criação em escrita
O projeto “Refabulando: oficinas de criação em es-
crita”, convênio nº 174/2015, foi viabilizado pelo Programa
Municipal de Incentivo à Cultura (PMIC) da Secretaria
Municipal de Cultura (SMC) da Prefeitura de Uberlândia,
por meio do Fundo Municipal de Cultura. O projeto foi apro-
vado em 2014 e executado no período de 2015 a 2017.
refabulando
criação em escrita
Camila Turati Pessoa
Daniel Caldeira de Melo
refabulando
criação em escrita
Copyright @ 2017 Todos os direitos reservados aos autores
Produção Editorial
Editora Subsolo
(34) 9 9637 7107 - Uberlândia (MG)
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P475r
Contato
camilatpessoa@gmail.com
dcmelo@gmail.com
AGRADECIMENTOS
13 Apresentação
57 Últimas palavras...
13
teórico-práticos abordando diferentes linguagens artísti-
cas. Pude conduzir, juntamente com Camila, um encontro
que abordava formas de se trabalhar a literatura no cotidia-
no escolar. Quando construímos a oficina, pensamos em
trabalhar com exercícios práticos de escrita e narrativa, a
fim de promover experimentações literárias aplicáveis à
sala de aula. Dividimos a oficina em duas atividades: a
construção de um Fanzine2 e de uma narrativa, construída
e contada utilizando objetos aleatórios, presentes no local.
A escolha dessas duas propostas veio de experiências em
outros contextos de formação, tanto de jovens como de
educadores.
Em 2013, conhecemos o Plano Nacional do Livro e
da Leitura (PNLL), política pública voltada à leitura e ao
livro, em particular, aos espaços como bibliotecas e às ati-
vidades de formação. Na perspectiva do PNLL, o livro e
a leitura são instâncias fundamentais no desenvolvimento
social e da cidadania. Existe no imaginário coletivo uma
ideia de que as bibliotecas são lugares enfadonhos onde
deve reinar o silêncio; por isso queríamos intervir, ofere-
cendo outra maneira de ocupá-las. Assim fechamos a ideia
do projeto: estimular a escrita, valorizar o livro e promover
o acesso às Bibliotecas.
Dessa maneira foi montado o projeto “Refabulando:
oficinas de criação em escrita”. Juntamos essas experiên-
cias com técnicas voltadas ao estímulo da escrita. Tal qual
um pintor almeja soltar o traço do desenho, queríamos
soltar o traço da letra, da palavra, da frase e da narrati-
va. Pensamos, portanto, em atividades que levassem jo-
vens a se interessar pela escrita, pelo livro, pela literatura
2
Fanzine é a contração dos termos em inglês fanatic e magazine, fazendo uma
referência à revista do fã, do aficionado. É caracterizado por ser uma publicação
autoral, fora da grande mídia, que pode ser feita com recortes e colagem, com
baixa tiragem em virtude de seu formato artesanal. Cf.: MAGALHÃES, H. O que
é fanzine. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1993.
14
e pelas bibliotecas. Acreditamos que o ponto de inovação
desse trabalho seja ainda lutar para manter vivo o hábito
de escrever e não digitar, como fazemos cotidianamente
nos teclados e celulares; desconectar-se do automatismo
dos aparelhos digitais e voltar a usar um dicionário, quem
sabe até a curiosidade por entrar numa biblioteca e folhear
livros.
Enfim, este livro é um fragmento do que foi execu-
tado e registrado durante as atividades. Entendemos que
ele funciona como o nosso diário de bordo, usado numa
intensa viagem pelo universo da escrita e da criatividade.
O livro foi dividido em cinco partes. A primeira traz a nos-
sa concepção sobre criatividade, cultura e formação do
sujeito. A segunda apresenta um mapa para se pensar e
executar oficinas, independente das temáticas e formatos.
A terceira mostra passo a passo o desenvolvimento do
projeto e das oficinas, seus avanços e recuos, desafios e
sucessos. Na quarta parte, fazemos um fechamento disso
tudo e trazemos nossa avaliação dos resultados. Por últi-
mo, propomos um livro dentro do próprio livro com uma se-
leção das principais produções desenvolvidas em oficina a
partir dos exercícios propostos.
Do fundo do meu coração, espero que sintam o mes-
mo prazer que vivenciamos ao longo da execução desse
projeto tão especial. Boa leitura! E boas práticas!
15
FORMAÇÃO DO SUJEITO,
CRIATIVIDADE E CULTURA
3
Cf.: TULESKI, S. C. Vygotski: a construção de uma psicologia marxista.
Maringá: Eduem, 2008.
17
para todo sujeito, o desenvolvimento humano não está
dado de antemão.
Nesta direção, para tornar-se humano é preciso rela-
cionar-se com outros humanos, permitindo que a cultura já
produzida pelos homens no decorrer da história seja apro-
priada pelo sujeito. Essa apropriação do conhecimento e
dos bens culturais já produzidos pela humanidade faz com
que o sujeito se modifique e, transformando-se interna-
mente, passa a ter maiores subsídios para transformar o
mundo ao qual pertence. Esta apropriação, que não ocorre
de maneira direta, conta com a participação do outro, quer
dizer, de outros seres humanos que irão mediar os conte-
údos culturais às novas gerações. Ao entrar em contato
com a cultura e tomar para si o aprendizado acumulado ao
longo do tempo, é possível que se conheça a história dos
homens e o desenvolvimento do gênero humano.
Nesta concepção entende-se que o processo de
aprendizagem é o que promove o desenvolvimento do
sujeito, pois a partir das novas aquisições apropriadas,
o desenvolvimento avança e vai ganhando contornos de
acordo com as condições da vida concreta de cada um.
Entendemos, a partir desta perspectiva, que nenhum su-
jeito nasce pronto ou com algum talento “nato”, mas que,
ao participar de mediações intencionais e conhecendo
cada vez mais as possibilidades de seu desenvolvimento a
partir da cultura, cada um poderá nutrir-se de conhecimen-
tos e seguir o curso de sua vida com maiores possibilida-
des quanto ao que deseja ser ou saber. Assim, a chamada
criatividade não é vista como algo inerente ao indivíduo,
mas como produto de um processo de apropriação e ela-
boração do conhecimento já existente.
Podemos pensar que, quanto mais materiais e pro-
duções humanas o sujeito conheça na sua vida, mais pos-
sibilidades de transformação da realidade, ou seja, de ser
criativo diante do contexto que o cerca. Ser criativo implica
18
criar algo novo; é preciso, portanto, garantir o maior acesso
possível às produções humanas porque, ao entrar em con-
tato com elas e compreender como chegamos a ser o que
somos hoje, haverá uma bagagem que permitirá ao sujeito
gerar o novo. Nesta direção, quando se entra em contato
com este “algo novo”, alguma criação – seja na literatura
ou nas demais artes – não se pode compreendê-la apenas
como fruto da inspiração de quem a produziu, pois é re-
sultante de um longo processo que não se inicia no sujeito
em si, mas na trajetória do gênero humano, historicamente
acumulada. Para criar é preciso modificar intencionalmente
a natureza e a realidade da qual participamos, mas apenas
nossa constituição biológica não garante este processo: é
preciso que exista a apresentação de conteúdos já produ-
zidos para que se amplie o repertório de cada um e, a partir
do contato cultural com tais produções, seja possível ela-
borar estes elementos e criar algo novo, autoral.
Vemos neste sentido a importância de espaços nos
quais o conhecimento seja organizado e sistematizado a
fim de possibilitar o trânsito entre a realidade do sujeito e
a cultura humana; conhecendo cada vez mais o que o ho-
mem já realizou, já produziu, o sujeito consegue perceber
que faz parte de um grupo muito maior do que a sua vida
cotidiana; percebe que pertence ao gênero humano, ca-
paz de transformar a sua história e a história dos homens.
O principal espaço de sistematização do conhecimento da
nossa sociedade é a escola, e seria um pressuposto de
sua existência possibilitar a emancipação dos sujeitos por
meio do acesso a bens culturais. Porém é importante con-
textualizar que, sendo os homens produto histórico e cul-
tural das condições concretas e materiais vivenciadas, a
escola pode assumir diferentes configurações, garantindo
esta apropriação ou não a seus alunos. Vemos então que
nem sempre a escola consegue efetivar a transformação
do aluno por meio do conhecimento, trabalhado muitas
19
vezes de forma enrijecida, não fazendo nenhum sentido
para o aluno, configurando um dos aspectos das contradi-
ções vividas em nossa sociedade atual.
Para a Psicologia Histórico-Cultural, o conhecimento
científico adquirido nos espaços escolares permite que o alu-
no ultrapasse os conhecimentos do seu cotidiano e consiga
operar sobre a realidade de forma intencional e planejada.
Também é por meio da apropriação do conhecimento de for-
ma sistematizada que formamos nossas funções psíquicas
superiores, ou seja, desenvolvemos nossa memória, atenção
voluntária, percepção e pensamento, construindo a consci-
ência humana. Nossa maneira de estar no mundo, agir, sentir
e pensar está diretamente relacionada com os significados
sociais do contexto de que participamos. Inicialmente entra-
mos em contato com o que fora socialmente estabelecido,
para, a partir de então, construirmos sentidos pessoais, ou
seja, aquilo que é específico de cada um: é a partir deste
sentido que nos relacionamos com o mundo.
Nesta direção, o pensamento humano é produto do
desenvolvimento social e histórico, produzido na relação de
cada um com seu contexto e nas relações das quais parti-
cipa. De acordo com Leontiev (1983)4 as formas de pensar
de cada um não existem fora da sociedade, visto que foram
criadas por ela. Com isso, temos a linguagem como principal
forma da constituição e comunicação humana. É por meio da
linguagem que nos comunicamos com o outro e nos apro-
priamos das expressões culturais presentes na nossa socie-
dade. A linguagem, de acordo com Vigotski (2001)5, auxilia o
pensamento a reestruturar-se, ou seja, nosso pensamento é
constituído pela linguagem da qual nos apropriamos; logo,
4
Cf.: LEONTIEV, A. N. Actividad, Conciencia, Personalidad. Habana: Editorial
Pueblo y Educación. (original 1975), 1983.
5
Cf.: VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
20
pertence ao contexto de que fazemos parte. A escrita viabili-
za a forma de expressão do desejo humano e permite orga-
nizar a personalidade. Vemos nestes termos que a maneira
como cada um se constitui, pensa e participa da realidade
está diretamente relacionada com o cunho social e que para
que possamos realizar produções autorais estamos implica-
dos com as produções culturais já feitas.
É a partir destes conceitos brevemente apresentados
que fazemos a defesa da criação de espaços que permitam
o acesso às produções culturais, no caso deste trabalho, a
produção escrita, proporcionando à produção autoral condi-
ções de ser exercitada e valorizada. O público jovem é alvo
desta proposta: entendemos que os participantes se encon-
tram em um momento da trajetória escolar na qual já se apro-
priaram da linguagem escrita e da compreensão de textos.
Sabendo da importância de valorizar o pensamento crítico e a
autonomia, além de fomentar a livre criação entre jovens, pro-
pusemo-nos a utilizar diversos formatos textuais e literários já
publicados como disparadores para a criação autoral. Com
intuito de desenvolver o protagonismo de jovens, estimula-
mos sua maneira própria de se expressar para que pudessem
trazer as temáticas de seu cotidiano e de seu interesse para
serem trabalhadas, refletidas e transpostas no papel.
Ao iniciarmos a produção autoral a partir do material
apresentado, é necessário conhecer o que já fora apro-
priado por cada um e quais os sentidos produzidos a partir
das próprias vivências. Portanto, é preciso partir do que já
está estabelecido enquanto conhecimento para podermos
avançar e criar novas produções. Vemos na escrita uma
forma de expressão na qual os interesses dos jovens te-
nham uma via de expressão que alcance outros públicos,
além de seu circuito cotidiano, permitindo uma expressivi-
dade que se materializa pela escrita.
Para além da expressividade, o trabalho com escrita
pretende que se pense sobre o que irá produzir, exigindo
21
reflexão e criticidade autoral, o que significa selecionar
aquilo que se deseja expressar e ainda conhecer os mo-
dos como isto pode ser feito. É necessário lembrar que
estes jovens estão inseridos em contextos escolares nos
quais a expressão e compreensão por meio da escrita são
exigidas; porém, esta exigência pode resultar na mera có-
pia e repetição, oferecendo poucas chances de uma ex-
pressividade própria e ímpar. Assim, é preciso que se va-
lorize o protagonismo dos sujeitos, pois com o decorrer do
desenvolvimento escolar a voz do aluno tende a ficar cada
vez mais calada e sem mecanismos para ser ouvida.
Portanto, trabalhar a produção da escrita autoral e
fomentar a criatividade de cada sujeito, mediante o aces-
so à produção escrita poderá ampliar sua compreensão
de mundo e incidir diretamente em seu caminho escolar.
Frente a maiores possibilidades de expressão, os jovens
alcançarão também maior entendimento no que diz respei-
to aos conteúdos programáticos e se colocarão de modo
intencional e pessoal em suas produções. Para ser coeren-
te com a proposta de formação de sujeitos criativos, autô-
nomos, ativos e críticos diante do contexto nos quais estão
inseridos, é necessário que se trabalhe com o acesso às
produções culturais diversas, ampliando o repertório dos
participantes; assim, terão condições de escolher sua via
de expressão diante dos modos de produção existentes.
Concluindo, defendemos que a criatividade, expres-
sividade e autoralidade dos jovens pertencentes aos mais
diversos contextos sejam cada vez mais valorizadas e tra-
balhadas intencionalmente, a fim de ampliar seus conhe-
cimentos, permitindo-lhes atuar criticamente nos espaços
de que participam. Entendemos que o exercício de escrita
possibilita o pensamento crítico, estimula a criatividade e
permite uma formação humana mais ampliada, valorizan-
do a autoralidade de cada um e provocando a transforma-
ção dos espaços em que vivem.
22
CARTOGRAFANDO UMA
OFICINA
6
Cf.: AFONSO, M. L. M. (Org.). Oficinas em dinâmica de grupo: um método
de intervenção psicossocial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
23
independentemente do número de encontros, na qual é
desenvolvida uma temática, por meio de atividades que
estimulem os participantes a sentir, pensar e agir de forma
ativa e produtiva, visando promover transformações em si
mesmos e na sociedade.
Assim chegamos à segunda questão: como construir
uma oficina? Pensando em seu aspecto prático, a oficina
exige um planejamento básico que comporte a possibilida-
de de ser flexibilizada de acordo com o grupo e seu desen-
volvimento ao longo dos encontros. É necessário definir as
linhas-guias da oficina, de preferência por escrito; dessa
maneira, todos que forem conduzir as atividades podem
fazer a apropriação e a aplicação da proposta. Nossa
ideia, portanto, é apresentar uma cartografia7, permitin-
do que outras pessoas construam seus próprios mapas e
desenvolvam oficinas que não se confundam com as de-
mais práticas grupais existentes. Podem se configurar em
oficinas educativas, de saúde, comunitárias, de desenvol-
vimento profissional, entre outras, desde que proponham
uma experiência prática, reflexiva e afetiva.
Evidenciamos assim os elementos fundamentais da
oficina: a experimentação e a participação. A oficina, como
lugar de realização de “grandes transformações”, somente
se efetiva em cada participante quando é possível operar
sobre algum contexto concreto ou simbólico, gerando com-
portamentos, pensamentos e sentimentos. Pode aconte-
cer de eles serem produzidos individualmente, dentro de
um grupo, ou coletivamente, envolvendo partes ou o grupo
7
Cartografia é um termo utilizado, principalmente por Deleuze e Guattari, para
designar uma estratégia de investigação, que se propõe a acompanhar percur-
sos por meio da experimentação, da vivência, tal qual o cartógrafo precisava
fazer antes para construir seus mapas: tinha que percorrer um território para
conseguir desenhá-lo. Cf.: PASSOS, E.; KASTRUP, V. (org.). Pistas do Método
da Cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto
Alegre: Sulina, 2010.
24
todo presente na oficina, uma vez que ocupam o mesmo
espaço, durante uma mesma temporalidade, realizando e
compartilhando atividades programadas.
As pessoas envolvidas estão em plena interação
com e na oficina, tanto aqueles que guiam como aque-
les que compõem o grupo de participantes das atividades,
dos encontros, da oficina. Embora exista um grupo ou in-
divíduo propositor, este deve ser visto como um mediador,
que tem uma enorme responsabilidade: conquistar a aten-
ção, estimular a participação e proporcionar o espaço de
construção conjunta. Contudo, os demais integrantes são
tão importantes quanto os mediadores. Ora, sem eles não
haveria razão de existência da oficina e são eles os ver-
dadeiros operadores de comportamentos, sentimentos e
pensamentos que promoverão a “grande transformação”.
Ao se planejar uma oficina, portanto, é importante
saber quem serão os mediadores, quais são suas refe-
rências, habilidades e interesses, para melhor aproveitar
o potencial de cada pessoa na realização dos encontros.
É preciso estabelecer as funções de cada membro da
equipe, de preferência por escrito, garantindo que não res-
tem dúvidas sobre quem estará de apoio, quem guiará e
quando as posições serão trocadas. A partir daí, passa-
mos a delimitar quem serão os participantes por meio de
alguns questionamentos. Estas pessoas se encontram em
alguma organização? São funcionários de uma empresa
que periodicamente participam de capacitações? Ou são
atendidos de uma organização social que tem a frequência
condicionada ao recebimento de algum benefício? Como
a temática afeta o interesse do público em participação
da atividade em grupo? Como se dará sua participação?
A entrada será livre em qualquer momento da oficina?
Ou será feita inscrição prévia? Se houver limite de va-
gas, como será feita a seleção dos participantes? Quais
os critérios para escolher os contemplados com a oficina?
25
A participação será voluntária ou será obrigatória? Como
será feita a divulgação da oficina para alcançar o público
esperado? Serão necessários cartazes, folders, carros de
som e demais objetos promocionais?
Após descrever as linhas-guias, a equipe mediadora
e o público ao qual a proposta de oficina será ofertada, é
hora de definirmos o número de encontros, a frequência
e a carga horária. Cada um destes elementos precisa ser
estabelecido para que a oficina não perca seu propósito.
Vejamos alguns exemplos. A proposta pode ser completa-
mente aberta. Completamente abstrata e sem prazo defi-
nido de duração, como acontecem nas sessões de RPG8
que jogamos. Nosso desejo é jogar, vivenciar e construir
uma história épica, onde nossos personagens possam
expressar seu potencial heroico nas decisões do mundo.
Assim a narrativa não tem fim e a cada encontro podem
participar pessoas diferentes. As sessões servem para nos
reunir e construir espaços de narrativas orais a partir da
imaginação dos participantes.
Ao contrário, uma oficina pode ser plenamente deli-
mitada quanto à participação, frequência, duração, horário
e atividade. Vamos pensar numa oficina numa sala de es-
pera de uma organização que envolva pessoas com defici-
ência. O público poderia ser os familiares que permanecem
“ociosos”, esperando seus familiares na organização. Uma
proposta de oficina seria sensibilizá-los quanto às restrições
impostas pela deficiência, de forma a produzir novas formas
de cuidado. Por meio de vivências corporais, poderíamos
criar um simulacro de deficiência ao reduzir a capacidade de
8
RPG é a sigla para Role Play Game, que em português significa jogo de interpre-
tação de papéis. São jogos de narrativa colaborativa no qual os jogadores vivenciam
personagens em um enredo de aventura. As regras são definidas pelo sistema uti-
lizado tanto para construções dos personagens quanto para o funcionamento dos
encontros. Geralmente, são jogados os dados para definir os resultados das ações
a partir destes parâmetros estabelecidos, isto é, das regras.
26
ver, ouvir e se mover, com ataduras, vendas, algodão, entre
outros. O grupo compartilhará depois o que tentou fazer, o
que sentiu, o que pensou. Cada um utilizará uma limitação
sensorial separadamente da outra, enfocando o revezamen-
to na função de cuidador. Vejam que pode ser uma oficina
de apenas um encontro. Ou poderíamos aproveitar a cons-
tância dos familiares e desenvolvê-la em quatro encontros.
Outro aspecto fundamental no planejamento de uma
oficina é o espaço físico que será utilizado e os recursos
materiais necessários para o desenvolvimento das ativi-
dades. Listamos algumas questões e pontos importantes
quanto ao uso consciente desses recursos:
a) A oficina acontece num ambiente fechado ou
aberto? Se aberto, tem proteção do sol, da chuva ou do
vento, de acordo com as necessidades de cada ativida-
de? Por quanto tempo os participantes ficarão expostos
a estes agentes naturais? Se fechado, a iluminação está
adequada, principalmente para o uso de recurso audiovi-
sual? E a temperatura? O ambiente tem ampla janela, ven-
tiladores ou ar condicionado? Seja aberto ou fechado, há
ruídos que possam prejudicar a atenção e a comunicação
do grupo? É necessário uso de microfone e caixa de som
devido à amplitude do espaço?
b) Como será garantido o conforto dos participantes
durante o tempo de execução da oficina? O espaço possui
acessibilidade? Os integrantes sentarão em cadeiras ou
no chão? Se no chão, haverá almofadas ou tapete? Se
forem prioritariamente atividades corporais, as pessoas re-
ceberam a instrução adequada sobre vestuário, evitando
desconfortos e até impossibilidades de participar plena-
mente do encontro? Haverá suporte para realizar as ativi-
dades escritas? Pensando em atividades, a alfabetização
será um limitador para a participação, ou será disponibili-
zado um auxiliar, seja entre a equipe de mediadores ou o
grupo de participantes?
27
c) O espaço será organizado como? As pessoas fi-
carão dispostas em roda, semicírculos, fileiras ou espar-
sos pelo ambiente? É importante refletir sobre como as
formas de ocupar o espaço atendem aos objetivos de cada
atividade. Numa oficina que utilize cavalete para transmitir
uma informação, ou um Datashow para exibir um vídeo,
dispor as pessoas em fileiras otimiza o espaço e concen-
tra a atenção, porque esse arranjo do espaço remete os
participantes à memória afetiva das salas de cinema ou
das salas de aula que frequentaram. Em outro exemplo,
podemos ter uma oficina que se proponha a uma intera-
ção corporal. Portanto, não serão utilizadas cadeiras e
as pessoas ficarão dispostas em roda: ora em pé, ora em
movimento, ora sentadas. Algumas dinâmicas propõem
disposições específicas. Como a atividade de realizar um
júri simulado, na qual são dispostos os grupos em forma
de “T” – a defesa paralela à acusação, uma de frente a
outra, e o júri perpendicular às duas partes. Ou quando
queremos organizar os participantes em dois círculos, um
inscrito ao outro. O do meio estaria realizando alguma ati-
vidade enquanto o de fora observa. Ainda reforçamos que
podemos aplicar diferentes formas de organizar os partici-
pantes num mesmo encontro.
d) Cada atividade exige recursos materiais distintos.
Os tipos de materiais suscitam diferentes formas de inte-
ração. Podemos utilizar recursos que pela sua materiali-
dade operam principalmente no campo concreto ou pela
sua imaterialidade atuam no campo abstrato. Por exem-
plo: atividades pautadas no diálogo, conversas, discussões
trabalham num campo prioritariamente reflexivo, enquanto
atividades que envolvem a produção manual de um crachá,
cartaz, fotografia, objeto de argila ou de uma cena dramá-
tica atuam principalmente num campo prático. Sugerimos
misturar as duas formas de atividades nas oficinas, inter-
calando tarefas “mão-na-massa”, com reflexões e diálogo.
28
Independente de ser no campo do real ou do simbólico,
os recursos materiais interagem diretamente com as per-
cepções sensoriais. Portanto fotografias, slides, cartazes,
revistas, textos valorizam o uso da percepção visual. Já os
diálogos, escuta, filmes e músicas privilegiam a percepção
auditiva. E atividades que implicam em movimento físico,
seja escrever, andar, dançar, alongar, correr, entre outros
verbos de ação, estimulam a propriocepção, isto é, envolve
a pele, os músculos e o equilíbrio corporal como um todo.
Podemos pensar também em recursos que promovam ou-
tros sentidos, como olfato e paladar: seja incorporando es-
ses sentidos diretamente à atividade, como uma oficina de
culinária dentro de uma associação comunitária, que es-
timule o desenvolvimento interpessoal e o empreendedo-
rismo, seja perfumando o ambiente com aromatizadores e
disponibilizando bebida e comida durante a oficina.
e) É comum a oferta de lanche em oficinas. O ali-
mento tem um potencial agregador que pode ser explorado
nos encontros. Comer e beber são necessidades básicas
do ser humano; entretanto, socialmente, elas ganharam
outros sentidos pelas inúmeras experiências que vivemos:
em reuniões familiares na cozinha, em festas e celebra-
ções (religiosas ou não), nos momentos de lazer e diver-
são, como ir ao cinema, ao circo ou ver televisão. Sabendo
disso, podemos inserir a comida e a bebida como parte
da rotina de cada encontro. Uma oficina pode começar,
por exemplo, com uma roda de bate-papo sobre a sema-
na acompanhada de café, chá, água aromatizada, suco e
alguma quitanda. Neste caso, o lanche foi incorporado à
atividade visando construir um clima informal e de troca;
logo, socialização. Um exemplo clássico é o lanche como
intervalo entre atividades: ida ao banheiro, beber água ou
esticar as pernas, ou seja, para que os participantes pos-
sam ter alguns minutos fora da oficina e a equipe de me-
diadores possa se organizar para as próximas atividades.
29
Em outros contextos, podemos deixar as bebidas e comi-
das disponíveis durante todo o encontro permitindo que
cada participante possa se servir quando e como quiser.
Uma questão importante: quem paga a conta do lanche?
A resposta depende de saber se a ação é financiada, por
empresas ou por recurso público, ou se é uma ação sem
recursos por ser voluntária.
f) Mas, se não temos lugar para realizar a oficina,
nem equipe de apoio e muito menos dinheiro para finan-
ciar recursos materiais e lanche, o que fazer? Enfatizamos
que, enquanto coletividade, todos os integrantes do gru-
po podem contribuir com sua execução, dentro das suas
possibilidades. O que recomendamos é construir um sen-
timento de pertencimento, compartilhado entre os pre-
sentes. Quando mediadores e participantes se percebem
responsáveis pela construção da oficina, passam a ter um
grupo integrado e efetivamente transdisciplinar. Assim, a
cessão de espaço físico, a oferta de lanche, a organização
e limpeza do ambiente podem ser alguns meios usados
para fortalecer os vínculos interpessoais e com grupo.
Depois de definir a oficina, os envolvidos, o ambien-
te e recursos materiais necessários, vamos explorar ele-
mentos fundamentais para concatenação das ideias que
guiam as atividades de cada encontro. Dividimos a estru-
tura da oficina em três etapas: início, desenvolvimento e
finalização.
O encontro de fato se inicia com a chegada e re-
cepção dos integrantes da oficina, sejam os membros da
equipe ou os participantes. Prezar pela cordialidade favo-
rece a sensação de respeito e fortalece o vínculo grupal
durante o encontro e ao longo da oficina. Assim evitamos
constrangimentos desnecessários. Além disso, manter a
pontualidade, em especial no primeiro encontro, reforça
o comprometimento e respeito aos presentes. Por isso
recomendamos que, após recepcionar e acomodar os
30
participantes, seja feita uma apresentação breve e geral da
proposta de oficina e seja construído um contrato grupal.
Esse contrato nada mais é do que um conjunto de
regras de funcionamento a ser seguido pelos integrantes
da oficina. Seu objetivo é estabelecer limites sobre o que
será esperado, acordado e exigido enquanto pacto de
convivência durante o período em que estiverem juntos,
em atividade. Essas regras precisam fazer sentido tanto
para a oficina quanto para o grupo de mediadores e par-
ticipantes. Por isso precisam ser validadas pelo grupo. Já
dizia o ditado popular: “o combinado não sai caro”. Assim,
sugerimos que as regras sejam decididas numa plenária,
na qual cada item do contrato grupal é apresentado, justifi-
cado, discutido e aprovado pelo grupo, ponto a ponto. Elas
podem ser escritas em tópicos numa cartolina, ou mais
formal como um caderno-ata, ou ainda registradas num
slide projetado por Datashow. É imprescindível que as
regras sejam descritas para que possam ser retomadas,
se necessário, a fim de reforçar ou alterar algum item. É
importante que todos tenham conhecimento e concordem
em respeitá-las, visando o bom funcionamento do grupo.
Propomos aqui alguns exemplos de regras que geralmen-
te usamos em nossas oficinas. Mas não esgotamos as
possibilidades do que possa ser relevante durante a cons-
trução coletiva do contrato grupal:
– Combinar horário de início e quando possível ou
necessário estabelecer tolerância de chegada. Em espe-
cial nos casos em que a frequência seja obrigatória ou
quando chegar atrasado possa prejudicar a atividade pro-
posta. Lembramos que algumas propostas não são tão
rígidas e por isso devemos estar atentos às linhas guias
para estabelecer regras de forma assertiva e coerente.
– Pactuar os momentos e as formas de fazer inter-
valo, de ir ao banheiro, de lanchar ou ainda de atender
demandas externas como telefonemas, mensagens de
31
celular, por exemplo. Nos demais casos, como o uso de
celulares, sugerimos que sejam regras estabelecidas em
grupo para que todos participem da tomada de decisão
que possa impactar o funcionamento da oficina.
– Acordar respeito entre os integrantes da oficina e
sigilo com as informações compartilhadas no grupo; pre-
zar para que cada participante possa trazer seus pensa-
mentos e sentimentos mais íntimos, sem o risco de maio-
res exposições futuras, seja fora da oficina ou durante a
própria atividade, na forma de chacota, fofoca ou maldi-
zer. Quando houver necessidade de exposição dentro ou
fora da oficina, devemos discutir sobre os limites do sigilo,
de forma que os integrantes possam saber com clareza
que acontecerão compartilhamentos entre os presentes,
no grupo ou externamente ao grupo. Caso não queiram,
devemos preservar e respeitar seus direitos. Por exem-
plo, em se tratando de pesquisa, as produções e relatos,
gravados ou escritos, podem delimitar outro contorno
para o sigilo. Enfim, deve haver um consentimento dos
envolvidos.
- Participar ativamente, uma vez que os presentes
estarão reunidos por um período de tempo e possam fazer
este momento valer a pena, dedicando-se integralmente
à realização das atividades propostas, construindo e dia-
logando com os demais presentes. Nem sempre a partici-
pação é voluntária, por isso sensibilizamos os presentes
sobre sua responsabilidade para construção de um mo-
mento proveitoso, produtor de novidade e singularidade,
de novos modos de ser, sentir e pensar.
– Evitar conversas sobre assuntos paralelos, visan-
do escutar o outro com dedicação, demonstrando interes-
se e respeito pelo que está sendo dito, logo, agindo com
empatia. Não estamos fazendo a defesa da ausência de
conflitos. As discordâncias refletem formas diferentes de
agir, entender e sentir e garantem a pluralidade de vozes e
32
olhares, que promovem a diversidade de modos de existir.
Contudo, expressões violentas, discriminatórias e desres-
peitosas devem ser evitadas para que não haja agressões
e mal-entendidos.
Ainda na etapa de início da oficina, como estraté-
gia de quebra-gelo, pensamos numa última atividade: um
aquecimento visando preparar os participantes para imer-
gir na temática. Eles chegam à oficina carregados de vá-
rios pensamentos e sentimentos que vivenciaram tanto du-
rante sua história como no transcorrer dos dias contíguos
aos encontros. Por isso é importante desconectar essas
pessoas de tudo aquilo que não esteja relacionado ao que
será produzido na oficina. Assim é possível favorecer uma
participação plena. O aquecimento pode estar diretamen-
te relacionado com a temática do encontro, ou seja, um
aquecimento específico. Quando não tem outro objetivo
diretamente relacionado com a oficina, além de fortalecer
os vínculos entre as pessoas e desligá-las da realidade
exterior, buscando voltá-las para a oficina, chamamos de
aquecimento inespecífico.
O desenvolvimento é a etapa que geralmente mais
consome tempo de oficina, visto que é a etapa principal,
na qual será produzido o que foi proposto aos integrantes.
É fundamental pensar sobre a quantidade de atividades,
tempo dedicado a cada uma e a coerência entre elas. Por
exemplo, não nos parece adequado iniciar uma atividade
reflexiva com exercícios físicos exaustivos, porque teremos
agitado o corpo para, em seguida, contê-lo parado, sentado
e pensando durante um longo tempo. Recomendamos ela-
borar o desenvolvimento num processo crescente. Primeiro
realizamos uma apresentação do que será proposto, dei-
xando claro quais serão os comandos das atividades ou
mesmo as demais etapas a serem desenvolvidas, quando
pertinente. A compreensão sobre as tarefas pode ser me-
dida por meio de perguntas sobre a clareza, dúvidas ou
33
sugestões acerca do que está sendo proposto. Em segui-
da, o grupo passa a executar as atividades desenrolando
a linha-guia da oficina ou do encontro até o seu fim. Por
isso, o ritmo da oficina deve seguir um planejamento, mas
que respeite a construção do grupo. Queremos dizer que é
necessário um grau de liberdade para reajustar o percurso,
sem se enrijecer com o cumprimento de cada tarefa ou re-
laxar a ponto de perder o sentido da atividade.
Não é o propósito deste livro descrever uma longa
lista com exemplos de atividades que poderiam compor
as oficinas, uma vez que existem infinitas possibilidades
de aplicação em diversas situações e temáticas, como:
organizações educacionais, de saúde, privadas, públicas,
comunitárias, de participação social, religiosas, momen-
tos de lazer e confraternizações, com propósitos culturais,
informacionais, criativos, terapêuticos, de aprendizagem,
de deliberação, de lazer. No próximo capítulo desenhare-
mos um mapa com a nossa vivência guiando a oficina de
criação em escrita durante a execução do projeto. Nele
definimos as oficinas, contamos os impasses com o públi-
co e o espaço físico, descrevemos o desenvolvimento de
cada encontro e compartilhamos os resultados esperados.
Portanto, nos interessa menos ser um catálogo de dinâ-
micas e mais um dispositivo de libertação criativa para a
prática de oficinas transformadoras.
Como estamos propondo atividades participativas,
nas quais o experimentar se faz presente, devemos es-
tar atentos a alguns aspectos relacionais, visto que os
encontros se pautam pela interação entre pessoas e ma-
teriais. Nem todas as pessoas estão preparadas para se
abrir diante de um grupo; isto pode refletir um baixo limiar
de tolerância a críticas e exposições. Ou ainda uma difi-
culdade de ser empático e se colocar na pele do outro.
Contudo, a oficina pode auxiliar essas pessoas a se trans-
formarem, quando propomos atividades condizentes com
34
suas capacidades de expressão e com os vínculos exis-
tentes. Por exemplo, imaginem mediar uma oficina de gra-
fite durante um show de música, e cujo objetivo seja fazer
uma intervenção num muro do local. Se os participantes
se conhecem, fica fácil construir um projeto gráfico cole-
tivo. Se eles não se conhecem e temos diferentes níveis
de domínio do spray, a definição conjunta da intervenção
consumiria um tempo significativo de oficina, prejudicando
o desenho do esboço e a realização da pintura. Sendo as-
sim, trabalhar projetos individuais poderia ser um caminho
para não se perder no percurso da oficina: criar uma inter-
venção de grafite.
Atividades com caráter mais individual trabalham as-
pectos relacionados ao autoconhecimento. A interação do
EU com o mesmo EU. A experiência necessariamente é
individual e pode ou não ser compartilhada no grupo. No
exemplo acima, quando propusemos que cada participan-
te fizesse uma intervenção individual, mas congregadas
numa ideia maior, talvez a temática do evento, pensamos
numa relação EU-EU. Na outra opção, do grupo de co-
nhecidos, a oficina pode partir de outro grau de relaciona-
mento interpessoal, visto que preexiste um vínculo, uma
relação EU-OUTRO. Portanto, já existe uma interação EU
com um OUTRO. A experiência não é mais estritamente
individual, será necessário ter capacidade de proposição,
argumentação e negociação. Fazemos esta distinção para
sinalizar que, dependendo das pessoas e da atividade,
pode ser necessário subir cada degrau de uma vez, ini-
ciando por atividades individuais, depois em duplas e, fi-
nalmente, em grupo. Tendo isto em vista, sugerimos uma
alteração na dinâmica clássica de final de ano. Antes da
revelação do amigo-secreto podemos propor a constru-
ção de um mural com nome e fotografia dos presentes,
confeccionados individualmente (atividade EU-EU). No
mural, seria disposto um bolsão para que os participantes
35
pudessem trocar mensagens durante o evento (atividade
EU-OUTRO). Finalmente, fazer a revelação propriamente
dita (atividade EU-OUTROS)9.
Outro desafio para a equipe de mediadores é ga-
rantir que as interações aconteçam e a atividade siga seu
fluxo, estimulando a participação e cooperação entre os
participantes. Não existem receitas de bolo a serem segui-
das para se obter sucesso enquanto se guia uma oficina,
mas acreditamos ser essencial se ater a alguns pontos.
Primeiro, o nosso corpo se expressa de várias maneiras.
Desde o vestuário, passando pela postura e até o tom de
voz comunicam mensagens às demais pessoas. Portanto,
precisamos estar atentos ao modo como estes elemen-
tos interferem no processo de realização das atividades.
Segundo, quando for dada a orientação para execução de
uma tarefa, é necessário que o comunicador seja objeti-
vo e sintético, se necessário use exemplos concretos do
próprio grupo ou de um contexto próximo ao vivido pelos
participantes. Ruídos podem surgir na comunicação, pre-
judicando a compreensão e, consecutivamente, a execu-
ção da atividade. Por isso, é melhor usar frases afirmati-
vas que as negativas; convidar as pessoas a participarem
invés de ordenar que o façam. Terceiro, os participantes
se sentem pertencentes quando suas ideias são escuta-
das e acolhidas; portanto, convém usar e abusar das pro-
duções manifestadas pelo grupo. Elas têm um excelente
efeito agregador e formador de vínculo com a equipe de
mediadores. Contudo, para aproveitar as “deixas” dos
participantes é preciso ser um bom ouvinte, sem querer
ser detentor da fala. Quarto, o silêncio e a inoperativida-
de podem surgir durante uma oficina. Se é resultante de
uma vivência que demanda uma interiorização profunda,
9
Cf.: YOZO, R. Y. K. 100 Jogos para grupos: uma abordagem psicodramá-
tica para empresas, escolas e clínicas. São Paulo: Ágora, 1996.
36
o silêncio pode imperar e a produção ficar aparentemente
interrompida. A saída para a equipe de mediadores é uma
conduta curiosa, ativa e empática, buscando estratégias
de convocar os participantes a avançar na atividade, mos-
trando-se como suporte na atividade e para o grupo. Em
outros casos, o silêncio e a imobilidade podem sinalizar
um descontentamento com o que está sendo proposto.
Logo, a equipe de mediadores deve abrir um canal de diá-
logo visando compreender e aproximar-se das expectati-
vas dos participantes em relação à atividade. Temos, con-
tudo, que aprender a sustentar o silêncio, uma vez que
pode representar um tempo propício a assimilar e desen-
volver a oficina. Portanto, a equipe precisará deixar que
o silêncio e a aparente imobilidade se instalem, para que
pensamentos e sentimentos possam fluir, sem a ansie-
dade por um retorno rápido. Somos treinados pelo rádio,
pela televisão, pelo teatro clássico, que, ao se passarem
três segundos sem alguma ação, é porque alguma coisa
deu errado. No caso de uma oficina, precisamos ver o que
está acontecendo para agir nos casos que necessitarem
de intervenção.
Chegamos à última etapa, a finalização. Nosso enfo-
que na oficina passa a ser o encerramento das atividades
e a avaliação do que foi produzido, materialmente, reflexi-
vamente e afetivamente. Quando pertinente, é o momento
de construir os próximos passos para os encontros que
virão, tais como: novas orientações, atividades para “casa”
ou ajustes nos rumos da oficina, em virtude de objetivos,
prazos, expectativas, dentre outros. Nessa etapa as ativi-
dades serão prioritariamente dialógicas, exercitando o falar
e ouvir. Há intensa troca de experiências a partir do que foi
vivido durante a oficina. É um momento também conheci-
do como socialização, porque os pontos de vista são apre-
sentados sobre o que cada um experimentou. Ocorrerão
convergências e divergências de opiniões, que precisarão
37
de intervenções que permitam mediar os conflitos. Não
para silenciar, mas para circular a fala, o respeitar às di-
ferenças, escutar despido de julgamentos, na tentativa de
lançar um olhar sobre múltiplas formas de experimentar a
oficina. Na finalização, os integrantes podem estar dispos-
tos em círculo ou reunidos como uma plenária, cada for-
mato vai depender do espaço, do número de pessoas e da
disponibilidade de recurso sonoro. Imaginemos um caixote
no meio da sala para que cada um possa subir, ficar acima
do nível dos demais e apresentar suas considerações. Ou
ainda, tal qual acontece nos rituais indígenas, a fala ficar
condicionada a quem detém um dado objeto, um cajado
por exemplo, que dá o direito de fala ao seu portador, e
que será passado em roda aos presentes.
Uma pergunta que pode estar pairando no ar: como
estimular a fala, vascularizá-la entre os participantes e di-
recioná-la a um fechamento? Depois de estarem por um
período reunidos em grupos, realizando atividades, os in-
tegrantes da oficina terão formado vínculo e assunto para
compartilhar. No entanto, podemos vivenciar algumas
situações periclitantes que podem variar de acordo com
a energia do grupo, em cada atividade. Os participantes
podem estar exaustos, aborrecidos, satisfeitos, interessa-
dos, empolgados, o que se reflete no grupo. É importante
que a equipe de mediadores esteja atenta a estes sinais,
principalmente antes de iniciar um fechamento de oficina.
Descrevemos algumas estratégias que utilizamos para se
iniciar, organizar e encerrar uma conversa.
De início, a equipe de mediadores pode fazer um re-
sumo, uma paráfrase ou uma reflexão geral sobre a ativi-
dade realizada, esclarecendo com funcionará a circulação
da fala e disparando uma pergunta para abrir o diálogo.
Compreendemos as perguntas como dispositivos grupais
que podem ser classificados em: diretas, indiretas, aber-
tas e fechadas. As perguntas diretas vêm acompanhadas
38
com ponto de interrogação, entonação crescente da fra-
se e podem começar com advérbios interrogativos (onde,
quando, como, por que) ou pronomes interrogativos (que,
quem, qual, quanto): “quem gostaria de começar?”. As
perguntas indiretas não vêm com ponto de interrogação e
a entonação é decrescente: “gostaria que cada um contas-
se como foi a experiência”. São perguntas abertas quan-
do estimulam a fala sem manter qualquer controle sobre
o que será respondido: “como foi participar da oficina?”.
Elas são perguntas fechadas quando é possível manejar o
resultado esperado, limitando as respostas a sim ou não,
o que não favorecem a fala: “Você gostou da produção do
seu grupo?”.
Algumas perguntas podem favorecer a troca e es-
timular o debate. Outras podem calar os participantes,
quando estes se sentem julgados, discriminados ou inqui-
ridos. A ordem das perguntas também pode influenciar na
mediação da discussão: iniciar com uma questão polêmica
que permeou a oficina pode minar a conversa. Em outros
casos o grupo quer discutir exatamente o ponto nevrálgi-
co, responsabilizando-se por trazê-lo à tona. Mas se per-
cebemos a iminência do assunto, nesses casos iniciamos
a conversa por este caminho. De qualquer forma, serão os
integrantes que guiarão o rumo da conversa. Apenas reco-
mendamos que se evitem polarizações da fala por poucas
pessoas e a insistência em conteúdos exclusivistas. Se
acontecer alguma situação constrangedora, é importante
retomar o espírito participativo e grupal da oficina, ressal-
tar a importância da divergência e do respeito ao outro
integrante, socializando a fala para que outros presentes
possam apresentar suas contribuições e propostas. Em
resumo, não existe pergunta boa ou ruim, existe a pergun-
ta ideal para cada contexto, desde que esteja a serviço
da oficina para promover um diálogo, uma reflexão, um
esclarecimento.
39
Ao finalizar, recomendamos que sejam construídas
estratégias para registrar e avaliar a oficina. É importan-
te fazer controle de presença, elaborar fichas de inscrição
com autorização para uso da imagem, em pesquisas ou
materiais promocionais, tirar fotografias e filmar as ativi-
dades. Compartilhando durante o encontro uma câmera
fotográfica, cada integrante poderá, livremente, fazer re-
gistros da atividade. Ainda podemos construir um diário de
bordo dos encontros e cada integrante se responsabilizará
por uma intervenção nesse diário, durante a oficina. A fi-
nalização também poderá ser feita com uma simples roda,
na qual uma bola será passada de mão em mão e cada
participante, na sua vez, falará uma palavra que defina
o dia de atividade. Depois de cuidar do fechamento e da
avaliação em grupo geralmente retomamos alguns combi-
nados, distribuímos tarefas quando necessário e abrimos
para informes do grupo. Pode ser o caso de encerrarmos
com uma música, mensagem ou poesia, que configure o
arremate do encontro: seja tocando nas transformações
ocorridas durante a oficina, seja estabelecendo uma ponte
com os próximos encontros.
40
AS OFICINAS DE CRIAÇÃO
EM ESCRITA
41
por exemplo: folhas de papel A4, canetas, lápis, borra-
chas, apontadores, tesouras, dentre outros. Também man-
damos confeccionar as camisetas que seriam distribuídas
aos participantes e à equipe executora. Contratamos um
fornecedor de lanches, pensando em alimentos que fos-
sem apropriados ao público e representassem um cuidado
na alimentação dos jovens – nada de frituras nem refrige-
rantes. Elaboramos o material de divulgação composto por
cartazes e fanzines a serem distribuídos nas escolas.
Estabelecidos e acordados estes aspectos, também
buscamos a parceria com o local de execução do projeto.
Planejamos que as oficinas ocorressem dentro da Biblioteca
Municipal de Uberlândia – MG pelos motivos já menciona-
dos. Fizemos contato com a responsável e acordamos os
dias e os horários das atividades. Em princípio pensamos
em cinco dias de oficina com duas turmas de jovens que
passariam parte da tarde conosco. No início da tarde te-
ríamos as atividades com uma turma e na outra parte da
tarde com a outra turma. Esta estratégia permitiria que o
espaço da biblioteca fosse otimizado, já que a sala e os
materiais teriam sido organizados e dispostos para as ati-
vidades do dia e também nos permitiria fazer a integração
entre as duas turmas participantes, pois o lanche seria ser-
vido ao final da primeira turma e início da segunda turma,
que começaria tomando o lanche. Cada turma contaria com
vinte participantes, totalizando quarenta jovens no proje-
to. Assim, participariam de cinco oficinas encadeadas: 1º)
Criação a partir da letra, 2º) As palavras de minha vida, 3º)
Qual o sentido da frase?, 4º) Refabulando minhas ideias em
texto e 5º) Autores: como vivem, criam e escrevem.
Nosso público-alvo foi pensado no intuito de atender
jovens pertencentes a escolas públicas da cidade, enten-
dendo a importância de reafirmar a necessidade de uma
educação pública de qualidade e garantir acesso aos bens
culturais disponíveis. Iniciamos a divulgação: pedíamos ao
42
diretor ou coordenador das escolas um breve espaço nas
aulas para contar sobre o projeto e convidar os alunos in-
teressados a se inscreverem conosco no intervalo entre as
aulas. Tínhamos um limite de vagas por turma, portanto,
elas eram preenchidas por ordem de chegada, contando
com uma lista de espera. Percorridas as escolas e encerra-
do o período de divulgação, tivemos preenchidas as listas
das duas turmas com lista de espera. No ato do preenchi-
mento da lista de inscrição o jovem já levava consigo a fi-
cha de autorização para ser preenchida pelos pais e levada
no primeiro dia de oficina. Criamos um grupo de Whatsapp
de cada turma e reafirmamos as informações sobre local
e horário aos interessados, aproveitando o veículo de co-
municação para nos aproximarmos e nos comunicarmos
enquanto grupo – até porque contamos com participantes
de diversos anos de ensino e variadas escolas.
Assim, preparamos nosso primeiro dia de oficina or-
ganizando os materiais necessários, cuidando do espaço fí-
sico que iríamos utilizar na Biblioteca; confirmamos com os
parceiros o local e horário da oficina e cuidamos para que
este dia se iniciasse como previsto. No primeiro dia de oficina
tivemos nas duas turmas a participação de grande parte dos
inscritos: distribuímos as camisetas, fizemos o contrato com
cada grupo, recolhemos as autorizações e realizamos as ati-
vidades previstas. No segundo dia de oficina, na primeira tur-
ma, tivemos a presença de poucos participantes; combina-
mos com eles que aguardassem o horário da segunda turma
para que pudéssemos realizar as atividades. Mesmo assim o
número das duas turmas somadas foi bem abaixo do espe-
rado e não atenderíamos nem a metade do público almejado.
Cabe ressaltar que estávamos vivendo um momento político
delicado no que se refere à educação pública no Brasil10 e
10
Movimento Estudantil Nacional contra a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 241, que entre outras mudanças, quis estabelecer um teto para o aumen-
to dos gastos públicos pelos próximos 20 anos e também movimento contra
43
que os alunos também estavam envolvidos em atividades re-
ferentes à paralisação dos estudantes, sendo que muitos jus-
tificaram a ausência na oficina pelo envolvimento com o mo-
vimento estudantil. Compreendendo a situação, acordamos
com os participantes das duas turmas em uni-los em uma
única turma e continuarmos com o prosseguimento das ofi-
cinas. Também ligamos para cada inscrito a fim de confirmar
a intenção de participação nas oficinas, buscando garantir a
execução do projeto. Desta forma, realizamos as quatro ofici-
nas de criação; neste período, tivemos uma visita guiada por
profissional dentro do espaço da Biblioteca, explicando-nos
sobre o acervo, acesso, dentre outras informações pertinen-
tes. Também utilizamos o acervo da Biblioteca nas oficinas,
na intenção de fomentar o acesso e a movimentação deste
espaço público. No último dia de oficinas tivemos o bate-pa-
po com três autores da cidade de Uberlândia-MG no espaço
da Oficina Cultural, quando seria o momento de finalização
da primeira turma. Entretanto, dias antes da realização da
conversa com autores, como não tivéssemos atingido o pú-
blico esperado nas duas turmas – pois acabamos realizando
as oficinas com uma única turma – decidimos divulgar em
escolas privadas da cidade almejando obter o público para
a segunda turma. Assim foi feito. Visitamos as escolas priva-
das, divulgamos nas salas e realizamos as inscrições de no-
vos participantes com lista de espera. Porém, uma inversão
foi feita nesta segunda turma: o primeiro dia de oficina deles
seria junto com o último dia da primeira turma, aproveitando o
bate-papo com autores e enriquecendo o debate com alunos
de diversas escolas. Os autores convidados foram: Cleusa
Bernardes, Ivo Costanti e Robisson Sete, com diferentes esti-
los de produção literária. Compartilharam conosco um pouco
44
sobre seus processos de escrita, sobre como viabilizar a pu-
blicação e ainda tiraram dúvidas dos jovens ali presentes.
O encadeamento das oficinas com a segunda turma
seguiu-se como o programado, contando com todo o apa-
rato oferecido à primeira turma, mas outro imprevisto ocor-
reu. No segundo dia de oficina da segunda turma deu-se
o falecimento de um profissional da Biblioteca e a mesma
foi fechada naquele dia. Diante disso, entramos em con-
tato com outro espaço público, a Oficina Cultural, e trans-
ferimos todos os demais encontros para este local. Assim
finalizamos as duas turmas e ao todo contamos com 49
inscrições e 36 participantes efetivos, provenientes de es-
colas públicas e privadas da cidade, meninas e meninos
com idades entre 10 e 18 anos. Com todos os percalços
no caminho, entre produção, divulgação e execução do
projeto, conseguimos realizar as cinco oficinas previstas
para o público previsto.
Esperamos ter ilustrado os bastidores de realiza-
ção de um projeto cultural, contando sobre organização e
ajustes necessários à realidade que vivemos no momento
de sua execução. A seguir, descreveremos como ocorreu
cada oficina de criação11, no intuito de inspirar outros pro-
fissionais, professores, jovens, pais, interessados e curio-
sos a soltarem o traço e a realizarem criações, e também
de encontrarem outras vias de expressividade por meio da
escrita livre.
1A OFICINA: A LETRA
11
Cf.: CLAVER, R. Escrever sem doer: oficina de redação. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 1993.
45
regras de funcionamento e assinatura dos termos de
autorização para que aquilo que fosse produzido e re-
gistrado pudesse ser utilizado para compor futuras pes-
quisas, publicações e divulgações; e, ainda, fisgar seu
interesse pela oficina a fim de desenvolver sua escrita
a partir de atividades de criação textual. Neste primeiro
momento a linha guia foi o conjunto das letras do alfabe-
to. Todas as atividades deste encontro foram pensadas
buscando ter como ponto de partida alguma letra deter-
minada, seja por meio das letras que compõe o próprio
nome, até contar uma história usando todas as letras do
alfabeto. É importante frisar que a letra é o primeiro ele-
mento da alfabetização. Portanto, buscamos a memória
afetiva deste processo já automatizado pelos anos es-
colares, o que nos leva então a “soltar o traço” da escrita
e escrever sem doer.
Tendo esta visão panorâmica do primeiro encontro,
passamos ao detalhamento de cada etapa da oficina. Os
participantes foram recebidos pela equipe e organizados
em fileiras; como alguns eram provenientes de mesmas
escolas, ou vieram em grupo de amigos, foi permitido que
se sentassem próximos para que se sentissem seguros
e confiantes. Posteriormente foi feita a apresentação do
projeto, contando como a ideia surgiu e que somente foi
possível graças ao financiamento proporcionado pelo
Programa Municipal de Incentivo à Cultura. Em seguida,
foi apresentada uma visão geral das atividades, sinalizan-
do que o foco era a escrita livre, criativa, por meio de exer-
cícios individuais e grupais. Foi reforçado o caráter contí-
nuo, participativo e coletivo das construções e produções.
Sendo assim, foram combinadas algumas regras:
46
• Foi solicitado para que todos viessem uniformiza-
dos com a camiseta do projeto e que não faltas-
sem. Caso fosse preciso se ausentar, comunicar
com antecedência para que uma atividade de re-
posição pudesse ser feita em casa, visto que os
encontros estariam encadeados em um conjunto
de atividades progressivas quanto ao exercício da
criação em escrita;
• Ficou estabelecido que entre uma oficina e outra
seriam realizadas atividades em casa. Estas se-
riam apresentadas em grupo e entregues no início
de cada um dos próximos encontros. O conjunto
das produções, durante as oficinas e em casa, for-
maria um caderno de artista. Optamos por um en-
velope com folhas de papel A4 timbradas e nume-
radas para facilitar o transporte e a manipulação
pelos participantes. Portanto, cada um era res-
ponsável por levar para casa seu material, produ-
zir o que foi proposto e trazer em cada encontro;
• Seria disponibilizada borracha, mas a ideia pac-
tuada era de que não deveríamos apagar os re-
gistros feitos nas folhas. Elas seriam o espaço do
esboço e do texto final. Não descartaríamos ne-
nhuma produção, entendendo que, grosso modo,
não há certo e errado, visto que o importante era
perceber o processo de riscar o papel e arriscar
na escrita;
• Por fim, foi estabelecido horário de tolerância para
iniciar as atividades, intervalo para o lanche, uso
de aparelhos celulares e redes sociais e, princi-
palmente, a relevância da participação ativa dos
presentes nas atividades propostas.
47
sobre o trabalho a ser desenvolvido. Em seguida, como
estratégia de aquecimento do grupo na criação em escrita,
contamos uma pouco sobre a história de diferentes tipos
de alfabeto: grego, russo, japonês, incluindo o alfabeto él-
fico criado por Tolkien quando criou a Terra Média e as his-
tórias do Senhor do Anéis e do Hobbit. Depois desse con-
teúdo prévio, mostramos um acróstico como ferramenta
para se escrever a partir das letras que formam uma pala-
vra. O acróstico, para quem não conhece, tem origem nas
palavras gregas Ákros (extremo) e stikhon (linha ou verso)
e se caracteriza por ser uma espécie de recriação textual,
como o resumo, a resenha, o esquema e a paráfrase, por
exemplo. É um gênero de composição poética bem antigo,
que consiste em formar palavras ou mesmo frases inteiras
com as letras iniciais, intermediárias ou finais a partir de
uma base de letras.
Como primeira atividade de criação em escrita, pedi-
mos a cada um que fizesse um acróstico com seu próprio
nome. Foi sugerido que brincassem, encontrando palavras
que se iniciassem com cada letra do nome, de forma a
montarem uma apresentação pessoal fazendo uma des-
crição, como o exemplo abaixo mostra:
REFABULANDO
R eescrevendo
E stórias
F antásticas,
A venturas
B acanas,
U sando
L etras do
A lfabeto
N unca
D antes
O uvidas!
48
Depois de uma breve socialização das produções,
apresentamos uma crônica de Oswald de Andrade chama-
da “Carteira de Identidade” publicada no jornal carioca “A
manhã”, no dia 18 de julho de 1948, na qual escreve sobre
si na terceira pessoa:
“Nasceu em 1890 em São Paulo. Casado cinco vezes,
tem quatro filhos. Pesa 89 kilos. Altura, 1,65. Sapato nº 40.
Usa óculos só para ler. Não gosta de andar. Dorme e acor-
da cedíssimo. Faz visita só quando é obrigado. Prato de sua
predileção: bife com batatas. É antropófago. Compositores de
sua predileção: Erik Satie e Villa-Lobos. Ajuda a mulher em
casa fazendo todas as manhãs o café do casal. Brinca com os
filhos. É péssimo correspondente epistolar. Considera a sua
obra literária acima da compreensão. Pessoalmente é pessi-
mista. Não tem amigos. Vai pouco ao cinema. Poetas de sua
predileção: Cassiano Ricardo, Carlos Drummond de Andrade,
Vinícius de Moraes e Murilo Mendes. Escreve à mão. Tem
muito cabelo. Come bem. Trabalha em casa. Escreve seus
livros geralmente de madrugada. Gosta de todos os seus li-
vros publicados e não se arrepende de os ter escrito. Espera
viver até os 83 anos para grande desgosto de muita gente”12.
Na segunda atividade, quando transitamos para o
desenvolvimento da oficina, decidimos trabalhar em du-
plas visando misturar os grupos. Modificamos a disposição
em filas da primeira atividade. Assim, desenvolvemos uma
atividade EU-OUTRO, crescendo o nível de interação e
construção. Cada um dos componentes da dupla tinha que
entrevistar o outro a partir de um roteiro estruturado, que
serviria de base para a atividade de criação em escrita. No
roteiro, o entrevistador deveria explorar alguns aspectos do
entrevistado, a fim de obter substrato para a próxima tarefa,
como: nome, o que faz, quando nasceu, sobre o interesse
12
Cf.: ANDRADE, O. A alegria é a prova dos nove. (Org. RUFFATO, L.). São
Paulo: Ed. Globo, 2011, p. 20-22..
49
pela escrita, fatos marcantes da infância, a adolescência e
vida adulta, curiosidades da personalidade e o que gosta de
ler, escrever, fazer para se inspirar e criar. Com base neste
levantamento, o entrevistador deveria escrever um acrósti-
co que contasse, tal qual Oswald de Andrade, a carteira de
identidade do entrevistado, sendo que cada frase da escrita
deveria começar com a letra do nome do entrevistado.
Depois de leitura coletiva das produções, retomamos
a conversa sobre o caderno de artista, distribuímos os en-
velopes com o material da primeira atividade de casa. Os
participantes deveriam utilizar o acróstico para construir a
história de alguém real ou fictício, do seu cotidiano ou não,
tendo como referência as perguntas usadas na atividade
em duplas. Desta vez, as frases deveriam começar com a
sequência das letras do nosso alfabeto, podendo ou não
se utilizar das letras K, Y, W e Z.
2A OFICINA: A PALAVRA
50
respondida com palavras descrevendo os improváveis ingre-
dientes com uma ressalva: os ingredientes devem rimar.
“O que que tem na sopa do neném?/ O que que tem
na sopa do neném?/ Será que tem espinafre?/ Será que
tem tomate?/ Será que tem feijão?/ Será que tem agrião?/
É um, é dois, é três...”13.
Ouvimos a música e assistimos ao clipe. A seguir, a
proposta era que cantássemos em roda a música, inventan-
do palavras na hora e mantendo a rima entre elas. O nosso
aquecimento seria como uma brincadeira de batata-quente;
utilizamos um chocalho que seria passado entre os integran-
tes marcando o compasso da música. Quem estivesse se-
gurando o chocalho após cantarmos “Será que tem...” deve-
ria dizer uma palavra que rimasse com a anterior. Quando
“dava branco” no participante ou errássemos a rima, dizía-
mos “É um, é dois, é três...” e retomávamos a brincadeira.
Após o aquecimento, fizemos uma breve apresenta-
ção sobre a palavra. Contamos que as palavras carregam
cargas afetivas, sociais e, inclusive, históricas. Como é o
caso da contração que ocorreu de “vossa mercê” até o
“você”, que na linguagem da internet virou “vc”. Fizemos
uma diferenciação básica entre diferentes classes de pa-
lavras, explicando as características quando são substan-
tivos, verbos, adjetivos, advérbios, interjeições, numerais,
por exemplo. Depois desta introdução iniciamos as ativida-
des de criação em escrita propriamente ditas.
A primeira tarefa envolvia escrever em tarjetas de
cinco palavras que fossem substantivos, cinco que fos-
sem verbos no infinitivo e cinco que se caracterizassem
como adjetivo. Para isso os participantes foram divididos
em grupos com até quatro integrantes. Individualmente, as
palavras seriam escritas em tarjetas, podendo utilizar obras
13
Cf.: PERES, S.; TATIT, P. Sopa. In: PERES, S.; TATIT, P. Canções de Brincar
(CD). 1996.
51
literárias disponibilizadas no ambiente da oficina, dicioná-
rio, ou buscar no seu próprio vocabulário as palavras prefe-
ridas e mais usadas para se inspirar. O objetivo era montar
um acervo variado de substantivos, verbos e adjetivos e
compartilhá-los no grupo. Por isso, as tarjetas foram reuni-
das de acordo com a classe de palavras e cada integrante
sorteava três palavras de cada categoria. A partir daí de-
veriam organizar as palavras de modo a formar frases que
contivessem um substantivo, um verbo e um adjetivo sor-
teado. Após utilizar o primeiro conjunto de palavras sorte-
adas, sugerimos que trocassem suas palavras uns com os
outros. Solicitamos que tentassem organizar ou criar frases
que, em conjunto, pudessem contar uma história coerente
e não somente uma justaposição de frases aleatórias.
A segunda atividade de criação em escrita retomou a
ideia da história que as palavras trazem, para mencionar os di-
cionários etimológicos14 e o trabalho feito por Millôr Fernandes
ao construir dicionários dando novos sentidos as palavras:
14
O dicionário etimológico, diferente de um dicionário comum, traz para além
dos significados das palavras as suas origens, histórias e raízes.
15
Cf.:FERNANDES, M. Dicionário etimoLÓGICO I. 1955.Disponível em: http://
www2.uol.com.br/millor/dicionario/001.htm.
52
Também conversamos sobre o impressionante uso
de justaposição e aglutinação que Guimarães Rosa fazia
para capturar a fala inventiva e truncada do sertão mineiro.
A segunda atividade consistia em pensar novas pala-
vras e construir significados diferentes para elas, brincan-
do com os exemplos de Millôr Fernandes e de Guimarães
Rosa. Feito isso, seriam elaboradas frases com estas
novas palavras de significados alterados, estabelecendo
uma narrativa coerente entre elas.
Encerramos compartilhando em roda as produções
do dia, solicitando que fosse feito em casa o exercício de
mudar o significado de pelo menos cinco palavras, como
no exercício em sala, e produzir uma notícia de jornal.
Ilustramos a atividade com a poesia de Manuel Bandeira
“Poema tirado de uma notícia de jornal” para indicar for-
mas singulares de se contar algo tão corriqueiro quanto
uma notícia de jornal. Também foi sugerido que pesqui-
sassem um pouco mais sobre seus autores favoritos, tra-
zendo informações sobre sua vida e obra, bem como, se
tivesse, um exemplar de algum de seus livros.
3A OFICINA: A FRASE
53
comportar uma frase e como uma frase pode ser, por si só,
uma história. Em seguida, apresentamos frases de alguns
autores ilustrando diferentes formas de construção. Foram
usados exemplos de textos dos seguintes escritores: José
Saramago, em virtude do uso peculiar que faz das pontua-
ções, da Clarice Lispector, pelo estilo de escrita como um
fluxo de pensamento, e do Gabriel García Márquez, para
sinalizar o uso de figuras de linguagens na construção de
histórias fantásticas. Nesta oficina, em especial, a etapa
de aquecimento foi a conversa iniciada dialogando sobre
os autores apresentados e concluída com essa conversa
a respeito das frases e as diversas formas de construí-las.
Em seguida, começamos a primeira atividade de cria-
ção em escrita do terceiro encontro tendo como mote os
provérbios. Os participantes foram convidados a pensar em
exemplos de ditados populares, expressões orais reprodu-
zidas no cotidiano que transmitem conhecimentos comuns
sobre a vida. São frases lógicas, simples, curtas e objetivas.
Os participantes deveriam como tarefa escolher ou um pro-
vérbio ou uma frase do autor de sua preferência e reescre-
vê-la, atribuindo um sentido contrário ao que foi expresso.
Privilegiamos o uso dos ditados populares imaginando que
pudesse ocorrer que algum participante não tivesse mate-
rial sobre o autor pesquisado, garantindo assim o propósito
de desenvolver a ideia de frase. Enfim, o título da história
seria a frase escolhida e reescrita em sentido contrário.
A mecânica desta atividade consistia em três mo-
mentos. No primeiro, a frase que serviria de título e mote
para o texto seria escolhida e transformada. Em seguida,
em roda, cada participante iniciaria a produção do texto
com uma frase de abertura para uma história. Depois, pas-
sá-lo-ia no sentido horário à pessoa mais próxima, que por
sua vez acrescentaria outra frase, dando continuidade à
história – que tinha como mote o título e as interferências
dos demais participantes. Este funcionamento foi mantido
54
até que o texto retornasse àquele que começou sua escri-
ta. Para que os diferentes ritmos não interrompessem a
dinâmica, foi estabelecido e cronometrado um tempo para
ler o que estava escrito e acrescentar uma frase na histó-
ria. O tempo era ajustado conforme o número de linhas do
texto ia aumentando. O terceiro momento envolveu a leitu-
ra do texto construído a várias mãos e a sua reescrita, sem
copiar as contribuições dos demais participantes, mas sim,
parafraseando-as, cuidando para que o sentido produzido
coletivamente fosse mantido.
Por fim, as produções foram compartilhadas em
roda, realizando leituras do texto coletivo e do reescrito.
Encerramos definindo que a atividade de casa seria o livre
exercício de construir uma história, visando que os partici-
pantes pudessem manter o ritmo de criação proposto para
além do que foi ofertado durante a imersão na oficina.
4A OFICINA: O TEXTO
55
atenção ao que cada integrante acrescentaria à história.
Então, quando quase metade dos participantes já tivesse
feito sua intervenção, a narrativa deveria estar caminhan-
do pelo meio da história escolhida como base. Quando
restassem poucos integrantes para contar sua parte, a
história precisaria estar próxima ao desfecho. O último se-
ria responsável pela moral da história, como geralmente
acontece na estrutura de uma fábula. Também combina-
mos que a personagem principal não poderia morrer e que
observassem a passagem do tempo narrado ao longo das
intervenções, tentando manter a linearidade da narrativa.
Depois deste aquecimento, utilizamos a narrativa
construída oralmente para apresentar alguns elementos
fundamentais de um texto literário. Uma história precisa
ter começo, meio e fim. Apresentar um clímax, isto é, o
auge da narrativa, momento em que acontece a virada que
direciona a trama para o seu desfecho. Uma história ainda
é constituída de cenários, personagens, dramas e ações.
Após conversar uma pouco sobre estas informações, fo-
ram disponibilizados livros de fábulas e contos de fadas
para que os participantes pudessem escolher e ler.
A última atividade de criação em escrita, portanto,
seria a escolha de duas histórias que seriam reescritas.
Depois de ler e se inspirar em algum dos livros, os integran-
tes fariam dois textos refabulando suas narrativas. Logo,
não poderiam fazer cópias literais do livro base, deveriam
sim parafrasear e contar ao seu modo a história, alteran-
do ou não sua narrativa. Por fim, os participantes foram
convidados a produzir outra história juntando os dois tex-
tos refabulados. Terminamos a oficina fazendo uma leitura
voluntária dos textos produzidos e esclarecendo dúvidas
finais sobre o encerramento do projeto, como: seleção dos
textos para o libreto e planejamento do lançamento. Neste
dia também foram coletados depoimentos dos participan-
tes, para a edição de making-off em vídeo.
56
ÚLTIMAS PALAVRAS...
57
O
livro
dentro
do
livro
ALEXANDRE HIRO SEKITA
Dupla identidade
A Bia é minha irmã. Ela é/ Bonita/ Carinhosa/
Dedicada e/ Estudiosa./ Faz teatro e meio ambiente./
Gosta de ler/ Histórias/ Incríveis e de ficção./ J. K. Rolling
é sua autora preferida e/ Kevin, personagem principal do
seriado “Anos incríveis”, foi seu 1º grande amor./ Lá em
casa ela/ Mora./ No IFTM, ela estuda. Para chegar lá,
ela pega/ Ônibus/ Praticamente/ Quebrado,/ Ruim,/ Sem
segurança e/ Tecnologia./ Ultimamente ela tem sofrido/
Violentamente por amor. Bia gosta da música The/ Wall,
do Pink Floyd. Já ouviu e dançou muita/ Xuxa./ Ying-yang
ela precisa, pois esta prestes a entrar na faculdade e o
ENEM e a FUVEST a deixam muito/ Zangada.
Anna Clara sou eu,/ Beatriz minha irmã, Benerval meu
pai e/ Clarice minha mãe./ De manhã vou para a/ Escola./ Faço
tarefas de/ Geografia,/ História,/ Inglês e/ Jogo vôlei. Nas horas
vagas ouço/ Katy Perry,/ Leio, canto com as/ Músicas,/ Navego
na internet e/ Observo os/ Pássaros./ Quando dou/ Risada/
Sorrio alto e/ Transformo/ Um lugar calmo em super agitado./
Viajo muito, uso/ Wifi, danço com/ Xbox e não gosto de/ Zumba.
Dicionário Refabulógico
Cavalo: cavar um buraco.
60
Surpreendente: surpreender entre o dente.
Rabanada: animal sem rabo.
Terra: possuir capacidade de dar risada.
61
outras histórias./ Precisamos de uma história para contar
para termos uma opinião./ Vivemos e aprendemos a cada
dia e seria uma pena se a rebeldia que me acompanha
não falasse mais alto que a razão./ Além de tudo, precisa-
mos destas histórias para sermos lembrados de que um
dia passamos por aqui e fomos importantes para a cons-
trução deste lugar”./ Assim, ele começou a construção de
uma fantástica máquina de memórias com figurinhas bri-
lhantes,/ sem esquecer o que realmente importa:/ as coisas
simples que o faziam feliz,/ porque tinha amor no coração.
Por fim ele voltou para o futuro e viveu feliz para sempre.
CECÍLIA NAVES
Duas Cecílias
Canta e/Encanta/ Carinhosamente/ Inventa/ Lança/
Ideia/ Avança.
ReConhece/ rEinventa/ Cria/ recrIa/ trabaLha/ anI-
ma/ Apresenta.
Palavras reversas
Honestamente... ser honesto é um trabalho hostil.
Tal qual um cavalo que corre na terra brincando em seu
62
vazio pensamento de desenhar o alfabeto. Sem trair o seu
domador supostamente um crush oculto, que honesta-
mente venera-o.
No papel vejo sentimentos duros e concretos. Fantástico
como o papel é o crush que nos faz sorrir. É um dom hostil
conversar com a terra, que se iguala ao dom do papel.
63
FELIPE RIBEIRO ARAÚJO
Dois Felipes
Falo/ Escrevo/ Lavo a alma/ Imerso/ Pouco a pouco/
Escrevo de novo.
Escalo/ Parapeitos/ Invado/ Letreiros/ Escrevo
numa/ Fuga.
Identidades vizinhas
Aqui na virada do século/ Bem em 1999, nascia José
Joaquim./ Como ele se via sem interesse pela escrita/
Depois de passar sua infância/ Energizando os tempos em
que ganhou seu cachorro e/ Friamente perdeu seu avô,/
Guardando então sua vida adulta ao sofrimento, que/ Hoje
ele nomeia de responsabilidade./ Imerso em mentiras/
Justo quando dizia: “nada a leituras”!/ Kresceu mentindo
que se escrevia com “K” e não “C”./ Lições nas músicas
que ouvia,/ Mesmo nos filmes e ainda assim dizia:/ “Nada
me inspira na escrita!” / Optando pelas responsabilidades./
Palpitando falácias./ Querendo seu cachorro de infância,/
Responsabilizado ou não pela perda do avô./ Somente
aos estudos se dedicou e/ Tudo que fazia/ Unia ainda as-
sim seu nada de criatividade à escrita./ Verdade, ele dizia
que não! Seja/ Winton, Willie ou qualquer nome, ele po-
deria dizer que era do seu cão./ Xuvendo outras palavras
com letras erradas, seu hábito de mentir,/ Yato no tempo
para não lembrar do seu avô,/ Zampetando nas responsa-
bilidades de estudar.
Anos 2000, Júlia seu nome./ Bom começo, mas
sem muita inspiração para escrita./ Celebrando ou não
sua memória/ De quando mudou de São Paulo para cá./
Embelezava suas histórias de ficção e aventuras, Fitando
o passado, sua infância, que/ Girava em torno do Senhor
64
Vitor./ Hoje que ela não corria mais por conta da sua per-
sonalidade forte./ Ia lembrando quando ele rasgava as bo-
las de sua infância./ Já não havia mais o medo da falca
nas mãos dele./ Kalando e olhado para o céu./ Liturgia
nas suas inspirações,/ Mesmo sabendo que/ Não era adul-
ta ainda./ Optou então por ser decidida/ Parando na rua/
Querendo ser céu,/ Rabiscando ficções,/ Sobrevoando o
azul do céu,/ Tendo só a memória do velho do condomínio,
/ Unindo mudança de cidade/ Versificando decisões nos
livros de ficção. Nem W, X, Y ou Z, era jota de Júlia.
Contando palavras
Meu peixe é bonito. Ele adora colorir. Eu e ele te-
mos uma experiência agradável. Gosto muito de ficar fa-
lando com ele, de vez em quando ele me deixa de lado.
Quando isso acontece fico muito choroso, mas continuo
amigo dele.
Agora vou pegar meu carro e sair. O ar é maravilho-
so, falar também, namorar nem se fala. Aliás ontem ganhei
um sapato e claro que ele é um All Star. Ganhei também um
chocalho e uma caneta. Sou uma pessoa muito sortuda.
65
a dizer coisas como: “você deve acreditar mais em si mes-
mo e não ligar para a opinião dos outros”. Ela também
falou que não devíamos temer a solidão, pois às vezes era
melhor estar sozinho do que mal acompanhado: “apesar
de tudo que acontece no mundo, de todos os crimes, todos
os atentados, nem todos os humanos são monstros”.
Monodicionário Refabulógico
Universo: poema com um único verso.
66
anos, ele realizou seu sonho e hoje é um grande guitar-
rista de uma banda famosa.
Cachorro Loco
Estava eu andando, quando vi um cachorro latino
americano. Senti medo, pois ele era muito grande, porém
quis acarinhá-lo. Ele me avançou e mordeu minha orelha.
Para revidar, eu mordi a orelha dele. Foi então que ele
mordeu a minha perna. Acabei parando no hospital onde
me aplicaram morfina.
Enquanto o médico costurava minha perna, vi o ca-
chorro que me mordeu e ele era o Bin Laden. Começou a
falar em árabe e apertou um dispositivo com a pata. Foi
então que, deitado na maca do hospital, acordei e me dei
conta que havia tido alucinações.
Lembrei que minha mãe havia me comprado um pu-
dim. Comê-lo foi minha salvação, pois ele me tirou daquela
onda e me trouxe de volta à vida.
67
bom: paixão se chama. Comecei a enxergar a vida mais
colorida tal qual os vídeos de uma famosa cantora pop e
seus cenários com doces e arco-íris.
Eu que nunca fui fã de história de princesas, agora
achava que, por sentir borboletas no estômago, só poderia
estar em um conto de fadas. Depois desse dia, não tive
como me aproximar novamente, visto que não sabia seu
nome e muito menos seu endereço.
Por meio de uma capa invisível, pude segui-la até
próximo de sua residência e em um acaso bem elabora-
do pude perguntar seu nome e telefone. Ela, desconfiada
como era, se
sentia acanhada em conversar comigo... Elogiei-a e
fui correspondida.
A cumplicidade entre nós sempre foi um ponto im-
portante e assim decidimos namorar. Foram quatro anos
de namoro e um de noivado até a chegada dos nossos
pequenos Batista e Tica: dois vira-latinhas. Não afirmo
que vivemos felizes para sempre, mas vivemos felizes à
nossa maneira.
Dicionário Refabulógico
Abraço: ato ou efeito de abrir metais duros.
68
A vingança do patinho desconfiado
Era uma vez um patinho lindo e maravilhoso. Ele
tinha um sonho: ficar feio. Ele tinha uma dúvida: seus
amigos gostavam dele pelo o que ele era ou pela sua
beleza. Em um certo dia, por acidente, seu desejo se
realizou. Ele caiu no piche e suas penas ficaram todas
grudadas. Todos riram dele, inclusive seus amigos.
Precisou ser depenado e enquanto suas penas cres-
ciam foi ignorado até pelos seus melhores “amigos”. E
quando ele ficou bonito novamente, fez o mesmo que
fizeram com ele: os ignorou.
Chapeuzinho amarelo
Esta história é bem diferente da normal. A chapeu-
zinho era youtuber viciada em vídeo games. O seu jogo
favorito era “Chapeuzinho vermelho – The Game”. Ela
conhecia várias pessoas, que a amavam e a odiavam,
porque era uma das melhores do mundo em levar doces
para a vovozinha. Um dia um hater roubou sua conta. Ela
tinha dois caminhos para reavê-la. Caminho 1: hackear o
hater. Caminho 2: desafiá-lo no próprio jogo e conseguir
vencê-lo. Na verdade, o hater, que era o número um no
ranque mundial, se adiantou e desafiou-a. Foi o jogo mais
importante de sua vida. Com muita dificuldade conseguiu
vencê-lo, recuperou sua conta e ficou em primeiro lugar no
mundo. Todos ficaram felizes para sempre.
69
JOSÉ FRANCISCO PASCOLI DE ANDRADE
70
Acordou com som da TV, como acontece sempre que
vai dormir no sofá. A programação normal havia sido inter-
rompida devido a alguma notícia urgente: Miguel e seu vice
haviam cometido suicídio. Convicta de que havia sido Giselle
que os matou, estava perplexa com o ponto que sua amiga
havia chegado. Foi à delegacia se queixar com a polícia:
– Eu acredito que foi a Giselle que matou Miguel e
seu vice.
– Claro! Todo mundo acha, mas ninguém tem pro-
vas. - Respondeu o policial grossamente.
– Mas eu vi ela com uma roupa preta com uma faca
na mão correndo na rua!
– E já tivemos uma queixa de alguém que disse que viu
um reptiliano enviado para matar Miguel. Olha, só queremos
provas. Ela já é uma suspeita e está sendo trazida para cá
para interrogação. Se você tiver uma teoria examine o caso
desde o início para ver se faz sentido antes de vir aqui.
Elisa saiu de lá e viu Giselle sendo levada para den-
tro da delegacia, e também entrou para ver. A suspeita foi
levada para uma pequena sala e colocaram a máquina de
detectar mentiras em sua mão. Elisa conseguiu ouvir tudo
o que falavam lá dentro:
– Você matou Miguel e João Carlos?- Perguntou o
policial.
– Não! Eu juro! – Dizia Giselle.
– A máquina consente. Por acaso você viu um repti-
liano enviado para matar eles?
– Quê?
– Só responda.
– Não.
– Você correu pela rua de madrugada ontem com
uma faca na mão e uma roupa preta?
– É... não.
71
– Não é verdade! – disse o policial impressionado. –
você matou Miguel e João Carlos?
– Não!
– A máquina consente. Você correu pela rua de ma-
drugada ontem com uma faca na mão e uma roupa preta?
Depois de um longo silêncio Giselle respondeu:
– Sim.
– Por que você correu pela rua de madrugada ontem
com uma roupa preta e uma faca na mão?
E foi aí que Giselle deu a resposta mais banal que
Elisa já ouviu:
– Pois eu acordei no meio da noite e fiquei com von-
tade de pegar uma faca colocar uma roupa preta e sair
correndo pela rua.
– Porque você quis fazer isso?!
– Sei lá, eu só quis.
Elisa impressionada chegou à conclusão que Giselle
só poderia manipular essa nova máquina detectora de
mentiras de alta tecnologia se fosse uma completa so-
ciopata, e não era, pois se fosse não ficaria uma semana
chorando por dissecar um sapo... só podia estar falando
a verdade.
Talvez Miguel e João Carlos só resolveram se matar
coincidentemente no mesmo dia após serem eleitos; no
mesmo dia em que sua rival, hoje presidente, resolveu pe-
gar uma roupa preta e uma faca e sair correndo pela rua.
Ou um reptiliano foi enviado para matar eles...
Contando palavras
A molécula nova sorriu e se transformou no
Alexandre, um menino bonito e amável que sabe cantar e
sempre soltava seu maravilhoso corpo. Mas ele se tornou
um jumento julgável e foi.
72
LINDA OLIVEIRA BESSA PORTUGUÊS
Anna e Adam
A desigualdade social está e sempre esteve presen-
te em nosso meio globalizado e capitalista, o que se torna
mais explícito e evidente em países subdesenvolvidos que
compõe tal cenário. Como o continente Americano, que
após tantas rebeliões e descontentamentos por parte da
população, assim o fez. Anna e Adam eram irmãos gême-
os, que infelizmente pertenciam a essa realidade injusta e
ordinária de operários ao Norte do Continente.
Para melhor elucidar o contexto mundial atual, no
ano 216 PGM (Pós-Guerra dos Mísseis), faz-se necessário
73
a compreensão de tamanha desigualdade existente. Onde
há apenas duas castas sociais: os ordinários operários e
os seres sobrenaturais, que fazem sacrifícios aos seus an-
cestrais em troca de riquezas.
Com grande anseio pelo trabalho, a fim de conseguir
a difícil estabilidade social na América, os irmãos saíam à
procura de um ganha-pão todos os dias, após o abandono
dos pais em meio a mais uma crise econômica governa-
mental. Depois de intensa procura, uma senhora masca-
rada pela sua bondade e refinamento, em pleno quarteirão
francês, prometeu para eles ascensão e uma vida com
melhores oportunidades.
Anna e Adam se divertiam, mas logo perceberam
que havia algo de errado coma velha bondosa: um sacri-
fício estava prestes a acontecer. A senhora os esfaqueou
com uma adaga mágica e ambos foram utilizados para sa-
tisfazerem os ancestrais.
Teclando palavras
Como você não ama o Carrara? Ele é tão majestoso!
– Ploft!
Eu prefiro o Capitão América, ele sabe andar mode-
radamente e até sabe estudar o alfabeto! – Pum!
Nossa, esse pão é tão cabeludo! Vou trabalhar com
ele! – Ploft!
Eu prefiro aquele cortante pão! – Pum!
Já está tarde! Eu tenho que ir andando! – Flush!
Dicionário Refabulógico
Apontador: ato ou efeito de afiar a dor.
74
Assoalho: ato ou efeito de colocar alho para assar.
Matador: ato ou efeito de aliviar a dor.
Contando palavras
Meu amigo incrível diário de um claro estranho sor-
vete foi sentar no sofá e seu umbigo começou a importu-
nar a música dele. Aí ele ficou com ódio e quis refabular
em um papel alegre seus pensamentos.
75
Quem nada quer tudo tem
No meu aniversário eu ganhei tudo que eu queria,
aí eu gastei quase tudo e perdi metade de tudo. Teve um
sorteio e ganhei tudo de volta.
Passou um tempo e eu percebi: “Pra que eu que-
ria tudo aquilo, se uma hora ou outra tudo vai acabar se
perdendo?”.
Decidi que a partir de hoje os meios materiais não
me importam e sim a família e o amor.
Cinderela
Era uma vez uma menina que morava somente
com o pai. Ele queria arrumar uma esposa para ele, uma
mãe para a menina, Cinderela. Sua madrasta era muito
má e tinha dois filhos: um chamado Israel e outro João
Guilherme. Eles eram muito bonitos, mas ao mesmo tem-
po chatos. Um dia seu pai morreu e ficaram apenas a
madrasta, seus filhos e Cinderela. A madrasta começou
a fazer a Cinderela de escrava. FIM. Pera aí! Eu ainda
não terminei: a Cinderela conheceu um garoto que a ma-
drasta detestava. Então, a Cinderela e o garoto fugiram.
Agora é fim!
76
Filho de peixe tubarãozinho é!
Eu sou um peixe diferente dos meus pais. Sou um
tubarão bebê e todo mundo acha que sou adotado e dão
risadas de mim. Eu não me importava com o que os outros
falavam e seguia a minha vida.
Passados três anos encontrei meu verdadeiro pai e
era uma sardinha. Como pode ser, um tubarão ser filho de
uma sardinha?! Gente, o que está acontecendo?
De repente acordei. Sim foi tudo um sonho! Eu sou
um peixe normal.
Rapunzel
Em tempos modernos lá estava nossa protagonista:
um bebê lindo, morena de olhos verdes e um cabelo todo
enroladinho.
Rapunzel cresceu com sua família normalmente,
nada de incomum. Quando completou doze anos, ela re-
solveu ir até o clube sozinha para encontrar suas amigas.
Na metade do caminho avistou uma senhora... sua avó!
Parou ao seu lado e disse:
- Vó, você não estava viajando?
- Voltei a tempo de te dar parabéns! Vamos tenho
uma surpresa para você! Disse a vovozinha.
77
Ela seguiu sua avó e chegou a um elevador no meio
do nada. Nenhum prédio ou qualquer cosia que precisasse
de elevador. Mesmo assim entrou e seguiu sua avó. De
repente, tudo escureceu. Só teve tempo de escutar uma
rasgação de tecidos e sentiu uma boca em sua cabeça,
engolindo-a.
Não havia escapatória. Percebeu que estava pre-
sa porque de tempo em tempo chegavam mais crianças.
A sua única escolha para sair daquele lugar era tirar
a própria vida. Até que ela assim o fez, sem medo ou
pressão.
Rapin Udi
Era uma vez, há não muito tempo atrás
Existiu, quem sabe, dois amigos bem modestos
Moravam em um reino em que o rei saiu para a guer-
ra, mas
O príncipe que assumiu não era nada honesto.
78
Um disfarce sempre cai bem, ainda mais em prol da
amada!
Competiu e ganhou, mas na hora do prêmio
receber
Foi descoberto e começou briga para todo lado,
roubada!
Assim nosso herói salvou a princesa daquela furada.
Meio Identidade
aMiga/ mAis/ diveRtida/ irrItante e/ mAluca.
79
NATHÁLIA SANTOS FERREIRA
80
é de todos. Sabendo disso, nós, estudantes, saímos em
busca de nossos tantos direitos e protestamos durante
todo um dia.
Nós buscamos muitas coisas para o Brasil, entre
elas que a democracia seja respeitada e aprimorada! E te-
mos a certeza de que ainda há muito pelo que lutar. Como
disse Fernando Pessoa: “Tenho em mim todos os sonhos
do mundo”. Nós temos a convicção de que nossos objeti-
vos podem ser alcançados quando estamos unidos. A re-
sistência é nossa única arma!
A Bela e a Fera
Era fascinante
A jovem moça
Exalava juventude
E atraía amor.
Um dia, para sua virtude,
Outra moça avistou
Ela era uma fera.
Seu olhar era de irritação
Até que encontrou
A beleza da Bela!
Alfa e Beto
Alguém que/ Brilha/ Com sua/ Dedicação/ Expressa-
se como/ Fogo/ Garotinha/ Hospitaleira/ Intrigante o seu/
81
Jeito/ Kalmo e, se preciso,/ Louco./ Mas ela é/ Nitidamente
e/ Obviamente um/ Potencial/ Que engloba/ Respeito e /
Solidariedade./ Temos, atualmente, uma/ União./ Vamos
viver e/ Xorar muitas vezes./ Ysso/ Zera a possibilidade de
somente existir!
A alma dele/ Brilha/ Como as estrelas/ Do céu/
Espetacular./ Fascinante o/ Garoto./ Historias lindas e/
Irresistíveis vivemos/ Juntos./ Kareço/ Loucamente./
Mirar/ Nos seus/ Olhos./ Perco-me/ Quando/ Respiro nos-
so amor./ Sei que somos/ Todos/ Unidos pela/ Vasta emo-
ção/ Xamada por uns de./ Ylusão e por mim de/ Zombar
da falta de paixão.
Poetizando palavras
Escrevo o que vejo
Canto o que sinto
O que vi foi um lindo sorriso
O que cantei foi o gosto do teu beijo
Se o amor é inteligente eu não sei
Mas sigo fiel no que reparei
Alguém tão amável
Que me fez sentir fantástico
82
Especialistas em incêndios
Além de um/ Belo rio, na floresta moravam três ani-
mais: uma/ Cobra, uma tartaruga e um chacal. Certo/ Dia/
Enquanto andavam pela/ Floresta, ouviram de longe o/ Grito
de um gavião que voava e/ Honrava os outros animais avi-
sando-os sobre um terrível/ Incêndio que/ Já se espalhara
por lá. Parecia que uma espécie de/ Karma assombrava a
floresta naquele momento./ Logo, ouvindo o aviso, os três
animais que andavam juntos/ Mais que depressa começa-
ram a pensar/ No que iriam fazer./ O senhor tartaruga dis-
se para os outros animais não se/ Preocuparem, pois ele
conhece mais de cem formas de controlar o fogo./ Quando
ouviu isso a cobra/ Retrucou dizendo/ Saber/ Tratar/ Um
incêndio com mais de mil técnicas que aprendera./ Vendo a
discussão o chacal disse que não precisava de todo aque-
le/ Workshop sobre fogo, só precisava correr e quando se
fala de incêndio ele não se atreve a/ Xeretar. Continuando
o assunto, o senhor tartaruga e a cobra não deram muito
crédito à/ Yuri, o chacal, e ainda/ Zombaram dele. Yuri foi o
único que sobreviveu ao ocorrido.
O rato e a cigarra
Um dia a cigarra descansava debaixo de uma árvore
quando viu o rato passando com uma pesada planta medi-
cinal. Ela então perguntou:
– Por que você está carregando tanto dessa planta?
Você é um rato, não precisa de tudo isso.
– É para o leão, preciso ajudá-lo pois está doente.
– Mas por quê? Só porque ele te libertou quando ia
te devorar? Você não deve nada a ele!
83
– Mas ele me libertou, por que não retribuir?
– Porque você não é obrigado, sua história é qua-
se igual a minha, a formiga me ajudou, mas não ficou
prejudicada por isso. Eu poderia até ajudá-la, mas não
sou obrigada!
– A formiga apostou em você, perdeu e talvez até se
arrependeu. Mas fez o que achava certo. O leão confia em
mim, vou retribuir até o fim!
Moral da história: a vida é uma aposta, mas só o
tempo dirá se você perdeu ou ganhou.
Contando palavras
É maravilhoso escrever estas palavras no meu ca-
derno, então escreverei sobre mim. Gostava muito do meu
avô, pescávamos em um lago e voltávamos sorrindo para
casa. Ao chegarmos em casa comíamos um delicioso pei-
xe cozido. Adorávamos pular de árvore em árvore, mas
éramos muito preguiçosos para fazermos isso o dia inteiro.
Corríamos e jogávamos bola quase o dia inteiro. E ao che-
garmos em casa de noite levávamos uma bronca da minha
avó por termos sujado nossos tênis.
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sua apresentação totalmente arruinada pelo seu inimigo
Joaquim. Ficou totalmente arrasado, abandonou seus pro-
jetos e destruiu sua carreira. Um dia o pequeno Pedro, um
jovem admirador do seu trabalho, encontrou Hugo e disse
o tanto que o achava fantástico. Então Hugo percebeu que
não devia ligar se era aplaudido ou não, só devia se im-
portar em fazer o que mais gostava. Assim Hugo decidiu
continuar com suas invenções e parou de se importar em
ser aplaudido ou não.
Contando palavras
Eu conheci um homem gentil. No início parecia tími-
do, mas depois percebi quão grande ele é. Pois ao perce-
ber meus olhos saltando de fome, ele me convidou para
comer. Então sentamos à mesa e soltei um grande sorriso.
Ficamos conversando por horas e anotando em um cader-
no vários exemplos de atitudes que podem mudar o mun-
do. Depois me despedi daquele homem gentil e continuei
andando com meus tênis pelo mundo em busca de poder
retribuir este incrível favor a alguém um dia.
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Nós andamos à procura até que achamos um forro
incrível. Um dos meus amigos perguntou o preço: “Cem
reais...”. Meu colega disse: “Meu Deus!!!”
Conversamos e decidimos ir embora. Acabou que
não levamos nada.
A deriva III
Eu e meus amigos fomos acampar num final de se-
mana na beira do Rio. Estávamos todos felizes, quando
encontramos um rato esperto roubando todo nosso queijo.
O rato parecia querer degustá-los em casa.
Um pescador que passa por aí contou para nós que
avistou gatos do mato, jacarés e lobos passando em ban-
do. E disse que ficou assustado com tantos bichos.
Então, tivemos uma ideia para capturar os animais
usando hidrogel. A tarefa não era muito fácil, mas teve um
final brilhante. Logo mais adiante no Rio encontramos um
navio encalhado com os queijos abandonados.
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Certa vez, subiram no telhado e acertaram uma pe-
dra num touro bravo que saiu em direção da mãe do coro-
nel. O gato muito esperto salvou a mãe do coronel e ga-
nhou de presente uma espada. Com isso, foram libertados
do orfanato pelo coronel e saíram em busca de riquezas
e objetos mágicos. O primeiro que encontram foi a caixa
com os feijões mágicos do gigante. Não foi nada fácil, mas
conseguiram.
Sabendo da gansa que botava ovos de ouro, planta-
ram os feijões para tentar levar um filhotinho para a cidade.
Somente não imaginavam que ela viria atrás de seu filho.
Ela destruiu a cidade inteira procurando seu filhotinho. Foi
aí que o gato-de-botas, os anões e o menino-ovo o devol-
veram à sua mãe que voltou para seu castelo.
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Um
pouco
do
que
vivemos
Camila Turati Pessoa nas-
ceu em Barretos-SP, é le-
onina e tem 28 anos. Liga-
da à família e aos amigos,
gosta de reunir pessoas ao
seu redor. Sempre foi de
“inventar moda”. É amiga
dos animais e costura des-
de os 13 aninhos. Encontrou em Minas Gerais sua tampa da
panela e não desgrudou mais. Formou-se em Psicologia, fez
mestrado e agora é doutoranda na área da Psicologia e Edu-
cação. Gosta das mais diversas manifestações artísticas e
atua na formação de professores. Viaja bastante nem sempre
a passeio, quando pode lê livros, cozinha e faz artesanatos.
Daniel Caldeira de Melo
nasceu em Sacramento-
-MG, é virginiano e tem
33 anos. É o terceiro ffi-
lho da união de um queijei-
ro e com uma professora
de matemática. Caçula
mimado criado pela avó,
encontrou há 10 anos seu par no jogo do mico. Sempre se
considerou um amante das artes nas suas mais diversas
expressões. Graduou-se em História e Psicologia. Transi-
tou proffissionalmente pela prevenção à criminalidade, assis-
tência social, economia criativa e cultura. Nas horas vagas às
vezes escreve, joga baralho e RPG, monta quebra-cabeças, edita
vídeos e faz zines!
Parceiros de projetos e de vida, construíram juntos esta pro-
posta para promover encontros e convidar jovens a outros
olhares sobre a criação em escrita.
Esta obra foi composta em papel Supremo
250g (capa) e Polen Soft 80g (miolo), no
formato 14cm x 21cm, usando tipologia Arial
no texto e KG Sketch nos títulos.
Inverno de 2017
Impresso no Brasil
Todos os dias, revisitamos o mundo.
A casa, a rua, a vida.
A isto chamamos rotina, mas são viagens.
Cada dia é novo, novas roupagens.
Assim é com a herança das histórias,
Dos livros, das memórias,
Renascidos que são
A cada vez que alguém os ouve ou lê
Pela magia da imaginação.
Refabulando, “reescrevendo histórias fantásticas”,
Nesta “Officina de Criação em Escrita”
Alguma coisa se transffigurou
Pelo olhar e pelas mãos de muita gente:
Gente nova que é adulta e propõe e projeta e realiza
Gente nova muito nova que aceita o desaffio
De ver as coisas de modo diferente.
A criação se deu, a escrita vigorou, agora é livro.
E histórias deliciosas, brincadeiras novinhas
Saíram quentinhas
Cheirando a orvalho e mel
Nesta officina mágica que nasceu
Do sonho da Camila e do Daniel.
Cleusa Bernardes
Incentivo Realização
PROJETO
DESDOBRAVEL