Waldby analisa então como, ao escolher Jernigan, o VHP por um lado reata
com as lições de anatomia porque a matéria-prima continua sendo fornecida
por extratos malditos da sociedade; mas, por outro, como rompe com ela ao
deixar para trás o "Livro do Homem", o atlas anatômico, e criar o Homem
Visível.
Em suma: como na dissecação anatômica, o VHP exige o sacrifício de um
corpo como modelo tecnológico que é redimido porque vai servir a outros;
mas, se a produção da imagem anatômica pode ser pensada como uma série de
práticas de espacialização que transformam sucessivamente o volume do
corpo tridimensional em traços iterativos, vale dizer, como uma cartografia
que repensa o corpo humano em relação ao corpo do livro, o mesmo não se dá
com a produção da imagem virtual. Na passagem do livro à tela, a imagem
deixa de ser uma representação para se tornar uma imagem operacional,
passível de ser desdobrada como um substituto dos órgãos atuais, em cirurgias
e endoscopias virtuais. Waldby mostra que dentro do universo tecnocientífico
a atração exercida por Adão e Eva do ciberespaço deriva das equações vida =
informação e organismo = código, que tratam as figuras como entidades
vitais, corpos mortos ressurretos por meio da capacidade tecnogênica de criar
uma segunda natureza informacional.
Ora, o paradoxo é que essa criação de vida se funda num referente incômodo e
inapagável -o cadáver, a morte que torna a gênese uma operação macabra e
transforma a medicina pós-humana numa medicina gótica. Com efeito, como
esquecer que o homem e a mulher visíveis são cadáveres reanimados,
fantasmas digitais que retornam ao mundo atual?