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André Luiz Rodriguez Modesto Pereira

Oficina

“Elementos da estética de J. R. R. Tolkien”

Araraquara
2010
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Índice
Proposta para oficina cultural e acadêmica - Gestão CACEL 2010 ....................................................4
AULA 1................................................................................................................................................8
Elementos da Estética de J. R. R. Tolkien............................................................................................8
1. J. R. R. Tolkien............................................................................................................................8
2. Midgard, Middenheim, Middangeard, Middle-earth...................................................................8
3. Recepções e críticas.....................................................................................................................9
4. Repercussões..............................................................................................................................11
AULA 2..............................................................................................................................................12
Beowulf e "Beowulf: the monsters and the critics": J. R. R. Tolkien como filólogo.........................12
1. Beowulf......................................................................................................................................12
2. Influências na obra de J. R. R. Tolkien......................................................................................12
3. Crítica de Beowulf anterior a J. R. R. Tolkieniana....................................................................12
4. Análise de J. R. R. Tolkien.........................................................................................................13
5. Monstros e deuses......................................................................................................................13
6. Estrutura de Beowulf.................................................................................................................14
7. Método de análise tolkieniano...................................................................................................14
AULA 3..............................................................................................................................................15
Sobre histórias de fadas......................................................................................................................15
Parte 1.................................................................................................................................................15
1. Andrew Lang..............................................................................................................................15
2. Breve contexto de Andrew Lang...............................................................................................16
3. Sobre histórias de fadas (On Fairy-stories)................................................................................16
4. O que são histórias de fadas?.....................................................................................................17
AULA 4..............................................................................................................................................19
Sobre histórias de fadas......................................................................................................................19
Parte 2.................................................................................................................................................19
1. Tópicos anteriores:.....................................................................................................................19
2. Crianças.....................................................................................................................................19
3. Crença Secundária.....................................................................................................................20
4. Fantasia......................................................................................................................................20
5. Recuperação, Escape e Consolo................................................................................................21
AULA 5..............................................................................................................................................23
Folha por Niggle.................................................................................................................................23
1. Personagens (geral)....................................................................................................................23
2. Os nomes....................................................................................................................................24
3. Estrutura do enredo....................................................................................................................25
4. Niggle e a sociedade..................................................................................................................27
5. A Viagem: Enfermaria e Casa de Trabalho................................................................................28
6. Alguns espaços...........................................................................................................................28
7. Subcriação..................................................................................................................................29
AULA 6..............................................................................................................................................31
O Senhor dos Anéis: fusão de gêneros literários................................................................................31
1. O que é O Senhor dos Anéis......................................................................................................31
2. Gêneros básicos.........................................................................................................................32
3. Formas Simples (André Jolles)..................................................................................................32
3

4. Kunstmärchen (Contos de fadas artístico).................................................................................32


4. Fantasia vs. Realismo................................................................................................................33
5. “Teoria dos Modos” de Northrop Frye......................................................................................33
6. Romance de Fantasia.................................................................................................................35
7. Forma enciclopédica..................................................................................................................35
AULA 7..............................................................................................................................................36
Denethor.............................................................................................................................................36
1. A personagem.............................................................................................................................36
2. Aproximação com a tragédia clássica........................................................................................37
3. Caracterização de Denethor.......................................................................................................38
4. As escolhas e o destino..............................................................................................................38
Aula 8.................................................................................................................................................40
O Mal e a Morte em O Senhor dos Anéis...........................................................................................40
1. A natureza do Mal e suas principais representações..................................................................40
2. A origem do mal.........................................................................................................................43
Aula 9.................................................................................................................................................46
A Canção dos Ainur............................................................................................................................46
1. Ainulindalë – A Canção dos Ainur.............................................................................................47
2. Mito de criação e processo criativo...........................................................................................51
Aula 10...............................................................................................................................................52
De Beren e Lúthien.............................................................................................................................52
1. Trama.........................................................................................................................................52
2. Personagens...............................................................................................................................53
3. Destino, estruturas paralelas......................................................................................................55
4. Temas e referências....................................................................................................................55
5. Amor..........................................................................................................................................56
6. Libertação do cativeiro..............................................................................................................56
Sugestão de bibliografia.....................................................................................................................57
Internet................................................................................................................................................60
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Proposta para oficina cultural e acadêmica - Gestão CACEL 2010

1. ÁREA/LINGUAGEM
Literaturas estrangeiras modernas

2. NOME DO PROJETO

Elementos da estética de J. R. R. Tolkien

3.INTRODUÇÃO
Com a publicação de The Lord of the Rings (O Senhor dos Anéis) entre os anos de 1954 e
1955, o autor John Ronald Reuel Tolkien veio a se tornar um dos mais importantes autores do
século XX. Todavia, sua obra constitui um fenômeno literário a parte. Bastante afastado das
tendências de vanguarda que dominaram o início do século e distante da tendência intimista e
introspectiva que marcou a literatura inglesa, os escritos tolkienianos se lançam a um passado
mítico, repleto de seres mágicos e batalhas épicas, mas no qual ainda se pode encontrar vestígios de
modernidade – ou o sentimento do homem moderno diante do mundo –, fazendo com que seu texto
promova, ao mesmo tempo, o resgate de uma tradição clássica (greco-romana), medieval, romântica
e, embora não se lance em experimentações formais à maneira vanguardista, não deixa de ser um
texto moderno.
A aparente estranheza da obra naquele contexto somada às diversas críticas negativas que
surgiram na ocasião da publicação de The Lord of the Rings foram os prováveis motivos que
afastaram os escritos tolkienianos de um exame acadêmico mais detalhado. Porém, recentemente,
instituições universitárias norte-americanas e alemãs, por exemplo, têm empreendido consideráveis
esforços no resgate do autor, não apenas como cultura de massa ou literatura infanto juvenil, mas
como um artista respeitável, como pode ser atestado pela obra de Tom Shippey, Tolkien: the author
of the century e o congresso intitulado Tolkien und die Romantik a ser realizado na Universidade de
Jena em 2010. Dessa forma, entende-se que a realização dessa oficina será de grande proveito para
os alunos de Letras e demais interessados na obra de J. R. R. Tolkien, no sentido de poder travar um
contato mais íntimo com o trabalho do autor, analisado especialmente sob o viés de sua
contribuição estética.
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4. OBJETIVOS

O objetivo do curso é colocar o aluno em contato com a obra de J. R. R. Tolkien de modo


que ele seja capaz de:

• compreender os principais elementos históricos e literários que influenciaram e contribuíram


para a configuração do texto tolkieniano;

• visualizar em linhas gerais o projeto estético do autor;

• compreender a obra tolkieniana como texto moderno, engajado com a tradição e não alheio
às novas perspectivas estéticas de seu tempo.

5. DESENVOLVIMENTO E CRONOGRAMA:

O curso consistirá de aulas expositivas, mas sempre buscando a participação do aluno


através de discussões e debates. Eventualmente, de acordo com o interesse da classe, poderão haver
pequenos seminários.

As aulas e conteúdos serão organizados da seguinte forma:

Aula Assunto
Data
Aula 1 Introdução: apresentação do curso, do autor, aspectos gerais da obra; Filologia e
(19/08) Literatura; cultura pop.
Primeira parte: Tolkien como crítico
Aula 2 Leitura e discussão do poema Beowulf e do ensaio “Beowulf: os monstros e os
(26/08) críticos”. Método de abordagem da literatura pelo autor.
Aula 3 Leitura e discussão do ensaio “Sobre histórias de fadas”: o que são histórias de
(02/09) fadas, uso da tradição, Fantasia, funções.
Aula 4 Leitura e discussão do ensaio “Sobre histórias de fadas” e da Poética de
6

(09/09) Aristóteles. Uma poética para o drama e uma poética para a prosa. Mímesis x
Subcriação.
Segunda parte: Tolkien como autor
Aula 5 (16/09) A folha por Niggle – arte, subcriação e mundo secundário
Aula 6 (23/09) O Senhor dos Anéis – fusão de gêneros (teoria de Frye).
Aula 7 O Senhor dos Anéis - “A pira de Denethor” encenação de uma tragédia dentro
(30/09) do romance. Retomada da poética aristotélica na prosa.
Aula 8 (07/10) O Senhor dos Anéis – O mal e a morte
Aula 9 (14/10) O Silmarillion: Ainulindalë – criação do mundo e metalinguagem
Aula 10 (21/10) O Silmarillion: De Beren e Lúthien: o amor tolkieniano

6. NÚMERO DE VAGAS

30 vagas.

7. CARGA HORÁRIA:
Carga horária da atividade = 20 horas / duração do projeto = 10 semanas / freqüência
semanal = 01 vez por semana / aulas com 02 horas de duração).

8. RECURSOS MATERIAIS:
Giz, lousa e data-show para todas as aulas.

9. DADOS DO PROPONENTE:

André Luiz Rodriguez Modesto Pereira


Mestrando em Estudos Literários - FCLAr
e-mail: andrelrmp@yahoo.com.br / andrelrmp@gmail.com

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2006.


EAGLETON, Terry. Depois da teoria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973.
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LEWIS, C. S. A experiência de ler. Tradução e notas de Carlos Grifo Babo. Porto: Porto Editora,
2003.
TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
_______. O Silmarillion. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

_______. Sobre histórias de fadas. Trad. R.Kyrmse. São Paulo: Conrad, 2006.

_______. The monsters and the critics and other essays. London: HarperCollinsPublishers, 2006
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AULA 1
Elementos da Estética de J. R. R. Tolkien
"... fantasy is genuinely timeless in a way that realism is
not." – Lucie Armitt

1. J. R. R. Tolkien
• John Ronald Reuel Tolkien (Bloemfontein, 3 de janeiro de 1892 - Bournemouth, 2 de
setembro de 1973)
• Obra:
• Escritos filológicos: Beowulf: the monsters and the critics (1936), On Fairy-stories
(1939), Sir Gawain and the Green Knight, Pearl and Sir Orfeo (trad. 1975)
• Escritos sobre a Terra-Média (Middle-earth):
• The Hobbit (1937)*
• The Lord of the Rings (1954 - 1955)*
• The Adventures of Tom Bombadil (1962)
• The Silmarillion (1977)*
• Unfinished Tales (1982)
• The History of Middle-earth - 12 volumes (1983-1996)
• The Children of Húrin (2007)
• Outros escritos: Leaf by Niggle (1946), Farmer Giles of Ham (1949), Smith of
Wootton Major, Mr. Bliss (1982), Roverandom (1998).

2. Midgard, Middenheim, Middangeard, Middle-earth


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3. Recepções e críticas
• Edmund Wilson: "Oo, those awful orcs!"
• The Nation, 14 de abril de 1956

[...] É intrigante pensar, por que o autor deve ter suposto que estava escrevendo
para adultos. Existem, com certeza, alguns detalhes, que são um pouco
desagradáveis para um livro infantil, mas exceto quando ele está sendo pedante e
também chateando o leitor adulto, há pouco em O Senhor dos Anéis acima da
cabeça uma criança de sete anos. Ele é essencialmente um livro infantil – um livro
infantil que, de algum modo, saiu do controle, desde então, em vez de direcioná-lo
ao mercado «juvenil», o autor foi autoindulgente, desenvolvendo a fantasia por sua
própria conta; [...]

[...] O herói não tem tentações sérias; não é atraído por encantamentos traiçoeiros,
desorientado por poucos problemas. O que nós temos é um simples confronto –
mais ou menos nos termos do tradicional melodrama britânico – das Forças do Mal
com as Forças do Bem, o vilão distante e hostil com o pequeno e corajoso herói
local.[...]

[...] Nunca há muito desenvolvimento nos episódios; você simplesmente continua


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pegando mais da mesma coisa. O Dr. Tolkien tem pouca habilidade na narrativa e
nenhum instinto para forma literária. As personagens falam uma linguagem de
livros de histórias que podem ter saído de Howard Pyle, e como personalidades
elas não se impõe. Ao fim do romance, eu ainda não tenho um conceito do mago
Gandalph (sic), que é uma figura central, nunca sendo capaz de visualizá-lo como
por inteiro. [...]

[...] Existem Cavaleiros Negros, de quem todos tem medo, mas que nunca veem
nada além de espectros. Há terríveis aves pairando – pense nisso, horríveis aves de
rapina! Há orcs nojentos como ogros, que, entretanto, raramente chegam ao ponto
de cometer qualquer ato abertamente. Há uma aranha fêmea gigante – uma terrível,
rastejante e arrepiante aranha! – que vive em uma caverna escura e come pessoas.
O que sentimos falta em todos esses terrores é qualquer traço de realidade concreta.
O sobrenatural, para ser efetivo, deve receber algum tipo de solidez, uma presença
real, características reconhecíveis – como em Gulliver, como em Gogol, como em
Poe; [...]

Agora, como é que esses longos volumes, que parecem a este crítico só uma
embromação, evocou tanto respeito como aqueles acima? A resposta é, eu acredito,
que certas pessoas – especialmente, talvez, na Grã Bretanha – tem um longo apetite
por lixo juvenil. Eles não aceitariam lixo adulto, mas, confrontados com o artigo
pré-adolescente, eles retrocedam à fase mental de se encantarem por Elsie
Dinsmore and Little Lord Fauntleroy e que parece ter feito de Billy Bunter, na
Inglaterra, quase uma figura nacional. Você pode ver isso no tom em que eles caem
quando falam sobre Tolkien: eles babam, eles gritam, eles agradam; eles vão além
sobre Malory e Spenser – ambos que tem uma graça e uma distinção que Tolkien
jamais tocou.

• W. H. Auden:
• "The Hero is a Hobbit", 31 de outubro de 1954
• "At the End of the Quest, Victory", 22 de janeiro de 1956

Em A Sociedade do Anel, que é o primeiro volume da trilogia, J. R. R. Tolkien


continua a imaginativa história do mundo imaginário, ao qual ele nos apresentou
em seu livro mais antigo, mas em um modo adaptado aos adultos, para aqueles, a
saber, entre as idades de 12 e 70 anos.[...] Todas as buscas são relacionadas a algum
objeto mágico, as Águas da Vida, o Graal, um tesouro enterrado etc; normalmente é
um Objeto bom, o qual é tarefa do herói encontrar ou resgatar do Inimigo, mas o
Anel da história do Sr. Tolkien foi feito pelo Inimigo e é tão perigoso que até
mesmo os bons não podem usá-lo sem que sejam corrompidos. (THH)

A primeira coisa que se exige é que a aventura deva ser variada e excitante; a esse
respeito, a criação de Sr. Tolkien é firme, e, em um nível primitivo de querer saber
o que acontece em seguida, “A sociedade do Anel” é pelo menos tão boa quanto
“The Thirty-Nine Steps.” De qualquer mundo imaginário, o leitor demanda que ele
pareça real, e o padrão de realismo exigido hoje em dia é muito mais estrito do que
no tempo, digamos, de Malory. O Sr. Tolkien é agraciado por possuir um
surpreendente dom para dar nomes e um olho maravilhosamente exato para
descrições; no momento em que alguém termina seu livro, ele sabe as histórias dos
Hobbits, dos Elfos e dos Anões, e a paisagem que eles habitam, tão bem quanto
sabe de sua própria infância.
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Finalmente, se alguém tomar um conto desse tipo seriamente, deverá sentir que,
embora superficialmente diferente do mundo em que vivemos, em como suas
personagens e eventos podem ser, ele, não obstante, segura um espelho para a única
natureza que conhecemos, a nossa própria; nisso, também, o Sr. Tolkien teve um
magnífico sucesso, e o que aconteceu no ano do Condado de 1418, na Terceira Era
da Terra-Média, não é apenas fascinante em 1945, mas também um aviso e uma
inspiração. (THH)

• Brian Appleyard:
• "What took them so long?", 8 de abril de 2007.

[...] Tolkien é visto convencionalmente como uma figura anti-modernista. Ele não
gostava de tecnologia, e sua perseguição do antigo parece ecoar aquela dos Pré-
Rafaelitas e do fantasista gótico Augustus Pugin, arquiteto do Palácio de
Westminster.

Isso pode ser visto como escapismo, uma rejeição do engajamento modernista com
o presente e com o futuro, mas eu não tenho certeza se isto é muito justo. Compare,
por exemplo, o projeto de Tolkien com duas das maiores figuras da literatura
modernista. O Ulisses de James Joyce conta a história da vida comum de um de
Dublin como uma recapitulação da lenda do errante herói grego. The Waste Land
de T. S. Eliot é um panorama mitológico, que se aproxima dos contos do passado
para lançar uma luz devastadora sobre a condição do presente, a coisa toda
assombrada pelo espectro do colapso mental.

Em outras palavras, embora completamente diferentes (e muito mais artistas), esses


escritores estavam fazendo algo similar a Tolkien: tentando lançar uma luz sobre o
presente, adaptando contos e mitologias do passado. O projeto de Tolkien era,
realmente, mais como simples escapismo - seu passado era, afinal, inteiramente de
sua invenção - mas isso não diminui sua significância como um sintoma primário
da condição moderna.

4. Repercussões
• Homo floresiensis – restos humanos encontrados na Indonésia em 2004, apelidado de
"hobbit" (assunto ainda em discussão)
• O Senhor dos Anéis: desenho animado (1978)
• O Hobbit - HQ, 1990
• Série de filmes de Peter Jackson
• Música: http://www.tolkien-music.com/
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AULA 2
Beowulf e "Beowulf: the monsters and the critics": J. R. R.
Tolkien como filólogo
"As for the poem, one dragon, however hot, does not
make a summer, or a host;" (J. R. R. Tolkien)

1. Beowulf
• Poema em Inglês antigo (anglo-saxão)
• provavelmente séc. VII ou VIII
• Anônimo
• versos aliterativos (repetição do mesmo som):

oððe fyres feng, oððe flodes wylm


oððe gripe meces, oððe gares flight

• Enredo básico: herói enfrenta três monstros, Grendel,


a mãe de Grendel; Dragão.

2. Influências na obra de J. R. R. Tolkien


• Hrothgar - doador de anéis;
• Maldição de Grendel sobre as espadas: Nazgûl;
• Ritos funerários;
• Presença de monstros.

• Outras referências:
• Construção do cenário/pano de fundo;
• Teoria da Coragem: resistir além de qualquer esperança.

3. Crítica de Beowulf anterior a J. R. R. Tolkieniana


• tratamento do poema como outra coisa que não um poema:

Beowulf é um épico nativo semi-desenvolvido, cujo desenvolvimento foi


assassinado pelo aprendizado do latim; ele foi inspirado pela emulação de Virgílio,
e é um produto da educação que veio com o Cristianismo; ele é fraco e
incompetente como narrativa; as regras da narrativa são habilmente observadas à
maneira de um épico erudito; ele é um produto desordenado de um grupo de
Anglo-Saxões de cabeças confusas e provavelmente embriagadas com cerveja [...];
ele é uma série de canções pagãs editada por monges; ele é o trabalho de um
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antiquário cristão erudito, mas impreciso; ele é o trabalho de um gênio, raro e


surpreendente naquele período [...]; ele é um conto de fadas selvagem (coro geral);
ele é um poema de uma tradição aristocrática e cortês [...]; ele é um documento
sociológico, antropológico e arqueológico [...]; sua arquitetura é sólida; ele é raso e
barato [...]; ele é um épico nacional; ele é uma tradução do dinamarquês; ele foi
importado por comerciantes frísios; ele é um fardo para os currículos ingleses; e
(coro final e universal de todas as vozes) ele merece ser estudado. (TOLKIEN,
Beowulf: the monsters and the critics – tradução minha)

4. Análise de J. R. R. Tolkien
• O estudo de J. R. R. Tolkien sobre Beowulf ainda é considerado um dos ensaios mais
importantes sobre o poema;
• poema como poema, obra literária;
• função dos detalhes e dados históricos;
• mistura de elementos, diferentes culturas;
• abordagem estruturalista/folclorista;
• importância da forma, estilo elevado; não é apenas um conto de fadas selvagem.

a + b + c = Grendel

a' + b' + c' = Mãe de Grendel

a'' + b'' + c'' + d = Dragão

• Estruturas semelhantes com significados diferentes.

5. Monstros e deuses
• Fusão de culturas:
• Norte - caos; coragem.
• Mediterrâneo - deuses elevados; proteção aos monstros.
• Cristã - associação com o mal.
• Há em Beowulf uma tentativa de harmonizar as diferentes visões de mundo: a herdada do
paganismo com a nova ideologia cristã. Assim, as forças destrutivas das antigas mitologias
são colocadas como contraponto ao deus criador do cristianismo. Portanto, se são contrárias
a Deus e esse deus é bom, logo, essas forças serão associadas ao mal.
• O Dragão:
• É necessário um inimigo mitológico para o herói poder se elevar a altura de um mito;
• Dragões são raros, apenas dois: o de Wælsing/Sigurðr/Siegfried e o de Beowulf.
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6. Estrutura de Beowulf
• Construção dos versos não musical, mais próximo às artes plásticas - Laooconte (Lessing)
• Dois momentos distintos, contrastes: juventude x velhice
• Não é um poema narrativo.
• Não é um épico, uma epopeia. Problemas de terminologia e de diferentes tradições.
• Elegia – não Epopéia.

7. Método de análise tolkieniano


• Revisão crítica;
• Busca dos elementos principais;
• Observação da forma e do sentido;
• Análise do contexto de produção (histórico, literário, linguístico);
• Maior importância ao texto;
• Abordagem interpretativa;
• Juízo de valor em segundo plano;
• Destacar a importância do texto para o leitor moderno.
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AULA 3
Sobre histórias de fadas
Parte 1

• Escrito em 1938;
• Originalmente elaborado como uma palestra sobre Andrew Lang;
• Publicado pela primeira vez de forma ampliada em 1947;
• Volume Tree and Leaf de 1964.

1. Andrew Lang
• Junto com sua esposa publicou uma série de livros de contos de fadas:
• The Blue Fairy Book,
• The Brown Fairy Book,
• The Crimson Fairy Book,
• The Green Fairy Book,
• The Grey Fairy Book,
• The Lilac Fairy Book,
• The Olive Fairy Book,
• The Orange Fairy Book,
• The Pink Fairy Book,
• The Red Fairy Book,
• The Violet Fairy Book e
• The Yellow Fairy Book.
• Disponíveis em: http://www.gutenberg.org/browse/authors/l#a79
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• Alguns contos da coletânea:


• Little Red Riding-Hood
• The Sleeping Beauty in the Wood
• Cinderella; or, The Little Glass Slipper
• Aladdin and The Wonderful Lamp
• Rumpelstiltzkin
• Beauty and the Beast
• Little Thumb
• Hansel and Grettel
• Blue Beard
• The Three Little Pigs
• The Battle of the Birds
• The Ugly Duckling
• The Water of Life
• Rapunzel
• The Marvellous Musician
• The Story of Sigurd
• Contos de diversas origens e fontes, sem nenhuma organização coerente, adaptados para
crianças.

2. Breve contexto de Andrew Lang


• Antecessores: Charles Perrault, Irmãos Grimm, Hans Christian Andersen.
• Século XIX: Romantismo; nova concepção da infância.
• Livros feitos para crianças.
• Influência do pensamento racionalista – fadas diminutas.
• Não são obras de folcloristas.

3. Sobre histórias de fadas (On Fairy-stories)


• Considerado uma espécie de manifesto da poética tolkieniana.
• “Estas duas coisas, Sobre histórias de fadas, e Folha por Niggle […] podem ser consideradas
interessantes, em especial por aqueles a quem O Senhor dos Anéis deu algum prazer.”
• Tema: Subcriação
• Escrito na mesma época em que Tolkien começava a desenvolver O Senhor dos Anéis – por
volta de 1937 e 1938.
• Tenta responder a três questões: O que são histórias de fadas? Qual é sua origem? Para que
servem?
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4. O que são histórias de fadas?


• Belo Reino: cheio de admiração, mas não de informações.
• Dicionário: “(a) um conto sobre fadas, ou em geral uma lenda de fadas, com
desdobramentos de sentido, (b) uma história irreal ou incrível, e (c) uma falsidade”
• Fadas: “seres sobrenaturais de tamanho diminuto, que a crença popular supõe possuírem
poderes mágicos e terem grande influência sobre os afazeres dos homens, para o bem ou
para o mal”
• Sobrenatural não se aplica às fadas: “Porque é o homem que é, ao contrário das fadas,
sobrenatural (e muitas vezes de estatura diminuta) ao passo que elas são naturais, muito
mais naturais do que ele.”
• “Fairy, como substantivo mais ou menos equivalente a elfo, é uma palavra relativamente
moderna, quase não usada antes do período Tudor”
• “as he were of faierie”

Porque o problema do verdadeiro povo do Belo Reino é que nem sempre se


parecem com o que são, e ostentam a soberba e a beleza que usaríamos de bom
grado. Pelo menos parte de magia que manejam para o bem ou para o mal do
homem é um poder para brincar com os desejos de seu corpo e seu coração.

... no uso corrente do termo as histórias de fadas não são histórias sobre fadas ou
elfos, mas sim sobre o Belo Reino, Faërie, o reino ou estado no qual as fadas
existem. O Belo Reino contém muitas coisas além de elfos, fadas, anões, bruxas,
trolls, gigantes ou dragões. Contém os oceanos, o Sol, a Lua, o firmamento e a
terra, e todas as coisas que há nela: árvore e pássaro, água e pedra, vinho e pão, e
nós, os homens mortais, quando estamos encantados.

• Não depende de qualquer relato sobre elfos ou fadas, mas da relação com o Belo Reino –
indescritível.

O próprio Belo Reino talvez possa ser traduzido mais proximamente por Magia -
mas uma magia com disposição e poder peculiares, no polo mais afastado dos
artifícios vulgares do mágico laborioso e científico.

• Magia do Belo Reino → satisfação de desejos primordiais:


“inspecionar as profundezas do espaço e do tempo”
“entrar em comunhão com outros seres vivos”

• Tudo deve ser apresentado como verdadeiro; exclusão da maquinaria do sonho, “histórias de
viajantes”. Molduras. Também as histórias de animais.

5. Origens das histórias de fadas

“Isso, é claro, deve significar a origem ou as origens dos elementos fantásticos.


Perguntar qual é a origem das histórias (não importa como sejam classificadas) é
perguntar qual é a origem da linguagem e da mente.”

• Estudo de elementos destacados; abordagem dos folcloristas perde a essência do texto


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literário. Histórias com elementos semelhantes não são várias versões de uma mesma
história.

Afirmações desse tipo podem até expressar (numa abreviação indevida) alguma
verdade, mas não são verdadeiras no sentido das histórias de fadas, não são
verdadeiras em termos de arte ou literatura. São precisamente o colorido, a
atmosfera, os inclassificáveis detalhes individuais de uma história e, acima de tudo,
o teor geral que dotam de vida os ossos não dissecados do enredo, que realmente
fazem a diferença.

• Alegoria da árvore de contos. Desenvolvimento dos contos próximo ao desenvolvimento da


linguagem.
• Questão da origem: invenção, herança e difusão.
• Origem é menos importante que o significado atual desses contos.

• Importância da linguagem. Linguagem e mitologia. “A língua e o conto são contemporâneos


em nosso mundo”.
• Invenção do adjetivo como feitiço ou mágica:

A mente que imaginou leve, pesado, cinzento, amarelo, imóvel, veloz também
concebeu a magia que tornaria as coisas pesadas leves e capazes de voar,
transformaria o chumbo cinzento em ouro amarelo e a rocha imóvel em água veloz.
Se era capaz de fazer uma coisa, podia fazer a outra, e inevitavelmente fez ambas.

• Subcriação: “... um poder essencial do Belo Reino é o de tornar as visões da 'fantasia'


imediatamente efetivas através da vontade.
• Subcriação → aspecto da mitologia.
• Não há diferença essencial entre as mitologias e as histórias de fadas.

Mesmo as histórias de fadas como um todo têm três faces: a Mística, voltada ao
Sobrenatural; a Mágica, voltada à Natureza; e o Espelho de desdém e compaixão,
voltado ao Homem. A face essencial do Belo Reino é a do meio, a Mágica.

• Modificações nas histórias: mistura de novos elementos → mitologização de elementos


históricos.
• “A História muitas vezes se parece com o 'Mito', porque ambos em última análise se compõe
da mesma matéria”.
• Efeito atual: entrada em outro tempo; efeito da antiguidade; tempo próprio das histórias de
fadas; tempo mítico ↔ permanência.
19

AULA 4
Sobre histórias de fadas
Parte 2

1. Tópicos anteriores:
• O que são histórias de fadas?
• O Belo Reino, as fadas; desejabilidade.

• Qual a origem dessas histórias?


• Origem próxima da linguagem humana.
• Origem do elemento maravilhoso.

2. Crianças
• “Quais são, se é que existem, os valores e as funções das histórias de fadas hoje?
• Seriam as crianças o seu público natural?
• Não, elas não são um tipo diferente de criatura.

• “Mas na verdade só algumas crianças, e alguns adultos, têm um gosto especial por elas […]
certamente é um gosto que não diminui, e sim cresce com a idade, se é inato.”
• Escrever/adaptar esse tipo de história para crianças é um processo perigoso.
• Coleção de histórias para crianças de Andrew Lang, segundo J. R. R. Tolkien: “conteúdo
desordenado, fragmentado, mixórdia de diferentes datas, objetivos e gostos – mas, no meio
delas, pode-se vez ou outra encontrar uma verdadeira obra de arte.”
• crença/credulidade das crianças (por inexperiência) diferente da crença literária:

É claro que as crianças são capazes de ter crença literária quando a arte do criador
de histórias é boa a ponto de produzi-la. Esse estado mental tem sido chamado de
'suspensão voluntária da incredulidade'. Mas isso não me parece ser uma boa
descrição do que acontece.

• "willing suspension of disbelief": termo cunhado por Coleridge em sua Biographia


Literaria.
• “Claramente, as histórias de fadas não se ocupavam em primeiro plano da possibilidade,
mas sim da desejabilidade.”
• Desejo central do Belo Reino: fantasia, criação, vislumbrar outros mundos.
• Gosto das crianças: “voracidade” do crescimento rápido; não sabem rejeitar o que não
gostam e gostam indiscriminadamente de uma grande variedade de coisas.
• “É verdade?” Provém do desejo que a criança tem de saber que espécie de literatura está
diante dela.
20

3. Crença Secundária
• Criador da narrativa → subcriador bem sucedido, concebe um Mundo Secundário no qual
entra nossa mente.
• Incredulidade = fracasso da arte.
• Estado Encantado (encantamento) = Crença Secundária – suspensão voluntária da
incredulidade: “Assim, essa suspensão pode ser um estado mental um tanto desgastado, roto
ou sentimental, portanto tendendo ao 'adulto'”.

4. Fantasia
• Imaginação = poder mental de criar imagens mais ou menos nítidas ou detalhadas.

A realização da expressão, que confere (ou parece conferir) 'a consistência interna
da realidade', é na verdade outra coisa, ou aspecto, que necessita de outro nome:
Arte, o vínculo operativo entre a imaginação e o resultado final, a Subcriação.

• Arte subcriativa em si; qualidade de estranheza e admiração na expressão derivada da


imagem.
• Liberdade de dominação dos fatos observados.
• Forma superior de arte, mais próxima da pura, e portanto mais potente.
• Desvantagem essencial: é difícil de alcançar. Pode ser mais subcriativa, mas a consistência
interna de realidade torna-se mais difícil de alcançar quanto mais distantes da realidade
forem as imagens utilizadas.

Qualquer pessoa que tenha herdado o fantástico dispositivo da linguagem humana


pode dizer sol verde. Muitos podem então imaginá-lo ou concebê-lo. Mas isso não
é suficiente – apesar de já poder ser algo mais potente do que muitos 'breves
esboços' ou 'reproduções da vida' que recebem louvores literários.

• Criar a crença secundária exige trabalho e reflexão, uma habilidade especial, espécie de
21

destreza élfica. Tarefa difícil na qual poucos se arriscam. Fantasia: narrativa, criação de
histórias em sua forma primária e mais potente.
• Ponto polêmico:
• “Na arte humana a Fantasia é algo que deve ser deixado a cargo das palavras, da
verdadeira literatura.”
• Literatura não é Teatro, que é hostil à Fantasia:
• “As formas fantásticas não podem ser falsificadas. Homens vestidos de animais
falantes podem redundar em bufonaria ou mimetismo, mas não alcançam a Fantasia.”
• O teatro é uma arte com características próprias:
• personagens e cenas não são imaginados e sim contemplados – fundamentalmente
diferente da literatura. Se preferirmos o Teatro à Literatura estamos sujeitos a
compreender mal a Literatura, restringindo-a às limitações do Teatro.

O Encantamento produz um Mundo Secundário no qual podem entrar tanto o


planejador quanto o espectador, para a satisfação de seus sentidos enquanto estão
dentro; mas em estado puro ele é artístico, por desejo e propósito.

• Fantasia não insulta a razão:


• “A Fantasia criativa está fundamentada no firme reconhecimento de que as coisas são assim
no mundo como este parece sob o Sol, no reconhecimento do fato, mas não na escravidão
perante ele.”
• Fantasia: direito humano. Somos feitos à imagem e semelhança de um criador.

5. Recuperação, Escape e Consolo


• Velhice do homem e da humanidade:

Nessa herança de fartura pode haver o perigo do tédio ou da ansiedade para


ser original, e isso pode levar à aversão por um desenho fino, um padrão
delicado ou cores 'bonitas', ou então à mera manipulação e elaboração
excessiva de material antigo, engenhosa e insensível.

• O escape da monotonia não está na elaboração excessiva, mas na redescoberta das formas
mais simples.

• Recuperação: “A recuperação (que inclui o retorno e a renovação da saúde) é uma retomada


– a retomada de uma visão clara.”
• “Em qualquer caso, precisamos limpar nossas janelas, para que as coisas vistas com clareza
possam ficar livres do insípido borrão da trivialidade ou familiaridade – da possessividade.”
• Trivialidade → apropriação, falta de atenção com o objeto/pessoa: “adquirimo-las, e ao
adquiri-las paramos de olhá-las.”
• Humildade → outro modo de recuperação e profilaxia contra a perda.

A fantasia criativa, por estar principalmente tentando fazer outra coisa (fazer algo
novo), pode abrir nosso tesouro e deixar voar como pássaros engaiolados todas as
coisas trancadas. Todas as joias se transformam flores ou chamas, e seremos
22

alertados de que tudo o que tínhamos (ou conhecíamos) era perigoso e poderoso,
não realmente acorrentado com eficácia, livre e selvagem, tão pouco nosso quanto
éramos nós.

• Mímesis?

A Fantasia é feita do Mundo Primário, mas um bom artífice ama o seu material, e
tem um conhecimento e uma sensibilidade da argila, da pedra e da madeira que só a
arte de fazer pode proporcionar.

• As melhores histórias de fadas tratam de coisas simples. O criador de histórias é amante da


natureza, não escravo.

• Escape:
• Escape do prisioneiro
• Fuga do desertor
• Histórias de fadas falam sobre coisas mais permanentes e fundamentais que lâmpadas
elétricas: o raio, por exemplo. Escape do cotidiano, do trivial.

É curiosa a ideia de que automóveis são mais 'vivos' do que, digamos, centauros ou
dragões. É pateticamente absurdo dizer que são mais 'reais' do que, digamos,
cavalos.

A crueza e feiúra da vida europeia moderna […] são sinais de inferioridade


biológica, de reação insuficiente ou falsa ao ambiente.

É de fato uma era de 'meios aperfeiçoados para fins deteriorados'. Faz parte da
enfermidade essencial desses dias – produzindo o desejo de escapar, não de fato da
vida, mas sim de nosso tempo presente e da miséria que nós mesmos fizemos –
estarmos agudamente conscientes tanto da feiúra de nossas obras quanto de seu
mal.

• Outros escapes: fome, sede, pobreza, dor, pesar, injustiça, morte. Superar antigas limitações:
voar, visitar o fundo do mar, conversar com outros seres vivos (sentimento vivo de
separação dos animais).
• Grande escape: Morte.

• Consolo: Final Feliz, Eucatástrofe.


• “Eu quase me arriscaria a afirmar que todas as histórias de fadas completas precisam tê-lo.
No mínimo diria que a Tragédia é a verdadeira forma do Drama, sua função mais elevada,
mas o contrário vale para a história de fadas.”
• Não nega a discatástrofe: “Ela nega […] a derrota final e universal, e nessa medida é
evangelium, dando um vislumbre fugaz da Alegria, Alegria além das muralhas do mundo,
pungente como o pesar.”
23

AULA 5
Folha por Niggle

“Não tinha tempo para si […] e ainda assim


estava se tornando senhor de seu tempo.”

• Também foi escrita entre 1938-1939;


• Publicado originalmente em Dublin Review, em 1945.
• Edição Tree and Leaf, junto com “On Fairy-Stories”, 1964.
• Tema, segundo Tolkien: Subcriação.
• Essa temática pode ser vista de modo bem amplo, levantando questões como:
• O que é arte?
• Qual o papel da arte?
• Qual a função do artista em uma sociedade “prática”?
• Conto metalinguístico: relato do artista sobre sua visão e modo de fazer arte. Lido como
texto autobiográfico.

1. Personagens (geral)
Niggle Sr. Parish
Pastor de ovelhas Sra. Parish
(artistas) (pessoas normais, sociedade)

Inspetor de casas (“Essa é a lei”)


Funcionários do Estado Condutor
(Reguladores)
Carregador

Primeira Voz (“severa”)


Casa de Trabalho Segunda Voz (“moderada, mas não suave”)

Conselheiro Tompkins (empreiteiro ?)


Vozes da sociedade, avaliação posterior, Atkins (professor)
julgamento de valor.
Perkins (apaziguador, sem opinião)
24

2. Os nomes
Niggle
Dicionário eletrônico Michaelis
• niggle
• n.
• 1) pequeno aborrecimento, dúvida;
• 2) pequena crítica
• vt + vi
• aborrecer, incomodar

The American Heritage® Dictionary of the English Language


• nig·gle
intr.v. nig·gled, nig·gling, nig·gles
• 1. To be preoccupied with trifles or petty details.
• 2. To find fault constantly and trivially;

[Perhaps of Scandinavian origin.]


nig.gler n.

Collins English Dictionary – Complete and Unabridged


• niggle [ˈnɪgəl]

vb
1. (intr) to find fault continually
2. (intr) to be preoccupied with details; fuss
3. (tr) to irritate; worry
n
1. a slight or trivial objection or complaint
2. a slight feeling as of misgiving, uncertainty, etc.

[from Scandinavian; related to Norwegian nigla. Compare NIGGARD]

niggler n
niggly adj

Sr. Parish
Dicionário Eletrônico Michaelis
• parish
• n.
• 1) paróquia, distrito eclesiástico;
• 2) freguesia, comuna.
• adj.
• Paroquial.
25

The American Heritage® Dictionary of the English Language


• par·ish
n.
1.
a. An administrative part of a diocese that has its own church in the Anglican, Roman
Catholic, and some other churches.
b. The members of such a parish; a religious community attending one church.
2. A political subdivision of a British county, usually corresponding in boundaries to an
original ecclesiastical parish.
3. An administrative subdivision in Louisiana that corresponds to a county in other U.S. states.

[Middle English, from Old French PARROCHE, from Late Latin PAROCHIA, diocese, alteration of PAROECIA, from
Late Greek PAROIKIA, from Greek, a sojourning, from PAROIKOS, neighboring, neighbor, sojourner: PARA-, near;
see para-1 + OIKOS, house; see WEIK-1 in Indo-European roots.]

Collins English Dictionary – Complete and Unabridged


parish [ˈpærɪʃ]
n
1. (Christianity / Ecclesiastical Terms) a subdivision of a diocese, having its own church and a
clergyman Related adj parochial
2. (Christianity / Ecclesiastical Terms) the churchgoers of such a subdivision
3. (Government, Politics & Diplomacy) (in England and, formerly, Wales) the smallest unit of
local government in rural areas
4. (Government, Politics & Diplomacy) (in Louisiana) a unit of local government
corresponding to a county in other states of the US
5. (Government, Politics & Diplomacy) (Christianity / Ecclesiastical Terms) the people living in a
parish
(Historical Terms)
on the parish History receiving parochial relief

[from Old French paroisse, from Church Latin parochia, from Late Greek paroikia, from
paroikos Christian, sojourner, from Greek: neighbour, from PARA-1 (beside + oikos house]

Note-se como a caracterização de cada personagem se dá conforme o significado de seus


nomes. Eles não são completamente opostos. Há uma relação de diferença e complementariedade
que se resolve no final: Niggle's Parish. Trabalho com a linguagem: Tolkien dá vida a um nome,
incorporando seus múltiplos significados em uma personagem.

3. Estrutura do enredo

Introdução • Apresentação das Personagens e do Cenário


• Niggle; Sr. Parish
• Estado (leis rígidas: “Essa é a lei.”)
• Tema da viagem: incômoda, desagradável, infeliz.
Primavera • “safra de interrupções”: precisou ser jurado; amigo
distante doente; Parish de cama, muitos visitantes.
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• O tempo se tornou algo precioso – viagem.


• Jardim malcuidado – inspeção do Estado.
Outono • Úmido e tempestuoso;
• Trabalho no galpão;
• Impossibilidade de terminar o quadro;
• Interrupções de Parish (“expressão azeda e chorosa);
casa danificada; esposa doente.
• Busca de bicicleta: médico e empreiteiro (“voltara para
casa, para frente da lareira”);
• Médico atrasa; empreiteiro não vem.
• Niggle doente.
• Inspetor de Casas: “Essa é a lei”
• Condutor
Viagem • “Niggle se foi de forma bastante pacífica”
• Estação Ferroviária: grande e sombria
• Carregador chama por “Niggle”
• Enfermaria da Casa de Trabalho: remédio amargo,
tratamento pouco amigável.
• Trabalho duro; ambiente sufocante, sem luz; descanso
no escuro “para pensar um pouco”; privação dos
sentidos;
• sensação lenta de passagem do tempo; remoer o
passado; sem prazer.
• Novas preocupações: trabalho extenuante =
mecanização da rotina, da vida.
• Não havia prazer; havia certa satisfação (“pão, não
geléia”)
• “Não tinha tempo para si […] e ainda assim estava se
tornando senhor de seu tempo.” Sem pressa, mais
tranquilo, conseguia descansar.
• Suportou a mudança de rotina; mas seu corpo não.
Ninguém lhe agradeceu o esforço.
Julgamento • Primeira e Segunda Voz
• Primeira avaliação da arte de Niggle: tem um encanto
próprio; Niggle era um pintor por natureza; descuido
com as coisas da lei;
• “Há o caso Parish, o que veio depois. Era vizinho de
Niggle, nunca moveu uma palha por ele, e raramente
demonstrou alguma gratidão. Mas não há anotação nos
registros de que Niggle esperasse gratidão de Parish, ele
nem parece ter pensado a respeito.”
• Trajeto de bicicleta favorece Niggle: vai para a próxima
etapa.
Nova fase (pós-viagem) • Volta à luz, cura, nova viagem.
27

• Maior claridade, nitidez, trem parece novo.


• Destino: marca de posse → sua bicicleta, etiqueta com
seu nome.
• Entrada no quadro: entrar na subcriação.
• Paisagem de algum modo familiar; encontro com a
Árvore, reconhecimento: perfeito ainda que
“inacabado”: “A Árvore estava terminada mas não
acabada – 'Exatamente o contrário de como costumava
ser'”. Objeto da arte sempre em mutação.
• Parish: traz um conhecimento prático; acostumado a
lidar com plantas e jardins. Inversão de papéis: Parish
se torna o “artista” e Niggle o trabalhador prático.
Ambos trabalham juntos para a construção do lugar.
• A Beirada: região limite da criação. Niggle avança,
Parish permanece. Pastor de ovelhas: outro artista,guia.
Epílogo • Duas partes:
• Mundo primário: Conselheiro Tompkins, Atkins e
Perkins. Representação de valores da sociedade: coisas
práticas, financeiras, mecanizadas; visão sensível,
artística, educada; alheamento. Arte de Niggle é
perdida. Kin: família, parentes.
• Dimensão paralela: Primeira e Segunda Voz: descobrem
a função da arte de Niggle: férias, repouso, ótima para
convalescença; melhor apresentação às Montanhas
(introdução de novos conhecimentos, experiências).

4. Niggle e a sociedade
• Niggle
• pintor, artista, sempre ocupado com sua obra, trabalhos inacabados: “Era do tipo de
pintor que sabe pintar folhas melhor do que árvores” – Englishness.
• Coração mole: “Gostaria de ser mais decidido!”
• Limites de sua obra: tempo, molduras. Tinha que terminar o quadro antes da viagem.
O quadro precisaria parar de crescer.
• Autocrítica:

“Um dia, Niggle parou a certa distância de seu quadro e o contemplou com atenção
e imparcialidade incomuns. Não conseguia decidir o que achava dele, e desejou ter
algum amigo que lhe dissesse o que pensar. Na verdade ele lhe parecia totalmente
insatisfatório, apesar de muito atraente, o único quadro realmente bonito no mundo.
Naquele momento o que lhe agradaria seria ver ele próprio entrar, dar-se um
tapinha nas costas e dizer (com óbvia sinceridade): “Absolutamente magnífico!
Consigo ver exatamente aonde você pretende chegar. Continue assim e não se
preocupe com mais nada! Vamos conseguir uma pensão do governo para você não
precisar se preocupar.” (p. 93)
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• Arte apresentada como trabalho duro, ininterrupto, que exigia concentração.

• Sr. Parish e a sociedade:


• Sr. Parish incorpora/representa a visão normal da sociedade.
• Pouca atenção à arte, mais ligado a coisas práticas;
• poucos sabiam do quadro, se soubessem não dariam importância:

“A Árvore, seja como for, era curiosa. Bastante singular à sua maneira. Assim como Niggle;
mas ele era também um homenzinho bem comum e um tanto tolo.”

• Preocupações maiores da sociedade: Quanto tempo ele poderia adiar a viagem?


Quem ficaria com a casa? O jardim seria mais bem cuidado?
• Inspetor de Casas, Condutor e Carregador: representantes do Estado. Sem quaisquer
traços de particularidade. Leis rígidas. Sem espaço para a
individualidade/subjetividade. Madeira e lona são vistos apenas como objetos de uso
imediato (reparação das casas); impossibilidade de expressão pela arte.
• Médico e empreiteiro: não atendem conforme o necessário; ineficiência. Empreiteiro:
“voltara para casa, para frente da lareira” → noção de conforto, diferenciação social.
• Arbitrariedade do Estado.

5. A Viagem: Enfermaria e Casa de Trabalho


• Chegada de Niggle sem bagagens, como um indigente. Qual valores ele deveria trazer? Os
valores posteriormente apresentados são suas ações.
• Sensação de sufocamento, escuridão: castigo, expiação?
• Niggle se habitua a uma vida mecanizada. A sensação de satisfação está longe de uma
sensação de felicidade. Desumanização. “Pão – não geleia”.
• As Vozes recebem maior grau de individualização do que os funcionários do Estado:
• Primeira Voz: “severa”
• Segunda Voz: “moderada apesar de não suave”, “com autoridade, e soava ao mesmo
tempo esperançosa e triste”
• É a Segunda Voz que propõe o tratamento suave.
• Essas personagens não possuem presença física, mas são ligeiramente distintas; já os
funcionários do Estado, possuem aparência semelhante, são peças de um mesmo sistema,
rígido, porém pouco eficiente.

6. Alguns espaços
• Vila, casa de Niggle e Sr. Parish
• Ambiente de tensão: Niggle x Sociedade;
• Essa tensão é mais evidente no “Epílogo” pelas declarações do Conselheiro
Tompkins;
• Opção por Niggle de viver afastado, interesses diferenciados;
• Contato com Parish: problemático, mas necessário. Niggle ajudava Parish e esse lhe
29

conseguia boas batatas a um preço barato.

• Galpão
• lugar de criação de Niggle; estúdio;
• construído onde ficava o canteiro de batatas; dependência de Parish;
• Niggle pintava a natureza sem estar em contato direto com ela; filtro de
subjetividade; criava árvores e flores, não copiava meramente.

• Casa de Trabalho
• Sem luz ou ventilação;
• Privação dos sentidos, embrutecimento, alienação.

• Estação Ferroviária
• lugar de passagem
• representa o desconhecido, o destino pode ser bom ou ruim;
• ponto de expectativa, nunca um ponto final.
• A Estação Ferroviária e a bicicleta são uma das poucas representações de objetos
modernos na obra tolkieniana. Ambos são mostrados sempre como um meio nunca
como um fim.
• Beirada
• Limite do conhecido e do imaginado;
• Ponto limite que os artistas devem ultrapassar.

7. Subcriação
• Entrada no quadro = entrada em um Mundo Secundário;
• Dentro desse mundo é possível visualizar mais detalhes, bem como ampliar seus limites
além das molduras. A visão de fora é sempre limitada, quando se entra na Arte, nota-se que
ela tem vida própria, modifica-se e evolui independente da vontade ou consciência do autor.
• Encontrar o infinito no finito = noção de sublime dos românticos.
• Trabalho em conjunto entre Sr. Parish e Niggle: nenhum dos dois pode agir de forma
independente. A arte de Niggle cura a perna do Sr. Parish.
• Forte contraponto com a opinião do Conselheiro Tompkins:

“ – Sem serventia nem prática nem econômica – explicou Tompkins. – Ouso dizer
que ele poderia ter sido transformado em alguma espécie de engrenagem
aproveitável se vocês, mestres de primeiras letras, conhecessem seu ofício. Mas
não conhecem, e assim terminamos com gente inútil como ele. Se eu governasse
este país, empregaria a ele e sua laia em algum serviço para o qual fossem
adequados, lavando pratos numa cozinha comunitária ou coisa parecida, e trataria
de garantir que trabalhassem direito. Ou os descartaria. Eu deveria tê-lo descartado
muito tempo atrás.
[…]
– É claro que a pintura tem utilidades – respondeu Tompkins. – Mas não havia
como usar a pintura dele. Há muitas oportunidades para rapazes arrojados que não
tem medo de novas ideias e novos métodos. Não para essas tolices antiquadas.
Devaneios privados. Ele não seria capaz de desenhar um cartaz expressivo nem
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para salvar a própria vida. Sempre mexendo com folhas e flores. Uma vez
perguntei-lhe por quê. Ele disse que as achava bonitas! 'O quê, orgãos digestivos e
genitais de plantas?', eu disse a ele, mas não tive resposta. Desperdiçador tolo.”
(p.115 – 116)

• No trecho final a Primeira Voz e a Segunda Voz apresentam uma solução para a tensão em
torno da obra de Niggle: férias, repouso, ótima para convalescença; melhor apresentação às
Montanhas (introdução de novos conhecimentos, experiências).
• Recuperação, Escape e Consolo.
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AULA 6
O Senhor dos Anéis: fusão de gêneros literários
“Pois não seremos nós, mas os que vierem
depois que farão as lendas de nossa época.” -
Aragorn.

• Publicado entre 1954 e 1955 em três volumes: A Sociedade do Anel, As Duas Torres e O
Retorno do Rei. Divisão por questões editoriais – preço do papel na Inglaterra pós-Guerra.
Os três volumes constituem uma obra única.
• Peça mais elaborada dentre os escritos sobre a Terra-média: extensão, conteúdo e forma.

1. O que é O Senhor dos Anéis


• “Em grande parte, este livro trata de hobbits, e através de suas páginas o leitor pode
descobrir muito da personalidade deles e um pouco de sua história” (p. 1)
• Livro Vermelho do Marco Ocidental: O Hobbit + O Senhor dos Anéis = relatos de Bilbo,
Frodo, Sam...

Meu Diário. Minha Viagem Inesperada. Lá e de Volta Outra Vez. E o Que


Aconteceu Depois.
Aventuras de Cinco Hobbits. A História do Grande Anel, compilada por
Bilbo Bolseiro a partir de suas próprias observações e dos relatos de seus amigos.
O que fizemos na Guerra do Anel.

Aqui terminava a letra de Bilbo e Frodo havia escrito:

A QUEDA
DO
SENHOR DOS ANÉIS
EO
RETORNO DO REI

(segundo as Pessoas Pequenas; contendo as memórias de Bilbo e Frodo do


Condado, suplementadas pelos relatos de seus amigos e pelos ensinamentos dos
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Sábios)
Juntamente com excertos de Livros da Tradição traduzidos por Bilbo em Valfenda.
(p. 1088)

• Indícios de várias versões do Livro Vermelho:

“[…] Evidentemente isso [o relato de como Bilbo conseguiu o Anel] ainda


constava no Livro Vermelho original, da mesma forma que em várias cópias e
resumos. Mas muitas cópias contêm a história verdadeira (como uma alternativa),
derivada sem dúvida das notas de Frodo ou Samwise; ambos souberam a verdade,
embora não parecessem dispostos a apagar qualquer coisa já escrita pelo velho
hobbit.” (p.13)

• Prólogo, Nota sobre Os Registros do Condado: observações sobre as várias versões do texto.
• Relato histórico, diário, compêndio erudito (lendas, poemas etc.): já sugerem a mistura de
gêneros do texto.
• Tradução e estabelecimento de um texto baseado nas diferentes versões: trabalho filológico.

2. Gêneros básicos
• Épico: narrativo.
• Lírico: canções, poemas etc.
• Dramático: Conselho de Elrond, encontro com Théoden e Denethor etc.

3. Formas Simples (André Jolles)


• Uma determinada disposição mental dá origem a determinadas formas literárias.
• Saga: universo organizado em torno da ideia de família, vínculo sanguíneo;
• Mito: resposta a uma pergunta;
• Märchen (contos de fadas): o mundo como deveria ser; desejabilidade; fantasia.

4. Kunstmärchen (Contos de fadas artístico)


• Romantismo:

O conto de fadas artístico busca a originalidade na abordagem e profundidade do


tema, na elaboração do estilo, na variedade do conteúdo etc. Caracteriza-se, em
geral, pelo emprego esteticamente mais elaborado dos elementos mágicos (que
adquirem muitas vezes um sentido alegórico, podendo ser uma camuflagem para a
exposição de um conteúdo realístico, por vezes de acentuado teor satírico); mostra
preferência pelo aspecto individualizante (em detrimento da universalidade) através
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da complexidade psicológica dos personagens e da presença de indicadores de


época e lugar onde se passa a ação; emprega maior profusão de detalhes (em
oposição ao econômico estilo do conto popular, que se limita ao estritamente
necessário), apresenta versatilidade na composição de sua estrutura; e explora um
leque maior de possibilidades de significação. (VOLOBUEF, 1993, p.105)

• “Sobre histórias de fadas”: “concorda” com a disposição mental proposta por Jolles; mas, O
Senhor dos Anéis é evidentemente um texto mais elaborado;

4. Fantasia vs. Realismo


• Modelo de Todorov:

Estranho puro Fantástico-estranho Fantástico-maravilhoso Maravilhoso puro

• Christine Brooke-Roose (A Rethoric of the Unreal, 1981): O Senhor dos Anéis pertenceria
ao “Maravilhoso puro”, mas conteria elementos típicos do realismo:

1. excesso de descrições, megatext;


2. redundância e previsibilidade;
3. história paralela;
4. desfocalização do herói.

• Mistura de elementos realistas e maravilhosos enfraquece o texto? Altera o gênero?


• A exigência do leitor moderno é diferente da dos tempos de Spenser, Milton ou Malory.
• John D. Rateliff em “'A Kind of Elvish Craft': Tolkien as Literary Craftsman” (Tolkien
Studies, v.6): “ele frequentemente descreve uma cena, não como você a experimentaria, mas
como se lembraria dela depois.”
• Texto mais “aberto”, transparente.

5. “Teoria dos Modos” de Northrop Frye


• Gênero definido pela personagem central:

Nas ficções literárias o enredo consiste em alguém fazer alguma coisa. O alguém,
se indivíduo, é o herói, e a alguma coisa que ele faz ou deixa de fazer é o que ele
pode fazer ou podia ter feito, no plano dos pressupostos estabelecidos, para ele,
pelo autor, e das conseqüentes expectativas da audiência. As ficções, portanto,
podem ser classificadas, não moralmente, mas pela força do herói, que pode ser
maior do que a nossa, menor ou mais ou menos a mesma. (FRYE, 1973, p. 39)

Assim, Frye propõe cinco categorias de herói:


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(1) – O herói como um ser divino, superior em condição aos outros


homens e ao meio em que esses homens habitam. A história sobre esse
herói será considerada um mito;
(2) – O herói é superior em grau ao meio e aos outros homens, contudo,
ainda é identificado como humano. Este é o herói da história romanesca,
que habita um mundo onde as leis da natureza são ligeiramente suspensas e
podemos encontrar armas encantadas, bruxas, talismãs, animais falantes
etc. Esse é o herói que participa da lenda, do conto popular, do Märchen e
derivados literários;
(3) – O herói é superior em grau a outros homens, mas não à natureza,
possuindo, freqüentemente a qualidade de líder. Este é o modo imitativo
elevado, típico das tragédias e das epopéias gregas;
(4) – O herói não é superior nem ao seu meio nem a outros homens,
sendo muito semelhante ao homem comum. É o modo imitativo baixo,
típico da comédia e da ficção realística.
(5) – O herói é inferior em inteligência e poder ao homem comum,
pertencendo ao modo irônico.

• Modos trágico e cômico: exclusão ou inclusão da personagem em seu meio.


• Principais personagens (heróis)
• Frodo;
• Sam, Merry, Pippin;
• Aragorn;
• Gandalf.

• Frodo, Aragorn e Gandalf: trajetórias semelhantes e opostas:

“Morte Ritual” Resultado


Gandalf Luta com o Balrog, queda em Moria. Retorna como Mago Branco.
Aragorn Travessia da Senda dos Mortos. Reconhecimento como rei.
Frodo Túnel e ataque de Laracna (Shelob). Preso. Não resiste ao Anel. Não
é reconhecido no Condado.
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• Frodo, Sam, Merry e Pippin: romance de formação (Bildungsroman)


• Aprendizado: há sempre um guia (Tom Bombadil, Aragorn, Gandalf, Barbárvore,
Gollum); sem os guias não há evolução.
• Bildungsroman (Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister – Goethe): busca de
participação/integração na sociedade.
• Frodo: personagem que se afasta da sociedade (típico do romance).
• Sam, Merry e Pippin: personagens que se integram à sociedade (épicos).

6. Romance de Fantasia
• Lin Carter, O Senhor do Senhor dos Anéis: trajetória dos elementos fantásticos desde os
clássicos greco-latinos, novelas de cavalaria etc.
• A fantasia está presente na obra de vários grandes autores: Homero, Milton, Goethe etc.
• Começa a se define como gênero no século XIX, através das obras de William Morris, Lord
Dunsany e Eric Rücker Eddison.
• William Morris é um dos poucos autores de quem Tolkien admite influência.
• O que diferencia o Romance de Fantasia no século XIX é o (re)conhecimento de que o
conteúdo retratado não existe no Mundo Primário.

7. Forma enciclopédica
• Mistura de gêneros e modos: mítico e irônico, trágico e cômico, épico e romance.
• “A epopéia diverge da narrativa pelo alcance enciclopédico de seu tema, do céu ao mundo
subterrâneo e através da enorme massa de conhecimento tradicional” (FRYE, 1973, p.312):
poemas, lendas, geografia, línguas, costumes, referências etc.
• Ritmos da epopéia clássica: “a vida e a morte do indivíduo, e o ritmo social mais lento que
no curso dos anos [...], leva cidades e impérios a sua ascensão e ruína” (1973, p.312).
• Fusão do romance, da confissão (relato autobiográfico), da anatomia (sátira menipeia –
análise social, elemento fantasioso) e da história romanesca.
36

AULA 7
Denethor
… um velho que olhava para o próprio colo...

• Um dos episódios centrais de O Retorno do Rei;


• Significado múltiplo: humano, político e simbólico (mitológico, mágico); marca uma
transição – desaparecimento do mundo conhecido.

1. A personagem
• Categorias das personagens de Northrop Frye:

(6) – O herói como um ser divino, superior em condição aos outros


homens e ao meio em que esses homens habitam. A história sobre esse
herói será considerada um mito;
(7) – O herói é superior em grau ao meio e aos outros homens, contudo,
ainda é identificado como humano. Este é o herói da história romanesca,
que habita um mundo onde as leis da natureza são ligeiramente suspensas e
podemos encontrar armas encantadas, bruxas, talismãs, animais falantes
etc. Esse é o herói que participa da lenda, do conto popular, do Märchen e
derivados literários;
(8) – O herói é superior em grau a outros homens, mas não à natureza,
possuindo, frequentemente a qualidade de líder. Este é o modo imitativo
elevado, típico das tragédias e das epopeias gregas;
(9) – O herói não é superior nem ao seu meio nem a outros homens,
sendo muito semelhante ao homem comum. É o modo imitativo baixo,
37

típico da comédia e da ficção realística.


(10) – O herói é inferior em inteligência e poder ao homem comum,
pertencendo ao modo irônico.

• Denethor: superior a outros homens mas não à natureza, personagem típico;


• Funções da personagem:
• Regente (política)
• Pai (social e humana)

2. Aproximação com a tragédia clássica


• Três unidades:
• Ação
• Tempo – alguns dias;
• Espaço – há entre três e quatro mudanças de cenário (ambientes: público, privado,
sagrado).

• Princípios da tragédia:

[…] ela deve oferecer a mudança, não da infelicidade para a felicidade mas, pelo
contrário, da felicidade para o infortúnio, e isto não em consequência da
perversidade da personagem, mas por causa de algum erro grave, como indicamos,
visto a personagem ser antes melhor que pior. (ARISTÓTELES, 2006, p. 52)

A tragédia, no sentido fundamental ou imitativo elevado, a ficção sobre a queda de


um chefe (tem de cair porque é o único meio pelo qual um chefe pode ser afastado
de sua sociedade), mistura o heroico ao irônico. (FRYE, 1973, p.43)

• Para Frye, o que caracteriza a tragédia é a morte ou a exclusão da personagem de seu meio;
• nem demasiado divina, nem demasiado irônica – possibilidade de catarse;

[…] O fato particular denominado tragédia, que acontece ao herói trágico, não
depende de seu status moral. Se se relaciona casualmente com algo que ele fez,
como ocorre geralmente, a tragédia reside na inevitabilidade das consequências do
ato, não em seu significado moral como ato. (FRYE, 1973, p.44)

• Estatuto moral de Denethor: bom ou mau?


• A maior parte de suas aparições é mostrada, não narrada – forma dramática no texto épico.
• Reconhecimento e acontecimento patético.
38

3. Caracterização de Denethor
• Gandalf o descreve como orgulhoso e astuto;
• Amor pelos filhos, especialmente por Boromir: “Denethor o amava muito: talvez demais,
sobretudo porque eles eram diferentes.” (p. 795)
• Descrições:

[…] Ao pé da plataforma, sobre o degrau inferior, que era largo e profundo, havia
uma cadeira de pedra preta e sem adornos, e nela estava sentado um velho que
olhava para o próprio colo. Em sua mão via-se um bastão branco com um botão de
ouro. Não ergueu os olhos. (p. 796)

Então o velho ergueu os olhos. Pippin viu seu rosto esculpido, com ossos salientes
e pele de marfim, com o longo nariz adunco entre os olhos escuros e profundos,
que o fizeram lembrar-se mais de Aragorn que de Boromir. (p. 797)
Um sorriso pálido, como o reluzir de um sol frio numa manhã de inverno, passou
pelo rosto do velho, mas ele curvou a cabeça e estendeu a mão, colocando de lado
os pedaços da corneta. (p. 798)

Na verdade, Denethor se assemelhava muito mais a um grande mago que Gandalf,


com mais realeza, mais beleza, mais poder e mais idade. (p. 799)

– Ele não é como os outros homens de sua época, Pippin, e, qualquer que seja sua
descendência de pai para filho, por algum acaso o sangue que corre em suas veias é
praticamente o sangue legítimo do Ponente; como também o que corre nas veias de
seu outro filho, Faramir, e apesar disso não corria nas de Boromir, a quem ele
amava mais. Ele tem uma visão aguda. Pode perceber, se forçar sua vontade, muito
do que se passa nas mentes dos homens, mesmo daqueles que moram em lugares
distantes. É difícil enganá-lo, e perigoso tentar. (p. 802)

• Associado a imagens de inverno;


• sua morte está ligada a um contexto de transformação geral e inevitável.

4. As escolhas e o destino
• A trajetória de Denethor está ligada a profecias e representações do destino:
• mensagem recebida por Boromir:

Procure a Espada que foi quebrada:


Em Imladris ela está;
Mais fortes que de Morgul encantos
Conselhos lhe darão lá.
E lá um sinal vai ser revelado
Do Fim que está por vir,
39

E a Ruína de Isildur já acorda,


E o Pequeno já vai surgir.

• Palantír.
40

Aula 8
O Mal e a Morte em O Senhor dos Anéis
For nothing is evil in the beginning. Even
Sauron was not so. – Elrond

• Primeiro plano: batalha épica entre o Bem e o Mal; um lado agressor e um lado que resiste.
• Mundo em mutação; tentativa de dominar a natureza e os outros povos.
• Questões fundamentais: Qual é a natureza do Mal? Qual é sua origem?

1. A natureza do Mal e suas principais representações


• Tom Shippey, em The Road to Middle-Earth (2003) e J. R. R. Tolkien: author of the century
(2000), aborda algumas das principais representações do mal:
• Sombra;
• Espectros do Anel (Ringwraiths);
• o Anel.

• Visão ambígua, entre a perspectiva de Boécio e dos maniqueistas.


• Boécio:

“não há tal coisa como o mal: 'o mal é nada', é a ausência do bem, é possivelmente até
mesmo um bem não apreciado.”

• O Mal como Sombra: ausência de luz, ausência/afastamento do bem.


• Não há uma diferença essencial entre as criaturas boas ou más:

– Não, eles comem e bebem, Sam. A sombra que os criou só pode arremedar, não
pode criar: nada realmente novo que se origine dela mesma. Não acho que lhes
tenha dado vida, apenas os arruinou e deformou; e, se eles tiverem de viver,
precisam viver como as outras criaturas. Ingerem carnes pútridas e águas sujas se
41

não conseguirem coisa melhor, mas veneno não. Alimentaram-me, e por isso estou
em melhores condições que você. Deve haver comida e bebida por aqui em algum
lugar. (TOLKIEN, 2002, p. 967)

• “For nothing is evil in the beginning. Even Sauron was not so” (TOLKIEN, 1966b, p. 300).
• Luz, estrelas: evocação do Bem. Luz permanente além da sombra passageira:

[…] Lá, espiando por entre os restos de nuvens sobre uma rocha pontiaguda nas
montanhas, Sam viu uma estrela branca reluzir por uns momentos. Sua beleza
arrebatou-lhe o coração, quando desviou os olhos da terra desolada, e ele sentiu a
esperança retornar. Pois como um raio, cristalino e frio, invadiu-o o pensamento de
que afinal de contas a Sombra era apenas uma coisa pequena e passageira: havia
luz e uma beleza nobre que eram eternas e estavam além do alcance dela. A canção
que cantara na torre fora mais um desafio que uma esperança, pois naquela hora
pensara em si mesmo. Agora, por um momento, sua própria sorte, e até a de seu
mestre, deixaram de preocupá-lo. Sam voltou às sarças e se deitou ao lado de
Frodo, e, deixando de lado todo o medo, mergulhou num sono profundo e
despreocupado. (TOLKIEN, 2002, p. 977)

• Wraith (espectro): ambiguidade entre a visão maniqueista e de Boécio.


• Mal com existência própria e efetiva;
• Mal como ausência do Bem.
• Ideias opostas com grande influência na doutrina cristã; apesar da doutrina católica
oficial, essas duas correntes ainda atuam de forma efetiva no senso comum.

• Wraith: palavra de origem incerta e com significados contraditórios: “an apparition


or spectre of a dead person: a phantom or ghost” ou “an immaterial or spectral
appearance of a living being” (SHIPPEY, 2003, p.148).

• O Anel é a materialização dessas duas visões contraditórias. Para entender a demanda de


Frodo é necessário aceitar algumas condições sobre o Anel:
• O Anel é imensamente poderoso nas mãos certas ou erradas;
• O Anel é mortalmente perigoso para todos os seus possuidores: ele irá tomá-los,
devorá-los e possuí-los;
• O Anel converte todas as coisas para o mal, inclusive aqueles que o usam. Não há
ninguém que pode ser confiado para usá-lo, até mesmo nas mãos certas, para bons
propósitos: não existe mãos certas e todos os bons propósitos se converterão em mal
se alcançados por meio do Anel;
• O Anel não pode simplesmente ser deixado inutilizado, colocado de lado ou jogado
fora: ele tem que ser destruído.

• Anel como representação do poder puro → Anel de Giges (Platão); Lord Acton (1887):
“Power tends to corrupt, and absolute power corrupts absolutely. Great men are almost
always bad men...” (apud SHIPPEY, 2000, p. 115).
• Para Shippey, esse elemento não combina com o universo heroico proposto por Tolkien,
sendo uma ideia tipicamente moderna (?): Aragorn, por exemplo, torna-se um rei poderoso.
42

Se o poder por si só não corrompe, então o Anel tem uma participação ativa no processo
(maniqueista).
• A própria natureza do Anel é ambígua. Por um lado, ele pode ser considerado apenas como um
objeto de poder, uma espécie de arma, manipulável por qualquer um que tiver poder e
capacidade suficiente. Por outro, o Anel é capaz de devorar a mente de quem o possui, usando e
manipulando esse portador como veículo para retornar junto àquele que o forjou. De suas
estratégias faz parte até a traição de seu possuidor. Assim, por exemplo, ele levou Isildur à
destruição e utilizou-se de Gollum para esconder-se por longo tempo e, quando surgiu o
momento de poder retornar a Sauron, descartou Gollum, escapando de suas mãos.
• A ambiguidade torna a demanda mais difícil:

Se o mal fosse apenas a ausência do bem, então o Anel não poderia nunca ser mais
que um ampliador psíquico, e tudo o que os personagens precisariam fazer seria
colocá-lo de lado, talvez dá-lo a Tom Bombadil: na Terra-média, somos
assegurados de que seria fatal. Inversamente, se o mal fosse somente uma força
externa, sem eco nos corações dos bons, então alguém poderia ter que levá-lo até
Orodruin, mas não necessariamente precisaria ser Frodo: Gandalf poderia tomá-lo
ou Galadriel, e qualquer um que fizesse isso teria que lutar apenas com seus
inimigos, não com seus amigos ou consigo mesmo. (SHIPPEY, 2000, p. 142 –
tradução minha)

• Shippey não leva em conta o fato de que o Anel prolonga a vida de quem o possui.

• Outras perspectivas:
• Rose A. Zimbardo, “Moral Vision in The Lord of the Rings”:

O Mal, na visão do romance, não é um aspecto da natureza humana, mas antes uma
perversão da vontade humana. Ele surge quando um ser dirige sua vontade para
dentro, para o serviço do self, em vez de para fora, para o serviço do Todo. O efeito
de tal inversão é a perversão da natureza, da natureza do homem e da natureza
maior da qual ele faz parte. (ZIMBARDO, 2004, p. 69 – tradução minha)

• Perspectiva mais próxima de Boécio, já que depende unicamente da vontade do


indivíduo.
• E. M. Meletínski, Os arquétipos literários:

A idéia corrente de que nos mitos e particularmente nos contos maravilhosos se


desencadeie o embate entre o bem e o mal é uma simplificação muito grande e, em
princípio, indevida. Trata-se antes, desde o começo, da contraposição
‘próprio’/‘alheio’, ‘caos’/‘cosmos’. (MELETÍNSKI, 1998, p.107)

• próprio/alheio: Sauron, Saruman.


• Caos/Cosmos: Laracna, Balrog, Denethor (talvez).
43

2. A origem do mal
• Verdadeiro tema de O Senhor dos Anéis, conforme J. R. R. Tolkien:

Mas devo dizer, caso perguntado, que a história não é realmente sobre Poder e
Domínio: isso apenas mantém as rodas girando; ela é sobre a Morte e o desejo pela
imortalidade. Que não mais é do que dizer que esta é uma história escrita por um
Homem! (TOLKIEN, 2006, p. 250)

• A morte e a busca pela imortalidade, tomadas como tema central de The Lord of the Rings,
revelam o princípio gerador de todos os eventos narrados, além de ser o ponto de partida para o
esclarecimento de várias personagens, como, por exemplo, os Nazgûl, antigos reis que se
submeteram a Sauron em troca de poder e imortalidade, transformando-se, porém em meros
fantasmas, fantoches do grande inimigo. Dessa forma, pode-se compreender o outro motivo pelo
qual o Anel é cobiçado: pela sua capacidade de prolongar a existência ou, nas palavras de Rose
A. Zimbardo, “It arrests time” (2004, p.74).
• Capacidade de deter o tempo é compartilhada pelos anéis élficos.
• Mudança:

Uma mera mudança como tal não é obviamente representada como “maligna”: é o
desdobramento da história, e recusar isso é obviamente contra o desígnio de Deus.
Mas a fraqueza Élfica é nesses termos naturalmente lamentar o passado e tornar-se
relutante em enfrentar as mudanças: como se um homem odiasse um livro muito
longo ainda em andamento e desejasse estabelecer-se em um capítulo favorito. Por
essa razão caíram até certo ponto nos artifícios de Sauron: desejavam um certo
“poder” sobre as coisas tal como são (o que é bastante distinto da arte), para tornar
efetiva sua vontade particular de preservação – capturar a mudança e manter as
coisas sempre novas e belas. (TOLKIEN, 2006, p. 227 – grifo do autor)

• O mero desejo de preservar o mundo da mudança não implica em maldade; mas o efeito
disso é visto sempre de forma negativa:

[…] E se isso não fosse o suficiente para se ter fama, havia também seu vigor
prolongado que maravilhava as pessoas. O tempo passava, mas parecia ter pouco
efeito sobre o Sr. Bolseiro. Aos noventa anos, parecia ter cinquenta. Aos noventa e
nove, começaram a chamá-lo de bem-conservado; mas inalterado ficaria mais
próximo da realidade. Havia pessoas que balançavam a cabeça e pensavam que isso
era bom demais; parecia injusto que qualquer pessoa possuísse (aparentemente) a
juventude perpétua, além de (supostamente) uma riqueza inexaurível.
– Isso terá seu preço – diziam eles. – Não é natural e trará problemas.
(TOLKIEN, 2002, p.21)
44

• Terry Eagleton, “O mal, a morte e o não-ser”, em Depois da Teoria (2005).

“A consciência humana não é uma coisa em si, mas só é definível em termos daquilo para o
que olha ou daquilo que pensa. Em si mesma, é inteiramente vazia” (EAGLETON, 2005,
p.281).

• Ser humano, ser histórico em contínuo processo de formação; sem uma existência plena:

Aceitar a falta de bases para nossa existência significa, entre outras coisas, viver à
sombra da morte. Nada ilustra mais graficamente quão desnecessários somos do
que nossa mortalidade. Aceitar a morte seria viver mais plenamente (EAGLETON,
2005, p.284).

• A busca de uma segurança absoluta pode levar a duas posições diante da constante sombra
da morte e do não-ser. A primeira é a negação do ser, que

é uma paródia satânica do divino, encontrando no ato da destruição a espécie de


liberação orgástica que se pode imaginar Deus tenha encontrado no ato da criação.
É o mal como niilismo – uma explosão de riso sarcástico ante a suposição solene e
farsesca de que qualquer coisa meramente humana pudesse alguma vez ter
qualquer importância. [...] É uma fúria violenta e vindicativa contra a existência em
si mesma. (EAGLETON, 2005, p.291)

• A segunda seria uma negação do não-ser, que é identificado com a alteridade, uma ameaça à
individualidade:

Isso é o Mal como visto do ângulo daqueles que têm uma superabundância
de ser, mais do que uma insuficiência dele. Não podem aceitar a inominável
verdade de que a matéria viscosa e contagiosa contra a qual guerreiam,
longe de ser estranha, está tão perto deles quanto respirar. (2005, p. 292)

• Negação do ser = caos/cosmos


• Negação do não-ser = próprio/alheio, self/Todo

• Sauron, divindade enfraquecida. Procura afastar o não-ser (próprio/alheio, self/Todo)


identificado com os Povos Livres.
• Sua busca pelo Anel, não é só com o sentido de arma ou ferramenta de dominação. É a
busca por sua completude, condição para voltar a assumir a forma física.

O Anel é tudo o que vemos de Sauron porque Sauron não tem outra identidade
além daquela representada pelo Anel. Ele tem somente uma identidade negativa.
Ele é a sombra escura, a própria negação do ser positivo.” (ZIMBARDO, 2004, p.
45

73 – tradução minha)

• Sauron como wraith: ambiguidade entre ser vivo ou morto. Só pode agir indiretamente. Essa
existência incompleta contribui para manter a ambiguidade da visão do mal na obra, se
Sauron recuperasse o Anel, a questão apresentada se resolveria a favor do maniqueísmo.
46

Aula 9
A Canção dos Ainur
… see that no theme may be played that hath
not its uttermost source in me, nor can any
alter the music in my despite.

• “The music of the Ainur”, texto inicial de The Silmarillion (1977).


• The Silmarillion – volume bastante abrangente; desde a criação de Arda até o final da
Terceira Era.
• Textos escritos durante mais de cinquenta anos organizados de forma mais ou menos
coerente. O desenvolvimento dos textos refletiam as preocupações do autor em cada época
de sua vida: filologia, estética, relação artista e obra, função da arte, filosofia e teologia.
• Dificuldade em organizar os textos de forma completamente consistente:

Uma consistência completa (dentro do alcance do próprio The Silmarillion ou entre


The Silmarillion e outros textos publicados de meu meu pai) não deve ser
procurada, e só poderia ser alcançada, se fosse possível, com um custo pesado e
desnecessário. Além disso, meu pai veio a conceber The Silmarillion como uma
compilação, uma narrativa compêndio, feita muito depois a partir de fontes de
grande diversidade (poemas, e anais, e contos orais) que sobreviveram em uma
tradição milenar; e essa concepção tem realmente seu paralelo na verdadeira
história do livro, pois uma boa dose de sua prosa e poesia mais antigas forma sua
base, e ele é em certa medida um compêndio de fato, e não somente em teoria.
(TOLKIEN, C. 2002, p. Viii – tradução minha)

• linguagem concisa e arcaizante. Tom bíblico.


• Mitologia não antropocêntrica. Espécie de Bíblia élfica, narrando desde sua origem até seu
desaparecimento e o pós-vida. Porém menos imbuído de caráter sagrado.
47

• Tempo linear com início e fim (parcialmente em aberto) – semelhante à Bíblia.


• Sem caráter de documento sagrado.
• Dividido em cinco partes:
• Ainulindalë – The music of the Ainur” criação do mundo;
• Valaquenta – Valar e os Maiar, segundo a tradição élfica;
• Quenta Silmarillion – história das joias chamadas Silmarilli e das guerras contra o
primeiro senhor do escuro, Morgoth.
• Akallabêth e Of the Rings of Power and the Third Age – respectivamente, relatos da
Segunda e da Terceira Eras de Middle-earth.

1. Ainulindalë – A Canção dos Ainur


• Texto dividido em duas partes, sinal gráfico (***) ausente na edição brasileira. Dois estágios
da criação.
• Primeira parte: a música.
• Pode ser dividida em: 1) aprendizado dos Ainur; 2) a música de Eru; 3) a canção dos
Ainur.
• Primeira seção:

Havia Eru, o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele criou primeiro
os Ainur, os Sagrados, gerados por seu pensamento, e eles lhe faziam companhia
antes que tudo o mais fosse criado. E ele lhes falou, propondo-lhes temas musicais;
e eles cantaram em sua presença, e ele se alegrou. Entretanto, durante muito tempo,
eles cantaram cada um sozinho ou apenas alguns juntos, enquanto os outros
escutavam, pois cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da
qual havia brotado e evoluía devagar na compreensão de seus irmãos . Não
obstante, de tanto escutar, chegaram a uma compreensão mais profunda, tornando-
se mais consonantes e harmoniosos.

• “Havia” – o existir antes do próprio tempo. Eru é em muitos aspectos semelhante ao


Deus cristão (transcendente, bondoso, paciente), mas não é O Criador absoluto.
• Aprendizado individual, depois em conjunto. Harmonia: forma principal de
sabedoria.
• Segunda seção:

E aconteceu de Ilúvatar reunir todos os Ainur e lhes indicar um tema poderoso,


desdobrando diante de seus olhos imagens ainda mais grandiosas e esplêndidas do
que havia revelado até então; e a glória de seu início e o esplendor de seu final
tanto abismaram os Ainur, que eles se curvaram diante de Ilúvatar e emudeceram.

• Silêncio e reverência dos Ainur.


• Terceira seção:
48

Disse-lhes então Ilúvatar: - A partir do tema que lhes indiquei, desejo agora que
criem juntos, em harmonia, uma Música Magnífica. E, como eu os inspirei com a
Chama Imperecível, vocês vão demonstrar seus poderes ornamentando esse tema,
cada um com seus próprios pensamentos e recursos, se assim o desejar. Eu porém
me sentarei para escutar; e me alegrarei, pois, através de vocês, uma grande beleza
terá sido despertada em forma de melodia.

• Canção dos Ainur = subcriação. Surge a partir de um tema criado por Eru.
• Ideia de “imitação” transmitida por uma arte não mimética: a música. Som
significante. Significado não revelado imediatamente.
• Chama Imperecível (Imperishable Flame), que é o dom concedido por Eru para que
suas criações ganhem vida. Inicialmente, esse dom é concedido apenas aos Ainur.
Em um segundo momento, Ilúvatar envia a Chama Imperecível para a Terra, de
modo que assim ela finalmente exista.
• Prometeu ← Melkor → Prometeu Moderno. Busca pela chama, tentativa de criar por
si mesmo.
• Instrumentos: harpas, alaúdes, trombetas, órgãos e violas, quanto como grandes coros
que cantavam com palavras. Melodias entrelaçadas.
• Música que dará origem ao universo. Plano mítico/metafórico: música = universo.
• Música das Esferas:

Doutrina grega (pitagórica) antiga, postulando uma relação harmoniosa entre os


planetas, governado por proporções entre suas órbitas e sua distância fixa da Terra.
O conceito pode remontar a crenças judaicas sobre uma ordem cósmica, que
representam um hino de louvor a seu criador. A idéia continuou a atrair filósofos da
música até o final do Renascimento, influenciando eruditos de muitos tipos,
inclusive humanistas; o último trabalho original sobre o assunto foi publicado por
Kepler em 1619, mas a imagística cósmica de molde pitagórico persistiu em alguns
pensadores posteriores e, para músicos do sec. XX, como Hindemith, a música das
esferas continuou a ser um conceito vital, ainda que metafórico. (SADIE, 1994, p.
634)

• fusão do universo grego e hebraico.


• Organização lógica do universo.
• Interferência de Melkor – desarmonia. Interrupções e novos temas.
• Terceiro tema:

[…] Um terceiro tema cresceu em meio à confusão, diferente dos outros. Pois, de
início parecia terno e doce, um singelo murmúrio de sons suaves em melodias
delicadas; mas ele não podia ser subjugado e acumulava poder e profundidade. E
afinal pareceu haver duas músicas evoluindo ao mesmo tempo diante do trono de
Ilúvatar, e elas eram totalmente díspares. Uma era profunda, vasta e bela, mas lenta
e mesclada a uma tristeza incomensurável, na qual sua beleza tivera principalmente
origem. A outra havia agora alcançado uma unidade própria; mas era alta, fútil e
49

infindavelmente repetitiva; tinha pouca harmonia, antes um som uníssono e


clamoroso como o de muitas trombetas soando apenas algumas notas. E procurava
abafar a outra música pela violência de sua voz, mas suas notas mais triunfais
pareciam ser adotadas pela outra e entremeadas em seu próprio arranjo solene.

• Crescimento da tensão e resolução em um magnífico acorde final.


• Estrutura musical bem definida: concerto em três movimentos.
• Instrumentação: harpas, alaúdes, trombetas, órgãos, violas e vozes;
• Método de composição: como variações sobre um tema original, desenvolvidas
através de um método contrapontístico – vozes entrelaçadas;
• Música Renascentista ou Barroca.

• Segunda parte: revelação do sentido.


• Estrutura paralela à primeira parte: aprendizado; a descoberta das ações e
intervenções de Ilúvatar; e, por fim, o trabalho de dar forma à matéria existente.
• Consciência do poder dos Ainur e da autoridade de Eru (nada poderia ser criado sem
o consentimento dele/sem que partisse dele).
• Significado revelado:

Entretanto, quando eles entraram no Vazio, Ilúvatar lhes disse: - Contemplem sua
Música! - E lhes mostrou uma visão, dando-lhes uma imagem onde antes havia
somente o som E eles viram um novo Mundo tomar-se visível aos seus olhos; e ele
formava um globo no meio do Vazio, e se mantinha ali, mas não pertencia ao
Vazio, e enquanto contemplavam perplexos, esse Mundo começou a desenrolar sua
história, e a eles parecia que o Mundo tinha vida e crescia. E, depois que os Ainur
haviam olhado por algum tempo, calados, Ilúvatar voltou a dizer: - Contemplem
sua Música! Este é seu repertório. Cada um de vocês encontrará aí, em meio à
imagem que lhes apresento, tudo aquilo que pode parecer que ele próprio inventou
ou acrescentou. E tu, Melkor, descobrirás todos os pensamentos secretos de tua
mente e perceberás que eles são apenas uma parte do todo e subordinados à sua
glória.

• Segunda revelação do poder de Eru: Elfos e Homens. Criaturas semelhantes aos


Ainur, já que provêm do mesmo criador; irmãos.
• Encantamento com a visão: desejo de entrar nesse mundo novo.
• Distribuição de papéis, quatro elementos:

Ares e Vento Terra


Manwë Aulë
Água Fogo (?)
Ulmo Melkor

• Visão termina antes que os Ainur pudessem contemplar o destino final do mundo.
Mistério ou perda de influência?
• Entrada no mundo: mudança de atividade de artistas (músicos – trabalho mais
50

intelectual e abstrato) para artesãos (usando seus poderes para moldar o mundo –
trabalho concreto, material). Transformação semelhante a de Niggle.
• (sub)Criação através das palavras e da música não é arbitrária. Habilidade dividida
com elfos e homens.

• Paralelo com a Bíblia, duas instâncias da criação: a primeira pelas palavras; a segunda pela
ação direta do criador:

Gênesis 2:1 ASSIM os céus, e a terra e todo o seu exército foram acabados.
2 E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no
sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito.
3 E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele descansou de toda a
sua obra, que Deus criara e fizera.
***
4 Estas são as origens (ou gerações) dos céus e da terra, quando foram criados: no
dia em que o SENHOR (transliterado JHVH, ou dito JEOVÁ) Deus fez a terra e os
céus,
5 E toda a planta do campo que ainda não estava na terra, e toda a erva do campo
que ainda não brotava; porque ainda o SENHOR Deus não tinha feito chover
sobre a terra, e não havia homem para lavrar a terra.
6 Um vapor, porém, subia da terra, e regava toda a face da terra.
7 E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o
fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. (grifo nosso)

• Problemática da Bíblia: provavelmente é a reunião mais ou menos (des)ordenada de


diferentes textos escritos em diferentes épocas.
• Marcas textuais:

Genesis 1
Deus - MI¦D«Lª@ - Elohim
Homem (espécie humana) - M¡C¡@ - adam

Genesis 2
Deus - MI¦D«Lª@ D¡ED¥I – Jevah Elohim
homem (sexo masculino, depois nome próprio) - M¡C¡@ - adam
mulher - D¡y¦@ - ishah

• As duas instâncias do texto bíblico são harmonizadas (tornadas coerentes) no texto


tolkieniano.
51

2. Mito de criação e processo criativo


• Música dos Ainur se assemelha ao processo de subcriação descrito em “Sobre histórias de
fadas”.
• Importância da música e da palavra. Palavra enquanto música, sonoridade antes do sentido;
resgate de uma motivação para o signo linguístico.

Fui educado nos Clássicos, e descobri pela primeira vez a sensação do prazer
literário em Homero. Além disso, sendo um filólogo, obtendo uma grande parte de
qualquer prazer estético de que sou capaz da forma das palavras (e especialmente
da associação pura da forma da palavra com o sentido da palavra), sempre apreciei
da melhor maneira coisas em uma língua estrangeira ou em uma tão remota que dê
essa sensação (tal como o anglosaxão). Mas é o bastante para mim. (TOLKIEN,
2006, p. 167 – grifo do autor)

• Ainur: primeiro experimentam o som, para depois descobrir um sentido.


• Inicialmente não há uma distinção clara entre música e palavra. Significado é revelado
depois.
• Qualidade do som, formas de composição, instrumentos: música barroca e renascentista,
períodos nos quais a música tinha valor semelhante às palavras.
• Formas: cânone, fantasia. Formas ligadas ao ocultismo e à alquimia (transmutação de temas
musicais = transmutação de elementos químicos), descartadas pelo pensamento racionalista
do século XVIII.

[…] A noção neoplatonista de que a música duplica o modelo dos céus e pode agir
com seu poderoso efeito sobre sobre o homem porque ele, também, é um
microcosmo do universo. […] cânone e contraponto duplo proveem uma visão
profunda nas estruturas misteriosas e ocultas do universo, desde que, por analogia
com o movimento das estrelas, esses tipos de peças alcançam a perfeição em sua
“inversão harmônica” (“Replica”) e portanto oferecem “um espelho da natureza e
da ordem divina.” (YEARSLEY, 1998, p. 211–212)

• Através dessa forma musical é possível se aproximar do conhecimento divino, criar por
regras semelhantes. Reflexão sobre nosso próprio mundo.
• Subcriação = criação que parte do mundo primário e volta a ele.
• Escolha da música, em especial a forma como ela é desenvolvida, como ferramenta de
criação não é arbitrária.

Trabalho completo sobre esse tema disponível em:


http://www.scribd.com/doc/19474736/The-music-of-the-ainur-a-revelacao-dos-sons
52

Aula 10
De Beren e Lúthien
Among all tales of sorrow and of ruin that come
down to us from the darkness of those days there
are yet some in which amid weeping there is joy
and under the shadow of death light that endures.

• Balada de Leithian (Libertação do Cativeiro);


• Relato de alegria em tempos de trevas;
• Uma das poucas histórias de amor do universo tolkieniano;
• componente autobiográfico.

1. Trama
• Contada em mais ou menos 30 páginas, a história tem uma trama bastante complexa e uma
amplitude de significado muito grande, indo do mitológico ao político;
• O Destino é um dos temas centrais:
• Destino do mundo, relacionado a Silmaril;
• Destino dos amantes, que se entrelaçam;
• Destino dos Elfos e dos Homens;
• Ação do Juramento de Fëanor.
• Destino de Beren, determinado pelo seu juramento a Thingol.

• Trama central é simples: amor de Beren e Lúthien, união proibida; necessidade de o


pretendente mostrar seu valor.
• Prova: pegar uma Silmaril da coroa de Morgoth.
• Tramas paralelas:
• Assalto ao povo de Barahir, sobrevivência de Beren;
• Daeron;
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• Política de Nargothrond;
• Finrod; Celegorm e Curufin;
• Huan, o cão de Valinor.

2. Personagens
• Thingol
• Rei de Doriath;
• casado com Melian, a Maia;
• Reino protegido.
• Orgulhoso pai de Lúthien. Arrogante ou apenas protetor?

• Lúthien
• Filha de Thingol e Melian: parte elfo, parte maia.
• Fortemente ligada à natureza, especialmente à primavera e ao verão:

E a canção de Lúthien soltou as algemas do inverno; e as águas congeladas


falaram; e flores brotavam da terra fria em que seus pés haviam passado. (p. 207)

E embora chegasse o inverno, ele não os prejudicou, pois as flores continuavam


onde quer que Lúthien fosse, e as aves cantavam aos pés das colinas nevadas. (p.
221)

• Canto, feitiços. Poder de destruição e cura.


• Independente, decide o próprio destino:

– Beren – disse ela –, você precisa escolher entre dois caminhos: abandonar a busca
e o juramento, e procurar uma vida de nômade sobre a face da terra; ou cumprir a
palavra dada e desafiar o poder das trevas em seu trono. Seja no caminho que for,
irei com você, e nosso destino será semelhante. (p. 223)

• A subordinação a Beren é apenas aparente. Lúthien é livre de qualquer juramento,


enquanto Beren permanece apegado aos códigos de honra dos homens.
• Decide seu destino e faz com que seja cumprido, tornando-se mortal.

• Beren
• homem, mortal; origem nobre (anel de Felagund), apesar da vida no exílio;
• guerreiro;
• longo tempo de vida na em terras ermas, torna-se amigo “dos pássaros e dos
animais”;
• Autor de grandes feitos de coragem, mas também com certa fragilidade.
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Beren não temia a morte, apenas ao cativeiro; e, por ser audaz e desesperado,
escapou tanto à morte quanto aos grilhões (p.206)

• Mantém-se fiel aos costumes dos homens:

Na verdade, Lúthien estava disposta a vagar na mata sem voltar, deixando no


esquecimento a casa as pessoas e toda a glória dos reinos élficos; e por um tempo
Beren se contentou. Não conseguiu, porém ignorar por muito tempo seu juramento
de voltar a Menegroth, nem queria esconder Lúthien de Thingol para sempre. Pois
ele se guiava pela lei dos homens, que considerava arriscado não dar importância à
vontade do pai, a não ser em necessidade extrema. E também lhe parecia incorreto
que alguém tão belo e majestoso quanto Lúthien morasse eternamente nos bosques,
como os rudes caçadores entre os homens, sem lar, honrarias ou os belos objetos
que são a alegria das rainhas dos eldalië. […] (p.231)

• Celegorm e Curufin
• Herdeiros de Fëanor, herdeiros legítimos das Silmarilli;
• Conspiração em Nargothrond;
• Rapto de Lúthien, ataques a Beren.
• Antagonistas: agem apenas por si próprios.

• Huan
• também chamado de o Cão de Valinor, é um animal de guerra.
• Pertence inicialmente a Celegorm, mas seu espírito é livre. Separa-se de seu dono
para acompanhar Lúthien;
• Tem seu destino determinado: só falará 3 vezes na vida e morrerá ao lutar com o lobo
mais terrível.

• Sauron
• Principal servo de Morgoth;
• É bem diferente da personagem apresentada em O Senhor dos Anéis; aqui ele é mais
parecido com um feiticeiro poderoso, capaz de lançar feitiços por sua vontade e
através de canções de poder, além de dominar espíritos malígnos.
• Luta com Finrod e Lúthien pelos mesmos meios: canções de poder.

• Morgoth
• Morgoth é o nome dado pelos elfos a Melkor; é o Vala encarnado que habita a Terra-
média.
• Angband pode ser considerada uma representação do inferno, sendo Morgoth seu
senhor. Carcharoth análogo a Cérbero.
• Anseio por possuir a beleza (Silmarilli), mas incapacidade de fazer qualquer coisa
bela.
• Tem um papel menos ativo que Sauron.
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• Confronto entre Morgoth e Lúthien: aquele também já havia sido um cantor.

3. Destino, estruturas paralelas


• Em “De Beren e Lúthien” há a repetição de diversos motivos que parecem refletir e/ou
determinar o destino das personagens.
• Exemplos:
• Mutilação de Barahir e de Beren;
• Estatuto diferenciado entre Thingol e Melian, e Beren e Lúthien;
• Enfrentamento Huan x Sauron; Huan x Carcharoth;
• Lúthien canta para Morgoth e para Mandos, em situações semelhantes.
• Em O Senhor dos Anéis a história de Beren e Lúthien é revivida por Aragorn e Arwen.

4. Temas e referências
• Há em “De Beren e Lúthien” diversas referências a mitologia e a contos de fadas.
• Eros e Psiquê, O príncipe sapo: casamento entre seres diferentes, união proibida;
• Orfeu e Eurídice, Balder;
• Rapunzel;
• A bela adormecida:

Mas no instante em que ela sentiu a picada, tombou sobre a cama, que ali estava, e
caiu em um sono profundo. E esse sono se espalhou por todo o castelo; o rei e a
rainha, que acabavam de regressar e tinham entrado no salão, começaram a
adormecer e toda a corte com eles. Assim, dormiram também os cavalos no
estábulo, o cachorro no pátio, as pombas sobre o telhado, as moscas na parede,
também o fogo que tremulava no fogão, silenciou e adormeceu; e a carne parou de
assar; e o cozinheiro, que queria puxar pelos cabelos o ajudante que havia se
enganado, largou-o e dormiu. E o vento diminuiu, e das árvores em frente ao
castelos, nem uma folhinha mais se moveu. (GRIMM)

Toda a corte foi lançada no mesmo sono; e todas as fogueiras ficaram mais fracas e
se apagaram; mas as Silmarils que estavam na coroa de Morgoth refulgiram de
repente com o brilho de uma chama branca. E o fardo daquela coroa e das pedras
preciosas fez pender sua cabeça, como se o mundo estivesse nela engastado,
sobrecarregado com o peso da preocupação, do medo e do desejo, que nem mesmo
a vontade de Morgoth poderia sustentar. Lúthien, então, apanhando seu manto
alado, saltou para o ar, e sua voz caía em gotas como a chuva em lagoas profundas
e escuras. Ela passou o manto pelos olhos de Morgoth e o fez ter um sonho, escuro
como o Vazio de Fora, onde no passado ele vagara sozinho. De súbito, ele caiu
como uma colina deslizando em avalanche e desmoronou como o trovão em cima
do trono, jazendo de bruços no piso do inferno. A coroa de ferro rolou de sua
cabeça, ruidosa. Tudo o mais estava imóvel. (p. 228)
56

• Tema da busca: prova de merecimento.


• A união de Beren e Lúthien pode ser entendida como a união do homem com a natureza.
• Entrelaçamento de gêneros: do mitológico ao comum, político.
• Forte caráter simbólico.
• Metamorfoses: contrastes aparência e essência.

5. Amor
• O amor é representado como o contrário do mal;
• Mal é valorização do eu, vontade de possuir e dominar o outro; Amor é o contrário, vontade
de doação, entrega.
• Não é uma história de conquista amorosa;
• A prova de Beren se deve a exigências externas (Thingol), Lúthien não precisa de provas.
• A mulher exerce um papel dominante, por vezes maternal.
• A relação é pouco sexualizada.

6. Libertação do cativeiro
• Qual cativeiro?
• Lúthien é presa duas vezes: Thingol e Celegorm;
• Beren é preso por Sauron, junto com Finrod;
• Sauron, aprisionador: “lobisomens, feras cruéis possuídas por espíritos apavorantes
que ele havia aprisionado nesses corpos”
• Beren está preso pelo juramento feito a Thingol;
• Celegorm e Curufin estão presos ao juramento de Fëanor;
• Huan está preso ao destino;
• Lúthien enfrenta o cativeiro da imortalidade, e se liberta.
57

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