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A teoria do fato social em Durkheim e os

elementos de conexão para uma análise


sociológica do tributo

Maurin Almeida Falcão

Sumário
1. Introdução. 2. A noção de fato social
e de solidariedade em Durkheim. 3. Do fato
social de Durkheim à sociologia financeira de
Schumpeter. 4. O intervencionismo como meio
de coesão social e motor das transformações
sociais. 5. Conclusão.

“Hélas ! Qu’y a-t-il de certain dans ce


monde, hormis la mort et l’impôt ?”,
Benjamin Franklin, 1789.

1. Introdução
O tributo como fato social constitui-se
em um traço importante para entender a
evolução dos povos, das instituições po-
líticas e de suas transformações. Presente
nas mais remotas formas de organização
social, o tributo justificou as conquistas
na Antiguidade, revelando-se então como
meio de extorsão. As relações sociais eram
marcadas pelas diferenças nítidas entre as
classes sociais sendo que apenas a parte
mais frágil da sociedade era submetida
ao sacrifício fiscal. Nessa situação insus-
tentável, determinados indivíduos chega-
vam até abandonar a vida em sociedade,
Maurin Almeida Falcão é doutor em Direito embrenhando-se em regiões desertas para
Tributário Internacional pela Universidade
escapar da obrigação de pagar tributo e da
de Paris XI-Sud. Professor no Mestrado em
Direito da Universidade Católica de Brasília. pena de morte em função do descumpri-
Pesquisador-visitante no Grupo Europeu de mento do dever perante a sua organização
Pesquisa em Finanças Públicas da Universidade social. Mais tarde, no medievo, o tributo
de Paris I-Panthéon-Sorbonne. passou a ter uma configuração dominial,

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em que os indivíduos eram submetidos sociologia histórica das finanças. Nessa
às pesadas corveias impostas pelo senhor hipótese, a origem e a evolução do Estado
feudal que, em contrapartida, lhes oferecia fiscal estariam estreitamente relacionados
terra e proteção. Com a crise econômica no à economia e às mudanças sociais, o que se
medievo, o tributo torna-se propriedade do coaduna com o próprio objetivo da sociolo-
senhor absolutista, inaugurando o período gia como ciência das instituições.
regaliano. Bem antes, o inconformismo dos Com o escopo de demonstrar quais
barões ingleses levara ao surgimento do seriam os elementos de conexão entre
princípio do consentimento ao tributo. Em essa nova ciência e o tributo, este trabalho
1215, a Magna Carta do Rei João sem Terra propõe-se a analisar, em um primeiro mo-
dera o primeiro passo ao que seria mais tar- mento, a teoria do fato social em Durkheim
de, por ocasião da Declaração Universal dos e o seu conceito sobre a solidariedade me-
Direitos do Homem e do Cidadão, a consa- cânica e a solidariedade orgânica. Em uma
gração daquele princípio, juntamente com segunda abordagem, a análise estabelece
o princípio da capacidade contributiva, uma aproximação entre o fato social de
lançando as bases da tributação moderna. Durkheim e os pressupostos da sociologia
A passagem do Estado de natureza para financeira de Schumpeter. Finalmente, no
o contratualismo social trouxe consigo a último tópico, tentar-se-á reforçar a noção
legitimação do sacrifício fiscal. Diante da do tributo e de seus efeitos econômicos,
necessidade de os indivíduos arcarem com políticos e sociais, por meio dos fundamen-
o ônus da vida em sociedade, mais preci- tos da doutrina intervencionista, a qual se
samente com vistas à eficiência coletiva, é revelou terreno fértil para a aplicação das
que o tributo começa a ser esboçado como o teorias desenvolvidas por Durkheim.
motor da coesão social. Deve ser observado
que o fim do Estado mínimo em proveito do
2. A noção de fato social e de
Estado-providência, marcou a passagem da
tributação liberal para o modelo da tributa-
solidariedade em Durkheim
ção social-democrata, o que trouxe grandes Durkheim (2002, p. 6) definiu a so-
transformações nas estruturas tradicionais ciologia como “a ciência das instituições,
do Estado em decorrência da eclosão do da sua gênese e do seu funcionamento”.
intervencionismo. Os efeitos sociais perver- A sociologia se ocupa, ainda, do estudo
sos da Revolução Industrial, causados pelas dos chamados fenômenos sociais totais,
falhas do mercado liberal, demandaram a os quais estão relacionados com os fatos
ação do Estado com o intuito de equilibrar sociais decorrentes do comportamento
as relações desiguais entre o capital e o tra- instituído pela coletividade. Compõem esse
balho. Esse cenário seria propício ao flores- estudo, a elaboração de dados estatísticos,
cimento de uma nova ciência: a sociologia. dados de observação e a constituição de
Durkheim, influenciado pelo socialismo de modelos descritivos, permitindo, dessa
cátedra, publicou duas obras importantes forma, a obtenção da amostragem neces-
para a afirmação da sociologia, Da divisão sária à melhor compreensão dos estratos
do trabalho social e As regras do método socio- sociais, o que proporcionou à disciplina a
lógico, as quais se fundamentaram, em sua sua natureza científica. A sociologia sendo
essência, nos conceitos de solidariedade e entendida como observação metódica dos
de fato social. Por outro lado, Schumpeter fatos sociais busca a descoberta de regu-
esboçou conceitos que estariam na origem laridades e a formulação de leis próprias
da sociologia financeira, ao observar que (QUINTANEIRO, 2001, p. 9). Esse pressu-
para compreender a natureza e a evolu- posto tem a sua origem nas lições de Henri
ção do Estado, seria preciso recorrer à de Saint-Simon (1760-1825), que propôs a

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aplicação do método científico aos fatos so- definidas segundo a gravidade do ato. A
ciais (LAJUGIE, 1994, p. 39). Contudo, seria segunda característica dos fatos sociais
Émile Durkheim (1858-1917), em sua obra decorre da submissão do indivíduo a um
As regras do método sociológico, publicada em conjunto de regras, costumes e leis exis-
1895, que proporia uma teoria do fato social tentes antes do seu nascimento, cabendo a
a partir de uma ciência sociológica objetiva esse apenas a adesão e a obediência, sob o
e científica, como nas ciências físico-mate- risco de punição. Trata-se por isso, de uma
máticas. É importante notar que a teoria do adesão tácita aos regramentos da vida cole-
fato social definiria finalmente o objeto da tiva. Como última característica, Durkheim
sociologia, tendo se consolidado, a partir (2002) apontou a generalidade, na qual os
de então, como disciplina científica. Com fatos sociais se manifestam por meio da
efeito, Durkheim teve como preocupação natureza coletiva ou por um estado comum
a definição precisa do objeto, o método e ao grupo, a exemplo, os sentimentos e a
as aplicações da nova ciência. moral. Com o intuito de justificar a terceira
Durkheim (2002, p. 11), denominou de característica dos fatos sociais, Durkheim
fatos sociais os fenômenos compreendidos (2002) afirmou que é social todo fato que é
por “toda maneira de agir fixa ou não, sus- geral. Dessa constatação, advém o primado
cetível de exercer sobre o indivíduo uma da sociedade sobre o indivíduo, sendo que
coerção exterior; ou, ainda, que é geral na essa assertiva influenciaria sobremaneira
extensão de uma sociedade dada, apresen- a construção de diversos princípios nas
tando uma existência própria, indepen- relações jurídicas contemporâneas.
dente das manifestações individuais que Sem dúvida, as características dos fatos
possa ter”. Nesse sentido, os fatos sociais sociais criam uma unanimidade ou um con-
exercem uma coerção sobre os indivíduos, senso social forçado, pois todos se subme-
não lhes permitindo qualquer manifestação tem à vontade coletiva. Em consequência,
de vontade ou de escolha. Durkheim (2002, o indivíduo contempla a sociedade e a
p. 12), observou que consciência coletiva como entidades mo-
“[o] fato social é reconhecível pelo rais, antes mesmo de ter uma existência
poder de coerção externa que exerce tangível. Nesse aspecto, o indivíduo vê-se
ou é suscetível de exercer sobre os dentro de um contexto social que o leva a
indivíduos; e a presença deste poder se integrar em um sentimento de solidarie-
é reconhecível, por sua vez, seja pela dade, aspecto que contribuiu fortemente
existência de alguma sanção deter- para a eficiência da ação coletiva. Na etapa
minada, seja resistência que o fato posterior deste trabalho, uma ênfase será
opõe a qualquer empreendimento dada, justamente, à ação coletiva que levou
individual que tenda a violentá-lo”. à construção da grande sociedade solidária,
Esta seria a segunda característica o que coaduna com o conceito de fato social
dos fatos sociais que, para Durkheim, inicialmente firmado. Esse instituto alterou
deveriam ser tratados como coisas para profundamente o Estado e as suas organi-
que se obtivesse um resultado satisfatório zações na fase pós-Revolução Industrial
das observações realizadas. Dessa forma, e dos novos horizontes sociais do século
estaria garantido o êxito das ciências, sem XIX, tornando-se por isso um importante
as interpretações distorcidas da realidade objetivo da sociologia.
social. A coerção social é tida, então, como Nesse diapasão, a influência do socia-
a primeira característica dos fatos sociais. lismo de cátedra influenciou Durkheim na
A conduta do indivíduo sem observân- definição não apenas do fato social como
cia às regras que lhe foram impostas pelo também na acepção do que ele entendia
seu grupo social submete-o – às sanções como solidariedade. Em sua obra decorren-

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te Da divisão do trabalho social, decorrente da 3. Do fato social de Durkheim à sociologia
sua tese apresentada à Faculdade de Letras financeira de Schumpeter
de Paris em 1893, Durkheim (2004) coloca
duas questões sobre as relações entre os Ao se retomar a definição de sociologia
indivíduos e a coletividade. A primeira colocada por Durkheim, exposta anterior-
questão relaciona-se à possiblidade que um mente, como a ciência das instituições,
conjunto de indivíduos tem em constituir da sua gênese e do seu funcionamento,
uma sociedade. Por sua vez, a segunda tornou-se possível examinar o Estado e a
questão trata do consenso para assegurar dinâmica das instituições públicas à luz
essa convivência. Assim, a estrutura polí- da evolução do tributo. O sacrifício fiscal,
tica de uma sociedade não é mais do que como fato social, econômico e político,
o modo pelo qual os diferentes segmentos acompanhou a evolução do Estado até
que a compõem tomaram o hábito de a sua configuração atual, tendo inicial-
viver uns com os outros (DURKHEIM, mente se constituído em um dos pilares
2004, p. 10). Sem dúvida, a sociedade não do contratualismo. Por isso, permitiu a
seria composta exclusivamente pela soma materialização dos fundamentos da teoria
de indivíduos, mas pela sua associação normativa que seriam o de definir o papel
traduzida em uma realidade própria. Ao ideal do Estado na sociedade e o incre-
construir o seu entendimento sobre o vín- mento do bem-estar coletivo. Ao definir
culo comum entre os indivíduos, Durkheim as regras relativas à observação dos fatos
esboçou uma dupla noção de solidariedade sociais, Durkheim recorreu inclusive a Stu-
que se coadunava de forma pontual com os art Mill para estabelecer um liame entre os
acontecimentos que marcaram a sociedade fatos sociais e a economia política, sendo
industrial do século XIX. Nesse sentido, aqueles o objeto dessa disciplina no que
definiu a solidariedade mecânica como sen- se refere, principalmente, à aquisição de
do típica das sociedades pré-capitalistas, riquezas (DURKHEIM, 2002, p. 20). Em
nas quais os indivíduos se identificam por consequência, é possível estender o con-
meio da família, da religião, da tradição, ceito de Durkheim também à sociologia
dos costumes. Por sua vez, a solidarieda- fiscal com supedâneo nessa evolução da
de orgânica, característica das sociedades vida em sociedade pois, para ele, só existe
capitalistas, em que, mediante a divisão fato social onde exista uma organização
do trabalho social, os indivíduos tornam- definida (DURKHEIM, 2002, p. 20). As-
-se interdependentes, garantindo, assim, a sim, a conexão com o tributo e o estudo
união social, mas não pelos costumes ou dos fenômenos sociais relacionados seria
tradições. Assim, o efeito mais importante decorrente de um processo central de fun-
da divisão do trabalho resulta em uma cionamento da sociedade. A legitimação do
maior solidariedade entre os indivíduos, poder tributante decorreu da convergência
o que se sobrepõe ao objetivo pragmático de fatos políticos que tinham na sua ori-
do aumento da produtividade. Ao con- gem, razões de ordem econômica e social.
solidar a sua percepção de solidariedade, De fato, o contratualismo trouxe em seu
Durkheim notou que a passagem da soli- bojo a coerção que, imposta ao indivíduo,
dariedade mecânica para a solidariedade não lhe permitiu qualquer manifestação de
orgânica atua como o motor de transfor- vontade ou escolha. Somente por essa via
mação de toda e qualquer sociedade. Os seria possível alcançar a eficiência coletiva.
fatos que marcaram as transformações Portanto, para Durkheim (2002, p. 4), “[a]
sociais e os novos modos de produção do função de um fato social deve ser sempre
século XIX confirmam a validade da lição buscada na relação que mantém com al-
de Durkheim. gum fim social”.

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A coerção que é exercida sobre o indiví- uma renovação do princípio do consenti-
duo decorre de sua adesão tácita ao contra- mento diante da profunda reforma ocorrida
to social, o qual lhe impõe regras comuns no campo das finanças públicas.
de comportamento, sendo-lhe infligidas Leroy (2010, p. 292) afirmou com razão
penas em caso de desobediência. Conforme que “[p]our comprendre la nature et l’évo-
nota Quintaneiro (2001, p. 20), “[p]ara de- lution de l’État, la problématique s’inscrit
monstrar que os fatos sociais são coercitivos encore dans la sociologie historique des
Durkheim aponta para as dificuldades em finances”. Com isso, justifica-se a aplica-
que tropeçam aqueles que procuram não ção de métodos científicos para explicar
se submeter a uma convenção mundana, o comportamento da sociedade diante
resistir a uma lei, violar uma regra moral”. do tributo, da evolução do Estado e dos
Essa perspectiva foi definida pelo sociólogo princípios políticos que culminaram no
como anomia, situação em que a sociedade consentimento do cidadão-contribuinte,
estaria diante de uma desintegração das reafirmando a noção de fato social de
normas que regem a conduta dos homens Durkheim. Schumpeter (1984, p. 292)
e asseguram a ordem social. Como foi ex- reforça o seu entendimento sobre o com-
posto acima, o fato social é formado pelas portamento social em face do Estado fiscal
representações coletivas e está estreitamen- quando ao notar que “[l]’histoire fiscale
te ligado à noção de coerção; a partir daí, d’un peuple constitue une part essentielle
segundo Durkheim (2002, p. 105), “para de son histoire tout court (...) Les traits
conseguir que o indivíduo siga os fins caractéristiques de la plupart des périodes
coletivos, é necessário exercer sobre ele historiques s’expliquent en grande partie
uma coerção, e a atividade social consiste par les effets directs des besoins financiers
justamente na instituição e na organização et de la politique financière des États”.
desta coerção”. Desse modo, uma relação estreita entre
Leroy (2010, p. 22) definiu a sociologia a sociologia e o tributo é estabelecida. O
fiscal como a disciplina das relações entre estudo dessa dinâmica seria uma das ver-
o tributo, o Estado e a sociedade. Estes tentes da análise sociológica do ônus fiscal
foram os pressupostos que deram origem da vida em sociedade. Por outro lado, a
à sociologia fiscal e à legitimação do po- evolução do Estado, segundo Schumpeter
der tributante. Em torno dessa trilogia, é (1984, p. 293), ocorreu em todos os domí-
possível estabelecer um nexo causal entre nios, contudo as finanças foram sempre o
a definição construída por Durkheim e os fato ativo dessa evolução e as necessidades
objetivos da sociologia fiscal. Essas relações financeiras do Estado estiveram sempre na
definiram o comportamento social a partir origem do Estado moderno. Essa análise
não apenas da modelagem da estrutura descarta os primórdios da tributação, uma
intervencionista do Estado mas também vez que esta, em suas diversas tipologias –
da aceitação e do despertar do sentimento extorsiva, dominial e regaliana –, não faz
de rejeição ao tributo. Na análise do per- parte do período marcado pelo advento do
curso do Estado, a partir da transposição Estado moderno. Assim, essa delimitação
do modelo liberal para o modelo social- temporal se justifica pelo fato de que “La
democrata, no século XIX, passando pela crise de l’économie dominiale explique
crise dos anos de 1970 do século XX, até as l’apparition de l’État fiscal moderne à la fin
promesssas da pós-modernidade, é percep- du Moyen-Âge” (SCHUMPETER, 1984, p.
tível que as transformações econômicas, 295), sendo, nesse caso, o marco inicial da
políticas e sociais vieram acompanhadas tributação em sua atual acepção.
da renovação tácita do contratualismo. Esse A tributação não somente esteve pre-
contexto foi acompanhado igualmente por sente na evolução do Estado, mas impôs-lhe

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também um forma determinada (LEROY, Estado fiscal, impondo daí em diante, a
2010, p. 268). Além disso, o surgimento supremacia absoluta do tributo como pedra
desse Estado moderno evidenciou a neces- angular da organização administrativa,
sidade de uma sociologia financeira para econômica, política e social das sociedades
consolidar de vez a noção de Estado fiscal. contemporâneas, não havendo mais como
Esse conceito viria a merecer uma atenção viver em uma sociedade sem tributo. Essa
especial de preclaros economistas durante perspectiva é reforçada pelo próprio alcance
todo o transcorrer do século XIX, dando das três funções intervencionistas do Esta-
início ao notável processo de aproximação do. Nesse entendimento, o tributo permitiu
da economia, da política, do direito, ramos o aprimoramento das relações políticas
que convergiram em direção à sociologia entre o Estado e a sociedade. Conforme
com o intuito de se justificar a natureza dos Durkheim (2002, 2004), a sociologia seria
fatos sociais. a ciência das instituições, da sua gênese e
Mais tarde, a passagem do absolutismo do seu funcionamento. Ao marcar diversas
para o Estado contemporâneo, em suas etapas da evolução das instituições e da
diversas formas, notadamente a partir da vida em sociedade, integrou um sofisticado
adoção do conceito de soberania, inaugu- debate econômico, passando a ser um im-
rado com o Tratado da Westfália, em 1648, portante instrumento da economia política.
significou também o fim da fazenda real Ao esboçar os fundamentos, que no seu
para o florescimento da noção de fazenda entender seria a teoria da economia política,
pública. Não se trata de um conceito apli- Gilpin (2002, p. 26) colocou que seria neces-
cado a um determinado momento mas sim sária uma “compreensão genérica do pro-
de um fenômeno que foi evoluindo com o cesso da mudança social, incluindo-se aí os
tempo, estando embutido nas entranhas do modos como interagem os aspectos social,
avanço político da soberania. A partir daí, econômico e político da sociedade”. Em-
talvez se possa falar em sistema tributário bora não se tenha referido especificamente
uma vez que o elemento da soberania ga- ao tributo, Gilpin identificou as bases da
rantiu a autonomia técnica e a exclusivida- economia política que permitem estabelecer
de de aplicação de um conjunto de normas uma análise na qual o tributo interagiria em
em um determinado espaço territorial. De todo o processo de mudança social. Por isso,
forma incontestável, todo esse processo foi pode ser considerado como um fato social e
construído segundo as variáveis econômi- marco de civilização (SAMSOM, 2002, p. 21).
cas, políticas e sociais dos Estados em um É importante notar que o aprimoramento
determinado momento. das relações sociais decorrentes do momen-
Contudo, antes desse marco político, to econômico, político e social experimenta-
houve a consagração do princípio do con- do no transcorrer dos séculos XVIII, XIX e
sentimento ao tributo na Magna Carta do XX foi responsável pela gênese de uma nova
Rei João Sem Terra, em 1215. Ao se apoiar estrutura do Estado. A passagem do estado
no brocardo de que não há tributação sem de natureza para o contratualismo e, mais
representação, esse acontecimento político tarde, a substituição do État-gendarme pelo
assentou os alicerces da tributação moderna Estado-providência no século XIX seriam
os quais foram sustentados pela partici- responsáveis pelo surgimento do interven-
pação do povo e pelos desdobramentos cionismo. Com isso, foi demarcada a área
do progresso da democracia. Além disso, de influência de uma teoria normativa cujo
incorporou o voto como meio de participa- escopo era o de definir o papel ideal do
ção no processo legislativo e na dimensão Estado na sociedade, mais exatamente na
do sacrifício fiscal. A emergência do Estado economia (WOLFELSPERGER, 1995, p. 105).
moderno inaugurou, ao mesmo tempo, o Inscrevia-se ainda nos objetivos dessa teoria

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a forma de distribuição entre os indivíduos, dustrial e que deu origem a uma legislação
dos encargos e das vantagens da ação coleti- moderna de proteção dos trabalhadores”.
va do Estado, reforçando ainda mais os laços Um dos seus principais formuladores,
sociais que unem os indivíduos. Sismonde Sismondi (1773-1842), defendia
Nesse sentido, esse consciente coletivo, a intervenção do Estado com o intuito de
conforme estimou Durkheim (2002, 2004), frear as forças desencadeadas de forma
culminou na influência política dos proces- imprudente pelo industrialismo nascen-
sos de transformação social e econômica e te. O intervencionismo tinha ainda como
tem a sua origem nas duas revoluções que escopo a proteção à classe trabalhadora, a
marcaram o fim do século XVIII e todo o interdição do trabalho infantil e das mulhe-
século XIX. A Revolução Francesa foi res- res nas indústrias e a adoção de garantias
ponsável pela introdução de dois princípios contra os riscos decorrentes do trabalho,
que se tornaram os pilares da tributação como a doença, os acidentes, a invalidez e
moderna. Ao consagrar os princípios da ca- o desemprego (LAJUGIE, 1994, p. 30).
pacidade contributiva e do consentimento, Outra contribuição importante para a
conforme delineados nos artigos 13 e 14 da consolidação da doutrina viria da vertente
Declaração Universal dos Direitos do Ho- germânica da corrente intervencionista.
mem e do Cidadão de 1789, foi inaugurada Os socialistas de cátedra, todos profes-
uma página da história do tributo como sores universitários e, segundo Lajugie
fato político e social. O tributo e as relações (1994, p. 31), “impregnados pela filosofia
entre o Estado e o cidadão-contribuinte ga- de Hegel”, defendiam a ação do Estado
nharam contornos cívicos e de justiça que no sentido de assegurar, entre outros, o
sobrevivem até os dias atuais. trabalho para todos. A materialização
Por sua vez, a Revolução Industrial, dessas ideias deu-se com o Manifesto de
ao expor as falhas do mercado liberal e Eisenach de 1872, em que os seus adeptos
demonstrar a sua incapacidade de gerar postulavam o aprofundamento da questão
o bem-estar dos indivíduos, em função do social. Como expoentes do socialismo de
desequilíbrio entre capital e trabalho, deu cátedra, Adolf Wagner e Gustav Schmoller
origem ao debate sobre classes e estrutura garantiram as bases ideológicas do Sozial-
social. Conforme Quintaneiro e Oliveira politik. Wagner, por exemplo, considerava
(2001, p. 78), este seria “um dos temas prin- o Estado como o segurador natural dentro
cipais do pensamento de Marx”. Essa cons- da burocracia social alemã e que caberia
tatação foi reforçada pelos conflitos sociais ao tributo corrigir as injustiças distribu-
ocorridos no século XIX, os quais deram tivas (ROSANVALLON, 1995, p. 30). Era
origem não apenas ao movimento sindical o tempo das lições memoráveis do Verein
e à luta de classes, mas também à eclosão für Sozialpolitik, nas quais o Estado deveria
do intervencionismo. Se forem observados concorrer para a eliminação das diferenças
os ensinamentos de Durkheim, tratava-se, sociais, incompatíveis com o projeto de
em realidade, de uma situação de anomia. desenvolvimento da era Bismarck. Era a
grande questão social que marcava o fim
4. O intervencionismo como meio do século XIX. É interessante destacar, se-
de coesão social e motor das gundo Rosanvallon, que o termo “questão
social” foi lançado, justamente, no final do
transformações sociais
século XIX e referia-se ao desfuncionamen-
Lajugie (1994, p. 29) notou que a expres- to da sociedade industrial nascente:
são “intervencionismo” foi o nome dado a “La ‘question sociale’: cette expres-
uma “corrente de pensamento desencadea- sion, lancée à la fin du XIXe. Siècle,
da em razão das misérias da Revolução In- renvoyait aux dysfonctionnements

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de la société industrielle naissante. a definição das funções intervencionistas
Les dividendes de la croissance et do Estado deu início à nova ciência das fi-
les acquis des luttes sociales avaient nanças em função da radical transformação
ensuite permis de transformer en do Estado e de suas organizações. Esping-
profondeur la condition du prolétaire -Andersen (1999, p. 49) definiu a tipologia
de l´époque. Le développement de dos Estados-providência em três modalida-
l’État-providence était presque par- des, entre as quais inclui, além do modelo
venu à vaincre la vieille insécurité liberal e conservador, a social-democracia.
sociale et à eliminer la peur du lende- Por essa razão, o aparecimento da social-de-
main” (ROSANVALLON, 1995, p. 7). mocracia no século XIX esteve intimamente
Por outro lado, o intervencionismo ligado às demandas sociais decorrentes do
representou uma rejeição ao modelo do já apontado desequilíbrio entre o capital e
Estado mínimo e viria sustentado pelo tri- o trabalho. Em realidade, a necessidade de
pé basilar da intervenção, composto pelas se fazer frente às novas demandas sociais
funções alocativa, redistributiva e estabili- exigiu que o Estado compatibilizasse a sua
zadora, a base das finanças públicas mo- ação na busca dos recursos suficientes à
dernas. Tais funções somente poderiam ser sustentação da solidariedade social que se
concretizadas por meio do tributo, o qual instalava na fase pós-Revolução Industrial.
se tornou um instrumento de solidariedade Como desdobramento natural do processo,
social e gerou uma nova arquitetura para toda a sociedade foi chamada a contribuir
o Estado, tido a partir daí como provedor para o financiamento do Estado-providên-
natural das necessidades dos indivíduos. cia, sendo que este passou a monopolizar
Ao justificar a necessidade de uma moder- as funções da solidariedade social. Surgia,
na estrutura estatal voltada para a questão assim, a grande sociedade solidária e cujos
social, Falcão (2009, p. 152) observou que pilares eram constituídos pela intervenção
“[o]s novos arquétipos do bem-estar foram pública para garantir e proteger os direi-
reafirmados pelas funções incorporadas tos sociais, influenciar o nível de renda e
pelo Estado intervencionista com o intuito melhorar diretamente as competências dos
de sustentar as novas relações entre capital indivíduos. Este seria o modelo que ditaria
e trabalho”. Assim, o intervencionismo foi o comportamento do Estado por todo o
o meio encontrado para remediar as falhas século XX. Além disso, colocaria em lados
do mercado liberal, o que importou em opostos, as mais diversas correntes e esco-
uma profunda reestruturação do papel do las doutrinárias voltadas para explicar sob
Estado. Ao analisar a concepção de Estado diversos prismas, os efeitos econômicos,
segundo Adam Smith, Bacache-Beauvallet políticos e sociais da ação intervencionista.
e Mayneris (2006, p. 26) ressaltaram que Portanto, a evolução social ocorrida naque-
esse mesmo Estado teria uma ação residual le período, juntamente com a emergência
em resposta às falhas do mercado. Por ser de um novo Estado preocupado com as
movido por uma lógica voltada para os falhas do mercado liberal, implicou direta-
interesses do homo economicus, o mercado mente a concepção de uma nova estrutura
liberal não proporcionou o bem-estar aos política. Como assinalou Merrien (2000, p.
indivíduos, sendo, então, necessária e ine- 30), a gênese e a consolidação do Estado-
xorável a intervenção estatal. -providência tornaram-se um objeto maior
Goldscheid (1917, p. 208), considerado de pesquisa em sociologia e ciência política.
um dos fundadores da sociologia finan- Vê-se que essa consolidação só foi possível
ceira, afirmou que as “finanças públicas por meio da ação coletiva fundada na noção
têm um lugar fundamental na evolução do da grande sociedade solidária que, por sua
Estado e da sociedade”. Em consequência, vez, se materializou por meio do recurso ao

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tributo como meio de sustentação financei- blema econômico e, em último caso, um
ra e política. As relações sociais foram es- problema financeiro”, Goldscheid (1917)
tabelecidas em uma escala vertical em que justificou a aparição do Estado fiscal e da
o equilíbrio seria alcançado pelos esforços própria sociologia financeira. Essa perspec-
do Estado em promover a redistribuição. tiva é complementada pelo pensamento de
Para entender o desenvolvimento da so- Shumpeter (1984) que prega que a origem
ciologia financeira, é preciso verificar que o do Estado e a sua evolução são ligados à
tributo como reflexo da vida em sociedade economia e à mudança social. Mann (1943,
conheceu uma lenta evolução. Conforme p. 225) concorre para a consolidação defi-
assevera Sevegnani (2009, p. 73), “desde os nitiva desse entendimento, ao acrescentar
tempos mais remotos, os tributos marcaram que a tributação “preserva a estrutura social
de forma indelével os acontecimentos his- existente e a concepção das relações entre
tóricos, podendo afirmar-se que, num certo o Estado e a tributação remonta às causas
sentido, determinaram a própria direção mais profundas das mudanças sociais.
da história universal”. Steichen (2004, p. 7), Assim, o imposto não seria simplesmente
em suas memoráveis lições sobre direito um fenômeno superficial, mas a expressão
tributário comparado, proferidas na Uni- desta evolução”. Leroy (2010, p. 43) obser-
versidade do Luxemburgo, colocou que, se vou que Mann foi um dos primeiros a
por um lado a história justificaria o tributo, conceber a necessidade de uma sociologia
por outro, o tributo justificaria a história. fiscal funcional destinada a integrar a di-
Na primeira hipótese, para cada época ha- mensão sóciopolitica das finanças públicas.
veria uma estrutura tributária determinada. A partir dessa afirmação, percebe-se que
Por sua vez, a segunda hipótese de Steichen a dimensão sóciopolítica das finanças pu-
traz a lume, por exemplo, as razões da in- blicas, calcadas nas funções intervencionis-
dependência americana, as quais tiveram tas do Estado, se completa na íntima ligação
a sua origem na questão do chá, uma vez entre este e o mercado. Aliás, Schumpeter
que os colonos não tinham representação reiterou que a ação do Estado fiscal comple-
no Parlamento britânico, e, ainda, a queda taria a do mercado. Nessa mesma direção,
de Atenas e de Roma, em função, entre Gilpin (2002, p. 27), ao expor as bases da
outros motivos, do pesado ônus tributário. economia política, afirmou que “[e]mbora
Assim, o tributo segue justificando a histó- o Estado e o mercado sejam aspectos dis-
ria. Essas passagens históricas, entre tantas tintos do mundo moderno, incorporando
outras, demonstram a impossibilidade de respectivamente a política e a economia,
se dissociar o tributo da evolução da vida é obvio que não podem ser separados de
em sociedade e do consciente coletivo. forma completa”. Estamos diante, portanto,
Dessa forma, o desenvolvimento da de uma perpecepção que leva, sem dúvida,
ciência financeira incluiu o estudo das di- à construção das bases de uma economia
mensões econômicas, políticas e sociológi- política do tributo.
cas, conforme ressaltou Leroy (2010, p. 289), Ao citar Klindeberger, Gilpin (2002, p.
ao buscar as origens da sociologia financei- 26) notou que
ra. Em notável trabalho sobre a contribui- “[em] um mundo exclusivamente
ção austríaca à sociologia financeira, Leroy político, em que não existisse o
se apoiou em Rudolf Goldschied, Joseph mercado, o Estado distribuiria os
Schumpeter e Thomas Mann, trazendo recursos disponíveis de acordo com
importantes lições que demonstraram a seus objetivos sociais e políticos... E
conexão entre o tributo, o fato social e a em um mundo sem intervenção do
evolução do Estado. Ao afirmar que “todo Estado, em que só existe o mercado,
problema social é, em realidade, um pro- este funcionaria na base dos preços

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relativos das mercadorias e dos ser- A crise da estrutura econômica do me-
viços; as decisões teriam a forma da dievo deu origem ao que seria, séculos mais
busca do interesse individual”. tarde, o Estado fiscal. Se por um lado, os
Além do mais, essa análise perpassa os novos modelos de produção e de comercia-
domínios da teoria normativa do Estado. lização trazidos pela Revolução Industrial
Foi justamente desse conflito que surgiu consolidaram os velhos ideais de mercado,
o Estado intervencionista que, sustentado por outro, as conquistas obtidas pelo prole-
nas suas funções naturais, definiu o seu tariado nascente implicaram em profundas
alcance. Em face do risco da sobreposição transformações sociais. Assim, a emergên-
do interesse individual, o Estado intervém cia do Estado-providência contribuiu de
no sentido de eliminar as falhas do mercado modo natural para o reencaixe parcial do
liberal, em que predominava o egoísmo do econômico no social (ROSANVALLON,
homus economicus. Dessa forma, essas falhas 1997, p. 37). A sociologia fiscal encontrou
seriam a justificativa moderna para a ação um campo propício à sua afirmação. De
governamental (MITCHEL; SIMMONS, forma inegável, pode-se afirmar que as
1994, p. 31). transformações do Estado e de suas insti-
A partir desses fundamentos é possível tuições vieram no bojo da necessidade de
estabelecer que a Revolução Francesa e a produção de uma legislação social voltada
Revolução Industrial se situam na origem para a materialização da grande sociedade
das novas relações entre o Estado e a so- solidária. Em consequência, o Estado fiscal
ciedade. A primeira, conforme asseverado, encontra o seu ápice na efetivação das suas
contribuiu com os princípios políticos da funções intervencionistas, as quais, como
tributação, entre eles, o consentimento e dito, estabeleceram as bases das finanças
a capacidade contributivo. Por seu turno, públicas modernas, sendo que as duas pri-
a Revolução Industrial inaugurou a fase meiras funções – alocativa e redistributiva
harmônica entre capital e trabalho, ao es- – estavam voltadas primordialmente para
tabelecer uma estrutura de financiamento a questão social. Por sua vez, a função esta-
destinada a sustentar as transformações so- bilizadora seria a forma que o Estado teria
ciais. Contudo, os valores do mercado não para ditar o comportamento dos agentes
foram desprezados. Ao contrário, ambos econômicos por meio de ações destinadas
constituíam os pilares de um Estado fiscal a confirmar a primazia do interesse geral
pleno. Cabe destacar, entretanto, que essa sobre o particular.
convivência não foi pacífica. Os aconteci- A interação entre o Estado e o mercado
mentos registrados ao longo do século XX, demonstrou que não seria possível disso-
período de consolidação e crise do Estado ciar a economia da política. A essa pers-
intervencionista, expuseram o debate entre pectiva, veio se juntar também a sociologia
os valores liberal e social-democrata, desen- em função, justamente, do novo Estado
cadeando um embate doutrinário impor- e do comportamento social diante desse
tante. A expansão do Estado-providência Estado provedor das necessidades míni-
verificada logo após o fim da Segunda mas. Essa tríplice relação foi enriquecida
Guerra Mundial foi acompanhada por um pelo novo papel atribuído ao tributo, o de
movimento de contestação, o qual levou a promover a igualdade social. Antes, visto
crise do intervencionismo nos primeiros como financiador das extravagâncias pes-
anos da década de setenta do século XX. soais dos soberanos ou como instrumento
Há de se concluir, portanto, sobre a abso- de dominação, ganhou nova roupagem
luta predominância dos movimentos pela com a transformação do Estado e de suas
reforma do Estado e o fim de seus excessos instituições. A conjunção dos ideais polí-
intervencionistas. ticos galvanizados à época da Revolução

48 Revista de Informação Legislativa


Francesa e as conquistas sociais registra- a Alemanha expôs com maior veemência
das a partir do fim da primeira metade do as virtudes do Sozialstaat. Contudo, os
século XIX demonstraram que o tributo excessos intervencionistas verificados na
seria a via destinada a garantir a sobrevi- era Weimar exaltaram os ânimos de Mises
vência das estruturas sociais. Entretanto, e Hayek, economistas expoentes da Escola
as diversas percepções sobre a necessidade Austríaca, os quais iniciaram, ainda nos
de financiamento do Estado fiscal dariam anos vinte, suas pregações contra o mo-
lugar a um fascinante debate a partir de delo alemão da burocracia social. Assim
então. Deve-se ressaltar que não apenas os sendo, a Alemanha gerou um modelo de
contornos da relação entre o Estado fiscal intervenção social e, ao mesmo tempo,
e os seus contribuintes alimentaram o de- produziu o antídoto destinado a anulá-lo.
bate em distintos momentos da história. O A polêmica pregação de Hayek contra as
tributo revelou-se objeto de uma grandiosa falsas promessas de liberdade da social-
discórdia entre correntes da economia e da -democracia marcaria o debate por mais
ciência política, marcando diversas épocas de meio século. As lições da Société du Mont
e cada um procurando explicar, a sua Pélérin influenciariam toda uma geração
maneira, as transformações econômicas, de economistas, sendo responsáveis pela
políticas e sociais do Estado e do seu tempo. eclosão de diversas escolas, sendo exem-
As diferentes percepções dos eventos que plos notáveis o Public Choice e a Escola
marcaram em diferentes épocas o perfil de Chicago, sob a batuta de Buchanan e
do Estado fiscal contribuíram para o flo- Friedman. As transformações ocorridas no
rescimento de um número importante de ocaso dos “Trinta Gloriosos”, decorrentes
doutrinas. Apesar de conflitantes, deram da crise econômica internacional, têm
origem a robustas teorias econômicas e po- como origem na necessidade de redução
líticas que influenciaram o perfil do Estado do papel intervencionista do Estado, um
após a crise que impôs o fim dos “Trinta dos objetivos sagrados desses movimentos.
Gloriosos”, (1945-1975). Hayek tinha razão, portanto. A atribuição
Nessa perspectiva, as falhas do mer- do Prêmio Nobel ao economista, em 1974,
cado liberal e as manifestações ocorridas coincidiria com o início da crise econômica
no século XIX e que deram origem ao internacional. A partir daí, o papel do Es-
sindicalismo poderiam ser consideradas tado foi revisto e passou por um doloroso
como a gênese do Estado fiscal a partir processo de readequação às diretrizes dos
do momento no qual este incorpora as organismos internacionais. Passou a ser um
suas funções intervencionistas. Conforme novo Estado, com instituições adaptadas
destacado acima, o prosseguimento da aos novos tempos de contenção dos gastos
edificação do Estado fiscal ocorre ainda públicos. Era o início da crise do Estado-
com as lições do socialismo de cátedra na -providência (RONSAVALLON, 1997, p.
Alemanha de Bismarck, que viria a lançar 42). A partir desses fatos, as relações sociais
as bases definitivas da social-democracia. O foram marcadas pela tensão, o que deter-
desenvolvimento não seria alcançado com minou um novo comportamento social. As
o desequilíbrio social, o qual precisaria ser políticas públicas e toda ação do Estado
estabelecido, afirmava o velho Kaiser. A foram permeadas no sentido de preservar,
Alemanha contribuiu ainda para o vigor pelo menos, parte das conquistas sociais e
do Estado fiscal com os avanços registra- o capital político proporcionado pela bar-
dos na República de Weimar, no limiar do ganha. Surgia, assim, uma nova questão
século XX, em que foram concretizados social (ROSANVALLON, 1995, p. 7). Essa
os valores do intervencionismo. Nesse situação revelava, talvez, uma anomia nas
aspecto, deve ser ressaltado o fato de que relações sociais no final do século XX.

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Retomando os fatos que marcaram a vencionista surgido no pós-guerra. A nova
edificação do Estado fiscal, é importante arquitetura do Estado e de suas instituições
assinalar o esforço keynesianista e o New após a crise internacional dos anos setenta
Deal na busca de soluções para a crise dos modificou as relações sociais e gerou ten-
anos trinta do século XX. Esse período foi sões. Contudo, a amarga retomada com
marcado pelo revigoramento do Estado fis- força dos valores liberais demonstrou o
cal e ficou demonstrado que somente esse equívoco da euforia do pós-guerra. A re-
Estado poderia trazer um paliativo para dução do Estado e o saneamento compul-
os graves desequilíbrios macroeconômicos sório do setor público deram novo alento
que grassavam no cenário político do entre- às virtudes do mercado. As tensões sociais
guerras. O arremate dessa escalada se daria assinaladas acima decorreram, de forma
com a expansão do Estado-providência inegável, da crise em que mergulhou o
ocorrido na fase seguinte à Segunda Guerra Estado-providência. Rosanvallon (1997,
Mundial. A precariedade e as condições de p. 17) expôs que os problemas atuais do
vida predominante na Inglaterra levaram Estado-providência devem ser abordados
Lorde Beveridge a propor um novo modelo prioritariamente em termos sociológicos
universal de proteção social. A renovação e políticos. Sem dúvida, trata-se de um
do contratualismo, com o advento do retorno às grandes questões da economia
welfare state, foi responsável por uma nova política.
dimensão do Estado intervencionista.
Contudo, a expansão dos estados sociais
5. Conclusão
não ocorreu sem as manifestações iradas,
até certo ponto, dos seguidores de Hayek. A análise proposta ao longo deste tra-
A crise econômica internacional dos anos balho teve como objetivo primordial o de
setenta do século XX demonstraria o destacar o papel do tributo como resultado
equívoco. Os excessos intervencionistas da vida em sociedade. Como assinalado
e o incremento desmesurado das contri- anteriormente, não há como pensar em uma
buições sociais levariam à degradação das sociedade sem tributo. Assim, essa per-
bases econômicas e à redução do poder cepção desencadeia diferentes abordagens
aquisitivo. Com isso, foram contrariados os multidisciplinares uma vez que a interação
ideais da livre iniciativa e foi demonstrada entre o mercado e o Estado traz em seu bojo
a necessidade de reestruturação do setor relações econômicas, sociais e políticas que
público nas últimas décadas. se revelam como a verdadeira identidade
Em suma, consolidado o intervencionis- de uma sociedade. Por isso, diversos domí-
mo estatal ao longo de todo o século XX, o nios das ciências sociais intentaram, desde o
Estado orientou a sua ação e as suas políti- início, explicar a partir de bases científicas a
cas públicas sempre dentro dos parâmetros complexidade dessas relações. Dessa cons-
da solidariedade social. Desde a adoção tatação, um número infindável de teorias
da doutrina keynesianista, passando pela ganharam os meios acadêmicos e o Estado
renovação do contratualismo após o final na tentativa de orientar as grandes decisões
da Segunda Guerra Mundial, até a crise do da economia pública e assim, formar um
Estado-providência nos anos setenta, a es- consciente coletivo que pudesse satisfazer
trutura do Estado foi concebida no sentido a coesão social.
de permitir a expansão dos gastos públicos Deve ser observado que essa natureza
destinados à manutenção do Estado social. multidisciplinar do tributo o coloca em uma
Sem dúvida, o Estado e suas instituições posição privilegiada no contexto político.
passaram por uma completa remodelação Trata-se da verdadeira alma do Estado
em decorrência da crise do modelo inter- se analisarmos a questão a partir de suas

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