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SÉRIE: 77Z
VOLUME: 131
TÍTULO: SANGUE NA SELVA
CAPA: BENICIO
AUTOR: MIKE STANFIELD
EDITORA: MONTERREY
ANO DA PUBLICAÇÃO: 1981
PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 70,00
PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL


romulorangel@bol.com.br

DISPONIBILIZAÇÃO
BOLSILIVRO-CLUB.BLOGSPOT.COM.BR
Bolsilivro-club@bol.com.br

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SANGUE
NA
SELVA
MIKE STANFIELD

Capa de BENICIO

PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE

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EDITORA MONTERREY LTDA.
Rua Visconde de Figueiredo, 81
Caixa Postal 24.119 — ZC-09
20550 TIJUCA – Rio de Janeiro - RJ
Fones: 234-8398 e 248-7067
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© EDITORA MONTERREY LIMITADA


MCMLXXXI Publicação no Brasil
Composto e Impresso pela
GRÁFICA LUX LTDA.
Distribuído por:
FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não


tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer
semelhança terá sido mera coincidência.

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PRÓLOGO

Caía uma chuva fina e insistente sobre a diminuta aldeia


perdida no interior das selvas. Parecia ter-se estabelecido
uma tênue e quase opaca atmosfera cinzenta, formando uma
cortina líquida, estendendo-se do céu à terra. As águas,
batendo de encontro às copas das grandes árvores da
floresta tropical, gotejavam sobre os tetos de palha das
rudimentares cabanas, escorrendo ao longo de tortuosos
caminhos de terra e perdendo-se no interior da escura
jângal.
A aldeia devia ser composta de, no máximo, duas
dezenas de toscos e precários casebres, parcialmente
ocultos pela luxuriante vegetação e dispostos circularmente
em torno de uma clareira, aberta à guisa de praça única da
povoação e transformada, naquele instante, num vasto
lamaçal.
Indiferentes à chuva, alguns homens, trajando amplas e
folgadas mantas de algodão de vidro colorido, trabalhavam
em modestas roças de amendoim e juta, enquanto crianças
brincavam, alegres e descontraídas, chafurdando no barro
da clareira, atentamente vigiadas pelo olhar de suas mães,
que, sentadas à soleira das portas, trançavam pacientemente
tiras de vime, produzindo cestos e outros utensílios
domésticos.
Sabiam, por um conhecimento adquirido ao longo de
muitas gerações, que deveriam dar andamento às suas

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tarefas quotidianas enquanto não chegavam as fortes
tempestades trazidas pelo clima de monções, o que deveria
ocorrer dentro de um dia ou dois.
A aldeia, perdida no interior da floresta, parecia
constituir um mundo à parte, completamente isolado da
humanidade e onde não chegavam os ecos da civilização.
Durante séculos, eles e seus antepassados haviam
sobrevivido, em paz e tranquilidade, praticando a
agricultura de subsistência, mantendo-se à margem da
História e desconhecendo todas as comodidades e também
os perigos da vida moderna, ignorando guerras, revoluções,
cataclismos e conflitos. Como faziam desde tempos
imemoriais, viviam e deixavam viver.
Parecia ser extremamente improvável a ocorrência de
algum fato que pudesse perturbar a paz milenar que reinava
no mísero agrupamento de choças, um oásis de
tranquilidade mergulhado nas profundezas da jângal. Não
era razoável supor que o homem civilizado, acompanhado
por seu cortejo de avanços científicos, se dignasse sequer a
tomar conhecimento do lugarejo que nem ao menos
figurava nos mapas.
No entanto o impossível pode acontecer.
Os ecos da civilização chegaram sob a forma do ruído
característico de motores.
Os homens, inclinados sobre enxadas e ancinhos,
passaram a mão pelas testas molhadas e olharam na direção
da trilha de asnos que seguia para o sudoeste. As crianças
imediatamente cessaram seus folguedos, atentas ao rumor
tão raramente ouvido, erguiam-se lentamente na soleira das
portas, refletindo a expectativa e o medo em seus olhos
negros.
Alguns minutos depois era possível distinguir, por entre
as lianas enrodilhadas nos troncos das árvores, dois jipes

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que se aproximavam da clareira com grande dificuldade,
avançando aos arrancos em meio à lama. Seguiam os jipes
cinco ou seis homens a pé, botas rústicas de pele afundando
no solo encharcado.
Engrenando a primeira marcha com redução, os
motoristas dos jipes conseguiram conduzir seus veículos, a
muito custo, até o centro da clareira, afugentando as
crianças que ali se encontravam.
Saltaram do interior dos jipes oito homens trajando
túnicas de cores escuras, com predominância para o verde
e o preto. Todos eles empunhavam fuzis-metralhadoras de
fabricação moderna. Um deles, o que parecia ser o chefe do
grupo, utilizava um vistoso turbante verde-oliva, preso por
um medalhão de esmeraldas.
Tudo era silêncio. Abandonando suas roças, os homens
aproximaram-se dos oito indivíduos, enquanto estes
rapidamente se espalhavam por toda a clareira. As
mulheres, intrigadas, aproximaram-se dos veículos
estacionados, enquanto um dos meninos, de oito ou dez
anos de idade, chamava o seu cão, que se afastara
espavorido com o rumor dos motores:
— Volte, Rajay! Volte! Não há problema!
G pai do garoto fez-lhe um gesto e ele calou-se. As aves
da selva afastaram-se numa revoada, após emitir pios
agudos. O silêncio restabeleceu-se e somente foi quebrado
alguns minutes mais tarde pela voz forte do homem de
turbante verde:
— Quem é o chefe desta aldeia?
Instintivamente todos olharam para um ancião de seus
oitenta anos, de longas barbas, com o tronco inclinado sobre
uma bengala, e que acabara de chegar dos limites da
floresta. O velho aproximou-se do líder do grupo com
passos lentos, enquanto os homens de túnicas escuras

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faziam menção de apontar-lhe as armas. Com um gesto, o
moreno gigantesco de turbante verde fez com que os canos
dos fuzis-metralhadoras fossem baixados.
— Você é o chefe? — indagou o líder dos homens
armados, medindo o ancião de alto a baixo com um olhar
de manifesto desprezo. Este último sustentou o olhar e
respondeu, em voz mansa e pausada:
— Não, meu senhor. Aqui não existem chefes. Sou
apenas o homem mais idoso da aldeia. Oriento os jovens
quando eles pedem o meu conselho.
O homem de turbante não conteve um gesto de
impaciência.
— Quantos moram aqui, meu velho?
— Se o senhor me disser o propósito de sua visita,
poderei ajudá-lo de forma mais concreta.
Com a chuva escorrendo pela barba negra e cerrada, o
outro mirou fixamente o velho por alguns instantes. De
súbito ergueu a mão direita, apontando para os casebres. A
tensão era algo palpável, pairando no ar. Os habitantes da
aldeia não chegavam a compreender bem o que estava
ocorrendo, mas sabiam instintivamente que não poderia ser
nada de bom.
— Vamos! Façam seu trabalho!
O grito do homem de turbante verde, dirigido a seus
comandados, pareceu ser o sinal para que uma explosão de
violência ocorresse.
Rapidamente, como executando uma operação já
ensaiada, meia dúzia de indivíduos fechou o cerco em tomo
da clareira, apontando ostensivamente as modernas armas
para os espantados e indefesos aldeões. Os restantes
correram para as portas das. choupanas, afastando
rudemente as mulheres que ali se encontravam. Com
violentos chutes, derrubaram as portas que se achavam

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fechadas, invadindo as habitações e disparando os fuzis-
metralhadoras.
Uma das mulheres, que tentava desesperadamente
impedir a invasão de sua casa, foi brutalmente agarrada c,
com um safanão, lançada com o rosto na lama. Seu marido,
contemplando a cena, cego de fúria e angústia, tentou
desorientadamente reagir à bestial agressão.
— Hassan! Não!
Com a culatra do fuzil, um dos homens golpeou o rosto
do aldeão, que, freado em sua corrida em direção à mulher,
tombou de borco no barro, com o maxilar partido.
Aproximando-se, o indivíduo que o atingira pôs-se de pé
diante do nativo, descarregando-lhe com a arma violentas
pancadas nas costas, às vistas da mulher, que chorava e
gritava histericamente.
Com os lábios tremendo de indignação, o ancião saltou
sobre o homem de turbante verde, empunhando a bengala,
numa frágil tentativa de cessar com aquela violência
gratuita e inesperada:
— Por que fizeram isso? Por quê?
O líder estendeu a mão. A bofetada estalou no rosto do
velho.
— Fora, velhote. Você ainda não viu nada.
A esse tempo, o pânico era geral. Após destruir a
balaços os casebres os asseclas do homem de turbante
empurraram com o cano das armas as mulheres e crianças
para o centro da clareira, onde já se encontravam os
homens. Alguns foram arrastados pelo chão, como o
homem que tivera o maxilar quebrado. Ficaram todos ali,
espavoridos e desorientados, tremendo sob a chuva, sem
conseguir atinar com tudo o que ocorrera em tão pouco
tempo.

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Com o olhar turvo e a visão nublada devido à chuva, à
dor e às lágrimas, o ancião ergueu-se com dificuldade. Suas
vestes alvas estavam inteiramente enlameadas.
— Por quê esta violência? Não fizemos nada a vocês
nem a ninguém! O que querem de nós?
Uma criança iniciou um choro convulsivo.
— Pai, quem são eles? Por que bateram em mamãe?
O pai afagou os cabelos negros do garoto.
— Tenha calma, meu filho. Confiemos em Krishna, que
tudo sabe e tudo vê. É só o que nos resta fazer.
O homem de turbante verde-oliva olhou com cruel
satisfação para seus prisioneiros indefesos. Eram cerca de
quarenta a cinquenta pessoas, humildes e pacíficas,
amontoadas no centro da clareira, cercadas por uma dúzia
de indivíduos de aspecto truculento empunhando
firmemente as armas.
Um terrível pressentimento instalara-se no espírito dos
aldeões. De algum modo, sabiam que aquilo era o fim. Não
sabiam por que ou para que, mas tinham certeza de que a
morte estava próxima para todos eles. Enfim, a civilização
chegara, e da pior forma possível. Paciência. Restava
apenas aguardar a reencarnação, e se possível em forma de
árias.
O homem de turbante deu a ordem de atirar. Alguns
aldeões se espantaram. As mulheres começaram a gemer e
gritar, enquanto um total assombro e incompreensão
estampava-se no rosto das crianças. A maioria dos homens,
porém, fechou resignadamente os olhos e aguardou o
instante em que seus corpos seriam destroçados pelas balas.
Durante dois minutos os fuzis-metralhadoras
vomitaram, fogo continuamente sobre a massa humana.
Pouco a pouco os gritos e o choro foram se extinguindo.

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Alguns gemidos que ainda se ouviam foram rapidamente
silenciados por chuvas de balas de grosso calibre.
Quando a noite caiu, o único cadáver que ainda podia
ser distinguido com certa nitidez era de um menino de cerca
de dez anos, ensanguentado, e agarrando firmemente com
as mãos sem vida o corpo de seu cãozinho de estimação.
A chuva carregava através das trilhas da selva um rio
de sangue.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

Guerrilha no Oriente

Às sete horas da noite, enfrentar o tráfego pesado da


Oitava Avenida, em Nova Iorque, não é propriamente uma
tarefa agradável. Muito embora a população que trabalha no
centro da Capital do Ocidente prefira o metropolitano para
deslocar-se, os poucos que constituem exceção são
suficientes para promover os engarrafamentos das grandes
avenidas, como o que ocorria naquele instante.
No entanto um superesportivo Maseratti Bora dourado
conseguia, a custo, esquivar-se por entre as longas filas
formadas por automóveis maiores, evitando o trecho mais
problemático, em frente do Macy's, e prosseguindo adiante
da 14th Street.
O motorista do carro fora de série acompanhou o
tráfego por mais uns quinhentos metros e então parou, na
esquina da Oitava Avenida com a 23nd Street, próximo ao
Christopher Sherican Square. A fim de não prejudicar o
tráfego dos demais veículos, o motorista do Maseratti abriu
rapidamente a porta do carro. Um homem alto e magro, de
sobretudo cinza, entrou rapidamente no veículo e este
reencetou sua marcha ao longo da Oitava Avenida,
entrando logo adiante à direita na 42nd Street, rumo a
Columbus Circle.

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O proprietário de um esportivo italiano tão especial só
poderia ser, também, um homem especial.
De fato. O homem alto, louro, de traços viris e
expressão decidida que conduzia o espetacular Maseratti a
sessenta quilômetros por hora em primeira marcha através
de Columbus Circle, exigindo o motor a cinco mil rotações,
era, na verdade, o internacionalmente conhecido playboy
Horace Young Kirkpatrik.
Físico atlético, cerca de trinta e cinco anos, Kirkpatrik
exercia a função de presidente da poderosa empresa K.K.K.
Steel, Ltda.., um consórcio de usinas de aço com filiais em
praticamente todo o mundo.
Jovem, milionário, inteligente e bon-vivant, Kirkpatrik
era invejado pelos homens e idolatrado pelas mulheres, que
viam nele o tipo masculino ideal. De modo descontraído, o
presidente da K.K.K. Steel, habitando suntuosas mansões e
frequentando o jet-set internacional, ia cultivando a sua
imagem e exercendo irresistível fascínio sobre o sexo frágil.
Porém, o que pouquíssimas pessoas sabiam era que,
além de empresário bem-sucedido, Kirkpatrik atuava pela
Central Intelligence Agency, a CIA norte-americana, como
o agente 77Z, a serviço do Departamento 77, um dos mais
secretos setores da organização de espionagem. Graças ao
seu estilo de vida alegre e informal, embora altamente
refinado e sofisticado, Horace Young Kirkpatrik conseguia
ocultar este aspecto de sua atividade, o de agente secreto.
Algumas vezes atuava também como o temido Máscara
Negra, espião de triste memória para os inimigos, quando
se encontrava a serviço do DCA (Department of Couvert
Activities), seção da CIA dedicada a promover atentados
políticos, sequestros, sabotagens e operações reservadas
semelhantes.

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A seu lado, no banco dianteiro do Maseratti Bora,
sentava-se Mr. Lattuada, um homem de cerca de cinquenta
anos, alto e magro, rosto sulcado por rugas profundas e,
surpreendentemente, aparentando jovialidade. Como um
dos diretores da CIA, Mr. Lattuada, o responsável pelo
Departamento 77 da CIA, constituía-se no chefe direto de
Horace Young Kirkpatrik, o agente 77Z.
Com a mão esquerda, enquanto mantinha a atenção
presa ao tráfego, o louro espião acendeu um cigarro Avrupa,
turco, aromático e de forma ovalada, enquanto oferecia a
caixa a Mr. Lattuada. Tragou a fumaça com visível prazer.
— Por que todo este mistério, chefe?
— Não se trata de um enigma, Horace. Cheguei há
poucas horas da central da CIA, em Langley, e telefonei em
primeiro lugar para seu escritório. Como você não se
encontrava lá, deixei recado em sua casa para se encontrar
comigo na esquina da Oitava com a Vinte e Três.
O agente 77Z lançou uma baforada, enquanto desviava-
se de um Chevrolet Corvette.
— Com efeito, estive em meu escritório regional de
Pittsburgh. Ocorreram alguns imprevistos com relação aos
meus negócios. Na verdade, o fornecimento de minério de
ferro para as minhas aciarias na índia foi drasticamente
cortado, e eu tive que informar-me a respeito da situação.
De qualquer modo, o que prefere, Mr. Lattuada? Vamos ao
restaurante chinês, o ponto de encontro secreto, ou ao
escritório central?
— Vamos ao escritório. Lá poderemos ficar mais à
vontade.
Eram quase oito horas quando o Maseratti Bora entrou
no estacionamento subterrâneo do edifício-sede da K.K.K.
Steel, Ltda. Kirkpatrik e Mr. Lattuada subiram até o último

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andar do prédio, onde se situava o escritório central
particular do milionário playboy louro.
Na ante-sala do escritório, depararam-se com Miss
Ventura Marble, secretária executiva de Kirkpatrik, que, ao
vê-los, levantou-se da cadeira como se impulsionada por
poderosa mola.
— Mr. Kirkpatrik! Até que enfim chegou! Eu já
começava a ficar preocupada, e...
Calou-se bruscamente ao notar Mr. Lattuada
acompanhando seu chefe. Miss Marble, uma cinquentona
alta e espigada, solteira, trabalhava durante muito tempo na
K.K.K. Steel, e sua lealdade à instituição era a razão de ser
da sua vida. A par disto, desenvolvera, devido aos seus
instintos maternais, uma atitude de superproteção dirigida
ao jovem presidente da empresa, a quem procurava
afanosamente defender dos perigos e armadilhas da vida.
Por esta razão, sentia uma instintiva aversão a Mr. Lattuada,
a quem ela conhecia sob a identidade de Mr. Smith, e que
julgava ser um homem ligado a todos os vícios e perversões
existentes na terra, um verdadeiro Sardanapalo prestes a
desencaminhar o inexperiente Mr. Kirkpatrik mediante
orgias e bacanais dignas de um sabbath. Evidentemente a
secretária desconhecia a verdadeira atividade e identidade
de Mr. Smith, mas sabia que, quando seu chefe era por ele
visitado, invariavelmente partia em viagens que chegavam
a durar semanas, e regressava com o aspecto característico
de ter enfrentado mil perigos.
Baixando os olhos para o chão, Miss Marble
murmurou:
— Perdão, Mr. Kirkpatrik. Não percebi que estava
acompanhado por Mr. Smith...
O presidente da K.K.K. Steel fitou a secretária com um
sorriso nos lábios.

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— Não se preocupe, Miss. Marble. Está tudo bem. Não
tive tempo de me comunicar com o escritório. De qualquer
modo, agradeço-lhe pelo interesse.
Ruborizada, a secretária manteve o olhar fixo no chão.
— Ademais, o expediente já terminou. Não seria justo
retê-la por mais tempo. Sei que se preocupou por mim, mas,
como vê, estou bem. E agora preciso trocar ideias com Mr.
Smith.
Inquieta, Miss Marble conseguiu tartamudear:
— Vai ficar... a sós... com Mr. Smith?
Emitindo um suspiro, Kirkpatrik apoiou ambas as mãos
nos ombros da secretária.
— Por favor, Miss Marble. Temos um assunto urgente
a tratar. Prometo que me manterei longe de confusões e
encontros indecentes, se é o que teme. Agora, peço-lhe, vá
para casa antes que se instale uma fila imensa no guichê de
Bowling Green.
Desconsolada, mas impedida de resistir às instruções de
seu patrão, Miss Marble retirou-se, vociferando contra a
presença de Mr. Smith e as tentações do vício. Foi seguida
e contemplada por um sorriso cínico da parte do nebuloso
diretor da CIA.
Os dois homens penetraram no escritório particular.
Kirkpatrik trancou a porta e, enquanto Mr. Lattuada
acomodava-se numa poltrona, o presidente da K.K.K. Steel
serviu duas doses de bourbon com cubos de gelo.
— Estou às suas ordens, Mr. Lattuada — disse o louro,
sorvendo um gole da bebida.
O diretor da CIA abriu a pasta que apoiara sobre os
joelhos.
— Temos mais uma missão para você, Horace. E é
muito perigosa.
O agente 77Z sorriu.

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— Não é difícil imaginar isso. Raramente os nossos
encontros ocorrem por motivos puramente sociais. O que
ocorreu desta vez no mundo, preocupando a CIA e exigindo
a minha intervenção?
— Trata-se de uma situação muito grave ocorrendo no
Oriente.
— Ora, chefe! Aprecio muito o Oriente, mas, há não
muito tempo, estive no Japão e não fui recebido de modo
propriamente amistoso. (*)

(*) ver ESTATUETA ASSASSINA, Vol. 127 desta


coleção.

Mr. Lattuada estendeu para Kirkpatrik um dossiê


contendo vários carimbos de Top Secret na capa.
— Sei disso, Horace. Realmente você teve muita sorte
em conseguir escapar com vida das garras dos Dragões do
Deserto. No entanto nossos problemas atuais residem no
Kafir. Conhece esse país?
— Claro! Uma nação pequena, situada a nordeste da
Índia, no meio das selvas, numa situação estratégica entre
Bangladesh, Burma, o Butão e a China. É um dos
remanescentes dos pequenos protetorados mantidos pelos
ingleses naquela região, no tempo do Império Britânico.
Afora a sua importância estratégica, dispõe também de
grandes reservas de minério de ferro. E é justamente por
isso que vem me provocando aborrecimentos.
— Como assim, Horace?
— Eu estava importando minério do Kafir para minhas
usinas de aço a nordeste da Índia, mais precisamente em
Calcutá e Patna. No entanto, parece que, devido a
revoluções que estão ocorrendo no país, a única estrada de

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ferro do Kafir foi dinamitada por guerrilheiros, e perdi uma
grande remessa.
— Exatamente. É a guerrilha que está afetando nossos
interesses no Kafir.
Enquanto Kirkpatrik acendia um longo cigarro
aromático, Mr. Lattuada prosseguiu:
— Na verdade até o ano 1948 o Kafir era governado por
um sultão. Nesse ano, um golpe de estado aboliu a
monarquia e o país adotou o regime republicano, vivendo
em boas relações com os seus vizinhos. Entretanto, desde
que o atual presidente foi empossado, em 1976, a nação
vem sendo sacudida por uma série de conflitos internos.
Uma frente nacional de oposição ao regime do presidente
Jaya Bahadur foi formada, e isso degenerou na guerrilha
que agora assola o país.
— Quais são, na verdade, as tendências políticas do
regime?
— O presidente Bahadur é nosso amigo e aliado.
Inclusive, estão sendo articulados os preparativos para uma
visita oficial que ele fará ao Presidente Reagan no final do
ano, em Washington.
— Nesse caso, a guerrilha deve ser de esquerda.
Mr. Lattuada tomou mais um gole de bourbon.
— Pelo que nos informou Bahadur, eles são pró-
Pequim. Mas isto não é o mais grave. O pior de tudo é que,
desde que começaram a agir, há cerca de um ano, os
guerrilheiros estão tentando afogar o Kafir num mar de
sangue. Além dos atentados e sequestros políticos já
previsíveis no caso, e das ações terroristas voltadas contra
o patrimônio do Kafir e os interesses ocidentais, eles
voltaram sua fúria criminosa contra os próprios nativos do
país, promovendo verdadeiros massacres entre a população.
Kirkpatrik refletiu durante alguns minutos.

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— Isso não faz sentido, Mr. Lattuada. Que os
guerrilheiros e terroristas atentem contra a vida e o
patrimônio de cidadãos do Ocidente ou de representantes
do governo, e mesmo que desejem prejudicar seriamente os
interesses norte-americanos no país, é algo compreensível
e lógico, dada a sua orientação política. No entanto eles não
podem pretender a vitória agindo contra o próprio povo. Em
geral, os movimentos guerrilheiros que não contam com o
apoio popular estão irremediavelmente fadados ao fracasso.
— Eu sei, Horace. É justamente o que está ocorrendo
no Kafir. A fim de conjurar o perigo, Bahadur implantou o
estado de sítio e a lei marcial no país, recorrendo ao auxílio
dos militares. Segundo os últimos informes da CIA, o Kafir
parece um campo de batalha. Bahadur, sentindo que está
arriscado a perder o controle da situação, solicitou
urgentemente o nosso auxílio-.
— Para liquidar a guerrilha, claro.
— Justamente.
— E como faremos isso? Enviando técnicos, tropas,
assessores militares, material bélico e o mais?
— Não. Enviando você.
Kirkpatrik permitiu-se emitir uma risada.
— Ora, por favor, Mr. Lattuada!
— É isso mesmo, Horace. Nossos analistas políticos
chegaram à conclusão de que uma intervenção armada
convencional no Kafir seria prejudicial e contraproducente,
dado o estado de tensão por que passa o mundo atualmente.
O nosso auxílio em caráter oficial a Bahadur certamente
provocaria violentos protestos do mundo inteiro, sem falar
nos russos, chineses e indianos. A situação poderia
deteriorar-se rapidamente com o nosso envolvimento e o
Kafir transformar-se num novo Vietnam. Você sabe que
nossos homens no Pentágono não suportam mais ouvir falar

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em guerrilha nas selvas. Além disso, o risco é muito grande.
Tropas americanas no Kafir podem ser o estopim para um
conflito de proporções bem maiores. E o perigo do
holocausto nuclear é um fantasma que não pode ser
afastado.
O louro milionário suspirou profundamente.
— E por tudo isso eu sou o encarregado de ir lá, matar
todos os guerrilheiros e, como um cowboy de filmes classe
B, salvar o mocinho Presidente Bahadur do perigo que
corre. Sabe, Mr. Lattuada? — Kirkpatrik estalou os dedos
de repente —, até que a coisa não é tão difícil de ser feita.
— Como assim? — o diretor da CIA inclinou-se para a
frente, interessado.
— Claro — redarguiu o agente 77Z —, vou explicar-
lhe meu plano, que é muito simples: em primeiro lugar,
telefono para o Super-Homem e o Capitão América.
Depois...
— Sem sarcasmos, Horace, por favor. Na verdade, o
DCA apresentou um projeto não muito difícil de ser
executado, embora envolva altos riscos para você.
— Então deverei atuar como o Máscara Negra.
— Exato. Seria impossível e desnecessário liquidar
todos os guerrilheiros. Portanto sua missão consiste em,
chegando ao Kafir, localizar o quartel-general dos
terroristas e executar os três líderes mais importantes. Feito
isto, deixaremos que o próprio exército regular dos
kafireses se encarregue de desmantelar a organização da
guerrilha.
Kirkpatrik espalmou as mãos sobre a mesa.
— Mr. Lattuada, você sabe muito bem que eu detesto
esse tipo de missão. Considero nojento matar pessoas a
sangue-frio, assassinar homens que jamais vi em minha
vida e que nunca me fizeram mal algum, pessoalmente.

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— Sim. No entanto você não estará lidando com seres
humanos normais. Esses indivíduos, gente extremamente
cruel, são verdadeiras bestas-feras, capazes de perpetrar
crimes horríveis. Há poucos dias um comando guerrilheiro
atacou uma pequena aldeia no interior da selva,
massacrando mais de cinquenta pessoas, entre homens,
mulheres e crianças. Foi uma chacina fria, bestial e
desnecessária. As crianças também jamais fizeram mal
algum a esses guerrilheiros. Veja as fotos distribuídas pela
agência oficial de notícias do Kafir.
Abrindo o dossiê, o diretor da CIA mostrou um grosso
maço de fotografias tiradas no que restara da aldeia após o
ataque. Kirkpatrik folheou algumas e, fechando os olhos,
recusou-se a prosseguir.
— Está bem, Mr. Lattuada. Aceito a missão.
— Ótimo, Horace. Já está tudo preparado segundo o
plano traçado pelo DCA. Como já foi feito em ocasiões
anteriores, você irá ao Kafir sob a identidade de Horace
Young, jornalista a serviço do News Globe, pretextando
cobrir os últimos acontecimentos no país. (*) O Ministro da
Informação do Kafir, Coronel Yahya Nadur, foi
cientificado e deverá dar-lhe todo o apoio enquanto você
estiver lá. Tropas do exército kafirês vão levá-lo até
próximo da zona ocupada pelos guerrilheiros, uma vez que
você apresentar-se-á como correspondente de guerra. A
partir daí localizar o esconderijo dos chefes terroristas e
executá-los corre por sua conta. Será muito arriscado, você
já percebeu, e por isto terá que contar ao máximo com sua
sorte e inteligência. Feito o serviço, é necessário regressar
à zona controlada pelo exército para poder ser resgatado.

(*) ver ANTIMATÉRIA, Vol. 126 desta coleção.

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Mr. Lattuada extraiu mais algumas fotos do dossiê.
— Veja, Horace, estes são dois dos líderes que você
deve eliminar.
Kirkpatrik examinou o primeiro grupo de fotos.
Retratavam um homem jovem, cerca de trinta e cinco anos,
de cabelos negros e curtos, de rosto fino fortemente
amorenado, ostentando um meio sorriso.
— Esse é Zakir Al-Muhtad, mais conhecido como
Comandante Vermelho. É o líder das minorias muçulmanas
do Kafir e chefe geral de operações de guerrilha. Trata-se
do cérebro militar dos terroristas, segundo nossas
informações.
O segundo homem retratado era inteiramente diferente.
Alto, corpulento, de rosto redondo e barba negra cerrada,
aparecia em todas as fotos utilizando um turbante verde-
oliva.
— Você está vendo Sanjay Ladak, o ideólogo do grupo.
Trata-se de um indivíduo insubstituível dentro da
organização guerrilheira, pois mantém contato com o
terrorismo mundial e é provavelmente o conseguidor de
fundos financeiros, armas e munições para a guerrilha. Sem
ele, os terroristas estarão perdidos.
Kirkpatrik depositou os retratos sobre a mesa.
— Mr. Lattuada, você falou há pouco em três líderes.
— Sim. E o terceiro, que é justamente o chefe de toda a
organização, não é por nós conhecido. Não temos fotos e
nem ao menos sabemos o seu nome verdadeiro. Tudo o que
sabemos a respeito dele é que se faz chamar Comandante Z.
A sombra de um sorriso passou fugaz pelos lábios do
louro milionário.
— Como que então, além de assassinar esses dois
figurões, que devem dispor de uma segurança brutal, tenho

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ainda que descobrir a verdadeira identidade do misterioso
Comandante Z para executá-lo em seguida?
— Certo, Horace. A missão é tão perigosa que os altos
escalões me consultaram a respeito e o único nome que
pude apontar foi o seu.
— Muito obrigado.
— Vou ignorar a sua ironia. De qualquer modo, para
proteger a sua identidade de 77Z, estamos enviando para o
Kafir um outro agente da CIA, cuja missão é exatamente
não fazer nada. Assim, quando o caso for resolvido, o
serviço secreto do país acreditará que foi o outro espião
quem agiu na realidade. Ele deverá circular pelo país, dando
a impressão de que procura os guerrilheiros.
— Mas... Violet não me acompanhará nesta missão? (*)

(*) ver MISSÃO: MATAR, Vol. 123 desta coleção.

— Não. Sua companheira do Departamento 77


encontra-se agora no Irã. Em resumo, você não terá o
auxílio da agente 77Y nem de mais ninguém. Confiamos
plenamente na sua capacidade.
Contrafeito, Kirkpatrik serviu mais duas doses de
bourbon.
— Está bem. De mais a mais, essa guerrilha trouxe-me
razoáveis prejuízos financeiros. Portanto, enquanto sigo
para o Kafir, vou eximir a CIA do pagamento pelos lucros
cessantes da K.K.K. Steel, já que, resolvendo o problema
da Agência, resolvo também o meu. De um modo insólito,
é claro, pois ninguém espera que um dirigente de empresas
prejudicadas parta para executar pessoalmente líderes
terroristas. Se esses guerrilheiros malucos não tivessem
cometido tantas atrocidades, eu nem pensaria na
possibilidade de arvorar-me em anjo exterminador.

— 24 —
Mr. Lattuada levantou-se da poltrona, estendendo um
envelope pardo ao louro milionário.
— Aqui estão as passagens para o Kafir. Voo 1014 da
Air índia de Nova Iorque a Calcutá e voo 003 da Royal
Nepal Airlines de Calcutá e Rasham, capital do Kafir.
Esteja amanhã às oito no Aeroporto Kennedy.
Os dois homens apertaram-se as mãos, enquanto Mr.
Lattuada fitava atentamente o louro milionário.
— Boa sorte, Horace.
Após a saída do diretor da CIA, Kirkpatrik esteve
refletindo por muito tempo, com as mãos cruzadas atrás da
nuca e o cigarro aromático preso aos lábios. O copo de
bourbon com gelo, seu drinque predileto, repousava sobre
a mesa.
Por fim o agente 77Z apagou as luzes e deixou o
escritório.

— 25 —
CAPÍTULO SEGUNDO

Encontro marcado com a morte

As ruas de Rasham, capital do Kafir, davam à cidade a


aparência de uma vasta e contínua feira. Pouquíssimos
automóveis eram visíveis. A população, formada por
elementos hindus, trajados com amplas túnicas e turbantes
de cores vistosas, preferia deslocar-se a pé, ou, no máximo,
em rickshaws. As mulheres usavam vestes amplas, de cores
claras, e, com um véu a cobrir-lhes os rostos, deixando
entrever apenas os olhos, geralmente negros e grandes,
circulavam por entre os inúmeros bazares, que, tendo à
porta alegres comerciantes, anunciavam aos gritos a mais
variada e esdrúxula gama de mercadorias, desde cassete-
decks japoneses a lâmpadas de azeite, passando por tapetes
iranianos e pastéis de carne.
Constrangido e dobrado numa posição ridícula dentro
do rickshaw, devido aos seus quase dois metros de altura,
Kirkpatrik contemplava interessado a parafernália
multicolorida que se estendia à sua frente. O coolie que o
transportava foi obrigado a deter-se, com o tráfego
impedido por um encantador de serpentes, que, executando
uma música suave em sua flauta, fazia uma ameaçadora
naja elevar-se de dentro do cesto de vime que habitava.
Abrindo caminho entre a multidão, o condutor do
rickshaw enveredou por ruelas estreitas, onde abundavam

— 26 —
homens que comiam fogo, Hércules de feira que lutavam
por algumas rúpias e faquires que apregoavam suas
incríveis façanhas.
Kirkpatrik começou a desconfiar seriamente que o
coolie que contratara não chegara a entender nada das suas
instruções. Afinal em Kafir eram falados vinte dialetos
hindus, mas um homem que se postava no modesto
aeroporto à espera de visitantes estrangeiros deveria pelo
menos conhecer o inglês.
— Meu amigo... — começou o louro milionário,
sacudindo o ombro de seu condutor.
— Senhoro? Senhoro?
— Eu disse que queria ir ao Ministério da Informação.
Entendeu? Ministério da Informação — o americano
pronunciou lentamente as sílabas.
— Oh, sim, senhoro! Zafed está indo para lá.
Disputando espaço nas ruas com os mercadores que
expunham seus artigos, anunciando suas qualidades em
altos brados, o americano conseguiu finalmente chegar à
frente do suntuoso edifício que abrigava o Ministério da
Informação. Destoava completamente das edificações
populares que compunham a cidade, por ser um prédio
moderno, de vinte andares, com fachada luxuosa e
composto em vidros fumê e esquadrias de alumínio
anodizado.
Kirkpatrik anunciou-se na recepção do ministério, e,
após uma espera de três quartos de hora, foi introduzido no
gabinete do ministro. O coronel Yahya Nadur, alto, magro,
de rosto afilado e entradas violentas por entre os cabelos
negros, lembrava exatamente um abutre em expectativa.
— Mr. Kirkpatrik! É um grande prazer para mim
conhecê-lo pessoalmente. Sou um grande admirador seu,

— 27 —
devido aos artigos que assina habitualmente para o seu
jornal, o News Globe.
Kirkpatrik reprimiu um sorriso irônico. Era mais do que
evidente que aquele militar, envergando a impecável farda
marrom escuro e com o peito coberto de condecorações,
estava simplesmente tentando ser simpático, sem ter ouvido
falar uma vez só na vida em Horace Young Kirkpatrik,
correspondente de guerra do News Globe, de Nova Iorque.
— Coronel Nadur, agradeço suas palavras. Na verdade,
tenho grande satisfação em poder ser útil ao senhor e ao seu
país, contribuindo para divulgar a imagem do Kafir por todo
o Ocidente.
Sentado à suntuosa escrivaninha de mogno, o Ministro
da Informação ofereceu um cigarro ao correspondente
estrangeiro, que foi prontamente aceito.
— Washington informou-me de sua chegada, Mr.
Kirkpatrik, e garantiu que o senhor é um homem de grande
prática e habilidade no setor jornalístico, sendo, portanto,
capaz de transmitir ao mundo informações verídicas e
completas a respeito da situação do Kafir. Como não
ignora, estamos lutando com graves problemas internos,
causados pelos guerrilheiros comunistas. Porém,
acreditamos que, com o auxílio solicitado ao seu país,
possamos conjurar esta ameaça e prosseguir em nossa linha
de neutralidade, visando sempre em primeiro lugar o bem-
estar do povo e a manutenção de nossas tradicionais
relações fraternais de amizade com o Ocidente, em
particular com os Estados Unidos.
— Meu propósito, como o de qualquer correspondente,
é simplesmente servir à verdade, Ministro. Meu país tem
grande simpatia pela sua luta, e devo confessar que,
pessoalmente, também a sanciono. Afinal trata-se da
heroica resistência de um povo simples e trabalhador contra

— 28 —
a sanha de um grupo organizado de malfeitores, orientado
por forças estranhas à nação kafiresa. Pretendo revelar ao
mundo toda a extensão da batalha que o Kafir vem travando
em benefício de sua segurança, tranquilidade social e paz
interna.
O coronel Yahya Nadur sorriu, satisfeito.
— Percebo que o senhor é um homem de grande
sensibilidade jornalística e política, Mr. Kirkpatrik. Ficarei
satisfeito por providenciar os meios para que se desloque
até as cercanias da região em que atuam os guerrilheiros.
Assim, poderá ver, ouvir e sentir toda a realidade da
situação.
-— Muito obrigado, senhor Ministro. Procurarei dar o
melhor de mim na série de reportagens que pretendo enviar
ao News Globe.
— Perfeito. Onde está hospedado, Mr. Kirkpatrik?
— Ehr... acabei de chegar de Calcutá, e...
— Recomendo-lhe o Rajastan Hotel. É o melhor da
cidade. Caso tenha a gentileza de hospedar-se nesse hotel,
enviarei amanhã de manhã um carro aguardá-lo para que
possa executar o seu serviço. A que horas seria
conveniente?
— Bem... costumo acordar cedo. Digamos, às sete
horas.
— Combinado, Mr. Kirkpatrik. É uma longa viagem até
a região devastada pelos guerrilheiros. Às sete horas o
tenente Ufshar estará esperando-o em frente do hotel.
O agente 77Z despediu-se do Ministro da Informação
do Kafir com um aperto de mãos e dirigiu-se para o
elevador. Percorreu inúmeros corredores movimentados e,
por fim, atingiu as amplas escadarias da saída do edifício.
Enquanto observava atentamente a rua, procurando algum

— 29 —
coolie ou táxi que passasse, uma jovem aproximou-se
casualmente dele.
Com olho de conhecedor, o louro milionário avaliou a
garota. Tipicamente hindu, apresentava-se com um véu
branco ocultando o rosto. Porém, com véu ou sem véu,
Kirkpatrik, catedrático quanto ao conhecimento de
mulheres bonitas, adivinhou que estava em presença de
uma moça simplesmente monumental. Os longos cabelos
negros desciam para as costas, enquanto os olhos da mesma
cor, grandes e ingênuos, fitavam-no como se hesitassem
quanto a sua abordagem.
Por baixo da longa túnica branca, o agente 77Z
percebeu um corpo espetacular. A moça era de altura média
e muito bem proporcionada, fazendo com que o playboy
americano sonhasse com curvas morenas suaves e
convidativas. Seu rosto de traços agradáveis e bem
definidos, lábios grossos e sensuais, traía as características
de sua raça.
Kirkpatrik fitou as pupilas da garota e pensou em algum
tipo de aproximação oriental, que se adequasse ao caso.
Algo, talvez, ao estilo do Kama Sutra. Não teve tempo,
porém, de exercitar sua erudição.
— Você é o jornalista americano Kirkpatrik? — a
jovem kafiresa pronunciou estas palavras em perfeito
inglês, enquanto olhava para o movimento na rua, dando a
exata impressão de que não se dirigia ao louro milionário.
Kirkpatrik percebeu o jogo. Displicentemente,
murmurou:
— Sim, sou Kirkpatrik. Por que este mistério todo?
— Não fale mais nada. Meu nome é Hammia. Pegue
com discrição o bilhete que vou lhe passar e ignore
totalmente a minha presença.

— 30 —
Enquanto fingia procurar um táxi, Kirkpatrik
aproximou seu corpo da bela kafiresa. Num movimento
imperceptível sua mão esquerda agarrou o pedaço de papel
que a moça mostrou durante uma fração de segundo. Depois
disso permaneceram relativamente próximos um do outro,
durante cerca de um minuto, até que a belíssima morena fez
parar um Rick Shaw e nele acomodou-se, afastando-se ao
longo da rua.
O agente 77Z desceu os últimos degraus da escadaria
do prédio do Ministério da Informação e abordou um
coolie:
-— Amigo, há algum restaurante que você me
recomende aqui nesta cidade?
— Sim, senhor! O Wonderful Indian é excelente para
turistas!
— Ótimo. Vamos para esse lugar.

***

No semilário do Wanderful Indian, Kirkpatrik releu o


singelo bilhete que lhe fora entregue pela morena
espetacular:
Disponho de informações importantíssimas sobre a
guerrilha no Kafir. Procure Hammia às onze da noite em
Raysingh Plaza.
Retornando à sua mesa, o agente fora de série da CIA
informou-se com o garçom quanto à localização de
Raysingh Plaza e pagou dez rúpias pelo infame uísque que
lhe fora servido.
A noite estava relativamente fresca. Kirkpatrik decidiu
caminhar até o local do encontro. Os espalhafatosos
mercadores já se recolhiam a suas casas e as ruas de Rasham
começavam a tomar um aspecto mais tranquilo, pra não

— 31 —
dizer deserto. O agente 77Z, como espião que era, e
cumprindo as tarefas de um correspondente de guerra
comum, não poderia furtar-se à chance que lhe surgira de
obter informações sobre a guerrilha. Mesmo que este
convite, feito de modo furtivo pela bela e misteriosa
Hammia, pudesse significar uma armadilha, Kirkpatrik
estava preparado para qualquer eventualidade. Uma cilada
preparada pelos kafireses deveria ser tão primária que não
poderia escapar à arguta observação do experiente agente
secreto.
Raysingh Plaza não passava de um parque deserto nos
limites da cidade. Havia uns poucos bancos utilizáveis, um
chafariz em ruínas da época do sultão e o restante da
espaçosa praça estava tomado por grandes árvores e
formações irregulares de arbustos que há decênios não
conheciam poda. Kirkpatrik estremeceu, imaginando que,
em Nova Iorque, aquele local seria o paraíso para os
assaltantes do gueto porto-riquenho.
Cautelosamente, com todos os sentidos em estado de
alerta, o louro milionário embrenhou-se entre os arbustos,
chamando em voz apenas audível:
— Hammia! Sou Kirkpatrik, o americano!
O silêncio só era quebrado pelo ruído emitido por
algumas cigarras. Kirkpatrik começou a inquietar-se. Sua
mão direita dirigiu-se para a Mauser calibre 38 que se
encontrava no bolso interno do paletó. Pressentia que havia
algo errado naquela situação.
Consultou o relógio, um Universal Genève de
construção especial. Onze em ponto. Não havia dúvida
cabível; um perigo mortal pairava no ar. Se se tratasse de
uma emboscada, não dispunha de recursos para localizar os
eventuais agressores, em meio à escuridão.

— 32 —
Em vista das circunstâncias, Kirkpatrik decidiu-se por
desistir do encontro. Veloz e silenciosamente, afastou os
galhos dos arbustos, caminhando em direção de uma rua
fracamente iluminada por míseras lâmpadas de duzentos
watts.
Foi então que ouviu o gemido. Repetiu-se por mais uma
vez, apenas. Parecia vir do matagal à esquerda do agente
fora de série da CIA. Raciocinando rapidamente, o agente
77Z dirigiu-se para o local, de arma em punho.
Hammia estava estendida sobre as folhagens, com uma
enorme mancha de sangue sobre o seio direito. O louro
milionário rapidamente afastou a parte superior da túnica da
infeliz kafiresa, examinando a extensão do ferimento de
bala.
— Americano...
— Não diga nada, Hammia. Poupe suas forças. Vou
levá-la a um hospital agora.
— Não... é inútil... não se preocupe por mim,
Kirkpatrik...
O agente 77Z percebeu que o pulmão da bela morena
fora atingido por uma bala de grosso calibre. Seria
improvável a sua sobrevivência. Amparou-a com os braços,
sentindo o sangue de Hammia escorrer entre suas mãos.
— Não sinto dor alguma, americano... é incrível... não
sinto nada...
Um nó na garganta de Kirkpatrik impediu-o de falar
durante alguns segundos. Notou que a garota estava
morrendo. O fato de não falar não iria prolongar-lhe os
últimos instantes de vida.
— Quem lhe fez isso, Hammia? Quem foi?
Hammia tentou sorrir. Seus lábios retorceram-se num
trágico esgar.

— 33 —
— Não... desista, americano... prossiga... encontre os
guerr...
Uma forte golfada de sangue emergiu por entre os
lábios de Hammia, abafando suas últimas palavras. Com
um espasmo repentino, seu corpo imobilizou-se para
sempre, enquanto os olhos vidrados fitavam o amplo céu
estrelado.
Com o olhar perdido, Kirkpatrik manteve durante
algum tempo o corpo de Hammia entre seus braços. Sentia
um calor abrasante nascer em seu estômago e migrar até o
cérebro, fazendo o coração bater mais forte. O ódio que
nascera em si era um sentimento palpável, real,
contaminando todos os nervos e fibras de seu corpo.
Fechou piedosamente os olhos da desditosa Hammia,
assassinada na flor da idade, e depositou cuidadosamente o
seu cadáver entre os arbustos. Erguendo-se, caminhou
decidido e impávido para os limites do parque.

— 34 —
CAPÍTULO TERCEIRO

Visão insólita em meio à selva

O chinês levantou-se lentamente da poltrona que


ocupava, e, com gestos metódicos, serviu-se de uma dose
de conhaque.
À fraca iluminação do gabinete, os traços do oriental
não podiam ser identificados com precisão. Notava-se,
porém, que era baixo e forte, com o tronco sólido em
flagrante desproporção com as pernas invulgarmente
curtas. Inteiramente calvo, apresentava o rosto redondo,
chato e suado devido ao calor reinante, quase que encoberto
por óculos de lentes grossas e finos aros, de ouro, atrás dos
quais brilhavam com uma centelha maligna os olhos
amendoados característicos de sua raça. O crânio, de forma
quase que esférica, mostrava-se grande demais em relação
ao corpo do chinês, e encontrava-se perlado por inúmeras
gotículas de suor.
Volvendo o rosto, o chinês ficou de frente para o
homem sentado atrás de uma escrivaninha, nos fundos do
gabinete, cujo rosto permanecia inteiramente oculto pela
penumbra.
— Chegaram dois americanos hoje — murmurou.
A chama de um isqueiro acendeu-se próxima ao homem
sem face.
— Eu sei. O jornalista Kirkpatrik e o misterioso Doyle.

— 35 —
— Qual deles é o agente da CIA? Ou serão ambos?
— Sem dúvida é Doyle. Chequei o currículo de
Kirkpatrik no News Globe. Trata-se realmente de um
correspondente de guerra. Já cobriu o Vietnam, o Irã e a
Nicarágua, entre outros países.
— Tem certeza?
— Claro. Minhas fontes em Nova Iorque são quentes.
O amarelo passou um lenço pela ampla testa suada.
— Perfeito. Então quem vai morrer é Kirkpatrik.
Ouviu-se um movimento por trás da escrivaninha.
— Acha mesmo necessário matá-lo, Pei Ling?
— Evidentemente. Será o lance perfeito. Tenho tudo
planejado. Deixaremos Doyle agir à vontade e a carcaça de
Kirkpatrik apodrecerá nas selvas do Kafir. Feito isso,
nossas chances de sucesso estão garantidas.
— Seu plano é complicado, Pei Ling.
O chinês sorriu, retorcendo os finos lábios de forma
cruel.
— O Lien Lo Pou, nosso serviço secreto, dispõe das
grandes virtudes orientais: a paciência e a perseverança. De
um modo ou de outro, enveredando às vezes por caminhos
estranhos, sempre chegamos onde queremos. Como num
jogo de xadrez, o importante é prever os movimentos do
adversário.
— Como tenciona matar o jornalista, Pei Ling?
— É muito fácil. Amanhã cedo ele deverá embrenhar-
se na jângal, para fazer o seu trabalho. E nós sabemos que
a selva não é amiga de ninguém. Muita coisa pode acontecer
nas profundezas escuras da floresta.
O homem sem rosto remexeu-se em sua cadeira,
inquieto.
— Só espero que saiba o que está fazendo, Pei Ling.
Acho tudo isso muito arriscado.

— 36 —
— Com efeito. Só que o risco é todo de Kirkpatrik. É
impossível falhar nesse golpe. Vai ser tudo muito simples e
natural.
Levantando o copo até a altura dos olhos, o chinês fitou
com frieza o seu conteúdo. Murmurou:
— À sua morte, Horace Young Kirkpatrik. E à nossa
vitória!

***

— Mr. Kirkpatrik?
O louro milionário olhou para e oficial moreno e forte
trajando o impecável uniforme marrom-escuro e um quepe
carregado de emblemas e escudos.
— Sim?
— Bom-dia, senhor. Sou o tenente Ufshar, e fui
designado para transportá-lo até as proximidades da região
devastada pela guerrilha.
— Ótimo. Estarei pronto em um minuto, tenente.
— Aguardo-o num jipe em frente do hotel, senhor.
O agente 77Z reuniu rapidamente todo o material
necessário ao seu disfarce de correspondente de guerra,
incluindo duas câmeras fotográficas e uma série de
dispositivos auxiliares.
Chovia torrencialmente naquela manhã, após o calor
úmido, sufocante e desagradável da noite anterior. No
entanto Kirkpatrik não pôde reprimir um suspiro de alívio
ao correr sob a chuva até o jipe do exército do Kafir. Poucas
vezes em sua vida hospedara-se num hotel tão ordinário.
O jornalista americano acomodou-se no assento ao lado
do tenente Ufshar e este deu partida ao veículo, afastando-
se através das ruelas estreitas de Rasham.

— 37 —
O velho jipe, ainda do tempo da guerra da Coréia, fazia
água por todos os lados e parecia cair aos pedaços a cada
solavanco provocado pelo péssimo calçamento das ruas. O
motor zumbia de forma estranha e o louro milionário
imaginou que seria o cúmulo do azar se, por culpa daquele
calhambeque infernal, seus planos sofressem algum
contratempo.
À medida que se afastavam da capital a estrada de terra
ia ficando em piores condições e a selva constituía uma
presença desagradável, com as altas árvores inclinando-se
sobre o caminho e as trevas instalando-se, auxiliadas pela
chuva. O jipe dançava freneticamente sobre a lama, e, vez
por outra, um galho atingia o para-brisa ou a capota do
carro. A sensação de solidão e desamparo era opressiva.
Cruzaram com alguns caminhões de transporte de
tropas. À margem da estrada, a intervalos regulares,
encontravam casamatas e postos de controles militares,
onde o tenente Ufshar era obrigado a identificar-se e
mostrar os documentos oficiais de permissão de tráfego.
Cumprindo o seu papel, 'Kirkpatrik tomava notas num
bloco e eventualmente batia alguma foto. De súbito
quebrou o silêncio:
— Com todo este aparato de controle, imagino que os
guerrilheiros não tenham muita chance contra vocês.
O tenente olhou de soslaio para o louro milionário. Este
percebeu prontamente o que se passava. Teoricamente,
estavam ambos do mesmo lado da questão, mas os orientais
sempre nutriram uma desconfiança instintiva com relação
aos americanos. Para eles, um cidadão norte-americano é
sempre suspeito de ser um agente do imperialismo.
Após um minuto o nativo dignou-se a responder:

— 38 —
— É verdade. Eles não se aventuram nesta região.
Preferem cometer seus crimes covardemente ocultos nas
profundezas da jângal.
— Estranho, não acha, tenente? Em meus muitos anos
de profissão, jamais vi guerrilheiros que lutassem contra o
povo.
— Escute, o que eu disser vai ser anotado? Meu nome
aparecerá nessas reportagens?
— Só se você quiser.
— Então pode anotar aí: tudo isso é obra desses
comunas safados. Não tenho certeza, mas acho que os
palhaços são fantoches manobrados por Pequim. Querem
implantar o terror na pátria, desorganizar tudo, apavorar e
submeter a população para preparar o terreno, provocando
a submissão do Kafir. Se dependesse de mim, esses cretinos
já estariam todos mortos. Estrangularia todos, um por um,
ou então os reuniriam numa clareira para serem
metralhados. Como fizeram com a população indefesa da
aldeia de Siddin.
O americano espantou-se com a explosão de fúria do
militar. Decidiu encaminhar o colóquio para um plano mais
objetivo:
— E quanto ao Comandante Z, o chefe dos terroristas?
Há algum dado conhecido sobre ele?
— Nenhum, a não ser o fato de que esse energúmeno
deve estar escondido na parte sudoeste da selva, que é o seu
domínio, arquitetando planos infames. Sabemos que ele, o
Comandante Vermelho e Ladak estão escondidos nessa
região, juntamente com um rebanho de terroristas.
— Ora, e porque o governo não empreende um ataque,
eliminando todos eles?
— É praticamente impossível penetrar ali. Há mais de
duzentos celerados fortemente armados distribuídos

— 39 —
naquelas matas. Todas as operações que organizamos
fracassaram, e o exército sofreu baixas fortíssimas. É por
isso que o Kafir pediu auxílio ao seu país, oficialmente.
Quando chegarem os boinas verdes a situação vai mudar.
O agente 77Z sorriu intimamente. O militar não poderia
ter idéia de que todo o auxílio enviado por Washington ao
Kafir era ele mesmo.
Prosseguiram por mais algumas milhas em meio à
chuva, o jipe trafegando com muita dificuldade pela estrada
que, gradativamente, ia se transformando numa simples
trilha.
— Estamos chegando ao nosso objetivo, Air.
Kirkpatrik. Vou deixá-lo no posto militar avançado de
Zyilah. Poderá então acompanhar oportunamente as
operações anti-guerrilha de nosso exército. Voltarei dentro
de quatro dias, ou menos, se for necessário, para buscá-lo.
A zona ocupada pelos terroristas é próxima daqui.
Kirkpatrik já estava preparado psicologicamente para
empreender uma longa caminhada através da jângal.
Tencionava subornar alguns soldados para que o
transportassem até próximo da região onde se situava o
acampamento do Comandante Z. Daí em diante o problema
era do Máscara Negra.
Viu ao mesmo tempo que o tenente Ufshar o tronco de
árvore estendido em toda a largura da estrada. Notou o
nervosismo e a inquietação do militar.
O jipe parou a uns quinze metros do obstáculo. Não
seria possível prosseguir, a menos que se removesse o
tronco. O pavor estampou-se no rosto do tenente. Enquanto
perscrutava as selvas à margem da estrada, através da
cortina de chuva, retirava de sob o painel do jipe um
moderníssimo fuzil-metralhadora, empunhando-o com as
mãos crispadas. Estava extremamente agitado.

— 40 —
Simultaneamente Kirkpatrik empunhou a Mau- ser
calibre 38 que extraíra do bolso da capa.
Os únicos rumores audíveis eram o tamborilar das gotas
de chuva sobre a lataria do veículo e o leve farfalhar das
folhagens tocadas pelo vento. O resto era silêncio, um
silêncio desnaturai e estranho.
Permaneceram paralisados por algum tempo. O agente
77Z arriscou-se a murmurar:
— Talvez não seja uma emboscada. Se se tratasse de
uma armadilha, já estaríamos mortos neste instante. Vamos
lá remover o tronco.
Saltaram fora do jipe. O agente 77Z, imperturbável,
mantinha o sangue-frio, mas o tenente Ufshar,
descontrolado pelo terror que sentia ao imaginar-se à mercê
dos sanguinários guerrilheiros, mal conseguia mover-se.
Kirkpatrik irritou-se. Agarrou o militar pelos ombros e
sacudiu-o violentamente.
— Vamos, homem, acalme-se! Não aconteceu nada
ainda! Considerando que você se vangloriava de poder
estrangular os terroristas um a um, acaba de decepcionar-
me profundamente, Ufshar.
Pouco a pouco a cor voltava às faces lívidas do tenente.
— Isso, Ufshar. Seja hominho. Agora venha me ajudar.
Não vou conseguir puxar aquele tronco sem auxílio.
Vergastados pelas bátegas de chuva, encaminharam-se
para o obstáculo na estrada. Coordenando os esforços,
estavam conseguindo afastá-lo de modo a abrir uma
passagem para o veículo do exército kafirês.
Ao soerguer por um instante o corpo, Kirkpatrik viu a
mulher.
Estava firmemente postada à margem da estrada, com
as pernas levemente separadas.

— 41 —
Uma representante espetacular da beleza hindu. Alta,
muito morena, com os cabelos negros ensopados caindo
pelas espáduas, tinha as pernas longas e muito bem
torneadas deixadas totalmente à mostra pela minúscula
peça de roupa que utilizava, algo semelhante a um short de
brim.
Por baixo da camisa negra aberta à frente, podia-se ver
os seios túrgidos e generosos, agressivamente empinados,
livres em todo o seu glorioso esplendor devido à ausência
de sutiã.
Elevando um pouco mais o olhar, o louro milionário
deparou-se com o rosto de traços finos e delicados, os lábios
muito vermelhos, carnudos e sensuais e os grandes e
belíssimos olhos de um negro profundo fitando-o.
Soerguendo as sobrancelhas, o agente 77Z voltou a
mirar a submetralhadora Browning de grosso calibre
empunhada com firmeza pelas mãozinhas delicadas e
graciosas da linda jovem hindu. O cano negro e feio do
mortífero artefato apontava diretamente para o seu peito.
Uma visão insólita. O louro milionário realmente não
esperava ser rendido nas selvas por uma belíssima
guerrilheira seminua.
Mantendo-se de frente para a moça, o agente fora de
série da CIA, com muita calma para não provocar uma
reação agressiva por parte da hindu, tocou de leve no ombro
de Ufshar, que, inclinado sobre o tronco de árvore, ainda
não percebera nada.
— Tenente...
— Hem? Que foi?
O militar endireitou-se e só então notou a presença da
jovem armada. Seus olhos abriram- se desmesuradamente e
as mãos começaram a tremer de modo convulsivo.
— Por... Krishna...

— 42 —
Foi então que a jovem falou, em voz cristalina e
agradável e perfeito inglês, embora o sentido de suas
palavras não fosse propriamente agradável:
— Muito bem, meus amigos. Mantenham-se calmos e
garanto que nenhum de vocês sairá machucado.
Kirkpatrik amparou o militar kafirês, cujas pernas
haviam amolecido repentinamente. Armou um sorriso sem
graça:
— Mim Tarzan, você Jane?
Por um segundo a bela hindu permaneceu confusa.
Depois entreabriu os lábios na sombra de um sorriso,
acompanhando o espião da CIA.
— Não. Mim Ailena, você Kirkpatrik. Agora
caminhem de volta ao jipe. Nada lhes acontecerá se não
tiverem ideias malucas.
O Máscara Negra tinha muita experiência em situações
daquele tipo e sabia que o melhor a fazer era obedecer às
ordens sem discutir. Portanto, puxando o tenente por um
braço, passou sobre o tronco, dirigindo-se de volta ao
veículo militar.
Em geral, os espiões sempre sabem aguardar a melhor
oportunidade para uma reação. Mas os militares não
recebem o mesmo tipo de treinamento. E Kirkpatrik não
chegara a avaliar corretamente toda a extensão do pavor de
que era presa naquele momento o tenente Ufshar.
Estava tão descontrolado que se decidiu por uma ação
heroica e desesperada.
Enquanto passavam sobre o tronco, Ufshar, agindo de
completa surpresa, empurrou violentamente Kirkpatrik, que
lhe segurava o braço, e mergulhou sobre os galhos da árvore
tombada, onde deixara apoiado o seu fuzil-metralhadora
enquanto auxiliava o espião a deslocar o obstáculo.

— 43 —
Com o tranco, o agente 77Z foi lançado de costas na
lama e seu cérebro ágil velozmente calculou todas as
chances. Não havia jeito.
— Ufshar! Não!
O tenente kafirês tentava freneticamente empunhar a
arma. O agente da CIA percebeu que Ailena, embora
sobressaltada pelo movimento estúpido do soldado, não
desejava atirar.
— Pare, idiota! Largue essa arma!
Possesso, enlouquecido, Ufshar apontou o fuzil-
metralhadora para a guerrilheira seminua enquanto seus
dedos procuravam febrilmente o gatilho.
Não restava a Ailena outra saída. A submetralhadora
Browning cuspiu rapidamente sua carga mortífera.
Cortado em dois pela rajada de metralhadora, o militar
kafirês pareceu saltar e contorcer-se grotescamente no ar.
Seu corpo, com uma marionete desengonçada, recebeu o
impacto das balas de grosso calibre e desenvolveu algo
semelhante a um bale macabro, enquanto os braços
agitavam- se desordenadamente, recusando-se a largar o
fuzil-metralhadora inutilmente aferrado pela mão direita.
Ufshar rodopiou duas ou três vezes e tombou de borco,
com o rosto enterrado na lama.
O sangue esvaía-se rapidamente do corpo destroçado do
infeliz militar, tingindo de vermelho o solo e as águas da
chuva.
Estava tudo acabado. Dois ou três segundos apenas.
Ainda deitado de costas no barro, o agente 77Z levantou
o rosto. Ailena aproximara-se alguns passos e o negro e feio
cano da submetralhadora, ainda fumegando levemente,
apontava agora diretamente para a cabeça de Kirkpatrik.

— 44 —
CAPÍTULO QUARTO

Matar e amar

De súbito a chuva aumentou de intensidade. O silêncio


tornou-se mais tenso e profundo na selva.
Ailena, pés levemente afastados e empunhando
firmemente a arma de alentado calibre, imobilizou-se a
cerca de quatro metros do espião americano.
— Levante-se, Kirkpatrik. Espero que não seja tão
idiota com esse seu amigo.
Com patente dificuldade, acautelando-se para não
escorregar no barro, o louro presidente da K.K.K. Steel
postou-se de pé, frente à linda garota quase nua.
— Antes de mais nada, americano, quero lhe dizer que
eu não pretendia matar nenhum de vocês. Tentei dissuadir
esse estúpido de empunhar a arma, mas, quando vi que o
imbecil já aproximara o dedo do gatilho, não havia mais
remédio. Era ele ou eu.
O agente fora de série da CIA mordeu os lábios.
— Percebi isso, Ailena. Mas creio que você não teve
esse trabalho todo para me falar dos seus bons sentimentos,
pois não?
A chuva encharcava os dois jovens até os ossos.
— Não, Kirkpatrik. Na verdade, e embora você possa
duvidar à vontade do que lhe digo, acabo de salvar a sua
vida.

— 45 —
77Z não pôde reprimir um gesto de espanto.
— Que palhaçada é essa, Ailena? Arma uma
emboscada, trucida Ufshar e ainda vem me dizer que me
salvou a vida?
— É isso mesmo. Este homem — apontou para o
cadáver destroçado do militar kafirês — não era o tenente
Ufshar. Você estava sendo conduzido a uma cilada mortal
preparada pelos guerrilheiros, Kirkpatrik. O posto militar
avançado de Zyullah foi ocupado há poucas horas pelos
terroristas.
O louro milionário ergueu as sobrancelhas, fitando a
jovem com severidade.
— Você pensa estar lidando com um oligofrênio,
Ailena? As coisas estão muito claras; é mais do que
evidente que Ufshar era Ufshar e você é uma guerrilheira.
Afinal o tenente atravessou uma série de postos de controle
militares e teve que identificar-se em todos eles. Portanto
era Ufshar, sem sombra de dúvida. Quanto à sua identidade,
creio que foi revelada por sua atitude não cabendo no caso
elocubrações mais complexas.
— Ouça, Kirkpatrik, não tenho tempo para discutir
lógica com você. A verdade é a seguinte: este indivíduo,
que não era o militar e sim um guerrilheiro, tencionava
atraí-lo a uma armadilha em Zyullah. Eu soube disso e vim
salvá-lo. Não pertenço ao exército regular do Kafir.
Participo de um movimento popular de resistência aos
terroristas.
— Mesmo? E como pôde saber de tudo e aparecer de
forma tão providencial para salvar-me?
— Temos nossos canais de informação. Estava a par do
caso, assim como sei que é Horace Young Kirkpatrik,
correspondente de guerra do News Globe, de Nova Iorque.
Kirkpatrik sorriu com ironia.

— 46 —
— Foi uma boa tentativa, admito-o. No entanto, Ailena,
se pretende convencer-me, terá que arquitetar uma história
mais consistente.
Ailena crispou as mãos no cabo da submetralhadora.
— Não percebe que deve confiar em mim, americano?
Se eu quisesse matá-lo já o teria feito há muito tempo!
— Sei disso. E, como estou impotente em face das
circunstâncias, tudo o que lhe posso dizer é: faça o que tem
que fazer. Mas não venha com esses contos de fadas
ridículos. De mais a mais, sob esta chuva, posso pegar um
resfriado. Se quer me aprisionar, faça-o logo, antes que eu
fique gripado.
— Imbecil! — rugiu a jovem seminua, nervosa.
Kirkpatrik mostrou os dentes muito brancos numa
risada cínica. Ailena baixou os olhos por um instante.
— Não devia dizer-lhe isto agora, mas preciso de sua
ajuda, Kirkpatrik. Preciso que confie em mim. O que devo
fazer para tê-lo como aliado?
Kirkpatrik abriu os braços.
— Não sei, Ailena. A sua capacidade inventiva não foi
suficiente.
A belíssima jovem de seios quase à mostra refletiu por
alguns segundos. Depois, como se tivesse tomado uma
súbita e irreversível decisão, seu braço direito ergueu-se. A
submetralhadora, impulsionada por um movimento preciso
e gracioso, descreveu uma curva no ar e foi ter diretamente
às mãos do temido agente 77Z.
— Pegue!
O curto grito foi emitido uma fração de segundo após o
lançamento da arma. Com grande agilidade, o louro
americano recebeu a Browing quase que empunhada. Sem
hesitar, apoiou a mão direita no protetor do gatilho e
apontou a arma para o chão.

— 47 —
— Está vendo, Kirkpatrik? — murmurou Ailena. —
Creio que este é o último recurso para fazê-lo confiar em
mim. Está agora com a arma em suas mãos. Se quiser, pode
matar-me ou aprisionar-me agora mesmo. Entretanto,
espero que tenha o bom senso suficiente para decidir ouvir
o que tenho a dizer.
O cérebro do agente fora de série da CIA calculou
velozmente todas as possibilidades surgidas com a
mudança na situação.
Claro, o fato de Ailena entregar-lhe a arma contava
muitos pontos a favor dela. No entanto poderia haver muitas
outras pessoas próximas ao local e tudo aquilo consistir
numa farsa monumental.
De qualquer modo, o que ganharia ele em levá-la,
detida, a Rasham? A identidade do Comandante Z e a
posição do acampamento guerrilheiro permaneceriam
ocultas, pelo menos por um tempo razoável. Mesmo que a
jovem fosse realmente uma guerrilheira e o estivesse
atraindo a uma cilada, valia a pena correr o risco. Pelo
menos, seguia uma pista e estaria cada vez mais próximo
dos terroristas.
Sim, o jogo era este. Devia pagar para ver. As
perspectivas de sucesso de sua missão ganhariam muito
mais com isto do que com a prisão de Ailena.
O louro milionário fez um breve gesto de aquiescência
com a cabeça.
— Muito bem, Ailena. O que você tem a dizer?
Um sorriso luminoso brilhou no rosto da jovem morena.
— Como eu pensava, você é um homem inteligente,
Kirkpatrik. Vou dizer-lhe tudo o que está passando. No
entanto convém sairmos daqui agora mesmo. Não é
improvável que os guerrilheiros que ocuparam Zyullah
tenham ouvido a rajada de metralhadora. Mas não se

— 48 —
preocupe: pode vir caminhando atrás de mim, com a arma
apontada em minha direção. Se desconfiar de algo, é só
atirar.
— Agrada-me a sua autoconfiança, Ailena. Farei
exatamente o que sugeriu. Aguarde apenas um instante
enquanto apanho meus apetrechos no jipe.
Dois minutos depois, com Ailena à frente abrindo
caminho por entre as lianas e ramagens e Kirkkpatrik
seguindo-a, trazendo a submetralhadora na bandoleira, os
dois jovens embrenharam-se nas trevas da selva.

***

O aguaceiro ameaçava durar por toda a eternidade.


Encharcado e aborrecido, o espião fora de série da CIA
exclamou:
— Ouça, Ailena, é melhor encontrarmos logo um lugar
aconchegante onde possamos conversar. Afinal isto não é
exatamente como um passeio pela Disneylândia.
— Calma, Kirkpatrik. Já estamos chegando a um local
conhecido apenas por mim. Enquanto isso, é melhor que
você atente com mais cuidado para os perigos da selva, já
que está armado e eu não.
— E quais são esses tenebrosos perigos da floresta?
— Poucos, na verdade. Um ou outro tigre de Bengala,
cobras venenosas, aranhas e, eventualmente, algum
mundéu preparado na época da Segunda Guerra.
— Existe isso?
— Claro. Por ordem dos ingleses, meus pais
prepararam vários. Temiam uma invasão japonesa de
Burma ao Kafir e daí à Índia. Por fim, após a operação de
Imphal-Kohima, acabaram ficando desnecessários. E

— 49 —
continuam, latentes, no seio da selva. Nem eu mesma sei ao
certo onde se encontram.
— Muito estimulante, na verdade.
Caminharam por mais uma hora, aproximadamente,
sem deparar durante esse tempo com as armadilhas da
jângal. Por fim vislumbraram uma pequena cabana, quase
que totalmente oculta por grandes árvores dispostas ao seu
redor.
— Chegamos, Kirkpatrik. Vamos entrar e aguardar que
a chuva melhore. Enquanto isso, poderemos descansar e
terei então oportunidade de esclarecer toda esta situação.
— OK, Ailena. Só espero que não tenhamos que
disputar o lugar com cobras e aranhas.
— Não há problemas. Venho aqui muitas vezes e a
cabana não está infestada por esses bichos. Pode entrar sem
medo.
A cabana, feita com troncos de árvores unidos com
fibras vegetais e apresentando teto de palha, era constituída
por apenas dois cômodos e não devia medir mais que cinco
metros por seis. No entanto em seu interior podia-se ver
uma cama rústica, algumas esteiras e uma pequena mesa.
O agente fora de série da CIA depositou seus apetrechos
e a submetralhadora sobre uma esteira.
— É interessante observar como, em algumas ocasiões,
a mais miserável das palhoças pode ser mais agradável do
que o Palácio de Buchingham.
— É um fato, Kirkpatrik. Principalmente quando se está
no Kafir.
Com um suspiro de alívio, o louro milionário sentou-se
na cama, livrando-se da capa.
De pé no centro do cômodo, Ailena despiu-se
calmamente, lançando ao chão a camisa negra e o short de

— 50 —
brim, ficando apenas de calcinhas. Enquanto retirava as
vestes encharcadas, observou, em voz neutra:
— Acho melhor retirar suas roupas, Kirkpatrik. Caso
contrário não respondo por sua saúde.
O agente 77Z encarou Ailena e sorriu. Com gestos
metódicos e decididos, terminou de despir-se e,
inteiramente nu, estendeu-se na cama com os braços
cruzados atrás da nuca. A bela jovem morena desviou o
olhar do corpo atlético do correspondente americano,
passando a fitar a porta de comunicação com o outro
cômodo.
— Infelizmente minha hospitalidade deve restringir-se
ao mínimo indispensável. Portanto tudo o que Ailena e o
Kafir oferecem ao jornalista ocidental Kirkpatrik resume-se
a um gole de shukar.
— O Ocidente, o News Globe e eu mesmo agradecemos
penhoradamente, Ailena. Mas o que você disse mesmo que
é esse shukar?
— Eu não disse. Mas trata-se de um fermentado obtido
de algumas frutas silvestres. Algo semelhante a um vinho
de frutas, a bebida nacional do Kafir. Você, sendo
americano, pode considerá-lo como um licor de cidra.
— Perfeito. Sendo uma bebida típica, deve ser melhor
do que o uísque que me serviram em Rasham.
:— Sem dúvida. Experimente e verá.
Ailena voltou do segundo cômodo com dois copos de
shukar, entregando um deles ao agente 77Z. O milionário
sorveu um gole, sentindo a bebida descer ardente por sua
garganta. O teor alcoólico daquele vinho silvestre devia ser
muito elevado, pois logo percebeu-se invadido por uma
agradável e reconfortante sensação de calor, olvidando por
completo as horas estafantes de caminhada na chuva. A bela
jovem hindu, sentada diante do espião numa das esteiras,

— 51 —
trajando apenas calcinhas, olhava-o fixamente, após tragar
um pouco da beberagem. Durante alguns minutos
permaneceram em silêncio.
Após certo tempo a morena perguntou, num murmúrio:
— Sente-me melhor agora?
— Sim. Este shukar é extremamente cordial. Como
diziam os sábios romanos, “bonum vinum laetijicat cor
hominis”.
— Não. A citação verdadeira é do Eclesiastes, e diz
textualmente: “vinum et musica laetificant cor”.
O louro milionário encarou-a, espantado.
— Quem é você na verdade, Ailena? Uma professora
de latim?
A moça sorriu.
— Sou muitas coisas na vida, Kirkpatrik, mas jamais
lecionei latim. Por outro lado, não estamos aqui para
discutir citações.
— É verdade. Você é uma jovem intrigante. Muito
misteriosa. E eu me pergunto: o que uma garota bonita
como você...
— Já sei, a clássica indagação. O que uma garota bonita
como eu faz no meio da selva, perambulando armada e
matando pessoas, não é mesmo?
— Em absoluto. Ia perguntar o que uma garota bonita,
inteligente e especial como você pretende de um simples
correspondente americano. O que planeja fazer comigo?
— Depende. Dentro de algumas horas tenciono levá-lo
a um dos nossos acampamentos, são e salvo, para que possa
verificar por si mesmo a realidade do conflito no Kafir e
escrever estritamente a verdade a respeito quando retornar
aos Estados Unidos, pois, de outro modo, corria o risco de
ser alimentado com uma série de informações falsas.
Porém, para este instante, tenho outros planos para você.

— 52 —
Vejo que se recuperou muito bem. Melhor do que eu
esperava.
Enquanto dizia isso, Ailena mantinha o olhar fixo numa
determinada parte da anatomia de Kirkpatrik. O americano
resmungou:
— Sim, recuperei-me, e é mais do que natural que eu
esteja excitado. Vocc é uma garota espetacular e está
praticamente nua à minha frente. Não considera isso
normal?
— Claro, e é exatamente o que eu esperava.
— Presumo que seus planos para mim incluam aulas
práticas a respeito do Kama Sutra.
— Justamente, Horace.
Aproximando-se, Ailena sentou-se na cama e uniu seus
lábios aos do louro playboy num beijo a princípio suave,
mas que foi gradualmente transformando-se numa furiosa e
avassaladora demonstração de paixão e desejo.
As mãos experientes e hábeis do agente 77Z
percorreram todo o corpo moreno e apetitoso da belíssima
jovem, demorando-se maliciosamente nos seios arfantes e
nas coxas roliças e deliciosas, arrancando gemidos de
prazer de Ailena e levando-a ao auge da excitação. Seus
lábios separaram-se por um instante, enquanto a garota
suspirava de prazer:
— Horace... querido...
O espião americano acariciou os longos cabelos negros
da jovem kafiresa, que caíam molhados sobre suas costas e
ombros, enquanto beijava com ardor cada milímetro de pele
acetinada de seu pescoço e dos seios túrgidos, que se
agitavam agressivos e impetuosos em função do extremo
desejo de que era presa a linda morena.
Acariciaram-se mutuamente, Horace e Ailena,
explorando e excitando os pontos mais sensíveis do corpo

— 53 —
do parceiro, emitindo suspiros entrecortados e balbuciando
palavras sem nexo.
Delicadamente o agente fora de série da CTA estendeu
Ailena sobre a cama, percorrendo com os lábios toda a
extensão do corpo fogoso da nativa, enquanto esta delirava,
atingindo o clímax amoroso.
A morena agarrou com frenesi os cabelos louros de
77Z, enquanto, olhos cerrados e os lábios sensuais
entreabertos, gemia e balbuciava:
— Horace... ame-me mais... muito mais...
Kirkpatrik livrou a garota da sua calcinha, fazendo-a
deslizar ao longo de suas pernas. Estendeu seu corpo sobre
o de Ailena, sentindo o calor febril e abrasador emanar-se
da moça, que estremecia.
— Mais... Horace... mais...
Esmagando seus lábios contra os dela num
beijo ardente e impetuoso, Kirkpatrik sentiu que as
pernas da moça se cruzavam às suas costas, como se
constituíssem um tenaz de força invulgar.
Abraçando amorosamente o corpo de Ailena o louro
espião movimentou-se, mergulhando na voragem da
paixão. Um longo gemido foi a resposta da bela morena,
que, arqueando, os quadris, procurou aproximar-se o
máximo possível do americano, enquanto de seus lábios
entreabertos escapavam profundos suspiros e palavras de
amor.
Por várias vezes Kirkpatrik sentiu o corpo da garota
estremecer e vibrar sob o seu, anunciando, com curtos e
suaves gemidos, que atingira a máxima realização sexual.
Estreitando-a fortemente entre os braços e beijando-a com
sofreguidão, o louro playboy inundou então Ailena com o
seu amor.

— 54 —
Por mais duas horas, todos os ruídos audíveis no interior
da cabana, a não ser o tamborilar da chuva e o rumor das
folhagens agitadas pelo vento, resumiam-se em gritos,
sussurros e gemidos apaixonados.
Entardecia. Corpos suados e exaustos, unidos lado a
lado no estreito catre, Kirkpatrik e Ailena fumavam
cigarros americanos e olhavam pensativos para o teto da
cabana, a cabeça da jovem morena repousando suavemente
sobre o largo peito do agente 77Z. A moça de grandes olhos
negros acariciou com doçura o rosto enérgico e viril do
espião.
— Horace, querido...
— Diga, Ailena — o louro playboy lançou
vigorosamente a fumaça pelas narinas.
— Você também é um homem misterioso. Em sua vida
de aventuras, deve ter enfrentado situações muito críticas:
Vietnam, Nicarágua..., mas garanto-lhe que nunca irá ver
uma situação mais confusa que a do Kafir. Diga-me uma
coisa, Horace: você é casado?
A repentina pergunta de Ailena fez o agente da CIA
sorrir.
— Não, Ailena. Não sou. Minha vida é muito arriscada.
Na verdade, posso morrer a qualquer minuto. Não gostaria
que minha eventual esposa passasse por uma provação
dessas. Em princípio, as mulheres devem casar-se com
homens pacíficos e caseiros, que vivam uma vida rotineira.
Esta é a maior garantia da felicidade conjugal.
— Discordo inteiramente, Horace. O valor do homem
está em si mesmo, e não no tipo de vida que pratica. Eu,
pessoalmente, devo ser completamente diferente das
mulheres americanas, das que circulam pela Broadway e
pela Quinta Avenida, não é mesmo?

— 55 —
Kirkpatrik tomou o rosto da morena entre suas mãos e
beijou seus lábios afetuosamente.
— Sim, Ailena, você é completamente diferente... na
verdade você é muito melhor do que elas.
Ambos riram, contagiados pelo bom humor que o amor
transmite.
O agente 77Z levantou o copo de shukar e ambos
beberam um pequeno gole, olhando-se nos olhos.
Nesse preciso instante a porta da cabana foi derrubada
com um violento chute e quatro homens armados de fuzis-
metralhadoras invadiram rapidamente o aposento, como
demônios surgidos das profundezas da jângal.
Um quinto homem, um moreno alto e corpulento de
aspecto francamente simiesco, surgiu por trás dos outros,
apontando com firmeza uma pistola automática na direção
dos dois amantes que nem tiveram tempo de levantar-se do
leito.
— Muito bem, Kirkpatrik — rosnou o gorila,
ameaçador —, finalmente nós o temos em nossas mãos.

— 56 —
CAPÍTULO QUINTO

Inimigo invencível

O chinês baixo e feio passou o lenço pela ampla calva,


enquanto ouvia pacientemente os argumentos do homem
oculto pela penumbra que se entrincheirava atrás da sua
escrivaninha.
— Seu plano falhou, Pei Ling. O correspondente
americano não chegou a Zyullah e, assim, escapou do
atentado que nós lhe havíamos preparado. Você não disse
que ia ser muito fácil?
O orientai voltou-se velozmente, os olhos brilhando
furiosos por trás das grossas lentes dos óculos.
— Não prossiga! Eu lhe disse que deixasse tudo a meu
cargo. Eu sei o que faço. Kirkpatrik escapou da primeira
armadilha, mas eu já estava preparado para alguma
manobra desse tipo. Lembre-se, o indivíduo encontra-se
ainda insulado no interior da floresta. Meus homens
descobriram o jipe e o corpo de Ufshar. Já despachei ordens
urgentes para que o matem onde quer que se encontre. Há
algumas evidências de que tenha se refugiado na parte
sudoeste da selva. No entanto será encontrado em poucas
horas, isso eu garanto. Talvez, enquanto estamos
conversando, o americano já tenha sido fuzilado numa
clareira qualquer.

— 57 —
O homem por trás da escrivaninha movimentou-se,
inquieto.
— Já estou cansado desses seus planos malucos, Pei
Ling. Parece que, desde a chegada dos dois americanos,
nada está dando certo para nós.
O chim sorriu friamente. Seus olhos brilharam por trás
das lentes.
— Ouça, há uma questão de hierarquia que. espero, não
será por você esquecida. Quem manda no Kafir sou eu. E
digo-lhe que enviei homens preparados para cumprir a
missão, ou seja, eliminar o jornalista Kirkpatrik de uma
forma que nos seja conveniente. De fato; quem comanda a
tropa encarregada de eliminar o americano é Bahtar
Ahmed. Creio que não restam dúvidas.
— É... sendo Bahtar Ahmed, temos chances de sucesso.
— É claro que temos! — bradou o chinês, furioso. —
Creio que é ridículo você duvidar disso!
O amarelo endereçou um olhar melífluo ao homem
oculto.
— Sabe? Você só está vivo no presente momento
graças a mim, ao Lien Lo Pou. Se não fosse por isso, este
seu miserável e inútil país já teria desaparecido. Não temos
por que sus tentar um fantoche ignorante numa república de
opereta!
— Não me provoque, Pei Ling — percebia-se a raiva
surda na voz do homem oculto.
O chinês emitiu uma risada brutal e ofensiva.
— Ora, você não passa de um palhaço! Não imagino 9
porque de Pequim desejar mantê-lo neste cargo. Em todo o
caso, digo-lhe o seguinte: liquidarei o americano sem mais
perda de tempo. E quanto a você, prepare-se: será a próxima
cabeça a rolar, se as coisas não saírem como eu espero. E,
na verdade, do jeito que está a situação, não tenho por que

— 58 —
me mostrar cortês com você. Retire-se, portanto, aos seus
aposentos. Estou cansado e quero repousar.
Pei Ling virou-se de costas para o homem oculto, que,
levantando-se de sua escrivaninha, executou meia-volta e
desapareceu por uma porta nos fundos do gabinete. Foi
seguido pelo riso escarninho e maligno do sinistro chinês.

***

O agente 77Z encarou com firmeza o grosseiro


indivíduo que lhe apontava a automática. Desviou por um
instante o olhar em direção a Ailena, a seu lado. O espanto
e o temor que vislumbrou em suas feições deixaram-no
convencido de que não se tratava de uma cilada arquitetada
pela bela kafiresa.
Volveu o olhar ao gorila, como se quisesse fulminá-lo.
A cor de seus olhos modificou-se de um verde acinzentado
para um profundo e escuro azul, sinal de que se encontrava
severamente irritado.
O energúmeno gargalhou com vontade.
— É isso aí, palhaço. Acabou a sua festinha com essa
menina gostosíssima. Agora eu, Bahtar Ahmed, vou me
divertir com essa franguinha enquanto acabo com você,
americano cretino.
Kirkpatrik levantou-se lentamente da cama, mantendo
o corpo de Ailena protegido por trás do seu. O físico atlético
de 77Z, quase dois metros de altura, impunha respeito entre
aqueles mentecaptos, embora estivesse em situação inferior
com relação ao gigantesco macaco representado por Bahtar
Ahmed.
O monstro riu descaradamente.
— Agora cu o tenho em meu poder, Kirkpatrik. Você
vai experimentar a força de minhas mãos. Vai ser

— 59 —
esmigalhado por mim. Transformarei seus ossos em palitos
de fósforos, enquanto possua essa traidora safada.
O agente 77Z, inteiramente nu ao lado da cama,
levantou o braço, sendo imediatamente cercado pelos canos
dos fuzis-metralhadoras.
— Calma! Seja o que for que você pretende, Bahtar,
Ailena não tem nada a ver com isso. E eu também não
entendo essa fúria contra mim, já que sou apenas um
correspondente de guerra ocidental. Não lhe fiz mal
nenhum e espero uma explicação convincente de sua parte.
O moreno corpulento estendeu o braço peludo em
direção ao louro playboy.
— Entre nós, não existem diplomacias, imbecil... A
única explicação que terá é o peso do meu braço.
— Vocês são guerrilheiros?
Os olhos pequenos e cruéis de Bahtar Ahmed
estreitaram-se.
— Você é muito curioso, meu amigo. Em todo o caso,
como vai mesmo morrer daqui a pouco, posso dizer-lhe que
não somos guerrilheiros. Isso contribuirá para que vá para
os infernos com uma grande dúvida por resolver. Além do
mais, quem deve ser um terrorista é você próprio. O fato de
ser encontrado com essa guerrilheira aí atrás não depõe a
seu favor.
A confusão instalou-se na mente do espião fora de série
da CIA. Na verdade agora não entendia mais nada em todo
aquele imbróglio. Ailena o resgatara das mãos de Ufshar
afirmando ser participante de uma força paramilitar
contrária aos revolucionários, o que não deixava de ter uma
certa lógica. No entanto o gorila surgia e afirmava que
Ailena era uma guerrilheira. Era tudo muito estranho.
Kirkpatrik tinha a sensação de ter sido apanhado num
redemoinho de farsas, contradições e mentiras, um complô

— 60 —
bem armado ao estilo oriental. De qualquer modo, estava
sendo ameaçado de morte pelo brutamontes, e este era o
problema que demandava urgente solução naquele instante.
Deixaria para equacionar aquela confusão de identidades
mais tarde. Se é que haveria um mais tarde para ele.
— Já perdemos muito tempo aqui! — bradou o
energúmeno —, ponham esses dois para fora da cabana!
O cérebro do agente 77Z trabalhou febrilmente.
Haviam sido capturados por cinco homens armados. Com a
sua longa experiência em espionagem, sabia que, se se
submetesse à situação, obedecendo às ordens do gorila, o
máximo que poderia lucrar seria uma bala na nuca. Por
outro lado, se resolvesse resistir heroicamente, o resultado
seria idêntico. Só lhe restava apelar para o último recurso.
— Esperem!
O grito de Kirkpatrik fez com que os indivíduos que lhe
encostavam às costas os canos dos fuzis-metralhadoras
estacassem momentaneamente. O louro milionário voltou-
se para Bahtar Ahmed, que sorria friamente. 77Z encarou-
o de forma desafiadora.
— Você não passa de um palhaço covarde, Ahmed.
Para me dominar e a garota, indefesos, precisa apelar para
essa manada de mongoloides que o cercam. Garanto que,
no braço, eu o transformaria em picadinho. Alguém aí gosta
de strogonoff de orangotango?
O louro playboy arrematou o desesperado desafio com
uma risada cínica e depreciativa. Notou o rosto de Ahmed
crispar-se de ódio. Sim, aquilo podia dar certo.
— Você pode ser o máximo em feiura, Ahmed. Tem
cara de um chimpanzé débil mental. Vamos, tente ser
homem! Se lutar comigo eu o reduzirei à sua devida
insignificância. Deixá-lo-ei como um bebê chorão a meus
pés. O que está pretendendo? Por que não luta? Ora,

— 61 —
Ahmed, você me decepciona. É muito mais covarde do que
eu pensei.
Os olhos pequenos do energúmeno brilharam
malignamente. Não tinha nada a perder. Sabia- se muito
mais forte do que aquele palhaço arrogante. E, de todo
modo, estava garantido por seus homens. Só que, em vez de
matar o americano a tiros, poderia ser mais interessante e
compensador desmontá-lo a pancadas.
Enquanto os quatro homens armados arregalavam os
olhos, admirados da petulância e temeridade do americano
louco, Bahtar Ahmed, com um rugido infra-humano, saltou
sobre sua vítima, as gigantescas manoplas capazes de partir
um coco, procurando a garganta do inimigo.
O jornalista americano estava alerta. Quando notou o
adversário quase sobre ele, inclinou-se, mergulhando de
lado, enquanto impulsionava com extrema violência a perna
esquerda, assestando uma patada brutal no fígado do gorila.
O energúmeno absorveu com presteza o golpe.
Refazendo-se, lançou o corpo descomunal contra o louro
estendido de costas no chão, disposto a esmagar o rosto do
contendor com o monstruoso pé. Kirkpatrik, porém, girou
velozmente, acionando novamente a perna. Ao mesmo
tempo em que a bota de Ahmed se chocava com um ruído
cavo contra o solo, o pé descalço do espião da CIA elevou-
se numa curva perfeita, atingindo o gorila entre as pernas.
Com um berro angustiado, Bahtar Ahmed levou as duas
mãos ao local atingido. Kirkpatrik aproveitou-se do instante
em que o adversário deixara a guarda aberta e, pondo-se
agilmente de pé, assestou uma curta e rápida sucessão de
murros no estômago e no rosto do kafirês, enquanto seu
joelho subia, massacrando impiedosamente o baixo-ventre
do inimigo.

— 62 —
Lançado brutalmente para trás pela força dos golpes,
Bahtar chocou-se de costas estrondosamente contra a
parede da cabana. Porém, teve ainda reflexos para, notando
a aproximação do americano, levantar a perna enorme,
reunindo todas as forças ainda disponíveis.
Atingido no ventre pelo coice, Kirkpatrik sentiu seu
rosto contrair-se numa careta de dor insuportável, enquanto
era lançado ao outro lado do aposento, desabando próximo
de Ailena e dos quatro sabujos que a vigiavam.
Apoiando-se com dificuldade contra a parede, Bahtar
Ahmed impediu com um gesto que seus homens
golpeassem o estonteado agente 77Z. Num esgar de ódio, o
sangue escorrendo da boca, o vingativo kafirês conseguiu
tartamudear:
— Deixem-no! Vou... matá-lo... com minhas mãos!
O terrível indivíduo acercou-se, ameaçador, do agente
da Central Intelligence Agency, que jazia de costas no chão
da cabana. Súbito sua perna foi lançada para diante, num
chute destinado a quebrar duas ou três costelas do
americano.
Kirkpatrik, porém, lutava por sua sobrevivência. Sabia
que a única chance consistia em poder dominar o ferrabrás,
e, tendo-o como refém, passar a comandar a situação.
Assim, num esforço sobre-humano, apelando para todas as
energias que lhe restavam, conseguiu esquivar o coice
definitivo endereçado ao seu flanco. Rolou rapidamente
pelo chão, e, apoiando as costas contra a parede, conseguiu
levantar-se.
Bahtar Ahmed voou sobre ele como uma locomotiva
desgovernada, disposto a batê-lo sem mais delongas.
Kirkpatrik, no último segundo, retirou o rosto da frente da
manopla do orangotango, enquanto, abaixando-se,

— 63 —
enterrava profundamente a cabeça no vasto ventre do
homem.
O kafirês gritou de dor, enquanto o murro dirigido à
cara do americano atingia estrepitosamente a parede da
palhoça, destruindo-a parcialmente.
Profundamente irritado após a patada que recebera, o
agente 77Z moveu-se com uma agilidade e força
impressionantes. Um murro brutal de baixo para cima fez
seu punho fechado chocar-se com inaudita violência contra
o queixo desprotegido do gorila, provocando um ranger
surdo de ossos quebrados. Sem mais demora, o joelho do
agente fora de série martelou as partes genitais do
adversário com dois golpes arrasadores. Com os olhos
quase desorbitados, lívido e uma expressão idiota de
espanto no rosto largo, Bahtar Ahmed dobrou-se sobre si
mesmo, conseguindo recuar aos tropeções.
Como um puma, o louro milionário saltou sobre o
adversário, começando a sentir que a partida estava ganha.
Com um pouco de sorte...
Um poderoso jab de direita fez a cabeça de Ahmed
oscilar descontrolada. Em seguida duas cutiladas
simultâneas, dirigidas à base do pescoço, quebraram
definitivamente a resistência do kafirês.
Pronto: bastava agora enlaçar por trás o pescoço do
perigoso indivíduo e ameaçar quebrá-lo, forçando a
rendição dos quatro lacaios.
Mas estes perceberam ao mesmo tempo que Kirkpatrik
que a roda da fortuna começava a girar ao contrário.
Movimentaram-se velozmente.
— Horace! Cuidado!
Entretido em subjugar Bahtar Ahmed, o agente 77Z
demorou-se uma fração de segundo em reagir ao grito de
alerta de Ailena. Quando se virou, era tarde demais.

— 64 —
A culatra do fuzil-metralhadora abateu-se bestialmente
contra seu crânio. Kirkpatrik sentiu sua cabeça explodir em
mil pedaços.

— 65 —
CAPÍTULO SEXTO

Armadilhas sinistras da jângal

Ao abrir os olhos o agente fora de série da CIA sentiu


uma miríade de centelhas espocando em seu cérebro,
perfurando-o como finas e dolorosas agulhas. Sacudiu
muito lentamente a cabeça e, levando a mão ao rosto, sentiu
o líquido quente e pegajoso que, escapando de profundo
corte no couro cabeludo, manchava-lhe de vermelho os
cabelos e o rosto.
Reprimindo um gemido, pôs-se a avaliar a situação em
que se encontrava.
Deitado de costas no chão, continuava inteiramente
despido, assim como Ailena, que, encolhida, refugiara-se a
um canto. Sentado na cama e segurando o queixo partido,
Ahmed fitava-o com profundo ódio nos olhos pequenos e
maus. Os outros quatro companheiros de Bahtar, sentados
no chão, bebiam goles de shukar, as armas sobre os joelhos.
— O americano já despertou, Ahmed — anunciou um
dos sabujos.
— Eu vi, Narkan. Pior para ele.
O truculento kafirês endereçou ao louro milionário um
sorriso sinistro.
— Você não devia ter-me provocado, Kirkpatrik. A sua
loucura vai lhe custar muito caro.

— 66 —
Na verdade, antes eu pretendia apenas matá-lo, sem
maiores perdas de tempo. Você, porém, resolveu desafiar-
me. E agora eu tenho planos especiais a seu respeito.
O agente 77Z olhou para Ailena, que, apática e abúlica,
encolhida em seu canto, procurava ocultar seus seios e sexo
com os braços, mantendo o olhar mortiço perdido na
distância.
— O que fizeram com ela, animais? — ao pronunciar
as palavras o espião da CIA sentiu o gosto salgado de seu
próprio sangue.
Bahtar Ahmed levantou-se, sustentando o queixo com
a mão esquerda, e acercou-se do homem caído. Distendeu
ainda mais o sorriso disforme, com os lábios torcidos.
— Nada, infeliz. Não fizemos nada. Ainda. Calculei
que não haveria graça nenhuma se nós a violássemos
enquanto você permanecia desacordado. Da mesma forma,
matá-lo enquanto dormia iria roubar-me grandes prazeres.
Quero que a veja sendo possuída por nós, para que possa
inteirar-se dos detalhes. E também quero que morra
consciente, sabendo que vai ser despachado para o inferno.
O perigoso kafirês aproximou-se mais, brandindo a
mão direita.
— Você vai sofrer muito, Kirkpatrik. Vai perecer em
meio a terríveis torturas. Prometo fazê-lo arrepender-se
amargamente de ter nascido um dia. Essa guerrilheira
safada também vai sentir o peso da minha ira. Meus planos
incluem, em primeiro lugar, dar-lhe um ou dois tiros em seu
baixo-ventre, Kirkpatrik. Depois, dependendo da sua
reação, verei o que fazer.
Pelo tom das palavras do rancoroso indivíduo,
Kirkpatrik deduziu que suas joelhadas fatais deveriam ter
afetado seriamente o organismo do orangotango, e este,
desesperado, engendrara cruel vingança. Pensou em fazer

— 67 —
uma piada, nas desistiu a tempo. Provocar o assassino
naquelas circunstâncias não poderia render-lhe nada de
bom. Limitou-se, portanto, a murmurar entre dentes:
— Vocês não passam de um bando de bestas sádicas!
A violenta bofetada estalou no rosto do agente 77Z.
— Basta, palhaço! Prepare-se para encomendar a alma
a Vishnu!
E, voltando-se para os companheiros:
— Vamos logo! Aproveitemos a parada da chuva para
levar estes indivíduos ao local do encontro. Estou ansioso
para dar início à função.
O homem chamado Narkan, levantando-se com o copo
de shukar nas mãos, obtemperou:
— Ainda estou convencido de que isto é um erro,
Ahmed. Devemos aproveitar e matar os dois aqui mesmo.
Serviço limpo e rápido, como fizemos com Hammia em
Rasham.
As últimas palavras de Narkan cruzaram o cérebro de
Kirkpatrik como um raio. Mas o mais inesperado foi a
reação de Ailena. Violentamente arrancada do estado de
apatia em que se encontrava, a belíssima jovem pôs-se de
pé num salto, olhos desmesuradamente abertos.
— O que... o que disse?
Narkan fitou a moça com ar de superioridade.
— O que ouviu. Que fizemos um serviço perfeito com
Hammia na capital. Isso foi ontem.
— Mataram... Hammia?
— Claro! — interveio Ahmed. — Fuzilamos a
funcionária corrupta e traidora do Ministério da
Informação, com um tiro no peito, em Raysinght Plaza!
Emitindo um rugido desnaturai, a moça saltou com uma
pantera sobre os sabujos, enquanto bradava, desesperada:

— 68 —
— Assassinos! Assassinos! Mataram minha irmã!
Covardes!
Dois dos sujeitos seguraram os braços de Ailena,
enquanto Ahmed, com dois bofetões, fez oscilar a cabeça
da bela morena, lançando de volta ao canto do aposento o
corpo da kafiresa. Kirkpatrik, revoltado, tentou ajudá-la,
procurando levantar-se rapidamente, mas recebeu uma
coronhada no ombro que o lançou novamente ao solo, com
o corpo torturado por dores intensa«.
Ajoelhada, o rosto coberto com as mãos, Ailena
chorava, enquanto conseguia balbuciar entrecortadamente:
— Hammia... minha irmã... morta... não é possível...
— Cale-se! — urrou o brutal Bahtar Ahmed. — É
melhor chorar por você mesma, desgraçada! Sim, matamos
com muito prazer sua irmã, a miserável traidora informante
dos guerrilheiros!
O agente 77Z notou a onda de ódio e revolta envolvê-
lo, aquecendo seus nervos e provocando-lhe uma intensa
sensação de vazio no estômago. Sentia-se envolvido num
mar de lama, na voragem da mais suja e sórdida mistura de
espionagem, guerrilha e política. Estava à mercê das feras,
de indivíduos subumanos que se compraziam em matar e
vangloriavam-se disso, dos asquerosos assassinos de
Hammia. E sentia que agora era chegado o seu fim, bem
como o de Ailena. Furioso por morrer de modo tão
estúpido, cerrou com raiva os punhos e os dentes.
— Vamos! — comandou Bahtar. — Não há mais tempo
a perder! Estes infelizes têm encontro marcado com a
morte!

***

— 69 —
O solo da mata ainda estava encharcado pela chuva
recente. Abrindo caminho por entre a vegetação, o cortejo
sinistro deslocava-se lentamente sob as grandes árvores que
ocultavam quase que totalmente a claridade do sol.
Narkan seguia à frente, cortando galhos e ramagens
com um facão de mato. Dois homens à direita e um à
esquerda, fuzis-metralhadoras empunhados, escoltavam
Kirkpatrik e Ailena, enquanto Bahtar Ahmed, tendo às
mãos a sua pistola automática e a submetralhadora
Browning que subtraíra à bela kafiresa, fechava a coluna.
— Vocês dois deram um grande azar. Foram defrontar-
se logo com Bahtar Ahmed, entre todos os habitantes do
Kafir. Saibam que, das dezenas de missões deste tipo que já
executei, não falhei em uma sequer.
O agente 77Z não tinha a menor vontade de conversar,
mas não pôde furtar-se a um comentário:
— Claro. É natural. Se suas missões consistem em
liquidar friamente pessoas indefesas, não há vantagem
alguma nisso. Qualquer imbecil pode fazê-lo.
Bahtar riu.
— Suas opiniões decididamente não me interessam,
cretino. Dentro de pouco tempo você irá nos proporcionar
um belo espetáculo. Quero reunir-me a meus outros
companheiros para que eles também possam assistir, de
camarote, à sua terrível agonia!
O kafirês sádico passou a descrever em voz alta, com
riqueza de minúcias, todas as horríveis torturas que
infligiria aos dois prisioneiros, culminando com morte
pavorosa para ambos. Parecia sentir um grande prazer em
atormentar Ailena e o jornalista americano.
— Ainda acho que foi um erro, Ahmed — — ponderou
Narkan, lá adiante — os chefes podem não gostar.

— 70 —
— Ora, o que é isso, Narkan? É claro que os escalões
de cima apreciarão. O suplício de Kirkpatrik e da
guerrilheira será uma cena excitante. Todos vão aplaudir.
Às vezes eu tenho ideias artísticas requintadas e de grande
sensibilidade.
O grosseiro Ahmed foi o único a rir de sua própria e
infame piada.
Caminhavam há cerca de meia hora. O agente 77Z,
cabisbaixo, compreendeu que uma reação seria impossível.
Era forçado a aguardar os acontecimentos. Ailena, por seu
turno, parecia inteiramente alheia, mergulhada em
profundos pensamentos, lágrimas escorrendo lentamente
pelo lindo rosto.
De súbito, sem aviso prévio, algo insólito e terrível
aconteceu.
Um dos homens armados que caminhavam à direita de
Kirkpatrik, afastado cerca de três metros, emitiu um grito
curto de espanto, e mais não pôde fazer. Seus pés tocaram
em algo que não ofereceu resistência alguma, e o indivíduo,
numa fração de segundo, pareceu ser tragado pelo solo,
juntamente com toda a erva rasteira, num raio de dois
metros, deixando a descoberto um buraco de razoável
profundidade. Uma queda curta, um baque surdo. Lá
embaixo, no fundo da armadilha escavada na época da
Segunda Guerra, o corpo do indivíduo, trespassado e
estraçalhado pelas pontas agudas e afiadas das lanças de
bambu, estava transformado num monte disforme de carne
e sangue.
O agente 77Z, com o cérebro sempre alerta de espião
bem treinado, reagiu antes dos demais à surpresa e ao
espanto provocados pela horrível cena. Erguendo
lateralmente a perna, distendeu-a, aplicando uma severa
patada nos rins do outro kafirês que se encontrava à sua

— 71 —
direita. Impulsionado pelo golpe, o indivíduo, com um grito
sobrenatural ditado pelo mais espantoso pavor, mergulhou
para a morte nas farpas de bambu. Antes que o corpo do
lacaio de Ahmed chegasse ao final da queda o agente fora
de série da CIA, movimentando-se como um relâmpago de
pernas e braços, voou sobre o outro indivíduo armado que
guardava a esquerda do cortejo.
Pelo canto dos olhos, observou que Narkan, Ailena e
Ahmed reagiam simultaneamente. Animada por um ódio
infinito, a bela kafiresa voltou-se para o chefe do bando,
desferindo-lhe um chute brutal no pulso direito, fazendo
voar longe a pistola automática prestes a ser disparada por
Bahtar Ahmed. Atracou-se então com o gorila, tentando
impedi-lo de fazer uso da submetralhadora que trazia na
mão esquerda.
Narkan, entretanto, dirigiu sua cólera contra Kirkpatrik,
o inimigo que lhe estava mais próximo. Com um grito de
surpresa e raiva, lançou o facão de mato que empunhava
rumo ao peito do louro milionário. O agente 77Z, porém,
havia subjugado o terceiro homem do grupo, passando-lhe
o braço em volta do pescoço e agarrando-lhe a mão direita,
que empunhava o fuzil-metralhadora. Ao perceber o
movimento de Narkan, protegeu-se com o corpo do
indivíduo à guisa de escudo. O facão de mato embebeu-se
profundamente no peito do companheiro de Narkan,
trespassando-o e ferindo de leve o ventre de Kirkpatrik,
postado atrás dele. Um horrendo brado de agonia ecoou
pela selva.
Mais que depressa. Narkan empunhou sua arma e
disparou. O corpo do moribundo estremeceu violentamente,
rasgado pelas balas. Em desespero, o agente da CIA
introduziu o dedo no gatilho da arma ainda segura pelo
homem que havia dominado. A rajada saiu sem que ponta

— 72 —
ria alguma fosse feita, mas três balas alojaram se nos
intestinos de Narkan, que, abrindo os braços e arregalando
os olhos, ensaiou alguns passos trôpegos, como se estivesse
bêbado, finalmente tombou de borco, definitivamente
liquidado.
Com impressionante velocidade, o agente fora de série
da CIA voltou-se para Bahtar Ahmed.
A tentativa louca e suicida de Ailena para dominá-lo
não tivera sucesso. Enquanto Kirkpatrik duelava com
Narkan, o sádico kafirês conseguira livrar os braços, e, com
uma furiosa sucessão de bofetadas, impulsionara a moça até
a borda do mundéu.
A terra cedeu sob os pés de Ailena e ela sentiu-se
projetada no ar. Num último e herói« esforço para
permanecer viva, agarrou-se com a pontas dos dedos à
borda do buraco.
Narinas frementes e olhar transtornado pela loucura,
Bahtar Ahmed fitava o rosto crispado de terror da jovem
kafiresa. O seu cérebro doca tio e mórbido estava
totalmente tomado pela obsessão criminosa de ver o corpo
da bela morena retalhado pelas lâminas de bambu. Perder o
contato com a realidade; o restante da lua não lhe
interessava mais. Tudo o que queria era presenciar a morte
horrível da moça.
Com um riso insano na face brutal, o sádico levantou a
pesada bota para golpear os dedos delicados de Ailena,
firmemente aferrados à beira do mundéu, agarrando a terra
como a própria vida.
— Ahmed!
Com a mente bloqueada para tudo o que não fosse o
corpo da kafiresa e as pontas aguçada de bambu, o monstro
nem ouviu. Seu pé descomunal desceu.

— 73 —
Kirkpatrik apertou friamente o gatilho. Como se
impulsionado por uma força irresistível, o imenso Bahtar
Ahmed recuou, aos tropeções, os balaços destruindo sua
carne. Permaneceu por um instante de pé, rígido, os olhos
de demente inteiramente abertos e uma expressão de abjeto
espanto estampada na cara simiesca, enquanto a rajada de
balas destroçava seu peito e ventre.
— Não... não!
A voz embargou-se pela golfada de sangue que emergiu
de sua boca. Tombou pesadamente de costas, tingindo de
vermelho as plantas rasteiras.
Neste momento Ailena sentiu a terra esfacelar-se entre
suas mãos. Com um grito de pavor, mergulhou rumo às
lanças de bambu.
Kirkpatrik estava próximo e não hesitou. Praticamente
lançando-se dentro do mundéu, com grave risco de ir
também estatelar-se contra as lâminas assassinas,
conseguiu, no último segundo, agarrar a mão esquerda da
jovem aterrorizada.
— Calma, Ailena... calma... não se mexa.
O agente 77Z também estava dentro do buraco, seguro
apenas por uma das mãos à beira da armadilha. Com a testa
perlada de suor frio, procurou coordenar os esforços.
Lentamente, com muita calma, utilizando todas as suas
energias, conseguiu içar ele e Ailena para fora do mortífero
poço.
Exaustos, estenderam-se no chão, procurando recobrar
as forças e a calma após aquela titânica luta.
— Cuidado, Horace!
Kirkpatrik colou-se ao solo e ouviu, por trás de si, o
fuzil-metralhadora funcionar, as balas passando uma
polegada acima de sua cabeça.

— 74 —
Rastejando velozmente, Ailena apoderou-se da sua
Browning, que fora abandonada ali por Ahmed ao morrer.
Disparou.
O rosto de Narkan explodiu, desaparecendo. O
vingativo kafirês, nos últimos instantes de agonia, já que
não fora morto imediatamente pelas três balas nos
intestinos, resolvera levar consigo os dois prisioneiros para
as trevas da morte.
Ailena ergueu-se lentamente, como que hipnotizada.
Com o dedo febrilmente agarrado ao gatilho, aproximou-se
de Narkan, a arma de grosso calibre vomitando uma rajada
contínua de chumbo.
Quando as balas do pente se esgotaram, Ailena estava
de pé ao lado do cadáver irreconhecível de Narkan. Largou
a arma e, crispando as mãos sobre o rosto, começou a
chorar, soluçando convulsivamente. Kirkpatrik abraçou-a
com ternura.
— Está tudo acabado, Ailena. Está tudo bem. Acalme-
se.
Aos poucos o agente 77Z conseguiu tranquilizar a
jovem transtornada. Passando um braço por seu ombro,
tentou conduzi-la para longe daquele local fatídico.
Neste instante ouviu um rumor que reconheceu
nitidamente como sendo um bater de palmas.
Imediatamente a voz forte e zombeteira emergiu por entre
a vegetação:
— Meus parabéns, Kirkpatrik! Foi excelente esta
exibição.
Volvendo os olhos velozmente, o agente fora de série
da CIA viu-se cercado por seis homens portando armas de
grosso calibre.

— 75 —
CAPÍTULO SÉTIMO

Pelotão de fuzilamento

Os seis homens armados aproximaram-se lentamente.


Um deles, baixo e de grandes bigodes negros, falou:
— Devo reconhecer que eu o subestimei Kirkpatrik.
Você e essa guerrilheira fizeram um grande estrago entre
nossos homens, matando inclusive um dos nossos
elementos-chave, Bahtar Ahmed. Foi pena não termos
conseguido chegar a tempo de evitar a tragédia. Enfim, nem
tudo está perdido.
Braços pendentes e pernas levemente abertas, o agente
77Z encarou o recém-chegado.
— Que palhaçada é essa agora?
— Ora, meu amigo! Seus termos são muito ofensivos!
De qualquer modo, digo-lhe que somos companheiros
desses que vocês mataram.
O homem de vastos bigodes acendeu um cigarro.
— Na verdade, Kirkpatrik, creio que devo até
agradecer-lhe por ter liquidado Bahtar Ahmed. Com sua
morte, eu, Shabir Yallah, o segundo homem na hierarquia
do sistema, serei nomeado o chefe de campo de operações
anti-guerrilhas Claro, meu poder e prestígio aumentarão
muito.
O louro playboy esboçou um sorriso.

— 76 —
— E não tenciona demonstrar seu agradecimento a nós
de uma forma mais concreta. Yallah?
— Sem dúvida. Não vou matá-los friamente. Vou
submetê-los a um julgamento imparcial e honesto.
— Julgamento? Ouça, Yallah, desde que cheguei ao
Kafir não estou entendendo nada de que está acontecendo.
Eu e a moça fomos presos sem motivo algum por este bando
de imbecis que pretendiam torturar-nos e nos liquidar
depois. Matamos esses criminosos em legítima defesa. E
agora você vem falar em julgamento? Afinal quem são
vocês? O que está acontecendo neste misterioso país?
— Vou contar-lhe tudo, Kirkpatrik — interveio Ailena
— já é tempo de você saber que...
— Cale-se, guerrilheira, ou não haverá sequer um
julgamento!
— Deixe, Ailena — murmurou o agente 77Z —, estes
porcos são mesmo capazes de atirar. Vamos ver se
conseguimos pelo menos enfrentar o julgamento ridículo de
que esse cretino falou.
Alteando a voz, o louro milionário dirigiu-se a Yallah.
— Está bem, Yallah. Diga-nos do que somos acusados.
— Ora, Kirkpatrik, convenha que ser capturado em
companhia de uma terrorista após exterminar um grupo dos
nossos rapazes é uma acusação de peso em qualquer
tribunal.
— Basta! — cortou o agente fora de série da CIA,
irritado. — Vocês afirmam que a moça é terrorista e, no
entanto, ela não fez nada! Por outro lado, vocês saem
perambulando aí pela selva, ameaçando e matando gente
inocente! Afinal quem são vocês? Não podem ser soldados
regulares do exército kafirês, pois isto não teria sentido.
Estão a soldo de quem? Quais são seus propósitos?
Yallah sorriu, cofiando os bigodes.

— 77 —
— Quer saber demais, meu amigo. Isso não é bom. De
qualquer modo, perde seu tempo, pois não sou obrigado a
responder a essas perguntas tolas.
Kirkpatrik sentiu-se repentinamente cansado. Estava
farto de tudo aquilo. Parecia ter sido transportado
subitamente a uma outra dimensão, uma dimensão
surrealista onde todos os fatos eram absurdos e
absolutamente incompreensíveis.
Acenou afirmativamente com a cabeça. De qualquer
modo, a situação não parecia ser muito grave.
Aparentemente Yallah não tinha intenção de executá-los de
forma sumária.
— OK, Yallah. Você venceu. Seremos levados presos a
Hasham?
— Não.
— Não? Então onde seremos julgados?
— Aqui e agora.
O agente 77Z franziu a testa e semicerrou os olhos.
Uma terrível suspeita formou-se em sua mente.
— Como assim, aqui e agora? Isto não é um tribunal!
Estamos no meio da selva!
— Isso mesmo. Mas agora passou a ser um conselho de
guerra. Eu, Shabir Yallah, chefe de campo de operações
antiguerrilha, declaro instalada a corte marcial e aberta a
sessão.
— Mas que absurdo é este? Isso é ridículo!
— Eu, Shabir Yallah, juiz, nomeio Mehmet Kl ar e Zia
Pasham, aqui presentes, respectivamente promotor e
advogado de defesa.
Kirkpatrik deu dois passos à frente.
— Ouça, imbecil, não é possível que...
Um dos homens engatilhou a arma com um ruído seco,
apontando-a para o peito do agente fora de série.

— 78 —
— Acho bom ficar quieto aí mesmo, Kirkpatrik, ou não
terá oportunidade de ouvir o veredicto.
O louro milionário estacou.
— Loucos... estão todos loucos!
— A corte desconsidera o comentário do acusado.
Prosseguindo: apresentação dos réus. Horace Young
Kirkpatrik, jornalista americano, e uma jovem guerrilheira
kafiresa. Acusação: com a palavra o promotor.
Um jovem barbado e usando uma boina negra falou:
—- A acusação é: prática de atos de guerrilha.
— Muito bem. Com a palavra o advogado de defesa.
Um rapaz de camisa verde, com o escudo representando
uma caveira pregado ao peito, adiantou-se um passo.
— Nada a declarar à corte.
— Perfeito. Em vista da gravidade das acusações, o
conselho de guerra sentencia os acusados à pena máxima,
ou seja, à morte por fuzilamento. A sentença será cumprida
imediatamente. Declaro encerrada a sessão.
— Não! Não é possível! — gemeu Ailena,
desorientada.
O agente 77Z passou a mão pela testa, retirando-a
úmida de suor. Não conseguia acreditar no que estava
acontecendo. Tudo aquilo parecia um negro e sombrio
pesadelo.
— Viram? — sorriu Yallah, acendendo outro cigarro —
, como eu lhes prometi, vocês tiveram um julgamento justo,
imparcial e honesto. Pena que o veredicto não lhes tenha
sido favorável.
— Miserável!
— Isso, Kirkpatrik! Aproxime-se! Complete o
movimento que ia fazer! Assim terei o prazer de estourar
sua cabeça antes do fuzilamento!

— 79 —
O agente 77Z parou. Não iria dar prazer àqueles
canalhas malucos. Se era chegada a sua hora, morreria de
pé.
— Muito bem, homens! Preparem o alinhamento do
pelotão. Rápido, não temos muito. tempo a perder. A
sentença deve ser cumprida imediatamente!
Os cinco homens movimentaram-se silenciosamente,
postando-se diante dos dois condenados, enquanto Shabir
Yallah permanecia um pouco atrás.
Ailena, desesperada e desamparada, abraçou- se com
força ao corpo de Kirkpatrik. O jovem amparou-a, passando
o braço musculoso por trás dos ombros da bela kafiresa,
enquanto afagava seus cabelos negros com ternura.
— Nós jogamos e perdemos, Ailena — sussurrou —, e
temos que nos conformar com isso. Não há saída para nós.
— Rápido! Alinhar o pelotão de fuzilamento!
Os cinco homens enfileiraram-se diante dos jovens
sentenciados.
— Esperem! — bradou Kirkpatrik. — E quanto ao
último desejo do condenado?
Yallah impacientou-se.
— Que palhaçada é essa, americano?
— Estou falando sério. Tenho direito a um último
desejo.
— Está bem, vá lá. O que quer?
— Um cigarro.
— Cuidado! Esse cara é cheio dos truques! Jogue um
cigano para ele, Pasham!
O agente 77Z recebeu o cigarro e acendeu-o com mão
firme, jogando fora os fósforos. Sua última chance
desvanecera-se. Ninguém se aproximara dele.
Terminou o cigarro e sorriu, encarando o pelotão de
fuzilamento.

— 80 —
— Preparar!
Ailena agarrou-se mais fortemente ao corpo musculoso
de Kirkpatrik.
— Apontar!
O louro playboy mergulhou o olhar nos canos dos fuzis-
metralhadoras.
— Fogo!

— 81 —
CAPÍTULO OITAVO

A noite da vingança

A selva transformou-se num inferno de chumbo, as


rajadas de metralhadora cortando-a em todas as direções.
Os cinco homens de Shabir Yallah, enfileirados, foram
atingidos em cheio pelas costas, saltando no ar
impulsionados pelos balaços. Conseguiram,
convulsivamente, disparar alguns tiros a esmo que não
chegaram a atingir os condenados devido à reação
instantânea de Kirkpatrik, lançando Ailena brutalmente ao
chão e pulando sobre ela, protegendo-a com seu corpo
atlético e musculoso:
O homem que dera o último grito saltou de uma árvore
atrás de Shabir Yallah. Este voltou-se, com a pistola
apontada, apesar da extrema surpresa que a situação lhe
causara. Mas o outro foi mais rápido. Apontou e atirou. O
crânio de Yallah explodiu.
Algumas rajadas de metralhadora continuaram
cortando o ar, derrubando os últimos homens de Yallah, que
tombaram amontados uns sobre os outros, enquanto, por
trás da espessa vegetação, começaram a surgir homens e
mulheres empunhando metralhadoras Browning pesadas.
Os seis criminosos loucos morreram sem praticamente
se aperceber disso.

— 82 —
Então Kirkpatrik viu erguer-se por trás de uma moita
um homem alto e corpulento, tendo à cabeça um vistoso
turbante verde-oliva fechado por um medalhão de
esmeraldas.

***

O Palácio do Governo Nacional do Kafir era um prédio


muito antigo. Construído antes do tempo do protetorado
britânico, consistia numa vasta edificação em estilo árabe,
ornado por arcos flamejantes, no centro de um grande
parque gramado. Fora outrora a residência do sultão, e,
sendo agora a habitação Oficial dos governantes, ali morava
o Presidente Jaya Bahadur, cercado por sua guarda pessoal.
Kirkpatrik e Ailena, trajando roupas inteiramente
negras que os tornavam quase invisíveis em meio à noite
escura e chuvosa, encostaram- se colados aos altos muros
que delimitavam os fundos da imensa propriedade.
— Pela última vez, Ailena — murmurou o agente 77Z
—, vá reunir-se à sua gente. Não deve vir comigo. É
extremamente arriscado.
— Não insista, Horace. Eu conheço a planta do palácio.
Sem mim, você estaria perdido no interior dele.
O agente fora de série da CIA suspirou resignado.
— Está bem. Mas, uma vez lá dentro, prometa-me que
vai seguir o plano previamente traçado. Não quero
heroísmos aqui. Você é uma moça muito arrojada —
concluiu, com um sorriso.
— Prometo.
— Ótimo. Creio que, com o ruído da chuva, os guardas
na guarita não ouvirão o gancho bater no muro.
— E, se ouvirem, estou preparada.

— 83 —
O espião lançou o gancho de aço para o alto, puxando-
o e prendendo-o na muralha. Experimentou a tensão na
corda, e, um de cada vez, iniciaram a perigosa escalada.
A chuva adensava as trevas, tornando a visibilidade
quase nula. Quando a luz do holofote incidiu sobre aquela
parte da muralha, os dois jovens trajados de negro já se
encontravam dentro dos jardins do Palácio do Governo,
fora das vistas das sentinelas postadas nas guaritas.
Ocultaram o gancho e a corda junto ao muro.
Adejando como fantasmas, percorreram com extremo
cuidado a longa extensão de jardins até uma das entradas de
serviço do palácio, ocultando-se atrás de moitas e arbustos
sempre que pressentiam a aproximação dos fachos dos
holofotes.
A entrada secundária estava guardada por dois soldados
do exército kafirês, postados de cada lado da porta.
Kirkpatrik e Ailena ocultaram-se atrás de uma mureta de
pedra.
— Droga! —- murmurou o agente da CIA, entre dentes,
de modo quase inaudível —, creio que teremos que matá-
los!
— Acho que não será necessário — ponderou Ailena,
após alguns segundos. — Observe e mantenha-se alerta.
A bela garota toda de negro afastou-se alguns passos e
depois voltou, caminhando com grande naturalidade em
direção aos soldados. Proferiu algumas palavras em dialeto
kafirês e chamou-os para o canto oposto àquele em que
Kirkpatrik encontrava-se oculto.
Em sua língua, de alguma forma Ailena conseguira
captar extrema atenção da parte dos guardas. Estes
seguiram-na, despreocupados, conseguindo completar
alguns passos.

— 84 —
O agente 77Z literalmente percorreu voando a distância
que o separava dos militares. Postando-se atrás deles, que
se mantinham entretidos com o que Ailena falava, ergueu
os braços e descarregou com as mãos em cutelo,
simultaneamente, uma pancada na base do pescoço de cada
um deles. O golpe preciso surtiu o efeito esperado. Os dois
guardas, corpos subitamente amolecidos, perderam de
imediato a sustentação e foram amparados antes da queda
por Kirkpatrik e Ailena, que os depositaram ocultos atrás da
mureta.
— Tudo bem. Deverão dormir por uma hora. pelo
menos.
Resolutamente penetraram pela entrada de serviço do
palácio.
— O que você disse àqueles guardas que tanto os
atraiu?
Ailena sorriu maliciosamente.
— Ora, este não é o momento adequado para termos
uma conversa indecente.
Percorreram imensos corredores passando com extrema
cautela em frente de portas que conduziam a cozinhas,
copas, despensas e outras áreas de serviço do enorme
palácio, esquivando-se de grande número de serviçais civis
que executavam serviços subalternos na sede do governo.
— Estamos chegando às escadarias de acesso ao
primeiro andar — anunciou a bela kafiresa, em voz baixa.
Súbito viram aparecer no final do corredor uma bota de
cano longo. Rapidamente protegeram-se atrás do vão de
uma porta. Eram dois oficiais kafireses que caminhavam ao
longo do corredor, fazendo os tacões das botas ressoarem
pesadamente no piso de mármore.

— 85 —
Os oficiais passaram pelos dois jovens vestidos de
negro, mas um deles, com o canto dos olhos, observou a
saliência representada pelo largo peito do espião da CIA.
— Ei! O que...
Não dispuseram de mais tempo. As coronhas das duas
armas automáticas abateram-se sobre seus crânios como se
se tratasse de uma operação automática e cronometrada.
— O que faremos com estes dorminhocos?
— Embaixo da escada! Rápido!
Enveredaram pela escadaria conducente ao primeiro
andar. Quando já atingiam o piso superior, surgiu um oficial
graduado, talvez coronel ou general. Viu os dois fantasmas
negros e imediatamente levou a mão ao coldre, enquanto
abria a boca para emitir um grito de alarma.
Numa fração de segundo as duas pistolas munidas de
silenciador dispararam. Plop. Plop. Duas balas cravaram-se
no coração do oficial, que não teve oportunidade de
articular qualquer som. Subindo os últimos degraus com
impressionante agilidade, Kirkpatrik amparou o corpo do
militar antes que este desabasse pela escadaria, encostando
o cadáver à parede do corredor.
— Onde ficam os aposentos de Bahadur?
— Quarta porta à esquerda, naquela direção.
— Perfeito. Agora, segundo o plano, vá para a outra ala,
a fim de impedir que alguém surja de improviso por aquele
lado.
— Não, Bahadur não está só! Será muito perigoso!
— Não discuta, Ailena! Vá!
Sem esperar resposta, o agente fora de série enveredou
pelo seu setor do saguão, chegando em frente da quarta
porta. Experimentou-lhe cautelosamente a fechadura.
Estava trancada.

— 86 —
Recuando um passo, Kirkpatrik olhou para todos os
lados. Ailena desaparecera de vista. O corredor estava
deserto.
Com a automática provida de silenciador, Kirkpatrik
fez fogo sobre a fechadura, irrompendo dentro do aposento
uma fração de segundo depois.
— Largue a arma, amigo!
A advertência, em tom frio e impessoal, fora feita a um
chinês baixo e calvo, que tentava sacar uma automática de
dentro do bolso do casaco. O oriental, vendo-se sem saída,
deixou a arma cair ao chão com um estalido seco.
— Isso vale para você também, que está oculto na
penumbra, Presidente Bahadur. Ou devo dizer Comandante
Z?
Lentamente o homem sem rosto, levantando-se por trás
da escrivaninha, ergueu os braços acima da cabeça.
— Quem é você?
— O longo braço da CIA, Comandante Z.
— Como nos descobriu?
— É uma longa história. E não estou com paciência
para contá-la a vocês. O que quero agora é que venha
reunir-se a seu amigo Pei Ling, importante agente do Lien
Lo Pou, ficando sob a luz, onde eu possa vê-lo
perfeitamente. Isso. Agora aperte a tecla de chamada do seu
interfone e ligue para a guarita número um, avisando que
um grupo de homens a seu serviço vai penetrar no palácio,
sob a sua salvaguarda. A senha é Krishna protege Kafir.
O Presidente Bahadur contraiu o rosto.
— Ouça, está louco se pensa que eu...
— Louco está você, Comandante Z, se ousar resistir às
minhas ordens. Modere o seu tom de voz. É inútil querer
chamar a atenção de quem se encontra nos outros

— 87 —
aposentos. Dou-lhe cinco segundos: chame ou farei seus
miolos saltarem pelas paredes.
O Presidente Jaya Bahadur, do Kafir, conhecido num
círculo muito restrito como o Comandante Z, identificou a
ameaça terrível latente nos olhos cinzentos e frios do agente
da CIA. Percebeu que, em cinco segundos, não poderia
contar com ajuda alguma. E seria morto.
Apertou a tecla do intercomunicador, fazendo surgir
uma luz vermelha no ramal chamado.
— Seria uma grande besteira sua tentar me enganar,
Comandante Z — murmurou Kirkpatrik —, pois, se eu não
receber num intervalo de tempo bem curto um sinal dos
meus companheiros, em código, nem Krishna conseguirá
salvá-lo!
— Às suas ordens, Excelência! — respondeu o chefe da
guarita um.
— Não se esqueça, Z! Se não fizer exatamente o que eu
mandei, morrerá em segundos! Se sua atitude me agradar,
prometo que deixarei que viva.
— Excelência?
— Capitão Tagorie, há um grupo de amigos meus que
vai entrar pelo portão principal do palácio agora mesmo. A
senha é Krishna protege o Kafir.
— Pois não, Excelência. Quantos são eles?
O Presidente Bahadur olhou para Kirkpatrik, que lhe
fez um gesto.
— São nove, capitão Tagorie.
— Pois não, Excelência. Cumprirei as instruções. Mais
alguma ordem?
— Não.
Passou-se um minuto de angustiosa espera. Dois. Três.
Então, de súbito, do receptor de rádio postado sobre uma
mesinha próxima a Pei Ling, e que até aquele momento

— 88 —
transmitia apenas uma suave música de fundo, começaram
a brotar os primeiros acordes da Canção Nacional do Kafir,
em som alto e forte. O Presidente Bahadur e o chinês
estremeceram. Kirkpatrik abriu um amplo sorriso.
— Não é possível... ocuparam a estação de rádio!
— Isso mesmo, Bahadur. Seu regime corrupto chegou
ao fim!
Nesse instante o agente 77Z percebeu um braço surgir
velozmente pela porta do aposento. Reagindo com
espantosa rapidez, saltou de lado, enquanto disparava sua
arma. O braço armado de automática atirou duas vezes na
direção do agente fora de série da CIA.
No gabinete instalou-se então um tremendo
pandemônio, com os acordes vibrantes e marciais do hino
do Kafir ecoando como fundo. Kirkpatrik mergulhou para
trás de um sofá, enquanto o Comandante Z pulava por trás
de sua escrivaninha e Pei Ling corria para sua arma caída
no chão. O Presidente Bahadur empunhou sua pistola e 77Z
fez fogo sobre ele, lançando-o aos tropeções para a
penumbra ao fundo da sala.
Repentinamente o agressor misterioso que se escondia
do lado externo da porta foi brutalmente empurrado para o
interior do gabinete presidencial. Ensaiou dois passos
trôpegos e desabou de borco no centro do escritório,
próximo a Pei Ling, com dois furos feios e sangrentos nas
costas. Kirkpatrik notou numa fração de segundo que o
indivíduo alto e forte fez rolar, ao cair, um belo turbante
verde oliva com fecho de esmeraldas.
Atrás dele entrou Ailena, automática em punho,
invadindo corajosamente o recinto em defesa de Kirkpatrik.
O chinês baixo e feio, no entanto, já conseguira agarrar
a sua pistola.

— 89 —
Três tiros ecoaram simultaneamente. Kirkpatrik e
Ailena dispararam em Pei Ling, ao mesmo tempo em que o
oriental apertava o gatilho da automática, mirando a bela
kafiresa. Atingido pelas duas balas no peito, o chim foi
empurrado para trás, enquanto a jovem morena, deixando
escapar um grito curto, caiu de costas no soalho do
gabinete.
— Ailena! Não!
De um salto, o agente 77Z, largando a arma, ajoelhou-
se ao lado da garota, enquanto uma voz brotava do aparelho
de rádio:
— Atenção, povo do Kafir! Aqui fala Sanjay Ladak, da
Frente de Libertação Nacional, nas instalações da Rádio do
Kafir, no Palácio do Governo. O regime corrupto e
criminoso do Presidente Bahadur acaba de ser derrubado. O
país está livre da opressão e da tirania! Liberdade para o
Kafir!
Enquanto a mensagem prosseguia, centenas de pessoas
começaram a sair às ruas, saudando com vivas entusiásticos
a queda de Bahadur e a libertação do país.

— 90 —
EPÍLOGO

Sentados à escrivaninha que pertencera ao Presidente


Bahadur, Kirkpatrik, o Comandante Vermelho e Sanjay
Ladak, o homem do turbante verde-oliva, mantinham-se em
silêncio. Sanjay pressionou a tecla de um cassete deck e
imediatamente brotou do aparelho a voz metálica de Pei
Ling, ouvida por todos com grande interesse.
— Eu, Pei Ling, agente secreto a serviço do Lien Lo
Pou, sou o responsável pela aplicação do Plano Z no Kafir.
Este plano teve início logo após o golpe de estado militar
que levou o Presidente Bahadur ao poder. Bahadur,
preocupado em manter a estabilidade do seu regime de
força, procurou aparentar uma aproximação e uma
identificação de interesses com os países capitalistas
imperialistas do Ocidente, em particular os Estados Unidos,
mas tudo isto não passava de um artifício destinado a não
atrair contra si a ira da América, o que poderia terminar
provocando uma intervenção da CIA contra ele. Dentro
deste programa de cortina de fumaça, Bahadur havia
inclusive marcado visita oficial ao Presidente Reagan em
Washington. Na verdade, Bahadur estava secretamente
comprometido com a China, e aguardava apenas o
momento de fortalecer-se mais no poder para promover
outro golpe militar, de esquerda, visando a implantação de
uma ditadura comunista pró-Pequim. Após uma ligeira
pausa surgiu novamente a voz do chinês:

— 91 —
— A situação deteriorou-se, porém, após a organização
das oposições ao regime de Bahadur na Frente de
Libertação Nacional, uma entidade de resistência
guerrilheira inteiramente independente de quaisquer
vinculações com outros países, e que, por ser um
movimento genuinamente nacional, veio de encontro às
aspirações do povo do Kafir e passou a contar com amplo
apoio popular.
O aparelho registrou a tosse de Pei Ling. Sua voz era
muito fraca.
— Para enfrentar este problema, a única coisa em que
consegui pensar foi numa operação em larga escala para
desacreditar os guerrilheiros perante o povo do Kafir e a
opinião pública mundial. Assim, eu e Bahadur
selecionamos dentro do exército e também entre civis um
grupo de homens inescrupulosos que seriam capazes de
fazer qualquer coisa por dinheiro, e demos a eles a missão
de executar atos de terrorismo e sabotagem da mais refinada
crueldade, crimes bárbaros e operações genocidas que,
devidamente divulgadas no Kafir e no exterior, foram
creditadas aos guerrilheiros, chocando a opinião pública e
provocando revolta contra a Frente Nacional, que, no
entanto, estava inteiramente inocente. Como detínhamos o
monopólio da informação no Kafir, os guerrilheiros jamais
puderam anunciar ao mundo que, na verdade, eram homens
de Bahadur os responsáveis pelas atrocidades cometidas
contra o povo kafirês.
O chinês fez uma longa pausa.
— Alguns dos exterminadores escolhidos foram Bahtar
Ahmed, Shabir Yallah e, principalmente, Kram Nagar,
selecionado especialmente em função da sua grande
semelhança física com o líder guerrilheiro Sanjay Ladak.
Fizemos Nagar trajar-se como Ladak habitualmente se

— 92 —
vestia e isso dava ainda maior credibilidade às operações
terroristas dos nossos homens, recaindo a culpa, como
sempre, na Frente Nacional.
A fita rodou durante algum tempo, reproduzindo apenas
o tossir do oriental. A voz débil tornou a ressoar no
gabinete:
— Durante algum tempo, tudo correu bem para nós.
Chegamos a pedir ajudar da CIA para acabar com a
guerrilha, tentando sensibilizar a opinião pública norte-
americana com as barbaridades cometidas por nosso grupo
de extermínio e fazendo circular o boato de que os
guerrilheiros estavam a soldo de Pequim. Porém, quando
Doyle e Kirkpatrik chegaram a Rasham, senti que a sorte
estava do meu lado. Tinha certeza de que Doyle era um
agente da CIA, e assim planejei deixá-lo em liberdade para
agir. Se conseguisse liquidar a guerrilha, muito bem. Se não
conseguisse, não faria muita diferença. Por outro lado, a
morte do correspondente Kirkpatrik ser-me-ia muito útil
para provocar uma tensão ainda maior no Kafir, irritando
Washington e atraindo uma operação da CIA contra a
Frente Nacional, caso Doyle fracassasse em sua missão.
Claro que o assassinato de Kirkpatrik, executado com
requintes de crueldade e sadismo, deveria também ser
propalado através do mundo, responsabilizando-se a sanha
assassina dos guerrilheiros pelo crime.
Subitamente o chinês começou a falar de modo claro e
nítido:
— Na verdade a minha real intenção era provocar o
máximo possível de confusão, pavor e tensão no Kafir. Isso
porque o Plano Z, de fato, consistia num projeto para atrair
a intervenção armada americana no país, arrastando-os para
uma guerra na selva. Eu pretendia reeditar no Kafir uma
versão do Vietnam em 1981, visando combalir o poderio

— 93 —
bélico americano convencional e prejudicar a sua imagem
internacional, numa época plena de tensão nas revelações
entre todos os países do globo. Mas isto era algo
desconhecido por todos. Nem Bahadur conhecia minhas
verdadeiras intenções.
Alguém formulou uma pergunta. A voz de Pei Ling
voltou, mais fraca:
— Ah, isso? Foi uma brincadeira minha e de Bahadur,
para confundir ainda mais os serviços secretos do Ocidente.
Espalhamos o boato de que o chefe dos guerrilheiros era um
tal Co- mandante Z. Na verdade o Comandante Z era o
próprio Bahadur, que assinava com esse nome as
mensagens secretas aos nossos grupos de extermínio.
Percebia-se que o chinês estava no fim. Balbuciou:
— Era um grande plano... um belo plano..., mas vocês...
A fita continuou girando no gravador, mas já não se
ouvia som algum. Sanjay Ladak pressionou a tecla de
parada.
— Gravamos isto há algumas horas — murmurou —,
mas Pei Ling morreu em seguida, não resistindo aos
ferimentos. Prometemos a ele a liberdade completa em
troca deste depoimento. Porém, agora, ele só poderá gozar
essa liberdade ao lado de Vishnu.
Kirkpatrik apoiou as mãos sobre a escrivaninha.
— É realmente uma história incrível, amigos. Confesso
que, até o último segundo, ainda estava confuso quanto à
dimensão dos fatos.
Zakir AI-Muhtad, o Comandante Vermelho, abriu um
largo sorriso.
— É natural, Kirkpatrik. Afinal Pei Ling e Bahadur
conseguiram burlar até a própria CIA. Queremos agradecer-
lhe efusivamente por ter confiado em nós depois daquele
episódio em que Yallah pretendia fuzilá-lo na selva,

— 94 —
juntamente com Ailena. Como você sabe, nosso único
compromisso é com o povo do Kafir. Queremos manter
boas relações com Washington, Moscou, Pequim e todas as
demais nações.
— Sim — aduziu Sanjay — e, com a abertura dos
arquivos secretos do governo kafirês, vamos revelar ao
mundo toda essa sórdida trama preparada para perder o
país. O coronel Yahya Nadur e todos os demais implicados
na traição ao povo kafirês estão presos e vão responder por
seus crimes num julgamento público, para o qual
aguardamos a presença de jornalistas de todo o mundo, e, é
claro, a sua, em particular.
— Espero que não seja um julgamento como aquele em
que fui condenado à morte por Shabir Yallah.
Rindo, os três homens levantaram-se.
— Não tenha receio, Kirkpatrik. Vamos abolir a pena
de morte no Kafir, instituída por Bahadur, e os criminosos
serão condenados a longas penas de prisão.
Zakir Al-Muhtad estreitou com força a mão direita do
agente 77Z.
— O Kafir tem uma dívida eterna de gratidão para com
você, Kirkpatrik. Se não fosse por sua atuação e a de Ailena,
na captura de Bahà-dur, nossa operação não teria sucesso.
— Ora, como eu lhes disse anteriormente, aquela era
uma missão para apenas uma pessoa, duas, no máximo.
Ailena insistiu em me seguir e eu permiti. Mas na verdade
devo-lhes confessar uma coisa: eu exigi de vocês ser
escalado para esse golpe porque nutria ainda algumas
dúvidas quanto à realidade de tudo quanto haviam me
explicado sobre os propósitos da Frente Nacional. Por isso,
quis ser o homem encarregado de prender Bahadur.
Dependendo da reação dele, eu saberia se vocês haviam me
contado a verdade ou não.

— 95 —
— E convenceu-se de que havíamos sido sinceros com
você?
— Sim. Ao ver-se chamado de Comandante Z, ele,
impensadamente, saiu-se com o clássico: como nos
descobriu?
Os homens ainda riam quando Ailena entrou no
gabinete do ex-presidente Bahadur. Abriu um largo sorriso,
e, braços estendidos, caminhou para encostar a cabeça no
largo peito do espião da CIA. Este afagou-lhe os cabelos,
emocionado, acautelando-se para não tocar no curativo
colado à pele da kafiresa, pouco acima dos quadris.
Sorrindo, o louro milionário falou, parodiando Ailena:
— Vejo que se recuperou muito bem. Melhor do que eu
esperava!
A garota riu, beijando o rosto do playboy.
— Lembrou-se da frase, hem? Na verdade, graças a
Krishna, o ferimento não foi grave. A bala disparada por Pei
Ling não ficou alojada em meu corpo, dispensando,
portanto, uma cirurgia e fazendo com que um curativo,
apenas para impedir a perda de sangue, fosse o suficiente
para me deixar em forma novamente. Por sorte, fui atingida
apenas de raspão. Não fosse por isso, eu seria agora a mártir
da libertação do Kafir.
Kirkpatrik afastou os sedosos cabelos negros do rosto
da guerrilheira.
— Diga-me uma coisa, Horace: você é realmente um
correspondente de guerra?
— Claro! — espantou-se o louro milionário. — Do
News Globe, de Nova Iorque. Por que pergunta?
— Não sei... enquanto estávamos na selva, e depois
aqui, no Palácio, você fez coisas que um correspondente
comum não conseguiria fazer. Tem um extraordinário

— 96 —
sangue-frio, conhece tudo sobre lutas e armas... você não
será um agente secreto, um espião?
O agente 77Z riu, divertido.
— Ora, que idéia, Ailena! Claro que não! Sou apenas
um correspondente de guerra, mas, em minha profissão, fui
forçado a aprender a defender-me em quaisquer
circunstâncias. Um agente secreto deve ter muito mais
truques do que eu. E já que lembramos da selva, responda-
me agora: por que fez todo aquele mistério após salvar-me
das garras de Ufshar, que pretendia assassinar-me em
Zyullah? Por que não me disse logo que era uma
guerrilheira?
— Você sabe disso muito bem, Horace. Tendo vindo do
Ocidente, com todas aquelas notícias falsas de que os
guerrilheiros eram os responsáveis por todas as
barbaridades que ocorriam no Kafir, você iria matar-me ou
aprisionar-me se eu reconhecesse ser uma guerrilheira. Por
outro lado, nós precisávamos de você. Queríamos mostrar-
lhe a realidade da situação para que, voltando aos Estados
Unidos, você pudesse informar ao mundo que estávamos
inocentes, que os culpados de tudo eram os homens de
Bahadur. Eu pretendia manter minha identidade em segredo
até que pudéssemos explicar-lhe toda a verdade, ganhando
a sua confiança. E, além do mais — completou, com um
sorriso malicioso —, você não acha que com mistério é
melhor?
Os dois jovens beijaram-se longamente, observados
pelos chefes da Frente Nacional de Libertação, que sorriam,
compreensivos. Na rua, ainda se ouviam os gritos festivos
dos kafireses, comemorando alegremente a ascensão do
novo governo do Kafir.

***

— 97 —
Ailena, deitada ao lado do agente fora de série da CIA,
afagava-lhe os cabelos louros, enquanto o fitava dentro dos
olhos cinzentos, um doce sorriso de amor brincando nos
lábios.
— Você precisa mesmo partir, Horace?
— Sim, Ailena. A situação do Kafir foi resolvida e você
agora é a Ministra do Ensino do novo regime. E eu tenho
que prestar contas ao meu jornal.
— Se você ficasse aqui...
— Voltaremos a nos ver, Ailena.
A bela morena suspirou.
— Quando, Horace?
— É difícil dizer. Mas talvez eu consiga convencer o
meu jornal a enviar-me novamente ao Kafir para entrevistar
a Ministra do Ensino. Em caráter oficial, é claro.
— Todas as suas visitas a mim serão em caráter
pessoal... — sussurrou a linda kafiresa, enlaçando com as
longas pernas morenas o corpo do espião fora de série da
CIA. Kirkpatrik sorriu maliciosamente.
— Cuidado, Ailena! Você já está excitada novamente,
e o doutor recomendou-lhe abster-se de excessos físicos por
duas semanas, pelo menos!
—- Ora... isto é apenas excesso de amor...
Os lábios dos dois jovens uniram-se num longo e
apaixonado beijo.

FIM

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