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Passado, Presente e Futuro: o papel democrático

dos direitos da transição


Paulo Abrão*
Amarílis Busch Tavares**

O capítulo da História brasileira compreendido entre o ano de 1946 e a promulgação da Cons-


tituição Federal de 1988 é marcado por oscilações institucionais de toda ordem e por uma grande insta-
bilidade, no qual ocorreram diversas formas de perseguições políticas e de atos de exceção. Sobretudo,
nos 21 anos de ditadura militar, observaram-se prisões arbitrárias, torturas, monitoramento da vida da
população, exílios, demissões arbitrárias de postos de trabalho, expurgos de estudantes e de docentes
nas universidades e escolas, censura, cassação de mandatos políticos, entre tantas outras formas de
tolhimento das liberdades civis.

Cinquenta anos após o golpe de 1964, ocasião em que a recente democracia brasileira completa
30 anos contínuos de estabilidade, a discussão sobre o passado de violações e seu legado no presente
mostra-se cada vez mais necessária. Os mecanismos da Ju stiça de Transição – o direito à reparação, à
memória, à verdade e à justiça e a reforma das instituições – são também pilares indispensáveis para o
processo democrático, no qual a cultura democrática e o próprio significado da democracia são perma-
nentemente desafiados, testados e aprimorados.

Em sociedades nas quais a transição do regime autoritário para o democrático deu-se por meio
de concertações políticas e pactos baseados na impunidade dos crimes cometidos por agentes da re-
pressão, sob o falacioso argumento de que levariam à reconciliação nacional, como é o caso do Brasil,
tratar do passado é tarefa democrática e atual.

Como decorrência do não enfrentamento dos crimes de nosso passado ditatorial, entre outros
motivos, o quadro de graves violações de direitos humanos persiste no Brasil. Em seu relatório final, a
Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu:

A CNV, ao examinar o cenário de graves violações de direitos humanos correspondente ao


período por ela investigado, pôde constatar que ele persiste nos dias atuais. Embora não
ocorra mais em um contexto de repressão política (…), a prática de detenções ilegais e ar-
bitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e mesmo ocultação de cadáveres
não é estranha à realidade brasileira contemporânea. (...) É entendimento da CNV que esse
quadro resulta em grande parte do fato de que o cometimento de graves violações de direi-
tos humanos verificado no passado não foi adequadamente denunciado, nem seus autores
responsabilizados, criando-se as condições para sua perpetuação (BRASIL, 2014, p. 964).

* Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e Secretário Executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos
Humanos do Mercosul (IPPDH). Diretor do Programa de Cooperação Internacional para o desenvolvimento da Justiça de Transição
no Brasil com o PNUD, Integrante do Grupo de Trabalho que elaborou a Lei que institui a Comissão Nacional da Verdade no Brasil,
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e professor do Curso de Mestrado e Doutorado em
Direito da Universidade Pablo de Olavide (Espanha). Possui obras e artigos publicados em línguas portuguesa, inglesa, alemã,
italiana e espanhola.
** Diretora da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça do Brasil, Mestre (LLM) em Direito Internacional Humanitário pela Academia
de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos da Universidade de Genebra (2007), Membro do Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos e servidora pública da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

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Série O Direito Achado na Rua, vol. 7 – Introdução Crítica à Justiça de Transição na América Latina

Nesse sentido, podemos afirmar que não há uma justiça transitória ou direitos transitórios, tam-
pouco existe algum processo democrático que se conclua. Os direitos à reparação, à memória, à verdade
e à justiça, conquistados durante as lutas por redemocratiza ção e por responsabiliza ção pelas violações
de direitos humanos ocorridas, devem ser compreendidos enquanto direitos da transição, e passam a
incorporar o rol das conquistas democráticas (ABRÃO; GENRO, 2012).

Os mecanismos da J u stiça de Transição, como a criação de comissões da verdade, de comis-


sões e de programas de reparação com iniciativas patrocinadas pelo Estado e de projetos de memória
especiais, oferecem respostas especializa das a fenômenos sistemáticos de graves e massivas violações
de direitos humanos. Nessas situações, o sistema de Ju stiça ordinário, baseado na lógica individual, não
é capaz de gerar soluções satisfatórias para o conjunto de violações que afetaram a todo um coletivo.

Apropriar-se dessas ferramentas no presente significa avanço e aperfeiçoamento da capacidade


institucional do Estado em responder às necessidades protetivas dos direitos humanos. São desejáveis
e bem-vindas, nesse sentido, uma comissão da verdade para investigar crimes massivos do presente,
a exemplo dos crimes ocorridos em maio de 2006 na grande São Paulo e na Baixada Santista, ou uma
comissão de reparação para simplificar a aplicação da obrigação do Estado em reparar suas ações ou
omissões advindas de repetições de padrões de violência institucional, ou ainda a criação de um progra-
ma de memória para retirar da invisibilidade as vítimas desses padrões institucionais de violência.

Tais iniciativas permitem que as narrativas das vítimas do presente aflorem para desconstruir ou
tornar mais abrangentes as versões oficialescas ou unilaterais dos fatos ou, simplesmente, propiciem um
espaço de acolhimento e de socializa ção da dor. Esses exemplos constituem-se em formas factíveis para
que a experiência social configure-se em oportunidade de formação política visando não apenas à não
repetição, mas também à afirmação de uma abordagem de direitos humanos para a vida social.

Tomando para si a leitura de que os direitos da transição, aplicados para o passado ou para o
presente e para o futuro, não são concorrentes e, sim, ambos elementos da amálgama democrática, a
Comissão de Anistia, cuja missão constitucional justamente se revela na promoção de políticas públicas
de reparação e de memória em torno das violações aos direitos fundamentais e sobre quaisquer atos
de exceção praticados entre 1946 e 1988, vocaciona cada vez mais sua atuação para a exploração das
relações entre o presente e passado. A violência do passado – o legado autoritário de regimes ditatoriais
dispostos à tortura, à exceção, às execuções extrajudiciais – tem íntima relação com a violência do pre-
sente: ambas as sociedades, a do passado e a do presente, foram e são marcadas pela brutalidade e por
numerosos abusos de agentes do Estado.

Voltar-se à juventude, especialmente a das periferias, é necessário para ajudá-la a identificar


as origens autoritárias de suas experiências cotidianas. Longe de exceder as atribuições originais da
Comissão, entretanto, essa ênfase deve ser compreendida como uma nova forma de ação de memória.
Em nova manifestação da progressividade dos direitos humanos, tal forma expande a política de
reparação àquele que talvez seja seu público mais desprotegido: quem, mesmo sequer sendo nascido ou
nascida durante a ditadura, ainda vive sob uma cultura autoritária e uma violência institucional herdadas
desse período.

O diálogo entre o passado e o presente tem permeado as ações de reparação da Comissão


de Anistia, em seus aspectos simbólicos e morais – o pedido de desculpas oficiais por parte do Estado,
os atos de homenagens públicas aos ex-perseguidos políticos e as Caravanas da Anistia –, bem como
em sua dimensão coletiva – o Projeto Marcas da Memória, o Memorial da Anistia Política do Brasil, e as
diversas ações educativas realiza das pelo órgão. Destaque-se aqui a criação do inovador Projeto das
Clínicas do Testemunho da Comissão de Anistia, que agrega, pela primeira vez, a dimensão da atenção
e do apoio psicológico às vítimas da violência estatal e seus familiares como parte do conjunto das obri-
gações do Estado de reparar as marcas psíquicas das violações por ele próprio causadas.

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Apresentação

A presente obra é fruto de uma parceria entre a Comissão de Anistia do Ministério da Ju stiça e a
Universidade de Brasília (UnB), no âmbito do Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia, insti-
tuído em 2008, que tem como objetivo resgatar a memória sobre as vítimas que tiveram sua voz calada
no período ditatorial, construindo um acervo de fontes orais e audiovisuais com critérios teóricos e meto-
dológicos próprios de registro e de organiza ção – em um acervo que será aberto à consulta e à pesquisa
no Centro de Documentação e Pesquisa do Memorial da Anistia Política do Brasil.

Este 7º Volume da série O Direito Achado na Rua, Introdução Crítica ao Direito e à Justiça de
Transição na América Latina chega em excelente momento. Desde uma concepção humanista e eman-
cipatória do Direito, a publicação não se refuta a destacar o caráter intergeracional da Ju stiça de Transi-
ção, a exemplo das mobiliz a ções do passado e do presente em prol da democracia. Aqui, a Marcha das
Vadias, os escrachos do Levante Popular e as Mães de Maio encontram um espaço de reflexão para o
diálogo junto à ampla mobiliz a ção social pela anistia e pela democratiza ção do País.

Reunindo artigos acadêmicos que tratam, entre outros, das bases teóricas da temática, de gru-
pos sociais marginaliza dos pelo regime ditatorial (e hoje) – as mulheres, os estrangeiros, os homosse-
xuais, o(a)s transexuais e os indígenas, camponeses –, bem como da resistência artística, intelectual e
estudantil durante o regime, do passado comum autoritário na América Latina, além das iniciativas de re-
paração, verdade e memória, a publicação contribuiu para as discussões atuais sobre a Ju stiça de Tran-
sição. Tais debates encontraram, nos cinquenta anos do golpe e nos trabalhos realiza dos pela Comissão
Nacional da Verdade, concluídos em dezembro de 2014, um ambiente catalizador, em que a reafirmação
das lutas do passado e do presente para o fortalecimento da democracia torna-se missão não derrogável.

A todos aqueles que organizaram e trabalharam para este significativo projeto, fica um since-
ro agradecimento da Comissão de Anistia pelo engajamento ao movimento nacional pelos direitos da
transição: pela reparação, pela verdade, pela memória, pela justiça, pelo aperfeiçoamento das nossas
instituições. Por uma democracia em constante progressão. Hoje e sempre.

Referências
ABRÃO, Paulo. GENRO, T., Os Direitos da Transição no Brasil. In: ABRÃO, Paulo. GENRO, T. Os Direi-
tos da Transição e a Democracia no Brasil. Belo Horizo nte: Fórum, 2012.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório/Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014.

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