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Ricardo Primi
Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE)
Universidade São Francisco, Itatiba, SP.
Resumo
Este artigo procura discutir alguns avanços científicos na área da avaliação da inteligência contrapondo-os às idéias
que são divulgadas na mídia. Pretende-se abordar alguns mal entendidos que fazem a prática divergir da ciência.
Trata-se primeiro da evolução do estudo da inteligência, especialmente na abordagem psicométrica apresentando o
modelo de Cattell-Horn-Carroll (CHC). Trata-se em seguida de estudos mais recentes no sobre o construto
inteligência emocional integrando achados da psicologia e da neurociência falando sobre as relações entre a cognição
e a emoção.
Palavras chave: avaliação da inteligência, inteligência emocional, Teoria Cattell-Horn-Carroll, neurociência.
Abstract
This paper discusses some the recent scientific findings on intelligence testing and some misconceptions that are
presented by the current media. It discusses some misunderstandings that make the professional practice diverge
from science. In the first part it presents the evolution in the psychometric understanding of intelligence, particularly
the Cattell-Horn-Carroll (CHC) model of intelligence. In the second part it discusses the more recent studies on the
emotional intelligence construct integrating the findings of psychology and the neurosciences concerning the
relationship between cognition and emotion.
Key words: intelligence testing, emotional intelligence, Cattell-Horn-Carroll theory of intelligence, neuroscience.
Nos últimos anos a avaliação psicológica tem (Alves Filho, 25/09/2002) trazendo o problema da va-
recebido atenção crescente não só dos psicólogos, mas lidade de avaliações psicológicas em processos seleti-
também da sociedade em geral. Pode-se citar como vos, as medidas do CFP buscando inibir o uso de ins-
exemplo a anulação de duas questões sobre avalia- trumentos de má qualidade (dentre elas o processo de
ção psicológica do Provão de 2000 e 2001 por esta- avaliação da qualidade dos instrumentos), e a organi-
rem mal formuladas, uma reportagem da ISTOÉ zação de profissionais e pesquisadores em eventos da
área (ver: www.ibapnet.org.br). Tudo isso faz a ava-
liação psicológica ocupar uma posição de maior des-
Endereço para correspondência:
Ricardo Primi, Universidade São Francisco, Laboratório de taque na psicologia brasileira relativamente àquele que
Avaliação Psicológica e Educacional, LabAPE, Programa de tinha no passado. Este movimento traz consigo uma
Estudos Pós-Graduados em Psicologia, Rua Alexandre Rodrigues
Barbosa, 45, CEP 13251-900, Itatiba – SP, Fone (11)45348002,
série de desafios antigos que precisam ser enfrenta-
correio eletrônico: rprimi@uol.com.br dos e resolvidos para que a área efetivamente cres-
ça.
Nota do autor: Basicamente a resposta a estes desafios está na
Este texto é parte de um projeto de pesquisa financiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
efetiva integração entre ciência e prática profissional.
e pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNPq). Ele foi A avaliação psicológica é geralmente entendida como
adaptado da conferência de abertura do VI Encontro Mineiro de uma área aplicada, técnica, de produção de instru-
Avaliação Psicológica Teorização e Prática, proferida em 14 de
novembro de 2002, no Centro Universitário Newton Paiva em
mentos para o psicólogo, visão certamente simplista
Belo Horizonte. da área. A avaliação psicológica não é simplesmente
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uma área técnica produtora de ferramentas profissio- estão ultrapassados, que o sucesso pessoal não de-
nais, mas sim a área da psicologia responsável pela pende da inteligência e sim de outras capacidades.
operacionalização das teorias psicológicas em even- Mas o que dizem as pesquisas mais recentes sobre o
tos observáveis. Como isso ela fomenta a observação assunto? O exame da literatura revela que as antigas
sistemática de eventos psicológicos abrindo os cami- teorias vêm evoluindo gradualmente em um processo
nhos para a integração teoria e prática. Ela permite cumulativo e integrativo. Os testes de avaliação da
que as teorias possam ser testadas, eventualmente inteligência estão cada vez mais sofisticados. As con-
aprimoradas, contribuindo para a evolução do conhe- cepções sobre inteligência são mais balanceadas e não
cimento na psicologia. Portanto a avaliação na psico- tão extremas quanto aquelas veiculadas na mídia
logia é uma área fundamental de integração entre a (Primi, 2002b). Um exemplo disso é o modelo Cattell-
ciência e a profissão. Disso decorre que o avanço da Horn-Carroll da inteligência baseado na Psicometria
avaliação psicológica não é um avanço simplesmente que vem sendo considerado o “estado da arte” na área.
da instrumentação mas, sobretudo, das teorias A concepção de inteligência da abordagem
explicativas do funcionamento psicológico. psicométrica está sustentada na análise fatorial. A
Este artigo procura discutir alguns avanços cientí- análise fatorial por sua vez baseia-se nas diferenças
ficos na área da avaliação da inteligência contrapondo- individuais reveladas por uma centena de testes cri-
os às idéias que são divulgadas pela mídia e muitas ve- ados para avaliar as capacidades cognitivas. O pro-
zes por profissionais. Pretende-se abordar os mal en- pósito da análise fatorial é identificar subgrupos de
tendidos que fazem a prática divergir da ciência con- testes que avaliam uma mesma capacidade cognitiva.
trastando-os com as idéias originadas de pesquisas re- A lógica deste procedimento é que, se dois testes
centes e com isso contribuir para a dissolução desses requerem uma mesma capacidade cognitiva, então
mal entendidos e para um movimento de maior conver- pessoas que tiverem esta capacidade desenvolvida
gência dos discursos dos cientistas e profissionais. tenderão apresentar escores mais altos nos dois tes-
Um primeiro aspecto diz respeito à evolução tes simultaneamente. Ao contrário, pessoas com
do estudo da inteligência, especialmente na aborda- menor desenvolvimento tenderão apresentar esco-
gem psicométrica. A psicometria começou elaboran- res baixos nos dois testes simultaneamente. Como
do instrumentos de medida sem saber bem o que se deseja descobrir quais são as capacidades que
eles mediam, ou melhor, sem uma compreensão teó- compõem a inteligência percorre-se o caminho in-
rica sobre a inteligência e evoluiu para formulações verso, isto é, aplica-se uma bateria de testes cobrin-
teoricamente mais sofisticadas. Outro aspecto refe- do uma diversidade de capacidades intelectuais,
re-se aos estudos mais recentes integrando achados emprega-se a análise fatorial para descobrir os agru-
da psicologia e da neurociência falando sobre as re- pamentos de testes e por fim, analisa-se estes gru-
lações entre a cognição e a emoção. No Brasil es- pos entendendo quais são as capacidades comuns
ses avanços ainda são pouco divulgados persistindo envolvidas na resolução dos testes dentro deles.
uma série de mal entendidos. Na primeira metade do século passado os estu-
dos fatoriais da inteligência debatiam a estrutura
Inteligência a partir da psicometria (quantas) e definição (quais) das capacidades intelec-
A Psicologia procura há décadas responder a tuais. Duas posições extremas existiam: a de Spearman
pergunta sobre a natureza da inteligência. Existem (1927) definindo que toda a atividade intelectual se
muitas respostas revelando uma multiplicidade de exprime num fator geral (g) e a de Thurstone (1938)
visões como pode ser constatado na imensa quanti- chamada Teoria das Aptidões Primárias defendendo
dade de publicações a respeito desse tema. Uma a inexistência de um fator geral e, no lugar disso, um
estimativa grosseira investigando a base de dados conjunto de habilidades básicas ou primárias.
PsycINFO da Associação Americana de Psicologia Na segunda metade do século passado esta
(www.apa.org) indicou que em pouco mais de um concepção polarizada evoluiu para um modelo inte-
século existem mais de 18.400 artigos com a palavra grado hierárquico chamado de Teoria Gf-Gc (inteli-
inteligência em seu título (Primi, 2002a). gência fluida e cristalizada) iniciada por Cattell (1941,
Ao lado dessa diversidade de teorias e opiniões 1971), desenvolvida e aprimorada por um de seus es-
existe o grande interesse da mídia por este tema. Este tudantes chamado Horn (1991). Mas foi recentemen-
interesse muitas vezes acaba divulgando idéias errô- te em 1993, que um dos mais importantes estudos foi
neas sobre o assunto. É muito comum ouvirmos que publicado: o livro de John B. Carroll Human Cognitive
as antigas teorias de inteligência e os testes de QI Abilities: a survey of factor analytic studies. Neste
Avaliação Psicológica, 2003,1, pp. 67-77
Inteligência: Avanços nos Modelos Teóricos e nos Instrumentos de Medida 69
estudo Carroll fez um levantamento das pesquisas dos dos. O produto final desta análise foi publicado em
últimos 60 anos, selecionou 1500 artigos dos quais seu livro e é chamado a Teoria dos Três Estratos.
obteve 461 conjuntos de dados. Neste conjunto esta- Atualmente há um projeto sendo desenvolvido com o
vam incluídos quase todos os mais importantes e clás- objetivo de colocar os arquivos desta análise disponí-
sicos estudos da estrutura da inteligência feitos pela veis na internet e expandir este banco de dados com
abordagem psicométrica. Ele fez então uma reanálise estudos posteriores à publicação desta obra para que
utilizando métodos de análise fatorial mais avança- os pesquisadores possam realizar novas análises (ver:
testes diferentes nem sempre dizem respeito exata- um procedimento chamado “Composição ou Cruza-
mente às mesmas capacidades das pessoas. As ba- mento de Baterias” (Cross Battery Approach) que
terias são compostas de subtestes avaliando vários propõe a seleção de subtestes de baterias diferentes
fatores específicos da inteligência e a partir dos quais guiada pelo modelo CHC propiciando uma otimização
se calcula uma nota global o QI. Entretanto um QI da avaliação dos fatores amplos (Flanagan & Ortiz,
de um teste A não é necessariamente igual ao QI de 2001). Este procedimento é interessante mas só é
um teste B já que as duas baterias podem ser com- possível quando existem testes com padronização
postas de subtestes diferentes. O QI é simplesmen- nacional. Como no Brasil isto é escasso este proce-
te uma escala numérica padronizada e seu significa- dimento se torna difícil de ser implementado. Estamos
do dependerá da combinação de fatores específicos trabalhando na pós-graduação da Universidade São
avaliados pela bateria Francisco dando os primeiros passos em direção a
Outra confusão que se faz é a distinção testes isso analisando os testes publicados segundo a teoria
de inteligência e testes aptidão supondo que o pri- CHC para no futuro desenvolver estudos que possi-
meiro mede o fator g o os testes de aptidão medem bilitem o emprego deste procedimento.
capacidades específicas. Estritamente falando para Este modelo será muito importante para aju-
medir o fator g deveríamos aplicar uma bateria com- dar-nos a entender o que os testes criados pela
posta por pelo uns 60 testes cobrindo todas as capa- psicometria avaliam. Ele consiste em uma taxonomia
cidades do nível III do modelo CHC. Essa bateria para os testes de inteligência, um mapa dos construtos
não existe e talvez nem existirá tão cedo. Mesmo os avaliados pelos testes. No entanto ele não esgota a
testes de inteligência fluida que estão mais próximos definição de todas as possíveis maneiras que a inte-
do fator g (Raven, G36, D48, por exemplo) medem ligência pode se manifestar. Ele pode ser entendido
um fator específico do nível III. Ou seja não existe a mais como uma teoria para os testes existentes. En-
distinção entre testes de inteligência e de aptidão. A tretanto, a inteligência humana abarca outras dimen-
rigor todos os testes medem alguma capacidade es- sões ainda desconhecidas além daquelas que os tes-
pecífica da inteligência. O conceito de aptidão na tes indicam. Seguramente existem capacidades ain-
verdade refere-se a uma combinação ótima de fato- da mal conhecidas que tem motivado a expansão dos
res específicos procurando prever um determinado estudos e teorias sobre a natureza da inteligência
critério como, por exemplo, leitura, desempenho como se verá a seguir.
matemático, desempenho no trabalho (Flanagan,
Ortiz, Alfonso, & Mascolo, 2002). Inteligência emocional: a interação cognição-
Ainda outra confusão refere-se à nomenclatura emoção
testes não-verbais. Como foi visto não existe um fator Recentemente uma série de estudos procu-
de inteligência não-verbal como a proposição do início rou expandir o construto inteligência integrando as-
do século passado que aparecia nas primeiras ver- pectos da cognição com a emoção. Estes estudos
sões das escalas Wechsler. Toda atividade cognitiva estão sendo feitos sob o conceito de inteligência
envolve o uso da linguagem com mais ou menos in- emocional. Mas o que é inteligência emocional?
tensidade. Mesmo na resolução de testes de Um primeiro ponto que precisa ficar claro é
processamento visual a linguagem faz parte do que não foi Daniel Goleman quem criou este concei-
processamento. Os testes não verbais de inteligência to (Goleman, 1995). Este conceito foi criado por Peter
diferem dos testes puramente verbais (de inteligência Salovey, John Mayer e David Caruso (Salovey &
cristalizada) por não exigirem uma língua específica Mayer, 1990; Mayer & Salovey, 1999). A concep-
na sua resolução como, por exemplo, inglês, francês ção divulgada por Goleman difere da concepção ori-
ou espanhol. Já um teste de vocabulário em inglês ginal desses autores incluindo aspetos muito mais
exigirá o conhecimento de uma língua específica e, amplos do que originalmente foi proposto como inte-
portanto, dependerá muito mais das capacidades que ligência emocional. Além disso, algumas afirmações
a pessoa possui na língua do país de origem do teste. como a que diz que o a inteligência emocional é mais
De modo geral hoje não existe uma bateria que importante do que a inteligência tradicionalmente
avalie todos os fatores amplos da inteligência. Dos medida pelos testes psicométricos não é verdadeira.
testes publicados nos EUA o que mais se aproxima Os próprios autores questionam esta afirmação de
disso é o Woodcock Jhonson III avaliando Goleman dizendo que não há evidência documenta-
equilibradamente sete fatores amplos (Woodcock, da apoiando-a (Mayer, 2001).
McGrew & Mather, 2001). Diante disso foi sugerido Atualmente existem duas abordagens na defi-
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nição da inteligência emocional. Uma definição mais cognitivas ocorrem em um vácuo afetivo. De fato as
popular proposta de Goleman (1995) que se afastou visões mais antigas encaram as emoções como fa-
da idéia original dos autores e incluiu características tores desorganizadores da atividade cognitiva trazen-
tradicionalmente estudadas nas teorias fatoriais da do falta de clareza ao raciocínio. No passado predo-
personalidade. Este modelo não traz nada de novo minou um modelo antitético entre emoção-razão
embora seja vendido como algo revolucionário princi- como duas entidades competindo pelo controle da
palmente no mundo dos negócios (Mayer, Caruso, & mente. Segundo esta visão quando as emoções pre-
Salovey, 2002). A segunda é a definição original da dominam a lógica desaparece e os pensamentos se
inteligência emocional chamada inteligência emocio- tornam irracionais (Greenberg, 2002).
nal como capacidade cognitiva. Essa é menos conhe- Recentemente, principalmente por causa dos
cida pelo público pois está sendo divulgada principal- estudos da neurociência, esta visão das emoções
mente em periódicos científicos. É interessante notar perdeu força. As emoções têm efeitos importantes
que Goleman, embora mais famoso, não publicou ne- na adaptação e tem poderosos efeitos na cognição,
nhum artigo em periódicos da área expondo sua teo- tanto nos processos de pensamento, isto é, no como
ria ao escrutínio dos pares. Por outro lado muitos pes- pensamos, quanto no conteúdo do pensamento, isto
quisadores só conhecem a visão popular da inteligên- é, no quê pensamos (Forgas, 2001). É óbvio que a
cia emocional e por isso atribuem um total descrédito psicologia sempre disse isso e portanto não há novi-
a essas idéias. Portanto é fundamental ficar claro que dade nessas idéias. O que há de novo, no entanto,
há uma série de pesquisas sérias com resultados im- são os experimentos sobre a interação cognição-
portantes que contribuem para a expansão de nosso emoção e as descobertas sobre as bases neurais
entendimento da inteligência. Essas idéias são bem destes eventos que passaram a ser publicados prin-
diferentes da visão que acabou se popularizando por cipalmente a partir da década de noventa.
meio do livro de Goleman (1995). Levenson (1999) e Mayer e Salovey (1991)
A definição da inteligência emocional depende definem emoção como fenômenos psico-fisiológicos
da definição da inteligência, emoção e sobre sua que organizam o comportamento em maneiras efici-
interação. Uma definição bastante ampla diz que a entes de adaptação às exigências dinâmicas do am-
inteligência é a capacidade de se adaptar ao meio. biente. As emoções consistem em um pacote orga-
Os fatores cognitivos discutidos anteriormente indi- nizado de respostas de vários subsistemas do orga-
cam áreas mais especializadas do funcionamento nismo. No nível cognitivo as emoções alteram o foco
cognitivo que favorecem a adaptação. Por exemplo, da atenção para aspectos mais importantes e ativam
a inteligência cristalizada elevada está associada ao lembranças relevantes nas redes neurais da memó-
maior conhecimento de informações sobre a cultura ria de longo prazo. No nível fisiológico as emoções
o que por sua vez facilita muito a adaptação. A inte- preparam o organismo criando um meio ótimo para
ligência fluida elevada está associada à capacidade uma resposta efetiva e condizente com a demanda
de resolver problemas por meio da descoberta de ambiental. Esta preparação envolve a organização
relações entre várias informações disponíveis. Isso da expressão facial, tonalidade da voz, tônus muscu-
faz com que a pessoa tenha uma maior compreen- lar, do sistema nervoso autônomo e do sistema
são dos eventos complexos que a rodeiam trazendo endócrino. No nível comportamental as emoções
uma vantagem adaptativa. Alta capacidade de produzem comportamentos expressivos veiculando
processamento auditivo na criança facilita a com- informações às outras pessoas e também impulsio-
preensão dos padrões sonoros complexos que com- nam comportamentos instrumentais.
põem a comunicação oral que os adultos tem entre Um primeiro aspecto importante é o caráter
si e com ela. Por isso, traz uma vantagem adaptativa funcional e adaptativo das emoções. As emoções
já que a criança adquirirá com maior rapidez capaci- são um conjunto organizado de reações programa-
dade de se comunicar. das evolutivamente no cérebro para enfrentar situa-
Por muito tempo a psicologia cognitiva adotou ções-problema que ameaçam a sobrevivência do
um enfoque frio da cognição procurando entender organismo. Elas fazem parte de sua sabedoria
como ocorre o processamento de informação sem evolutiva (termo criado por Ledoux, 1996).
prestar muita atenção nos aspectos afetivos (Ledoux, Um segundo aspecto é que os diferentes tipos
1996). Este enfoque simplifica a análise permitindo emoções estão associados a diferentes temas ou
a visão detalhada de uma faceta de cada vez, entre- enredos padrão ligados à sobrevivência. As reações
tanto implicitamente assume que as funções disparadas pelas emoções são condizentes com o
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Inteligência: Avanços nos Modelos Teóricos e nos Instrumentos de Medida 73
culpa = medo + alegria, susto = medo e surpresa; bem podemos indiretamente alterar nosso humor cri-
remorso = tristeza + aversão, vergonha = medo + ando aquelas situações (ouvir música, conversar com
aversão. As emoções também ocorrem em cadeias um amigo, etc...). Entretanto por meio das drogas as
mais ou menos padronizadas e portanto a compre- pessoas ganham um poder de regular diretamente os
ensão das transições entre emoções é muito impor- afetos por um determinado tempo. Disto resulta o que
tante para a adaptação. Todos estes conceitos fa- Gohm e Clores (2002) chamam de inflação hedônica.
zem parte do conhecimento emocional ou a inteli- Isto é, as emoções provocadas pelas drogas são mui-
gência cristalizada sobre as emoções. to mais intensas que aquelas produzidas pelas experi-
O conhecimento emocional é uma parte essen- ências naturais. As emoções positivas produzidas em
cial da Psicologia mas apesar disso as teorias clássi- situações naturais perdem seu valor (inflação) e a
cas não avançaram muito na definição dos vários pessoa fica obcecada buscando os afetos produzidos
tipos de emoções. Por exemplo a Psicanálise focali- pelas drogas. Gradualmente este poder vai sendo re-
zou muito na ansiedade. Melanie Klein expandiu um duzido levando a pessoa a consumir mais drogas que
pouco mais falando da raiva e da inveja. Mas muito por sua vez produzem mais inflação e danos à saúde
pouco se falou sobre outras emoções principalmente perpetuando um ciclo de auto destruição e um colap-
as emoções positivas (Greenberg, 2002). so na economia afetiva.
A quarta e última faceta refere-se ao Em resumo a inteligência emocional é definida
gerenciamento das emoções. Esta capacidade refe- pela capacidade de identificar e perceber emoções,
re-se ao controle reflexivo das emoções para pro- de usá-las para facilitar o pensamento, usar o co-
mover o crescimento emocional. O processo de nhecimento emocional e de regular as emoções em
regulação da emoção envolve o monitoramento, a si e nos outros. A inteligência emocional está associ-
avaliação e a utilização do conhecimento dos própri- ada ao uso destes processos em nosso benefício na
os humores, para mantê-lo ou modificá-lo conforme adaptação aos desafios impostos pelos eventos de
as necessidades. O conhecimento sobre as situações nossa vida. Por isso esta definição é bem diferente
que desencadeiam humores agradáveis e desagra- da definição popular já que fala dos processos
dáveis nos permite escolher com maior precisão as cognitivos envolvidos no processamento emocional.
situações prazerosas e a evitar e/ou abreviar as situ- As pesquisas mais recentes vêm buscando
ações desprazerosas. Com isso conseguimos de for- construir instrumentos para medir estes quatro com-
ma indireta regular nossos próprios humores. Isto é ponentes. Há uma série de inventários de auto relato
chamado meta experiência do humor. criados para avaliar algumas facetas da inteligência
Um outro aspecto associa-se à regulação dos emocional. Entretanto sabemos pelos estudos sobre
humores em outras pessoas. Isto está ligado ao a inteligência que a opinião das pessoas sobre suas
monitoramento das reações dos outros em relação capacidades não se correlaciona com a sua capaci-
ao próprio comportamento o que nos permite ter idéia dade verdadeira. Se quisermos avaliar a inteligência
de como nossos comportamentos afetam os outros precisamos de testes de desempenho nos quais a
possibilitando uma maior controle dessas reações. pessoa demonstre sua capacidade de processar as
Também é possível produzir, regular e/ou manter as emoções (Ciarrochi, Chan, Caputi & Roberts, 2001;
emoções desejáveis em outras pessoas atuando di- Mayer, Caruso, & Salovey, 2002b; Salovey, Mayer,
retamente sobre elas. Caruso, & Lopes, no prelo).
Uma parte do efeito benéfico da psicoterapia Existem dois testes de desempenho o
tem a ver com o desenvolvimento de estratégias de Multifactor Emotional Intelligence Scale (MEIS)
manipulação das próprias emoções. Também está e uma versão mais recente chamada Mayer,
associado ao entendimento das maneiras automáti- Savoley e Caruso Emotional Intelligence Test
cas de regulação efetivadas pelos mecanismos de (MSCEIT). Já desenvolvemos pesquisas com es-
defesa para eventualmente mudá-los para outros mais tudantes de psicologia usando o MEIS (Bueno &
adaptativos (Greenberg, 2002). Primi, 2001, no prelo) e descobrimos que alunos
O abuso das drogas exemplifica um problema com maior capacidade de identificar emoções ti-
associado aos mecanismos reguladores das emoções. nham também uma avaliação mais positiva de seus
As pessoas não podem de alterar seus estados emo- supervisores em itens indicando o estabelecimento
cionais voluntária e diretamente. Os afetos aparecem de vínculos positivos com os pacientes e indicando
em decorrência de certas interações significativas com competências e habilidades para atuação profissio-
o ambiente. Conhecendo as situações que nos fazem nal em psicologia clínica. O mais interessante foi
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que as medidas de personalidade e inteligência não derivadas diretamente desta teoria. É preciso ainda
estavam associadas ao desempenho. Portanto a expandir os estudos para áreas da inteligência pouco
inteligência emocional medida pelo MEIS parece investigadas no passado. É preciso finalmente bus-
captar algo diferente e útil. car cada vez mais a elaboração de visões integrativas
Este artigo procurou abordar os novos estudos da inteligência levando em consideração os estudos
sobre as medidas de inteligência e os estudos que da psicologia cognitiva e da neurociência.
buscam descobrir novas formas de inteligência. Reforçando o que foi dito no início os avanços
Pode-se concluir que para o avanço da área é preci- que a avaliação psicológica traz para a psicologia
so uma atualização no entendimento teórico sobre a não se restringem à instrumentalização da observa-
inteligência levando em consideração o modelo CHC ção mas também se estendem às teorias psicológi-
para que se saiba exatamente que capacidade cas sobre a personalidade. Isso faz a avaliação psi-
cognitiva cada instrumento disponível avalia. É pre- cológica muito mais importante do que se considera
ciso investir no desenvolvimento de novas provas habitualmente.
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