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DIÁRIO DE CLASSE

Notas sobre a fundamentação da decisão


judicial e o contraditório
15 de setembro de 2018, 8h00

Por Matheus Vidal Gomes Monteiro

No "Diário de Classe" deste sábado, abordaremos um


dispositivo do novo CPC que desde sua vacatio legis[1] já
tem sido alvo de polêmicas na seara jurídica: a previsão
de que não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que
não enfrente todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo
julgador (artigo 489, parágrafo 1º, IV).

Relembremos, inicialmente, que o referido dispositivo adveio a partir de uma


“nítida opção hermenêutica do legislador”, devendo ser lido a partir da “chave
hermenêutica” exposta no artigo 926 (coerência e integridade) e da reestruturação
do contraditório no artigo 10 (ambos do novo CPC)[2]. Mostra-se desnecessário, por
outro lado, muitas linhas para demonstrarmos que a fundamentação da decisão
judicial existe como forma de impedir arbitrariedades do julgador e proporcionar
controle/revisão da decisão. Por isso, devemos entendê-la como sendo inerente ao
Estado Democrático de Direito[3].

Contudo, parece ser necessário relembrarmos o que é perceptível ao operador do


Direito: a fundamentação da decisão judicial possui maior relevância aos olhos do
vencido, e não do vencedor[4].

Principalmente a partir dessa ótica, não pode haver dúvidas de que fundamentar
uma decisão judicial “envolve explicar o porquê, e o porquê não”, abrangendo não
apenas a exaltação dos motivos do vencedor, mas também a demonstração da
impropriedade ou a insuficiência das razões ou fundamentos de fato e de direito
utilizados pelo vencido[5].

Parece ser claro que o novo CPC trouxe essa diretriz fortalecendo a previsão do
artigo 93, IX, CRFB/1988, a partir de seu artigo 489, parágrafo 1º. Porém, mesmo
diante dessa inovação, ainda é possível notarmos “uma crença generalizada de que
é o juiz quem deve escolher quais alegações das partes são dignas de apreciação,
filtrando aquilo que não considerar pertinente”[6]. Tal perspectiva torna a
fundamentação mera “exaltação das razões que fundamentam o dispositivo,
ignorando completamente tudo o que foi produzido pela parte sucumbente”[7] e
impedindo o “efetivo diálogo entre as partes no processo”[8].

Possíveis omissões frente às alegações e provas produzidas pelas partes “são


gravíssimas ofensas aos princípios do contraditório e da ampla defesa, além de
evidenciarem parcialidade do julgador, o qual deixa de enfrentar elementos que
poderiam prejudicar a decisão”[9]. Daí decorrerem diversas abordagens desse tema
com análise crítica da permanente insistência da jurisprudência em abandonar o
livre convencimento motivado[10].

É a fundamentação, portanto, que proporciona a verificabilidade da “observância


do conjunto de garantias fundamentais inerentes ao exercício da função
jurisdicional e à vida do processo”, sendo, sob um prisma inicialmente discursivo-
argumentativo (não excludente dos demais), “condição de efetividade de todas
demais garantias fundamentais do processo”[11].

E complementando, sob o prisma hermenêutico com o qual trabalhamos, não é


possível admitir o “decido primeiro, fundamento depois”. Assim, o argumento
explicita o compreendido, sendo a explicitação das condições sobre as quais se
compreendeu. Daí a fundamentação ser condição de possibilidade da legitimidade
da decisão, já que “fundamentamos porque decidimos, e somente decidimos
fundamentadamente”[12].

Ao defendermos o cumprimento do artigo 489, parágrafo 1º, IV, do novo CPC,


buscamos garantir o direito fundamental ao contraditório, bem como o espaço
democrático do processo. Daí o inafastável reconhecimento de um “direito
fundamental que a parte tem de ver todos os seus argumentos examinados e
rebatidos (ou aceitos) pelo órgão julgador”[13].

É preciso entendermos que “o contraditório implica limitação aos poderes do juiz,


no sentido de que o desenvolvimento das próprias razões de defesa pelas partes
haverá de anteceder o exercício dos poderes do juiz: não se trata de mera faculdade
discricionária do magistrado, mas de verdadeiro dever imposto ao órgão
judicante”[14].

Contudo, há aqueles que defendem que não há imposição ao magistrado de


manifestação sobre todas as alegações das partes, existindo, apenas, a necessidade
de manifestação sobre as alegações que guardem (ou seja, foram utilizadas para a
decisão tomada) relação com seu convencimento[15].

Desse modo, ao deturpar o que seriam “questões relevantes do processo”[16], essa


perspectiva faz com que jamais possamos aferir “se efetivamente o órgão judicante
conferiu concretude ao contraditório das partes e ao direito de defesa”, ou seja, “se,
efetivamente, todas as teses relevantes, provas e contraprovas dos sujeitos do
processo, uma a uma, foram prudentemente apreçadas e consideradas na formação
da convicção do juiz, com a indicação dos respectivos critérios de valoração de tudo
quanto tenha estimado importante como cerne de sua motivação”[17].

Partindo do que Streck — com influência de Gadamer-Dworkin — denomina de


“limites semânticos do texto”[18], não é possível realizarmos leitura do artigo 489,
parágrafo 1º, IV, do novo CPC, atribuindo a ele a conclusão de que o juiz não tem o
dever de examinar todos os argumentos. Tal resultado só seria possível com a
realização da jurisdição constitucional (ou seja, nas hipóteses em que o magistrado
estaria “autorizado” a não aplicar o dispositivo legal), mantendo-se a coerência e
integridade do Direito[19]. Porém, os argumentos para esse “afastamento” têm fonte
diversa[20].

Dois argumentos normalmente são utilizados para justificar atitudes contrárias ao


dispositivo: o volume excessivo de trabalho dos juízes e a necessidade de atender às
exigências da celeridade[21]. Além disso, o segundo argumento pauta-se também
nas “aventuras judiciais fundadas em argumentos esdrúxulos e infundados, citações
jurisprudenciais descontextualizadas”[22] etc.

Quanto ao primeiro argumento, ele carece de juridicidade. Desenvolvem-se


argumentos não jurídicos, minando totalmente um direito fundamental do cidadão.
Novamente: admitir tal possibilidade é ir de encontro à exigência da coerência e
integridade das decisões judiciais[23]. Quanto ao segundo, a escolha discricionária
da celeridade aos demais direitos fundamentais processuais, em especial, ao
direito/dever de fundamentação, que, se cumprido, demonstrará o cumprimento de
todos os demais, conduz a discussão para os maléficos efeitos de uma
discricionariedade interpretativo-decisória[24].

E quanto ao abuso pelas partes de suas faculdades processuais, não pode o juiz
simplesmente ignorá-las, abrindo espaço ao arbítrio, pois, “se as alegações são
irrelevantes, então deve o juiz dizê-lo claramente”, havendo um “efetivo
pronunciamento judicial sobre o tema”, demonstrando que de fato leu e refletiu
sobre “as alegações de ambas as partes e, enfim, está apto para justificar a decisão
tomada”[25].

Em aportes finais, apenas com o atendimento ao artigo 489, parágrafo 1º, IV (e todos


os seus demais incisos) teremos a demonstração de que todas as opções decisórias
foram submetidas ao filtro do contraditório e que o raciocínio decisório levou em
conta o conglomerado de alegações, de provas, de contraprovas das partes,
relevantes para o julgamento da causa[26].

Essa são minhas simples considerações para um importante debate que muito
transcende à aplicação de apenas um dispositivo do novo CPC.
[1] Alguns dos exemplos mais marcantes aqui na ConJurConJur, podem ser visualizados
em: RODAS, Sérgio. Fundamentação de decisões no novo CPC gera confronto entre
advogado e juiz. 26/5/2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mai-
26/fundamentacao-decisoes-gera-confronto-entre-advogado-juiz; e ROVER, Tadeu.
Legislador não pode restringir conceito de fundamentação, diz Anamatra. 9/3/2015.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mar-09/legislador-nao-restringir-
conceito-fundamentacao-anamatra.
[2] STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio et al. Capítulo XIII - DA SENTENÇA E DA
COISA JULGADA, Seção II - Dos Elementos e dos Efeitos da Sentença. In: STRECK,
Lenio Luiz, NUNES, Dierle, CUNHA, Leonardo Carneiro da; FREIRE, Alexandre.
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, passim.
[3] Desse modo, em LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões
judiciais. JusPODIVM, 2015, p. 123, JR., Nelson Nery. Princípios do processo na
Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. RT, 2010, p. 289-290,
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na
construção de respostas no processo civil. RT, 2015, p. 183. Assim também em Lucca
(2015, p. 125); MOTTA, Cristina Reindeolff da. A motivação das decisões cíveis como
condição de possibilidade para resposta correta/adequada. Livraria do Advogado,
2012, passim, e CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed.
São Paulo: Atlas, 2018, p. 280 e ss, dentre outros.
[4] Assim também em SCHMITZ, op. cit., p. 245; JR., Fredie Didier; BRAGA, Paula
Sarno et al. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório,
ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da
tutela. Jus Podivm, 2015, p. 336.
[5] SCHMITZ, op. cit., 2015, p. 246; STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio et al., op. cit.,
p. 886-888; CÂMARA, op. cit., p. 286. Assim, também, no enunciado 523 do FPPC.
[6] LUCCA, op. cit., p. 228. E a partir de diagnóstico de Luiz Dellore, essa crença, com
efeitos práticos da inefetividade do art. 489, §1º do NCPC, deve ser atribuída não
apenas a magistrados, mas também, a advogados. Para conferir o diagnóstico e
exemplo do autor: DELLORE, Luiz. Algo mudou na fundamentação das decisões com
o novo CPC? Jurisprudência do STJ aplica entendimento firmado à luz do CPC/1973.
26/06/2017. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-
cpc/algo-mudou-na-fundamentacao-das-decisoes-com-o-novo-cpc-26062017.
[7] LUCCA, op. cit., p. 228.
[8] SCHMITZ, op. cit., p.246; CONTE, Francesco. Sobre a motivação da sentença no
processo civil: Estado constitucional democrático de direito, discurso justificativo e
legitimação do exercício da jurisdição. Gramma, 2016, p. 750.
[9] LUCCA, op. cit., p. 228-229.
[10] Sob o prisma hermenêutico aqui adotado, a partir da formulação de Streck e
sua proposta fincada em Heidegger-Gadamer-Dworkin, é possível analisarmos tais
críticas em praticamente todas as obras de Streck e em diversas colunas aqui da
ConJur. Em especial: Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do
ConJur
NCPC. 19/3/2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-
incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc.
[11] CONTE, op. cit., p. 257-258.
[12] SCHMITZ, op. cit., p. 153. Noção esta que está pautada na ideia de que não
interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos para interpretar, Cf.
STRECK, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, 2014, p. 252; 412. STRECK, Lenio Luiz.
Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, 2014, p. 217. Assim já exposto
anteriormente em: MONTEIRO, Matheus Vidal Gomes. Hermenêutica ou
argumentação: é possível argumentar sem compreender? 3/3/2018.
[13] STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio et al. op. cit., 2016.
[14] CONTE, op. cit., p. 226.
[15] Em 26/6/2017, Luiz Dellore apresentou resultado de pesquisas envolvendo o
artigo 489, chegando à seguinte conclusão: “Apesar da inovação do §1º do art. 489 do
NCPC, a jurisprudência do STJ segue aplicando o entendimento firmado à luz do
CPC/1973. Portanto, nesse ponto o Novo Código ainda não entrou em vigor — e,
talvez, nunca venha a entrar. E isso a ser atribuído a magistrados e advogados”. In
DELLORE, Luiz, op. cit. (Streck também se utilizou de tal artigo abordando as
conclusões: v. E os doutores Chicó e João Grilo estão acabando com o artigo 489, §1º
do CPC. 3/8/2017. https://www.conjur.com.br/2017-ago-03/senso-incomum-chico-
joao-grilo-acabando-artigo-489-cpc. Passado pouco mais de um ano, é possível
notarmos a mesma ideia conclusiva do autor, em alguns julgados do STJ a respeito
do tema: ARESP 1.323.500, 20/8/2018, AREsp 1.314.722, de 17/8/2018, dentre outros.
[16] LUCCA, op. cit., p. 228-229.
[17] CONTE, op. cit., p. 238.
[18] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso, 2014, passim.
[19] Para conferir, v. STRECK, Verdade e Consenso, passim.
[20] Sobre a aplicação desse dispositivo, Streck abordou muito bem a questão em
diversas óticas diferentes: STRECK, Lenio Luiz. Um encontro de titãs: Kelsen, Hart &
Cia analisam acórdão do STJ. 7/7/2016. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2016-jul-07/senso-incomum-encontro-titas-kelsen-hart-
cia-analisam-acordao-stj.
[21] Alguns desses tópicos podem ser vistos nos argumentos da Anamatra ao pedir o
veto de dispositivos do artigo 489 do NCPC, em ROVER, Tadeu, op. cit.
[22] LUCCA, op. cit., p. 230.
[23] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e
integridade no novo CPC. ConJur. Data: 23/4/2016. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-
fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc.
[24] Para conferir extensa discussão sobre o tema, v. STRECK, Jurisdição
Constitucional e Decisão Jurídica, passim.
[25] LUCCA, op. cit., p. 230-231. Assim também em CONTE, op. cit., p. 238.
[26] CONTE, op. cit., p. 343.
Matheus Vidal Gomes Monteiro é doutor e mestre em Direito e professor do
Departamento de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Líder do Grupo
de Estudos em Jurisdição, Constituição e Processo (UFF), membro do Grupo de
Pesquisa A Sociedade Civil e o Estado de Direito: Mutações e Desenvolvimento
(IBMec-RJ), e do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos).

Revista Consultor Jurídico,


Jurídico 15 de setembro de 2018, 8h00

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