Tão violento
Tão frágil
Tão terno
Tão desesperado
Este amor
Belo como o dia
E ruim como o tempo
Quando faz tempo ruim
Este amor tão verdadeiro
Este amor tão belo
Tão feliz
Tão alegre
E tão irrisório
Tremendo de medo como uma criança no escuro.
Jacques Prévert
Introdução
Introdução 11
desejado (princípio do prazer) como o amor pensado (princí-
pio de realidade) são necessários; razão e emoção em proporções
adequadas. O amor não somente deve ser saboreado, mas também
incorporado ao nosso sistema de crenças e valores. Trata-se de
incrementar o “quociente amoroso” e ligar o coração à mente
de tal maneira que possamos canalizar o sentimento de forma
saudável. Dito de outra forma: é preciso organizar e regular o
amor para torná-lo mais compatível com os neurônios. Não falo
de restringi-lo ou de cortar as suas asas, mas de ensiná-lo a voar.
O que queremos dizer quando falamos de amor ou quan-
do dizemos que estamos apaixonados? Usamos como sinônimos
de amor inúmeras palavras que não significam a mesma coisa:
paixão, ternura, amizade, erotismo, apego, simpatia, afeto, com-
paixão, desejo e expressões desse tipo. Não conseguimos especifi-
car o que é o amor nem unificar a sua terminologia. Para alguns,
amar é sentir paixão; para outros, amor e amizade são a mesma
coisa; e não poucos associam o amor à compaixão ou à entrega
total e desinteressada. Mas quem tem razão? Aqueles que defen-
dem o sexo, os que preferem o companheirismo ou os que pen-
sam que o verdadeiro amor é um fato espiritual?
Assim como os filósofos Comte-Sponville e Guitton, entre
outros, penso que o amor poderia ser mais bem estudado a partir
de três dimensões básicas. Quando esses elementos conseguem se
unir de maneira adequada, dizemos que estamos na presença do
amor unificado e funcional. De acordo com as suas raízes gregas,
os nomes que recebem esses três “amores” são: eros (o amor que
toma e se satisfaz), philia (o amor que compartilha e se alegra) e
ágape (o amor que doa e se compadece).
Há alguns anos, em outra publicação, propus uma estru-
tura similar, tripartite, do amor: o do tipo I (mais emocional),
Eros
É o desejo sexual, a posse, a paixão, o amor passional. O mais
importante é o “eu” que deseja, que apetece, que exige. A outra
pessoa, o “tu”, não chega a ser sujeito. É a face egoísta e libidinosa
do amor: “Quero possuir você”, “Quero que você seja minha”,
“Quero você para mim”. O eros é conflituoso e dual por natu
reza, nos eleva ao céu e nos faz descer ao inferno num instante. É
o amor que dói, que se relaciona com a loucura e a incapacidade
de se controlar. Mas não podemos prescindir do eros; o desejo é
a energia vital de qualquer relação, seja como puro sexo ou como
Introdução 13
erotismo. O eros bem conduzido não só evolui até a philia de ca-
sal (amizade com desejo), mas também costuma manifestar-se de
forma amável como dois egoísmos que se encontram, comparti-
lham e desfrutam um do outro enquanto fazem e desfazem no
amor. O eros por si só não consegue configurar um amor com-
pleto, porque sempre vive na carência, sempre falta algo. É a ideia
de amor de Platão.
Philia
É a amizade – no nosso caso, “amizade de casal” –, o chamado
“amor conjugal” ou amizade conjugal. A philia transcende o “eu”
para integrar o outro como sujeito: “eu” e “tu”, ainda que o “eu”
siga na frente. Apesar do avanço, no caso da philia, a benevolên-
cia não é total, porque a amizade ainda é uma forma de se amar
a si mesmo através dos amigos. A emoção central não é o prazer
como desejo ganancioso, mas a alegria dos que compartilham:
a reciprocidade, estarmos bem e tranquilos. A philia não requer
uma união total (nunca a conseguiremos com ninguém, nem se-
quer com os melhores amigos), basta que exista certa cumpli-
cidade de interesses, um traço de comunidade de duas pessoas
que convivem. Enquanto o eros decai e ressuscita de quando em
quando, se tudo vai bem, a philia torna-se mais profunda com
os anos. Mas de nenhuma maneira a philia exclui o eros; ao con-
trário, ela o serena, o situa em um contexto menos libidinoso,
menos predador, mas não o aniquila. Nas relações mais ou me-
nos estáveis, fazemos mais uso da philia do que do eros, mas am-
bos são indispensáveis para formar um vínculo estável. Quando
o eros domina, nos transformamos em seres libidinosos e sem
limites, e somos “objeto” e “sujeito” ao mesmo tempo: objeto,
quando nos devoram; sujeitos, quando devoramos. A philia e o
Ágape
É o amor desinteressado, a ternura, a delicadeza, a ausência de
violência. Não é o “eu” erótico que arrasa tudo, nem o “eu” e
o “tu” do amor amigável, mas o amor da entrega: o “tu” puro e
franco.
É a dimensão mais limpa do amor, é a benevolência sem
contaminações egoístas. Obviamente, não estou me referindo a
um amor irreal e idealizado, porque inclusive o ágape estipula
condições; falo é da capacidade de renunciar à própria força para
adaptar-se à fraqueza da pessoa amada. Não se trata de prazer
erótico nem da alegria amistosa, mas da pura compaixão, da dor
que nos une ao ser amado quando sofre, quando ele precisa de
nós ou nos chama; é a disciplina do amor que não requer es-
forço. O ágape não costuma ser necessariamente a última etapa
na evolução do amor, mas a sua aparição tampouco desloca ou
suprime os seus antecessores: uma vez mais, os inclui e completa.
Como será visto ao longo do texto, pode haver sexo agápico (eros
e ágape) e amizade desinteressada (philia e ágape). Em resumo,
o ágape é o amor de Jesus, Buda, Simone Weil e Krishnamurti.
Introdução 15
a nossa companheira), da philia (quando o tédio fica cada vez
mais presente e a alegria desvanece), do ágape (quando a falta de
respeito e o egoísmo começam a ser frequentes) ou de qualquer
combinação deles que seja disfuncional.
Algumas pessoas tentam se resignar a um amor que não é
harmônico: mais cedo ou mais tarde, o déficit termina por alterar
a relação e a tranquilidade pessoal.
Amor de casal sem desejo? Bastante improvável; em todo
caso seria algo diferente. Conviver com o inimigo? Isso se tor-
naria insustentável. Despreocupar-se com o bem-estar da pessoa
amada? Seria muito cruel.
Insisto: somente na presença ativa e interrelacionada do
desejo, da amizade e da compaixão o amor se realiza. O amor
incompleto dói e adoece.
Conheço gente que dissociou os três amores até criar uma
espécie de Frankenstein afetivo. A respeito do eros: encontram-se
uma ou duas vezes por semana com o amante. Quanto à philia,
aproveitam-na no lar, com o marido ou a mulher. E deixam o
ágape para os domingos de missa. Quanto mais desagregados es-
tejam os componentes do amor, maior será a sensação de vazio
e desamor.
Em outros casos, as necessidades e expectativas dos inte-
grantes do casal não coincidem, e os componentes do amor per-
dem-se num emaranhado de confusão e mal-entendidos. Se não
temos um esquema cognitivo (mental) com o qual interpretamos
os fatos, fica impossível resolvê-los.
Adriana e Mário estavam casados havia onze anos. O casa-
mento tinha sido aparentemente satisfatório – ao menos era essa
a imagem que projetavam para as pessoas. No entanto, lentamente
e de forma encoberta, o amor havia começado a fragmentar-se.
Introdução 17
• Identificar e reconhecer como estavam organizadas as di-
mensões básicas do amor (eros, philia e ágape).
• Cultivar cada uma delas para que se alcançasse o nível de
satisfação requerido.
• Integrá-las de forma equilibrada e flexível para que se ma-
nifestassem de maneira oportuna.
Introdução 19