QUANTITATIVA
1. Introdução
Em 1890, Henri Poincaré [26] publicou uma artigo no qual descreve o trabalho
pelo qual foi premiado pelo Rei da Suécia Oscar II, acerca da estabilidade do sis-
tema solar. Nesse trabalho, é introduzido o conceito de recorrência e estabelecido
um dos primeiros resultados da teoria qualitativa de sistemas dinâmicos, atual-
mente denominado Teorema de Recorrência de Poincaré.
Em 1943, Kač [20], à luz de um princípio de equivalência de Doob, apresentou um
teorema que permite computar o tempo médio de retorno a um conjunto fixado.
Porém, fixando um ponto e considerando vizinhanças arbitrariamente pequenas, o
teorema de Kač não dá uma ideia de como varia o tempo de retorno do ponto às vi-
zinhanças. Uma resposta para este problema é dada para sistemas suficientemente
misturadores através do conceito de taxa de recorrência. Nesse caso, para quase
todo x, o tempo de retorno na bola de centro x e raio r é da ordem de r−d , onde d
é a dimensão da medida do sistema.
Neste trabalho, seguimos de perto um artigo de Benoît Saussol [30] em que é estu-
dada a recorrência de Poincaré quantitativa para aplicações de Markov expansoras
no intervalo invariantes por estados de equilíbrio. Esse tipo de sistema é rapida-
mente misturador, com decaimento de correlações exponencial e permite demons-
trações simples e estimativas uniformes.
Sumário
1. Introdução 1
2. Resultados Clássicos de Recorrência 2
2.1. Teorema de Recorrência de Poincaré 2
2.2. Comportamento médio de tempos de retorno 3
3. Dimensão, Entropia e Expoente de Lyapunov 5
3.1. Codificação e Partições de Markov 5
3.2. Dimensão de Hausdorff 8
3.3. Entropia 10
3.4. Expoente de Lyapunov 10
4. Estados de Equilíbrio ou Medidas de Gibbs 12
4.1. Teorema de Ruelle-Perron-Frobenius 13
4.2. Taxa de recorrência 17
4.3. Método Rapidamente Misturador 19
4.4. Tempo de repetição e entropia 21
5. Flutuação do tempo de retorno 24
Notemos que {τA < +∞} é T -invariante, pois T ({τA < +∞}) = T ({τA = 1}) ∪
T ({1 < τA < +∞}) ⊂ A ∪ {τA < +∞} ⊂ Ã ∪ {τA < +∞} com A \ Ã ⊂ {τA < +∞}
e µ(Ã) = 0 pelo teorema de recorrência de Poincaré. Além disso, µ(τA < +∞) ≥
µ(A) > 0. Portanto, se µ for ergódica, temos que µ(τA < +∞) = 1, donde segue o
resultado.
Pelo teorema de recorrência de Poincaré, é possível definir uma aplicação TA :
A → A tal que TA (x) = T τA (x) sempre que τA (x) < +∞, e isso ocorre para µ-quase
todo x ∈ A. Se µA é a probabilidade em A definida por µA (B) = µ(B)
µ(A) , para B ⊂ A
mensurável, então
Teorema 4. (A, TA , µA ) é um sistema dinâmico que preserva medida. Se o sistema
original é ergódico, então esse sistema é ergódico.
Demonstração. Para verificarmos a invariância de µA , basta provarmos que, para
todo mensurável B ⊂ A, µ(TA−1 (B)) = µ(B). Podemos escrever
∞
X
µ(TA−1 (B)) = µ(A ∩ {τA = n} ∩ T −n B).
n=1
Adaptando o mesmo argumento que nos levou à equação 1,
{τA ≤ n} ∩ T −n−1 B = T −1 ({τA ≤ n − 1} ∩ T −n B) ∪ T −1 (A ∩ {τA = n} ∩ T −n B),
onde a união é disjunta, e portanto,
µ(A ∩ {τA = n} ∩ T −n B) = µ(Bn ) − µ(Bn−1 ),
onde B0 = ∅ e Bn = A ∩ {τA ≤ n} ∩ T −n−1 B para n ∈ N.
Observemos que µ(Bn ) → µ(B) pois µ(τB ≤ n + 1) ≤ µ(Bn ) ≤ µ(B) e, pelo
teorema de recorrência de Poincaré, µ(τB ≤ n + 1) → µ(B). Portanto,
µ(TA−1 B) = lim µ(Bn ) = µ(B).
Se o sistema original é ergódico, dado qualquer conjunto mensurável TA -invariante
B ⊂ A, temos que T τA (x) x ∈ B pela invariância de B, donde τB (x) ≤ τA (x). Por
outro lado, τA (x) ≤ τB (x) pois B ⊂ A. Logo τA = τB em B.
Se µA (B) 6= 0, e portanto µ(B) 6= 0, temos que, pelo teorema de Kač,
Z Z
τB dµ = 1 = τA dµ.
B A
R R R
Logo, µ(A \ B) ≤ A\B τA dµ = A τA dµ − B τB dµ = 0, donde µA (B) = 1, o que
prova a ergodicidade.
Corolário 2. Se (X, T, µ) é ergódico e µ(A) > 0, definindo recursivamente o n-
(n) (n−1)
ésimo tempo de retorno de x ∈ A por τA (x) = τA (x) + τA (TAn−1 (x)), temos
1 (n) 1
τ (x) −→ para µ-quase todo x ∈ A.
n A µ(A)
INTRODUÇÃO À RECORRÊNCIA DE POINCARÉ QUANTITATIVA 5
Demonstração.
1
|Sn ψ(x) − Sn ψ(y)| ≤ |ψ|α .
βα −1
Portanto
n−1
X
Sn ψ(x) − Sn ψ(y) = [ψ(T k x) − ψ(T k y)]
k=0
n−1
X
≤ |ψ|α |T k x − T k y|α
k=0
n−1
X
≤ |ψ|α (β k−n )α
k=0
1
≤ |ψ|α .
βα − 1
Demonstração. Para o primeiro item, notemos que, se Hα (A) = PC < +∞, então,
∞
para todo δ > 0, existe uma δ-cobertura {Vi }i∈N de RN tal que i=1 (diam Vi )α <
C + 1.
Portanto, se β > α,
∞
X ∞
X
(diam Vi )β ≤ δ β−α (diam Vi )α < δ β−α (C + 1).
i=1 i=1
Portanto, Hα (A) = 0, o que contradiz dimH A > α. Concluímos que vale a igual-
dade supn∈N dimH An = dimH A.
N
Para o terceiro item, basta mostrarmos que dimH [−1, 1] = N . De fato, como
N ∞ N N
R = ∪n=1 An , onde An = [−n, n] , obtemos dimH R = supn∈N dimH An , e
N N
dimH An = dimH [−1, 1] para todo n ∈ N, pois Hα (An ) = nα Hα ([−1, 1] ) para
N
todo α ≥ 0 (x 7→ nx leva coberturas de [−1, 1] em coberturas de An bijetiva-
mente).
Evidentemente, Hα é preservada por isometria para todo α ≥ 0. Além disso, para
INTRODUÇÃO À RECORRÊNCIA DE POINCARÉ QUANTITATIVA 9
N 2
todo n ∈ N, o cubo [−1, 1] pode ser dividido em nN cubos de lado n. Como cada
N
um desses cubos é isométrico por translação ao cubo [− n1 , n1 ] , temos que
N N N
Hα ([−1, 1] ) ≤ nN Hα ([− n1 , n1 ] ) = nN −α Hα ([−1, 1] ).
N
Fazendo n → +∞, concluímos que Hα ([−1, 1] ) = 0 se α > N . Por outro lado,
para todo n ∈ N,
N N N
nN −α Hα ([−1, 1] ) = nN Hα ([− n1 , n1 ] ) ≤ 2N Hα ([−1, 1] ),
N
pois cada n2 -cobertura {Vi }i∈N de [−1, 1] fornece coberturas para os nN cubos
menores e cada Vi intersecta no máximo 2N desses cubos. Fazendo n → +∞,
N N
concluímos que Hα ([−1, 1] ) = +∞ se α < N . Logo, dimH [−1, 1] = N , o que
conclui a demonstração.
3.3. Entropia.
Definição 4. Seja µ uma medida de probabilidade. Dada uma partição, ou seja,
uma família ξ de conjuntos mensuráveis disjuntos cuja união tem medida total,
definimos sua entropia por
X
Hµ (ξ) = −µ(P ) log µ(P ),
P ∈ξ
Definição 5. O limite
1 1
λ(x) = lim log |(T n )0 (x)| = lim Sn log |T 0 |(x),
n
n n n
Demonstração. Pelo teorema ergódico de Birkhoff, o limite existe para µ-quase todo
x. Além disso, se µ é ergódica, então o limite é constante em µ-quase todo x e igual
a Z
λµ (T ) := log |T 0 | dµ.
X
Demonstração. Fixemos > 0. Notemos que µ-quase todo x satisfaz, para n sufi-
cientemente grande, µ(Jn (x)) ≥ e−n(hµ (x)+) , pelo teorema de Shannon-McMillan-
Breiman, e diam Jn (x) ≤ e−n(λ(x)−) , pelas proposições 2 e 4.
Para um tal x e r ∈ (0, 1) arbitrário, tomemos n tal que e−n(λ(x)−) < r e valham
as estimativas acima. Como Jn (x) ⊂ B(x, r), temos que
log µ(B(x, r)) log µ(Jn (x)) hµ (x) +
≤ ≤ .
log r log r λ(x) −
hµ (x)+
Portanto, dµ (x) ≤ λ(x)− .
Seja G (n) := {x ∈ X : µ(Jn (x)) ≤ e−n(hµ (x)−) , diam (Jn (x)) ≥ e−n(λ(x)+) }.
Notemos que ∪∞ n=1 G (n) = 1. Pelo teorema 20, quase todo x ∈ G (n) é ponto de
densidade de G (n), isto é, limδ→0 µ(B(x,δ)∩G (n))
µ(G (n)) = 1, donde quase todo x ∈ X é
ponto de densidade de algum G (n).
Para um tal x, se r é suficientemente pequeno, µ(B(x, r)) ≤ 2µ(G (n) ∩ B(x, r)).
Diminuindo r, podemos supor que e−n(λ(x)+) > r e que B(x, r) está contida em
um n-cilindro, caso x seja interior a um n-cilindro, ou B(x, r) está contida na união
de dois n-cilindros, caso x seja um ponto de interseção de n-cilindros. Portanto,
µ(B(x, r)) ≤ 2µ(G (n) ∩ B(x, r)) ≤ 4e−n(hµ (x)−) ,
hµ (x)−
pois B(x, r) intersecta no máximo dois n-cilindros. Logo, dµ (x) ≥ λ(x)+ .
hµ (x) hµ (x)
Concluímos que dµ (x) = λ(x)) . Caso o sistema seja ergódico, λ(x) é constante
hµ (T )
igual a para µ-quase todo x ∈ X. Pelo teorema 6, essa constante deve ser
λµ (T )
igual a dimH µ.
12 RICARDO BIONI LIBERALQUINO
|f (x)−f (y)|
onde k · k é a norma de Lipschitz kf k = kf k∞ + |f |Lip , |f |Lip = supx6=y |x−y| .
e portanto Lϕ (f ) é contínua.
Lϕ é um operador linear limitado em C(ΣA ) e no espaço das funções de Lipschitz
de ΣA , com kLϕ k∞ ≤ mekϕk∞ e kLϕ k ≤ 3mkeϕ k. Para a segunda estimativa,
notemos que, se f é Lipschitz, |Lϕ f (ω) − Lϕ f (ω 0 )| ≤ 2kLϕ f k∞ ≤ 2mkeϕ kkf k e
d(ω, ω 0 ) = 1 caso ω0 6= ω00 , e
X 0
|Lϕ f (ω) − Lϕ f (ω 0 )| ≤ |f (aω)eϕ(aω) − f (aω 0 )eϕ(aω ) |
Aaω0 =1
caso ω0 = ω00 .
Podemos iterar Lϕ como se segue.
X
L2ϕ f (ω) = eϕ(υ) Lϕ f (υ)
σ(υ)=ω
X X
= eϕ(υ) eϕ(τ ) f (τ )
σ(υ)=ω σ(τ )=υ
X
= eϕ(σ(τ ))+ϕ(τ ) f (τ ).
σ 2 (τ )=ω
l
onde κ = exp 1−β , por um argumento análogo ao da proposição 2.
Da mesma forma,
1
µ(Cn (ω)) = µ(Lnϕ f ) ≥ inf eSn ϕ ≥ eSn ϕ(ω) .
Cn (ω) κ
Em [9], demonstra-se que, no contexto de subdeslocamentos do tipo finito, o que
vale em particular para a representação simbólica de aplicações de Markov, estados
de equilíbro e medidas de Gibbs são equivalentes, e a medida de Gibbs é única.
Pelo teorema de decomposição ergódica [23], essa equivalência e unicidade permite
concluir que µ é ergódica.
O decaimento de correlação decorre essencialmente do seguinte lema.
0
Lema 6. Existe η ∈ (0, 1) tal que, para toda f ∈ Cb , LN
ϕ f = η + (1 − η)f com
0
f ∈ Cb .
Demonstração. Dada qualquer f ∈ Cb , consideremos g = LN ϕ f − η, onde η está
para ser determinada. Devemos ter η ≤ c para que g ≥ 0, pois Lnϕ ≥ c. Além
0
disso, η deve satisfazer g(ω) ≤ g(ω 0 )ebd(ω,ω ) para quaisquer ω, ω 0 com ω0 = ω00 .
Equivalentemente,
0 0
0 bd(ω,ω )
η(ebd(ω,ω ) − 1) ≤ LN
ϕ f (ω )e − LN
ϕ f (ω).
0
0 δ(l+b)d(ω,ω ) −1
LN N
ϕ f (ω) ≤ Lϕ f (ω )e pelo argumento do lema 5 aplicado a LN
ϕ f.
Logo, é suficiente que η satisfaça
0 0 0
0 bd(ω,ω ) 0
LN
ϕ f (ω )e − LN N
ϕ f (ω) ≥ Lϕ f (ω )(e
bd(ω,ω )
− eδ(l+b)d(ω,ω ) )
0 0
≥ c(ebd(ω,ω ) − eδ(l+b)d(ω,ω ) )
0
≥ η(ebd(ω,ω ) − 1).
Isso ocorre se
c(ebd − eδ(l+b)d ) c(b − δ(l + b))
0 < η ≤ inf = .
d>0 ebd − 1 b
Finalmente, f 0 = 1 N
1−η (Lϕ f − η) ∈ Cb pois µ(LN
ϕ f − η) = µ(f ) − η = 1 − η.
Z Z
n
≤ Lϕ f − f dµ |g| dµ
Z
n
≤ kgk∞
Lϕ (f + u) − (f + u) dµ
∞
Z
n
≤ kgk∞ (f + u) dµ Cθ
Notemos que, para o nosso sistema original (X, T ), podemos obter uma medida
de Gibbs por χ∗ µ(C) = µ(χ−1 (C)). A menos de uma alteração da constante, ainda
vale o teorema 11.
Acrescentamos que vale uma propriedade ainda mais forte para µ, denominada ψ-
misturadora com taxa exponencial — se A é um n-cilindro e B é mensurável, então
existem c > 0 e θ ∈ (0, 1) tais que, para todo inteiro l ≥ n,
|µϕ (A ∩ T −l B) − µϕ (A)µϕ (B)| ≤ cθl−n µ(A)µ(B).
Uma demonstração dessa estimativa pode ser encontrada em [9, Proposition 1.14,
p. 14–15], no caso em que A e B são cilindros. Fixado um n-cilindro A, o conjunto
dos B para os quais vale a estimativa é uma classe monótona que contém a álgebra
gerada pelos cilindros. Pelo teorema da classe monótona (24), a estimativa vale
para todo B mensurável.
Demonstração. Temos que dµ (x) = δ = dµ (x) para µ-quase todo x ∈ X. Logo, para
µ-quase todo x ∈ X, lim fn (x) = δ = lim gn (x), onde fn (x) = inf r< n1 log µ(B(x,r))
log r
e gn (x) = supr< n1 log µ(B(x,r))
log r . Pelo teorema de Egorov, existe K0 ⊂ X tal que
µ(K ) > 1− e {fn }n∈N , {gn }n∈N convergem uniformemente em K0 . Em particular,
0
1
Demonstração. Fixemos > 0 e tomemos K como no lema. Sejam α = δ−4 e
rn = nr0α . Definamos
Ln = {x ∈ K : d(T n x, x) < rn }.
Para uma bola B = B(x, r) e uma constante a > 0, denotamos por aB a bola
B(x, ar). Seja {Bi }i∈I uma cobertura de K por bolas de raio rn centradas em
pontos de K tais que 21 Bi são duas a duas disjuntas (basta tomar uma coleção
{ 12 Bi }i∈I maximal, pelo lema de Zorn). Podemos supor que a cobertura é finita
pois K ⊂ X é fechado, e portanto compacto. Temos que
X X
µ(Ln ) = µ((∪i∈I Bi ) ∩ Ln ) ≤ µ(Bi ∩ Ln ) ≤ µ(Bi ∩ T −n 2Bi ).
i∈I i∈I
Para cada i, definamos ϕi : X → R por ϕi (x) = max(0, 1 − rn−1 d(x, 2Bi )). ϕi é
rn−1 -Lipschitz pois, dados quaisquer x, y ∈ X, |ϕi (x) − ϕi (y)| ≤ rn−1 |d(x, 2Bi ) −
d(y, 2Bi )| ≤ rn−1 d(x, y). Além disso, 12Bi ≤ ϕi ≤ 13Bi . Logo,
Z
µ(Bi ∩ T −n 2Bi ) ≤ ϕi (ϕi ◦ T n ) dµ
Z 2
≤ ϕi dµ + cθn kϕi kLip
Pelo lema de Borel-Cantelli, para µ-quase todo x ∈ K , existe n1 (x) tal que n >
n1 (x) =⇒ x ∈ Mrn , ou seja, τ2rn (x) < rn−δ−2 . Para quaisquer n ∈ N e r
satisfazendo 2rn+1 ≤ r < rn , temos que
τr (x) log τ2rn+1 n+1
≤ < (δ + 2).
− log r − log rn n
log τr (x)
Segue-se que lim supr→0 − log r ≤ δ + 2.
Demonstração do teorema 14. Suponhamos por contradição que o resultado não
valha. Então, {x ∈ X : R(x) ≤ δ − η} ou {x ∈ X : R(x) ≥ δ + η} tem medida
positiva c para algum η > 0. Fixemos ∈ (0, max{c, η4 }). Decorre dos lemas
anteriores a existência de um conjunto K̃ ⊂ X, cuja medida não excede , fora do
qual R(x) ≥ δ − 4 > δ − η e R(x) ≤ δ + 2 < δ + η. Absurdo, pois c > .
INTRODUÇÃO À RECORRÊNCIA DE POINCARÉ QUANTITATIVA 21
Originalmente, esse teorema fora enunciado para o tempo de retorno sem so-
breposição Rnno (x, ξ) = min{k ≥ n : ξn (x) = ξn (T k x)}. Em [28], mostra-se que,
mesmo que ξ seja infinito enumerável, ainda vale o resultado e, para µ-quase todo
x ∈ X, Rn (x, ξ) = Rnno (x, ξ) eventualmente, donde
1 1
lim log Rn (x, ξ) = lim log Rnno (x, ξ) = hµ (T, ξ).
n n n n
Lema 12. Para qualquer δ > 0, existe > 0 tal que, para quaisquer M > 1 , N e
L, o número de padrões é limitado por eδL .
remos a estimativa
X L L L
X L j 1+
< e−L = .
j j=0
j
j≤L
INTRODUÇÃO À RECORRÊNCIA DE POINCARÉ QUANTITATIVA 23
pela desigualdade de Markov e ante P o teorema de Kač, onde Γ(N ) foi definido na
demonstração do lema 11. Como n∈N e−nh en(hµ +) < +∞ e µ(∪N ∈N Γ(N )) = 1,
podemos aplicar o lema de Borel-Cantelli para concluir que, para µ-quase todo
ω ∈ Σ, Rn < enh eventualmente. Logo, R ≤ hµ em µ-quase todo ponto.
Podemos supor que hµ > 0, caso contrário a demonstração está completa. Pelo
lema 11, basta provar que R ≥ hµ em µ-quase todo ponto.
Afirmamos que R é constante em µ-quase todo ponto. De fato, como Rnno (σω) ≤
Pn−1
Rnno (ω), temos que R(σω) ≤ R(ω) para todo ω ∈ Σ. Daí, R̃ = lim n1 k=0 R ◦ σ k
está definida e R̃ ≤ R em todo o espaço. Por ergodicidade, R̃ é igual a b0 ∈ R em
µ-quase todo ponto, pois R̃ é σ-invariante. Suponhamos por contradição que R não
seja constante em µ-quase todo ponto. Então, existe > 0 tal que F = {R ≥ b0 +}
tem medida não nula. F é invariante pelo teorema de recorrência de Poincaré, pois
R ◦ σ ≤ R. Portanto, R̃ ≥ b0 + em F . Absurdo, pois F tem medida não nula e
R̃ = b0 em µ-quase todo ponto.
Suponhamos por contradição que b0 < hµ . Fixemos b, h ∈ (b0 , hµ ) tais que b < h
e δ ∈ (0, h − b). Tomemos ∈ (0, hµ − h) como no lema 12 tal que p eb+δ < eh e
24 RICARDO BIONI LIBERALQUINO
Segue do teorema ergódico de Birkhoff que µ(BL ) > eh−hµ + para todo L suficien-
temente grande. Aumentando L, se necessário, podemos supor adicionalmente que
ebN < L 2 .
Contaremos o número de cilindros de comprimento L que contêm algum ω ∈ BL .
Para isso, dado ω ∈ BL , veremos que ω[|0,L−1|] segue um padrão S da seguinte
forma: se ω ∈ / AN , então o primeiro elemento de S é o singleton [|0|]; caso con-
trário, tomamos [|0, n − 1|], onde n está entre M e N e Rnno < ebn . Se o padrão
estiver construido até a posição k − 1 ≤ L − ebN , então o próximo elemento será o
singleton [|k|], caso σ k ω ∈
/ AN , ou o intervalo longo [|k, k +n−1|], onde n ∈ [|M, N |]
e Rnno (σ k ω) < ebn , caso contrário. O final do padrão será formado por singletons
[|k|], onde k ∈ [|L − ebN , L − 1|]. Essa construção produz no máximo ebN + L 2 < L
singletons. Portanto, ω[|0,L−1|] segue o padrão S.
Pelo lema 13, o número de sequências seguindo um mesmo padrão é limitado por
pL ebL . Além disso, pelo lema 12, o número de padrões é limitado por eδL . Por-
tanto, o número de sequências ω[|0,L−1|] , onde ω ∈ BL , é limitado por
pL eδL ebL < ehL .
Obtemos então a contradição
µ(BL ) ≤ ehL sup µ(C ∩ BL ) ≤ e(h−hµ +)L ≤ eh−hµ + < µ(BL ).
|C|=n
Lema 16. Para qualquer d ∈ (0, dimH µ), vale, para µ-quase todo x0 ∈ X.
Lema 18. Para µ-quase todo x0 ∈ X, temos que limr→0 δ(B(x0 , r)) = 0.
3
Como hµ − δhµ − 2 = hµ − (1 − hµ )hµ − 2 = > 0, concluímos que
∞
X
µ(An ) < +∞.
n=1
3
Pelo lema de Borel-Cantelli, τ (Cn (ω)) > (1 − hµ )n
eventualmente para µ-quase
T∞ S∞
todo ω ∈ Γ. Logo, lim inf n→+∞ τ (Cnn(ω))
≥ 1 para todo ω ∈ n=1 k=n Γ(N ( k1 )).
Como esse conjunto tem medida total, segue-se o resultado.
6.2. Taxa de retorno local para bolas. Podemos usar a taxa de recorrência em
cilindros para estimar o tempo de retorno em bolas, ou seja, estimar τ (B(x, r)).
Definição 15. Dizemos que x ∈ X é super regular com respeito a uma partição
ξ se sua órbita não se aproxima exponencialmente rápido da fronteira da partição.
Ou seja,
1
lim log d(T n x, ∂ξ) = 0.
n n
Através do lema de Borel-Cantelli, concluímos que limn n1 log d(T n x, ∂ξ) ≥ ν para
µ-quase todo x ∈ X. Como ν > 0 é arbitário, segue-se o resultado.
Demonstração. Fixemos η > 0 tal que λ(x)+ν < λ. Pela super regularidade, existe
c > 0 tal que, para todo k ∈ N,
d(T k x, ∂ξ) ≥ ce−νk .
Como λ − ν > λ(x), existe n0 ∈ N tal que
c (λ−ν)n
|(T n )0 (x)| ≤ e ,
D
onde D é definido na proposição 2.
Afirmamos que, para quaisquer n > n0 e k ≤ n, vale B(x, e−λn ) ⊂ Jk (x). De fato,
para k = 1, isso decorre de e−λn ≤ D|(T nc)0 (x)| e−νn < c. E, supondo válido para
algum k < n, o teorema do valor médio, a proposição 2 e as estimativas anteriores
nos dão
T k (B(x, e−λn )) ⊂ B(T k x, D|(T n )0 (x)|e−λn ) ⊂ B(T k x, ce−νk ) ⊂ J (T k x).
Portanto, B(x, e−λn ) ⊂ Jk+1 (x). Isso prova a afirmação por indução.
Teorema 18. Se µ é uma medida de Gibbs de um potencial Hölder e a entropia
com respeito a µ é positiva, então µ-quase todo x ∈ X satisfaz
τ (B(x, r)) 1
lim = .
r→0 − log r λµ
Demonstração. Seja x um ponto com expoente de Lyapunov λ(x) igual a λµ , super
regular com respeito à partição de Markov e com taxa inferior de recorrência em
cilindros pelo menos 1. Isso abrange µ-quase todo ponto devido à proposição 4, ao
lema 19 e ao teorema 17. De acordo com o lema 20, para qualquer λ > λµ , temos
que
τ (B(x, e−λn )) 1 τ (Jn (x)) 1
lim inf −λn
≥ lim inf ≥ .
n − log e n λ n λ
−λn
Dados quaisquer r ∈ (0, 1) e λ > λµ , existe n ∈ N tal que e ≤ r < e−λ(n−1) .
Logo,
τ (B(x, r)) τ (B(x, e−λn )) 1
lim inf ≥ lim inf ≥ .
r→0 − log r n − log e−λ(n−1) λ
Como λ > λµ foi arbitrário, concluímos que lim inf r→0 τ (B(x,r)) 1
− log r ≥ λµ .
Por outro lado, diam Jn (x) ≤ c1 |(T n )0 (x)|−1 , de acordo com a proposição 2. To-
mando n = n(r) o menor inteiro positivo tal que c1 |(T n )0 (x)|−1 < r, obtemos
Jn (x) ⊂ B(x, r) . Portanto, usando o resultado do lema 6,
τ (B(x, r)) τ (Jn (x))/n 1
lim sup ≤ lim sup ≤ .
r→0 − log r n (log |(T n−1 )0 (x)|)/n − (log c1 )/n λµ
6.3. Dimensão para recorrências de Poincaré. A partir da taxa de retorno
em bolas, podemos definir dimensão para recorrências de Poincaré, ou dimensão de
Afraimovich-Pesin [2], da seguinte forma.
Definição 16. Se A ⊂ X e q, α ∈ R, seja
∞
X
M (A, q, α) = lim inf e−qτ (Bi ) (diam Bi )α ,
δ→0
i=1
INTRODUÇÃO À RECORRÊNCIA DE POINCARÉ QUANTITATIVA 31
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