram menos


vezes assinalados dizem respeito a uma participação ativa dos estudantes. Continua
a verificar-se e a crescer a ideia que a formação de professores no ensino superior
é cada vez mais colaborativa e marcada pela interdisciplinaridade.

5. CONCLUSÕES
Neste artigo foi apresentado o projeto “De Par em Par”, que visa a melhoria
do processo ensino-aprendizagem pela partilha pedagógica multidisciplinar entre
pares. O projeto utiliza um plano de investigação-ação, que pretende aliar as
tarefas de investigação com a intervenção no terreno, que a observação de pares
e respetiva dimensão reflexiva exigem. São resultados tangíveis deste projeto os
seguintes:
a. O desenvolvimento de competências auto e hetero reflexivas dos professores
do ensino superior;
b. A melhoria dos processos de ensino-aprendizagem;
c. Construção de um dispositivo de observação de aulas;
d. A disseminação da metodologia implementada no espaço lusófono.
Ao longo dos cinco anos de existência do “De Par em Par” foram registadas mais de
300 observações de aulas, resultantes da participação de perto de 200 docentes da U.
Porto no programa de observação de aulas multidisciplinar. Conclui-se, da análise de
guiões de observação, da mais-valia que a observação de pares tem para os docentes,
quer como crescimento pessoal, de enriquecimento profissional, quer pela melhoria
das práticas pedagógicas, com reflexo na qualidade de ensino na U. Porto.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o suporte financeiro concedido pela Fundação Calouste
Gulbenkian, Portugal, através do financiamento do programa “Projetos Inovadores
no Domínio Educativo - Desenvolvimento do Ensino Superior” (referência número
128176) e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, em colaboração com a
Direção-Geral do Ensino Superior, através do programa “Partilha e Divulgação
de Experiências em Inovação Didática no Ensino Superior Português” de 2014
(Processo 79/ID/2014).

158
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

REFERÊNCIAS
Becker, T. and Troyler, P. (2001). Academic tribes and territories: Intellectual enquiry
and the culture of disciplines. Buckingham: Open University.
Knorr Cetina, K. (1999) Epistemic cultures: how the sciences make knowledge.
Cambridge/ London: Harvard University Press.
Mouraz, A., Lopes, A., Ferreira, J. M. (2013). Higher education challenges to teaching
practices: perspectives drawn from a multidisciplinary peer observation of
teaching program. International Journal of Advance Research, 1(6), 377-386.
McMahon, T., Barrett, T., and O’Neill, G. (2007). Using observation of teaching
to improve quality: Finding your way through the muddle of competing
conceptions, confusion of practice and mutually exclusive intentions. Teaching
in Higher Education 12(4): 499- 511.
O’Keefe, M., Lecouteur, A., Miller, J. & McGowan, U. (2009). The colleague
development program: A multidisciplinary program of peer observation
partnerships. Medical Teacher, 31, 1060-1065.
Pêgo, J., Ferreira, J., Lopes, A., & Mouraz, A. De par em par na U. Porto: Um
programa de observação de aulas em parceria multidisciplinar (2011). In Pedro
Iglesia (Org.), II congreso internacional de docencia universitária, 1-8. Santiago
de Compostela: Andavira Editora.Availableat. http://webs.uvigo.es/xie2011/
prog_por.html

159
FORMAÇÃO CONTÍNUA DOS PROFESSORES:
REQUISITO PARA UM ENSINO DE QUALIDADE

Lionilda Mágueda Évora de Sá Nogueira


Universidade de Cabo Verde
lionilda.nogueira@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
O conceito de qualidade da educação é dinâmico e com múltiplos significados;
depende do espaço e tempo. Existem várias condicionantes da qualidade da
educação, nomeadamente a qualificação docente, na melhoria das condições
mínimas de lecionação e o resgate da dignidade profissional.
A questão da massificação do ensino e as suas consequências conjugada com o
fenómeno da globalização vem a colocar a nu a necessidade da aquisição de novas
competências por parte dos professores.
O objetivo deste trabalho é reconhecer a formação contínua dos professores
como forma de responder às necessidades da escola atual e de disponibilizar um
ensino de qualidade.
A metodologia utilizada é qualitativa consistindo na revisão bibliográfica e
análise denormativos.
Esse artigo apresenta um enquadramento sobre o ensino de qualidade e
a formação contínua como um garante dessa qualidade e na segunda parte
considera a abordagem utilizada por Cabo Verde de 1986 a 1999 para a realização
da formação contínua de docentes.
Palavras-chave: Formação contínua, ensino de qualidade e desenvolvimento
profissional.

INTRODUÇÃO
A qualidade na educação é um conceito dinâmico e polissémico, dependendo
do contexto histórico, cultural e temporal. No dizer da UNESCO (2001), a educação
de qualidade deve proporcionar a todos, uma participação ativa na sociedade e a
serem cidadãos do mundo.
Na segunda metade do século XX o aumento da natalidade gerou uma
superlotação de escolas. Com o aparecimento da regressão económica, a taxa de
desemprego disparou. Neste cenário, começou a surgir nas escolas uma população
heterogénea em termos de culturas e interesses diferentes (Dias, 2005).

161
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Nesta perspetiva foi um imperativo conciliar um modelo de ensino com


características próprias dessa população. Para o efeito foi necessário dotar os
professores com formação inicial e permanente.

A QUALIDADE DO ENSINO
A questão da qualidade não se limita ao conceito polissémico e nem aos fatores
intra e extra curriculares.
Em 1972, a UNESCO implementou a noção da educação permanente, enquanto
garante do ensino de qualidade. Anos mais tarde esse organismo enveredou-se para
aprendizagem ao longo da vida assente em pilares, nomeadamente, aprender a
aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. Em 2002 uma nova
tentativa da UNESCO foi na ótica de Educação para o Desenvolvimento Sustentável
cuja ideia é implementar os princípios, as práticas e os valores do desenvolvimento
sustentável em todos os aspetos da educação e ensino. A sustentabilidade significa o
bem-estar pessoal em perfeita harmonia com o ambiente e equilíbrio com a pessoa
do outro. Nesse contexto, a educação joga um papel importante no sentido que a
sustentabilidade social e ambiental depende de aquisição de consciência e a escola
tem como missão educar consciências, (UNESCO, 2005:57, citado Gadotti, 2009).
Esse mesmo autor defende que a qualidade na escola de entre outros aspetos
passa também pela formação contínua dos docentes e pela garantia das condições
mínimas de lecionação e a par disso, o resgate da dignidade da profissão. Essa
qualidade deve ter uma abordagem sistémica, ou seja, abranger do pré-escolar
ao doutoramento, considerando que as políticas isoladas sem uma integração
orgânica dos subsistemas não redundam em sucesso.

A MASSIFICAÇÃO DO ENSINO E AS SUAS IMPLICAÇÕES


Com a ratificação por parte de maioria dos países, do Tratado de Jontien em 1990,
a escola antes reservada a uma pequena elite transforma-se numa organização
nova denominada a escola de massas decorrente da massificação do ensino. No
dizer de Formosinho (2009), a escola de massas é a nova escola secundária que se
foi criando devido à obrigatoriedade do ensino básico e com a escola secundária
não obrigatória que para alguns estratos sociais é considerada obrigatória e para as
classes sociais com fragilidades económicas a possibilidade de mobilidade social.

162
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Essa nova escola de massas é muito mais heterogénea em termos de população


discente e docente. Comporta maior complexidade organizacional e mais
diferenciada do ponto de vista da qualificação docente, da sua capacidade e do
seu empenhamento.
Essa heterogeneidade discente, se justifica pela maior heterogeneidade
contextual, já que os alunos são oriundos das comunidades locais onde a escola se
insere. Existem alunos provenientes de vários estratos sociais e em consequência
de origem rural, suburbana e urbana. Tal situação gera uma grande diversidade de
educações informais familiares e traz consigo diferentes motivações e interesses,
necessidades e projetos de vida.
A massificação acabou por unificar as vias de ensino e nessa perspetiva a
escola de massas ao nível do ensino secundário possui vários currículos. Assim a
heterogeneidade discente implica numa heterogeneidade do corpo docente.
A heterogeneidade docente ocorre devido ao fator pluricurricular e pelo facto
do aumento da escolaridade obrigatória e a dinâmica social criada aumentarem
muito a população escolar, exigindo o aumento célere do corpo docente de forma
a dar resposta. Nesta perspetiva recorreu-se aos quadros qualificados disponíveis
designadamente, bacharéis, licenciados de diferentes áreas e num segundo
momento aos não qualificados com curso superior incompleto, com o ensino
secundário completo ou mesmo incompleto. Assim em Portugal, nas escolas
secundárias passaram a existir professores qualificados e uma grande maioria de
agentes de ensino com formação académica incompleta.
Um outro fator que veio intensificar essa diferenciação foi a diversidade dos
próprios modelos de formação de professor para a escola de massas. Enfim a
massificação teve por um lado, consequência na formação dos docentes e por
outro exigiu uma resposta rápida por parte do Estado na facilitação do acesso à
profissão, através do alargamento da base de recrutamento e a diminuição das
exigências de formação.
O fenómeno da massificação do ensino originou a expansão da rede escolar,
pois as infraestruturas existentes no momento não possuíam capacidade de
acolhimento. Tal significa que passou a haver muito mais escolas secundárias não
só nas cidades mas em zonas rurais e suburbanas.

163
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

FORMAÇÃO CONTÍNUA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL


DE PROFESSORES
O movimento da formação contínua de professores é recente datando o seu
início na década de 70 nos Estados Unidos e nas décadas de 80 e 90 na Europa.
As causas que se encontram na base desse fenómeno dizem respeito à massificação
do ensino, a construção de uma economia global mundializada, o surgimento da
sociedade de informação e de sociedades multiculturais. Com efeito, esses aspetos
exigiram uma resposta eficaz e célere por parte da escola contribuindo dessa forma
para a necessidade de uma formação permanente dos professores.
Verificamos que uma panóplia de terminologia como sinónimo da formação
contínua, nomeadamente educação permanente, formação em serviço,
reciclagem, aperfeiçoamento, treino, renovação, melhoria, crescimento
profissional, desenvolvimento profissional. Este último é utilizado como sinónimo
entretanto trata-se de temas diferentes (Formosinho, 2009). Para Garcia (1995 b)
citado Formosinho existe duas distinções fundamentais entre formação contínua e
reciclagem e formação contínua e desenvolvimento profissional.
A reciclagem prevê a formação pontual visando atualizar conhecimentos. O
desenvolvimento profissional diferencia-se da formação contínua pelo facto
de não estabelecer a dicotomia tradicionalmente feita entre formação inicial e
contínua ou formação em serviço.
Uma boa parte de autores considera a formação contínua um subsistema da
componente desenvolvimento profissional entretanto Formosinho (2009) realça
que esses conceitos divergem em perspetiva, embora ambos se referem à educação
permanente dos professores. A formação contínua analisa o processo de ensino/
formação enquanto o desenvolvimento profissional focaliza mais a aprendizagem/
crescimento.
O desenvolvimento profissional é um processo em contexto. A formação
contínua se centra nos processos (levantamento de necessidades, os conteúdos
aprendidos, a relevância para as práticas e o impacto na aprendizagem dos alunos,
(Formosinho, 2009). Por seu lado, o desenvolvimento profissional constitui um
processo contínuo de melhoria das práticas docentes, centrado no processo ou

164
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

grupo de professores em interação com momentos formais e não formais com o


objetivo de promover mudanças nos alunos, professores, famílias e comunidade.

3.1 IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTÍNUA


O principal efeito da formação é a mudança dos intervenientes na formação.
O objetivo de formação contínua é de promover o desenvolvimento humano
dos beneficiários dessa formação. Esse desenvolvimento poderá ocorrer nos
domínios das competências técnicas e didáticas, o domínio das atitudes e valores
e comportamentos referentes à ética e deontologia profissionais; no domínio das
capacidades reflexivas e investigativas, no domínio das capacidades relacionais
e colaborativas que possibilitam estabelecer relações de afetividade com
alunos, pais e outros professores de entre outros; no domínio de competências
de organização e gestão escolar, no domínio da formação cultural e social
sensibilizando os professores para os problemas sociais; no domínio afetivo e
emocional no sentido que está presente nas situações de trabalho dos professores
e no domínio da relação escola comunidade preparando os professores para as
atividades democráticas nas escolas (Niza e Formosinho, 2009).

3.2 FORMAÇÃO CONTÍNUA DOS DOCENTES EM CABO VERDE


O desenvolvimento profissional dos docentes é percecionado numa ótica de
formação contínua de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, 2010,
p.16 Artigo 71º
c) A formação contínua de docentes deve permitir o aprofundamento e a
atualização de conhecimentos e competências profissionais;
A referida lei considera no seu artº 75 que a formação contínua constitui um
direito de todos os agentes educativos e tem como objetivo melhorar a qualidade
da prática docente através da atualização permanente dos conhecimentos dos
docentes e da aquisição de novas competências. Os serviços responsáveis pela
formação contínua são as respetivas instituições de formação inicial.
No seu artº 92, prevê a formação em exercício dos professores do ensino
básico e secundário entendido pelos especialistas na revisão da literatura como

165
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

formação contínua com o objetivo de atualização, aperfeiçoamento, conversão de


conhecimentos e formação pedagógica dos professores no sistema.
Cabo-Verde, pequeno Estado insular desde a sua independência em 1975 contou
com a ajuda de países amigos e organismos Internacionais para o desenvolvimento
seja na formação de recursos humanos, seja na construção de infraestruturas
e assistência técnica. Esse apoio por parte desses se concretizou a partir de
financiamentos de projetos através de donativos e empréstimos a juros baixos.
Nesta sequência, apresentamos de seguida alguns dos projetos implementados
no período entre 1986 e 1999 com vista a adequar e modernizar o sistema
educativo, Ferreira (2004)e que possuem uma componente de formação contínua.

O PROJETO DE RENOVAÇÃO DO ENSINO BÁSICO


O Projeto de Renovação do Ensino Básico (PREBA) constituiu o primeiro projeto
de concretização da reforma do ensino básico (Ferreira, 2004). A principal filosofia
desse projeto foi retomar a ideia da reforma prevista pelo projeto Educação I.
Existem duas ideias chave: uma é a integração e a interdisciplinaridade e a outra é
colocar o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem. Um outro aspeto
diz respeito ao facto do projeto contribuir para a formação, introdução de novas
modalidades de formação em exercício. Os professores com a 1ª fase de formação
ficaram habilitados para lecionar na 1ª e 2ª fases e os com a 2ª fase ficariam
capacitados para intervir em todas as fases.

O PROJETO DE REESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO DO SISTEMA


EDUCATIVO
O Projeto de Reestruturação Expansão do Ensino Secundário (PRESE), com a
duração de seis anos, de 1991-1996, teve as seguintes componentes: construção
e equipamento de salas de aula do ensino básico; construção e equipamento de
escolas de ensino secundário geral e conceção de programas e material didático e
reciclagem de professores. O objetivo da reforma do ensino técnico foi a formação
de professores, a conceção e produção do material didático e assistência técnica
para a produção desse material.

166
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Um outro objetivo foi o do reforço institucional dos serviços centrais do


Ministério da Educação, designadamente do Gabinete de Estudos e Planeamento,
da Inspeção Geral, da Direção Geral de Ensino (serviço de orientação escolar e
profissional) e dos serviços de Bolsas de Estudo. O reforço foi nos domínios da
conceção, formação de professores, quadros técnicos, delegados da Educação,
Diretores e Subdiretores, da planificação e gestão do sistema educativo.
Uma das inovações foi a reciclagem dos professores de 1º ciclo para gerirem os
novos programas, utilizando os professores com mais experiência de dois liceus
mais antigos.

PROJETO DE INSTRUÇÃO ATRAVÉS DA RÁDIO NOS PALOP


O Projeto de Instrução via Rádio nos PALOP (IRI-PALOP), vigente de 1992 a 2000,
teve uma vertente regional e foi gerida a partir da Praia, capital do país e abrangeu
os cinco países africanos de expressão portuguesa. O objetivo geral do projeto foi
melhorar a aprendizagem da Língua Portuguesa e Matemática de 1ª a 4ª classe,
através de lições difundidas via rádio nacional. Essa via de ensino deveria constituir
um complemento do ensino formal. As atividades do projeto visavam contribuir
para a melhoria do desempenho docente permitindo o acesso mais facilmente
aos conteúdos científicos pedagógicos. Constituiu um complemento de formação
em exercício desenvolvido pelo PREBA e outros projetos subsequentes. Os alunos
das classes inseridas no projeto beneficiavam de 30 minutos de aula, por semana.
As aulas gravadas em Cabo Verde seguiam para os restantes PALOP. O projeto se
desenvolveu nos domínios da matemática para a 3ª e 4ª classe e Língua Portuguesa
da 1ª a 4ª classe.

PROJETO EDUCAÇÃO II
Este projeto, situado entre 1997 e 2001, surgiu na continuidade do PRESE
e do PEBF (Projeto de Educação de Base e Formação). A necessidade adveio de
dar continuidade à reforma do ensino secundário geral (a generalização de
3 ciclos iniciada com o PRESE e a consolidação do ensino secundário técnico
iniciado com o PEBF. O objetivo foi de aumentar a capacidade de acolhimento
no ensino secundário construindo três liceus, melhorar a qualidade do ensino
secundário geral; reforçar as capacidades de planificação e gestão do Ministério

167
da Educação e desenvolver o ensino não formal. As atividades desenvolvidas e as
componentes do projeto englobam: extensão do ensino secundário: construção
e equipamento de um liceu e expansão e equipamento de outros dois; reforço da
qualidade do ensino secundário: renovação e equipamento do Instituo Superior
de Educação; formação de 550 professores para o ensino de disciplinas do 3º ciclo
e de 5 inspetores; elaboração de programas de 3º ciclo com assistência técnica
(Escola Superior de Educação de Setúbal Portugal); apoio à pós alfabetização e
às atividades de formação profissional sobretudo de mulheres desenvolvidas
pelas ONG; gestão e planificação de educação: formação de quadros técnicos nos
domínios da planificação e administração, assistência técnica e equipamento para
o Gabinete de Estudos e Planificação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A qualidade de ensino é um conceito que depende do contexto histórico, cultural
e temporal.
Na segunda metade do século XX, houve um aumento significativo da natalidade
que originou o aumento dos efetivos escolares.
Este aumento da população escolar exigiu da escola um modelo de ensino com
características próprias dessa população.
Com a universalização do acesso ao ensino básico surge a massificação do ensino
que conjugada com o aparecimento da globalização e sociedade de informação
impõe à escola o desafio da formação contínua.
Cabo Verde na primeira década pós independência (1986-1999) consegue
promover a formação contínua dos professores, através de projetos de educação,
financiado sem regime de donativos e empréstimos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, M. (2005). Como abordar…A Construção de uma Escola Mais Eficaz. AREAL Editores.
FERREIRA, A.C (2002). La prise de décisions, participation et autonomie
dans la gestion de l’Education au Cap -Vert. Tese de Doutoramento.
FORMOSINHO, J e MACHADO, J (2009). Professores na escola de massas. Novos
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

papéis, nova profissionalidade in Formação de professores. Porto Editora


GADOTTI, M. (2009). A qualidade na educação.VI Congresso de Qualidade da
Educação à Distancia, em http://www.paulofreire.org/Crpf/CrpfAcervo000158
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2010).Leis de Bases do Sistema Educativo.
NIZA, S. e FORMOSINHO, J. (2009).Iniciação à prática profissional nos cursos de
formação inicial de professores, in Formação de professores.Porto Editora
UNESCO. Los países de la America Latina y el Caribe adoptan, la Déclaration de
Cochabamba. In Anais de la información Pública para América Latina em http\\
iesalc.org.

169
OS DESAFIOS DAS REFORMAS NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES NA ÁFRICA SUBSARIANA

Arlindo Vieira
Universidade de Cabo Verde
arlindo.vieira@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Este texto,8 resultante de uma pesquisa de cunho teórico-descritivo-
bibliográfico, é fruto de uma análise crítica sobre a formação de professores
nos seus processos modelos e práticas. Dessa forma, consideramos pertinente
a discussão no sentido de problematizar e analisar as tendências e os desafios
das reformas curriculares nos processos de desenvolvimento profissional dos
professores no contexto da África subsariana9, discutindo algumas propostas de
modelos de formação, nomeadamente, o inicial, o de indução e o de carreira.
Defendemos que é necessário que o modelo de formação de professor se centre
numa conceção relacional cultural e construtivista em que, numa perspetiva
colaborativa, o professor desenhe o seu processo de desenvolvimento profissional
permanente numa lógica de formação baseada na análise, discussão, investigação
e resolução dos problemas inerentes à prática pedagógica efetiva, entendida como
um processo apropriativo de oportunidades educativas, vividas no quotidiano.
Concluindo, afirmamos que tanto a formação contínua como a formação inicial
devam relacionar-se de forma mais efetiva por forma a superar a conceção
academicista e tecnicista do desenvolvimento profissional, na qual o professor
individual se coloca como receptor de formação.
Palavras-chave: reformas na formação de professores no contexto africano;
modelos de formação de professores; processos de desenvolvimento profissional
Tendências das reformas na formação de professores
As transformações que ocorreram nas sociedades, essencialmente no processo
de trabalho, a partir da inserção de novas tecnologias e do esgotamento do
modelo do fordismo, tornaram imprescindível a formação de um novo tipo de
trabalhador. No cenário do modelo do fordismo, a escola formou o trabalhador

8. Tese de doutoramento apresentada na Universidade do Minho, Instituto de Educação, em Setembro


de 2014, sob a orientação científica do Professor Doutor José Augusto Pacheco
9. África do Sul, Angola, Benin, Botswana, Burquina Faso, Burundi, Cabo Verde, Camarões, Chade,
Comores, Congo, Costa do Marfim, Djibouti, Eritreia, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné
Equatorial, Guiné-Bissau, Lesoto, Libéria, Madagáscar, Malawi, Mali, Maurícia, Moçambique, Namíbia,
Níger, Nigéria, Quênia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Ruanda, São
Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Seychelles, Somália, Suazilândia, Sudão, Tanzânia, Togo, Uganda,
Zâmbia e Zimbabwe.

171
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

para um processo de trabalho cujo paradigma consistiu na dicotomia entre a


conceção do trabalho e a realização mecânica das tarefas, baseada na lógica do
“eficientismo social.” Um trabalhador mais flexível, eficiente e polivalente. Tudo
isso oc0asionou o não atendimento às demandas de uma nova fase do capitalismo.
Inúmeras foram as consequências desse modelo de escola: o fracasso escolar, a
fraca preparação dos indivíduos ao concluírem os cursos profissionais, a dicotomia
entre conteúdos e as novas demandas emergentes na sociedade, em geral, e na
formação de professores em particular.
As reformas na formação dos professores são cada vez mais reconhecidas,
em todo o mundo, como instrumentos indispensáveis para facultar aos jovens
e adolescentes competências e capacidades fundamentais que lhes permitam
tornar-se cidadãos produtivos (LeBoterf, 1997), capazes de viverem uma vida
saudável e de contribuírem para o desenvolvimento nas suas comunidades (OCDE,
2004; Goodson, 2001). Os professores, a nível mundial, estão a passar por uma
transição sem precedentes no seu papel e no seu estatuto, e as exigências que
se lhes colocam são cada vez mais multifacetadas (Delors, 1996). Quanto maior a
flexibilidade e a escolha à disposição dos estudantes, mais se espera dos professores
que sejam flexíveis na sua resposta às necessidades e expetativas face à mudança
dos estudantes (Roldão, 2005). As condições sociais e económicas, em rápida
mudança, representam desafios adicionais. Muitos professores não dispõem de
formação ou experiência desejável para fazer face a estas mudanças no papel que
desempenham (Rodrigues, 1999; Rodrigues & Esteves, 1993; Vieira, 2006).
Nesta perspetiva, o papel do professor passa a ser redimensionado com
características diversificadas: competência, profissionalismo e empenho,
acrescidas de qualidades humanas como autoridade, empatia, paciência, devoção
e humildade (Apple, 1997).
De facto, a profissão de professor encontra-se, constantemente, perante novos
desafios, enfrentando novas pressões (Estrela, 2001) e está em permanente
rutura (Carlgren, 1999), sendo uma atividade cada vez mais controlada
(Pacheco, 2010). As mudanças na natureza da profissão docente têm gerado,
ultimamente, conceitos ligados aos aspetos morais e emocionais (Nias, 2001):
“emotionsattheheartofteaching” (Hargreaves, 1998, p. 835), com um caráter

172
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

contínuo, definido como um ‘long continuum’, como defendem Develay (1996) e


Perrenoud (1994), e uma tarefa para toda a vida – ‘a lifelongenterprise’.
São vários os autores que afirmam a necessidade de ser repensada a formação
de professores (Flores, 2003, Estrela, 2001, Marcelo, 1999;Perrenoud, 1994), já
que se torna, cada vez mais, evidente que a maior parte da formação, necessária
para se ser professor, não pode ser adquirida durante a formação inicial (Estrela,
2001; Vieira, 2006), seja porque tal formação só é possível a partir da ação e dos
problemas nela encontrados, seja pela própria natureza da formação inicial, ou
porque muitas das necessidades só surgirão muito depois de iniciadas as atividades
docentes (Rodrigues & Esteves, 1993; Vieira, 2005; 2006).
A ideia prevalecente de que «qualquer pessoa pode ser professor» acarreta
problemas em relação à própria docência, uma vez que chegam às instituições de
ensino professores cada vez menos preparados sem muito domínio do que e como
vão criar ambientes de tirocínio, gerando nos alunos um menor interesse no que
se refere à aprendizagem escolar. As reformas são muitas vezes difíceis, mas uma
estratégia de inação perante inscrições crescentes resulta quase, inevitavelmente,
no recrutamento de um grande número de professores sem formação ou
subqualificados.

ALGUMAS PRÁTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO


CONTEXTO AFRICANO
Na sub-região africana, a formação de professores é, por norma, concebida
em termos de três fases: inicial, de indução e de carreira (SEIA, 2007). Dada a
necessidade urgente de “produzir” mais professores, muitos países africanos
deram mais ênfase à fase inicial, deixando por desenvolver as outras duas (Banco
Mundial, 2006). Ao mesmo tempo, a fase inicial é, frequentemente, demasiado
teórica e afastada da realidade das escolas.
A indução, segunda fase, costuma envolver uma provisão estruturada de apoio
ao professor recém-qualificado. Esse apoio pode ser dado por uma instituição
de formação de professores ou, de uma maneira mais realista, pelo diretor
ou professores mais antigos da escola. Com o apoio constante de um mentor
experiente (Garcia, 1999), é mais provável que os novos professores ultrapassem

173
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

mais depressa as preocupações pessoais e com a gestão da turma e se centrem


na aprendizagem dos seus alunos. A eficácia do apoio dado pela indução é crucial
para o êxito deste tipo de modelo. A experiência do professor durante os primeiros
anos de ensino é crucial para o desenvolvimento e aplicação dos conhecimentos e
competências adquiridos durante a formação inicial e para a formação de atitudes
positivas em relação ao ensino como profissão (Neves, 2005).
O Desenvolvimento Profissional Contínuo (DPC) é o terceiro elemento de uma
estratégia eficaz de formação de professores. Como se referiu, o DPC tem sido
frequentemente concebido como uma série de eventos de curta duração, em
vez de um processo contínuo de desenvolvimento profissional (Kyriacou, 1987).
Com efeito, todos os professores deviam ter oportunidades de desenvolvimento
profissional e participar nelas (Demailly, 1995; Hargreaves, 1998; 2003; Estrela,
2001,Day; 2007), o que se impõe aos Ministérios da Educação a obrigação de
proporcionar as oportunidades de formação e aos professores a obrigação de as
aproveitarem.
Sachs (2007) identifica três propósitos para o DPC que se interligam: a extensão,
o crescimento e a renovação. A extensão ocorre pela introdução de novo
conhecimento ou competências no repertório dos professores. O crescimento
acontece através do desenvolvimento de maiores níveis de especialização
(expertise) e a renovação é conseguida pela transformação e mudança do
conhecimento e da prática.
Se essas três fases forem vistas como sendo parte de um processo contínuo
de desenvolvimento profissional (Day, 2007; Estrela, 2001; Formosinho e outros,
2009), há possibilidade de transferir uma parte do conteúdo para as fases mais
avançadas, de onde poderá revelar-se mais pertinente para os professores e ter
maior impacto na prática (Lewin, 2000). Então, a formação inicial de professores
poderia tornar-se mais curta e centrar-se nas competências práticas necessárias à
realidade da sala de aula.

174
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

ALGUMAS PROPOSTAS DE MODELOS DE FORMAÇÃO DE


PROFESSORES
Uma das propostas sugere um modelo de formação inicial de professores
superior, e, administrativamente, acreditada ou validada e reconhecida. Desde
logo, deve constar, também, diversas dimensões: profissional, social e ética; de
desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; de participação na escola e de
relação com a comunidade; de desenvolvimento profissional ao longo da vida,
a que corresponde uma série de competências profissionais (Formosinho &
Machado, 2009).
Dado o grande número de professores subqualificados no ensino secundário,
na sub-região africana, a concessão de oportunidades de desenvolvimento
profissional para atualização das suas competências deveria ser uma prioridade,
sobretudo em domínios como a Matemática, as Ciências e as Tecnologias onde,
muitas vezes, a escassez é particularmente grave e o domínio das disciplinas por
parte dos professores é insuficiente (Coolahan, 2002). Trata-se de competências
que são essenciais em ordem a desenvolver capacidades de inovação e a oferecer
vias para a integração do saber por parte de alunos.
A outra proposta seria o modelo de formação a distância, em que os programas
de ensino abertos são mecanismos de disponibilização cada vez mais importantes,
providenciando caminhos alternativos para a aprendizagem e certificação de
alunos e professores. Mais importante ainda: a evolução acelerada da ciência e
da tecnologia e as novas aplicações das TIC’s precisam de refletir-se no currículo
de formação de professores. Serão necessárias alterações no conteúdo curricular
e nas estratégias pedagógicas a fim de proporcionar oportunidades reais de
aprender a uma proporção cada vez maior dos grupos etários.
Este modelo de formação constitui, pois, uma opção que tem atraído muito
interesse devido à poupança nos custos e à possibilidade de atingir beneficiários
geograficamente afastados (Santos; Ferreira e Pereira, 2010), de que a Universidade
pública de Cabo Verde tem procurado desenvolver. Tem vindo a afirmar-se a
tendência para a promoção de redes (Stoer & Magalhães, 2003), o que Castells
(1996) denomina de sociedade em rede ou grupos interescolar (Singh, 1992), em
que o pessoal de um certo número de escolas trabalha em conjunto na elaboração

175
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de novos currículos ou metodologias (Coolahan, 2002). Apesar de poder ser mais


lenta, é provável que esta abordagem venha a ter um impacto a longo prazo na
metodologia e práticas, tanto para veteranos como para novatos (Stoll & Fink,
1996). Esta abordagem é semelhante à tendência internacional para uma maior
formação de professores nas escolas, motivada pelo desejo de melhorar as relações
entre a formação e a prática na sala de aula como a sugerida pela rede europeia
em educação EURYDICE no documento “A garantia de qualidade na formação de
professores na Europa” e pela Comissão Europeia no “Relatório europeu sobre a
qualidade do ensino básico e secundário,” de Maio de 2000.
Torna-se necessário que o desenvolvimento profissional contínuo seja um
processo reflexivo e investigativo, inspirado nas conceções profissionais propostas
por Schön (1992) e Zeichner (1993), portador de conhecimento profissional
específico, que Montero (2005, p. 218) identifica como “conjunto de informações,
aptidões e valores que os professores possuem”, construído a partir da formação
inicial e contínua e da “análise da sua experiência prática”, num cenário de
“complexidade, incerteza, singularidade e conflito de valores próprios da sua
atividade profissional” constitui, sem dúvida, como possibilidades de construção
de novos conhecimentos e de desenvolvimento profissional.
Neste sentido, entendemos que os modelos de formação inicial e contínua de
professores na sub-região devem ser articulados na sua organização, duração e
âmbito, como no seu conteúdo, processos e práticas, devendo possuir aspetos
comuns (Morgado, 2010; Pacheco, 2010) que incluem, habitualmente: a) estudos
académicos, normalmente nas matérias a lecionar e b) preparação pedagógica,
composta por (i) estudos em ciências da educação, como psicologia e sociologia
da educação; (ii) estudo de metodologias e de métodos de ensino e avaliação e
(iii) prática docente (estágio profissional). As questões mais importantes desse
currículo de formação de professores deverão relacionar-se, de facto, com o
equilíbrio entre os estudos académicos (o conteúdo a partilhar) e a formação
pedagógica (como partilhar) (Lewin, 2000).
Sugere-se que as propostas de modelos de formação devam ser desenvolvidam
numa base estrutural, em que a natureza da formação inicial seja limitada,
particularmente à sua parte didática e a natureza da formação contínua seja

176
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

estabelecida, precisamente, como forma de reconversão profissional e/ou de


atualização científica (Formosinho & Ferreira, 2009), uma concetualização de
formação de professores que se alicerça, basicamente, na posse de qualificações
académicas específicas da disciplina a lecionar (Morgado, 2010; Pacheco, 2010).

CONCLUINDO
As escolas, os professores e as sociedades civis terão de tomar parte neste
processo e assumir as suas responsabilidades, pois estará em jogo novos desafios
de conceber a profissão docente e a educação, tarefas que não podem continuar
apenas nas mãos de Estados tendencialmente centralizadores e reguladores
sobretudo, num momento em que vários países desenvolvidos já se encontram
no prolongamento da lógica da abordagem por competências para a de projeto de
Metas educativas 2021, num cenário marcado, cada vez maior, pela materialização
do triunfo do neoliberalismo e do ensino a distância em 2027. Estes desafios colocam
a necessidade de se organizar a escola para o professor poder consciencializar
e desenvolver a sua identidade profissional, suscetível de gerar oportunidade
de responder, autonomamente, ao desafio de adequar as formas de partilhar o
saber às formas de apropriação de cada aluno, respeitando as orientações locais,
nacionais e internacionais, integrando a participação de todos os intervenientes
interessados numa educação científica, mas, sobretudo, numa educação cívica
direcionada para o desenvolvimento sustentável destes países africanos.

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180
POSSIBILIDADES PARA UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA COLABORATIVA E
EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS (EJA) NO ESTADO DE PERNAMBUCO/
BRASIL.

Maria Candida Sergio10


Department of Education of Pernambuco /Institute of Education at the University
of Minho, Braga - PT.
candidasergio.20@gmail.com

10. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.


CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Este estudo representa uma reflexão no âmbito das políticas públicas do
Programa de Formação Continuada em Serviço para Professores do Estado
de Pernambuco, no período de 2012 a 2014. Os professores que lecionam na
Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Ensino Fundamental e Médio, vivenciaram
em termos pedagógicos uma (re)organização curricular à luz do paradigma crítico e
emancipatório, que procurou, de acordo com o perfil exigido aos professores da EJA,
possibilitar um aprofundamento teórico-prático a partir dos seus conhecimentos
e saberes, de modo a possibilitar uma melhor atuação nas práticas formais e não-
formais. As especificidades e necessidades dos estudantes da EJA nos dias de
hoje exigem professores comprometidos, autónomos e com um perfil específico
para trabalhar na referida modalidade de ensino. A formação de professores em
serviço constitui um espaço de reflexão e debate, fundamentais tanto para o
desenvolvimento da autonomia, política e curricular, como para a produção de
material didático e a (re)organização das práticas docentes. Os resultados obtidos
revelam uma participação ativa, colaborativa, satisfatória, produtiva e significativa
dos professores que atuam na sala de aula, bem como dos professores que atuam
como coordenadores. Revelam também que a (re)organização do Projeto Político
Pedagógico, quando realizada de forma coletiva e colaborativa, é fundamental
para a superação de alguns desafios políticos, curriculares e metodológicos da
prática pedagógica na Educação de Jovens e Adultos.
Palavras–chave: Formação de Professores, Educação de Jovens e Adultos,
Política Curricular, Prática Pedagógica.

INTRODUÇÃO
A prática educativa na sua complexidade é, de fato, um desafio. Instiga o professor
a repensá-la cotidianamente, questionando e revendo conceitos para (re)significá-
la e torná-la coerente com os anseios e necessidades das diversas modalidades da
educação básica. Pela sua relevância, tornou-se uma temática foco de debates,
reflexão e questionamentos no âmbito das políticas educativas e curriculares.
Sob esse ponto de vista, politicamente e curricularmente, os professores
da educação de jovens e adultos (EJA)11, têm reclamado ao longo dos anos a

A educação de Jovens e Adultos (EJA)será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade

182
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

necessidade de formação adequada para melhor atuar nessa modalidade de


ensino tão específica e peculiar pedagogicamente e, porque não dizer, que sempre
ocupou, no cenário brasileiro, um lugar secundário, de uma educação atribuída
para as classes menos favorecidas.
Reparar a negação desse direito é cumprir o compromisso político-pedagógico
pelo processo de formação inicial e continuada que poderá empoderar os
professores por meio da construção de conhecimentos e saberes necessários à sua
prática docente. Nesse sentido, interessa-nos a formação continuada em serviço,
espaço de reflexão e aprofundamento teórico das práticas pedagógicas e do
currículo, nomeadamente, o currículo em ação que de acordo com Pacheco (2005,
p. 51), “é o currículo como atividade de sala de aula, ou currículo operacional”.
Considerando esses aspetos, a Secretaria de Educação de Pernambuco, através
da Gerência de Políticas Educacionais de Jovens, Adultos e Idosos – GEJA – elaborou
um programa de formação continuada em serviço, para os professores que atuam
nessa modalidade de ensino fundamental e médio, que apresentaremos a seguir.

1. FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS: DIÁLOGOS SOBRE CONCEPÇÕES E
PRÁTICAS
A ausência de políticas públicas para formação continuada em serviço para
professores que atuam na educação de jovens e adultos é histórica, considerando
o valor secundário ocupado por essa modalidade de ensino; consequentemente,
as lacunas e as fragilidades rebatem negativamente na prática docente e na
aprendizagem dos estudantes.
É este cenário que justifica a ação da Gerência de Políticas Educacionais de Jovens,
Adultos e Idosos – GEJA, de criar uma proposta de formação continuada em serviço
para os professores que atuam na referida modalidade de ensino.
Para Nóvoa (1995, p. 26), “o diálogo entre os professores é fundamental
para consolidar saberes emergentes da prática profissional (…) que deem
corpo a um exercício autônomo da profissão docente”. Nessa perspetiva, a
de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria (Art. 37 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996).

183
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

formação continuada em serviço se configura como esse espaço de diálogo, de


aprofundamento teórico dos diversos conhecimentos e saberes necessários à
prática pedagógica do professor da EJA.
Na referida Gerência, o ano de 2012 foi marcado pela construção da proposta
pedagógica que levaria o nome de Caderno de Formação Continuada em Serviço para
coordenadores e professores da EJA fundamental e médio. Num primeiro momento,
a Unidade da Educação de Jovens, Adultos e Idosos – UEJAI – promove reuniões entre
professores técnicos-pedagógicos e os professores coordenadores da educação de
jovens e adultos que atuam nas Gerências Regionais de Educação (GREs)12 e nas escolas,
juntamente com os coordenadores de alguns municípios parceiros, para dialogarem
sobre as necessidades de uma proposta de formação continuada em serviço.
Este foi o primeiro passo num processo dialógico entre a Secretaria de Educação e
uma representação de professores para assegurar esse direito, conforme prevê a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9.394/96, no seu Artigo 67, item II.
Nesse diálogo, a proposta foi tomando corpo, ganhando espaço, ao mesmo
tempo em que caminhava para a sensibilização da participação do professor
docente do ensino fundamental e médio da EJA, pois entendemos que a
formação continuada é um dos fatores determinantes para a melhoria da prática
pedagógica e, de modo específico, para a prática docente da EJA. De fato,
o cenário atual da referida modalidade, conforme Morgado (2005), exige dos
professores novas posturas e modificações do seu pensamento educativo.
Esse entendimento apontou para um dos grandes desafios, que foi implementar
uma rede de formadores que chegasse até o professor no contexto da escola,
cujo objetivo era a realização da formação continuada em serviço, no horário de
trabalho do professor, ou seja, no momento da aula atividade13, o que conferiria,
inclusive, legitimidade para esse espaço de estudos, aprofundamento teórico,
planejamento didático e reorganização curricular.

12. Órgãos públicos responsáveis pela educação no âmbito administrativo e pedagógico.


13. Segundo a lei 11.738/2008 (art. 2º), que estabeleceu o Piso Salarial Profissional Nacional para os
profissionais do magistério público da Educação Básica, na composição da jornada de trabalho deve-
se observar o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades
de interação com os educandos e um 1/3 da jornada será dedicado à preparação de aulas e às demais
atividades fora da sala (aula atividade).

184
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Outro aspeto importante é que à medida que o professor fosse aderindo ao


programa de formação e participando da referida proposta, suas aulas e atividades
tomariam outro direcionamento. Nesse processo, outros encaminhamentos
seriam dados no sentido qualitativo, na produção de conhecimentos e saberes e,
sobretudo, na organização curricular. Para Morgado et al (2011), no momento em
que o currículo é contextualizado, ele pode gerar condições que têm como meta a
concretização da igualdade de oportunidades e dos princípios de equidade.
Com esse pensamento, o programa de formação continuada em serviço
ofertado pela GEJA busca esse olhar, busca pautar-se nessa visão de profissional
que na atualidade precisa superar modelos de práticas tradicionais, incorporando
à profissionalidade docente modelos que atendam ao perfil dos professores da EJA
fundamental e médio.
Em suas análises, Libâneo (2004, p. 227), defende que
A formação continuada pode possibilitar a reflexividade e a mudança nas práticas
docentes, ajudando os professores a tomarem consciência das suas dificuldades,
compreendendo-as e elaborando formas de enfrentá-las. De fato, não basta saber
sobre as dificuldades da profissão, é preciso refletir sobre elas e buscar soluções,
de preferência, mediante ações coletivas.
Nessa ordem de ideias, após alguns encontros com estudos, análises, discussões,
pontos e contrapontos, foi construído o caderno com uma proposta de formação
para uma rede de formadores. Dava-se início, de fato, a um trabalho que envolveria
por adesão professores coordenadores da EJA, professores regentes do ensino
fundamental e médio da EJA, cuja proposta descreveremos a seguir.

2. FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: METODOLOGIA


Considerando os objetivos propostos pelo programa de formação continuada
em serviço e os do presente trabalho, de natureza teórico-prática, apoiamo-nos
numa investigação qualitativa, tendo utilizado prioritariamente questionários e
seminários com os professores formadores e com os professores cursistas.
No primeiro semestre do ano letivo de 2012, foram vivenciados dois encontros
semanais, no período de janeiro a março, com os professores técnicos da GEJA para
estudo, aprofundamento teórico e construção do programa de formação continuada

185
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

em serviço para os professores da EJA. Nesse primeiro momento, participaram


quinze professores técnicos-pedagógicos das diversas áreas do conhecimento.
Os objetivos que nortearam o trabalho foram definidos sem termos geral e
específico. Como objetivo geral, foi estabelecido: promover a formação continuada
em serviço para professores que atuam na modalidade da educação de jovens,
adultos e idosos, através de uma rede de formadores numa dinâmica multidisciplinar.
Como objetivos específicos, foram definidos: 1) garantir espaço para formação
continuada em serviço nas aulas atividades do ensino fundamental e médio da
EJA; 2) promover estudo e análise das Orientações Teórico-Metodológicas – OTM 14
e do Projeto Político Pedagógico da escola; 3) potencializar o uso do livro didático
na EJA15; 4) elaborar projetos de intervenção pedagógica para EJA.
Com esses objetivos buscava-se atender as funções reparadoras, equalizadora e
qualificadora da EJA, sobretudo esta última, de modo que o programa de formação
se configurasse como uma das ações de “instituições de ensino e pesquisa [que]
oportunizam a produção de material didático adequado e a apropriação de
conhecimentos e saberes necessários à melhor inserção dos sujeitos na sociedade
contemporânea” (Brasil, 2000, p. 11).
Para isto, consideramos que uma questão é fundamental a partir das análises
de Sérgio (2014, p. 45) quando afirma que “a formação de professores para EJA
supere o currículo tradicional que ainda predomina, por um currículo com temas
emergentes da cultura contemporânea, preconizando novas estratégias de
organização didática e curricular”.
Nessa teia de ideias, foi estabelecido como meta a criação de uma rede de
formadores para atuar na formação continuada em serviço da modalidade da EJA
fundamental e médio, composta por professores da equipe técnico-pedagógica
das Gerências Regionais de Educação, educadores de apoio 16 e professores das
unidades escolares.

14. Manual de apoio didático para a prática pedagógica da EJA, construído pelos professores e pelos
professores técnicos-pedagógicos da EJA no Estado de Pernambuco.
15. É importante ressaltar que no ano de 2012 apenas o Ensino Fundamental havia sido contemplado
com livros didáticos pelo Plano Nacional do Livro Didático EJA – PNLDEJA.
16. Professor da Rede que passa por um processo de seleção simplificada para atuar nas escolas junto
a equipe administrativa e pedagógica na (re)organização das práticas pedagógicas e curriculares e
gestão colegiada.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Os conteúdos foram selecionados na perspetiva de contemplar aprofundamento


teórico sobre a EJA, o processo de ensino e aprendizagem, avaliação e práticas
metodológicas. Assim, foram selecionados os seguintes conteúdos: concepções
e funções da EJA; concepções de ensino e aprendizagem na EJA; concepções
e práticas de leitura para EJA; concepções, tipos e funções de avaliação para a
EJA; concepções metodológicas, a partir das Orientações Teórico-metodológicos
(OTM); interdisciplinaridade e contextualização na EJA; sequência didática.
Seguindo esse percurso formativo, foram definidas as actividades a serem
vivenciadas:
§ Mobilização e inscrição dos professores que atuam na modalidade, através de
um documento de adesão, conforme dito anteriormente;
§ Realização da formação continuada em serviço para os professores formadores,
multiplicadores e cursistas;
§ Monitoramento das ações desenvolvidas nas GRE e nas escolas;17
§ Realização dos encontros quinzenais entre os professores multiplicadores e os
professores cursistas na escola sede;
§ Avaliação e acompanhamento sistemático pelos técnicos da GEJA e pelos
professores formadores;
§ Realização de um seminário para socialização das produções;
§ Elaboração de um caderno com as experiências vivenciadas no percurso
formativo.
O programa de formação continuada em serviço foi estruturado em três etapas
complementares, a saber:
§ a primeira, destinada à formação de coordenadores regionais e/ou técnicos de
ensino que atuariam como formadores dos professores multiplicadores, com
carga horária de 80 horas, para as ações durante o período da segunda etapa
da formação. A formação em serviço para professores formadores aconteceu
nos meses de março, maio, junho, julho, outubro e novembro;
§ na segunda etapa, foi realizada a formação de professores multiplicadores,
com carga horária de 64 horas, sendo quatro encontros de 16 horas nos meses
de maio, junho, agosto e outubro. Cada professor multiplicador atuaria com
turmas de no mínimo 10 professores cursistas numa escola sede. A formação

17.  É importante ressaltar que cada esfera assumia a ação do monitoramento. O Estado monitorava
as GREs e as escolas, enquanto os Municípios monitoravam suas escolas.

187
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

em serviço para professores multiplicadores compreendeu como conteúdo


o estudo e a análise de políticas educacionais em âmbito federal e estadual,
para subsidiar as discussões, as análises e as atividades da prática pedagógica
vivenciadas na sala de aula da EJA.
Na terceira e última etapa, ocorreu a formação continuada em serviço para
§
todos os professores que atuam em turmas de EJA que aderiram ao programa,
a cada 15 dias, com uma carga horária mensal de 8 horas, durante as aulas
atividade.
A formação continuada em serviço para os professores cursistas tem como
finalidade o estudo e a análise das questões didático-pedagógicas específicas da
EJA, envolvendo profissionais das diferentes áreas do ensino fundamental e médio,
para um trabalho efetivo, inclusivo e humanizador, com possibilidades de melhor
inserção desses sujeitos na sociedade e no mundo do trabalho.
Nessa linha de pensamento, Morgado (2012,p.393), destaca de forma
considerável o papel do professor. Afirma o autor:
Uma das tarefas mais nobres dos professores é a de conseguirem que os alunos
desenvolvam capacidades autónomas de aprendizagens, o que é possível se lhes
proporcionarem a integração de campos de conhecimentos e experiências que
permitam aos estudantes uma compreensão mais reflexiva e crítica da realidade
em que vivem. […] Propiciar a cada indivíduo os instrumentos de que necessita
para aceder ao conhecimento e poder compreender, integrar/participar e
modificar o mundo é o grande desafio da escola atual.
Quanto à avaliação, esta foi sistemática e contínua. Ocorreu ao longo de
todo processo, buscando evidenciar os resultados de cada etapa da formação
continuada em serviço.
Ao final do ano letivo, a formação continuada culminou com um seminário de
socialização das experiências vivenciadas em todas as etapas, em que professores
formadores e professores cursistas fizeram exposição oral e de posters acerca de
experiências dos estudantes da EJA fundamental e médio.
A título de certificação, os professores cursistas que apresentaram 75% de
frequência nas formações, bem como os professores formadores e os professores
multiplicadores, ao final da realização de suas atividades, receberam um certificado
de participação no programa.

188
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Para os anos de 2013 e 2014, o programa de formação foi (re)desenhadode


forma mais significativa nos aspectos conceituais e metodológicos, a partir
das considerações advindas das avaliações dos formadores e, sobretudo, dos
professores cursistas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação continuada em serviço, além de um direito, é uma oportunidade
de interação e troca de experiências, apropriação de conhecimentos entre
os pares nos mais diversos contextos em que se faz o elo entre a profissão e
a identidade do educador, que se constrói num processo histórico, dialético
e colaborativo. A identidade profissional possibilita a consciência crítica da
educação e de sua funcionalidade, que na perspetiva freireana assume um
caráter emancipador e humanizador.
Diante de tais considerações, podemos inferir que a formação continuada se
configura como possibilidade para os professores da rede estadual e da rede
municipal de ensino, mas ainda longe de dar conta da problemática das lacunas,
sobretudo da formação inicial para o professor da EJA.
No entanto, diante dos resultados obtidos, reafirmamos os seguintes aspetos:
o programa de formação continuada, além de um direito, é um espaço que faltava
para a (re)organização das aulas atividades dos professores nas escolas; é um
espaço de trabalho colaborativo entre os pares; um espaço de (re)sinificação e
(re)construção curricular; um espaço de (re)organização das práticas pedagógicas
específicas para a EJA; um espaço de escuta, embate, ponto e contraponto, mas
também de consenso, de produção, de construção e avaliação.
Outro aspeto relevante a considerar diz respeito ao ganho significativo da
modalidadade com a instituição da Gerência de Políticas Educacionais de Jovens,
Adultos e Idosos – GEJA. Do ponto de vista das políticas educativas, ganha-se
espaço para reflexões e debates; como consequência, do ponto de vista das
políticas curriculares, surgem, de fato e de direito, documentos orientadores
das práticas pedagógicas18, Manuais Escolares (livros didáticos para o ensino

18. Nesse período são construídos os seguintes documentos de orientação curricular e práticas


metodológicas: Orientações Teóricos-Metodológicas(OTM) – Ensino Fundamental e Médio;

189
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

fundamental e médio através do Plano Nacional do Livro Didático EJA – PNLD


EJA) e o programa de formação continuada em serviço para os professores do
ensino fundamental e médio.
Para concluir, ressalto que os dois instrumentos pedagógicos utilizados para
avaliar o percurso formativo dos professores, o seminário de socialização no
final de cada ano letivo e um questionário para avaliação escrita dos professores,
revelaram: a satisfação e o comprometimento dos professores com a formação
continuada em serviço; uma prática da reorganização curricular e da prática
pedagógica dos professores para o campo da EJA com rebatimento na sala de aula,
na aprendizagem dos alunos e na permanência deles na escola e especificamente
na sala de aula; a satisfação com os manuais curriculares; a satisfação com as
temáticas vivenciadas; a satisfação com os recursos utilizados; a satisfação das
formações com a contribuição para a profissionalidade docente.
Em síntese, as avaliações dos anos de 2012, 2013 e 2014 revelaram também as
lacunas, as fragilidaddes, os desejos e as necessidades, bem como apresentaram,
de forma competente e objetiva, as sugestões para as formações posteriores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Libâneo, J. C. (2004). Organização e gestão da escola: teoria e prática.(5ª ed). São
Paulo: Alternativa.
Morgado, J. C. (2005). Currículo e profissionalidade docente. Porto: Porto Editora
Morgado, J. C; Fernandes, Preciosa; Mouraz, A. (2001). Contextualizar o currículo
para melhorar a aprendizagem dos alunos. XI Congresso da Sociedade
Portuguesa de Ciências para a Educação. (pp. 155-161) Guarda.
Morgado, J.C. (2012). Projeto curricular e autonomia da escola: das intenções às
práticas. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE),
27 (3), (pp, 391-408).
Pacheco, J. A. (2005). Escritos curriculares. São Paulo: Cortez.

Parâmetros Curriculares Estaduais para a Educação de Jovens e Adultos (PCE-EJA) – Ensino


Fundamental e Médio.

190
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Secretaria de Educação de Pernambuco. (2015). Gerência de Políticas Educacionais


de Jovens, Adultos e Idosos. Recuperado em: 12 de março, 2015, dehttp://
www.educacao.pe.gov.br/.
Sérgio, M.C. (2014). Formação de professores e autonomia curricular na Educação
de Jovens e Adultos (EJA): desafios contemporâneos. In Sales, A. S; Alves, T. A
& Melo, T. J.O (Orgs). II Antologia de Textos Acadêmicos: educação, ciências
sociais, meio ambiente [e] letras, psicanálise, história. Academia Escadense de
Letras. Escada- Pernambuco.
Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (sd). SINTEPE DIGITAL.
Recuperado em: 12 de março, 2015, de http://www.sintepe.org.br/
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Educação Nacional. Apresentação Carlos Roberto Jamil Cury. Brasil. Rio de
Janeiro: DP&A.
Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica 11/2000
(2000). Diretrizes Curriculares Nacionais Para Educação de Jovens e Adultos.
Relator: Carlos Roberto Jamil Cury. Brasília, Distrito Federal: Presidência da
República.

191
REGULAÇÃO ÉTICO-DEONTOLÓGICA
DA PROFISSÃO DOCENTE – PROJETO DE
INVESTIGAÇÃO-AÇÃO NUMA ESCOLA DO
ENSINO SECUNDÁRIO NA ILHA DE SÃO VICENTE
(CABO VERDE)19

Maria da Conceição Azevedo


Escola de Ciências Humanas e Sociais – Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro
mazevedo@utad.pt

19. Os professores Anildo Medina Coronel, Emanuel José do Rosário, Francisca Gomes Pires, João
Manuel Fonseca Fortes, Osvaldo da Rocha Lopes, Paulina Maria Lima Santos do Rosário, Salete da Luz
Rocha, Sílvia Maria Gomes Monteiro Santos Mendes, Arminda Sousa da Cruz, Cláudia Helena Gomes
Silva Évora, Filomena Maria dos Santos da Cruz Estevão, Jair Silvestre Rodrigues, José  Manuel Freitas
Santos, Maria Rosa de Jesus Monteiro e Samuel Freitas Santos Lima elaboraram colaborativamente
com a autora a proposta de carta ética dos professores para a sua escola. Aqui deixamos um especial
agradecimento pelo empenho e determinação com que participaram no projecto.
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A comunicação apresenta o processo de construção de um instrumento de
regulação ético-deontológica de professores do ensino secundário, correspondendo
a uma solicitação de uma escola da ilha de São Vicente.
O projeto de investigação-ação decorreu ao longo de um ano e teve, até ao
momento, três fases:
§ na primeira fase do projeto, a metodologia seguida foi discussão com grupos
focais, nos quais se debateram os valores da profissão, as tarefas específicas,
os destinatários e os compromissos dos professores;
§ na segunda fase, foi distribuído a todos os participantes um dossier de leituras
e realizou-se uma sessão de formação para orientação de leitura;
§ na terceira fase, com base nas conclusões das anteriores, um grupo de
trabalho produziu uma Carta Ética dos professores da Escola. O documento
a que chegaram usando esta metodologia colaborativa inclui um conjunto
de princípios gerais (de natureza ética) e orientações práticas (de tipo
deontológico).
Palavras-chave: Ética, Deontologia, Profissão Docente

INTRODUÇÃO
A regulação ético-deontológica representa uma dimensão importante da
identidade profissional, juntamente com o reconhecimento de que a actividade
desenvolvida é socialmente relevante, a competência garantida por uma
qualificação e a existência de uma cultura profissional. A qualificação, por seu
lado, presume a formação sistemática e certificada, um corpo de conhecimentos
especializados que fundamenta a prática e, além disso, constitui condição para
a emissão de credenciais, prévia e indispensável à autonomia no exercício
profissional (Loureiro, 2006).
Simultaneamente fruto da reflexão ética dos profissionais e geradora de critérios
para apreciação e juízo sobre as suas práticas, a regulação ético-deontológica
está, apesar disso, sujeita a dificuldades, tanto se se trata de profissões mais
recentes, como no caso de outras que, embora antigas, se viram privadas de um
reconhecimento social que lhes permitisse estabelecerem agremiações próprias.

193
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Está neste caso, a profissão docente, tanto em Cabo Verde como na antiga
Metrópole.
Nesta comunicação, apreciamos a regulação ético-deontológica do exercício
profissional docente, e apresentamos o projeto de investigação-ação levado a
cabo numa escola do ensino secundário de São Vicente (Cabo Verde), de dezembro
de 2013 a dezembro de 2014.

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

1.1. CONTEXTO COLONIAL


Stoer descreve assim o contexto ideológico e organizacional do ensino, anterior
à revolução e comum a todo o império colonial português:
até 1970 cerca de 80% dos professores das escolas preparatórias e secundárias
tinham contratos provisórios ou não tinham mesmo qualquer contrato. Como
resultado, eram pagos durante apenas dez meses do ano, não tinham vencimento
durante o período de férias, não tinham garantia de colocação no ano escolar
imediato, não tinham direitos a segurança social, a pensões ou à progressão na
carreira, estavam sujeitos a despedimentos sem justa causa. Assim, tinham-se
tornado, no sector do ensino secundário, aquilo que os regentes escolares eram
no ensino primário: mão-de-obra barata para o Ministério Nacional da Educação.
(Stoer, 2008:54)

Uma contradição interna minava a identidade profissional dos professores: se,


por um lado, existia uma regulamentação estrita do acesso à profissão, mediante
estágio não remunerado e exame de Estado, possível apenas num reduzido número
de escolas; por outro, a pressão demográfica conduzia ao recrutamento em
condições precárias de detentores de formações muito diversas, não sendo muitas
vezes clara a adequação da formação recebida para as funções a desempenhar.
Ainda antes da Revolução dos Cravos em Portugal, há a registar no contexto
educativo dois fenómenos com grande relevância para o que viria a seguir, tanto
em Portugal como nas colónias: a Reforma Veiga Simão, no contexto da “primavera
marcelista”, e os “Grupos de Estudos”, designação que assumiu um movimento
associativo de docentes, surgido em 1971, com marcadas preocupações de
desenvolvimento deontológico dos professores.

194
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Apesar de Veiga Simão pretender uma democratização da educação em Portugal


e efetivamente se ter alargado o acesso das populações à educação escolar, a
situação dos professores não se alterou, aumentando mesmo a disparidade de
qualificações para funções idênticas, nomeadamente nas escolas preparatórias e
no ciclo preparatório TV, então criados.
Quanto aos Grupos de Estudos, visavam a defesa dos interesses e direitos,
profissionais e cívicos dos professores. Promoveram debates nas escolas e
chegaram a estar envolvidos em negociações com o Ministério da Educação
Nacional com vista a assegurar
o direito de participação e decisão de todos os professores na gestão dos
estabelecimentos de ensino, nomeadamente no conselho escolar, passando a ser
atribuição deste conselho a escolha do diretor ou reitor. (Monteiro, s/d: 175)
Estas negociações vieram a fracassar, argumentando-se do lado da Secretaria
de Estado da Instrução com a proibição de os funcionários públicos constituírem
sindicatos:
a constituição de uma associação de classe de professores, com os objectivos
atrás indicados (isto é, «elevar a consciência deontológica, defender os interesses
profissionais, individuais e colectivos dos seus membros») conferir-lhe-ia carácter
notoriamente sindical, em flagrante violação dos imperativos constitucional e
legal. (Monteiro, s/d: 211).

A assimilação da consciência deontológica ao sindicalismo, realizada pela tutela,


seria uma espécie de profecia auto-confirmatória, já que, depois da revolução,
grande número de dirigentes e ativistas dos Grupos de Estudos haveriam de
integrar estruturas sindicais, nomeadamente o SPGL, hoje FRENPROF. A dimensão
deontológica ficou, assim, associada a reivindicações de carácter laboral, estatuto
remuneratório e condições contratuais, do lado dos sindicatos, vindo mais tarde a
ser introduzida em diplomas legais. Foi o que aconteceu em 1990 com o Decreto-
Lei nº 139-A/90 de 28 de Abril que se assume como “normativo integrador do
desenvolvimento de um código de conduta profissional”. Este decreto, previsto
pela Lei de Bases do Sistema Educativo, estabelece, além disso, princípios
orientadores para o recrutamento, organização dos quadros de pessoal e outras
matérias de natureza administrativa. O código de conduta que nele está incluído

195
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

não é, de facto, um instrumento de regulação deontológica, nem pela sua forma,


nem pelo seu autor, já que é um normativo legal sobre a prática profissional
dos professores, especialmente enquanto funcionários públicos; aplicando-se
aos professores, não é produzido por eles. Não será por acaso que, de todas as
vezes em que foi revisto e republicado, provocou desconforto e contestação. No
contexto sindical, a FRENFROP adoptou a Declaração da Internacional da Educação
sobre a Ética Profissional.

1.2. CONTEXTO PÓS-COLONIAL CABO-VERDIANO


A incongruência entre a regulamentação estrita quanto ao acesso ao lugar de
professor do ensino elementar e a disparidade de formações previstas para o trabalho
docente era ainda maior nas colónias. Com efeito, foi preciso esperar por 1970 para
que fosse criada em Cabo Verde uma Escola do Magistério Primário, obedecendo ao
Decreto 44240/62, que criara escolas idênticas de Angola e Moçambique. Antes dessa
data, os professores de posto escolar e os monitores escolares constituíam a grande
maioria dos que ensinavam no ensino primário; professores de ensino elementar
habilitados com o Curso do Magistério Primário, ou eram oriundos da Metrópole
ou pertenciam a um estrato social suficientemente alto para aí se deslocarem para
obter essa formação. Os professores de posto escolar recebiam uma formação de
4 anos, muitas vezes ministrada em instituições de ensino técnico ou liceal, a que
acediam com a 4ª classe. Quanto aos monitores, eram assalariados que exerciam
como professores eventuais em ambiente rural. Deveriam demonstrar aptidão para
as funções em formação intensiva realizada anualmente.
Após a independência, em 1975, o programa de governo estabelecia como
uma das medidas de política educativa “Organizar cursos de capacitação dos
professores primários e liceais”. Em consonância, será criado em 1979 o Curso
de Formação de Professores do Ensino Secundário e em 1994 será elaborado o
Regulamento das Escolas de Formação de Professores do Ensino Básico, cujo plano
de estudos sofrera já alterações decorrentes das mudanças ideológicas e políticas.
Reconhecida a formação específica e a qualificação certificada dos professores
no contexto colonial cabo-verdiano, que encontramos quanto à regulação ética da
conduta profissional? Não encontramos em nenhuma das ex-colónias portuguesas

196
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

uma regulação ético-deontológica dos professores exercida por organismos


profissionais. Cabo Verde não é excepção. À semelhança do que acontece no
contexto português, a regulação ética da profissão docente confunde-se com a
regulamentação jurídica, estabelecido no Estatuto do Pessoal Docente (cf. Decreto
Legislativo 2/2004).
Este diploma legal inclui um capítulo sobre direitos e deveres dos docentes
(capítulo II), no qual se distinguem direitos e deveres gerais de funcionários
(proteção por acidente em serviço e tratamento por doença contraída em situação
profissional); bem como deveres e os direitos específicos da função docente. Estes
últimos são os seguintes (cf. nº 2 do artigo 3º):
e. Participar no funcionamento do sistema educativo;
f. Participar na orientação pedagógica dos estabelecimentos de ensino;
g. Participar em experiências de inovação pedagógica;
h. Eleger e ser eleito para os órgãos de gestão das escolas;
i. Ter acesso à formação com vista à actualização e reforço dos conhecimentos
e evolução na carreira;
j. Dispor dos apoios e recursos necessários ao bom exercício da profissão;
k. Dispor de segurança na actividade profissional e segurança social, nos termos
da lei.
Estes direitos ligam-se com outros pontos do Estatuto, como sejam os
relativos a formação (artigos 7º e 8º), recrutamento e selecção (artigos 9º a 12º),
desenvolvimento profissional (artigos 24º a 42º).
Os deveres profissionais específicos mencionados no Estatuto são os seguintes:
a. Participar no funcionamento do sistema educativo;
b. Participar na orientação pedagógica dos estabelecimentos de ensino;
c. Participar em experiências de inovação pedagógica;
d. Eleger e ser eleito para os órgãos de gestão das escolas;
e. Ter acesso à formação com vista à actualização e reforço dos conhecimentos
e evolução na carreira;
f. Dispor dos apoios e recursos necessários ao bom exercício da profissão;
g. Dispor de segurança na actividade profissional e segurança social, nos termos
da lei.

197
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O Estatuto do Pessoal Docente inclui ainda normas referentes às condições de


trabalho (artigos 47º a 70º), remunerações (43º a 46º), regime disciplinar e aposentação.
Em conclusão, a profissionalidade docente no contexto pós-colonial de Cabo
Verde manifesta-se pelo reconhecimento de uma qualificação que permite
o acesso à profissão, bem como de um saber científico e prático que garante a
competência. Mas existirá uma cultura profissional? Existirá uma moral partilhada
e eticamente justificada que permita a regulação deontológica da profissão?
O projeto que levámos a cabo com os professores de uma Escola da Ilha de S.
Vicente, Cabo Verde permitiu-nos uma oportunidade de o encontrar e de criar
condições para a sua expressão.

REGULAÇÃO ÉTICO-DEONTOLÓGICA DE PROFESSORES (UM


PROJETO DE INVESTIGAÇÃO-AÇÃO)

2.1. ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DO PROJETO


O Projeto surgiu no contexto da revisão do Estatuto do Pessoal Docente, a par de
uma conferência sobre valores da profissão docente, no âmbito das comemorações
de aniversário da Escola. Assumiu os seguintes objectivos:
§ Contribuir para a conscientização ética dos professores da Escola;
§ Promover o debate ético entre os profissionais da educação;
§ Elaborar um instrumento de regulação ético-deontológica dos Professores da
Escola;
§ Propor às entidades competentes a elaboração de um Código Deontológico da
Profissão Docente para a República de Cabo Verde.
O projeto decorreu em três fases, decorrentes da metodologia seguida.

2.2. METODOLOGIA
A metodologia foi antecipadamente discutida de modo global com a Direção da
Escola que divulgou o projeto e respetivos objetivos e abriu inscrições para todos
os professores que quisessem participar. Em função dos horários dos interessados,
foram definidos três grupos de discussão que funcionaram na primeira fase,
respetivamente com 23, 24 e 17 professores.

198
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No primeiro encontro com cada um dos grupos foram recordados os objetivos


do projeto e esclarecidas todas as questões que estes entenderam colocar. Foi
proposto aos participantes um pequeno formulário de consentimento informado
escrito, necessário por haver lugar a registo áudio de todas as intervenções. Foram
ainda escolhidos um líder e um secretário que apoiaram a organização das sessões
presenciais e dinamizaram, depois, a transcrição das gravações.
A primeira fase do projeto envolveu, para cada um dos grupos de discussão, a
realização de quatro sessões presenciais, cada uma das quais com a duração de
aproximadamente duas horas, ou seja, cada grupo pôde dispor de um total de
oito horas de discussão que foram integralmente gravadas em formato digital. Esta
discussão centrou-se em torno das seguintes questões:
§ quais as funções específicas da profissão docente?
§ qual o valor intrínseco da profissão docente?
§ na sua atuação profissional habitual, quais as normas práticas que segue?
§ como toma decisões quando lhe surgem problemas éticos no exercício
profissional?
Estas questões foram sugeridas aos professores, mas não se constituíram como
perguntas estritas. Eram um mote para que os professores pudessem fazer uma
meta-reflexão sobre a sua prática profissional.
Recorremos, nesta primeira fase, aos grupos focais (Barbour, 2009), pois essa
metodologia permitia-nos:
§ contactar em simultâneo com um número apreciável de pessoas, cobrindo, no
conjunto dos três grupos, a quase totalidade dos professores da escola;
§ proporcionar-lhes uma oportunidade de expressão das suas opiniões e de as
confrontar com as dos seus colegas, gerando para cada um oportunidades de
reflexão e modelação das suas próprias posições;
§ observar a dinâmica de discussão dos grupos.
Sendo objetivo do projeto a produção de um instrumento de regulação ético-
deontológica do grupo profissional dos professores, a discussão tinha também
um objetivo de formação, pois constituía uma oportunidade para cada um
dos participantes se confrontar com o seu próprio modo de situar-se no grupo
e observar os demais na mesma situação. Promoviam-se assim valores como a
tolerância e autenticidade.

199
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

As sessões gravadas foram transcritas num processo dinamizado pelos líderes e


secretários de cada grupo. As transcrições foram depois codificadas e os documentos
de cada um dos grupos foram distribuídas pelos participantes via email.
A segunda fase do projeto era mais diretamente formativa. Tinha como objetivos
específicos criar condições para que cada um dos professores envolvidos, no final,
fosse capaz de:
§ conhecer diferentes propostas de instrumentos de regulação ético-
deontológica;
§ analisar as perspetivas de ética profissional docente empiricamente
constatadas;
§ problematizar eticamente situações da sua prática docente e do contexto
escolar.
Originalmente, estava previsto que esta segunda fase funcionasse à distância, em
formato b-learning. No entanto, por dificuldades técnicas, tal não veio a suceder.
A segunda fase incluiu as seguintes atividades:
§ leitura das transcrições correspondentes à primeira fase.
§ distribuição a todos os participantes dos grupos de um dossier de leituras,
composto por um conjunto de códigos deontológicos, cartas éticas,
declarações de princípios de diferentes entidades e organizações profissionais
de professores, educadores e investigadores em educação;
§ sessão formativa presencial na qual se explicaram as características e
finalidades dos diferentes tipos de documentos acima citados, referentes à
regulação ético-deontológica. A opção incidiu na elaboração de uma Carta
Ética dos Professores da Escola. Não poderia ser um Código Deontológico por
não ser elaborado por uma agremiação profissional, nem uma Declaração de
Princípios, pois visava finalidades tanto práticas como teóricas.
O número de participantes nesta segunda fase reduziu-se para 15, dadas as
condicionantes decorrentes do calendário e horário em que foi possível realizá-la.
A terceira fase seguiu-se imediatamente à anterior e correspondeu à redação
colaborativa de uma proposta de Carta Ética dos Professores da Escola, de acordo
com a sua opção fundamentada. Os participantes nesta terceira fase assumiram a
função de grupo de trabalho e, num conjunto de três sessões, cada uma das quais
com a duração de três horas, procederam à redação da proposta de Carta Ética,

200
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

a qual tem vindo a ser socializada durante o segundo trimestre. Prevê-se que seja
votada em Assembleia de Escola até ao final do presente ano letivo.

A PROPOSTA DE UMA CARTA ÉTICA DOS PROFESSORES


O formato “Carta Ética” resultou de uma opção do grupo de trabalho em virtude
de se destinar a orientar a prática do corpo docente de uma escola determinada,
tanto em termos práticos como de fundamentação ética. Não visa anular nem
substituir a função jurídica do Estatuto da Carreira Docente, nem sequer no que
diz respeito à definição de direitos e deveres dos professores, mas sim prevenir
práticas impróprias e estimular a procura incessante da excelência profissional.
A proposta de Carta Ética produzida pelo grupo de trabalho tem um preâmbulo,
um conjunto de princípios gerais e orientações práticas.
O preâmbulo estabelece as finalidades da Escola, define professor e aluno, bem
como os objetivos buscados com a produção deste documento.
A parte correspondente aos princípios gerais apresenta seis valores fundamentais
da profissão docente, “expressão do máximo ético visado pelos professores nas
suas múltiplas tarefas”, os quais “mesmo quando não expressamente referidos,
providenciam a coerência na aplicação de normas e regulamentos e na resolução de
dilemas éticos, nomeadamente nas situações não previstas na lei ou não cobertas
pelos regulamentos e demais normativos”. Os princípios gerais identificados pelo
grupo de trabalho são os seguintes: Respeito pela dignidade e direitos da pessoa
humana, Responsabilidade, Competência, Justiça, Solidariedade e Integridade.
As orientações práticas assumem que o “primeiro e fundamental compromisso
dos professores é com o desenvolvimento pleno e harmonioso das crianças,
adolescentes e jovens, em termos físicos, psíquicos, intelectuais, afetivos, cívicos,
estéticos, espirituais, culturais e éticos”. Este é afirmado no preâmbulo e reiterado
no ponto 1 das orientações práticas. As seguintes decorrem deste primeiro e
fundamental compromisso dos professores. Segue-se, assim, o compromisso do
professor com as famílias; com os colegas e demais membros da comunidade
educativa; com a profissão; com o Estado e a administração; com a sociedade; e
consigo próprio. As orientações práticas são de natureza mais deontológica, ao
passo que os princípios gerais são enunciados de uma ética profissional específica.

201
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Esperamos que este exemplo dos professores de uma escola secundária possa
estender-se a outras e vir a gerar uma organização profissional dos professores
e um Código Deontológico, pelo qual se afirme a profissionalidade docente, se
promova a competência ética dos professores, se “estimule o desenvolvimento
de práticas pautadas por padrões de exigência e rigor científicos, bem como de
qualidade pedagógica e inovação didática” e se “fomente uma cultura democrática
(...) entre todos os membros da comunidade educativa”.

BIBLIOGRAFIA:
Barbour, R. (2009), Grupos Focais, Porto Alegre: Artmed.
Carvalho, M.A. (2008), Do Magistério Primário ao Instituto Pedagógico de Cabo
Verde: mudam-se currículos, os tempos e as vontades, in R. Fernandes e A.C.
Mignot (Org.), O Tempo na Escola, Porto: Profedições.
Decreto Legislativo 2 (2004) Estatuto do Pessoal Docente de Cabo Verde. Recuperado
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203
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
UM OLHAR SOBRE A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM ANGOLA

Rosa Silva; António Carvalho da Silva


Centro de Estudos Africanos (CEAUP); Universidade do Minho (CIED)
rosasil@gmail.com; acsilva@ie.uminho.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Com o alcançar da paz em 2002, Angola deu continuidade às mudanças educativas
iniciadas em 1975, após a independência.
Essas mudanças sugerem a introdução de novos materiais, de novas metodologias
e, consequentemente, de um novo perfil do professor.
Partindo da questão Qual o perfil do professor no pós-independência?, pretende-
se caracterizar os futuros professores de Língua Portuguesa, na província do
Uíge, definir as suas expetativas face à formação académica e identificar as suas
perspetivas sobre a profissão docente.
Para o cumprimento destes objetivos, optou-se por uma metodologia de tipo
qualitativo e como estratégia de investigação a recolha de fichas de caracterização
(inquérito com perguntas abertas), junto de alunos do curso de Língua Portuguesa
(ensino superior).
A análise de conteúdo destes dados revela um cruzamento entre a identidade e o
estado-nação, um estatuto privilegiado na construção da sociedade, um conjunto
de dificuldades linguísticas e materiais e o encarar da formação académica como
meio para superar essas dificuldades.
Palavras-chave: Professor, língua, identidade, Angola.

1. INTRODUÇÃO
Angola é uma jovem Nação em Paz, após um período de guerra de libertação e
outro de guerra civil, que terminou em 2002. Estes períodos de conflito deixaram
marcas no país, nomeadamente no sistema de educação.
Após a independência, desenhou-se a primeira reforma educativa que
entraria em vigor em 1978. Esta caracterizou-se “essencialmente por uma maior
oportunidade de acesso a educação e a continuação dos estudos, do alargamento
da gratuitidade e aperfeiçoamento permanente do pessoal docente.” (MED,
2011: 7). Em 1986, aquando da realização do diagnóstico ao sistema de educação,
verificou-se que o número de alunos que concluíam o ensino primário (4.ª classe)
era bastante reduzido, resultado das elevadas taxas de reprovação (Benedito,

206
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2014). Face a estes resultados, iniciou-se a definição de novas políticas educativas,


constantemente interrompida pelo agravar do conflito armado (MED, 2011;
Benedito, 2014).
Assim, apenas a partir de 2001, com a aprovação da Lei 13/01, de 31 de
Dezembro, a Lei de Bases do Sistema de Educação, e com o alcançar da paz em
2002, se tornou possível delinear a segunda Reforma Educativa, implementada
ciclicamente entre 2004 e 2012. Esta Reforma visava alterar o cenário deixado pela
guerra, expandindo a rede escolar, melhorando a qualidade de ensino e reforçando
a eficácia e a equidade do Sistema de Educação (MED, 2011). No entanto, e mesmo
que se tenham obtido alguns resultados positivos, ainda há desafios a cumprir a
nível da monitoria e avaliação do processo de ensino-aprendizagem, dos sistemas
de informação, da formação e da qualidade do ensino-aprendizagem, da melhoria
da qualidade e do acesso a materiais didáticos, da melhoria das infraestruturas
de formação de professores (MED, 2011; Binji, 2013; Benedito 2014). Na verdade,
de acordo com o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (INE, 2011),
26% das crianças entre os 6 e os 9 anos de idade nunca frequentaram a escola
e o número de professores ainda se revela insuficiente para suprir todas as
necessidades do país: foi verificada, porém, uma subida de 32,8% no número de
professores e de 14,9% no número de salas de aula, comparativamente com o ano
de 2008 (MED, 2012).
Ora, das dezoito províncias que constituem Angola destaca-se, neste estudo, a
província do Uíge, onde foram realizadas as consultas empíricas.
A província do Uíge é uma das mais populosas de Angola (Ceita, 2014) e situa-se
no norte, a cerca de 315 quilómetros de Luanda. Tem como fronteiras internas as
províncias de Zaire, Malanje, Kuanza Norte e Bengo e como fronteira internacional
a República Democrática do Congo. Este facto coloca-a numa plataforma linguística
diversificada. Tal significa que é rodeada por províncias de língua nacional
Kimbundu e Kikongo e pelas línguas Lingala e Francês do país vizinho.
A província do Uíge foi uma das mais afetadas pela guerra civil, facto que resultou
na destruição de infraestruturas escolares e na migração de professores para outras
províncias à procura de melhores condições de vida e de trabalho (MED, 2011).

207
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Atualmente, a província dispõe de escolas do ensino primário e secundário


(ensino geral) em todos os municípios, porém só no município sede (cidade do
Uíge) é que existe uma Escola de Formação e Professores (ensino secundário) e
um Instituto Superior de Ciências de Educação, no qual se formam professores de
várias áreas curriculares, incluindo de Língua Portuguesa.

2. SER PROFESSOR EM ANGOLA


Ser professor em Angola é ser professor num mosaico cultural e linguístico, já
que no país coexistem grupos etnolinguísticos de raiz bantu (“Bakongo, Ambundo,
Lunda-Quioco, Ovimbundu, Ganguela, Nhaneka-Humbe, Ovambo, Herero e
Okavambo”), de raiz não bantu (“Koishan”) (Zau, 2002: 38 e 39) e de raiz indo-
europeia, no caso a Língua Portuguesa (língua oficial e de escolarização).
Ser professor em Angola passará não só por possuir conhecimentos científicos e
metodológicos, mas também conhecimentos linguísticos e culturais, já que língua
e cultura são indissociáveis (Cerqueira & Andrade, 2004; Mingas, 2005). O domínio
destes saberes será, pois, o ponto de partida para que o professor desenvolva
o seu conhecimento implícito da língua e o torne explícito no uso quotidiano,
em contexto de sala de aula (Dionísio, 2000; Fonseca, 2001; Rodrigues, 2001).
O domínio da língua de escolarização irá, assim, contribuir para “promover o
entendimento mútuo e a comunicação eficaz” (PNUD, 2004: 60), pressupostos de
uma educação para a cidadania (Nóvoa, 2009).
Nesta linha de pensamento, Ventura (2013) defende a definição de um perfil do
professor adaptado ao seu contexto de trabalho. A proposta é que este perfil se
atinja logo no final de formação de nível secundário e que se consolide na formação
superior, para que
“durante a formação, os futuros professores sejam iniciados aos valores
que caracterizam a identidade profissional para a qual se estão preparando
e descubram as raízes profundas do que os impele a ser professor, ou seja,
descubram em si mesmos e façam crescer em si uma forte paixão educativa
que servirá de suporte para perseverar durante o exercício da profissão quando
surgirem dificuldades próprias inerentes à profissão.” (Ventura, 2013: 62-63)

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3. RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS


Os dados que a seguir se discutem fazem parte de um trabalho de investigação,
no âmbito do doutoramento em Ciências da Educação, especialidade em
Supervisão Pedagógica. Durante o primeiro semestre do ano letivo de 2014 foram
recolhidas 184 fichas de caracterização de alunos que frequentavam a disciplina
de Metodologia de Investigação Científica, do curso de licenciatura em Língua
Portuguesa, no Instituto Superior de Ciências de Educação do Uíge. Esta recolha
tinha como objetivos:
§ caracterizar os alunos do primeiro ano de licenciatura;
§ identificar expetativas sobre a sua formação académica;
§ identificar perspetivas/conhecimento sobre a profissão docente;
§ traçar o perfil do professor do pós-independência.
Para se atingirem estes objetivos elaborou-se uma ficha de caracterização
(inquérito com perguntas abertas), dividida em quatro partes: identificação,
domínio e contexto linguístico, motivação académica e ser professor em Angola.
Na análise de conteúdo dos dados recolhidos, optou-se por um procedimento
de categorização misto (Amado, 2013). Com esta análise pretende-se, assim, obter
uma compreensão holística da temática em estudo (Desai & Potter, 2006).
É de salientar que os alunos revelaram dificuldades no preenchimento das fichas,
quer na compreensão do solicitado quer na gestão do tempo necessário. Tal pode
justificar-se com a falta de hábito de responder a questionários escritos, em
particular quando a questão não termina com um ponto de interrogação, e à quase
ausência de reflexão sobre o seu desempenho ao longo do processo de formação.
Das 184 fichas recolhidas, 125 pertencem a alunos do sexo masculino e 59 ao
sexo feminino, nascidos entre 1952 e 1995. Destes, 105 já são professores, 45
são apenas estudantes, 15 já exerceram outras funções e 23 não responderam à
questão sobre funções exercidas.
No que diz respeito ao domínio linguístico, todos os sujeitos falam pelo menos
duas línguas (ex., Português e Kikongo), ainda que alguns refiram falar três (ex.,
Português, Kikongo, Lingala) ou quatro (ex., Português, Kikongo, Lingala, Francês).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Relativamente às expetativas para o ano letivo de 2014, os sujeitos referiram:


superar dificuldades e conseguir transitar de ano. Para tal precisavam de ter “boa
assimilação”, “êxito” e uma professora “pacífica” e “ser bom investigador”.
Ser professor no Uíge acarreta um conjunto de desafios relativamente à língua
de escolarização, ao sistema educativo, nomeadamente o entendimento do que
é (ou foi) a Reforma Educativa, ao acesso a materiais didáticos e à formação.
Vejamos, pois, o que os sujeitos de investigação consideram sobre cada um destes
componentes do sistema de educação:
§ língua de escolarização: deve ser dominada pelo professor, assim como as
metodologias de ensino e o saber trabalhar com materiais didáticos para
facilitar as transmissões de conhecimentos. Realçam os inquiridos que é
importante que os professores se esforcem para ajudar a ultrapassar as
dificuldades linguísticas que se identificam no país; assim, é necessário que
o professor se adapte aos seus alunos. Também consideram que a língua de
escolarização permite transmitir a cultura. Porém esta língua não é falada por
todos os professores e por todos os alunos, em particular nas zonas rurais, o
que dificulta a transmissão e a aquisição de conhecimentos.
§ sistema educativo: neste tópico foi referida várias vezes a Reforma Educativa
introduzida pela Lei de Bases do Sistema de Educação (Lei 13/01) e apontadas as
suas vantagens e desvantagens. Para além desta associação, foram apontadas
as seguintes fragilidades do Sistema de Educação: falta de formação específica
para professores, materiais didáticos não apropriados para a reforma
educativa, falta/insuficiência de materiais didáticos, existência de um sistema
de avaliação, dificuldades na adaptação do sistema administrativo, esforço das
famílias e da sociedade para a melhoria do sistema, e a corrupção. Há igualmente
quem considere que antes da Reforma Educativa os alunos aprendiam mais
porque eram castigados. Não obstante, as fragilidades apontadas consideram
que houve avanços no sistema de educação, nomeadamente na educação de
adultos com os programas de alfabetização.
§ reforma educativa: consideram que tem vantagens (evolução das
metodologias e do desempenho do professor, passagem automática em
algumas classes, material didático, merenda escolar, aceleração na formação
de quadros, avaliação contínua, melhoria das condições a nível dos materiais
e da redução do número de alunos por turma) e desvantagens (mau estado
das vias de acesso e falta de condições para estudar, destruição das novas
gerações; transição automática de classes, que forma alunos sem qualidade, já
que transitam sem conhecimentos (esta é considerada a causa para os alunos

210
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

não saberem ler nem escrever); quantidade de cábulas feitas pelos alunos;
os professores sem formação, por isso não conseguem preparar as aulas
nem cumprir os pressupostos da Reforma Educativa, mais de 50/60 alunos
por turma (excesso); a exigência de novos materiais obrigará o professor a
deslocar-se para investigar, por isso ser professor é ser paciente, humilde e
ter amor aos outros, para lhes despertar o gosto pela aprendizagem; número
de escolas insuficiente para o número de alunos; para planificar o professor
precisa de materiais; monodocência. Estas desvantagens fazem com que os
alunos cheguem ao ensino superior a ler e a escrever mal). Nota-se ainda
um desconhecimento do processo de implementação da Reforma Educativa,
pois há quem considere que é um Sistema implementado pela UNESCO ou
que ainda está em fase de experimentação porque não identifica grandes
mudanças no Sistema de Educação. Há quem considere que este sistema
trouxe melhorias, em particular no sistema de avaliação, porém requer muita
paciência por parte dos professores.
materiais didáticos: há dificuldades de acesso, já que quase não existem
§
livrarias nem bibliotecas. Os materiais que existem são caros, pois apenas são
oferecidos pelo Ministério da Educação no ensino primário.
formação: é considerada um desafio porque está em processo de
§
desenvolvimento, porque ainda há muitos professores sem formação
específica para a sua área de lecionação (“trabalham por curiosidade”).
Faltam instituições que ofereçam boas condições de formação, quer a nível
de infraestruturas quer a nível dos materiais disponibilizados e dos docentes.
Porém, reconhecem que a capacitação de professores é uma das grandes
preocupações do Ministério da Educação.
outras informações: o professor é, ainda, definido como “o combatente da
§
linha da frente”, o “formador do homem novas/gerações vindouras”, “espelho
da comunidade/sociedade/nação”, desempenha um papel na reconstrução
social. No exercício da atividade docente, são identificadas as seguintes
dificuldades: “trabalhar num país em desenvolvimento”, ter de lidar com
pessoas de vários grupos sociais, dificuldades das vias de acesso e das distâncias
percorridas para trabalhar e estudar, trabalhar no meio rural, o aparecimento
da reforma educativa, a existência de escolas debaixo das árvores, a gestão do
tempo disponível para a aprendizagem, o número insuficiente de salas de aula
e de professores (em alguns municípios um professor é responsável por cinco
classes), o elevado número de responsabilidades, a persistência da corrupção.
Dadas estas dificuldades, alguns (futuros) professores consideram que ser
professor é um sacrifício e que a imagem do professor está desvalorizada
(salário insuficiente), por isso é necessário ter “vontade, empenho e dedicação”.

211
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

A partir da análise das fichas de caracterização, pode traçar-se o seguinte perfil


do professor no pós-independência:
§ multilingue: fala a língua de escolarização e, pelo menos, uma língua nacional
(a da província da sua área de residência – Kikongo - ou dos pais – Kimbundu,
por exemplo);
§ contexto familiar e social multilingue: os pais falam pelo menos duas línguas
cada um, por vezes são línguas diferentes umas das outras. Nas relações
sociais, a comunicação acontece em mais do que uma língua, dependendo
com quem se está a interagir;
§ apresenta dificuldades de base a nível do domínio da língua de escolarização,
nomeadamente a nível da leitura e da escrita;
§ pouco domínio de línguas estrangeiras, o que não lhe permite o acesso a
outros conhecimentos, mesmo enquanto aluno do ensino superior;
§ necessidade de adaptação ao contexto linguístico onde exerce funções, já que
em determinados municípios precisa recorrer à língua nacional para expor os
conteúdos letivos;
§ representante social e com forte sentido patriótico: considera que deve
contribuir para o desenvolvimento do país, pois define-se como “pai” e como
espelho da comunidade;
§ suscetível às mudanças sociais e económicas: reconhece que a imagem do
professor mudou e que nem sempre é valorizada, pois não aufere um salário
suficiente, nem tem acesso a materiais didáticos e a formação especializada,
em número que considere suficiente;
§ capacidade de reflexão sobre as suas funções, ainda que tal não ocorra de
modo estruturado;
§ conhecimento irregular do sistema de educação, uma vez que não tem acesso
aos documentos reguladores, facto que justificará algum desconhecimento do
processo da Reforma Educativa.

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O professor do pós-independência parece ser um professor que suporta todo
um peso histórico e bélico, que fragilizou o sistema educativo. Um professor
que ainda revela inúmeras dificuldades na base do que é ser professor, isto é,
os conhecimentos linguísticos, técnicos e metodológicos, como aponta o Plano
Mestre de Formação de Professores em Angola:

212
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

“(...) a profissão docente requer conhecimentos e competências que só podem


ser obtidos no âmbito de uma formação profissional de elevado nível científico
e pedagógico, pelo que a formação deve ser entendida como um processo
permanente de mudança que começa quando o futuro docente tem acesso a
formação inicial, a primeira etapa de um percurso que deverá manter-se ao longo
de toda a carreira profissional.” (MED, s/d: 3).

Para que a profissão docente deixe de ser entendida como “o único meio que
[o professor] tem para sobrevivência” (Ventura, 2013: 46) será necessário criar
condições motivadoras para o exercício da profissão, nomeadamente traçar uma
estratégia formativa que responda às necessidades de cada contexto (Bennell,
2007; Sifuna & Sawamura, 2010), que inclua uma supervisão efetiva do trabalho
do professor, para que paulatinamente supra as dificuldades enunciadas, através
da reflexão sobre a sua ação. E uma estratégia que não deixe os alunos do ensino
geral sem professor durante longos períodos, pois tal condiciona a aprendizagem,
a melhoria da qualidade da educação e o acesso à educação nos meios rurais, pois
“In any system of education, teachers play a highly significant role. Not only are
they agents of state responsible for the inculcation of vital skills and knowledge
as well as moral values, they are also agents of change functioning as community
leaders, especially in the remote settlements and urban slums.” (Sifuna &
Sawamura, 2010: 13).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

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215
INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NOS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA
REFLEXÃO SOBRE CONTRIBUTOS DE AÇÕES DE
FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE

Dulce Pereira dos Santos; Kátia Maria da Cruz Ramos20


Secretaria de Educação da Prefeitura de Recife – Pernambuco/Brasil;
Universidade Federal de Pernambuco – Pernambuco/Brasil, Bolsista CAPES Proc.
AEX 0080/15-2
dulcepereira21@gmail.com; katiamcramos@gmail.com

20. Bolsista CAPES Proc. AEX 0080/15-2


CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A partir de uma inquietação sentida diante de limites em lidar com alunos com
deficiência em sala de aula regular, este estudo congrega dados de uma pesquisa
que teve como objetivo identificar ações de formação continuada ofertadas
pela Secretaria de Educação, Esporte e Lazer (SEEL) da Prefeitura do Recife
(Pernambuco/Brasil) que vêm auxiliando o professor no processo de inclusão de
pessoas com deficiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Tal pesquisa,
elegendo como suporte a abordagem de pesquisa qualitativa e um questionário
como instrumento de recolha de dados, teve como sujeitos 15 professoras que
vêm recebendo alunos com deficiência em sala de aula regular. E os dados obtidos,
além de apontarem para uma ausência da oferta de formação por parte da SEEL e
confirmarem que a formação do(a) professor(a) para intervir na inclusão continua
sendo um processo de responsabilidade individual, ratificam tanto a importância
e pertinência de ações de formação continuada como a urgência de se pensar a
obrigatoriedade articulada ao desenvolvimento de ações para apoiar o professor
no processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência.
Palavras-chave: Formação continuada. Educação inclusiva. Ensino Fundamental.

INTRODUÇÃO
A defesa por uma escola inclusiva encontra, entre outros, amparo na Resolução
CNE/CEB nº 2/2001 que vem possibilitando tornar realidade a inserção de pessoas
com deficiência nas salas de aula do ensino regular. Se por um lado esta ordem de
acontecimento indica um avanço, por outro lado tem sido motivo de inquietação
por parte de professores que sentem limites em lidar com alunos com deficiência
pela falta de preparo diante de especificidades das deficiências.
Tal situação aflorou o interesse em pesquisar sobre encaminhamentos da
Secretaria de Educação, Esporte e Lazer (SEEL) da Prefeitura do Recife (PR) para
reverter tal quadro no âmbito da formação continuada. Isso porque, embora já
exista a obrigatoriedade de um componente curricular que trate da temática da
Educação Inclusiva na formação docente, ainda é a formação continuada que vem
possibilitando uma aproximação com questões da inclusão escolar.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa com o objetivo de identificar ações
de formação continuada ofertadas pela SEEL que vêm auxiliando o professor
no processo de inclusão de pessoas com deficiência nos anos iniciais do Ensino
Fundamental (EFI), cujos dados estão contemplados neste estudo.
Para dar conta desse propósito o texto congrega três pontos. O primeiro trata
de questões da obrigatoriedade da inclusão na sua relação com a formação para
atender crianças com deficiência no EF1. O percurso metodológico é objeto de
atenção do segundo. E o terceiro ponto trata dos resultados, que se encontram
agregados em eixos temáticos. Nas considerações finais tanto é ratificada a
importância e pertinência de ações de formação continuada como a urgência de
se pensar a obrigatoriedade articulada ao desenvolvimento de ações para apoiar
o docente no processo de inclusão de pessoas com deficiência nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.

REFERENCIAL TEÓRICO
A educação considerada como um agente de transformação é um elemento
de fundamental importância no processo de superação de preconceitos e de
exercício da cidadania, principalmente na luta de segmentos sociais pela inclusão
na sociedade. Notadamente quando compreendida no âmbito da afirmativa de
Santos (2003) de que “as pessoas e os grupos têm o direito de ser iguais quando
a diferença os inferioriza, e o direito de ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza” (p.56).
No âmbito desse movimento surge em vários países o debate acerca da educação
inclusiva, a partir do reconhecimento de que não era mais possível que as pessoas
com deficiência vivessem em ambientes segregados, por notaram que suas
habilidades mesmo que restritas poderiam ser mais desenvolvidas no convívio
com crianças do ensino regular (Mantoan, 2006). Notadamente tendo por base
a compreensão de que “tratar as pessoas diferentemente podem enfatizar suas
diferenças, assim como tratar igualmente os diferentes podem esconder as suas
especificidades e excluí-los do mesmo; portanto, ser gente é correr sempre o risco
de ser diferente” (ibidem, p. 17).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Tal compreensão, dentre outros, retrata o que embasou o movimento social


que implicou na Declaração de Salamanca, onde ficou delegado que a questão da
inclusão parte do princípio que a educação é um direito de todos. Neste sentido, tal
Declaração veio reafirmar o compromisso com a educação inclusiva, ao corroborar
o direito de educação para todos, no sentido de que a legislação garanta que toda
criança tem direito fundamental a educação.
A partir dessa Declaração a educação inclusiva configura-se em um novo
segmento, pelo indicativo da obrigatoriedade dos órgãos educacionais de
assumirem o compromisso de garantir que as crianças com deficiência tenham
direito e acesso ao Ensino Fundamental.
Tendo essa referência foi implementado no Brasil, em meados dos anos 90,
políticas que possibilitaram o atendimento a crianças com deficiência neste nível
de ensino – surgindo a obrigatoriedade da inclusão dos alunos que viviam em
ambientes segregados. Esse movimento revela um avanço em relação à legislação,
em termos do que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.152/71 e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394/96, esta última ao voltar-se para
assegurar direitos sociais e a inclusão de pessoas com deficiência.
Embora, segundo Rodrigues (2006) e Magalhães (2011), a inclusão como uma
nova realidade venha galgando e ocupando seu espaço de uma maneira muito
lenta, pois a sociedade não está moldada a essa nova realidade, bem como o
preparo do educador nesse novo processo. Logo, pensar em inclusão nos remete a
formação do professor e as suas práticas pedagógicas.
Essa visão faz refletir sobre a atual formação de professores e aponta para a
necessidade de se investir em ações de formação continuada, com o objetivo de
possibilitar atuar junto a alunos com deficiência. Inclusive a própria Lei n. 9.394/96,
em seu Art. 59.º, remete a uma reflexão sobre a formação do professor no desafio
de entender o seu papel como agente da proposta da educação inclusiva. Pois
o grande desafio é formar professores habilitados para atuar em uma escola
inclusiva, acessível a todos independentes de suas especificidades, viabilizando
possibilidades.
Essa compreensão aponta para a necessidade do professor mudar sua postura
em relação ao conhecimento e aos alunos, principalmente diante da demanda
oriunda da Resolução CNE/CEB n. 2/2001, que em suas diretrizes assegura a
matrícula de pessoas com deficiência independente de suas deficiências. E é

219
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

a partir desta Resolução que as escolas e a sociedade foram obrigadas a criar


espaços com acessibilidade.
Nesse caso é de fundamental importância que os professores do ensino regular
estejam capacitados para a inclusão dos alunos com deficiência nas salas de
ensino regular. E isso requer que, além de ser assegurado na formação inicial, os
professores tenham formação continuada na direção de um desenvolvimento
profissional que contemple a educação inclusiva.
Isso porque a obrigatoriedade vem causando angústias no docente por falta
do desenvolvimento de competências necessárias para atuar junto ao aluno com
deficiência. Ou seja, conforme ainda Albuquerque e Machado (2009), “de modo
geral as professoras apontam que, embora a inclusão seja o princípio da educação
na atualidade, na prática só concorre para deixá-las angustiadas, despreparadas,
amedrontadas e solitárias na escola para realizar a inclusão desses alunos”(p. 6).
Essa constatação, referenciada na revisão bibliográfica e na atuação em uma sala
que atende crianças com deficiência, ratifica a inquietação que se encontra na base
deste estudo, cujo caminho trilhado para dar conta da pesquisa será tratado a seguir.

METODOLOGIA
O debate sobre a Educação Inclusiva, notadamente no que diz respeito a
obrigatoriedade da matrícula de alunos com deficiência em salas de ensino regular,
vem apontando para a necessidade e pertinência de se refletir sobre a formação
continuada como um elemento de fundamental importância no processo de inclusão.
Nesse quadro, conforme já explicitado, a pesquisa teve como propósito identificar
ações de formação continuada que vêm auxiliando o professor no processo de
inclusão de alunos com deficiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental. E
apoiando-se na abordagem de pesquisa qualitativa que, de acordo com Minayo
(1996), privilegia o universo das significações, a investigação teve como campo a
Rede de Ensino da Prefeitura do Recife e como objeto privilegiado ações de formação
continuada ofertadas pela SEEL. E como sujeitos de pesquisa professores lotados
em três escolas que permitiu contemplar 2 das 6 Regiões Político-Administrativas da
Cidade do Recife21, 1 escola localizada na RPA4 e 2 escolas na RPA5.

21. O município do Recife está dividido em 6 Regiões Político-Administrativas - RPA’s.

220
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Segundo dados da SEEL, relativos ao censo de 2012, um total de 2.156 alunos com
deficiência estava sendo atendido no âmbito da Rede, distribuídos em 25 creches
e 186 escolas – contando com professores itinerantes, que atendem na sala de
recursos ou como volantes, e 19 salas especiais. Na RPA4 estavam matriculados
317 alunos com deficiência e na RPA5 estavam matriculados 332.
Na escola localizada na RPA4 encontravam-se matriculados 31 alunos com
deficiência, dos quais 20 com Deficiência Intelectual (DI), 6 com Deficiência Física
(DF), 3 com baixa visão e 2 cegos. Nas escolas localizadas na RPA5, ambas de
médio porte, numa estavam matriculados 13 alunos com deficiência, dos quais
11 DI, 1 com Deficiência Auditiva (DA) e 1 DF. E na outra escola encontravam-se
matriculados 27 alunos com deficiência, dos quais 25 DI, 1 DA e 1 com baixa visão.
A pesquisa contou com a participação voluntária de 15 professoras, das quais 5
da escola localizada na RPA4, 4 professoras de uma das escolas localizadas na RPA5
e com 6 professoras da outra escola. Todas essas professoras têm curso superior,
a maioria em Pedagogia, e apenas 4 não tem curso de especialização. No geral
têm experiência mínima de um ano atuando com alunos com deficiência e em sua
maioria atendem a crianças com deficiência intelectual.
Os dados foram recolhidos através de um questionário e para tratamento do
material recolhido foi utilizado o procedimento da análise de temática. E para
dar conta deste procedimento foram definidos 3 eixos orientadores da análise. O
primeiro eixo relacionado a um mapeamento das ações de formação continuada
ofertadas pela SEEL, o segundo referente as ações de formação continuada docente
que vêm auxiliando no processo de inclusão de alunos com deficiência, e, por fim,
o terceiro eixo congregando características de ações de formação continuada que
vêm possibilitando um auxílio ao docente no processo de inclusão de alunos com
deficiência.

RESULTADOS
Antes de dar a conhecer os resultados segundo a temática de cada um desses
eixos, serão explicitadas as dificuldades sentidas pelas professoras no processo
de inclusão de alunos com deficiência no EF1. Em sua maioria, as dificuldades
explicitadas estão relacionadas com lacunas na formação, falta de condições no

221
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

ambiente, falta de conhecimento científico e específico para lidar com o aluno com
deficiência, ausência de apoio pedagógico.
Ainda foram acrescidas a essas dificuldades a questão de salas inadequadas,
falta de materiais para o trabalho e falta de apoio pedagógico através da formação
continuada. Mas, no geral, os depoimentos das professoras estão em consonância
com as inquietações que estão na base deste estudo, reafirmando que as escolas
não se encontram preparadas e indiciando a importância de ações de formação
continuada específica para a atuação junto a alunos com deficiência.
Essa situação é ratifica por Souza e Oliveira (2009) quando apontam para a
falta de formação específica como um grande dilema das professoras, por não se
sentirem preparadas para atuarem nesse novo contexto que é a inclusão, além
disto, também apontam para falta de apoio pedagógico. Inclusive essas autoras
afirmam que “o magistério, na educação inclusiva, deve partir do pressuposto de
que ensinar a todos, não significa ensinar tudo, da mesma forma, a todos, com
os mesmos objetivos e formas de avaliação. É preciso considerar as diferenças”
(ibidem, p. 5).
No que diz respeito ao primeiro eixo houve a impossibilidade de mapear as
ações de formação continuada para auxiliar o docente no processo de inclusão
de alunos com deficiência, diante da resposta unânime da ausência de formação
continuada desta ordem. E, corroborando com o depoimento dos professores,
num levantamento junto a SEEL foi constatado que nada tem sido feito em relação
a ações de formação continuada no âmbito da educação inclusiva para apoiar
professores do EF1.
Embora, conforme documento disponibilizado pela Gerência de Estatística,
Avaliação e Pesquisa (GEAD), tenha sido ofertado curso de Libras para professores
e a comunidade em geral, Curso do Sistema Braile e uso do Sorobã para professores
do Atendimento Educacional Especial (AEE) e do ensino regular e Formação
Continuada (presencial e a distância) e em serviço para, respectivamente,
professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Mas tratou-se de
ações voltadas para especialistas e ausência de formação para aqueles que sentem
dificuldades, como no caso das professoras sujeitos da pesquisa.

222
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Tal situação torna-se preocupante quando se considera que a SEEL, cumprindo


com a obrigatoriedade, vem atendendo a alunos com diversos tipos de deficiência.
Mas, apesar de ainda limitado diante da demanda da Rede e necessidades
formativas dos professores, vale ressaltar o investimento da SEEL na formação
docente para uma intervenção no processo de inclusão no EF1 através da oferta do
Curso de Especialização em Educação Inclusiva, cujo este estudo é fruto dessa ação
interventiva – tanto no sentido de promover estudos aprofundados no campo da
Educação Inclusiva como por possibilitar formar professores com experiência no
ensino regular para atuar na itinerância.
De acordo com acima explicitado, do ponto de vista da oferta de ações
promovidas pela SEEL, exceto o Curso mencionado, não houve formações voltadas
especificamente para a questão da inclusão no EF1. Neste caso, houve também
a impossibilidade de tratar do segundo eixo referente a ações de formação
continuada docente que vêm auxiliando no processo de inclusão de alunos
com deficiência. Mas um aspeto considerado pertinente ressaltar refere-se a
alternativas encontradas pelas professoras para darem conta do exigido, diante
dos limites encontrados para atuar com alunos deficientes.
Nesse caso, realçando a importância dessa atitude por parte das professoras, foi
considerado nesse eixo o que foi revelado sobre o fato de que vêm possibilitando
uma intervenção no processo de inclusão de alunos com deficiência. Principalmente
no que se refere ao interesse em buscar conhecimentos, seja através do professor
itinerante, que no caso cumpre o que é suposto ser um dos seus papéis, seja através
do desenvolvimento de atividades em cursos de graduação e/ou especialização.
Mas, embora essas alternativas venham possibilitando a conhecimentos que dão
suporte a atuação no processo de inclusão, importa resguardar a defesa de Souza e
Oliveira (2009) de que “para se concretizar, em termos reais, essa escola idealizada,
é preciso assegurar condições físicas e infra-estruturais, recursos especializados e
capacitação dos professores que é uma tarefa mais difícil, pois requer mudança de
mentalidade [...]” (p. 4).
E isso tanto aponta para o lembrete que a inclusão é de responsabilidade de
todos como de que tem um estreito e necessário vínculo com o desenvolvimento
profissional docente em geral e em particular com a profissionalização daqueles
que atuam diretamento com alunos deficientes.

223
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No que se refere ao terceiro eixo, características de ações de formação continuada


que vêm possibilitando um auxílio ao docente no processo de inclusão de aluno
com deficiência, pela impossibilidade de tratar de ações da alçada da SEEL, foi feita
a análise considerando as alternativas encontradas e ações desencadeadas pelas
professoras para dar conta da atuação em sala.
Nesse quadro, foi identificado que a formação continuada vem sendo efetivada
no seu lócus privilegiado, que é a sala de aula, tendo o professor como principal
sujeito – e único responsável. E neste ponto tais alternativas e ações corroboram
com a compreensão de formação continuada como elemento da dinâmica do
cotidiano. Porém, tendo em conta o alerta de Pimenta (2002) sobre o papel da
teoria, essas atitudes isoladas deixam a desejar pois é imprescindível compreender
que “os saberes teóricos propositivos se articulam, pois, aos saberes da prática, ao
mesmo tempo ressignificando-os e sendo por eles ressignificados” (p. 26).
Nesse caso, sem desconsiderar a pertinência e importância do professor
tornar a sua prática objeto de reflexão e intervenção, faz-se necessário ressaltar
a responsabilidade institucional com a formação docente em geral e com a
formação para atuar junto a alunos com deficiência em particular – diante das
exigências postas pela obrigatoriedade legal e limites advindos da reconfiguração
deste atendimento.
Esses aspectos confirmam a necessidade e pertinência da formação continuada
para auxiliar os professores no processo de inclusão de alunos no EF1. E isso
requer pensar a formação continuada de forma contextualizado envolvendo desde
diretrizes de política educacional a questões da política do cotidiano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, é possível afirmar que os dados revelam que a Secretaria de
Educação, Esporte e Lazer da Prefeitura do Recife ainda está distante de cumprir
com as exigências da obrigatoriedade de garantir a inclusão de alunos nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, do ponto de vista da preparação docente para tal
– embora comece a alterar essa ordem de acontecimento através da promoção de
um curso de especialização em educação inclusiva.

224
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No que se refere a ações que vêm auxiliando o professor no processo de inclusão de


alunos, apesar da ausência de um investimento sistemático da SEEL, as professoras
consideradas viabilizam a sua atuação através de alternativas e ações para darem
conta do exigido, diante dos limites encontrados para atuar com alunos deficientes.
E fazem isso buscando conhecimentos, seja através do professor itinerante, que no
caso cumpre o que é suposto ser um dos seus papéis, seja através do desenvolvimento
de atividades em cursos de graduação e/ou especialização.
Nesse âmbito, o que vem caracterizando essas alternativas e ações é tornar
a sala de aula como lócus privilegiado da formação que, embora limitada por
colocar o professor como único responsável pela formação, corroboram com a
compreensão de formação continuada como elemento da dinâmica do cotidiano.
Nesse sentido, o estudo ratificou tanto a pertinência da formação continuada
formação continuada como a urgência de se pensar a obrigatoriedade articulada
ao desenvolvimento de ações para apoiar o docente no processo de inclusão de
pessoas com deficiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

REFERÊNCIAS
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representações sociais de inclusão de professoras. Anais da 32ª Anped, Brasil, 1-15.
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Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Salamanca, Espanha:
UNESCO.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 5.692 (1971, 11 de agosto. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394 (1996, 20 de dezembro). Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação.
Magalhães, R. (Ed.). Educação Inclusiva: escolarização, política e formação docente.
Brasília: Editora Liber, 2011.
Mantoan, M. (2006). Igualdade e diferenças na escola: como andar no fio da
navalha. In V. Arantes (Ed.). Inclusão escolar (pp. 15-30). São Paulo: Summus.

225
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Minayo, M. C. (1996). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde


(4a ed.). São Paulo – Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO.
Pimenta, S. (2002). Professor reflexivo: construindo um conceito. In S. Pimenta &E.
Ghedin (Eds.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito
(pp. 17-52). São Paulo: Cortez.
Resolução CNE/CEB 2/2001 (2001, 11 de setembro). Institui Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, DF: Câmara de
Educação Básica.
Rodrigues, D. (Ed.) (2006). Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação
inclusiva, São Paulo: Summus.
Santos, B. (2003). Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento,
da diferença e da igualdade. In B. Santos, Reconhecer para libertar: os
caminhos do cosmopolitanismo multicultural (pp. 29-68). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
Souza, S., & Oliveira, M. A. (2009). Políticas para a inclusão: ênfase na formação de
docentes. Anais da 32ª Anped, Brasil, 1-16.

226
RELAÇÃO DO PROFESSOR ITINERANTE COM O
PROFESSOR DO ENSINO REGULAR NA INCLUSÃO
DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Mércia Ramos de Barros; Kátia Maria da Cruz Ramos22


Secretaria de Educação da Prefeitura de Recife – Pernambuco/Brasil; Universidade
Federal de Pernambuco – Pernambuco/Brasil
merciaelk@gmail.com; katiamcramos@gmail.com

22. Bolsista CAPES Proc. AEX 0080/15-2


CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Inserido no debate sobre educação inclusiva este estudo trata da atuação do
professor itinerante, na sua relação com o professor do ensino regular, no processo
de inclusão de alunos com deficiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Para tanto, congrega dados de uma pesquisa que teve como suporte a abordagem
qualitativa, o questionário como instrumento de coleta, como campo a Rede de
Ensino da Prefeitura do Recife (Pernambuco/Brasil) e como sujeitos professores do
ensino regular e itinerantes. E os dados recolhidos ao mesmo tempo que apontam
que a relação do professor itinerante com o professor do ensino regular, no processo
de inclusão da criança com deficiência, necessita superar o paradigma da integração,
revelam possibilidade de superação de tal paradigma ao indiciar que tanto o
professor itinerante como o professor de ensino regular reconhecem que o diálogo
e a parceria entre os segmentos da comunidade escolar é que torna possível uma
atuação compartilhada. Neste caso, o estudo ratifica a pertinência da compreensão
da relação de completude entre as partes envolvidas no processo de inclusão de
crianças com deficiência na esfera social em geral e no âmbito escolar em particular.
Palavras-chave: Professor Itinerante. Educação Inclusiva. Ensino Fundamental.

INTRODUÇÃO
O final do século XX foi palco de um acelerado processo de mudanças que deram
visibilidade, entre outras, a pertinência da inserção de pessoas com deficiência
no ensino regular em oposição ao caráter segregador do ensino especializado.
Embora essa ordem de acontecimento venha representando um avanço, o
despreparo docente para lidar com a obrigatoriedade da inserção vem apontando
para a necessidade da reflexão sobre esse processo.
Nesse quadro, este estudo congrega dados de uma pesquisa que teve como
objetivo identificar o lugar que vem ocupando o professor itinerante no processo de
inclusão de alunos com deficiência nos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF1).E
para dar a conhecer os resultados o texto inicia por tratar da educação inclusiva
na sua relação com a figura do professor itinerante. O percurso metodológico
é objeto de atenção do segundo ponto e o terceiro trata dos resultados. Nas
considerações finais é ratificada a importância e pertinência do diálogo entre o

228
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

professor itinerante e o professor do ensino regular, no sentido de contribuir no


processo de inclusão da criança com deficiência no espaço escolar.

SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA


A denominada educação especial, por força do movimento social em busca da
garantia da igualdade, no decorrer de sua história passou pela escola segregadora,
pela integradora e chega a inclusiva que busca consolidar a igualdade de direitos
na defesa do princípio de educação para todos (Mantoan, 2006; Magalhães, 2011)
– notadamente na perspectiva de superação do que Pezzodipane (2013) denomina
de ruptura com a história única.
Nesse quadro, o denominado ensino inclusivo passa a fazer parte do sistema
tendo como suporte a Declaração de Salamanca, no que se refere a proclamar que
as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular.
Tal consideração retrata a defesa pela escola inclusiva na busca de superar a
segregação de alunos, comum no percurso da educação especial – evidenciada no
atendimento fora do âmbito escolar guiado por diagnósticos e instruções médicas
(Mantoan (2006). Neste processo a Lei de Diretrizes e Base nº 9.394, em seu Art.
58º, aponta para o sentido da educação escolar absorver a educação especial como
modalidade que contemplará o atendimento pedagógico à pessoa com deficiência
na escola. E no Art. 59º, inc. III, é feita referência a questão da formação docente
para atuar no atendimento a criança com deficiência na escola, no que se refere
a “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados
para a integração desses educandos nas classes comuns”. Isto revela que o aluno
com deficiência inserido em sala regular necessita tanto de um atendimento
especializado como de um professor da sala regular capacitado para dar conta do
seu desenvolvimento no processo de ensino-aprendizagem.
Nesse âmbito, o professor especializado é quem atende as peculiaridades desse
aluno, no sentido apontado por Cavalcanti (2007) de que “esse profissional viria a
ser o elemento de ligação – elo – entre a sala de aula e o aluno com deficiência,
entre o aluno e o professor da sala comum” (p. 33).

229
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Após esse movimento integralista, a compreensão de educação inclusiva abre


caminhos para inserção da pessoa com deficiência no ensino regular, dentro de
salas regulares. Nessa direção Mantoan (2006) afirma que “a inclusão propõe
a desigualdade de tratamento como forma de restituir uma igualdade que foi
rompida por formas segregadoras de ensino especial e regular”(p. 16).
Em 2001, a Resolução nº 2/2001 dispõe sobre a organização do ensino regular
frente aos serviços de apoio pedagógico especializado, nas classes comuns, no
sentido da atuação de profissionais especializados. O profissional a que se refere
essa Resolução, denominado professor itinerante, vai atuar em conformidade
com o disposto no Art. 7º em termos de que “o atendimento aos alunos com
necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns do
ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica”.
Ratificando tal compreensão Pletsch (2005) revela que “verificou-se que o
trabalho itinerante desempenha diversas funções no ambiente escolar, não se
restringindo apenas às tarefas que lhe cabem formalmente como o atendimento
a alunos especiais em classe regular e suporte aos seus professores”(p. 103). Isto
porque, em conformidade com esta mesma autora, “transformar a proposta de
educação inclusiva numa tarefa de todos os personagens que dão vida às relações
escolares acaba sendo um dos principais papéis que o ensino itinerante realiza”
(ibidem, p. 9).
Mas, apesar desse sentido atribuido à itinerância, a atuação desse docente
ainda não conseguiu se desvencilhar por completo do perfil integracionista,
mesmo tendo como ideário a inclusão. A esse respeito o estudo de Pelosi e Nunes
(2009) apontam que“o professor itinerante tem funcionado mais como agente
de mediação, sensibilização e mobilização em favor da inclusão do que como
mediador do aprendizado do aluno”(p. 11).
Tal evidência na sua relação com a compreensão de professor itinerante enquanto
profissional que sugere ações para o aluno com deficiência, junto ao professor da
sala regular, ratificou a pertinência da questão qual o lugar que vem assumindo o
professor itinerante no processo de inclusão de pessoas com deficiência nos anos
iniciais do Ensino Fundamental? que norteou o caminho trilhado explicitado a
seguir.

230
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

SOBRE O PERCURSO METODOLÓGICO


O percurso metodológico teve como base a abordagem qualitativa e a Rede de
Ensino da Prefeitura do Recife como campo de pesquisa.
Nessa rede, em 2012, segundo a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer (SEEL),
encontravam-se matriculados 97.781 alunos, dos quais 2.156 com deficiência –
sendo 2.064 inseridos em sala de aula regular e 92 em classes especiais. No que diz
respeito ao professor itinerante a rede contava com 197 professores, sendo 147
atuando em Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), 32 atuando escolas sem SRM
e 18 em Classes Especiais (CE).
Foi definido como critério contemplar sujeitos de escolas localizadas pelo
menos em 2 das 6 Regiões Político-Administrativas23 (RPA’s) do Recife. E foram
contemplados professores lotados em 4 escolas – 2 localizadas na RPA4 e 2 na
RPA5. No que se refere as escolas, na primeira encontravam-se matriculados 812
alunos, deste montante 215 alunos no EF1, contando com 31 alunos com deficiência
e 3 professores itinerantes. Esta escola possui SRM que atende também alunos
de outras escolas da comunidade. Na segunda encontravam-se matriculados
633 alunos, dos quais 521 no EF1, contando com 35 alunos com deficiência e 1
professora itinerante.
Na terceira escola encontravam-se matriculados 512 alunos, dos quais 392
alunos no EF1, 27 alunos com deficiência e 5 professores itinerantes. Nesta escola
encontra-se uma SRM para atendimento também de alunos de escolas vizinhas. Na
quarta encontravam-se matriculados 518 alunos, dos quais 272 no EF1, 10 alunos
com deficiência e 1 professor itinerante.
Todos os 10 professores itinerantes dessas escolas participaram da pesquisa. E
no que diz respeito aos professores do ensino regular que atuam com alunos com
deficiência em sua sala de aula, 11 disponibilizaram-se a participar da pesquisa.
No que se refere a formação académica todos os professores itinerantes possuem
curso de especialização, e têm em média de 4 a 9 anos de experiência na área–
destacando-se 1 professora com 35 anos de experiência. Todas as professoras do
ensino regular possuem curso de graduação, apenas 3 não possuem especialização
23. A cidade doRecife está dividida em 6(seis) Regiões Político-Administrativas.

231
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

e em média têm de 3 a 6 anos de experiência com alunos com deficiência em sala


de aula – exceto 1 professora que contava apenas com 1 ano de experiência desta
ordem.
O processo de levantamento dos dados deu-se através da aplicação de um
questionário que congregou perguntassobre aspectos da atuação do professor
itinerante na sua relação com o professor de sala regular. E os dados foram
analisados a partir de eixos temáticos.

OS ACHADOS
Para dar conta do propósito do estudo os dados foram sistematizados tendo por
referência os seguintes eixos: Concepções de professor itinerante; Características
da atuação do professor itinerante na sua relação com o professor do ensino
regular; Limites e possibilidades da atuação do professor itinerante e, por fim,
sugestões para viabilizar a atuação do professor itinerante.
No tocante a concepção de professor itinerante foi identificada uma compreensão
deste profissional como guiando os fazeres inclusivos na comunidade escolar;
como um apoio a sala de aula; como suporte da área de Educação Especial atuando
nas escolas; como mediador da inclusão guiando os fazeres inclusivos junto à
comunidade escolar. Essas concepções apontam para a compreensão do professor
itinerante como um profissional que atua nos vários segmentos do âmbito escolar,
principalmente no sentido de integrador da criança com deficiência na sala de aula.
Nesse sentido, os dados revelam que o professor itinerante é visto como o
profissional que atende ao aluno com deficiência, complementando o trabalho do
professor de sala. E ratificam o afirmado por Cavalcanti (2007), de que o “professor
itinerante é visto como a peça chave da integração escolar. Esse profissional viria
ser o elemento de ligação – elo – entre a sala de aula e o aluno com deficiência,
entre o aluno e o professor do ensino comum”(p. 33).
No que diz respeito às características da atuação do professor itinerante no
processo de inclusão de alunos com deficiência no EF1, o marco característico da
atuação deste professor resume-se ao atendimento a criança com deficiência no
processo de ensino aprendizagem e sua socialização (integração). Foi explicitado
que a falta da formação continuada para o professor regular, no que diz respeito

232
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

ao processo inclusivo de criança com deficiência e a superlotação, tem tornado a


atuação desse profissional deficitária.
Foi observado que para a maioria dos sujeitos a atuação do professor itinerante
tem se revelado satisfatória, pois a relação estabelecida entre os pares envolvidos
tem contribuído para o desenvolvimento da criança com deficiência, visto
que, o atendimento especializado vem contribuindo no sentido de garantir o
direcionamento do processo inclusivo.
Conforme visto, a atuação do professor itinerante é fortemente configurada
como facilitadora, intermediadora e parceira do processo inclusivo do ensino
aprendizagem da criança com deficiência no ensino regular. Ainda apresenta uma
característica mais ampla como interlocutor entre os outros segmentos da escola.
Embora houve quem a caracterize deficitária quanto à falta de conhecimento do
professor do ensino regular sobre a atuação do professor itinerante com a criança
com deficiência.
Nesse quadro, fica indiciado que a atuação do professor itinerante perpassa
por ações voltadas ao processo pedagógico, pois sua atuação ratifica a concepção
vista aqui sobre o professor itinerante, quando, a atuação desse profissional é
caracterizada fortemente como provedora de elementos pedagógicos para o
trabalho do professor do ensino regular – sem perder sua configuração inclusiva.
Nesse contexto, vale ressaltar que o citado aspecto deficitário da atuação do
professor itinerante encontra-se na falta de conhecimento do professor do ensino
regular para dar continuidade ao trabalho com a criança com deficiência.
É de ressaltar a existência de uma atuação voltada ao didático-pedagógico e ao
processo de inclusão em meio a comunidade escolar. Ainda foram encontradas
duas caracterizações para atuação do professor itinerante: a primeira considerada
atendimento especializado voltado para a criança com deficiência, quando
oferecida em SRM e a segunda considera o professor que atua em escolas que não
tem SRM o facilitador da inclusão de alunos com deficiência. Nesta perspectiva,
a caracterização da atuação do professor itinerante depende do lugar em ele se
encontre atuando.

233
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Um outro ponto identificado foi que atuação do professor itinerante vem


contemplando a família e a escola. Mas existe uma carência de profissionais
itinerantes para a demanda existente.
Esses dados ratificam a afirmativa de Pelosi e Nunes (2009) no que diz respeito
ao professor itinerante continuar a trabalhar “como um elemento facilitador da
inclusão. [auxiliando] o professor regente a incluir a criança com necessidades
educacionais especiais na atividade que havia elaborado ou fazia orientações
sobre equipamentos ou estratégias facilitadoras para o trabalho”(p. 143).
Também foi observado que o papel do professor itinerante está resguardado
com ou sem SRM, mas este recurso é uma aspiração daqueles professores que
não atuam através dele e uma ferramenta de grande importância para quem
vem desenvolvendo trabalhos com o seu apoio. Porém a função deste recurso,
na sua relação com a figura do professor itinerante, ainda está alicerçada numa
visão integradora. Principalmente pelo fato do distanciamento de ações inclusivas
colectivas, onde o professor itinerante seja um recurso também para auxiliar os
demais alunos a participarem do processo de inclusão.
No que diz respeito aos limites apontados relativos a actuação do professor
itinerante, foi enfatizada a ausência de recursos físicos, materiais e humanos para
o atendimento dos alunos com deficiência e também a falta de formação para os
professores do ensino regular, no sentido, da continuidade do processo inclusivo
pedagógico desse aluno. Em linhas gerais, as respostas apresentadas apontaram
como limite o preconceito, o número excessivo de alunos em sala, a falta de
tempo para planejar junto ao professor de ensino regular e as limitações didático-
pedagógicas inclusivas de professores itinerantes bem como dos professores do
ensino regular em relação às especificidades dos alunos com deficiência.
No que se refere as possibilidades uma questão que chamou a atenção foi a
ênfase na disponibilidade do professor do ensino regular, em termos de que a
atuação do itinerante é mais efetiva quando existe colaboração dos seus pares
– na direcção de ter o diálogo como suporte da parceria que vem facilitando e
conciliando o trabalho em busca da inclusão.

234
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Nesse quadro foi sugerido para uma melhor atuação do professor itinerante a
instalação de SRM no sentido de proporcionar um melhor atendimento a criança
com deficiência e a parceria entre os que constituem a comunidade escolar,
juntamente com a oferta de formação continuada que contemple a pedagogia
inclusiva.
As sugestões viabilizadoras de uma atuação itinerante têm em comum oferta
de formação continuada aos professores do ensino regular, de implantação de
SRM e a parceria entre os segmentos da comunidade escolar. Ainda é de ressaltar
a sugestão do aumento do número de professores itinerantes, mais apoio da
secretaria de Educação e acesso a programas de assistência à criança com
deficiência, para complementar o trabalho inclusivo.
No computo geral, os dados ratificam a importância atribuída à SRM, a oferta
de formação continuada aos professores do ensino regular, o diálogo entre os
pares da comunidade escolar, e o apoio dos órgãos públicos responsáveis pela
acessibilidade da inclusão como sugestões pertinentes no processo inclusivo
escolar e consequente atuação do professor itinerante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados apresentados é possível afirmar que o professor itinerante
é concebido como profissional que atende as peculiaridades da criança com
deficiência, podendo atuar em todos os segmentos da escola como agente
da inclusão. Nesse sentido, ele é o professor quando atua em conjunto com o
professor de ensino regular na sala de aula ou SRM, é agente inclusivo quando atua
fora destas – sendo a sua atuação em dois lugares e com propostas diferentes, em
uma prevalece o didático-pedagógico como prioridade para inclusão e na outra
a inclusão como prioridade para assegurar o didático-pedagógico. Mas ainda
persiste a visão do papel do professor itinerante como integrador, em decorrência
do distanciamento de ações inclusivas coletivas, principalmente quando a SRM é
utilizada para atender a diferença de forma isolada.
Acentuando o peso imposto por tal visão, os limites da atuação do professor
itinerante encontram-se na ausência de recursos físicos, materiais e humanos para
o atendimento dos alunos com deficiência, a falta de formação para os professores

235
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

do ensino regular, no sentido, da continuidade do processo inclusivo pedagógico


desse aluno e o preconceito para com o aluno com deficiência.
Por outro lado foi enfatizado que a atuação desse profissional é possível pelo
diálogo com o professor de ensino regular. A sua boa vontade, o compromisso, a
cultura do colectivo que constrói uma rede de conhecimentos acerca da inclusão
no âmbito escolar e a crescente demanda de alunos com deficiência sendo
introduzidas nas escolas. Ainda foi ressaltada a importância da oferta de formação
continuada como um dos norteadores/orientadores do professor regular para
juntamente com o professor itinerante poder desenvolver actividades com a
criança com deficiência – para além do diálogo entre os pares da comunidade
escolar e o apoio dos órgãos público.
Diante do exposto fica evidenciada que a relação do professor itinerante com
o professor do ensino regular, no processo de inclusão da criança com deficiência
nos anos iniciais do Ensino Fundamental necessita superar o paradigma da
integração. E o indício desta superação é anunciado quando, no caso dos sujeitos
considerados, tanto professor itinerante como professor de ensino regular
reconhecem que o diálogo e a parceria entre os segmentos da comunidade escolar
é que torna possível uma atuação compartilhada, ratificando assim a compreensão
de completude entre as partes envolvidas no processo de inclusão de crianças com
deficiência no âmbito escolar.

REFERÊNCIAS
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com deficiência no ensino regular: significando e ressignificando a itinerância.
Dissertação de Mestrado não publicada, Universidade Federal de Pernambuco,
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Magalhães, R. (Ed.). Educação Inclusiva: escolarização, política e formação docente.
Brasília: Editora Liber, 2011.

236
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Mantoan, M. (2006). Igualdade e diferenças na escola: como andar no fio da


navalha. In V. Arantes (Ed.). Inclusão escolar (pp. 15-30). São Paulo: Summus.
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Simbiótica, UFES; u (3), 87-97.
Resolução CNE/CEB 2/2001 (2001, 11 de setembro). Institui Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, DF: Câmara de Educação
Básica.

237
ENSINO DAS LÍNGUAS E BILINGUISMO
A QUESTÃO LINGUÍSTICA EM CABO VERDE: UM
ESTUDO DE CASO: 18 “VOZES” OUVIDAS NO
ÂMBITO DA REFORMA DO ESTADO

José Esteves Rei


Universidade de Cabo Verde
jose.rei@docente.unicv.edu.cv; jrei@utad.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
A insatisfação relativa à língua nacional e à língua oficial é generalizada no país.
Surpreendente é não haver uma política linguística para cada uma delas, pensada
claramente, divulgada e assumida. Conhecer a natureza e o grau dessa insatisfação
seria útil para a tomada de decisões políticas sobre a matéria e a conquista dos
cidadãos para elas.
Seria importante estudar o que pensa sobre isso uma amostra representativa
da população do país, para o que não possuímos os meios. Todavia, conhecemos
as respostas de dezoito cidadãos, oriundos de todas as ilhas, com diversas idades,
formações e atividades profissionais. Foram ouvidos no âmbito da Reforma
do Estado, à qual pertence, naturalmente, a questão linguística. As entrevistas
aparecem na revista Vozes das Ilhas, outubro 2014.
No estudo, recorremos às metodologias de “estudo de caso” e de “análise de
conteúdo”. Ambas apresentam capacidade produtiva perante o objeto de estudo
e revelam-se complementares uma da outra.
Pensamos, no final, alcançar uma teorização que decorre da interpretação e
compreensão dos dados. Estes interrogam permanentemente aquelas operações num
movimento circular que se, por um lado, as consolida, por outro, também as questiona.
Palavras-chaves: português, crioulo, oficialização, língua oficial, língua nacional.

0. INTRODUÇÃO

0.1. IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA


A questão linguística em Cabo Verde é complexa. Ela é tema deste estudo que
pretende contribuir para a compreensão e esclarecimento da realidade / situação
que a envolve. Partilhamos a surpresa de muitos, perante a indefinição política,
científica e pedagógica que envolve as duas línguas, a nacional e a oficial. Vamos
das teorias às práticas e destas àquelas, na esperança de fazer luz sobre essa
questão, também, de cidadania cabo-verdiana e lusófona.

240
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

0.2. METODOLOGIA
Recorremos ao estudo de caso (Carazo, 2006), conscientes da sua fragilidade,
mas, também, da sua eficácia analítica, e ao percurso próprio da análise de
conteúdo (Moraes, 1999).
Segundo Carazo (2006: 167, o estudo de caso é uma investigação qualitativa que
“mede e regista a conduta das pessoas envolvidas no fenómeno estudado” (2006:
167). Como limitações, tem carência de rigor, influência do investigador no percurso
e nas conclusões e ausência de generalização (2006: 171-172). Todavia, citando
Yin (1989), Carazo (2006: 169) refere que nele estamos perante a “generalização
analítica” de uma “amostra teórica” e não uma “generalização estatística” de uma
“amostra representativa”, usando-se para “ilustrar, representar ou generalizar
uma teoria. Deste modo, também os resultados do estudo de caso podem
generalizar-se a outros que representem condições teóricas similares” (2006: 173).
Trata-se, assim, “do desenvolvimento de uma teoria que pode ser transferível para
outros casos. Por isso, alguns autores preferem falar de transferibilidade em vez de
generalização, na investigação de natureza qualitativa.”
Parte-se das perguntas de investigação e propostas teóricas (Carazo, 2006: 179),
que enquadram o problema e correspondem à preocupação do investigador. As
etapas seguintes são: seleção da amostra e definição das unidades de análise – o
que poderá acontecer entre os quatro e os dez indivíduos / casos (Carazo, 2006:
183-184); recolha – podendo recorrer-se a várias fontes, relacionando-as entre
si (triangulação); e análise da informação – que, na investigação qualitativa, o
essencial é produzir uma explicação do problema (2006: 185-186).
A última etapa é aqui auxiliada pela análise de conteúdo, metodologia usada
para “descrever e interpretar todo o tipo de documento e texto” (Moraes, 1999:
2). Eis as suas etapas: preparação das informações, unitarização ou transformação
do conteúdo em unidades, categorização ou classificação destas em categorias,
descrição e interpretação (Moraes, 1999: 4-5).

241
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

0.3. DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO


Seguiremos os passos avançados por Carazo (2006: 191): recolha da
informação, organização dos dados, sua codificação e comparação com a teoria,
conceptualização e explicação do problema e elaboração da tese.

1. RECOLHA DA INFORMAÇÃO
Tomamos a informação e o tipo de amostra presentes em Vozes das Ilhas24, de
outubro 2014, que constituímos em corpus. São 18 opiniões de cidadãos cabo-
verdianos sobre o tema, representando as ilhas e dois países da diáspora. Segundo o
seu organizador, Vicente Lopes (2014: 2-3), são “ ‘vozes’ que representam a ideia do
Cabo Verde […] neste 40º aniversário da independência nacional”. Dois objetivos se
destacam para o nosso tema: “Recolher subsídios para apoiar na [sic] formulação de
políticas públicas […]; Consensualizar opiniões […]” (Santos: 2014: 240).

2. ORGANIZAÇÃO DOS DADOS


2.1. ENTREVISTADOS – CARACTERIZAÇÃO
Os entrevistados25 têm idades entre os 44 e os 79 anos: quatro entre 40 e 50
anos; seis dos 50 aos 60 anos; quatro, entre 60 e 70 anos; quatro, dos 70 aos 80
anos. As ocupações são: presidente de associações (4); advogado (2); médico (2);
sociólogos (2); administradores de empresas (2); figuras públicas (2); professor
(1); agrónomo (1); padre (1); músico (1). Quanto a género, temos homens (16)
e mulheres (2). Relativamente à origem, todas as ilhas estão representadas por
naturais e/ou residentes.

2.2. ESTRUTURAÇÃO DA INFORMAÇÃO


Após o levantamento das passagens sobre o tema, nas entrevistas, passamos
à recolha dos dados pela leitura e tratamento da informação, etapa que o
investigador experimentado pode fazer coincidir com a seguinte.
24. In Vozes das Ilhas, Revista da Reforma do Estado, Edição Especial, outubro 2014, da Unidade de
Coordenação da Reforma do Estado, “em edição e tiragem única” (p. 240).
25. Identificação: 1 – Germano Almeida; 2 – Pedro Lomba; 3 – Fausto do Rosário; 4 – Emanuel P. Silva;
5 – José J. Cabral; 6 – José M. P. Ferreira; 7 - Pe. João A. M. Martins; 8 – Maria O. Pinheiro; 9 – Mário
Correia; 10 – Belarmino Lucas; 11 – José Melo; 12 – António P. Silva; 13 – Lúcia dos Passos; 14 – Luís
Silva; 15 - Tibau Tavares; 16 – Onésimo Silveira; 17 – Gabriel Fernandes; 18 – José Maria Neves.

242
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3. CLASSIFICAÇÃO DAS UNIDADES EM CATEGORIAS E


COMPARAÇÃO COM A TEORIA

3.1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO


O relacionamento entre línguas é hoje uma questão relevante na EU, onde
“o contexto linguístico é multifacetado e espelha marcas do nosso tempo que
são a mobilidade, a internacionalização, a globalização e a interculturalidade”
(Conceição, 2011: 6). São assim de realçar estudos como os de Carlos Ceia (2011)
em Aprender uma Língua Segunda (2011).
No que respeita à situação linguística cabo-verdiana, começam a surgir estudos
significativos como: Que futura para a língua Portuguesa em África (1988), de
Manuel Ferreira; Bilinguismo ou Diglossia? (1998?), de Dulce Almada Duarte;
A construção do Bilinguismo (2004), de Manuel Veiga; Atitude de alguns Cabo-
Verdianos perante a Língua Materna (2005), de Maria de Fátima Sanches; Crioulos
de Base Portuguesa (2006), de Dulce Pereira; Discursos Linguísticos e Realidades
nas Salas de Aulas (2010), de João Rosa; As Línguas de Cabo Verde. Uma Radiografia
Sociolinguística (2011), de Amélia Melo Lopes.
Este conjunto de obras espelha a maior parte das posições dos entrevistados:
enquadram-nas e suportam a sua conceção, chegando a haver repetição com ou
sem referência do autor. Tal facto revela a simbiose existente na sociedade cabo-
verdiana, entre os intelectuais e púbico em geral.

3.2. CATEGORIAS E SUA EXPRESSÃO CONTEUDÍSTICA


ORIUNDA DAS UNIDADES TEXTUAIS
A informação recolhida organiza-se nas seis categorias seguintes.

3.2.1. NOÇÃO DE LÍNGUA - COM SEIS PARECERES


Duas conceções surgem: a) a de instrumento de comunicação, nomeadamente,
com o exterior e b) a de questão de identidade (“o que nos define como povo”,
Entrevistado 10) ou marco da nacionalidade e pertença nacional. A primeira, em
Manuel Ferreira (1988: 75), surge numa citação de A. Cabral, referente à língua
portuguesa: “instrumento de comunicação com exterior, especialmente com as

243
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

ex-colónias portuguesas de África”. A segunda faz-se eco de Manuel Veiga (2004:


86) em: “a marca identitária e o suporte principal das tradições culturais”.

3.2.2. RELAÇÃO INTERLINGUÍSTICA (NO FALANTE E NA SOCIEDADE) –


COM DOZE PARECERES
É uma relação de complexidade e interrogação, “o que fazer com as línguas?”
(Entrev. 16); de confusão, p. ex. nos noticiários radiofónicos: misturam as línguas;
de interferência do crioulo no português, sobretudo no ensino; de cansaço do
falante, não habituado a falar português; de tradução do pensamento, de crioulo
em português; de uso permanente e exclusivo do crioulo – língua de comunicação
no dia a dia; de uso do português só por necessidade ou força maior; de inexistência
de política de línguas; de defesa do mesmo tratamento, dignidade e estatuto, e
não de subalternidade do crioulo ao português, por razões ideológicas (Entrev.17),
“relegado para a informalidade, para a componente folclórica da nossa cultura”,
“por opções políticas de determinada classe” (Entrev.17).

3.2.3. POSIÇÃO PERANTE O CRIOULO – COM TREZE PARECERES


Passa pelas atitudes seguintes: é a língua mãe, a língua caseira; intrínseco a todos
e denominador comum aos cabo-verdianos; património cultural, em estado de
formação; defesa da introdução nas escolas, “aliás já lá está”, como recurso de
lecionação noutras disciplinas, devido à insegurança do professor no português, às
vezes, formado em país com terceira língua; defesa da literatura em crioulo; defesa
do seu uso na prática religiosa católica, onde faltam traduções oficiais; todavia,
a tradução é não resolve tudo: por exemplo, como traduzir “holocausto”? só
explicando…; competição entre crioulos cria desconfianças e até fundamentalismos,
estatísticos (defesa do de Santiago) e/ou ideológicos (imposição política [da Praia,
como no colonialismo]: são indispensáveis consensos); a língua cabo-verdiana:
nascerá da “negociação por todos”, com cedências, bases científicas e propostas
técnicas, aceitáveis e não impostas; distinguir “estrutura [única d]e formas
regionais e idiomáticas a preservar, como em Portugal e Brasil; criação de fundação
/instituição curadora dos crioulos; urgente a descrição científica e pedagogização:
“regras”, gramática, dicionário… sua socialização e formação.

244
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3.2.4. OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO – COM DEZOITO PARECERES


Divide os entrevistados em três grupos. Correia e Silva (2010: 11) refere ser
“questão fracturante” no país. O não obtém duas respostas absolutas e duas para
a escrita: basta o crioulo como língua de cultura; a oficialização agrava a mistura
das duas línguas; basta a sua utilização oral nas instituições públicas; esclarecer:
que se pretende com a oficialização? O sim recebe seis adesões: inevitável,
saudável a discussão dos crioulos; matriz igual: existência de crioulos como falares
é natural; são urgentes as regras; já oficializado por natureza, até nos salões do
poder – problema foi a criação do ALUPEC, um risco a médio prazo, por as pessoas
regredirem, culturalmente, por não aderirem (porquê kaza? – casa estaria próxima
de todos os já alfabetizados? confusão): no Haiti, ele destruiu o francês; um ganho
para o país e o sistema educativo; objetivo dos 40 anos da independência. O sim
condicionado é opção para metade (9) dos entrevistados: divisão dos cidadãos,
indefinição na opção; resistência ao ALUPEC, um perturbador afetivo… que “nada
tem a ver com Cabo Verde”, devido a 90% do vocabulário ser de origem portuguesa;
já há escrita em crioulo sem ele (Frusoni, SV., E. Tavares, tradutor de Camões): um
“nacionalismo exacerbado com a independência” (Entrev. 8); respeito pela riqueza
da cada ilha; o crioulo precisa de tempo, como refere Baltasar Lopes, tem havido
pressa política… talvez, daqui a 50 ou 100 anos; tendência para dois crioulos;
prematuro, há outras prioridades, não morre oficializado ou não, é língua viva;
preservação da união dos cabo-verdianos e não imposição administrativa; perda
de tempo…; há que estudá-lo primeiro e abranger as ilhas todas.

3.2.5. POSIÇÃO PERANTE O PORTUGUÊS – COM TREZE PARECERES


É um património cabo-verdiano; língua de contacto com o exterior; língua
identitária no estrangeiro: “identificamo-nos com ela” e ela “identifica-nos”
(Entrev. 13); já tem o espaço próprio em Cabo Verde; uma muleta, indispensável;
já é curto: necessidade de outra língua; a língua para o nosso desenvolvimento
económico; parte da cultura e da memória cabo-verdianas; a melhor herança dos
portugueses [frase de A. Cabral]; a não descurar como língua oficial; em risco em
cabo Verde, ao contrário do crioulo que todos falam: há que investir nele.

245
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3.2.6. POSIÇÃO PERANTE O ENSINO DO PORTUGUÊS – COM SEIS


PARECERES
Está completamente obsoleto; é preciso repensá-lo; os seus falantes são cada
vez piores: retrocesso; falta sedução a esse ensino, com exemplos de fora; ensino
como se fosse língua primeira, quando é L2; problema: o método, a mudar; alunos
sem saberem escrever à saída da escola: cada um fala e escreve como quer
– ausência de regras; língua de ensino tem de ser dominada por professores e
alunos; professores lecionam em crioulo… não se sentem à vontade no português
– um ministro da Educação chegou a dizê-lo (José Luís Livramento); formação de
professores do Magistério para o Instituto Pedagógico diminuiu de qualidade, por
isso necessidade de avaliar professores e escolas e divulgar o ranking; nem podemos
“exportar” gente para os PALOP pois não dominam o português minimamente;
pena se os netos não lessem Teixeira de Sousa no original; exclusão social começa
no ensino [especialmente do português].

4. CONCEPTUALIZAÇÃO E EXPLICAÇÃO DO PROBLEMA


O desenvolvimento da categoria (1), “língua”, em “instrumento de comunicação”
é expectável, atendendo às relações entre povos; “em marca de identidade e
pertença” revela-se uma realidade cabo-verdiana, enquanto fundamento da nação,
habitual em jovens e frágeis estados. É uma categoria consensual, aglutinadora.
A categoria (2) Relação interlinguística preocupa, confunde e revela
incompreensão perante a mistura das línguas e o deficiente domínio do português;
confirma o uso avassalador do crioulo, reduzindo o uso do português à necessidade
ou obrigação; isto contrasta com a discriminação institucional / cultural do primeiro
e o estatuto e dignidade do segundo. É uma categoria exógena a uma política das
línguas, ausente.
A categoria (3), Posição perante o crioulo, mostra este como propriedade e
património, a desenvolver, mais no futuro que no presente, pela oficialização,
ensino, literatura, cultura, prática religiosa e traduções. As variedades dividem,
mas há quem duvide da sua fundamentação, vendo-as como fantasma(goria)s para
outros fins, políticos, ideológicos, regionalistas.
A categoria (4), Oficialização do crioulo, revela uma tripartição dos entrevistados.
Onde uns vêem riscos outros descobrem virtudes; à necessidade de esclarecimentos

246
de uns, opõem outros a evidências das práticas; onde alguém apela às regras
outrem afirma a expressão de uma liberdade. O maior grupo remete a decisão
para o futuro.
A categoria (5) Posição perante o português apresenta esta língua aceite e
inquestionável, todos lhe desejando o maior cuidado.
A categoria (6) Posição perante o ensino do português mostra insatisfação com
métodos e conteúdos; o retrocesso na qualidade da formação de professores e
do perfil de saída dos diplomados de todos os níveis de ensino, limitando-os quer
na emigração, até para os PALOP, quer no acesso à literatura cabo-verdiana, em
português.

5. ELABORAÇÃO DA TESE
Aqui chegados, uma tese ganha consistência: a sociedade cabo-verdiana e
os seus membros vivem um impasse perante a questão linguística no seu país,
fraturante em vários azimutes. Como sair dele? Pelo esclarecimento amplo, pelo
debate franco, pelo diálogo aberto, propiciadores de uma catarse das imagens
feitas (ou fantasmas, em linguagem psicanalítica) do crioulo e do português,
atribuídas aos outros, como acontece com o termo e conceito de “ideologia”. Essa
magna tarefa seria atribuível a uma Fundação – entidade proposta por um dos
entrevistados para os crioulos – denominada Fundação para as Línguas de Cabo
Verde: o primeiro passo para a almejada política das línguas cabo-verdianas,
crioulo e português, necessitadas de investimento grande a três níveis – descrição
linguística, ensino e imagem ou marketing.

CONCLUSÃO
Pretendemos com este trabalho conhecer melhor a questão linguística em Cabo
Verde, a partir das “vozes” de 18 cidadãos, presentes na revista Vozes das Ilhas, de
outubro 2014. As metodologias seguidas revelaram-se adequadas e levaram a uma
conceptualização e explicação do problema e à tese formulada no final. Esperamos
que este estudo de caso permita aumentar a compreensão da questão e partir
para outros casos, que tragam novos olhares, para que as soluções cheguem cada
vez mais esclarecidas.
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

REFERÊNCIAS
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de la invetigación científica. In Pensamento e Gestión, nº 20, pp. 165-193.
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Santos, Apoio da Porto Editora.
Conceição, M. C. (2011). Prefácio, in Carmen Muñoz et al. Aprender uma Língua
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Porto Editora.
Duarte, D. A. (2003). Bilinguismo ou Diglossia (2ª ed.). Praia: Spleen Edições.
Lopes, A. M. (2011). As Línguas de Cabo Verde. Uma Radiografia Sociolinguística.
Tese de Doutoramento. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.
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Moraes, R. (1999). “Análise de conteúdo” In Revista Educação. Porto Alegre, v.
22, n. 37, pp. 7-32 (“http://cliente.argo.com.br/~mgos/analise_de_conteudo_
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Rosa, J. (2010). Discursos Linguísticos e Realidades nas Salas de Aulas. Praia: Uni-CV.
Santos, C. (2014). “Posfácio”. In Vozes das Ilhas, Revista da Reforma do Estado,
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Silva, A. C. (2010). “Prefácio”. In João Rosa, Discursos Linguísticos e Realidades nas
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Vozes das Ilhas, Revista da Reforma do Estado, Edição Especial. Praia: Outubro 2014.

248
EDUCAÇÃO BILINGUE EM MOÇAMBIQUE. UM
ESTUDO DE CASO, NA PROVÍNCIA DE GAZA,
CENTRADO NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO
ENSINO BÁSICO

José Amilton Joaquim; José Augusto Pacheco


Universidade Eduardo Mondlane-Escola Superior de Negócio e Empreendedorismo
de Chibuto, Moçambique; Universidade do Minho-Instituto de Educação
jhamylton@yahoo.com.br; jpacheco@ie.uminho.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Em contextos como o de Moçambique que apresenta uma diversidade linguística,
o uso de mais de uma língua no ensino é quase que obrigatório. Assim, urge a
necessidade de formalizar a Educação Bilingue (EB) nas escolas moçambicanas. A
modalidade de EB em Moçambique é de transição e manutenção, nas primeiras
classes (1ª, 2ª e 3ª) usa-se a língua local como meio de instrução e o Português é
uma disciplina, a partir da 4ª classe há uma inversão. Dessa estratégia o aluno deve
estar em condições na 5ª classe de enfrentar o exame nacional, que é feito em
língua oficial Portuguesa, para transitar do 1º para o 2º grau. O trabalho tem como
problema esta interrogação: De que modo o programa curricular de Educação
Bilingue se traduz nas práticas pedagógicas nas escolas do Ensino Básico que usam a
língua Portuguesa e Changana no distrito de Bilene, na província de Gaza? O estudo
empírico é de natureza qualitativa e quantitativa, com a utilização de técnicas de
recolha de dados como a análise documental, entrevistas, questionário e provas
escrita e oral aos alunos. Do estudo conclui-se: i) Não existe um programa de
base especificamente para EB; ii) Há incongruência entre o programa e as práticas
pedagógicas e iii) Os alunos apresentam maior dificuldades de compreensão, na
escrita do que na oralidade, nas provas de conhecimento nas disciplinas básicas
(Português e Matemática) em língua Portuguesa.
Palavras-chave: Educação Bilingue; Currículo e Práticas Pedagógicas

1. INTRODUÇÃO
Em Moçambique, para além do Português, que é língua oficial, encontramos mais
de 20 línguas nacionais africanas que são faladas por um pouco por todo o país.
Ngungaet al (2010, p. 9) mostram que, “vários estudos feitos após a independência
(Lopes, 2009, Martins, 1992, Ngunga, 1985, 2008, Nhongo, 2009, entre outros) têm
vindo a revelar que as crianças são, por um lado, penalizadas por não dominarem
a língua que é usada como meio de ensino e, consequentemente, por outro, o
sistema educativo tem vindo a registar grandes perdas de toda a ordem”. Para
justificar o pressuposto, Benson (2000) diz que todo o currículo foi baseado num
modelo do Português Europeu, o que significa que as artes da linguagem são
projetadas para falantes nativos de Português e que o conteúdo acadêmico é mal

250
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

adaptado às culturas moçambicanas e estilos de vida. Sendo assim, Ngungaet al


(2010) justificam que, por estas razões e outras de ordem político-social, vários
pensadores moçambicanos têm vindo, há cerca de 30 anos, a estudar a possibilidade
de uso das línguas moçambicanas como veículo do saber para reduzir a ineficácia
e resgatar as línguas e a diversidade cultural moçambicana. Em função disso, entre
1993 e 1997, segundo Benson (2000), foi realizado a experiência do Ensino Bilingue.
Pelos resultados positivos da experiência, o novo Plano Curricular de Ensino Básico,
(PCEB, 2003), elaborado pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação
(INDE), apresenta o uso das línguas moçambicanas no ensino como uma inovação
na reforma Curricular. E, de acordo com Ngungaet al (2010), a sua implementação
viria a ser iniciada no ano letivo de 2003 e numa primeira fase, a Educação Bilingue,
deveria ter lugar em regiões rurais linguisticamente homogéneas como forma de
permitir que cada moçambicano aprenda os primeiros rudimentos de leitura/
escrita e aritmética na sua língua Bantu materna.
A reflexão em torno dos pontos supra apresentado está na base da elaboração
deste estudo que foi realizado em Moçambique, Província de Gaza, concretamente
no distrito de Bilene.

2. PROBLEMA DE PESQUISA
O modelo de Educação Bilingue aplicado em Moçambique, inicia no 1º ciclo a
lecionação com a língua, materna, nesse caso Changana/Xichangana26, como meio
de instrução e o Português como disciplina, somente ao nível da oralidade. A partir
do 2º ciclo, concretamente na 4ª classe, há uma inversão da língua de ensino, que
passa a ser feita em Português e a língua Changana é usada como disciplina. Os
alunos de EB só iniciam a aprender a escrita na língua Portuguesa a partir da 3ª classe.
No entanto, os alunos na 5ª classe, que é a última classe do1ª grau, para passarem
para o 2ª grau, são submetidos a um exame nacional em língua Portuguesa. Esta
situação exige que os alunos, da EB, estejam minimamente habilitados em termos
de competência linguística em língua Portuguesa (compreensão na leitura, escrita
e oralidade) para fazer face aos mesmos, compreendendo o que se pede em cada
exame e, consequentemente, dar respostas corretas de forma que lhes garanta a

26. Entenda-se que estamos a referir a mesma língua, a primeira escrita no vocabulário ortográfico
da língua Portuguesa e a segunda da própria língua.

251
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

nota positiva para transitarem de classe. Em função dessa situação, de forma a não
nos dispersarmos, pretendemos encontrar resposta relativa a pergunta de partida.
Segundo Quivy e Campenhoudt (2008, p. 44), “com esta pergunta, o investigador
tenta exprimir o mais exatamente possível aquilo que procura saber, elucidar,
compreender melhor.
A pergunta de partida que serviu de primeiro fio condutor da investigação, é
apresentada da seguinte forma:
De que modo o programa curricular de Educação Bilingue se traduz nas práticas
pedagógicas nas escolas do Ensino Básico que usam a língua Portuguesa e Changana
no distrito de Bilene, na província de Gaza?
No seguimento de Tuckman (2000, p. 38), quando postula que, “o problema
formula-se melhor em forma de questão (na medida em que é distinto da
formulação declarativa da hipótese, derivada do mesmo problema) ”. Pacheco
(2006, p. 14), a propósito e centrado na educação mostra que “(...) a investigação
educativa está centrada na busca de respostas para questões problemáticas, mas
desde que não se reduza a realidade a uma mera pergunta”.
Os objetivos decorrentes do problema são formulados do seguinte modo:
i. Analisar o processo de concepção do programa curricular de Educação
Bilingue, atendendo às questões teóricas sobre a conceção de um programa
curricular;
ii. Relacionar o programa de Educação Bilingue com as práticas pedagógicas
considerando a formação dos professores, as metodologias de ensino e o
material didático;
iii. Avaliar o desempenho dos alunos que se encontram a frequentar a 5ª
classe, através de prova escrita e oral, nas disciplinas básicas (Português e
Matemática) em língua Portuguesa.

3. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

3.1 METODOLOGIA
A abordagem que escolhemos para esta investigação é uma abordagem mista de
natureza qualitativa e quantitativa, na base do pressuposto de que cada método
possui caraterísticas próprias e são adequados a propósitos de uma investigação
específica.

252
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O estudo empírico processou-se em duas fases inter-relacionadas. Na primeira,


utilizamos a análise documental do programa curricular de EB, no seguimento do
que Estrela (1994) designa por fase de elemento de estrutura, ou de recolha de
dados de arquivo. De forma a explorar a potencialidade dessa técnica, a partir
dos pressupostos teóricos curriculares, foi elaborado uma matriz que no dizer de
Estrela (1994, p. 142) “as matrizes (Ma) correspondem a registos sistematizados de
dados, a partir dos quais se processa todo o tratamento posterior”.
Na segunda fase, e no que Estrela (1994) chama de dados de perspectiva
recolheremos os dados a partir da realização de entrevistas aos decisores das
políticas (órgão central, provincial, distrital e os representante das escolas),
questionários aos executores das políticas (os professores) e aplicação de provas
de desempenho escrita e oral, aos alunos da 5ª classe, nas disciplinas básicas
(Português e Matemática) na língua portuguesa.
O processo de análise dos dados, para o caso de análise documental do programa
curricular, após a recolha das informações, fizemos a análise de conteúdo em que
procedemos com a descrição e organização da informação.Para as entrevistas
também usamos a técnica de análise documental, fizemos a transcrição27 literal
do conteúdo e a codificação dos dados, quer manuscritos quer gravados, numa
primeira fase. Depois passamos para a fase de descrição e como as entrevistas
eram para grupos diferentes, com algumas questões que coincidiam, após a
descrição, organizamos as respostas em função das perguntas que coincidiam nas
mesmas.
Para os questionários e provas para aos alunos, por serem muitas as informações,
procedemos a uma análise estatística através do programa SPSS. Após o
processamento dos dados no softwarede análise estatísticas SPSS, organizámos
a informação em tabelas tomando em consideração as frequências, média e o
desvio padrão e em seguida procedeu-se com a descrição das informações.

27. Todas as transcrições dos dados foram feitas pelo entrevistador, como assegura Woodsapud
Pacheco (1995, p. 102), que mostra que “o entrevistador é o melhor transcritor por mais tédio que
essa tarefa possa parecer”.

253
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

4. CONCLUSÕES
Com à análise e discussão dos dados teóricos e empíricos, chegamos as seguintes
conclusões principais, divididos nos três objetivos enunciados:
i) Sobre a análise do programa curricular do 1º ciclo de EB, o programa apresenta
os aspetos nucleares de concepção de um programa curricular. Porém não faz
menção a nenhuma língua materna a ser utilizada no ensino, apenas explica que a
língua a adotar será da escolha da própria escola, podendo ser uma língua local da
zona ou não. O que revela uma certa inconcisão no instrumento que serve de guia
para o processo de ensino e aprendizagem.
Os objetivos no programa curricular são extensivos, quer para alunos bilingues,
quer para monolingue e, os mesmos se organizam de maneira mais específica
nos programas das disciplinas. Isso nos mostra que apesar do Ensino Básico ter
duas modalidades de ensino, o fim último é que os alunos tenham as mesmas
competências e habilidades que se esperam no PCEB sem distinção.
Os temas são relevantes para o contexto e o nível de ensino, em que tratam no
caso da L1 e L2 de temas relacionados com Família, Escola, Comunidade, Ambiente,
Corpo Humano e Saúde.
Tomando em consideração que a língua Portuguesa é a língua que será usada a
partir do 2º ciclo em diante, como língua de instrução, a carga horária da disciplina
de Português devia ser acrescentada para as duas classes, que compõem o 1º ciclo
(1ª e 2ª), de forma a permitir que, as crianças estejam expostas muito tempo em
contato com a língua Portuguesa, a semelhança do que acontece na L1. Isso para
garantir o equilíbrio na aprendizagem das duas línguas e assegurar que os alunos
nas classes subsequentes estejam em condições de usar com alguma facilidade a
língua Portuguesa que será o canal de transmissão de conhecimento.
Ainda sobre os temas, no plano temático das disciplinas de Língua Moçambicana
e de Matemática, para o 1º ciclo, que são ministradas na língua Changana, os
conteúdos aparecem em Português e há necessidade de se especificar por
escrito a língua local a ser usada e que as disciplinas que são ministrada na
mesma língua, tenham os seus temas e conteúdos nessa mesma língua, para que
haja clareza do que tem de ser dado e para facilitar o trabalho dos professores.

254
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O programa de Educação Bilingue apresenta sugestões metodológicas gerais


para as duas disciplinas de língua que é a L1 e L2, quer para 1ª quer para 2ª
classe e para as disciplinas de Educação Musical, Ofício e Educação Física. A
disciplina de Matemática é a única que apresenta sugestões metodológicas por
unidade temática e separado em função das classes, a 1ª classe apresenta sua
sugestão metodológica e 2ª também a sua. Vale apenas referir que o programa
demonstra através de exemplos, quais as estratégias metodológicas que podem
seremadotadas pelo professor, como pode ser visto nas descrições, o que constitui
uma mais-valia para o professor ter um ponto de partida, o que é uma mais-valia
para o processo de ensino.
Em jeito de síntese desse ponto, em função de todas as constatações e pela
maneira como se apresenta o programa curricular do 1º ciclo de EB, leva-nos a
afirmar que, não existe um programa curricular de EB de base, em que se assentam
as orientações e instruções que asseguram ou respondam as necessidades e a
natureza desse tipo de ensino e que consequentemente venham a corresponder
aos anseios que ditam a sua introdução. O que existe é uma réplica de um programa
que foi elaborado para atender um tipo de ensino, parafraseando Benson (2000),
cuja arte de ensinar são projetados, somente para a língua Portuguesa, que é o
programa curricular do ensino monolingue.
ii) Relação do programa e práticas pedagógicas, neste objetivos concluímos
que os professores têm alguma noção do que é EB apesar de não irem um pouco
mais sobre a modalidade de EB em uso em Moçambique, a semelhança de alguns
diretores de escolas, técnicos distritais, provincial e central.
As escolas foram de alguma forma envolvidas no processo de implementação da
EB, apesar da implementação não ter sido solicitada, necessariamente, pela base
(bottom-up)28 mas implementado pela iniciativa do governo central (top-donw)29
e do fato de ter havido um fraco envolvimento dos professores. O que nos levou
a questionar o termo inovação atribuída a EB e considerarmos uma reforma
educativa e não necessariamente uma inovação. Essas constatações, aliadas ao
fraco envolvimento dos professores na concepção do programa curricular, revelam

28. (Bolívar,2007, p. 21)
29. Ibid

255
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

em alguma momento que o modelo de definição de políticas curriculares usadas é


o modelo de política centralista evocado por Pacheco (2002, p. 33), em que há um
“papel determinante da administração central na concepção e operacionalização
da política curricular. Trata-se de uma responsabilidade essencialmente política
dos órgãos ministeriais já que a responsabilidade profissional do professor reside
na implementação de orientações e programas definido urbe et orbe na base de
um complexo quadro normativo”.
A reação dos alunos e dos pais sobre o sistema de ensino bilingue é boa,
porque o sistema permite que os alunos aprendam na língua falada pelos alunos
no seu cotidiano. No entanto, os professores, apesar da motivação e apreciarem
o tipo de ensino, já não dizem a mesma coisa. Isso porque, lhes falta primeiro,
a formação inicial e contínua adequada para fazer face ao tipo de ensino, que é
agravada pela falta de competência linguística dos próprios professores na língua
Changana; segundo lhes falta um programa curricular que seja adequado ao tipo e
modalidade de EB, como constatamos no primeiro objetivo e terceiro lhes falta o
material didático e esse último também é ressentido pelos alunos.
Enfim, podemos dizer que não há uma relação entre o que se pretende no
programa curricular e o que tem acontecido na realidade, pois o programa
orienta uma coisa e no terreno acontece outra, por falta de especificação clara no
instrumento que se espera que seja de orientação.
iii) Contudo, em termos da avaliação aos alunos, nas duas variantes A e B da
prova escrita de Português dada aos alunos da 5ª classe, fez nos chegar as seguintes
conclusões: para os alunos, quando se trata de exercícios que não tenha de analisar
e dar respostas, como na redação e no ditado diferente da interpretação do texto
e no funcionamento da língua, na língua Portuguesa, lhes fica mais fácil. Ou por
outras o nível de apropriação da língua Portuguesa nos alunos ainda está aquém
do desejado. O que nos leva afirmar que existe muita dificuldade na parte de
compreensão e decifração dos símbolos gráficos de informações pedidas na língua
Portuguesa na parte dos alunos.
Nas provas de Matemática variante A e B, de forma geral os alunos mostram
muita dificuldade em responder corretamente ao que se pedia, principalmente
em exercícios que exigia um pouco mais de concentração, como, escrever os

256
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

números em algarismos e em extenso, cálculo nas quatro operações (adição,


subtração, multiplicação e divisão), nas equações e no cálculo do perímetro. Mas
em contra partida em exercícios como para fazer as comparações usando sinais e
decomporem os números, conseguiram ter uma boa cotação.
Em relação a prova oral, concluímos que na oralidade diferente da escrita os
alunos podem estar melhor preparados para entender o que se pede em língua
Portuguesa. O que pode ser pelo fato do programa iniciar primeiro com a oralidade
na 1ª e 2ª classe e depois com a escrita nas classes subsequente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Benson, C. J. (2000). The Primary Bilingual Education Experiment in Mozambique,
1993 to 1997. In International Journal of Bilingual Education and Bilingualism,
3, 3, 149-166. Consultado em março19, 2012,em:http://www.multilingual-
matters.net/beb/003/3/default.htm.
Estrela, A. (1994). Teoria e prática de observação de classes: uma estratégia de
formação de professores (4˚ed.). Porto: Porto Editora.
Ngunga, et al (2010). Educação Bilingue na Província de Gaza: Uma avaliação de um
modelo de ensino. Maputo: Centro de Estudos Africanos (CEA) – Universidade
Eduardo Mondlane (UEM).
Pacheco, J. A. (2001). Currículo: Teorias e práxis (3ª ed.). Porto: Porto Editora.
Pacheco, J. A. (2006). Um olhar global sobre o processo de investigação. In J. A.
Lima & J. A. Pacheco (Orgs). Fazer investigação: Contributos para elaboração
de dissertações e teses. Porto: Porto editora, pp. 13-28.
Quivy, R. & Campenhoudt, L. V. (2008). Manual de Investigação em Ciências Sociais.
(5ª ed.). Lisboa: Gradiva.
Tuckman, B. W. (2000). Manual de Investigação em Educação: Como conceber e
realizar o processo de investigação em Educação. Tradução António Rodrigues-
Lopes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

257
ENSINO DA ESCRITA EM LÍNGUA FRANCESA:
ANÁLISE DE UM MANUAL. CONCEÇÕES E
PRÁTICAS DOS SUPERVISORES

Maria Rosa Agues Martins


Universidade de Cabo Verde
mariarosa.martins@docente.unicv.edu.cv
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RESUMO
Esta comunicação incide sobre conceções e práticas de escrita em Francês
no ensino secundário em Cabo Verde. Objetivos: caracterizar as propostas de
aprendizagem da escrita num manual de Francês do 2.º ciclo do ensino secundário;
caracterizar as conceções de escrita dos supervisores; comparar as conceções
de escrita do manual com as dos supervisores; caracterizar práticas supervisivas
no ensino da escrita. A pesquisa insere-se num paradigma interpretativo e de
natureza descritiva, com recurso a uma grelha de análise do manual e ao inquérito
por questionário a supervisores de estágio de Francês. Resultados: predomínio de
uma conceção redutora das práticas de escrita no manual, sobretudo concebida
como produto, conta a da escrita como processo, com possível reflexo nas práticas
pedagógicas dos professores. Os supervisores têm uma visão mais atual da
escrita, mas com algum desfasamento em relação às suas perceções das práticas
supervisivas, sobretudo a falta de apoio e informação aos estagiários sobre a
escrita e análise de práticas à luz de referenciais teóricos. Há necessidade de mais
formação neste campo, que facilite um olhar crítico sobre os manuais e as práticas
supervisivas.
Palavras-chave: Didática das línguas. Processo da escrita

INTRODUÇÃO
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação,
na Área de Especialização em Supervisão Pedagógica na Educação em Línguas
Estrangeiras, na Universidade do Minho. Integra uma investigação sobre a escrita
em Francês no ensino secundário em Cabo Verde, visando pesquisar em que
medida é promovida a competência de escrita no manual analisado e conhecer
as conceções e práticas dos supervisores, no contexto de estágio, no âmbito da
promoção do ensino da escrita, na disciplina de Francês do ensino secundário em
Cabo Verde.
O estudo apresenta os seguintes objetivos:
§ Caracterizar:
1. as propostas de aprendizagem da escrita num manual escolar de Francês do
2º ciclo do ensino secundário;

259
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2. as conceções de escrita dos supervisores de estágio;


3. as práticas supervisivas de promoção do ensino da escrita, referente ao apoio
aos estagiários no ensino da escrita;
§ Comparar as conceções de escrita no manual analisado com as conceções de
escrita dos supervisores.

1. IMPORTÂNCIA DA ESCRITA NA EDUCAÇÃO EM LÍNGUAS

1.1. OS PROCESSOS DE ESCRITA


É importante perspectivar o ensino da escrita como processo, onde a construção
do texto está no centro das atenções. Camps (cit. por Carvalho et al., 2005:15)
refere-se às actividades para facilitar a geração de ideias, a organização dos
conteúdos; exercícios de textualização (coerência e coesão textuais, organização
do parágrafo, etc.); atividades para facilitar o processo de revisão e correção
dos textos, e por último, actividades destinadas a desenvolver a capacidade de
consciencializar e de controlar o próprio processo.
Este processo implica actividades de recolha de informação, planificação, redação
e revisão. A recolha é o primeiro passo na elaboração do texto. É a pesquisa de
informação a longo prazo (Festas, 2002). Pode ser interna (recorrendo à memória)
e externa (através de leituras, observação, pesquisa na internet, reflexão de outras
pessoas, etc.).
A planificação é a fase de seleção, organização, estruturação, ordenação das
ideias e de definição dos objetivos, permitindo uma maior concentração na
redação. O escrevente, delineia o que quer escrever e para quem vai escrever,
tendo em conta os objetivos e tipos de textos (Festas, 2002; Albuquerque, 2002).
Ela pode ser feita através de fichas de explicação, exemplificação e aplicação.
A redação, segundo Vygotsky (1979), é a transformação de um rascunho em
linguagem visível. Nesta fase, escreve-se aquilo que se planificou de forma
continuada e organizada. A escolha e a ordem das palavras a ser integradas no
texto planificado são passíveis de alternativas. Assim, é necessário encontrar
os elementos de ligação mais indicados (coordenação, subordinação, e outros
mecanismos de coesão linguística).

260
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Ao longo e depois da redação do texto, procede-se à sua reformulação e


avaliação “através da leitura, avaliação e eventual correção ou reformulação do
que foi escrito” (Barbeiro & Pereira, 2007: 19), a fim de verificar a adequação ao
código linguístico (ortográfico, sintático, semântico), ao estilo que se adotou e aos
objetivos que se pretendem atingir; a deteção do erro/ discrepância entre o texto
real e o texto ideal, a identificação da natureza dos problemas identificados ou
seja, a correção e a produção das alterações.
Dependendo do grau de adequação atingido, procede-se à reescrita do texto,
passa-se o texto a limpo. Mas isso não quer dizer que o processo esteja concluído.
Pode-se ainda fazer uma segunda revisão, ou mais.
Não se fala de processos de escrita sem falar dos modelos não lineares (Flower
& Hayes, 1980) onde a escrita é concebida como um conjunto de processos
que ocorrem a qualquer momento, e não uma série de fases que acontecem
sequencialmente de forma rígida (figura 1)

261
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Esta investigação insere-se num paradigma interpretativo e é de natureza
descritiva, implicando o recurso a uma grelha de análise de um manual e ao
inquérito por questionário. O estudo decorreu em 2008/2009 e integrou um grupo
9 supervisores no contexto de estágio no ensino secundário em Cabo Verde: 4
docentes de Francês na Universidade de Cabo Verde e 5 nas escolas secundárias na
ilha de Santiago (3 na cidade da Praia, 1 em São Domingos e 1 em Santa Catarina).
Fez-se uma abordagem indutiva combinada com uma abordagem dedutiva,
decorrentes da literatura acerca da escrita e da pedagogia da escrita.
Através da triangulação de dados foi possível tornar os resultados mais sólidos e
credíveis. A validade do estudo foi assegurada pelo rigor na recolha e tratamento
dos dados, o que garante a sua fiabilidade.
2.1. O MANUAL ANALISADO
O manual analisado intitula-se Le Mag 2 (Hachette, 2006), da autoria de Céline
Himber, Charlotte Rastello e Fabienne Gallon, e é dirigido a alunos com grau de
proficiência A1-A2 em francês, de acordo com o Quadro Europeu Comum de
Referência. Os objetivos são funcionais e adopta uma progressão em espiral. É
composto por um livro do aluno (LA), um caderno exercícios (CE), dois CDs e um
guia para o professor (GP), analisados em função dos objectivos traçados. Este
manual apresenta quatro competências-chave – a compreensão oral, a produção
oral, a compreensão escrita e a produção escrita –, mas acentua sobretudo as
actividades de compreensão e produção oral.
O LA apresenta 13 actividades de produção escrita. Na seleção dessas atividades
para a análise, não foram incluídas as que visam desenvolver outras competências
(por ex. gramaticais ou de leitura).
O CE segue a mesma estrutura do LA, facilitando a identificação das actividades
dando uma certa autonomia ao aluno para poder fazer exercícios de revisão da
matéria. O CE apresenta 25 atividades de produção escrita.
O GP é um suporte complementar do manual, destinado aos professores, com
propostas de exploração do LA. Fornece algumas pistas didáticas, apelando a uma
abordagem comunicativa na exploração das actividades.

262
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3 .ESTRATÉGIAS DE RECOLHA DE DADOS


Recorreu-se à metodologia qualitativa - inquérito por questionário e análise
documental. Foram construídos dois questionários: um aplicado aos professores
da Universidade e o outro aos professores de escolas secundárias. Optou-se por
um questionário misto com questões de resposta aberta e de resposta fechada,
privilegiando-se as de resposta fechada. Utilizou-se a escala de Likert, consoante a
natureza das questões.
Quanto ao manual, foi definida uma grelha de análise de conteúdo em função
dos objectivos do estudo e das actividades de produção escrita. Numa primeira
fase, foi feita uma análise global do manual para identificar as dimensões a analisar.
A grelha contempla dimensões específicas do ensino/ aprendizagem da escrita
(quadro 1) e o seu preenchimento permitiu fazer o levantamento qualitativo e
quantitativo das actividades de escrita.

4.ANÁLISE DE DADOS

4.1. ANÁLISE DO MANUAL


A escrita processual permite verificar se os alunos são levados a recolher
informação, a planificar e a rever o texto. O quadro 2 resume as ocorrências dos
processos das 38 actividades de produção escrita identificadas. Esses processos
estão bastante reduzidos no manual.

263
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No tocante ao destinatário, aparece em apenas 8 actividades no LA e nas


actividades das rubricas Projet no CE. O GP não alerta para a necessidade de levar
os alunos a reflectirem sobre os contextos comunicativos em causa, ou a avaliarem
a sua produção em função da adequação ao contexto, ficando isso ao critério do
professor.
Em relação à pesquisa orientada, foram encontradas poucas instruções nesse
sentido, mesmo nasactividades de Projet, onde essa pesquisa poderia ser incluída,
com a excepção do Projet 1 e do Projet 3 do CE. Os alunos não são orientados
a pesquisar na internet, recolher informações sobre reflexão de outras pessoas,
etc., antes de escreverem o seu texto. Contudo, no Projet 1 um dos materiais de
consulta é um mapa de uma cidade à escolha e no Projet 3 são revistas para recorte
de figuras para ilustrar a história de acordo com cada tema.
Quanto à elaboração de um plano de escrita, só é exigida em 3 actividades de
Éxpression Écrite no LA e 3 de Project no CE onde recorrem à memória de longo
prazo. Nas restantes actividades do manual a planificação será concretizada
sobretudo a nível mental.
Quanto à redação, as actividades no LA não exigem um esboço, mas no caderno
de exercícios há actividades com este fim (as actividades de Projet).
As actividades do LA e do CE não pedem uma revisão dos textos por parte do
aluno. Não são criadas oportunidades para o aluno se questionar sobre a maneira
como escreve. Estas actividades não fornecem instrumentos de apoio para a
revisão como ficha informativa, não propõem nenhuma grelha de avaliação. A

264
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

correcção surge só no fim. Contudo, o GP refere-se à avaliação das actividades,


sugerindo um conjunto de tarefas de coavaliação/ autocorreção em pares que
podem suscitar e integrar processos de revisão.
O trabalho colaborativo aparece em 4 atividades do LA. Porém, não se especifica
se se trata de trabalho de grupo ou pares. O GP explica que as actividades da
rubrica À toi! devem ser feitas em grupo para uma melhor interacção entre os
alunos. No CE destacam-se as 4 actividades de planificação de texto (Projets) em
pequenos grupos. O GP propõe ainda trabalho colaborativo na fase de revisão/
avaliação dos textos. Não se refere em nenhum dos suportes analisados à resposta
qualitativa do professor sobre o trabalho dos alunos.
Não há recomendações, nem no LA, nem no CE, sobre os recursos utilizados
pelos alunos na produção escrita (dicionário, gramática, internet). Utilizam outros
recursos como imagens, temas, etc., com maior incidência nas actividades do CE.
Conclui-se assim que as actividades de escrita prevalecem sobre a planificação e
a revisão.
O quadro 3, apresenta o total de actividades que, segundo o GP, visam mobilizar
as competências de escrita. Os dados estão ordenados por ordem decrescente das
ocorrências).

Este quadro mostra o predomínio das competências relativas ao vocabulário,


criatividade, organização, clareza e coerência das ideias sobre as de correção na
grafia, uso da pontuação e gramatical. As competências mais mobilizadas são a

265
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

adequação e a amplitude de vocabulário (LA). O LA e o CE apresentam actividades


que levam os alunos a adquirir mais vocabulário: «Pose des questions sur sa santé»,
o aluno precisa mobilizar vocabulário específico sobre a saúde (LA); no CE, no item
Projet 2, exige que o aluno conheça vocabulário ligado a estes temas (alimentação,
actividades de lazer, televisão e informações insólitas). Quando à criatividade, na
actividade «Écris une information insolite pour le Mag’», o aluno precisa imaginar
uma informação insólita.
Considerando as 38 actividades de escrita identificadas no manual, as
competências de expressão escrita a desenvolver e a avaliar, não são especificadas.
O GP propõe uma avaliação tendo em conta a coerência, o léxico, a morfologia e
a sintaxe.
Quanto aos tipos de texto (quadro 4), as actividades propostas no manual não
fazem com que se aprenda a produzir determinados tipos de textos, i.e., não são
dadas quaisquer informações sobre a sua estrutura, tipo de linguagem a usar, etc., a
não ser que o professor aja nesse sentido. Isto quer dizer que se o professor seguir
rigidamente o manual, não ensina ao aluno a produzir texto informativo, descritivo,
narrativo, argumentativo, entre outros. Camps (cit. por Nemirovsky, 2002: 19-20)
afirma que “cada género textual deve ser ensinado de maneira específica, visto que
escrever não é uma actividade uniforme, que se aprende com textos de qualquer
tipo, a partir dos quais se possa generalizar para a escrita de outros textos”.

Relativamente às atividades, o manual apresenta 8 os tipos de actividade (quadro 5)

266
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Quadro 5 - Tipos de actividade

Tipos de texto Livro Caderno Total


do aluno de exercícios
Redacção orientada (a partir de 13 25 38
temas, imagens, questões,palavras-
chave...)
Redacção livre (tema e tipo de texto 0 0 0
escolhidos pelos alunos)
Resumo de textos lidos 0 0 0
Sínteses de pesquisas (na internet, 0 0 0
enciclopédias...)
Total 13 25 38

A produção de textos orientada domina as actividades de escrita no manual.


Todas as actividades de produção de textos são orientadas a partir de temas,
imagens, palavras-chave ou frases. Por exemplo: partir de um conjunto de imagens
e palavras para apresentar alguém; etc. sendo fornecidas palavras que compõem
as suas partes iniciais. As actividades não incluem indicações ou pistas de trabalho
referentes ao processo de escrita.

4.2. CONCEÇÕES DOS SUPERVISORES SOBRE A ESCRITA E O


PAPEL DO MANUAL
Procurou-se conhecer a importância que os supervisores atribuem a
determinados princípios orientadores do ensino da escrita na sua acção supervisiva.
As respostas dos supervisores revelam uma percepção positiva das suas práticas.
Eles apoiam os seus estagiários em relação ao ensino da escrita, mas a frequência
desse apoio varia de sujeito em sujeito e também em função da sua natureza. Por
exemplo, existe apoio em relação ao incentivo à prática da escrita e à observação
das práticas de escrita dos estagiários mas não existe em relação ao fornecimento
de informação sobre o ensino da escrita ou de textos sobre a escrita. Pode-se
concluir que alguns dos supervisores não fazem da escrita objeto de formação
junto dos estagiários.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Os supervisores conferem uma grande importância ao manual (quadro 6),


embora se verifique que existem algumas diferenças entre o que pensam e o
que é proposto no manual. O manual apresenta a escrita enquanto produto e os
supervisores tendem a valorizar o processo.
Valorizam todos os tipos de texto, salvo o texto poético, assim como todos os
tipos de actividades, com alguma preferência para a produção orientada, tal como
acontece no manual.
Em suma, a perspectiva destes supervisores sobre a escrita parece ser mais
alargada do que aquela que o manual apresenta, e também mais actualizada no
que diz respeito a uma abordagem da escrita como processo.
Quadro 6 - Opinião sobre o papel do manual na aprendizagem da escrita

Papel do manual na aprendizagem da escrita

“(…) o manual escolar pode ser um excelente instrumento de trabalho no que


concerne a aprendizagem da escrita.”

“O manual está sistematicamente desfasado (…).”


“(…) é sempre muito importante porque traz já propostas estudadas e
elaboradas por “experts” que ajudam o professor a melhor orientar as
actividades de escrita (…).”
“O manual é um suporte ou ferramenta valioso para a aprendizagem da
escrita.”
“O manual é importante porque o aluno precisa ter algo para se apoiar (…).”
“O manual é fundamental na aprendizagem da escrita (…).”
“A utilização do manual escolar na aprendizagem da escrita do Francês é muito
importante.”
“Os manuais são importantes.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação ao ensino-aprendizagem da escrita, o manual apresenta alguns
desfasamentos relativos ao que é desejável. Apresenta actividades variadas, mas os
processos de escrita, as competências mobilizadas e as características textuais não

268
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

são bem evidenciadas. Apesar da relativa quantidade e diversidade de actividades


de escrita proposto, a presença do conhecimento acerca do processo de escrita é
muito reduzida. Faz pouca referência aos sub-processos de escrita (planificação,
redacção e revisão) e somente o faz de forma indirecta. As poucas indicações
existentes limitam-se a aspectos muito superficiais e muito gerais, o que não atinge
os níveis mais profundos das eventuais necessidades e dificuldades dos alunos.
As actividades não privilegiam a aquisição de conhecimento e estratégias para
uma escrita adequada. Consequentemente, não promovem a reflexão dos alunos
sobre a construção do texto e sobre o processo de escrita, o que não favorece a
detecção e resolução de dificuldades aos níveis linguístico e processual. O manual
não proporciona ao aluno estratégias que lhe confiram autonomia na resolução de
problemas de escrita e no controlo sobre todo o processo.
As perspectivas dos supervisores inquiridos parecem aproximar-se mais de uma
conceção da escrita como processo, valorizando dimensões importantes do ensino
da escrita e da sua supervisão, embora as suas percepções das práticas de apoio
aos estagiários neste domínio deixem perceber a necessidade de desenvolver uma
abordagem mais reflexiva e crítica em contexto formativo.
Este tipo de preocupações obriga a uma maior atenção aos processos de
formação inicial e contínua de professores, de modo a capacitá-los de todas as
competências implicadas no ensino-aprendizagem da escrita processual.

REFERÊNCIAS
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Psycologica.
Barbeiro, L. F., & Pereira, M. L. (2007). O ensino da escrita: A dimensão textual.
Lisboa: Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular.
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M. (2002). O ensino da linguagem escrita. Porto Alegre: Artmed, Porto Alegre:
Artmed.
Carvalho, J. A. B.; Barbeiro, L. F.; Silva, A. C. e Pimenta, J. (Orgs.) (2005). A escrita na
escola, hoje: Problemas e desafios. Actas do encontro de Reflexão sobre o Ensino
da Escrita. Braga: Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho.

269
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Conselho da Europa (2001). Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas


– aprendizagem, ensino, avaliação. Lisboa: Edições ASA.
Festas, M. I. F. (2002). Principais tendências no ensino da escrita de textos.
Psycologica,
Flower, L. & Hayes, J. (1980). Identifying the organization of writing processes. In
Gregg, L. e Steinberg, E.R. (Ed.), Cognitive Processes in Writing. New Jersey:
Laurence Erlbaum Associates, Publishers.
Himber, C.; Rastello, C. e Gallon, F. (2006). Le Mag’2: Cahier d’Exercices. Paris:
Hachette.
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Himber, C.; Rastello, C. e Gallon, F. (2006). Le Mag’2: Méthode de Français. Paris:
Hachette.
Vygotsky, L. (1979). Pensamento e Linguagem. Lisboa: Antídoto.

270
ENSINO DAS CIÊNCIAS: PERSPETIVAS
ATUAIS
ENSINO DAS CIÊNCIAS: PERSPETIVAS ATUAIS
APRENDER E EXPLICAR CIÊNCIAS FORA DA
ESCOLA – INDAGAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO
ENTRE JOVENS E EXPLICADOR

Elisabete Ferreira; Miguel Fonseca


Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto
elisabete@fpce.up.pt; mjrf123@gmail.com
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Nesta comunicação parte-se de conhecimentos de âmbito internacional sobre
o fenómeno das explicações em educação porém acrescenta-se a especificidade
de uma outra abordagem centrada na relação dos jovens e do explicador, com
enfoque especial sobre o aprender e explicar ciências fora do contexto escolar.
Começa-se então, por problematizar o desencanto e a fuga que as disciplinas de
matemática, física e química geram nos jovens, ao longo do seu percurso escolar,
procurando sistematicamente ajudas ao nível das explicações para a compreensão
dos conteúdos e para a melhoria dos resultados escolares mas fora da escola.
Afinal o que é ser explicador em ensino de ciências? Neste âmbito e para este
trabalho trazemos o recorte das entrevistas de discussão focalizada realizadas com
o explicador e os jovens no contexto doméstico das explicações.
Na compreensão do decurso deste processo de ensino - aprendizagem
podemos afirmar que o Explicador atua no espaço de interação que é mediado
entre os saberes e a relação de ajuda e a confiança mútua que se estabelecem
entre os intervenientes na explicação nomeadamente, através da qualidade da
comunicação e da relação entre explicador e explicandos. Ao (re)conhecermos
diferentes práticas e interações educativas temos como objetivo conseguir
melhorar o trabalho escolar, através do olhar o ensino das ciências para uma maior
equidade e justiça educativa no meio escolar.
Palavras-chave: Ensino das Ciências, Aprender e Explicar Ciências, Equidade na
Escola

INTRODUÇÃO
Esta comunicação pretende alargar o debate em torno do ensino das ciências
na atualidade ao propor olhar o desafio de ensinar ciências, através da partilha de
um conjunto de preocupações, dinâmicas e dispositivos em desenvolvimento no
contexto português, no âmbito de uma equipa envolvida na área de investigação
dos estudos sobre escolas e juventudes. Neste meandro de interesses em
investigação surgiu a pesquisa em curso intitulada “Ciências Fora Escola” (CFE)30
em desenvolvimento no Norte de Portugal, com o propósito de atingir as seguintes

30. Trata-se de um projeto em curso que reúne um pequeno grupo de investigadores com práticas e
saberes diversificados, mas interesses em comum em torno das pedagogias e o desafio do ensino das
ciências. Tem ainda a particularidade de incluir na equipa dois jovens estudantes do ensino secundário.

273
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

vertentes de conhecimento, o aprender ciências fora e dentro da escola, o


compreender a relação entre o trinómio: ensinar, explicar e aprender ciências,
identificar modos de trabalho pedagógico no ato de ensinar, analisar a relação
que se estabelece entre quem ensina e a aprendizagem dos jovens, reconhecer
pedagogias e relações entre saberes científicos e profissionais.
Não obstante, neste texto partimos com preocupações de reconhecimento
do ensino das ciências para uma maior equidade e justiça educativa no meio
escolar. E com o cuidado de identificar práticas e lógicas de ação com sentido para
políticas de desenvolvimento e cooperação onde o local emerge no compromisso
de dignidade e respeito para e com as pessoas. Nesta rede de análise, queremos
compreender como melhor aprendem ciências os estudantes do secundário, qual
o papel e a importância daqueles que lhes ensinam ou explicam ciências. O que
fazem para serem melhores alunos e tirarem boas notas. E afinal por que procuram
os jovens explicações nesta áreas? Sobre estas questões reconhecemos que há
vários estudos em pedagogia mas na generalidade não escutam a perspetiva
dos jovens. O principal objetivo consiste então, em compreender e melhorar
o trabalho escolar, através do olhar o ensino das ciências para a aprendizagem
e a equidade, e assim contribuir para uma maior justiça em educação.Com este
intuito o projeto começou por identificar num pequeno concelho de Portugal, um
grupo de jovens explicandos de três educadores cuja única atividade profissional
e há mais de 20 anos consiste em ensinar ciências em contexto familiar. Nesta
particularidade também se diferencia o estudo na singularidade de conhecer o
ato ou a atividade profissionalde explicadores em contextos domésticos, numa
recolha de informação das suas perceções que se aproxima dos estudos de cariz
narrativo biográfico.
Neste desenho de investigação o projeto iniciou a sua primeira fase de recolha
de informação e consentimento informado para a participação no estudo.
Subjacente a esta investigação está uma metodologia de cariz compreensivo,
que mobiliza essencialmente, uma recolha de informação através da análise
de diversos documentos como relatórios, cadernos diários, fichas de trabalho,
exercícios realizados, entre outros tipos de testemunhos. Os principais métodos
de recolha de dados assumem-se e organizam-se através da técnica de entrevistas
em grupo de discussão focalizada, em entrevistas semi-estruturadas e na aplicação

274
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de um inquérito por questionário aos jovens que frequentam e ou frequentaram


estas explicações. Espera-se conseguir recolher faseadamente o diverso material
e de modo idêntico em cada caso. Os principais procedimentos de análise
consistem na análise de conteúdo, crítica e interpretativa, das diversas entrevistas
e de testemunhos do professor/explicador, e dos/as alunos/as explicandos/as.
Pretende-se ainda proceder numa fase final à observação no contexto em que
decorre a atividade. Da diversidade do material recolhido e analisado intensifica-
se o nosso enfoque nos dados que nos permitam analisar as diversas interações,
entre alunos, e explicador/explicandos, com particular interesse neste grupo
específico de jovens explicandos. Este cuidado com a palavra dos jovens tem a
pretensão de compreender a dinâmica educativa relacional vivida por estes com
o objetivo de ilustrar e identificar outras práticas exercidas que contribuam para
o entendimento da relação pedagógica e educativa através de outras realizações
bem-sucedidas. Neste sentido a comunicação que apresentamos traz um singelo
recorte desta investigação, apresentando os dados do primeiro momento e
que dizem respeito ao primeiro grupo de jovens e seu educador (modo como
nos referimos ao explicador, ora como educador ora como “M”). Como vimos
referindo trata-se de uma realidade situada e precisa em que o ensino das ciências
ocorreu e ocorre num contexto de aprendizagem de proximidade, numa relação
de convivialidade e confiança desenvolvida num lugar “familiar” e entre os jovens
e o “M” que aqui representa também, nas palavras do próprio, “o rigor e o gosto de
saber e estudar ciências e a vontade de o partilhar e explicar a outros”. Assim para
este texto mobilizamos excertos da entrevista de focus grupo com 11 explicandos
sobre “Ensinar, Explicar e Aprender Ciências” realizada no início de 2015, no local
onde decorrem as explicações, o inquérito por questionário recolhido a amostra
de 30 jovens explicandos e a narrativa biográfica do educador.
Neste enredo o texto aqui apresentado está estruturado em duas partes e
considerações finais. Na primeira parte tenta-se explorar o trinómio entre ensinar,
explicar e aprender ciências e na segunda averigua-se sobre a relação dos jovens
com o estudo e os educadores com o intuito de se compreenderem outros olhares
no ensino das ciências.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RELAÇÃO ENTRE ENSINAR, EXPLICAR E APRENDER CIÊNCIAS


Para uma melhor compreensão desta relação entre o ensinar, o explicar e
aprender necessitamos de esclarecer o nosso entendimento sobre a relação
pedagógica enquanto arquétipo das relações humanas. Em trabalhos anteriores
(Ferreira, 2004, 2012) temos vindo a defender, com outros autores, de que a
relação educativa, enquanto um tipo de relação interpessoal, pode ser entendida
como um “conjunto de relações sociais que se estabelecem entre o Educador e
aqueles que educa […] relações essas, que possuem características cognitivas e
afetivas identificáveis, que têm um desenvolvimento e vivem uma história” (Postic,
2007: 27). Normalmente neste tipo de relação assiste-se a uma predominância
da dimensão de afeto. Neste âmbito seguimos Ribeiro (1992), e salientamos nas
relações educativas o discurso da relação intereducativa. Nesta visão e na relação
de intereducação, o educando assume-se enquanto agente da sua educação.
Assiste-se a uma educação co-partilhada entre o educador e o agente. A dimensão
de ajuda poderá ser mais visível neste tipo de relação. A relação pedagógica, por
sua vez, constitui-se como um tipo particular de relação educativa e “ […] torna-se
educativa quando, em vez de se reduzir à transmissão do saber, compromete dois
seres num encontro onde cada um ao descobrir o outro se reconhece a si próprio
[…]” (Postic, 2007:13).
Partilhámos ainda e com outros autores, a ideia de que ensinar não é uma
atividade qualquer antes sim, é uma atividade complexa, reflexiva, exigente e
de especificidade humana e relacional (Bordieu, Schon, Tardif, Perrenoud, entre
muitos outros). Neste sentido, foram definidos para esta discussão focal, os
seguintes objetivos: Identificar processos de ensino das ciências; Reconhecer
modos de ensinar e de explicar e perceber possíveis diferenças ou regularidades;
Compreender a relação entre o ensinar e explicar ciências; Conhecer a palavra
dos jovens sobre o modo de aprender ciências; Saber as razões que os jovens
evocam para a decisão de recorrer a explicações; Reconhecer o erro como modo
de aprender; Conhecer razões de aprendizagem.
Segundo Perrenoud, “ Na verdade, o saber raramente é dissociado da pessoa
que o encarna e sabemos bem que um bom professor pode tornar prazerosos até
mesmo saberes ingratos.” (2001:79).

276
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Não obstante, o contrário também se verifica e os jovens na discussão focalizada


começam por fazer várias comparações entre os professores em geral e acabam
por se concentrarem nalgumas críticas, nas suas palavras: “O Professor tem os seus
alunos preferidos, os que são mais atentos nas aulas e os que têm as melhores
notas […]”. Ainda a este propósito insistem que em geral na escola os professores
revelam falta de acolhimento e de disponibilidade, para as suas dúvidas e dilemas
no âmbito da aprendizagem da matéria dada. E como se pode identificar os jovens
mencionam até que alguns dos professores não só não esclarecem as dúvidas,
como fazem juízos de valor depreciativos sobre o tipo de dúvida e sobre o aluno
que a coloca, deixando-os não só tristes como desmotivados para a continuação
do estudo empenhado da matéria em causa. Ao falarem dos professores da
escola continuam num discurso incisivo e de reconhecimento de que estes não
manifestam qualquer solidariedade com as dificuldades dos alunos, afirmando
vários dos jovens:
“O Professor dá a matéria para aqueles que são melhores, nunca vem à nossa
beira. Somos muitos alunos na turma e ele não tem tempo só para nós, os que
temos mais dificuldades”.
Este discurso aparece no focus grupo referido primeiro pelos alunos com
piores resultados mas totalmente corroborado pelos 11 participantes, raramente
salvaguardado numa referência à extensão e cumprimento do programa e à
ocupação devida ao diferenciado e elevado número de alunos na sala de aula (30).
No entanto, as suas expressões vão de encontro ao que nos relata Perrenoud de
que “ O Professor sempre está tão ocupado, correndo de um lado para o outro,
que não pode interessar-se de forma séria e profunda por ninguém em particular.”
(2001: 85). Porém, passam a comparar a realidade escolar ao contexto de
explicação, a verdade da dúvida não esclarecida na aula, ou até aquela que surge
no decorrer da explicação é abordada de forma diferente pelo explicador. Nesse
sentido, referem-se do seguinte modo:
“Somos muito menos alunos na explicação e o “M” fala com cada um de nós e
tira-nos a dúvida. Explica-nos várias vezes, até sermos capazes de entender […]
não está preocupado com o tempo […] Explica-nos de uma forma diferente, mais
simples do que aquela que nos é ensinada na sala de aula […] Cada aluno tem a sua
forma própria de aprender”.

277
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Os jovens sobre o explicador (a quem se referem em uníssono pelo nome próprio


- “M”) reforçam a ideia de disponibilidade para escutar o aluno, e o facto de não
fazer qualquer tipo de juízo de valor sobre a dúvida e muito menos sobre o próprio.
Realçando que procura enquadrar a dúvida no contexto teórico em que ela surge,
adota uma linguagem simples, mas cientificamente rigorosa. Desmonta de forma
clara e sequenciada, todas as etapas que constituem a resolução do exercício em
análise, como afirmam: “O ‘M` divide a resolução de exercício em vários passos e
explica cada um deles e, se nós não percebemos um deles, ele explica-o com mais
tempo e de uma forma simples para percebermos e recorrendo a várias formas”.
Salientando ainda, de que tem o cuidado de verificar no final se o aluno ficou
esclarecido e sugere a resolução de alguns exercícios para confirmação: “ Depois
de nos explicar a matéria no quadro, dá-nos logo exercícios para fazermos e assim
nós já sistematizamos tudo”. Caso contrário, tenta explicar de forma diferente,
ainda que subordinado ao rigor científico exigido, com o mesmo objetivo. Repete o
processo, tentando ser mais criativo, até que o aluno fique esclarecido.
Sintetizando os jovens/explicandos referiram que o “M”/explicador aborda o
exercício de uma maneira diferente, desmonta todos os passos que compõem a
resolução do mesmo e, ficam não só a entender, como a ter uma outra ideia do
assunto, mais simples e mais aliciante.
Neste caso reconhecem no Explicador uma atitude diferente e em sentido
contrário à do Professor. O Explicador manifesta disponibilidades para todos,
independentemente das capacidades de cada um, procura sempre que solicitado
pelo aluno, ou mesmo por sua iniciativa, um diálogo de trabalho individual com cada
um, mesmo que seja numa explicação em grupo. Deste modo, tenta responder às
necessidades e expetativas de cada um dos alunos, tendo o cuidado de os colocar
em igualdade de acesso à sua atenção, ao mesmo tempo que diferencia a forma de
abordar o conceito e a dúvida em função do perfil do aluno em causa. Todos são
iguais na sua dimensão de jovens alunos perante o explicador, mas diferentes na
forma de trabalho com o propósito de responder eficazmente a cada um de forma
individual.
Os alunos revelaram apenas de forma objetiva as razões que os levaram a
recorrer a explicações, enunciando a procura de melhor entenderem a matéria

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

dada nas aulas e melhorarem o seu aproveitamento nessas disciplinas traduzido na


subida das respetivas notas: “Vim para explicação para melhorar as médias, eu vim
para subir as notas”. Outros referiram que a primeira razão para terem explicações
se deve ao facto de não serem capazes de estudar de forma individual e autónoma
estas disciplinas:
“Em casa não estudo, perco-me […] Eu em casa não me concentro […] E eu não
tenho em casa um bom método de estudo e os meus pais optaram por me pôr
em explicações a estas disciplinas […] Eu em casa pego num livro, mas se vir uma
mosca, distraio-me logo!”
Outros mencionaram recorrer às explicações como forma de complementarem
o que aprendem nas aulas para melhor assimilarem o que estudam: “Nós aqui
com o “M” aprendemos melhor pois assim completamos melhor o que damos nas
aulas”.Não obstante consideramos com Perrenoud de que “ Para que um problema
inédito seja fonte de renovação e gratificação, é preciso estar pronto para acolhê-lo
e tratá-lo com curiosidade e seriedade. Em uma sala de aula, se os olhos estiverem
bem abertos, não faltam desafios.” (ibidem: 84, 85).

INDAGAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE JOVENS E EXPLICADOR


De salientar que a revisão da literatura permite-nos considerar o fenómeno
das explicações em várias dimensões como nos alerta Costa “ As explicações
(aulas particulares ou private tutoring, na terminologia inglesa) constituem um
fenómeno de globalização crescente, cujas dimensões económico-financeiras,
políticas, pedagógicas e de equidade na construção da escola de qualidade estão
longe da análise e reflexão suficientemente sustentadas.” (Costa, 2007:1). Neste
trabalho o autor apresenta um conjunto de palavras-chave tais como: mercado
das explicações, sucesso e herdeiros que não encontramos, nem subtilmente, no
encontro com o grupo de jovens que escutamos.
Em vez de exporem “[…] a face oculta deste tipo de estratégias privadas utilizadas
por alguns alunos (os novos “herdeiros”) como vantagem competitiva no seu
sucesso académico” (Costa, 2007:1). Manifestaram antes a confiança no Explicador,
resultante da relação de trabalho que com ele iniciaram e que se renova em cada
dia de trabalho face às dificuldades e desafios que o ato de estudar para melhor

279
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

aprender suscita e exige. Percebe-se que foram livres na opção que tomaram ao
escolherem aquele explicador, sendo o critério de escolha o testemunho de outros
colegas e familiares que são ou foram seus explicandos:
“Nós viemos para as explicações dele porque os meus pais já o conheciam e o
meu irmão mais velho, que agora está na Universidade já foi explicando dele […]”
ou ainda dizem: “Foi a minha colega que me sugeriu este explicador, ela disse-me
que poderia ser bom para mim face ao meu perfil de aluno […]” e “Soubemos do
“M” pelos nossos colegas.”
A relação educativa que se estabelece ou estabeleceu de acordo com os
jovens é de natureza afetiva e de ajuda, o Explicador no decurso do processo de
aprendizagem protagonizado(a) pelo aluno(a) atua no espaço intermédio entre o
saber adquirido ou não na sala de aula e o estudo individual do próprio aluno com
vista a uma adequada assimilação dos conceitos abordados no decurso das aulas.
Evidentemente que nesta relação de trabalho educativo - Explicador/ Explicando
é imperativo que o primeiro seja portador de conhecimento científico correto
e rigoroso sobre os conteúdos programáticos que vai partilhar com o seu aluno
(explicando). O trabalho desenvolvido só pode ter sucesso, se se estabelecer uma
relação de confiança mútua entre os intervenientes na explicação. Essa relação
exige que o Explicador procure de forma cuidada avaliar as dificuldades do aluno
assim como os receios ou medos que este possui face à tarefa de trabalho que lhe
é proposta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por inúmeras e legítimas que sejam as diferentes considerações sobre o
fenómeno das Explicações, parece-nos útil, em função do que este trabalho
preliminar recolheu, acrescentar um novo olhar sobre o conceito, os protagonistas
e as consequências mais ou menos diretas que esta forma de ensino produz num
qualquer Sistema de Ensino atual.
Tendo em conta as premissas deste trabalho e a preocupação de melhor
entender o processo de aprendizagem através do que nos dizem os jovens,
podemos salientar modos de trabalho pedagógico diferenciado entre a atividade
do professor e a do explicador. O primeiro desenvolve uma prática contextualizada

280
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

numa organização educativa e trabalha com um grupo-turma, estimula o aluno


para o conhecimento sendo um “semeador de matéria”, socorre-se de vários
exercícios para explicitar os conteúdos programáticos e concretiza a avaliação de
conhecimentos e competências dos alunos. Por sua vez, neste caso o explicador
age num contexto informal, num espaço adequado de uma casa de família e
trabalha com o jovem em proximidade, durante um tempo reduzido de ação mas
livre de constrangimentos organizacionais escolares e tendo particular atenção em
estimular os jovens para o saber e o estudo, desenvolvendo a sua prática numa
multiplicidade de exemplos e de exercícios até à dissipação do erro ou da dúvida e
portanto antecipa e prepara os estudantes numa dinâmica prática individualizada
e centrada no estudante e para a resolução de exercícios. Os alunos escutados
insistem numa abordagem positiva, e voltada para a prática e resolução de
exercícios sustentada numa relação de confiança totalmente transparente que
têm com o explicador, a quem reconhecem uma competência que surge no e do
decorrer do trabalho desenvolvido.
No que diz respeito ao perfil também complementar que as explicações
assumem perante os alunos escutados, destaca-se a função de esclarecer as
dúvidas provenientes da matéria lecionada nas aulas e do parco estudo individual
que muitos deles fazem, mesmo às disciplinas que têm explicações, o que reforça
a ideia da urgência de uma “Educação para a compreensão” (Morin, 1999: 19).
A terminar, esta realidade de ensinar e explicar fora da escola, ao nível das
indagações sobre a relação entre jovens e explicador, pode-se concluir da
necessidade de um outro olhar sobre esta realidade presente nos diferentes
sistemas de ensino de diferentes países com desenvolvimentos e posições, à escala
global, distintas. O olhar o ensino das ciências implica reconhecer o que dizem
os jovens sobre o aprender e o aprender com o erro e sobre as dificuldades de
estudar autonomamente quer na escola quer em casa. Neste âmbito, consideram
que as explicações são uma forma de estudo que os ajuda a melhorar os seus
resultados nos testes e exames, os alunos foram também capazes de acrescentar
que é na explicação que analisam juntamente com o seu explicador de forma mais
detalhada o seu desempenho nas provas de avaliação que realizaram. Para estes
jovens, o trabalho escolar em ciências (o estudo e a aprendizagem) ganham um
outro sentido quando são mediados pelo educador principalmente, através da

281
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

relação de ajuda mútua e confiança recíproca que se estabelece entre os jovens e


o educador em contextos de proximidade e tolerância.
Decerto surge-nos no desenvolvimento e no argumento deste trabalho a
convicção de que mais do que a construção identitária do ofício de ensinar
enquanto professor ou explicador encontramos o ofício comum do Educador e as
singularidades do ofício de ser aluno de ciências entre a urgência de ajuda para
atingir os mínimos resultados ou o máximo de sucesso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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vantagem  competitiva no mercado educativo: os ‘novos herdeiros’ e as
estratégias privadas  de sucesso público.” Comunicação apresentada no XXIII
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todos, Porto Alegre, Brasil, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 11 a 14
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FERREIRA, Elisabete (2004). “A autonomia da Escola Pública: A Lenda da Estátua
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282
ESTUDO EXPLORATÓRIO DAS DIFICULDADES
ENCONTRADAS NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
EM MATEMÁTICA, POR ALUNOS DO 6º ANO DE
ESCOLARIDADE

Maria André Trindade


Instituto Universitário de Educação
matrindade69@gmail.com
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RESUMO
Perante as recorrentes dificuldades na resolução de problemas em Matemática,
apresentadas pelos alunos do ensino básico, a autora desenhou um estudo
exploratório, com vista a esboçar o fundamento científico para as dificuldades
encontradas. Trabalhando com alunos do 6º ano de escolaridade de uma escola
básica, da Praia, a autora considerou a idade, o género, o Q.I., o aproveitamento
escolar e a compreensão leitora dos alunos como variáveis intervenientes nos
resultados, assim como o professor, a heterogeneidade da turma, o clima da sala de
aula e a atitude dos pais desses alunos, face ao sucesso escolar em Matemática. O
estudo ainda decorre, mas dos resultados encontrados, parece emergir uma forte
correlação entre a compreensão leitora e as dificuldades na resolução de problemas.
Palavras-chave: resolução de problemas; dificuldades de aprendizagem;
compreensão leitora; bilinguismo.

INTRODUÇÃO
A descolonização de Cabo Verde fez emergir o uso do crioulo como língua
alternativa à língua do colonizador, a qual passou a ser considerada como a língua
oficial. Sem entrar em considerações de ordem linguística sobre se o crioulo é, ou
não, uma língua no sentido estrito e rigoroso que os linguistas perseguem – que
para mim, enquanto formadora de professores de Matemática, é um assunto lateral
– dei-me conta, nas minhas práticas profissionais, que muitas vezes os estudantes
parecem ter dificuldades em compreender o sentido exacto das palavras, quando
questionados em português. Essa dificuldade parece apresentar um cunho
transversal, pois tanto se manifesta nos alunos com bom aproveitamento escolar,
como naqueles que apresentam um aproveitamento mais fraco. Ora acontece
que, muitas vezes, os problemas são colocados no âmbito da aprendizagem em
Matemática, utilizando a língua oficial, quer sob a forma escrita, quer sob a forma
oral. Tal facto pode colocar questões de compreensão leitora aos alunos que, ou
por incapacidade de raciocinar na língua oficial, ou de compreendê-la ou, ainda,
por uma qualquer outra razão, se sentem confusos e incapazes de encontrar a
resposta para as questões levantadas.

284
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Tal como o código escrito, a Matemática não é um sistema sobre-humano,


mas algo criado pelos homens, tanto pelos que viveram antes de nós como,
certamente, pelos que virão depois. A maioria dos autores com investigação
nesta área considera que o conhecimento objectivo da Matemática é social,
consequentemente não se destina a ser contido em textos ou outros materiais
gravados. Esse conhecimento reside nas regras, convenções e representações
partilhadas pelos membros individuais da sociedade, bem como nas interacções
entre eles e, consequentemente, entre as instituições sociais.
A criança apropria-se da Matemática como linguagem escrita, pela aquisição
gradual do domínio de redes complexas de conceitos, símbolos e termos. Contudo,
não chega à escola num estado de absoluta ignorância, pelo que não é possível levar
o aluno a receber a cópia de um facto que o professor possui. A aprendizagem não
pode, assim, ser encarada duma forma simplista, na medida em que cada aluno
captará conhecimentos ligeiramente diferentes dos de outros, dado que, no início
da escolaridade, os seus conhecimentos e capacidades eram diferentes tanto em
quantidade como em qualidade (Fleishener, 1983).
Sabe-se que o processo de aprendizagem da aritmética e da língua escrita são
semelhantes. A tarefa inicial que o jovem aprendiz tem que desempenhar no
primeiro caso envolve a aquisição de factos básicos de aritmética (Kaye et al.,
1986). O processo de aquisição caracteriza-se por uma transição de estratégias, de
procedimentos reconstrutivo para uma crescente memorização e automatização
de factos aritméticos.
O aprendiz em aritmética apoia-se, inicialmente, em estratégias de processamento
para resolver problemas (Nesher, 1986; Goldman et al., 1988), mas com a idade e
o aumento da competência, passa a usar a retenção directa de factos aritméticos
frequentes, continuando a usar estratégias de processamento, mas apenas a fim
de obter factos de baixa frequência (Cooney et al., 1988).
A aprendizagem parece revestir-se, mais de uma mudança a nível do conjunto
de estratégias utilizadas pelo aprendiz, do que de uma transição abrupta de tipo
de estratégia, ou seja, o abandono de estratégias consideradas menos eficazes
para outras mais eficazes. Parece, pois, haver uma transição de estratégias de
processamento para a retenção automática de factos aritméticos.

285
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

O estudo das dificuldades de aprendizagem em aritmética tem abordado a


questão de confronto de padrões de desempenho das crianças com dificuldades em
aritmética e crianças com um desempenho normal a esse nível, a fim de procurar
saber se se trata de uma diferença qualitativa ou quantitativa, o que pretende
lançar alguma luz sobre a origem do problema ou seja, se se trata de atraso ou de
défice. Alguns investigadores (Geary & Brown, 1991; Geary et al, 1991) consideram
que se trata de um atraso, ou seja, que as crianças com dificuldades em aritmética
se caracterizam por possuírem um conjunto menos maduro de estratégias do que
as crianças com desempenhos normais, da mesma idade.
Não há ainda consenso relativamente à classificação e atribuição causal das
dificuldades que a maioria das crianças encontra em Matemática. O atraso
apresentado ao longo do percurso sequencial normal da aquisição de estratégias
poderá ser de natureza qualitativa ou quantitativa, mas não se sabe ainda com
exactidão, nem o tipo nem as razões para esse atraso (Cummins, 1991).
Inicialmente, a maioria das investigações sobre as dificuldades em Matemática
não se tem baseava na análise dos subprocessos implicados no desempenho
de tarefas relativamente simples, tais como, por exemplo, a adição de dígitos.
Recentemente, contudo, a investigação nesse campo passou para uma abordagem
que privilegia a análise dos skills que constituem o processamento matemático,
para identificação do subprocesso responsável pela dificuldade em causa (Kirby
et al., 1988). Reconhece-se também que as inúmeras dificuldades que as crianças
evidenciam em Matemática correspondem ao tipo de cálculo que lhes é solicitado,
ou seja, o tipo de problema que têm de solucionar.
Tem-se, também, procurado saber em que medida pequenas deficiências
cognitivas ao nível do pensamento simbólico, memória verbal e organização
espácio-temporal, são responsáveis pelas deficiências linguísticas da criança e
da forma como estas deficiências cognitivo-verbais têm implicações causais em
certas dificuldades no âmbito da Matemática (Stark & Montgomery, 1994).
Levine et al. (1992) verificaram que as crianças conseguem fazer cálculos em
tarefas não verbais, anteriormente à aquisição da capacidade de cálculo em tarefas
verbais. Também constataram que os grupos de crianças com dificuldades a nível
da linguagem utilizam tipos de estratégias diferentes das utilizadas por aqueles

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

que não apresentam problemas no âmbito da linguagem. Constataram também


que as crianças com limitações linguísticas contam frequentemente pelos dedos
(ou seja, utilizam os dedos para representação do número durante os cálculos) em
problemas de natureza verbal, facto que as crianças com bom domínio linguístico
não evidenciam.
Como vimos pelo que atrás abordámos, muito superficialmente, é vasto o campo
que se nos abre para o estudo das dificuldades que as nossas crianças experimentam
ao nível do processamento da linguagem Matemática. Quisemos apenas situar
este estudo, que é meramente exploratório, no campo de pesquisa em que se
integra. Com ele procuramos clarificar o problema ao nível do epifenómeno que
pode revestir o confronto entre a Língua Materna e a Língua Oficial de Cabo Verde
dado que, para além das dificuldades genéricas em Matemática, ou seja, as que
normalmente os jovens aprendizes de todos os países encontram, para os alunos
cabo-verdianos poderá haver um acréscimo de obstáculos que lhes são colocados
pela diferença entre a linguagem que trazem do meio familiar e aquela a que o
sistema educativo os obriga.

CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA RELATADA


A investigação está a decorrer em três escolas do ensino básico da cidade da Praia,
onde leccionam professores de Matemática que foram ou são nossos estudantes.
Foi-nos por eles relatada a existência de dificuldades na resolução de problemas,
sem que, aparentemente, se encontre razão específica para tal, pois tanto abrange
os «bons alunos» como aqueles que são «menos bons». Tal facto forneceu-nos a
oportunidade de investigar se existe, ou não, alguma relação entre o uso da língua
materna – o crioulo – na oralidade geral da sala de aula e o uso da língua oficial –
o português – na expressão escrita dos estudantes, quando confrontados com a
resolução de problemas em Matemática.
São objectivos deste estudo:
4. esboçar o fundamento científico para as dificuldades na resolução de
problemas em Matemática, encontradas em alunos do 6º ano de escolaridade;
5. apontar possíveis remediações para as dificuldades encontradas;
6. testar alguma, ou algumas, das medidas recomendadas.

287
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METODOLOGIA SEGUIDA
Considerando o número de alunos que apresentam dificuldades na resolução de
problemas em Matemática resolvemos realizar um estudo exploratório três escolas
do ensino básico onde nos era fácil penetrar, não só porque se situa na mesma
cidade em que habitamos, mas também porque conhecíamos pessoalmente a(s)
professora(s) de Matemática do 6º ano de escolaridade.
A nossa hipótese de trabalho radica no bilinguismo. Na verdade, o facto de a
língua materna se sobrepor ao uso escolar da língua oficial tem como consequência
uma aparente falta de domínio da língua portuguesa, o que pode provocar uma má
compreensão dos enunciados dos problemas e, consequentemente, o insucesso
no encontrar de soluções correctas para os problemas propostos. Assim, depois de
contabilizar os alunos que apresentavam dificuldades na resolução de problemas
no universo do estudo, considerámos três categorias de variáveis: As referentes
aos alunos, ao contexto de sala de aula e aos pais e encarregados de educação. No
primeiro caso, considerámos: a idade, o género, o Q.I., e a compreensão leitora; no
segundo caso, considerámos: o professor, a heterogeneidade da turma31 e o clima
da sala de aula; finalmente, no terceiro caso, considerámos: a atitude dos pais face
ao sucesso escolar em Matemática.
Na caracterização do universo do estudo, utilizámos as variáveis da idade e de
género. A «compreensão leitora» foi medida de duas formas distintas: através
da aplicação da bateria de testes NARA32II e da resolução de um exercício, que
implicava: a) para traduzir em linguagem Matemática uma determinada expressão
oral33; b) para escrever o raciocínio usado na resolução de um problema34. O «Q.I.»
foi medido através da aplicação das Matrizes Progressivas de Raven. Na variável
«Professor» apenas o uso que diz fazer do crioulo caboverdiano em sala de aula.
O «clima de sala de aula» foi caracterizado pelas interacções aluno-professor,
professor-aluno e aluno-aluno. Finalmente, a variável «a atitude dos pais face ao

31. Não considerámos o tamanho da turma por se tratar de um estudo exploratório e por o universo
do estudo ser demasiado pequeno
32. Neale Analysis of Reading Ability;

33. Expressão numérica do tipo


34.  Através de palavras e/ou esquemas ou representações

288
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

sucesso escolar em Matemática» dos seus educandos, foi medida através de um


pequeno questionário distribuído aos mesmos. Contudo, dado que apenas 2% dos
questionários foram respondidos, tivemos que deixar cair esta variável.
O procedimento experimental seguido consistiu no ditado de dois problemas e a
distribuição da descrição de uma situação para a qual os alunos tinham de procurar
a solução através de cálculos simples. Neste último caso, foi pedido aos alunos que
apresentassem o seu raciocínio para encontrar a solução.

IMPLEMENTAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
O trabalho experimental decorreu numa escola de ensino básico da cidade da
Praia, abrangendo todos os alunos que frequentam o 6º ano de escolaridade.
Como referimos havia que considerar três categorias de variáveis: as referentes
aos alunos, ao contexto de sala de aula e aos pais/encarregados de educação.
Começando pela última, constatamos não ser possível avançar ainda qualquer
conclusão dado que o número de questionários recolhidos é ainda muito
reduzido (2%).
Relativamente ao clima de sala de aula resolvemos abandonar o
aprofundamento dessa análise dado que a metodologia adoptada (expositiva)
e o tipo de interacções resultantes se verificaram idênticos nas situações em
causa pelo que não havia lugar a qualquer juízo divergente. Talvez quando o
número de docentes do estudo aumentar, encontremos ângulos e manifestações
susceptíveis de uma análise mais focalizada.
Este estudo exploratório deteve-se apenas no estudo da variável referente aos
alunos, cujos resultados apreciamos a seguir.

RESULTADOS
A investigação a que nos propusemos ainda está a decorrer visto que esta é
apenas a parte exploratória de um projecto mais ambicioso que continuaremos a
desenvolver. Este facto explica o número reduzido dos dados recolhidos, o que não
nos permite, para já, um tratamento estatístico mais poderoso.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Dito isto, e no que respeita aos dados recolhidos sobre os sujeitos deste estudo,
constatámos a existência de uma uniformização em termos de idade que nos levou
a descartar este item.
Quanto ao género, não encontramos qualquer pista para a problemática do
bilinguismo, dado que a investigação disponível sugere que, no processamento
da linguagem escrita, o desempenho dos rapazes e das raparigas não difere
significativamente, excepto na velocidade desse processamento e, isto, apenas no
1º ano de escolaridade35.
Quanto às outras categorias a considerar na variável referente aos alunos, elas
revelam alguns aspectos com interesse que iremos partilhar convosco.
Em primeiro lugar a medição do nível de inteligência geral através das Matrizes
Progressivas de Raven, permitiu-nos acautelar que os sujeitos desta amostra
se apresentavam dentro dos parâmetros da normalidade. Pretendemos ainda
estabelecer correlações entre as três séries (A, Ab e B) das Matrizes e as operações
cognitivas inerentes às tarefas exigidas pela resolução de problemas de Matemática.
A capacidade de compreensão foi medida através da Neale Analysis of Reading
Ability- second, traduzida e adaptada à língua portuguesa por Trindade (1998).
Apesar do seu reduzido número, os resultados já apurados parecem apontar
para uma forte correlação entre a compreensão e a resolução de problemas em
Matemática, para os alunos observados.
Tudo aponta para um forte significado estatístico nas correlações entre os
resultados do teste de compreensão leitora, por um lado e, por outro, o de resolução
de problemas apresentados na forma escrita utilizando a língua oficial.
Foi também possível identificar algumas das dificuldades de aprendizagem em
Matemática que oportunamente iremos relacionar com os níveis de processamento
linguístico na língua materna e na língua oficial das crianças que observámos.
Dá-se um passo na confirmação da ligação estreita entre a compreensão leitora e a
resolução de problemas. Esta última, contudo, merece uma atenção mais detalhada,
na medida em que as relações detectadas deixam ainda algumas dúvidas que iremos

35. British Journal of Educational Psychology, 56/1986

290
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

colmatar através da análise mais fina dos resultados do teste de inteligência geral,
como atrás referimos.
Através do cruzamento de variáveis iremos perceber o sentido do emparelhamento
das tarefas constantes das duas áreas de conhecimento (Língua Portuguesa e
Matemática) no ciclo de escolaridade em estudo. Mas parece, desde já, perceptível
a relação significativamente relevante entre o processamento do português escrito
e oral e a resolução de problemas matemáticos.
Caso nos seja possível introduzir neste estudo uma metodologia experimental, talvez
possamos comprovar se a instrução em certos skills específicos do processamento
da informação na língua escrita oficial de Cabo Verde, ajuda a superar as dificuldades
em Matemática, principalmente, ao nível da resolução de problemas escritos.
É todo um campo de pesquisa extremamente relevante cientificamente e
socialmente útil aquele que se nos oferece no horizonte próximo.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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Geary, D. C. & Brown, S. C. (1991). Cognitive addition: Strategy choice and speed of
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Goldman, S. R., Pellegrino, J. W., & Mertz, D.,L. (1988). Extended practise of basic
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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

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Kirby, J.R. & Becker, L.D. (1988). Cognitive component of learning problems in
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Trindade, Mª. André (2002). Dificuldades de Aprendizagem em Matemática: uma
resenha descritiva. Évora: Publicação da Universidade de Évora.
Trindade, Mª André (2004). As relações entre a atitude dos alunos face à disciplina de
Matemática e o seu nível de literacia Matemática: caracterização e contributo
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Trindade, Mª.N. (1998) – A Consciência Sintáctica na Aprendizagem da Leitura:
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Tuckman, Bruce W. (200) Manual de Investigação em Educação. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian.
Van Dalen, D.B. & Meyer, W.J. (1992) Manual de técnica de la investigación
educacional; México. Editorial Paidós.

292
GEOGEBRA NA DESCOBERTA DE
POTENCIALIDADES COGNITIVAS DE PROBLEMAS
GEOMÉTRICOS

Natália Victorovna Kôrmysheva Dias Furtado; Tetyana Victorovna Kôrmysheva


Mendes Gonçalves
Universidade de Cabo Verde
natalia.furtado@docente.unicv.edu.cv; tetyana.goncalves@docente.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
O Software GeoGebra é um instrumento moderno e inovador no processo
ensino-aprendizagem ao nível do ensino secundário. Permite colocar ênfase no
professor, no seu desenvolvimento criativo na produção de “novos” problemas.
Esta ferramenta é hoje indispensável no trabalho diário do professor e pode ser
aplicada conforme os objetivos, entre os quais: resolução, análise e descoberta
de potencialidades cognitivas de problemas, por meio da construção de figuras
geométricas, que satisfazem às exigências textuais/enunciado, com base em
definições, axiomas e teoremas convenientes. Trata-se de uma pesquisa alicerçada
na vasta experiência de elaboração de provas das Olimpíadas Nacionais de
Matemática (desde o ano 2000), com o envolvimento dos docentes do ensino
secundário e do ensino superior.
Palavras-chave: geometria, software geométrico GeoGebra, potencialidades
cognitivas de problemas.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho, de carater qualitativo, é uma pesquisa alicerçada: 1) na vasta
experiência de elaboração de provas das Olimpíadas Nacionais de Matemática
(desde o ano 2000); 2) na experiência de formação contínua de professores ao
nível do Ensino Secundário (2009 – 2011), no âmbito do projeto “EDULINK”
– Qualificação de professores em países Lusófonos, com o envolvimento de 20
(vinte) docentes do ensino secundário, na qualidade de formandos; 3) e bem assim,
nos vinte e cinco anos de experiência letiva, adquirida ao nivel do ensino superior,
enquanto formadoras.
Segundo a investigadora, RODRIGUES (2012: 2):
‘O professor pesquisador de sua própria prática alia investigação e ensino: em
face de um problema didático, submete-o a exame crítico, resolve-o da melhor
maneira possível e divulga sua solução. Este trabalho beneficia o próprio
professor e os alunos, gera conhecimento e desenvolve a cultura profissional da
comunidade de referência’.

É nesse contexto que são abordados, na presente investigação, os conceitos


básicos do tema em consideração e as consequentes reflexões sobre a elaboração

294
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de material didático para as aulas e o desenvolvimento de criatividade do professor


na produção de novos desafios geométricos para os alunos.
Com efeito, de entre as diversas ferramentas pedagógicas hoje disponíveis no
“mercado”, destacam-se os Softwares Matemáticos. Nessa perspetiva, considere-
se o GeoGebra como um instrumento moderno e inovador, que propicia a
descoberta de potencialidades cognitivas de problemas geométricos, facilita a
discussão e procura de soluções e respetivas condições, tanto do ponto de vista
quantitativo, quanto qualitativo. Tal instrumento ajuda, ainda, na resolução das
questões de dificuldade superior (nível do ensino secundário – e. g., Olimpíadas
Matemáticas de Cabo Verde e da CPLP).
Por ‘POTENCIALIDADES COGNITIVAS DE PROBLEMAS’– entenda-se as
contingências a descobrir por meio de “perspetivas ou olhares diversos” sobre
tais problemas em condições alteradas. Ou seja, a capacidade de poder descobrir
aquilo que tem um problema, de modo a incitar o desenvolvimento inteletual tanto
do professor, quanto do aluno, estimulando o pensamento analítico, a criatividade
e a inovação.
Na esfera do conhecimento psico-pedagógico é usual empregar a expressão
“potencialidades cognitivas” para descrever capacidades cognitivas de crianças,
adolescentes, idosos em contexto de desenvolvimento inteletual e criativo dos
mesmos enquanto sujeitos de conhecimento. Em contraponto, é bastante raro
encontrar o uso da expressão referida a outros contextos, a outros âmbitos
ou campos de conhecimento e, muito menos, ainda, referir-se a objetos de
conhecimento.
Não obstante, a literatura especializada dá-nos conta de que, recentemente,
surgiram várias aplicações do termo em domínios, tais como: ciências sociais, onde
se discutem sobre as potencialidades cognitivas das teorias sociais; na literatura
brasileira hoje discutem-se as potencialidades cognitivas e educativas da HQ na
formação do leitor (AMARILHA, 2005); em didática de Matemática e nas TIC’s
consideram-se, por exemplo, as “potencialidades do software GeoGebra no ensino
e aprendizagem da trigonometria”, onde se exploram “as potencialidades do jogo
computacional para a apropriação/mobilização de conceitos matemáticos”.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Assim, pensando sobre o conteúdo de um problema matemático, sobre as


conexões ocultas nele existentes, avaliando o valor significativo e relativo do
mesmo no ensino-aprendizagem adota-se, na presente investigação, o conceito
“potencialidades cognitivas do problema” (PCP) para descrever, de maneira mais
holística possível, as diferentes possibilidades da sua exploração.
As PCP consubstanciam-se nas ligações ou conexões existentes entre os seus
elementos: dados, incógnitas e condicionantes. Tais conexões podem desenvolver-se
em “novos” problemas, a partir do problema inicial, preservando, na generalidade,
o seu conteúdo essencial, através de sua conjugação com novos assuntos afins. As
PCP descobrem-se durante a reflexão que se faça sobre o enunciado do problema
e uma ulterior análise detalhada do mesmo. Fazem parte desse processo, as ideias
surgidas durante a procura de soluções do problema e sua fundamentação (com
base em definições, axiomas e teoremas) que conferem alguma segurança e certeza
nas etapas de resolução transcorridas. O procedimento usual, nestes casos, consiste
na descoberta de todas as conexões entre os elementos do problema, evidenciando,
com clareza, distinção e enumeração, o q. b., todas as propriedades nele encontradas.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. CONSTRUÇÃO DUM DESENHO GEOMÉTRICO


O primeiro passo na resolução de um problema geométrico pode ser formulado,
ainda hoje, do mesmo modo como os geómetras gregos postulavam em Pappus,
quando diziam: “Admite que o necessário já foi feito”–, subentenda-se, na obra da
criação natural–, de modo que, o que resta fazer agora, é o desenho geométrico da
figura correspondente ao enunciado.
Convém, ainda, sublinhar no presente contexto, a importância da construção de
figuras geométricas, na medida em que ela tende a constituir-se em um momento
fundamental, para a compreensão e posterior resolução do problema, de tal sorte
que, postulamos: Cinquenta por cento de sucesso na resolução de um problema
geométrico é garantido, a priori, pelo seu correto desenho! Nessa primeira etapa o
Software GeoGebra facilita o trabalho tanto do professor quanto do aluno, todavia
deve ser aplicado com cuidado e preparação previa teórica.

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Razão pela qual, nesta abordagem recorremos ao GeoGebra, enquanto um


portentoso instrumento que possibilita sofisticar a representação de figuras
planas com exatidão e rigor. A dinâmica do referido Software permite observar
as alterações de caraterísticas dos elementos duma figura geométrica, servindo
assim como ponto de partida no descobrimento das potencialidades cognitivas,
formuladas em novos problemas.

1.2. QUESTÕES CONSIDERADAS.


A. QUALQUER PROBLEMA TEM POTENCIAL COGNITIVO?
Todo o problema, considerado como um desafio inteletual ou situação
desconhecida a resolver, contém potencialidades cognitivas, na medida em que
se baseie em conhecimento e provoque desenvolvimento do raciocínio lógico-
matemático. O conteúdo de um problema, representado como um texto, camufla
relações e propriedades, em que se envolvem os seus componentes. A descoberta
das conexões e caraterísticas dos elementos do problema constitui a base de
potencialidades cognitivas (que, em suma, formam o potencial cognitivo) do
mesmo. Com as descobertas realizadas no problema, abrem-se possibilidades de
se criarem “novas” situações à volta das potencialidades cognitivas do problema.
O grau de complexidade dos problemas criados varia dependentemente das
condições e exigências colocadas.

B. COMO AVALIAR O POTENCIAL COGNITIVO DE UM PROBLEMA?


Quanto mais “rico” for um problema no sentido de existência de diversas
propriedades, relações, caraterísticas entre os seus elementos, tanto maior é o
seu potencial cognitivo; pois, garante uma grande produção de um leque bastante
amplo de “novos” desafios.

C. COMO EXPLORAR AS POTENCIALIDADES COGNITIVAS DE UM


PROBLEMA?
Considerando um problema geométrico, o professor começa por apontar as
diferentes conexões existentes entre os seus componentes. Uma vez detetadas,
algumas ligações podem ser ignoradas, substituídas, parcialmente alteradas ou

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

permanecer fixas durante o processo de criação de “novas” situações. Digamos


que, o professor é o gerador das ideias, orientadas aos seus objetivos didáticos.
Se o nosso problema é complexo (caso de problemas das Olimpíadas de
Matemática), é preciso examinar detalhes ainda mais remotos. Deste modo, pode
ser necessário voltar à definição de um certo termo, introduzir novos elementos na
própria definição, aprimorar o enunciado.
Frequentemente, os problemas geométricos de nível de dificuldade superior,
propostos nas Olimpíadas Matemáticas, exigem demonstrações. Nesse caso, o
professor deve, conforme POLYA (1995), examinar as partes principais do problema,
que são a hipótese e a conclusão do teorema a demonstrar ou a refutar e, se houver
necessidade, separar as diversas partes da hipótese e analisá-las uma a uma. Nessa
etapa podem ser descobertas as potencialidades cognitivas de um problema de
demonstração que, por sua vez, permitirão formular novos problemas.
Também, as potencialidades cognitivas de um problema geométrico podem ser
reveladas alterando a conclusão e/ou as condicionantes do mesmo, mantendo
fixos os outros elementos.

1. APLICAÇÕES PRÁTICAS:
Na formação contínua de professores de matemática do ensino secundário,
realizada nas escolas secundárias: Constantino Semedo, Achada Grande e Abílio
Duarte (2009-2011) e nas sessões de resolução de problemas geométricos com
os professores responsáveis pela preparação dos alunos-olímpicos, (por docentes
equipolentes a treinadores-olímpicos, FURTADO, 2011), que envolvia os Softwares
dinâmicos: Cabri-3D e GeoGebra, notou-se a qualidade catalisadora dos últimos na
descoberta de PCP.
A título de um exemplo, descreve-se um processo de descoberta de PCP,
realizado com a ajuda de GeoGebra. Assim, pode sê-lo o problema proposto nas
Olimpíadas de Matemática de Cabo Verde (2012):
Problema N1: Numa circunferência as cordas AC e BD intersetam-se no ponto P. As
perpendiculares a AC e BD traçadas pelos pontos C e D, respetivamente, intersetam-
se no ponto Q. Mostrar que as retas que contêm AB e PQ são perpendiculares.

298
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CONSTRUÇÃO DO CORRESPONDENTE DESENHO:


A exatidão na construção das retas perpendiculares às cordas AC e BD, traçadas
pelos pontos C e D, respetivamente, está salvaguardada por GeoGebra. O
procedimento é o seguinte: escolhendo o comando Reta Perpendicular na barra de
ferramentas de GeoGebra, clica-se em cima. A seguir seleciona-se o ponto , clica-
se em cima e seleciona-se a corda , na qual será construída a reta perpendicular, e
clica-se em cima.
Analogamente, constrói-se uma perpendicular à corda (HOHENWARTER e
HOHENWARTER, 2009). Desse modo, foi utilizada a técnica, brevemente formulada:
“selecionar – clicar”. Enquanto que na construção por meio de régua e compasso
se aplicam os procedimentos significativamente diferentes (FURTADO, 2011).
Além disso, por meio da opção pode ser averiguado o valor de qualquer
ângulo selecionado no desenho, o que permite controlar a exatidão das ações
efetuadas na construção. Isso permite não só conferir os procedimentos de
construção, mas também, alterar as medidas e a posição relativa dos objetos.
Essas faculdades do Software GeoGebra desempenham um papel importante na
procura das PCP.
Assim, em conformidade com o enunciado do problema, tem-se: R=PQ∩AB.
Com o desenho correspondente ao teor do problema proposto, vem à tona os
conteúdos nele compreendidos:

299
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Nesta etapa, convém pensar sobre as questões seguintes: “Que posições relativas
entre as cordas dadas podem ocorrer? Como os comprimentos das cordas podem
influir na demonstração?” A partir de tais auto-interrogações surgem “pistas”, que
abrem portas para “novas” invenções!...

DEMONSTRAÇÃO:
7. Identificação e separação de dados: tanto daqueles de que se dispõem
como daqueles por solicitar.
Neste processo, as questões que podem inquietar o professor, entre outras, são:
“Que dados devem ser mantidos e quais podem ser alterados? Dessas alterações,
vão surgir situações mais simples ou mais complexas?”
8. Procura de ligações entre os “dados” e “solicitações” do problema,
escolha do caminho de construção do raciocínio; formulação de hipóteses a
serem testadas.
As etapas 1ª e 2ª da demonstração não dependem de meios “exteriores”
modernos (computadores e respetivos softwares) disponíveis ao professor e só se
realizam a partir de uma base sólida dos conhecimentos do mesmo.
Refletindo sobre o problema proposto, observa-se que as retas, que contêm [AB]
e [PQ], são envolvidas na construção de triângulos, cuja semelhança poderá levar à
conclusão pretendida. Logo vem a hipótese: ∆BPR~∆QPD.
Se for assim, tendo em conta que em triângulos semelhantes os ângulos
homólogos são iguais, obteríamos : (BRP) ̂=(QDP) ̂=90°, i. e. as retas que contêm
[AB] e[PQ] são perpendiculares e o objetivo será alcançado.

300
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Faz sentido demonstrar essa hipótese.


A semelhança dos referidos triângulos depende da congruência de ∠RBP e ∠ DQP.
§ A ideia surgiu do facto de que ∠ RPB≅∠QPD (como verticais). Se se provar
que ∠ RBP≅∠PQD, atinge-se o objetivo. É fácil ver que (ABD) ̂=(ACD) ̂=α
(como ângulos que se apoiam no mesmo arco (AD) ̆). Assim, o ângulo ACD é o
“elemento auxiliar”, no contexto do problema.
§ O passo decisivo é provar que ∠ ACD≅∠PQD. Realmente, os triângulos
PCQ e QDO são retângulos, segundo a condição: [AC]⊥(CQ)e[BD]⊥(DQ).
Esses triângulos têm a hipotenusa [PQ] comum. Logo, são inscritos numa
circunferência com o centro situado no ponto médio O dessa hipotenusa. Os
ângulos PCD e PQD apoiam-se no mesmo arco (PD) ̆ e por isso são iguais.
§ (ABD) ̂=(ACD) ̂=α=(PQD) ̂.
§ Sendo assim, voltando à hipótese, podemos afirmar que os triângulos BPR
e QPD são semelhantes, segundo o critério (AA): (ABD) ̂=α=(PQD) ̂, ∠
RPB≅∠QPD. Portanto, (BRP) ̂=(QDP) ̂=90°, i. e. as retas que contêm [AB]
e[PQ] são perpendiculares.
Ao concluir a resolução, é indispensável dar mais um passo – ANÁLISE DO
PROBLEMA. Esta, é efetivamente, uma oportunidade de discussão de casos de
existência ou não de soluções e da quantidade das mesmas; oportunidade de
formulação de respetivas condições e das pertinentes justificações.
É justamente nesta etapa, que a ajuda do GeoGebra se revela muito pertinente! A
partir dos desenhos construídos, a reflexão sobre o problema torna-se “mais viva”
– dinâmica e interessante, por via de maiores níveis de objetividade e interação.
Torna-se mais fácil detetar as situações que o problema inicial ocultou e, assim,
poder descobrir os casos “particulares”, “mais simples” e/ou “mais complexos” que
poderiam servir como propedêuticos ou complementares para o caso estudado.
Por exemplo, considerar a situação, alterando a condição (condicionante) do
problema proposto, exigindo que as cordas e sejam perpendiculares entre si. Com
o apoio de GeoGebra essa alteração realiza-se com facilidade! Ainda, servindo-
se dele, é possível criar “novos” desafios, a partir do mesmo problema inicial,
mantendo o “pedido”, modificar os “condicionantes” – impor, por exemplo, que
as cordas e sejam iguais. Assim, surge uma panoplia de problemas “novos”, que
contemplam as potencialidades cognitivas do problema inicial, resultando naquilo

301
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

que convencionamos chamar de potencial cognitivo do problema – PCP, enquanto


objeto da presente investigação.
Deste modo, o PCP pode resumir-se nos problemas seguintes:
1. Numa circunferência, as cordas AC e BD perpendiculares entre si, intersetam-
se no ponto P. As perpendiculares a AC e BD traçadas pelos pontos C e D,
respetivamente, intersetam-se no ponto Q. Mostrar que as retas que contêm
AB e PQ são perpendiculares.
2. Numa circunferência as cordas AC e BD, iguais , intersetam-se no ponto P.
As perpendiculares a AC e BD traçadas pelos pontos C e D, respetivamente,
intersetam-se no ponto Q. Mostrar que as retas que contêm AB e PQ são
perpendiculares.
3. Numa circunferência as cordas AC e BD perpendiculares entre si e iguais,
intersetam-se no ponto P. As perpendiculares a AC e BD traçadas pelos pontos
C e D, respetivamente, intersetam-se no ponto Q. Mostrar que as retas que
contêm AB e PQ são perpendiculares.
Ora, é concebido que existem diferentes estudos de PCP já realizados à volta de
problemas geométricos; porém, tais estudos foram feitos sem o auxílio de software
GeoGebra, de maneira que, nesta medida, o presente artigo se trata de uma
inoivação. Um dos exemplos mais notáveis é, justamente, a descoberta de PCP da
circunferência de Euler: Prove que nove pontos — pontos de Euler, pontos médios
dos lados de um triângulo e os pés de altitudes do mesmo triângulo pertencem a uma
circunferência (circunferência de Euler), onde os pontos de Euler são pontos médios
dos segmentos que unem os vértices do triângulo com o ortocentro do mesmo.
Resulta que a diversidade de problemas criados a partir do facto acima referido
é bastante ampla (KUSHNIR, 1995).
Elementos da experiência têm permitido aferir que, no processo de transmissão
de conhecimentos do professor ao aluno surgem, normalmente, as seguintes
questões: Em que focar a atenção? Como proceder? Qual é a estratégia mais
adequada? Como GeoGebra auxilia o processo de descoberta das PCP?
O software GeoGebra apoia o trabalho do professor de uma forma exemplar
na fase de criação de novos desafios. Como que numa mágica, com um clic, se
altera, num instante, o problema, permitindo detetar as possíveis combinações

302
de relações existentes entre os elementos do mesmo problema. Após criação de
um conjunto de novos desafios, o professor deve passar para a seguinte etapa:
Elaboração de uma estratégia para preparar os alunos a enfrentar os desafios de
nível de dificuldade superior. Isso pressupõe a organização do processo ensino-
aprendizagem em conformidade com o grau de dificuldade e de complexidade
dos problemas, criados por meio de PCP, ordenando-os segundo a lógica “do mais
simples ao mais complicado”.
Assim, com vista a reforçar as ideias acima expostas, vejamos agora como é que
os recursos de GeoGebra podem ser explorados na resolução de problemas não-
estandardizados de nível das Olimpíadas de Matemática da CPLP (Angola – 2014):
Problema N2: No quadrilátero convexo ABCD, sejam P e Q pontos dos lados BC
e DC, respetivamente, tais que ∠BAP=∠ DAQ. Mostre que se a linha que une os
ortocentros dos triângulos ABP e ADQ é ortogonal a AC, então as áreas desses
triângulos são iguais.

CONSTRUÇÃO DE DESENHO:

DEMONSTRAÇÃO:
∆AQ_1 H_2~∆AA_2 D (Critério AA,∡H_2 AQ_1=∡DAA_2 – comum) ⟹
AQ_1/AA_2 =(AH_2)/AD ⟹ AQ_1∙AD=AH_2∙AA_2
∆ABA_1~∆AP_1 H_1 (Critério AA,∡ABA_1=∡P_1 AH_1 – comum) ⟹
(AP_1)/(AA_1 )=(AH_1)/AB ⟹
AP_1∙AB=AH_1∙AA_1. Daí, AQ_1∙AD= AP_1∙AB.
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∆AH_1 H~∆ACA_1 (Critério AA)⟹(AH_1)/AC=AH/(AA_1 ) ⟹


AC∙AH=AH_1∙AA_1 ,
∆AH_2 H~∆AA_2 C (Critério AA)⟹AC/(AH_2 )=(AA_2)/AH ⟹
AC∙AH=AH_2∙AA_2.
Daí, AP_1∙AB= AH_1∙AA_1= AH_2∙AA_2 = AQ_1∙AD.
CÁLCULOS:
AP∙cos α ∙AB=AQ∙ cos α ∙AD ⟹AP∙AB=AQ∙AD ⟺(AP∙AB)/2 sin
α=(AQ∙AD)/2〗 sin α. Consequentemente, SAQD= SAPB.
No decorrer da demonstração, naturalmente, surgem as seguintes questões:
Se a posição dos pontos e se alterar, que pares de triângulos semelhantes ou
congruentes surgem? Se, em geral, é possível obter os triângulos congruentes?
Como as alterações de posições dos pontos referidos influem no processo de
resolução do problema? Qual das possíveis posições torna o problema mais simples?
Essas perguntas servem como um incentivo para a produção de novos problemas.
Um dos problemas, que contempla as PCP, pode ser formulado de seguinte
maneira:
No quadrilátero convexo ABCD, com os ângulos agudos/ obtusos, sejam P e Q
pontos dos lados BC e DC, respetivamente, tais que . Mostre que se a linha que une
os ortocentros dos triângulos ABP e ADQ é ortogonal a AC, então as áreas desses
triângulos são iguais.

CONCLUSÃO
As potencialidades cognitivas de um problema, descobertas no processo da
sua análise, e formuladas em problemas novos, simples ou complexos, ajudam ao
professor a ter uma visão mais sólida sobre os conteúdos, lecionados no Ensino
Secundário e aprofundados na preparação de alunos-olímpicos. O Software
GeoGebra é indispensável nesse processo, todavia, deve ser aplicado ao ensino
com a devida precaução.
Na perspetiva como foi desenvolvido este tema, o foco está centrado no
professor e no seu profissionalismo, enquanto garante principal e elo de ligação

304
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entre o aprendiz (aluno) e o problema a ser indagado. Neste contexto, o professor


deve constantemente aprofundar o seu conhecimento, estar em sintonia com as
exigências da contemporaneidade, acompanhando o desenvolvimento da ciência e
das tecnologias e da inovação. Para tanto, deve-se valorizar e priorizar, ainda mais,
os Cursos de Formação Contínua ou de Aperfeiçoamento de Professores.

BIBLIOGRAFIA:
Amarilha, M. (2005). Entre imagens e palavras: a contribuição da literatura infantil e
das histórias em quadrinhos para a educação do leitor. Educação –Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, 15º Congresso de Leitura do Brasil,
Campinas Unicamp / PUCC-Campinas (5 a 8 de Julho).
Furtado, N. (2011). Comparação entre dois procedimentos de construções
geométricas: instrumentos euclidianos e software GeoGebra. In Formação
Contínua. Textos de enquadramento e alguns exemplos de materiais. Coord.:
Lurdes Serrazina et al. Ed. Escola Superior de Educação//Instituto Politécnico
de Lisboa, (pp. 135-153).
Hohenwarter, M. e Hohenwarter, J. (2009). Ajuda GeoGebra. Manual Oficial da
Versão 3.2.. Tradução e adaptação de António Ribeiro. www.geogebra.org
Kushnir, I. (1995). Problemas seleccionados da Matemática Escolar. Volume Nº2,
“Astra”, Kiev.
Polya, G. (1995). A arte de resolver problemas: Um novo aspecto do método
matemático, tradução e adaptação de Heitor Lisboa de Araújo. 2ª. Reimpr. Rio
de Janeiro: Interciência.
Rodrigues, M. (2012). Reflexões de uma Professora iniciante sobre as potencialidades
do uso da escrita na resolução de problemas. Cadernos da Pedagogia. São
Carlos, Ano 6, V. 6 n. 11, (Julho – Dezembro), (pp. 11–21).

305
O ENSINO E APRENDIZAGEM PRÁTICA DA
GEOGRAFIA NO SUBSISTEMA DO II CICLO DO
ENSINO GERAL, NO NAMIBE - ANGOLA

Mário Abel Máquina; Fernanda Maria Veiga Gomes


Escola Superior Politécnica do Namibe; Instituto de Educação, Universidade de Lisboa
maquinaabel@hotmail.com; fm.veigagomes@ie.ul.pt
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RESUMO
Pretende-se apresentar nesta comunicação o trabalho realizado no âmbito de
uma investigação, em curso, sobre o ensino e aprendizagem prática da geografia
no subsistema do II ciclo do ensino geral, no Namibe - Angola. Com a investigação
pretende-se: identificar as causas que motivam o insucesso no processo de ensino
e aprendizagem prática da geografia, e relacionar o processo de formação de
professores de geografia com as práticas de ensino-aprendizagem implementadas,
fundamentalmente nas escolas de formação de professores do Namibe - Angola.

1. INTRODUÇÃO
Desenvolve-se nesta comunicação o trabalho realizado no âmbito de uma
investigação, em curso, sobre o ensino e aprendizagem prática da geografia no
subsistema do II ciclo do ensino geral, no Namibe- Angola. Partindo dos pressupostos
identificados no problema sobre o processo de ensino e de aprendizagem da
geografia e recorrendo a um quadro teórico centrado no campo da didática da
geografia e na teoria do currículo, os principais elementos nele integrante, como
sendo, o plano curricular, os conteúdos programáticos, o ensino realizado pelos
professores e a aprendizagem dos alunos.

2. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
O problema de investigação incide no processo de formação académica dos
alunos afectos ao subsistema do II ciclo, do ensino secundário geral. Verifica-se
que os alunos terminam o ciclo da sua formação sem aprendizagem prática do
ensino da geografia. Pois que, os mesmos deparam-se com sérias dificuldades na
caracterização e interpretação dos (fenómenos) elementos e factores geográficos
em geral, e na compreensão dos elementos do ambiente que os rodeia. Face ao
problema enunciado a presente investigação procura verificar se as razões do
insucesso dos alunos se relacionam com as características do currículo nacional,
com a falta de aprendizagem prática da geografia nas escolas, ou se estão
relacionadas com o processo de formação de professores.

307
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

3. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
Selecionamos três (3) escolas do I Ciclo do ensino secundário com uma amostra
de vinte e sete (27) alunos, numa primeira fase e seleccionados da seguinte forma:
uma escola do I ciclo do centro Urbano, uma periurbana e uma terceira do campo.
Destas seleccionaremos; Três (3) alunos da 7.ª classe, Três (3) alunos da 8.ª classe,
Três (3) alunos da 9ª classe, numa ordem qualitativa, isto é, um aluno tido como
o melhor da sala, um tido como médio e outro tido como o menos forte dos dois.
Por outro lado, trabalharemos com os professores que leccionam a geografia
nestas referidas escolas, que em número são, apenas, seis (6). Aparentemente,
é um número reduzido, mas não é, pois o referido número explica-se pelas
características lectivas e curriculares do Ciclo em causa e das horas atribuídas à
disciplina de geografia. E, por fim duas escolas do II Ciclo, também já seleccionadas,
nomeadamente: A escola weliwítschia Mirabilis do Namibe sede, e António
Agostinho Neto do Tômbwa, com a mesma metodologia selectiva atrás referida.

3.1. OS OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO


Pretende-se alcançar com esta investigação os seguintes objectivos:
4. Identificar as causas que motivam o insucesso no processo de ensino e
aprendizagem prática da geografia;
5. Explicar as razões que estão na base do insucesso de ensino e aprendizagem
prática da geografia;
6. Analisar o currículo nacional de ensino da geografia nas escolas do II ciclo do
ensino geral;
7. Relacionar o processo de formação de professores de geografia com as práticas
de ensino implementadas;

3.2. AS ESCOLAS DO 2.º CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO EM


ANÁLISE
Para a nossa investigação seleccionamos, duas das cinco escolas de formação do
II Ciclo geral, as quais passo a enumerar:
1. Escola Welwitschia Mirabilis (Namibe sede)
A escola weliwítschia Mirabilis é composta por treze (20) salas de aulas, seis
quartos de banho (WC) sendo dois para a Direcção geral, um para professores e

308
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

outro para professoras, dois para alunos, uma sala de professores, um laboratório
de Química uma sala para a coordenação, estreito Hall onde funciona a Une Angola,
uma Direção e Subdirecção Pedagógica.
2. Escola António Agostinho Neto (Tômbwa)
É uma instituição do II Ciclo do ensino geral, situa-se no município do Tômbwa,
construída de fibra cimento, é pequena, possui nove salas de aulas, funcionando
nos três turnos, isto é, manhã, tarde e noite. Em função do número de salas de
aulas, a escola possui quarenta turmas, sendo dezoito das ciências humanas, treze
de económico - jurídicas e nove das ciências físico-biológicas. Dai que na razão de
40 alunos por turma, apresenta (1.741) mil setecentos e quarenta e um alunos, e
um número de professores na ordem de 57.

3.3. MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE RECOLHA DE DADOS


Para a concretização dos nossos objectivos e recorrendo a Aires (2011),
aplicaremos um conjunto de técnicas e instrumentos, concretamente: selecção e
análise documental, elaboração de questionários e aplicação de entrevistas aos
professores de geografia que leccionam nas escolas do I Ciclo seleccionadas e nas
do II Ciclo, nomeadamente, a escola weliwítschia Mirabilis e António Agostinho
Neto, com um total de doze professores para o II Ciclo, sendo oito da weliwítschia e
quatro do Tômbwa, com um grau académico acima do bacharelato. Também estão
a realizar-se entrevistas aos alunos, num total de vinte e sete, correspondendo a
três escolas do I Ciclo e mais dezoito do II Ciclo afecto a Weliwítschia e ao Tômbwa.
Portanto, no geral está a ser aplicado entrevistas a trinta e cinco alunos, para
familiarização preliminar com o problema em estudo.

4. O SISTEMA EDUCATIVO EM ANGOLA (LEI Nº 13/2001 DE 31


DE DEZEMBRO)
Pressupondo a necessidade de educar e instruir todas as crianças em idade
escolar, reduzir o analfabetismo no seio da população e promover uma eficácia
do sistema educacional, atendendo as mudanças no sistema socio - económico,
a fim de responder aos novos desafios sociais e melhorar a gestão dos recursos
humanos, foi criado, ao abrigo da alínea b) do artigo 88º da Lei constitucional a Lei

309
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de Bases do Sistema de Educação em Angola, Lei n.º 13/2001 de 31 de Dezembro,


que no seu capítulo I, Artigo 1.º, define:
“A educação constitui um processo que visa preparar o indivíduo para as exigências
da vida política, económica e social do País e que se desenvolve na convivência
humana, no círculo familiar, nas relações de trabalho, nas instituições de ensino
e de investigação científico - técnica, nos órgãos de comunicação social, nas
organizações comunitárias, nas organizações filantrópicas e religiosas e através
de manifestações culturais e gimnodesportivas” ponto 1.
“O sistema de educação é o conjunto de estruturas e modalidades, através das
quais se realiza a educação, tendentes à formação harmoniosa e integral do
indivíduo, com vista à construção de uma sociedade livre, democrática, de paz e
progresso social”. Ponto 2.

5. A FORMAÇÃO MÉDIA DE PROFESSORES


O Governo angolano, construindo a Lei base do sistema de educação no país,
criou as condições institucionais para a verdadeira formação de professores
destinados a leccionar nos níveis iniciais, precisamente, no ensino primário e I ciclo
do secundário. Recorrendo a Lei de Bases do sistema educativo em angola, Lei
13/2001 de 31 de Dezembro, no seu Capitulo III, artigo 26.º, pontos 1) e 2), define
a formação de professores, o seguinte:
1. O subsistema de formação de professores consiste em formar docentes para
a educação pré-escolar e para o ensino geral, nomeadamente a educação
regular, a educação de adultos e a educação especial.
2. Este subsistema realiza-se após a 9.ª classe com duração de quatro anos em
escolas normais e após este em escolas e institutos superiores de ciências de
educação.
No seu artigo 28º do capítulo em referência, define a estrutura do sistema de
formação de professores, precisamente:
a. Formação média normal, realizada em escolas normais;
b. Ensino superior pedagógico realizado nos institutos e escolas superiores de
ciências de educação.

310
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6. ESTRUTURA CURRICULAR
O Currículo do II Ciclo do ensino geral é composto por:
1. Uma área de Ciências físicas e Biológicas está vocacionada para os alunos que
pretendam seguir cursos de Engenharia (Construção Civil, Mecânica, Química,
Informática, Matemática, Geologia, Engenharia Geográfica, Geofísica e outros),
Medicina, Ciências Biológicas e Enfermagem Superior.
2. Uma área de Ciências Económico-Jurídicas está orientada para os cursos de
Economia e do Direito.
3. Uma área de Ciências Humanas, vocacionada para cursos de Línguas, História,
Geografia, Filosofia, e outras afins.
4. Uma área das Artes Visuais, orientada para o acesso aos cursos de Artes
Plásticas, Música, Arquitectura, Desenho e afins. “ Artigo 19.º da Lei de Bases
do Sistema de Educação”.

7. CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS PROGRAMAS DE GEOGRAFIA


DO II CICLO
O programa de geografia do segundo ciclo geral, sendo um documento oficial é
transversal e apresenta as linhas mestras de orientação a cumprir pelo professor,
objectivos, unidades temáticas, desenvolvimento das unidades e sua dosificação,
distribuição dos conteúdos por trimestre e sua dosificação e por fim a bibliografia,
referente a cada classe.

7.1. ORIENTAÇÕES DIDÁCTICAS DOS PROGRAMAS DE


GEOGRAFIA
A inclusão da geografia nas áreas de ciências económico-jurídicas e de ciências
humanas, nas suas componentes de formação específica, teve como linha de base
os seguintes princípios orientadores (Programa de Geografia do II Ciclo do Ensino
Geral, 2004):
1. A compreensão de aspectos gerais de planetologia tendo em conta que o
nosso planeta não está isolado do universo;
2. A compreensão de relações entre o homem e o seu meio;
3. A compreensão das problemáticas relativas a produção e distribuição dos
recursos e do desenvolvimento.

311
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

CONCLUSÃO
Finalmente, salientando as apetências de compreender as causas que motivam
a fraca aprendizagem prática da geografia no II ciclo e em escolas do II Ciclo do
ensino geral, propomos desenvolver uma sequência metodológica qualitativa e
quantitativa, consubstanciada no seguinte:
1. Análise do currículo de geografia ministrado no subsistema do II ciclo de ensino
secundário Geral e em escolas de formação de professores que nos permitirá
contribuir para a compreensão e explicação das causas que motivam a fraca
aprendizagem prática de geografia.
2. Analise dos conteúdos programáticos ministrados no subsistema do II ciclo de
ensino secundário Geral e em escolas de formação de professores, bem como
em escolas do I Ciclo seleccionadas, sendo que uma do capo, outra da periferia
e por último uma do centro urbano;
3. Propor uma calendarização para a prática de campo a ser cumprida nos finais
de cada trimestre, antes mesmo do período de férias dos alunos, a fim de
aliar a teoria a prática, uma vez que os tempos lectivos na disciplina são muito
reduzidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Aires, L. (2011). Paradigma qualitativo e práticas de investigação educacional.
Universidade Aberta. (Outubro, 2011).
Carneiro C.D.R., Gonçalves P.W., Negrão O.B.M., Cunha C.A.L. 2008. Docência e
trabalhos de campo nas disciplinas Ciência do Sistema Terra I e II da Unicamp.
Rev. Bras. Geoc., 38 (1):130-142. (março 2008). URL: http://ojs.c3sl.ufpr.br/
ojs2/index.php/ rbg/article/view/9816/8972. Acesso 14.03.2011.
Currículo de Formação de Professores do 1º Ciclo do Ensino Secundário. INIDE
editora, (2004).
Currículo do II Ciclo do Ensino Secundário geral. Editora Moderna, S.A. & INIDE, (2013)
Gabinete de Estudos Planeamento e Estatística, da Direcção Provincial da
Educação-Namibe. (2013)
Gomes, F.M. V. (2013). Dos saberes programados aos saberes aprendidos: A
Geografia no 3º ciclo do ensino básico, Revista Investigar em Educação, 2008,
nº6, Sociedade Portuguesa de Ciências de Educação.

312
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Gonzalez, X.M. Souto. (1999). Didáctica de la Geografia. Barcelona, Ediciones del


Serbal.
Lei de Base nº 31/01 de Dezembro do Sistema Educativo de Angola.
Leite Barbosa, Raquel Lazzari. (2003). Formação de Educadores. Edição UNESP
(FEU). Brasil: São Paulo.
Nascimento, A. (2006). Políticas e Estratégias para o desenvolvimento do Ensino
Superior. Texto adaptado da comunicação apresentada pela primeira vez
Colóquio sobre “O Ensino Superior e a Investigação Científica: o seu Contributo
para a Reconstrução e o Desenvolvimento de Angola”.

313
O ENSINO DA MATEMÁTICA E A AVALIAÇÃO
EXTERNA DE ESCOLAS: UM ESTUDO COM
PROFESSORES DO 1.º E 2.º CICLOS36

Marta Isabel do Amaral Carvalho Pinto; José Augusto Pacheco


Universidade do Minho, Portugal
marta.pinto32@gmail.com; jpacheco@ie.uminho.pt

36. Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de
Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia no âmbito do projeto PTDC/CPE-CED/116674/2010.
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Os processos e práticas de educação e formação portugueses estão cada vez mais
integrados em agendas globalmente estruturadas, cujo eixo de influência se situa
no quadro comum das políticas da União Europeia e de organismos transnacionais
como a OCDE (Pacheco, 2009).
A avaliação tem vindo a assumir, nas últimas décadas, um papel central,
extrapolando a sua importância para além do campo da educação (Afonso, 2010). O
destaque atribuído à avaliação das escolas decorre de duas tendências que marcam
a generalidade dos países europeus: a descentralização de meios e a definição de
objetivos nacionais e de patamares de resultados escolares (Eurydice, 2011).
Utilizando a análise político-económica da globalização na educação e fazendo
também uma abordagem crítica às políticas de partilha (Takayama, 2013), pretende-
se analisar a mediação das pressões das políticas curriculares de homogeneização
e estandardização dos resultados (Afonso, 2012; Santiago, Donaldson, Looney &
Nusche, 2012) e a sua influência nos professores de Matemática.
O presente estudo quantitativo envolve a realização de um inquérito por
questionário aos professores do 1.º e 2.º ciclos de Matemática do Ensino Básico,
onde se averigua de que forma o modelo de avaliação externa de escolas,
implementado em Portugal desde 2006, tem colaborado para a elaboração
de consequências concretas nos standards de avaliação, e na preponderância
dos testes sumativos na disciplina de Matemática, considerando as mudanças
curriculares e pedagógicas.
Palavras-chave: Currículo, Matemática, Exames, Standards, Accountability.

1. INTRODUÇÃO
Nas sociedades contemporâneas (Pacheco, 2011, p.9 citando Gil, 2009) a avaliação
é indicada enquanto método universal de formação de identidades essenciais à
modernização, de exacerbada competência e clarificação da subjetividade, porque
a avaliação dá e mede a recompensa e o mérito (Ibid).
Salientando-se como um dispositivo impulsionador de uma nova identidade, a
avaliação é uma técnica de biopoder, ou de subjugação no sentido que Foucault

315
(1987) atribuí às políticas educativas e de saúde, colaborando para a afirmação do
receio “num contexto em que aumentam as pressões do curto prazo, os individuos
vivem no receio da avaliação permanente e de não estarem à altura das exigências
da empresa” (Lipovetsky & Serroy, 2010, p. 46).
Assim, esta investigação explora como quadro teórico a avaliação externa,
tanto a que diz respeito à avaliação institucional, ao nível de estabelecimentos de
organização escolar (Sobrinho, 2003; Sá, 2009), quanto a que se refere à avaliação
das aprendizagens, pois uma e outra são faces de uma mesma moeda, com raízes
nas políticas de partilha de conhecimento e nas denominadas reformas viajantes
(Steiner-Khamsi, 2012), nascidas no âmbito da globalização (Ball, 1998).
O currículo e a aprendizagem vistos como um itinerário de conhecimento,
levam a que a avaliaçãos eja centrada no conhecimento, ainda que atente ao
contexto histórico das políticas de educação e formação, mencionando práticas
avaliativas centradas nos conteúdos, nos objetivos específicos, nas atividades e nas
competências (DeKetele, 2008).
A avaliação deixa de ter uma componente sumativa ou formativa e converte-se
num projeto inacabado, flexível e viajante, respondendo mais diretamente a uma
avaliação por standards (Stake, 2006), valorizando essencialmente a dimensão
pessoal e a dimensão social – avaliação pelo outro (Pacheco, 2011).
Nas últimas décadas assistiu-se, em Portugal, à expansão e massificação dos
sistemas de ensino que levaram a uma preocupação crescente com as questões
de qualidade e de avaliação (OCDE, EU, UNESCO) e por outro lado, consolidou-
se uma tendência para o aprofundamento dos dispositivos de prestação de
contas e de responsabilização, que têm um impacto notório na formulação de
políticas educativas nacionais (CNE, 2010). Por estes motivos, os princípios básicos
da legislação nacional preconizam que a avaliação e o controlo de qualidade
devem aplicar-se a todo o sistema educativo, promovendo a melhoria, a eficácia,
a exigência e a informação qualificada para a tomada de decisão. A autonomia
das escolas, por este facto, está assim relacionada com a responsabilização e a
prestação de contas e com os resultados da avaliação externa (IGE, 2013).
Em Portugal, foi nos anos de 1990, que compreendendo a escola no âmbito da
Administração Central e a sua avaliação como unidade organizacional, descobre-
se na descentralização da administração pública e no crescente aumento da
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

autonomia concedida às escolas o embutir da sua importância, estando então


criadas as bases necessárias para que surgissem várias iniciativas de avaliação
externa e de autoavaliação das escolas (Clímaco, 2010). Nestas iniciativas, é
visível a influência do movimento das escolas eficazes, que tanto interesse
despertou nos responsáveis políticos na área da educação e nos próprios atores
educativos (Lima, 2008).
A publicação da Lei n.º 31/2001 de 20 de dezembro – demarca um novo rumo
na avaliação das escolas em Portugal. Nesta defende-se uma dupla avaliação, a
avaliação externa e a auto-avaliação apresentadas, por vezes, como detentoras
de lógicas opostas - a autoavaliação mais vocacionada para o desenvolvimento
organizacional, a avaliação externa mais focalizada na prestação de contas -, não
obstante, a complementaridade que poderá ser atribuída a estas duas formas
de avaliação vise posibilitar maiores e melhores níveis de desempenho escolar
(Ministério da Educação, 2006). Destalei e de uma experiência piloto realizada
em 2006, implementou-se em Portugal um programa de Avaliação Externa das
Escolas sob a alçada da IGE, tendo sido concluído o primeiro ciclo avaliativo em
junho de 2011.
Assim, o sistema de accountability implica relações e interdependências, que
inclui a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização, tendo em conta
valores como a justiça, a transparência e o direito à informação (Afonso, 2011).
O aproveitamento dos alunos em matemática é atualmente avaliado através
de dois grandes inquéritos internacionais: o TIMSS e o PISA (Eurydice, 2011). Em
termos gerais, o TIMSS pretende avaliar “o que os alunos sabem”, ao passo que
o PISA procura averiguar “o que os alunos podem fazer com os conhecimentos
adquiridos” .Os dados recolhidos têm três aspetos, o currículo enunciado, tal
como os países ou os sistemas educativos o definem, o currículo implementado,
efetivamente ensinado pelos professores, e o currículo adquirido, ou aquilo que os
alunos aprenderam (TIMSS and PIRLS, 2008, p. 25).
Os resultados destes estudos têm vindo a aumentar a sua relevância ao longo
dos anos, ao ponto de provocarem mudanças profunda, já que a comparação de
Sistemas Educacionais através de rankings e da sua interpretação estão a conduzir
as políticas educativas numa moda normativa (Bulle, 2011, p.503).

317
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

A disciplina de Matemática tem assumido um papel cada vez mais preponderante


no percurso educativo do aluno, já que desenvolve capacidades e competências,
como a resolução de problemas, a argumentação, a formulação e teste de
hipóteses, a comunicação e o rigor da observação, aspetos fulcrais para permitir
a inclusão e o sucesso pessoal e profissional num mundo cada vez competitivo
(NCTM, 2007; Roth & Radford, 2011).
Na maioria dos países europeus, o currículo de matemática afigura-se como
um documento formal, com caráter normativo, que especifica os tópicos a serem
aprendidos, descreve os programas de estudo e o seu conteúdo, bem como os
materiais didáticos, de aprendizagem e de avaliação a utilizar (Kelly, 2009).
Os currículos baseados nos resultados da aprendizagem centram-se nos processos
de aprendizagem, relacionam-se com os novos conceitos de governança e gestão
da qualidade e pretendem ser mais abrangentes e flexíveis do que os currículos
tradicionais, baseados nas disciplinas. Há quem defenda que a formulação de
normas baseadas nos resultados da aprendizagem é uma maneira de assegurar
a qualidade do ensino, concedendo, simultaneamente, uma maior autonomia aos
que o ministram para definirem programas de aprendizagem que respondam às
necessidades dos seus alunos (Cedefop, 2011).
Em Portugal, após as reformas introduzidas no currículo em 2008, o programa
atual ficou mais explícito no que respeita ao desempenho que os alunos devem
ter em cada um dos tópicos matemáticos e nas competências transcurriculares
relacionadas com a disciplina (Eurydice, 2011; Cedefop, 2012).

2. MÉTODO
Das conclusões obtidas através da análise de relatórios e da revisão da literatura
relativa à temática, realizou-se um estudo empírico, de natureza quantitativa
(Moreira, 2006), com o recurso a um inquérito por questionário (Tuckman, 1994;
Ghiglione & Matalon, 1997), elaborado com itens distribuídos pela escala de
Likert, destinado a professores de matemática do 1.º e 2.ºciclos do ensino básico
das escolas de um concelho da zona norte de Portugal, cuja fiabilidade foi testada
noutro estudo empírico (Marques, 2013).

318
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

A amostra (n=51) foi selecionada aleatoriamente de escolas do ensino básico


de um agrupamento da zona norte, sendo a maioria dos respondentes do sexo
feminino (92%) e os restantes do sexo masculino (8%). A maioria está incluída na
faixa dos 30 aos 45 anos (45%), seguida dos que possuem mais de 45 anos (37%) e
uma minoría com menos de 30 (17%). A grande maioria possui como habilitações
literárias a licenciatura (86%), e os restantes mestrado (14%). Em relação ao grupo
disciplinar, a predominância é o 230 (65%), e os de mais referem-se ao 110 (35%).
Em relação ao tempo de serviço, a maioria encaixa-se na faixa dos 11 a 20 anos
(45%), seguida dos que possuem mais de 20 anos (28%) e por último os que têm
entre 1 a 10 anos (27%) de serviço.

3. RESULTADOS PRELIMINARES
Os resultados obtidos do inquérito encontram-se organizados em duas
dimensões: Mudanças Curriculares e Mudanças Pedagógicas.
Através da análise das questões relacionadas com as Mudanças Curriculares,
podemos retirar alguns resultados específicos: os inquiridos mostram-se
consensuais com a ideia de que: os resultados escolares obtidos pelos alunos nas
provas nacionais contribuem para a construção da imagem social da escola (X=4.39;
D.P.=0.635); as provas nacionais a matemática devem ser realizadas no final de cada
ciclo (X=4.35; D.P.=0.976); o Plano de Acompanhamento da Matemática contribuiu
para uma maior colaboração pedagógica entre professores (X=4.33; D.P.=0.622);
com a noção de que os rankings contribuem para a competitividade entre escolas
(X=4.22; D.P.=0.702); com o facto de as metas curriculares corresponderem a
objetivos terminais (X=4.10; D.P.=0.855) e que estas definem os conteúdos que os
alunos devem aprender (X=4.01; D.P.=0.787).
Na dimensão Mudanças Pedagógicas, os resultados mostram-nos que os
docentes inquiridos demonstram concordancia com a ideia de que: os trabalhos
de casa contribuem para a melhoria dos resultados (X=4.43; D.P.=0.575); como
professor(a) de matemática, sente-se pressionado(a) para ensinar para as provas
nacionais (X=4.27; D.P.=0.723); os apoios pedagógicos proporcionados aos alunos
na escola devem estar direcionados para as disciplinas com provas nacionais
(X=4.24; D.P.=0.473); o ensino para os testes contribui para a melhoria dos

319
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

resultados escolares (X=3.94; D.P.=0.858); os professores de matemática ensinam


cada vez mais para as provas nacionais (X=3.90; D.P.=0.922); de que o aluno é o
principal responsável pelo seu desempenho (X=3.90; D.P.=0.922) e também que
como professor(a) de matemática, sente-se responsável pelos resultados que os
seus alunos obtêm na avaliação interna durante o ano letivo (X=3.82; D.P.=0.767).
A indefinição avaliativa dos inquiridos, calculada através do coeficiente de
correlação, é encontrada nos efeitos da avaliação sumativa na classificação final
dos alunos, e também na objetividade da avaliação centrada nos testes.

4. CONCLUSÕES
Os inquiridos neste estudo revelam concordância no que diz respeito aos efeitos
da avaliação externa nas suas práticas e que os feitos enunciados nos relatórios de
avaliação externa são retóricos, apesar de concordarem que a avaliação externa
esteja a contribuir para o ensino voltado para os testes e para a estandardização de
resultados. A ideia de que os resultados obtidos nas Provas Nacionais e a existência
de rankings contribuem para a competitividade entre escolas está presente nos
resultados deste inquérito, apesar de existir maior concordância entre os docentes
no facto de que os resultados a matemática nas provas nacionais não reflitam a
aprendizagem real dos alunos ou de que a sua influência provoque um aumento de
competitividade entre docentes.
A conceção da objetividade da avaliação centrada nos testes é alvo de grande
incerteza por parte dos inquiridos, havendo respostas bastante discordantes.
A maioria dos inquiridos afirma que se sente pressionado para ensinar para as
provas nacionais, que os apoios pedagógicos proporcionados aos alunos na escola
devem estar direcionados para as disciplinas com provas nacionais, que o aluno é
o principal responsável pelo seu desempenho escolar e também que o ensino para
os testes contribui para a melhoria dos seus resultados.
No entanto, existe uma certa indefinição sobre a ideia de que as metas
curriculares substituem o programa, resultado de um leque de respostas bastante
diverso, não encontrando consenso também sobre a noção de que se sentem
confortáveis com a existência de uma avaliação centrada nos testes ou de que são
responsáveis pelos resultados que os alunos obtêm nas provas nacionais.

320
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Evidencia-se também a indefinição da influência da avaliação externa de escolas


e dos resultados dos testes internacionais (PISA, TIMSS, por exemplo) contribuírem
para a valorização da matemática nos planos curriculares do Ensino Básico e para
as práticas pedagógicas dos docentes inquiridos (colaboração entre docentes,
construção de materiais, organização de atividades ou conteúdos a lecionar, etc).
Nos resultados definitivos do estudo, será pertinente considerar algumas
questões: Que finalidades poderão ter as provas finais de ciclo, se não refletem a
real aprendizagem dos alunos? Qual a sua influência na qualidade das aprendizagens
e nas práticas reais dos docentes?

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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324
SEQUENCIALIDADE EDUCATIVA ENTRE O
ENSINO BÁSICO E O ENSINO SECUNDÁRIO NA
DISCIPLINA DE MATEMÁTICA: O CASO ILHA DO
PRÍNCIPE

Joana Latas; Paulo Rodrigues


Escola Secundária do Príncipe e HBD – Tourism Investments
joana.latas@hbd.com; paulo.rodrigues@hbd.com
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Na Região Autónoma do Príncipe, República de São Tomé e Príncipe, verifica-
se, que a transição dos alunos entre o Ensino Básico e o Ensino Secundário é
acompanhada de uma queda de rendimento académico ao nível do 7º ano,
sendo a Matemática uma das disciplinas em que tal é notório. Para responder
a esta realidade, foi desenhado um projeto de investigação-ação no sentido de
averiguar até que ponto a implementação de estratégias de comunicação e gestão
curricular entre docentes do Ensino Básico e Ensino Secundário pode contribuir
para melhorar a sequencialidade da disciplina de Matemática na transição entre
os dois ciclos. Para isso, foram definidos objetivos centrados na(s) análise(s) de: i)
continuidade programática; ii) práticas de gestão curricular; iii) lacunas nos pré-
requisitos dos alunos; iv) intervenção nas metodologias curriculares; v) mecanismos
de comunicação entre docentes dos dois ciclos de ensino. Resultados preliminares
sugerem que, embora a sequencialidade dos tópicos da disciplina de Matemática
esteja assegurada nos respetivos programas, existem diferentes visões em que
assentam. A aplicação do currículo de matemática traduz-se nos conteúdos e
manual/ textos de apoios e os professores arriscam pouco numa gestão do mesmo
à luz do contexto.
Palavras-Chave: Sequencialidade educativa, Gestão curricular, Práticas dos
professores, Matemática.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
A ilha do Príncipe, Região Autónoma de S. Tomé e Príncipe, com uma área de
cerca de 142 km2, tem 7542 habitantes, dos quais cerca de 3000 indivíduos, 40% da
população, estão em idade escolar (Instituto Nacional de Estatística, 2012). Como
resposta a uma população juvenil, a Educação é um dos principais pilares de ação
política no país em geral e na região autónoma em particular. O ensino em S. Tomé
e Príncipe é obrigatório da 1ª à 6ª classe, o Ensino Básico (EB). Findo este percurso,
os estudantes têm um exame incidindo nas disciplinas de Matemática e Língua
Portuguesa e, caso obtenham aprovação, poderão ingressar no Ensino Secundário
(ES) que é constituído por 6 anos escolares, 7ª a 12ª classe (Lei n.2, 2003). A 7ª
classe torna-se por isso, num ano de muitas decisões e central na vida do aluno.

326
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Aliás, a transição entre ciclos é alvo de estudos internacionais, sendo reconhecida


uma quebra de rendimento académico ao nível do 7º ano, nomeadamente nas
áreas das Línguas, Matemática, Ciências e História (Peterson & Crockett, 1985). Em
particular, a disciplina de Matemática é reconhecida, quer no contexto internacional
quer no contexto nacional, como fundamental para o desenvolvimento pessoal
do aluno, para a aprendizagem de outras ciências, para estudos superiores e para
formar cidadãos informados e participativos (Ministério da Educação e Cultura,
2010). Por este motivo, em São Tomé e Príncipe, esta disciplina está presente no
currículo durante todo o EB e na maioria do ES.
No sistema educativo santomense, o currículo (matemático) traduz-se no
programa oficial e nos manuais ou textos de apoio, únicos para todo o país.
Contudo, o conceito de currículo está em evolução e o modo como os docentes
o entendem reflete-se nas suas práticas (Brocardo, 1998). As práticas de gestão
do currículo matemático envolvem tomar decisões sobre os processos de ensino,
de aprendizagem e de avaliação, onde estão incluídas a integração de estratégias,
metodologias, experiências de aprendizagem, materiais, instrumentos, tópicos
e competências matemáticas a desenvolver, tendo em conta o contexto e as
caraterísticas dos alunos.
Além das referidas questões educativas, que se colocam à escala global, a
situação atual da Educação, no contexto da Região Autónoma do Príncipe,
apresenta particularidades no que respeita à formação dos docentes que lecionam
as diferentes disciplinas. De facto, dos 22 docentes que leccionam a 5ª e 6ª classes
86% não apresentam qualquer formação superior, já no ES esse valor é de 49%,
num universo de 74 professores37.
Sendo a transição do EB para o ES um momento da vida escolar dos alunos que
merece a nossa atenção e a Matemática uma das disciplinas onde essa transição se
reflete, será de perceber até que ponto a ação do professor poderá suavizar essa
mudança. Neste sentido, delineámos, para este estudo, a seguinte questão:
Até que ponto a implementação de estratégias de comunicação e gestão
curricular entre docentes do Ensino Básico e Secundário pode contribuir para

37. Dados gentilmente cedidos pelos diretores do EB e ES referentes ao ano escolar 2013/2014.

327
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

melhorar a sequencialidade da disciplina de Matemática na transição do Ensino


Básico para o Ensino Secundário?
Para isso foram definidos como objetivos: i) averiguar se há continuidade
programática entre 6ª e 7ª classes na disciplina de Matemática; ii) conhecer as
práticas de gestão curricular e de tempo dos docentes da 6 ª e 7ª classes; iii)
identificar as lacunas nos pré-requisitos dos alunos da 7 ª classe; iv) projetar,
implementar e redesenhar metodologias curriculares e de gestão de tempo com
os professores das 6 ª e 7ª classes e v) proporcionar mecanismos de comunicação
entre docentes do Ensino Básico e do Secundário.

2. OPÇÕES METODOLÓGICAS
Na ilha do Príncipe existem 5 instituições onde se leciona a 5ª e 6ª classes (2.º
ciclo do EB) e 3 escolas com 1º ciclo do ES (7ª, 8ª e 9ª classes). Neste ano letivo
lecionaram a disciplina de Matemática entre a 5.ª e a 12.ª classes 14 professores,
dos quais 13, distribuídos de acordo com a figura 1, mostraram-se disponíveis pela
colaborar na fase de diagnóstico do estudo.
Figura 1: Distribuição dos professores de Matemática por ciclos.
EB -2º ciclo ES
6 (46%) 7 (54%)
5ª 6ª 7ª 8ª-12ª
3 5 4 5

Deste grupo de docentes, 2, cerca de 15%, têm licenciatura em Ensino de


Matemática, 1, cerca de 7,7%, é licenciado em outra área de Ensino, 1 tem formação
média em Matemática/Física e os restantes 69% não têm qualquer formação
de nível universitário. A 6ª classe da disciplina de Matemática foi lecionada por
5 docentes, todos eles sem formação superior. Na 7ª classe, dos 4 professores
que lecionaram a disciplina de Matemática, 3,75%, não apresentavam qualquer
formação superior. Apenas 1, 25%, concluíu uma formação média na área de
Matemática/Física.
O estudo, de natureza interpretativa, pretende promover a mudança baseada
na recolha de dados sistemática, pelo que a investigação-ação é uma modalidade

328
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

adequada. Bogdam & Biklen (1994) consideram que a investigação-ação se


adequa à melhoria das práticas mediante a mudança e a aprendizagem a partir
das consequências dessas mudanças. O desenvolvimento da investigação-ação
contempla a integração de duas vertentes: a investigação e a ação. De acordo
com as fases de uma investigação-ação, a evolução da mesma por ciclos segue
uma lógica de espiral. Para o estudo em causa, considerámos os ciclos de ação,
reformulação e avaliação em conformidade com Coghlan & Brannick (2001),
segundo a figura 2.

Figura 2: Ciclos de investigação-ação.

Cada ciclo prevê intervenção ao nível da formação e práticas profissionais


de docentes de Matemática. À medida que o plano de ação for delineado e
implementado, será de refletir sobre as dificuldades do sistema e introduzir
alterações no ciclo seguinte. Devido à fragilidade do contexto onde tem lugar a
implementação, o projeto de investigação-ação foi pensado a dois níveis distintos
de ação. Um junto dos alunos, focado nas aprendizagens dos mesmos, e outro
centrado nas práticas dos professores. Pelo nível de exigência de mobilização
de recursos materiais e humanos, optou-se por implementar um estudo piloto
em duas escolas, uma do EB e outra do ES, ambas localizadas no meio rural. A
generalização, prevista numa fase final, terá lugar caso os resultados da avaliação
apontem para tal.

329
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Para a fase de diagnóstico, a recolha de dados teve por base métodos qualitativos
e quantitavos, incidindo nas seguintes técnicas: análise documental, entrevista e
questionário. A recolha de dados teve lugar entre Março e Julho de 2014.
A análise documental teve por base a legislação vigente do Sistema de Ensino de
São Tomé e Príncipe, dados do Instituto Nacional de Estatística, dados estatísticos
gentilmente cedidos pelos diretores do EB e ES da ilha do Príncipe. A análise dos
programas teve por base os programas oficiais da disciplina de Matemática, bem
como a consulta dos respetivos manuais oficiais.
As entrevistas dirigiram-se aos diretores do EB e do ES e tiveram por objetivo
contextualizar a situação atual da Educação na ilha do Príncipe. Para proceder
à recolha de dados sobre práticas de gestão curricular, conceitos nucleares de
Matemática e papel da comunicação entre docentes, foram realizadas entrevistas
a professores de Matemática de turmas das 6ª e 7ªclasses nas duas escolas.
Para definir a ordenação das áreas de intervenção foram recolhidos dados
em questionários aplicados aos docentes de Matemática do 2.º ciclo do EB e do
ES. Esta informação foi triangulada com os conceitos nucleares e competências
matemáticas essenciais identificadas pelos professores durante as entrevistas.

3. ETAPAS INICIAIS
Realizou-se um diagnóstico inicial, bem como a análise dos programas da 6ª
e 7ª classes, com o intuito de averiguar a sequencialidade entre eles – (objetivo
i). Foram ainda recolhidos dados que contribuíram para conhecer as práticas de
gestão curricular e de tempo dos professores – (objetivo ii), assim como para
ordenar os temas alvo de intervenção. Neste artigo, iremos focar os resultados
relacionados com estes objetivos.

3.1 COMPARAÇÃO DOS PROGRAMAS DE MATEMÁTICA NAS


6ª E 7ª CLASSES
O programa de Matemática do EB é constituído por uma breve introdução acerca
da importância da Matemática no currículo, princípios orientadores, objetivos
gerais, temas, conteúdos e respetivos objetivos específicos de aprendizagem
(Ministério da Educação e Cultura, 2010). No ES, o programa de Matemática é um

330
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

documento elaborado com base no “Programa de Matemática português de 1991


e o programa que está em vigor no presente momento em Portugal” (AAVV, 2010,
p.3). Pressupõe uma visão de programa mais abrangente do que o programa do
EB, no sentido em que, além de finalidades, objetivos, temas e tópicos, integra
sugestões metodológicas gerais e específicas, bem como competências, recursos e
avaliação. O documento refere o desenvolvimento de competências matemáticas
transversais, nomeadamente a comunicação matemática, raciocínio matemático e
resolução de problemas de forma articulada com a abordagem a diferentes temas
matemáticos (AAVV, 2010).
Os temas matemáticos abordados ao longo dos dois anos de escolaridade são:
Números e Operações38, Geometria, Estatística e Álgebra. Da 6ª para a 7ª classe,
assistimos a uma evolução do tema Números e Operações que perde alguma
relevância em prol do tema Álgebra. A percentagem de horas letivas previstas para
o tema Geometria diminui ligeiramente, enquanto o tema Estatística se torna mais
relevante (figura 3).
Figura 3: Distribuição dos temas matemáticos nos programas de Matemática na 6ª e 7ª
classe.

38. A carga horária do tema Proporcionalidade, presente no 2º ciclo do EB foi incluída em Números
e Operações.

331
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Uma comparação dos programas sugere que os tópicos da 7ª classe têm


precedência nos estudados na 6ª classe, havendo um fio condutor em espiral
que conduz os conteúdos de uma classe para a outra. As unidades de “Números
Racionais”, “Proporcionalidade Directa”, “Estatística” e os tópicos de Geometria são
comuns a ambas as classes. A abordagem da 7ª classe prevê uma complexificação
na abordagem dos conceitos, em relação ao previsto no programa da 6ª classe
que é assumido como pré-requisito. Na 7ª classe, é introduzido o tema Álgebra
na unidade “Equações”. Nesta classe, a unidade “Estatística” é apresentada como
enriquecimento e a sua lecionação fica ao critério do professor (AAVV, 2010).

3.2 PRÁTICAS DE GESTÃO DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA


No intuito de delinear o plano de ação sustentado nas práticas dos professores,
nesta fase, focámos a recolha de dados sobre práticas de gestão do currículo em
três eixos: gestão do programa, sistema e práticas de avaliação e comunicação
entre docentes.

3.2.1 GESTÃO DO PROGRAMA


A gestão que o professor faz do programa depende, em parte, do número de
horas semanais da disciplina. A carga horária semanal na 6ª é de 7 tempos letivos
de 45 minutos, número esse que diminui para 4 tempos semanais na 7ª classe, o
que se traduz num decréscimo de cerca de 43% na carga horária semanal.
Na 6ª classe, a ordem pelos quais os conteúdos são abordados baseia-se,
essencialmente, na ordem apresentada no manual que o docentes tem ao seu
dispor, até porque, “só este ano [2014] recebemos o programa [de Matemática do
EB]” (EPD39). Já na 7ª, a gestão dos tempos letivos e a ordem pela qual os conceitos
são abordados têm como referência o programa da disciplina (EPA40). Os docentes
reconhecem dificuldades no cumprimento do programa na 6ª classe (EPD). Também
na 7ª classe o programa nem sempre é cumprido. São normalmente as unidades
de Estatística e de Geometria que ficam por ser lecionadas, resultado de decisões
tomadas em grupo nas reuniões metodológicas (EPA). Esta tomada de decisões

39.  Entrevista ao professor Domingos.


40.  Entrevista ao professor Augusto.

332
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

refletem as prioridades dos professores ao nível do que reconhecem ser essencial.


A este propósito, foi sugerido a “tabuada, experiências, tarefas de investigação”
(EPD) como competências matemáticas essenciais a desenvolver no EB, sendo
as “equações, conjuntos numéricos e geometria” considerados os conceitos
matemáticos nucleares na 7ª classe (EPM41). Tais afirmações revelam uma visão
compartimentada da matemática e limitado estabelecimento de conexões entre
as temáticas.

3.2.2 SISTEMAS E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO


Sistemas de avaliação distintos promovem diferentes práticas de avaliação. De
facto, os sistema de avaliação na 6ª e 7ª classe apresentam algumas diferenças,
nomeadamente a escala de classificação - 0 e 30/40/30 respetivamente em cada
trimestre na 6ª classe e na 7ª entre 0 e 20 -, os parâmetros de avaliação - no ES
são integrados, explicitamente, os trabalhos, assiduidade e pontualidade -, e a
prática de avaliação contínua no ES - as classificações de um período têm uma
ponderação no cálculo da classificação no(s) período(s) seguinte(s). Além disso, na
7ª classe, os alunos são submetidos a menos provas de avaliação – 10 na 6ª e 6/7
na 7ª - e o conteúdo destas é da inteira responsabilidade do docente titular da
turma – na 6ª classe um dos testes de avaliação é da responsabilidade da direção
da escola. As divergências apresentadas entre sistemas de avaliação e práticas
avaliativas merecem ser alvo de reflexão. Além disso, deve ser assegurado que o
aluno conheça estas mudanças quando transita da 6ª para a 7ª classe, de modo a
estar ciente do que é valorizado no seu desempenho escolar.

3.2.3 COMUNICAÇÃO ENTRE DOCENTES


Os professores do ES entrevistados assumem não procurar nem serem procurados
pelos docentes da 6ª classe. Embora na 6ª classe sejam registados os conteúdos
não lecionados no final do ano, essa informação não é transmitida aos professores
de Matemática dos alunos no ano seguinte (EPD). Na verdade, conhecer o percurso
matemático escolar dos alunos parece não ser uma preocupação comum aos
docentes. À exceção de um professor da 7ª classe que afirma conhecer o manual
de Matemática do EB por já ter lecionado neste nível de ensino a disciplina de

41. Entrevista ao professor Misclei.

333
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Matemática, os restantes professores entrevistados assumem não conhecer


o programa que antecede ou prossegue o ano que lecionam. No entanto, este
desconhecimento e ausência de comunicação têm consequências na postura que
o docente exige do aluno, podendo não corresponder a uma situação justa. É disso
exemplo a intervenção de um professor que refere a Álgebra como pré-requisito,
quando o estudo deste tema é iniciado no ES. Não obstante, foi sugerido “que o
professor da 7ª possa saber o que o professor fez na 6ª e o que, até ao momento,
ainda não foi feito. Eu acho que isto está em falta.” (EPL42).
3.3 DEFINIÇÃO DE ÁREAS DE INTERVENÇÃO PRIORITÁRIA
Os temas Números e Operações e Álgebra são aqueles onde os professores
reconhecem mais dificuldades de ensino. Contudo, é visível que os docentes
sentem dificuldades no ensino de todos os temas. O tema Estatística é aquele onde
os professores revelam menos dificuldade (figura 4). Os temas onde os professores
reconhecem menos dificuldades de ensino, Estatística e Geometria, coincidem
com aqueles que os docentes da 7ª classe assumem optar por não lecionar quando
precisam de tomar decisões nesse sentido.
Figura 4: Distribuição das dificuldades de ensino reconhecidas
pelos professores.43

42. Entrevista ao professor Laelson


43. Na escala, 1 corresponde a muita dificuldade de ensino e 6 corresponde a sem dificuldades de
ensino.

334
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Os professores reconhecem nos alunos decrescentes dificuldades de


aprendizagem nos temas Números e Operações, seguido de Álgebra, Geometria
e Estatística (figura 5). Nesta priorização, os temas reconhecidos como menos
difíceis de aprendizagem por parte dos alunos coincidem com aqueles que os
docentes têm menos dificuldade em ensinar e que correspondem àqueles que não
são lecionados quando não lhes é possível “cumprir o programa”.
Figura 5: Distribuição das dificuldades de aprendizagem dos alunos reconhecidas pelos
professores. 44

O tema Números e Operações é o que os docentes identificam como aquele em


que precisam de mais formação, seguido dos temas Álgebra, Geometria e Estatística
(figura 6). Os professores reconhecem necessidades de formação em todos os temas
matemáticos, o que é conducente com as habilitações académicas dos inquiridos. De
facto, a formação de docentes de Matemática é algo que se impõe.

44. Na escala, 1 corresponde a muita dificuldade de aprendizagem e 6 corresponde a sem dificuldades


de aprendizagem.

335
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Figura 6: Distribuição das necessidades de formação dos professores. 45

Existe uma evidente coerência na ordenação de temas nas três vertentes


analisadas, pelo que o plano de ação do projeto foi delineado respeitando a
ordenação nas áreas de intervenção sugerida pela análise dos questionários: 1º
Números e Operações; 2º Álgebra; 3º Geometria; 4º Estatística.

4. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO


PROJETO
Até ao momento ficou explícito que a sequencialidade de tópicos programáticos
é garantida pelos programas. Os documentos curriculares têm ambos forte
influência dos homólogos portugueses, não necessariamente os vigentes. Este
poderá ser um dos motivos pelos quais os documentos sustentam diferentes
visões de Matemática e de Educação Matemática.
Ficou igualmente evidente que as práticas dos professores são orientadas
tendencialmente pelos manuais/ textos de apoio escolares e de forma acrítica,
o que, em parte, será reflexo de alguma insegurança dos docentes devido às

45. Na escala, 1 corresponde a sem necessidade de formação e 6 corresponde a com muita necessidade
de formação.

336
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

suas lacunas na formação profissional. Os professores reconhecem dificuldade


de ensino e de aprendizagem por parte dos alunos. Admitem a necessidade de
formação em todos os temas matemáticos e priorizam-na em conformidade com a
porção que cada tema ocupa nos programas de matemática da 6ª e 7ª classes, bem
como os temas/ conceitos matemáticos que consideram prioritários.
A gestão de tempo nem sempre é propícia ao cumprimento do programa. A este
respeito os docentes reconhecem benefícios em estabelecerem diálogo com os
pares dos diferentes ciclos para trocar informações.
A implementação de práticas inovadoras não é valorizada nem promovida
pelas intituições educativas, o que faz com que sejam raros os exemplos em que
o professor arrisca mudanças em prol da aprendizagem dos alunos. Conforme
evidenciam os exemplos de diferentes autores (e.g. Tardif & Raymond, 2000),
numa fase inicial da docência, os professores tendem a lecionar conforme o
modelo que experimentaram enquanto alunos. Num contexto onde o ciclo das
memórias de alunos de meados do século XX constitui o principal referencial do
professor, o ensino expositivo, com uma acentuada componente na mecanização
de procedimentos e na memorização é o modelo que tende a vigorar, uma vez que
o período entre abandonar o papel de aluno e assumir o papel de docente é curto
e, maioritariamente, sem ser mediado por uma formação profissionalizante.
Após o diagóstico, foi desenhado um plano de ação geral para o 1º ciclo de
intervenção. Todas as decisões referentes ao mesmo são discutidas e aprovadas
numa comissão do projeto “Sequencialidade Educativa” criada por estruturas do
Governo Regional do Príncipe para este efeito. Tal é constituída pelos professores
experimentadores, professoras de Matemática da HBD, bem como representantes
da Educação Básica e Secundária do Príncipe. Atualmente já foi aplicado e analisado
o primeiro pré-teste. Teve ainda lugar o primeiro ciclo de ação que envolveu
lecionação de aulas em par pedagógico, formação docente e implementação de
tarefas em sala de aula na turma da 7ª classe. Os dados estão ser alvo de análise
para serem tomadas decisões relativas ao ciclo de reformulação.

337
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

5. REFERÊNCIAS
AAVV (2010). Programa de Disciplina Matemática - ES 1.º ciclo. Lisboa: Projecto
Escola+.
Bogdan, R & Biklen, S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação, Uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora.
Coghlan, D & Brannick, T (2001). Doing action reseach in your own organization.
London: Sage Publications.
Instituto Nacional de Estatística (2012). Censos 2012. Recuperado em 4 de março,
2014, de http://www.ine.st/Documentacao/Recenseamentos/2012/Tabelas/
RGPH_2012_RAP.pdf.
Lei n.2 (2003, 2 de Junho). Regulamenta as Bases do Sistema Educativo. São Tomé:
Presidente da República.
Ministério da Educação e Cultura (2010). Proposta Curricular do ensino (1ª a 4ª
classe) e Revisão Curricular dos Programas para a 5ª a 6ª classes do EB da
República Democrática de S. Tomé e Príncipe. São Tomé e Príncipe: Europress.
Petersen, A. & Crockett, L. (1985). Pubertal timing and grade effects on adjustment.
Journal of Youth and Adolescence, nº 14, pp. 191-206.
Profírio, J. (1998). Os currículos de Matemática: como têm evoluído. Educação e
Matemática, 50, 32-38.
Tardif, M., & Raymond, D. (2000). Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no
magistério. Educação & Sociedade, 73, 209-244.

338
POLÍTICAS EDUCATIVAS, COOPERAÇÃO
E INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTOS PÓS-
COLONIAIS
A “NOVA ARQUITETURA DA COOPERAÇÃO” E
OS DESAFIOS PARA O ENSINO SUPERIOR. CABO
VERDE, UM ESTUDO EXPLORATÓRIO.

Sílvia Azevedo; António Magalhães; Ana Cristina P. Ferreira


Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Centro de
Estudos Africanos; Universidade de Cabo Verde
azevedosilvia.f@gmail.com; antonio@fpce.up.pt; cristina.ferreira@adm.unicv.edu.cv
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
O discurso das políticas de cooperação para o desenvolvimento sofreu várias
transformações desde a década de 1990. A agenda da Declaração de Paris (2005) é
hoje instrumento de referência e os seus princípios – harmonização, apropriação,
alinhamento, gestão de resultados e responsabilidade mútua – expressam a
necessidade de rutura com práticas que caraterizaram a cooperação desde o
momento em que foi criada, no contexto de reconstrução pós 2ª Guerra Mundial.
Esta comunicação refere-se à forma como as agendas internacionais para a
cooperação têm influenciado a construção e definição de agendas nacionais na
educação. A análise desenvolvida centra-se nos conceitos subjacentes aos discursos
sobre a“nova” arquitetura da cooperação proposta na Declaração de Paris e explora
algumas das implicações dos modelos de cooperação ao nível do ensino superior
em países em desenvolvimento. Para a análise, são mobilizados dados recolhidos
num estudo exploratório realizado em Cabo Verde (entrevistas e documentos).
Ambos os materiais refletem o discurso hegemónico que rege a cooperação com
instituições de ensino superior num eixo Norte-Sul, desvalorizando conhecimentos
como o “local”, em aparente contradição com os conceitos e estratégias da “nova”
arquitetura da cooperação.
Palavras- chave: Cooperação para o desenvolvimento, ensino superior, Cabo Verde
Esta comunicação decorre do meu projeto de investigação na área das políticas de
cooperação para o desenvolvimento, tendo como objeto de estudo a cooperação
ao nível do ensino superior em Cabo Verde (CV). O quadro teórico que fundamenta a
análise assenta na articulação de dois campos teórico/metodológicos: a teorização
sobre o Empréstimo de Políticas e o campo da Análise do Discurso (AD). O foco
desta comunicação está nas políticas de Cooperação para o Desenvolvimento
(CPD) e no modo como se reconfiguraram desde a proclamação da Declaração
de Paris (2005). Pretendo ainda explorar algumas das implicações de modelos de
cooperação ao nível do ensino superior em países em desenvolvimento e mobilizar
dados do estudo exploratório realizado em Cabo Verde, considerando que é
através da linguagem que são construídas as realidades sociais. Do ponto de vista
operacional, discurso é entendido neste trabalho como a linguagem em uso numa
dada prática social (Jørgensen & Phillips, 1999).

341
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Fairclough (2010) considera que AD é uma forma de analisar o discurso


holisticamente. É vista como o estudo da produção de sentido, tanto através da
linguagem como da ação e trata das relações de poder (Fairclough, 2010;Laclau
& Mouffe, 1985),da identificação e caraterização dos discursos hegemónicos e/
ou contra-hegemónicos, na assunção de que os textos são intersetados pelos
discursos disponíveis num dado campo. Isto permite afirmar que a análise de
discurso fornece um quadro de análise que pode ser utilizado no estudo que estou
a desenvolver.
Com efeito, percebo a política como um discurso e analiso as mudanças neste
discurso e as tecnologias por meio das quais a política é colocada em ação (Ball,
2006). Esta assunção da política como um discurso é sobre o que pode ser dito,
quem pode falar, quando, onde e com que autoridade. Um discurso estabelece
regimes de verdade (Foucault, 1969) através dos quais as pessoas se governam e
governam os outros; articulam e restringem as possibilidades e probabilidades de
interpretação e realização. O efeito de uma política é que ela muda as possibilidades
que temos para pensar de forma diferente (Foucault, 1969).
A análise das políticas como discurso assenta na análise das relações de poder.
Ball (1994) considera que a criação das políticas nacionais resulta, de um processo
de bricolage, um empréstimo e cópia de ideias de outros contextos, moduladas
através de complexos processos de influência e disseminação de textos e, em
última análise, recriadas nos contextos da prática. Khamsi (2005) utiliza o termo
“empréstimo de políticas”, considerando que “empréstimo” não significa “cópia”,
mas que dá conta dos processos de adaptação, modificação e resistência locais às
forças globais em matéria de educação. Portanto, neste tipo de análise devem ser
consideradas as formas como as políticas são construídas, as suas inter-relações,
isto é, o exercício de poder através da produção de verdade e de conhecimento
como discursos (Ball, 2006).

O DISCURSO E OS PARADIGMAS DA CPD


O discurso da CPD emergiu no contexto de reconstrução pós-2.ª guerra mundial.
Na carta das Nações Unidas (ONU, 1945) é assumido como instrumento político e
desde então a CPD é perspetivada como:

342
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Um conjunto de intervenções que tem como principal finalidade a erradicação


da pobreza, a redução do fosso entre países ricos e países pobres, promovendo o
desenvolvimento económico, político, social e cultural de todos os cidadãos (ONU,
1945; Sanyal, 1982).

Nesta definição percebe-se a relação dialética entre o instrumento político CPD


e o conceito desenvolvimento, o que implica que o estudo da CPD é acompanhado
pela reflexão sobre este último. Esta dialética está na base dos paradigmas que
têm reconfigurado o discurso da CPD.
Da análise da literatura do campo, foi possível identificar quatro paradigmas que
têm reconfigurado o discurso da CPD desde a década de 80:
§ O Consenso de Washington, que estabelece uma relação direta entre economia
e desenvolvimento e integra políticas no âmbito dos Planos de Ajustamento
Estrutural, (PAE) penalizando políticas de índole social;
§ O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), introduzido pelas NU como
medida de desenvolvimento, que traduz a tentativa de deslocar os indicadores
de desenvolvimento da dependência económica para indicadores sociais,
políticos e ambientais. Os PAE deram lugar às Estratégias de Redução de
Pobreza (ERP), mais ajustadas ao contexto de cada país. A cooperação
passou a direcionar-se para o desenvolvimento de capacidades humanas e
institucionais;
§ A Cimeira do Milénio, em 2000,que se concretiza pela definição de 8 objetivos
que constituem os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Estes
objetivos constituem um marco conceptual e metodológico que norteia os
principais discursos de CPD (Fernandes, 2004; Lapão, 2006; Sangreman, 2009);
§ Declaração de Paris, em 2005, que estabelece um conjunto de princípios que
consubstanciam e lançam um programa ambicioso à comunidade doadora
internacional. Trata-se dos princípios de Harmonização, Alinhamento e
Responsabilidade Mútua, Apropriação e Gestão Centrada nos Resultados, que
pretendem representar uma rotura à forma como a ajuda foi sendo conduzida
(Michailof e Bonnel, 2012).
Os princípios da Declaração de Paris reiteram a importância de avaliar a eficácia
da cooperação, exigindo um outro tipo de compromisso e responsabilização por
parte dos parceiros, que se sistematiza em três áreas: Harmonização, Alinhamento
e Apropriação (Lapão, 2005). Estas áreas aparecem como organizadores do discurso
sobre a cooperação internacional. A preocupação com a harmonização “visa o

343
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

respeito pelas prioridades nacionais e a tentativa de conferir maior coerência às


práticas dos doadores” (Michailof e Bonnel, 2012:136). Cabe aos países integrarem
os contributos externos nos seus planos e programas nacionais, evitando, por
exemplo, o desperdício de tempo e recursos através de: i) duplicação de ações nos
mesmos locais, negligenciando outros; ii) desvio ou influência sobre determinados
objetivos de desenvolvimento; e iii) competição local por recursos materiais (Odén
e Tinnes, 2003; Lawson, 2013).
O alinhamento refere-se à importância da articulação da ajuda dos doadores
às estratégias e prioridades de desenvolvimento do país parceiro (Lapão, 2005;
Gustafsson, 2011; Michailof e Bonnel, 2012). A apropriação é uma dimensão que
reconhece a necessidade de serem os países parceiros (recetores da ajuda) a
definirem a sua agenda de desenvolvimento, devendo ser esta a orientar a atividade
dos doadores (Lapão, 2005) – princípio já patente na definição das ERP na década de
1990. Este compromisso estende-se ao nível político nacional (OCDE, 2006).
As dimensões que passaram a orientar o discurso da CPD constituem um desafio,
em contextos frágeis, nomeadamente com pouca capacidade de governança e/
ou em situação de conflito (Lawson, 2013). Os documentos das organizações que
promovem a cooperação, produzidos em torno da eficácia da ajuda, apontam
algumas preocupações no âmbito da implementação dos objetivos da Declaração
de Paris, como a:
iv. Falta de apropriação nacional
v. Falta de coordenação e esforço de capacitação para o desenvolvimento;
vi. Prevalência das prioridades dos doadores face às necessidades dos países
parceiros (OCDE, 2008; Gustafsson, 2011).
Face a este paradigma de CPD fundado no discurso hegemónico da Agenda de
Paris, a primeira década do séc. XXI destaca-se pela concentração de esforços
em prol de uma maior eficácia da cooperação. Autores como Michailof e Bonnel
consideram que a retórica que acompanha este modelo com a dimensão social
correspondem “a uma preocupação com o politicamente correto entre doadores
envergonhados por terem contribuído para o sacrifício dos setores sociais aquando
do ajustamento estrutural dos anos 80” (2012: 178).

344
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ENQUANTO


ORGANIZADORES DO DISCURSO SOBRE A COOPERAÇÃO
O discurso que passou a orientar a CPD remete para construção de parcerias
sólidas, articuladas com as prioridades setoriais identificadas pelos próprios países
e integradas na sua ERP.
Segundo Colclough, King e McGrath (2010) nos países menos desenvolvidos de
África, a falta de quadros qualificados e a fuga de cérebros tem sido um entrave
à apropriação e ao estabelecimento de relações de confiança entre doadores
e parceiros, em grande parte face à falta de capacidade para conduzir e gerir
programas, aos problemas de boa governação e corrupção. Neste contexto, a
educação e formação, assumem particular relevância. As relações entre educação
e desenvolvimento foram assumidas pelos Estados e organizações transnacionais46,
considerando a educação como fator imprescindível de desenvolvimento dos
países, nomeadamente na luta contra a pobreza. A partir do momento em que
a educação passou a estar associada ao desenvolvimento económico, discurso
suportado por várias teorias económicas e sociais,e.g a Teoria do Capital Humano
e as teorias da modernização, a sua relação com a cooperação tornou-se inevitável
(Samoff, 2003).
Na discussão do lugar da educação na nova arquitetura da cooperação, percebe-
se que uma série de metas e objetivos foram lançados na agenda na educação,
estrategicamente apoiados pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) e
pela OCDE. As conferências e iniciativas internacionais tornaram-se importantes
veículos para a disseminação daqueles discursos sobre educação, influenciando
a forma como esta deve ser entendida, organizada e gerida (Samoff, 2003;
Gustafsson, 2011).

46. O modo de identificação destes contextos e Organizações não é uniforme. Para alguns autores
a designação “supranacional” refere-se ao contexto de influência direta do Estado-nação enquanto
que, para outros, a mesma designação é usada para se referirem às agências internacionais que
influenciam os conjuntos e/ou blocos organizados de Estados nação. Ao longo deste trabalho, a
designação “transnacional” refere-se à(s) agência(s) , como a ONU e o BM cuja existência está para
além dos Estados-nação considerados em bloco ou individualmente e regional quando for para referir
os blocos político-económicos que agregam Estados-nação (p. ex. a União Europeia, a Ásia-Pacífico
ou a NAFTA).

345
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Samoff utiliza o termo “globalization by conference” (2003:67) para retratar


a influência global criada pelas conferências e relatórios periódicos, impondo
termos e categorias para uniformização dos sistemas de educação (Samoff, 2003)
legitimados e legitimadores dos discursos políticos nacionais. O programa de
Educação para Todos (Jomptien, 1990), os ODM, bem como a Agenda Pós-2015,
refletem estas dimensões. No entanto, isto não significa que essas políticas não
possam ser reconfiguradas e moldadas a nível local, conduzindo a uma apropriação
contextualizada e contribuindo também para produções contra-hegemónicas
(Khamsi, 2014). Perante este conjunto de pressões ao nível dos sistemas educativos
(por um lado, entre as culturas locais e as suas exigências e, por outro, entre a
globalização e a questões de internacionalização), poder-se-á considerar que
esta “nova arquitetura da CPD” desencadeia e é desencadeada por uma “nova
arquitetura global para a educação”.
Face à influência internacional, em que as organizações de âmbito supranacional
e transnacional [e.g. União Europeia (EU), ONU, Banco Mundial, União Económica
e Monetária da África Ocidental (UEMOA), OCDE] são atores privilegiados na
definição de prioridades, de estratégias e de políticas, constrangendo o papel dos
estados nação na sua capacidade para a tomada de decisões (Dale e Robertson,
2002), interessa saber quais são os efeitos ideológicos e que agendas nacionais
constroem. Interessa explorar algumas das implicações do modo como a cooperação
tem surgido ao nível do ensino superior em países em desenvolvimento, no sentido
de perceber como esta é interpretada ao nível do contexto local.

A COOPERAÇÃO NO ÂMBITO DO ENSINO SUPERIOR


Até à década de 1990, a educação básica dominou os discursos de políticas
educativas e os documentos do BM e do FMI. Este domínio foi alimentado, em
parte, pelas taxas de retorno mais elevadas neste nível de ensino (Samoff, 2003;
Obong, 2004). Só no início da década de 2000 o Ensino Superior (ES) em PED ganha
relevância como peça fundamental para o desenvolvimento da sociedade e da
economia e para a redução do fosso entre países desenvolvidos e os PED (BM e
Unesco, 2000). Neste contexto, o discurso neoliberal da globalização e a retórica
sobre o conceito “economia do conhecimento”, promoveram o conhecimento
como uma mercadoria (Sawyerr, 2004), atribuindo ao ensino superior um papel

346
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

importante no desenvolvimento económico e crescimento, colocando os países


menos desenvolvidos, muitos dos quais sem universidades, numa situação de
desvantagem no mercado global (Altbach, 2007) e no campo da internacionalização.
Muitas instituições de ES (IES) foram sendo construídas tendo como referência
modelos importados do exterior, do mundo ocidental, sem que houvesse
uma adaptação dos mesmos às caraterísticas socioeconómicas, culturais e às
necessidades e potencialidades de cada país, pelo que a probabilidade de falharem
no seu sistema social local era elevada (Sanyal, 1982; Neave e Vught, 1994; Watson,
2001;Akkari, 2006;). Watson (2001) explica que esta atitude adaptativa por parte
dos países em desenvolvimento, por vezes, é justificada pela necessidade de
captar financiamento externo e/ou pela necessidade de responder a agendas
transnacionais.

CONHECIMENTO E INVESTIGAÇÃO NA “NOVA ARQUITETURA


DA CPD”
O rápido crescimento das “sociedades de informação” nos países desenvolvidos
levou à produção hegemónica de um conhecimento moderno (aquilo a que Sousa
Santos chama epistemologias do Norte). As sociedades do Sul enfrentam uma
ameaça real face às desigualdades de acesso a informação e conhecimento atual, o
que pode significar, além do domínio político e económico por parte das economias
desenvolvidas (do Norte), o aumento da homogeneização cultural e o agravamento
do desenvolvimento desigual, alargando as lacunas entre “informação-rica” e
“informação-pobre”, entre e dentro dos países e regiões (Grant, 2013).
A estranheza deste conhecimento do Sul ao nível dos diferentes setores dos
países menos desenvolvidos, particularmente em África, é tanto causa quanto
efeito da falta de reconhecimento da importância do conhecimento produzido
localmente (Grant, 2013), o que condiciona os pressupostos e estratégias que
cruzam os princípios de apropriação, harmonização e alinhamento da Declaração
de Paris, acima referidos.
A colaboração Norte-Sul entre IES acontece num circuito de protocolos e
parcerias no âmbito da cooperação, entre diferentes níveis de decisão política,
e.g. Estado, instituições públicas, ONGD, empresas (Botha e Breidlid, 2013). A

347
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

colaboração tem sido útil e necessária para a produção de conhecimento, para o


desenvolvimento institucional e para potenciar a cooperação internacional (Botha
e Breidlid, 2013). Estas relações permitem facilitar uma série de atividades, como a
pesquisa, o desenvolvimento profissional, a mobilidade de estudantes e docentes
e constituem-se como instrumento de internacionalização (Alo, 2003; Sakamoto e
Chapman; 2011).
A colaboração internacional no ensino superior parece assentar numa visão do
conhecimento como resultado de uma monocultura epistémica (Santos, Nunes e
Meneses, 2007). Nas trocas Norte-Sul valoriza-se o conhecimento estandardizado
de acordo com o discurso político, económico e cultural globalizado, ficando desta
forma o conhecimento local em segundo plano (Shiza, 2010 in Botha e Breidlid,
2013). Segundo Botha e Breidlid (2013), enquanto os parceiros do sul não assumirem
o controlo destes processos, as colaborações estão condenadas a falharem os
propósitos de “capacitação”, “desenvolvimento” e “responsabilidade mútua”.
As experiências acumuladas permitem afirmar que as aprendizagens e as
práticas entre as fronteiras Norte-Sul não podem ser impostas ou simplesmente
transferidas, tornando-se fundamental desenvolver práticas a partir dos próprios
contextos de trabalho (Botha e Breidlid, 2013). Isto conduz à concetualização
analítica do objeto discursivo CPD como significante flutuante (Laclau e Mouffe,
1987), isto é, um objeto do discurso sujeito a luta discursiva pela fixação de
sentido. Esta acontece através da resistência ao discurso hegemónico do modelo
“top-down” ao nível das parcerias no ES e por uma maior apropriação de ideias e
estratégias para solucionar problemas que possam conduzir e contribuir para o
desenvolvimento endógeno dos países (Crossley e Watson, 2003).

ESTUDO EXPLORATÓRIO
A clarificação de algumas das dimensões do meu objeto de estudo implica um
conhecimento aprofundado do contexto em que se desenvolve a CPD. Neste
sentido, foi realizado um estudo exploratório em CV.
Dada a posição epistemológica que é assumida no meu trabalho, considero que
as investigações em contextos específicos como os “do Sul” devem desenvolver-se
através da auscultação dos atores locais do processo político da implementação de

348
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

programas de CPD, a fim de minimizar riscos associados à definição dos limites do


objeto de estudo baseado em preconceções.
O objetivo do estudo exploratório foi o de selecionar, a partir das falas dos atores
entrevistados, programas/projetos de cooperação que permitissem perceber a
reconfiguração da agenda da cooperação no ensino superior, a nível nacional e
local. Foram considerados os seguintes pressupostos:
§ importância de serem privilegiadas leituras e reflexões a partir do contexto
local;
§ envolver interlocutores locais na seleção dos programas, de acordo com
critérios a especificar.
O estudo exploratório contemplou a visita às instalações de 5 IES – Universidade
de Cabo Verde, Universidade Jean Piaget, Uni-Mindelo, Instituto Superior de Ciências
Económicas e Empresariais (ISCEE), Instituto M_EIA – realização de 13 entrevistas
semiestruturadas, recolha de documentos e elaboração de notas de campo.

1. AS ENTREVISTAS FORAM REALIZADAS JUNTO DOS ATORES:


§ Diretores e Presidentes de IES, públicas e privadas;
§ Professores a lecionarem no ES público e/ou privado;
§ Técnicos do Gabinete Estatístico e de Planificação da Uni-CV;
§ Membros da Comissão Instaladora da Uni-CV;
§ Atores políticos que participam na tomada de decisão ao nível do Ensino
Superior.
Os dados obtidos, permitiram:
estabelecer uma lista de interlocutores a entrevistar no estudo a desenvolver;
§
perceber como se desenvolveu o ES em Cabo Verde e as suas caraterísticas;
§
perceber a importância da cooperação ao nível do ES em CV;
§
identificar documento a integrar o corpus.
§

349
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2. A RECOLHA DE DOCUMENTOS RESULTOU NUM CORPUS DE


15 DOCUMENTOS, QUE ENQUADRAM A INVESTIGAÇÃO DA
SEGUINTE FORMA:
descrição e caraterização do contexto educativo de CV
§
implementação e desenvolvimento do ES em CV e caraterização da IES
§
existente.
É importante referir que um dos constrangimentos que pode e tem surgido
prende-se com a dificuldade em aceder a determinado tipo de documentos,
mesmo no local (e.g. documentos relativos à Comissão Instaladora do ES em CV,
relatórios de acompanhamento e avaliação dos programas/projetos).

3. AS NOTAS DE CAMPO APONTAM PARA O SEGUINTE:


Os programas/projetos de CPD são parte integrante da vida das IES visitadas,
§
podendo mesmo afirmar-se que, principalmente na IES privadas há uma
dependência direta dos projetos de cooperação, quer a nível de financiamento,
quer ao nível de apoio técnico e quadro de docentes;
Há uma resistência em criticar programas de cooperação e as falas remetem
§
para a importância de existirem apoios externos, independentemente da sua
natureza e condução;
Os relatórios de acompanhamento e avaliação dos programas de cooperação
§
desenvolvidos podem ser mais facilmente conseguidos junto dos parceiros
estrangeiros (Portugal, Brasil).
A Agenda de Paris é pouco/nada referida, o que não implica que arquitetura de
§
cooperação desta agenda, não esteja presente nos programas desenvolvidos;
Os critérios de seleção dos entrevistados devem contemplar técnicos de
§
cooperação/interlocutores de entidades parceiras estrangeiras (externas).

PRIMEIRAS CONCLUSÕES DO ESTUDO EXPLORATÓRIO


De acordo com os dados do estudo exploratório, é possível identificar ao nível das
perspetivas dos atores locais marcas de resistência aos discursos hegemónicos que
têm dominado a CPD. Por exemplo, neste excerto, “(…) a avaliação dos programas
de cooperação deviam começar quando os programas acabam. Os instrumentos
de avaliação são mal concebidos, o que impede que os projetos sejam bem-
sucedidos. No entanto, nos relatórios, os objetivos são sempre alcançados

350
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

com sucesso” (ENT.3, Deputado da Assembleia Nacional de CV), o entrevistado


distancia-se dos moldes como a cooperação acontece no seu contexto, através de
mecanismos linguísticos e gramaticais que criam o objeto CPD como algo que vem
de fora, desajustado.
Existe um discurso dominante que rege a cooperação entre as universidades
num eixo Norte-Sul que, segundo Jones (2007), representa a “arquitetura global
da educação”. Este conhecimento perpetua as relações coloniais de iniquidade,
dando forma a uma monocultura do conhecimento, de onde estão ausentes
diferentes conhecimentos, como o “local”, “tradicional” e outros que resultam da
prática social (Santos, Nunes e Meneses, 2007).
Ao nível do contexto local, a recontextualização parece ser assumida como um
processo negocial em que os atores locais têm menor capacidade de intervenção,
o que, mais uma vez, remete para a problemática da resistência o modo como os
atores locais se posicionam no processo político da CPD.

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354
DESAFIOS DA INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTOS
DE DESENVOLVIMENTO: UM PROJETO DE
INVESTIGAÇÃO EM ANGOLA

Sara Poças1; Amélia Lopes2; Teresa Medina2; Júlio Gonçalves dos Santos3
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto,
Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto1; Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade do Porto2; Instituto da Educação –
Universidade do Minho, Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto3
sarapocas@gmail.com; amelia@fpce.up.pt; tmedina@fpce.up.pt; jgpsantos@
ie.uminho.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
O cenário de reconstrução e mudança educativa vivido em Angola, após um longo
período de conflito armado, que terminou em 2002, influencia as metodologias de
investigação utilizadas neste país.
O projeto de investigação em curso visa identificar e analisar os efeitos da
cooperação internacional, em particular da cooperação portuguesa, na formação
de professores de ciências, a nível do ensino secundário, em três províncias de
Angola: Benguela, Cabinda e Kunene.
Para a realização do estudo optou-se por uma metodologia qualitativa, com
recurso a análise de documentos de Angola e de agências internacionais com
influência na política educativa angolana, a observação participante de formadores
de professores, a realização de entrevistas semiestruturadas e grupos focais
com agentes educativos, responsáveis de organizações ligadas à formação de
professores e decisores do Ministério da Educação.
Pretende-se, assim, refletir sobre os desafios da investigação realizada no
contexto de Angola.
Na recolha de dados efetuada verificaram-se alguns desafios, como o acesso a
documentos de estratégia nacional, a realização de grupos focais com pessoas cujos
cargos estão ligados à administração estatal, o acesso à observação de práticas de
formação de professores e a especialistas sobre o ensino das ciências em Angola e
o acesso a instituições e/ou organizações, sem ter contactos privilegiados.
Palavras-chave: metodologias da investigação, cooperação para o
desenvolvimento, Angola

1. INTRODUÇÃO
Esta comunicação insere-se no projeto de doutoramento em curso intitulado
“Formação de professores em Angola: influências, conceções e práticas em
contexto de cooperação para o desenvolvimento”. Com esta investigação
pretende-se compreender em que medida agendas globalmente estruturadas
influenciaram e influenciam as decisões sobre a formação de professores em
Angola, em especial o papel desempenhado por diferentes instituições, como o

356
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Banco Mundial, a Cooperação Portuguesa, a OCDE, a UNESCO e a UNICEF.


A investigação em curso visa identificar e analisar efeitos da cooperação
internacional, em particular da cooperação portuguesa, na formação de professores
de ciências, a nível do ensino secundário, em três províncias de Angola: Benguela,
Cabinda e Kunene.
No decorrer da recolha de dados realizada em Angola, iniciada em 2013 e que
continuou em 2014, nas províncias em estudo, acima referidas, e também em Luanda,
por ser a capital do país, e consequentemente por ser local privilegiado de acesso
aos decisores políticos e a representantes de Organizações Não-Governamentais
(ONG) nacionais e internacionais com trabalho na área da educação, e ainda a
especialistas e a documentos políticos de referência, verificaram-se algumas
particularidades nesta recolha, sobre as quais se pretende discutir.
Assim, esta comunicação tem como objetivo refletir sobre os desafios da
investigação realizada no contexto de Angola.

2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ANGOLA


Após a proclamação da independência, em 1975, Angola passou por um longo
período de conflito armado, que terminou em 2002 (Zau, 2005).
Em 2001, perto do fim do conflito armado, o Conselho de Ministros aprovou a
Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação 2001-2015 (GRA,
2001), a ser operacionalizada pelo Ministério da Educação. Nesta data foi também
definida a Lei de Bases do Sistema da Educação (LBSE) (Lei n.º 13/01 de dezembro de
2001) (Assembleia Nacional, 2001), atualmente ainda em vigor, que reestruturou
o sistema da educação.
Relativamente à formação de professores, foi elaborado em 2007 o Plano Mestre
de Formação de Professores em Angola, um documento que regula a formação de
professores em Angola (MED, s/d; INFQ&BIEF, 2007).
Posteriormente, foram publicados vários documentos de estratégia nacional:
A Estratégia de Desenvolvimento de Longo Prazo “Angola 2025”, que apesar de
estar referida em todos os restantes documentos, não é de acesso público (o que
explica o facto de este documento não ser diretamente citado); o Plano Nacional

357
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de Desenvolvimento 2013-2017 (MPDT, 2012), que é um plano a médio prazo, que


operacionaliza a Estratégia“Angola 2025”; a Estratégia Nacional de Formação de
Quadros e o Plano Nacional de Formação de Quadros (GA, 2012a; GA, 2012b),
que regulam a formação de quadros nacionais e também estão articulados com a
Estratégia “Angola 2025”.
No sistema educativo angolano, a formação de professores enquadra-se a nível
do 2.º ciclo do ensino secundário (formação média normal) e do ensino superior
(graduação e pós-graduação académica), sendo que neste estudo se pretende dar
voz aos formadores dos professores do 2.º ciclo do ensino secundário, que terão
feito a sua formação no ensino superior.
As agências internacionais como o Banco Mundial, a UNESCO, o Brookings
Institute têm lançando diretivas relativamente à importância da formação de
professores (Banco Mundial, 2011; Brookings, 2012; UNESCO, 2013), algumas das
quais são seguidas por Angola e estão refletidas nos documentos de estratégia
nacional referidos (MED/UNESCO, 2013).
Angola encontra-se num contexto de reconstrução educativa: ao nível das
estruturas físicas, o país, desde 2002,tem investido muito na sua reconstrução, por
isso, atualmente, o investimento prioritário é na formação de quadros (GA, 2012a;
GA, 2012b).
Este aspeto influencia o acesso à educação: devido à escassez de professores, há
uma grande dificuldade no acesso, principalmente ao nível do ensino secundário
(MED/UNESCO, 2013).

3. METODOLOGIA
Esta comunicação reflete sobre a metodologia de investigação adotada para o
projeto de investigação. Para este projeto opta-se por uma abordagem qualitativa
(interpretativa) de entre os paradigmas comummente utilizados na investigação
em educação (positivista e interpretativo) (Bogdan & Biklen, 1996; Cohen, Manion
& Morrison, 2009) e pelo desenvolvimento de um estudo comparativo entre as
três províncias de Angola.
Estas províncias, do litoral e de zonas fronteiriças, têm diferentes influências
linguísticas, culturais e formativas: a província de Benguela, situada no litoral de
Angola, está a ser objeto do programa da cooperação portuguesa desde 2009; a

358
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

província de Cabinda, situada no enclave entre o Congo Brazzaville e a República


Democrática do Congo, começou no ano de 2013 a ser objeto do mesmo programa
de cooperação, e tem influências dos países vizinhos; a província do Kunene,
província do sul de Angola, que faz fronteira com a Namíbia, não é alvo de projetos
da cooperação portuguesa e também se encontra numa zona fronteiriça. Também
aqui existem diferentes histórias de participação, de formação, de influência e de
como estes formadores foram ou não construindo os seus espaços de integração.
No projeto de investigação, foi prevista a utilização dos seguintes instrumentos
e técnicas de recolha de informação:
§ Recolha de documentos: legislação sobre o sistema educativo de Angola,
planos nacionais, documentos de estratégia nacionais, imprensa local,
relatórios nacionais e provinciais, currículos e programas referentes à formação
inicial de professores de ciências no Ensino Médio das Escolas de Formação
de Professores (EFP) (especialidade biologia-química), dados estatísticos de
educação (como o número de escolas e o acesso dos alunos por níveis de
ensino, as escolas de formação de professores, o número de professores e
a respetiva formação académica e profissional), a nível nacional e provincial;
§ Observação participante: acompanhamento de aulas na formação inicial,
sessões de formação contínua, práticas letivas ou ainda encontros relevantes
que aconteçam «durante o trabalho de campo, e que permitam a interação
entre o investigador e os indivíduos informantes. Nestes contextos, a ética
da observação participante pode desafiar o investigador se, no processo de
observação, forem tratados assuntos de caráter sexista, racista ou reacionário
que são contrários à moral e aos valores do investigador (Harrison, 2006);
§ Notas de campo: registadas no período de recolha de dados, no campo empírico
da investigação, que se pretendem descritivas e detalhadas, contendo registos
do trabalho de campo, para além de uma componente reflexiva que pretende
melhorar as notas recolhidas (Bogdan & Biklen, 1996). Pretende-se que as notas
de campo sirvam para enriquecer a análise e a interpretação dos dados.
§ Entrevistas semiestruturadas: a formadores de professores de ciências do
ensino secundário, particularmente aos professores das EFP da especialidade
de biologia-química, a membros das três direções provinciais da educação
(DPE) das províncias em estudo e a membros do Ministério da Educação
(MED), particularmente da direção do Instituto Nacional de Formação de
Quadros (INFQ) e do Instituto Nacional para Investigação e Desenvolvimento
da Educação (INIDE).

359
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Para alguns entrevistados, especialmente os que têm cargos de nível superior,


em instituições do governo, por exemplo, o grau de formalidade de uma entrevista
estruturada ou semiestruturada pode ser visto de forma mais positiva e incentivar
a participação (Willis, 2006).
§ Grupos focais com os membros referidos no ponto anterior, cujo objetivo
principal é “(…) extrair das atitudes e respostas dos participantes do
grupo, sentimentos, opiniões e reacções que se constituiriam num novo
conhecimento” (Galego & Gomes, 2005).
§ Os dados que se pretendem analisar têm uma natureza histórico-educativa e
têm também um conjunto de conhecimentos, ideologias e valores do contexto
em estudo, ou seja, são também discursos. Tendo em conta esta dualidade,
serão feitas duas abordagens: a da “investigação histórico-educativa” e a da
“análise em discurso” (Lopes et al., 2004).
§ A perspetiva histórico-educativa interessa enquanto clarificadora do estatuto
reconhecido a este estudo, muito contextual ao processo sócio-histórico e não
enquanto modo de fazer história da educação (Lopes et al., 2004).
§ A análise em discurso corresponde tecnicamente a análise de conteúdo,
mas tomando os textos como discursos. A análise de conteúdo é de tipo
interpretativo, possibilitando a extração e a sistematização de conhecimento,
que uma primeira leitura dos dados não permitiria (Esteves, 2006).
É de salientar que neste estudo foram consideradas questões de ordem ética,
essenciais aos processos de investigação em educação, com base em vários autores
(Cohen, Manion & Morrison, 2009; BERA, 2011; Brydon, 2006): compromisso
de respeito pelas pessoas, pelo conhecimento, pelos valores democráticos, pela
justiça e equidade; pela qualidade da investigação em educação; e pela liberdade
académica (BERA, 2011). Destaca-se, ainda, o consentimento informado dos
informantes, a fim de manter o anonimato e a confidencialidade dos dados
recolhidos, para garantir a integridade dos mesmos e não condicionar futuras
investigações, deixando abertura para que todos os procedimentos que venham
a ser utilizados possam ser verificados e realizados por outros investigadores,
mantendo sempre a integridade e a autonomia e não fazendo apenas seleção dos
dados que são convenientes ao estudo.

360
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

4. DESAFIOS DA INVESTIGAÇÃO NO CONTEXTO ANGOLANO


Nesta comunicação não se pretende apresentar uma análise dos dados
recolhidos, mas sim fazer uma reflexão sobre o processo de recolha de dados,
tendo em conta o contexto angolano.
Sobre o contexto, pode dizer-se que as questões políticas e hierárquicas estão
bastante patentes no dia-a-dia, e que os cargos de chefia, como sejam os diretores
de escola, são nomeados pelas DPE, assim veiculando projetos político-ideológicos
da estrutura governamental.
Esta hierarquia obrigou a investigadora a obedecer a um protocolo estrito. Por
exemplo, para ter acesso aos professores formadores de uma EFP para entrevista,
teve de contactar primeiro a DPE para dar conhecimento dos objetivos da pesquisa
que pretende realizar; de seguida contactou o diretor da EFP, ou outro elemento
da direção por este designado, informando que já contactou a DPE. O diretor
da EFP contactou o(s) coordenador(es) de disciplina dos professores, para que
este contactasse ou fornecesse à investigadora os contactos dos professores
formadores. Se forem contactados pelo seu coordenador, todos os professores
formadores responderão positivamente ao pedido de entrevista.
Existem outros aspetos que podem influenciar a recolha de dados e,
consequentemente, a investigação em Angola, como a importância da oralidade,
especialmente no meio rural, a escassez de registos escritos (também devido
ao ainda pequeno número de investigadores africanos), assim como de dados
estatísticos (estes, quando existem são confusos e não raras vezes pouco coerentes)
(Jansen, 2005).
Para além dos aspetos já referidos, far-se-á uma análise sobre o processo de
recolha de dados, tendo em conta os itens apresentados no ponto da “Metodologia”.
Relativamente à recolha de documentos:
§
A legislação sobre o sistema educativo de Angola recolhida foi a Lei de bases do
Sistema de Educação(AN, 2001). Não foi possível ter acesso ao Estatuto da carreira
docente, tendo sido cedido um documento por um técnico de uma ONG com as
tabelas salariais dos professores, com as várias formações e categorias, como
sendo o tal Estatuto.

361
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Relativamente aos planos nacionais, o Plano Mestre de Formação de Professores


em Angola (MED, s/d) e o Plano e Estratégia Nacional de Formação de Quadros
2013-2010(GA, 2012a, GA, 2012b) foram de fácil acesso, estando o primeiro
disponível on-line e o segundo disponível em papel.
Constatou-se a existência dos documentos de estratégia nacionais: Angola
2025e Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 (MPDT, 2012). Este último
documento está disponível on-line. No entanto, e tal como já foi mencionado,
a Estratégia de Desenvolvimento de Longo Prazo “Angola 2025”, apesar de ser
referida em todos os documentos de estratégia nacional que a operacionalizam,
quer do setor da educação, quer de outros setores, na comunicação social e
pelos entrevistados, não está disponível publicamente. A indisponibilidade
deste documento inviabiliza uma leitura global do mesmo e a possibilidade de
fazer interligações entre a educação e outras áreas que a podem influenciar,
nomeadamente a saúde e as obras públicas, e pode causar constrangimentos na
sua referência, no entanto, isto pode ser considerado como uma particularidade
contextual. O acesso a documentos oficiais é também referido por Jansen (2005)
como um problema comum para os investigadores em África, devido à quantidade
de autorizações que é preciso ter para chegar aos mesmos.
Relativamente à imprensa local (jornais on-line e em papel), é possível ter acesso
on-line aos seguintes jornais: Jornal de Angola, ANGOP – Angola press, Rede Angolae
O País. Embora estes, principalmente o Jornal de Angola, não permita o acesso
a todas as notícias do jornal em papel (facto constatado pela investigadora no
contexto), principalmente as que dizem respeito às províncias, são uma fonte rica de
informação, especialmente ao nível da atualidade, dos eventos e dos acontecimentos
da educação no país. De referir que, a maior parte das notícias apresentam aspetos
positivos, não havendo muitas críticas, principalmente ao ensino público.
Sobre os relatórios nacionais e provinciais, e segundo os planos nacionais
publicados, já estarão elaborados o Relatório de avaliação do PMFPe o Relatório
de avaliação da implementação da Reforma Educativa. No entanto, ainda não são
públicos ou a investigadora não teve até à data acesso aos mesmos.
Os currículos e programas referentes à formação inicial de professores de
ciências no Ensino Médio das EFP (especialidade biologia-química) foram de fácil

362
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

acesso, devido à atividade profissional da investigadora no país, na assistência


técnica a um projeto de formação de professores nas EFP.
Relativamente aos Dados estatísticos de educação a nível nacional e provincial,
a investigadora conseguiu reunir alguns dados estatísticos cedidos pelas DPE de
Cabinda, de Benguela e do Kunene. No entanto, estes dados estão em formatos
diferentese apresentam informações também diferentes, pelo que a investigadora
pretente ainda contactar o Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística (GEPE)
do MED.
Relativamente à observação participante:
§
Até ao momento só foi possível observar uma aula na formação inicial, não tendo
sido possível observar sessões de formação contínua nem práticas letivas, por
vários motivos: as EFP estavam em pausa letiva e/ou não as realizam, não houve
disponibilidade por parte dos professores para esta observação e nos horários
previstos estas não se realizaram.
A investigadora, através de contactos privilegiados, teve a oportunidade de
participar em dois encontros: Encontro técnico do INFQ, encontro nacional
realizado em dezembro de 2013 em Luanda, sobre o lema: “Professor – emprego,
profissão ou missão?”, com o MED, as DPE, as EFP e parceiros da sociedade civil
para discussão das estratégias futuras para as mesmas; e Seminário provincial
EPT “Pela Aceleração dos Objectivos da Educação Para Todos, Reforcemos a
Mobilização Geral de Angola e África”, em novembro de 2013, na província de
Cabinda, com a finalidade de traçar as metas EPT para a província até 2015. Estes
encontros revelaram-se importantes, para se obter um panorama geral atual sobre
a educação e a formação de professores em Angola e por permitir um debate com
os intervenientes.
Relativamente às entrevistas semiestruturadas:
§
Foi possível realizar entrevistas semiestruturadas a formadores de professores
de biologia e de química das três EFP, assim como a elementos da direção e agentes
da cooperação das mesmas escolas, a membros das três DPE e do MED, conforme
o previsto, estes últimos devido a contactos privilegiados, muito vantajosos neste
contexto de investigação.

363
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

No entanto, tem-se verificado uma grande dificuldade em contactar as ONG


e organizações internacionais, em Luanda, devido a: ausência de resposta a
pedidos de entrevista, indisponibilidade, dificuldade de agendamento ou falta de
comparência por parte dos técnicos47.
Também ainda não foi possível identificar um especialista em ensino das ciências,
que tenha uma visão global sobre a formação em ciências em Angola.
Relativamente às entrevistas com os professores formadores, a investigadora
pôde constatar que: os entrevistados angolanos são disponíveis e não têm
qualquer problema perante o gravador, o que não aconteceu com os entrevistados
portugueses, agentes da cooperação, que pediram sempre informação prévia
sobre as questões colocadas. Constatou-se também que as entrevistas com
os professores demoram, geralmente, o dobro do tempo das entrevistas das
professoras, pois exploram as ideias de uma forma mais extensa.
Relativamente aos grupos focais:
§
Foi realizado um encontro com três professoras, em uma das províncias, que não
pode ser considerado um grupo focal no real sentido do termo, pois não houve
debate e confronto de ideias: a coordenadora do grupo disciplinar encontrava-se
entre as professoras e dominou completamente a conversa, falando sempre em
primeiro lugar. As restantes professoras limitaram-se, brevemente, a concordar
com a coordenadora, obedecendo à hierarquia.
Os professores nunca mostraram disponibilidade de horário para um encontro
conjunto.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta comunicação pretendeu apresentar algumas particularidades e desafios da
investigação no contexto angolano. De acordo com a experiência da investigadora
e com a literatura, estes desafios são comuns a outros contextos de países em
desenvolvimento (Hammett & Wedgwood, 2005).

47. Houve um técnico de uma organização com o qual a investigadora marcou 5 encontros, que não se
realizaram pois nunca o conseguiu encontrar no escritório.

364
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Na recolha de dados realizada foram apresentados alguns desafios, inerentes à


investigação em contextos de desenvolvimento e também ao contexto de Angola,
como sejam:
§ o acesso a documentos políticos oficiais de estratégia nacional;
§ o acesso a instituições e/ou organizações, como o Banco Mundial, sem ter
contactos privilegiados;
§ acesso às pessoas, principalmente com cargos de liderança, como membros
do Ministério da Educação (só se consegue chegar a estas pessoas mediante
contactos prévios e privilegiados);
§ a realização de grupos focais com pessoas que têm relações de poder,
§ o acesso à observação de práticas de formação de professores;
§ o acesso a especialistas sobre o ensino das ciências em Angola;
§ falta de disponibilidade das pessoas, principalmente em Luanda.
Relativamente ao contexto angolano, o custo de vida do país, o custo do alojamento
e da alimentação, o trânsito caótico, principalmente em Luanda, a dificuldade de
gestão de tempo, contando com as esperas por pessoas, o trânsito, as grandes
distâncias, as dificuldades de transporte, as questões hierárquicas são também
limitações logísticas que dificultam e condicionam a investigação neste contexto.
Na realidade, estes desafios podem resumir-se em dois: o acesso aos sujeitos
de investigação e aos documentos, e as relações de poder dos sujeitos, que
condicionam os discursos e, algumas vezes, os transformam em discursos
“politicamente corretos”.
Foram apresentadas uma série de particularidades do contexto, que podem, à
primeira vista, parecer negativas. No entanto, estas diferenças devem ser encaradas
precisamente como diferenças contextuais importantes para a metodologia de
investigação a adotar, e não como aspetos negativos.

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367
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

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368
INVESTIGAÇÃO EM CONTEXTOS PÓS-COLONIAIS
–A NECESSIDADE DE AUTO-REFLEXÃO CRÍTICA

Júlio Gonçalves dos Santos


Instituto da Educação – Universidade do Minho, Centro de Estudos Africanos da
Universidade do Porto
jgpsantos@ie.uminho.pt
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

RESUMO
Esta comunicação surge da necessidade premente de repensar a investigação
que está sendo levada a cabo em contexto africano, sobretudo por investigadores
do Norte. Chama a atenção para a literatura que refere que parece existir pouca
reflexão crítica sobre os objetivos e práticas da investigação em educação e
desenvolvimento no Sul. Ao mesmo tempo, lembra que os investigadores e
práticos de terreno terão de ter a humildade de saber ouvir outros modos de
representação, de interpretação e de comunicação que têm sido marginalizados
no discurso do Ocidente, sendo útil considerar uma abordagem pós-colonial que
significa um outro olhar sobre o conhecimento e as necessidades desenvolvidos
fora do Ocidente.
Recorre-se também a notas de campo e a conversas informais com investigadores
que cruzam fronteiras em educação internacional e comparada para ilustrar,
inter alia, a complexidade dos contextos, a origem e hegemonia das agendas de
investigação e a relevância da cultura nos processos e práticas de investigação.
Palavras-chave: investigação e cultura, Contexto pós-colonial; educação
internacional e comparada.

INTRODUÇÃO
Esta comunicação retoma um dos desafios que coloquei no I Congresso Cabo
Verdiano de Educação e que diz respeito à questão da investigação em educação
no contexto dos países do Sul, em particular no contexto africano. Este é um
desafio urgente: trata-se de (re)pensar uma agenda para a investigação em
cooperação na área da educação, sensível aos contextos e que seja um contributo
para a cooperação para o desenvolvimento de qualidade, não desligada dos
desafios que se esperam que vão dominar a agenda do desenvolvimento pós-
2015 na área da educação. O 4º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
está consagrado à educação e está formulado da seguinte maneira: até 2030,
assegurar uma educação de qualidade, inclusiva, e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida. Sabemos que as metas para atingir este ODS
são ambiciosas (algumas consideradas mesmo irrealistas) e estão a suscitar um
debate a nível internacional.

370
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

Esta comunicação inspira-se, em grande parte, na reflexão conjunta com um


grupo de jovens investigadores portugueses que se têm dedicado ao estudo
da educação no contexto da Africa Lusófona. Adotamos, nesta comunicação,
o conceito de educação internacional para designar o estudo da educação em
países “em desenvolvimento”. Contudo, é necessário problematizar o conceito
de “país em desenvolvimento”. De acordo com Philips e Schweisfurth (2014) os
termos “desenvolvido” e “em desenvolvimento” formam uma falsa dicotomia
por uma série de razões: a maior parte dos países do mundo são países de renda
média; muitos países têm zonas desenvolvidas e zonas menos desenvolvidas; da
mesma forma, existem vastas diferenças entre diferentes grupos étnicos e entre
homens e mulheres; também depende do que chamamos “desenvolvimento” e
estes termos sugerem que alguns países já conseguiram o “desenvolvimento”,
enquanto outros estão a caminho. As substituições para estes termos com base
na geografia (norte/sul; ocidente/oriente) assim, como o termo “Terceiro Mundo”
não parecem melhores”. O que estes autores nos sugerem é que os países e
regiões que tradicionalmente caem na categoria de “em desenvolvimento”
partilham problemas de educação comuns e, sendo isto uma parte importante do
campo da educação internacional, com alguma relutância usam esta designação,
estando conscientes da sua fraqueza como categoria, termo e conceito.
Por esta e por outras razões, parece importante, nesta fase dos nossos percursos
profissionais (intimamente ligado a projetos de cooperação) e académicos
(muitas vezes, associados a uma dimensão aplicada de investigação), apresentar
a nossa vivência direta da “condição pós-colonial” enquanto investigadores
sobre educação em contexto africano para que haja mais reflexão crítica sobre os
objetivos e práticas da investigação em educação e desenvolvimento (Stephens,
2004, Foster et al, 2013, Silva et al, 2013).
Além da minha experiência pessoal, profissional e académica, recorro nesta
comunicação à voz de quatro jovens investigadores, com um percurso muito
sólido na área da educação internacional e comparada, a quem coloquei questões,
nesta fase exploratória, sobre os processos de investigação em educação. A ideia
consistiu em aprofundar várias temáticas: os percursos e as razões que levaram à
escolha desta área, as lições aprendidas, as caraterísticas da investigação na área
da educação internacional e comparada, os desafios do investigador em contexto

371
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

pós-colonial, os constrangimentos do trabalho de campo e da implementação


do design metodológico e ainda a influência dos aspetos culturais na condução
da investigação em contexto africano. Algumas das respostas, como se verá nos
exemplos mais à frente, são extremamente elucidativas sobre o papel, a reflexão
e as condições físicas e operativas da investigação, as inquietações, sensibilidades
e posicionamento enquanto “internos” e “externos”(insiders e/ou outsiders)
ou ambos, ou, mesmo, que estão entre os dois estatutos (inbetweeners). Esta
comunicação não pretende esgotar todas as temáticas abordadas, mas tão só
apresentar uma primeira análise de alguns dos problemas, desafios e dilemas que
se colocam aos investigadores nestes contextos.

INVESTIGAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO EM ÁFRICA: ALGUMAS


INTERROGAÇÕES EM CONTEXTO PÓS-COLONIAL
Devemos, enquanto investigadores e práticos de terreno em contexto africano, de
considerar o desafio de Amina Mama (2012, 532) que nos interpela a “descolonizar
a vida intelectual”, sobretudo quando esta é “caracterizada pelo recurso acrítico a
paradigmas, conceitos e metodologias que são gerados no exterior e que reduzem
a África a algo de simplista e homogeneizado”. A integração e reconhecimento, nos
objetivos e práticas de investigação, de conhecimentos, valores, metodologias que
espelhem e reforcem as “vozes e as práticas do Sul” e a diferença (como recurso e
não como problema), é um passo fundamental para lidar com questões de poder,
desigualdade e para desafiar noções de supremacia cultural que, de acordo com
Andreotti (2008:57), desencadeia atitudes paternalistas em relação aos povos do Sul.
Isto tem de implicar uma escuta atenta das necessidades e aspirações em relação aos
problemas que devem ser investigados, de forma conjunta entre equipas do Norte e
Sul Globais e que enfatizem, por exemplo, como a cultura e os “fatores contextuais
podem moldar o processo de investigação” (Stephens, 2007:58).
O que está escrito acima, encontra eco na voz dos entrevistados sobre o trabalho
de campo em África: O investigador B revela que uma das lições importantes a
reter do processo de investigação é o “aprender a desaprender”: Acrescenta
que a questão essencial implica “eliminar os teus preconceitos”, adotando uma
“postura crítica do que sabemos e do que não sabemos”. A investigadora D realça a
importância dos contextos e da presença de investigadores do Sul na orientação da

372
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

investigação “sobre” o sul, desafiando noções de supremacia cultural e valorizando


a importância de outro conhecimento “não-ocidental”. Reflete sobre como se
pode fazer a diferença na investigação:
“A preocupação em desenvolver um estudo alicerçado na realidade local,
contemplando a especificidade dos contextos africanos, implica um trabalho
consertado entre o terreno, a teoria e a prática, tarefa facilitada pelo facto
de possuir uma orientadora de [um PALOP], o que garante a supervisão de
investigadores do sul – algo que considero estruturante nas investigações
“sobre” o Sul. Desenvolver investigação a partir do contexto e daquilo que ele
nos apresenta é algo que também identifico como determinante para conduzir
o nosso pensamento…”Despirmo-nos” do que consideramos certo e errado e
até mesmo do que já pensamos ter analisado e perspetivado desta ou daquela
forma e encontrar sentido das práticas que se desenvolvem no contexto é algo
que temos de estar dispostos a [aceitar].”

Ora isto tem a ver com a preocupação que temos tido em “Aprender a ouvir o
Sul” Autores como Holmes e Crossley (2004:19) incitam-nos a procurar escutar
os “modos de interpretação, representação e comunicação que tem estado
historicamente marginalizados na investigação e no desenvolvimento educativos”.
A investigadora A capta de forma clara este sentido do aprender a ouvir:
“…É ter tempo para estar, para ouvir e para ver. Só assim se começa a perceber
o que é o contexto africano”.
Esta citação corrobora a importância que deve ser atribuída aos contextos. Crossley
/(2001) no capítulo intitulado “Reconceptualizing Comparative and International
Education” chama a atenção para a implicações teóricas do contexto e da cultura –
conceitos que, segundo ele, são centrais para o trabalho dos especialistas em Educação
Internacional e Comparada (EIC). Segundo Cristina Pires Ferreira (cf. entrevista à
revista Africana Studia nº 22), a investigação sobre educação em África deve ser
desenvolvida de “forma autóctone, com base em referenciais e epistemologias que
reflitam a vivência, (a)s identidade(s) africana(s). A reconceptualização de que fala
Crossley, passa pelo descentramento e desconstrução de paradigmas hegemónicos,
conforme a reflexão e desejo de Pires Ferreira:
“Espero que a África possa produzir e difundir conhecimento de si e para si,
seguindo a perspetiva avançada por Amílcar Cabral, em 1973, “pensar com as

373
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

nossas próprias cabeças”. Almejo ainda, que esse conhecimento seja reconhecido
pela sua diversidade, pelo descentramento dos paradigmas hegemónicos que
acarreta e que, ao mesmo tempo, agregue valor à(s) cadeia(s) de conhecimento
global” (Ferreira, 2015)

A voz da investigadora C chama a atenção para esta relevância contextual no


processo da investigação:
“O percurso do investigador em contexto africano tem algumas diferenças em
relação aos contextos dos países desenvolvidos, como por exemplo, a importância
da oralidade, especialmente no meio rural, a escassez de registos escritos, assim
como de dados estatísticos…Também se pode destacar a dificuldade de acesso
à informação oficial, a algumas pessoas (dependendo do seu cargo e/ou posição
social) e a influência das questões de poder na recolha dos dados de investigação.
Embora estas diferenças possam parecer negativas, uma das lições mais
importantes a referir é que estas diferenças têm de ser encaradas precisamente
como diferenças contextuais importantes para a metodologia de investigação a
adotar e não como aspetos negativos”.

No âmbito da educação internacional – e esta tem-se situado no contexto


da cooperação e da transferência de expertise entre sistemas educativos
(Cambridge e Thompson, 2004) – torna-se necessário repensar conceitos e
práticas. Isto tem sido objeto de reflexão pelos investigadores ouvidos no
âmbito desta comunicação. Todos iniciaram os seus percursos profissionais na
área da cooperação para o desenvolvimento. É oportuno e, certamente, urgente
aprofundar a reflexão crítica sobre, entre outros, o estatuto e a identidade de
investigadores e práticos de terreno em contexto pós-colonial. Isto levanta
a questão, como lembra Crossley, (2001:51) da crítica a muita da “educação
internacional” por estar demasiado próxima das agendas políticas do momento
e da implementação de projetos ligados à ajuda internacional (inter alia, suscita
a questão da própria autonomia dos investigadores)
Uma perspetiva pós-colonial parece revelar-se fundamental para repensar
a abordagem dos processos de cooperação e de colaboração académica com o
Sul. Embora exista um grande debate sobre o significado do termo pós-colonial,
este é usado para descrever a ´condição` ou reorientação global nos arranjos
culturais, económicos e políticos surgidos das experiências do colonialismo
Europeu, tanto nos países colonizados, como nos países colonizadores (Tikly,

374
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

2001). Isto implica também uma reorientação concetual e epistemológica para


perspetivas de conhecimentos, e também de necessidades, desenvolvidos fora do
Ocidente (Young (2003:6). De acordo com Tikly, (2001), esta perspetiva apresenta-
se como uma base para o desenvolvimento de um relato menos eurocêntrico e
mais compreensivo dos efeitos da globalização na educação, não sendo possível
compreender a influência da globalização na educação sem reconhecer o papel que
os sistemas educativos coloniais e pós-coloniais têm desempenhado na expansão
de formas e linguagens culturais ocidentais e a implicação destes sistemas nos
processos de hibridização e mistura cultural.

“NA MINHA INVESTIGAÇÃO PRETENDO DAR VOZ”


Uma temática importante que esta comunicação não pode ocultar, prende-se
com os desafios que se colocam aos investigadores em contextos pós-coloniais e
refiro-me, em particular, às questões éticas. As 4 entrevistas exploratórias realizadas
levantaram o véu sobre alguns problemas éticos e dilemas dos investigadores
”transculturais” no sentido de começarmos a ter uma compreensão mais profunda
sobre: acesso aos dados (e devolução), relação entre investigador e investigado,
relações de poder e construção e apropriação do conhecimento (Robinson-Pant e
Singal, 2013). Numa palavra, estamos a falar de problemas de conhecimento, de
poder e de voz. A investigadora C realça que a sua investigação é um confronto de
vozes, entre a voz daqueles que ouviu (a vários níveis) e os documentos oficiais.
E acrescenta, colocando a tónica na negociação das hierarquias de poder que
enformam os procedimentos e práticas institucionais éticas (idem, 2013):
“Um dos grandes desafios como investigadora é o acesso aos sujeitos de
investigação e aos documentos, principalmente aos documentos políticos oficiais
do país. Outro grande desafio tem a ver com as relações de poder dos sujeitos,
que condicionam os discursos e, algumas vezes, os transformam em discursos
“politicamente corretos”.

Esta reflexão desencadeia, com muita clareza, a discussão extremamente


relevante da postura e identidade do investigador em contexto pós-colonial,
traduzida, em expressões como “a postura comprometida do investigador”, “dar
voz aos atores”, “foco em quem recebe a ajuda” e também o posicionar-se como
“insider ou outsider” ou ser “empurrado para um destes estatutos”. Trata-se, por

375
CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

outro lado, da verdadeira questão de o investigador “não se perder na tradução


cultural” conforme referido por B. Este processo de tradução deve começar por
reconhecer que todas as culturas tem distintas conceções de dignidade humana
que efetivamente legitimam diferentes formas de igualdade e desigualdade (Tikly
e Bond, 2013). Tikly e Bond explicam este processo da seguinte forma:
“Este processo de tradução torna-se possível através de uma visão dinâmica da
cultura que implica processos reiterativos de tradução transcultural em resposta
a cada encontro com a diversidade. É possível encarar processos de tradução que
têm lugar em diferentes escalas desde o global ao regional, ao nacional e local
e…nas relações interculturais na investigação. Portanto, na investigação em EIC,
não é só o sujeito da investigação que está sob escrutínio ético, mas a ética que
enforma o processo de investigação” (minha tradução).

O que parece começar a emergir dos elementos da reflexão apontados acima


é que existe uma consciência da importância da uma ética da investigação pós-
colonial que seja emancipatória e seja uma “ética situada” (situated ethics) ou
seja, local e específica a práticas particulares e dialógica (dialogical ethics),
isto é, fala da importância das relações humanas como base do processo de
investigação (idem, 2013).
Interessa-me cada vez mais considerar de que forma poderemos influenciar a
condução da investigação (na senda de um “novo humanismo crítico”), que seja
capaz de responder a “epistemologias africanas” que ajudem a compreender a
complexa interconexão que existe entre a miríade de desafios que os Africanos
enfrentam nas suas comunidades” (Manteaw, 2012:382). Por exemplo, foram-nos
interpelando, ao longo de várias missões, sobre a definição do perfil do professor
e da educação no meio rural (Guiné-Bissau) ou para (re)pensar a educação para
grupos mais marginalizados (povos nómadas) na província do Kunene (Angola)
ou investigarmos em conjunto o conceito de infância na etnia mandinga ou fula.
Estas temáticas, levantadas em vários contextos pós-coloniais, reenviam-nos para
uma agenda de construção do conhecimento que seja sensível aos contextos e
às culturas. Asuncion St.Clair (2013:1) propõe que se repense a universidade
como instituição de fronteira (boundary organization) capaz de produzir ciência
responsável, quer dizer “com uma habilidade intrínseca para poder responder aos
problemas do mundo e não separada, nem do mundo, nem dos seus atores”. Vale
a pena voltar a citar, de novo, Tikly e Bond quando nos alertam que:

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

“Dado o domínio do pensamento Ocidental, a aplicação da teoria pós-colonial


à ética na investigação apresenta desafios profundos aos investigadores e às
suas práticas associadas com a revisão ética e os processos de investigação. Nós
sugerimos que uma perspetiva pós-colonial pode providenciar uma crítica do
viés Ocidental na ética na investigação em educação comparada ao aprofundar a
literatura crítica existente através da chamada de atenção para as complexidades
e contradições inerentes à condição pós-colonial”.

QUALIDADE DA INVESTIGAÇÃO E DIMENSÃO CULTURAL


Uma das questões que foi posta aos investigadores consistia em saber como se
poderia melhorar na prática a qualidade da investigação integrando uma dimensão
cultural (Stephens, 2007). As opiniões de todos os entrevistados são reveladoras
da importância da relação entre investigação e cultura e das variáveis chave
que poderão ser identificadas para definir o que é investigação culturalmente
apropriada e de qualidade. Stephens identifica quatro variáveis: Em relação ao
locus de controle, onde será conduzida e publicada a investigação? Em relação à
ligação aos objetivos de desenvolvimento, porque é que será realizada? Em relação
à metodologia e instrumentos de investigação, como é que será conduzida? Em
relação às pessoas envolvidas, como vai ser conduzida e de que forma será, tanto
reflexiva, como vai empoderar (empowering) o investigador e investigados?
A importância, não só das dimensões contextuais, mas também a forma
como podem moldar o próprio ambiente de investigação são sublinhadas pelo
investigador D:
“A dimensão cultural é determinante porque emerge do contexto e, nestes
países, condiciona as ações, os pensamentos, as atitudes…mas, acima de tudo,
as prioridades das populações e do país…ou pelo menos condiciona numa
dimensão diferente daquela a que estamos habituados enquanto investigadores
estrangeiros. Além disso, é um risco o estudo ser reconhecido localmente se não
contemplar esta dimensão, não digo que tenha de se escrever sobre, mas sim
que a investigação a contemple desde a sua conceção, o que pode revelar-se a
vários níveis: pelas questões que coloca, pelos instrumentos que utiliza, pelos
interlocutores selecionados”.

O investigador B estabelece a relação entre valorização do contexto e a melhoria


da interpretação dos dados e relata um episódio curioso sobre uma das técnicas

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

de investigação e da sua adequação ao ambiente cultural: a utilização da técnica de


focus group num contexto mais periférico da Guiné-Bissau, acabou por tornar-se
um djumbai481, visto que os numerosos participantes foram recetivos e quiseram,
agradecidos, participar ativamente na investigação.
Sendo esta, na nossa opinião, uma das questões fundamentais da investigação
em contextos africanos, portanto “não-familiares” ou diferentes da cultura de casa
(home culture) (Philips e Schweisfurth, 2014), a identificação de uma metodologia
de investigação culturalmente apropriada (atenta ao ambiente de investigação) e a
relação investigador-investigado constituem elementos preponderantes na relação
entre cultura e investigação de qualidade. Falando da relação entre investigador
e investigado como a “cruz” da investigação em educação internacional e
comparada, Philips e Schweisfurth (idem, 67) dão um contributo interessante para
a nossa reflexão:
“O grau de similaridade ou diferença pode estar relacionado com modelos
culturais, incluindo língua, tradições e relações de género. Diferenças nos
principais indicadores de desenvolvimento entre o contexto de casa e o da
investigação também são provavelmente significativos. Alguém de um meio
industrializado irá encontrar muitas diferenças em relação a um contexto pobre e
agrário; um investigador acostumado a um governo autoritário vai necessitar de
se ajustar a uma democracia liberal” (minha tradução)

REFLEXÕES FINAIS
Esta comunicação chama a atenção para a circunstâncias particulares da
investigação em contexto pós-colonial lusófono. Estando longe de esgotar esta
temática, um certo olhar recai no trabalho de um grupo de investigadores (no
qual o autor desta comunicação se inclui) que se tem dedicado nos últimos anos
a investigar alguns segmentos importantes da educação em África: desde os
processos de cooperação em educação (todos partiram daqui para se agarrarem
teoricamente à educação internacional e comparada), ligando ao currículo e
globalização, às políticas e práticas de formação de formadores e identidade de
professores de Língua, aos processos globais de influência e de transferência via

48. Djumbai - palavra em crioulo guineense que descreve um encontro de pessoas para “conversa;
passatempo, especialmente durante a noite; convívio agradável; serão.” (Scantamburlo, 1999, p. 154)

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

reformas educativas. Este grupo de investigadores transculturais está consciente


e avisado dos perigos da transferência internacional de políticas e práticas
educativas associadas à cooperação internacional e ao trabalho de consultoria que
tem crescido a nível global (Crossley e Vulliamy, 2010).
Esta comunicação apenas revelou e analisou alguns problemas, preocupações e
dilemas que, devo realçar, nos perseguem há anos e que passam pela procura de
identidade profissional e académica, pela ligação (e confronto) entre agendas de
intervenção e agendas de investigação, pela procura constante de uma coerência
que gere soluções para alguns dos problemas que afligem os sistemas educativos
no contexto lusófono. O que me parece importante é que se continue um caminho
que contrarie a escassa auto-reflexão crítica sobre os objetivos e práticas da
investigação em educação e desenvolvimento (Foster et al, 2013).
Qual a nossa identidade enquanto investigadores em EIC em contexto lusófono?
O que nos distingue? Que contributo poderemos dar, em conjunto com os colegas
africanos, para o debate sobre a relação entre educação, desenvolvimento e
cultura no contexto dos nossos países?
As mesmas perguntas sobre a identidade dos investigadores em educação
internacional e comparada que Foster e colegas levantam, talvez, nos ajudem a
uma maior compreensão do nosso estatuto:
“Os intelectuais cruzadores de fronteira serão apenas marginais discrepantes
num mundo académico dominado por disciplinas, demasiado desregulados
e demasiado teimosos para criar um corpus de investigação que seja aceite,
respeitado e influente globalmente? Ou será que os cruzadores de fronteira da EIC
são uma vanguarda transformadora, cuja atenção aos contextos não-familiares e
cujos desafios às convenções disciplinares, esboçam um caminho para a reforma
e inovação académica?” (minha tradução).

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CEDU 2015 - Políticas e práxis da Educação nas perspetivas e em contextos pós-coloniais

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