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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Editorial
Receita de Bolo de Luz

Ingredientes
Como qualquer pessoa que notar, dificilmente as medidas exatas da receita
estão disponíveis, assim meu medidor foi a experiência, através de erros e
acertos. Quero deixar claro que esta não é uma receita definitiva e que é aberta
a modificações de acordo com a inspiração de cada um.

"Para perfume misture farinha & mel & grossas sobras de vinho tinto: então óleo
de Abramelin e óleo de oliva, e depois, amolece & amacia com rico sangue
fresco" - Liber AL vel Legis III:23

Farinha: Crowley esclareceu mais tarde que trata-se de simples farinha de trigo.

Mel: Obviamente procure o mais puro possível.

Grossas sobras de vinho tinto: Esta parte confunde a muitos iniciados que não
tem experiência com culinária e se atentam apenas à estética do ritual de
preparação e não à sua praticidade. Algumas espécies de vinho, como o Vinho do
Porto, particularmente o Português, possuem sedimento que se deposita no
fundo da garrafa, quanto mais velho o vinho maior a quantidade de sedimentos.
Mas o que são esses sedimentos? Durante o processo de fermentação do vinho,
as sobras se acumulam no fundo dos barris, que contém sais que acabam
formando um creme tártaro. No Brasil esse creme tártaro não é muito conhecido,
mas temos um substituto para ele, bicarbonato de sódio. O objetivo do
desperdício de vinho na receita é tal e qual o de um fermento, serve para tornar
a massa leve e "aerada". Assim caso uma boa quantidade de desperdício de
vinho não for conseguido uma boa substituição é uma colher de bicarbonato
junto com um xarope de vinho, que pode ser conseguindo ao se aquecer 300ml
de vinho do porto em fogo baixo, mexendo sempre para que o excesso de álcool
e de água evapore, deixando apenas um xarope grosso do vinho.

Óleo de Abramelin: Uma mistura de canela, mirra, gengibre tailandês e azeites


de oliva;

Óleo de Oliva: Azeite Extra-Virgem de preferência.

Rico sangue fresco:

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"O melhor sangue é o da lua, mensal: então o sangue fresco de uma criança, ou
pingando da hóstia do céu: então de inimigos; então de um sacerdote ou dos
adoradores: por fim de alguma besta, não importa qual." - Liber AL vel Legis III :
23

Crowley já hierarquiza qual o sangue ideal: o da menstruação, o de uma criança,


o dos inimigos, de um padre ou de um cristão e finalmente o de algum animal. Se
o sangue menstrual está no topo da lista, não há porque considerar algum outro,
especialmente porque nos dias de hoje não é difícil conseguí-lo. Uma das formas
mais práticas é através do ato sexual, onde o sangue pode ser colhido do pênis
do praticante ou então deixá-la pingar do céus, e apenas ser coletado em uma
vasilha apropriada.

Modo de Preparo

Por mais sobrenatural que possa parecer, você não deve nunca se esquecer que
um bolo de luz não passa de um bolo, sua preparação é tão fácil quanto qualquer
outro. O ideal é que se separe os ingredientes nas proporções abaixo descritas.
Mas antes o próprio cozinheiro pode ser preparado. Faz-se isso com uma receita
que podemos encontrar na Evocação de Bartzebal, o Espírito de Marte, descrita
por Crowley em seu diário Magick of Light. O magista deve se preparar um jarro
com

- 250ml de champagne;
- 250 ml de perrier;
- 125 ml de conhaque;
- 1 pêssego
- 6 cerejas marasquino.

Misture tudo e sirva em um copo com gelo até a boca, só comece a preparar o
bolo depois do segundo copo.

1- Antes de beber sua primeira taça, ligue o forno a 180 graus e deixe pré-
aquecer pelo tempo que levar para tomas os dois copos da bebida, ou por 15
minutos.

2- Em um recipiente misture duas xícaras de farinha de trigo com 1 colher de gá


de bicarbonato de sódio, uma xícara de mel, 1 colher de café de óleo de
Abramelin 1/2 xícara de azeite, 2 colheres de sopa do xarope de vinho tinto (de
preferência vinho do porto), 1 colher de sobremesa de sangue menstrual e 6
colheres de sopa de óleo de oliva (azeite extra virgem).

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3- Bata tudo até ter uma massa homogênea, se usar batedeira usa velocidade
baixa.

4- Beba mais uma taça da bebida de Evocação de Bartzebal enquanto bate tudo.

5- Assim que a mistura estiver consistente a despeje em forminhas pela metade


e as leve ao forno. As forminhas podem ser as de papel para se preparar muffins.
Deixe-as assar por 25 minutos. Enquanto isso se sirva de mais uma ou duas
doses da bebida. Depois do tempo determinado espete um palito de dentes até o
fundo do bolinho, ele estará pronto quando o palito sair sem nenhuma massa.

Os tempos mudaram, e com eles a tradição, para incrementar o bolo de luz


vamos preparar uma cobertura:

2 xícaras de farinha de trigo;


1/2 xícara de mel;
1/2 xícara de xarope de vinho tinto;
2 gotas de óleo de abramelin.
1 colher de café de sangue menstrual.

Coloque em um pote o mel e o xarope de vinho tinto e comece a misturar,


acrescente as duas gotas de óleo e adicione a farinha bem aos poucos, até obter
uma mistura cremosa.

Com isso feito, separe uma xícara de xarope de vinho tinto para o recheio,
acrescente uma colher de café de sangue menstrual e misture bem.

Beba o restante da bebida de Evocação de Bartzebal.

Finalizando:
Pegue os bolinhos e com a ajuda de uma seringa ou do apetrecho de confeitaria
correspondente, injete xarope de vinho tinto misturado com o sangue. Então
pegue a cobertura e decore a parte de cima do bolinho, pode usar um apetrecho
de confeitaria, ou simplesmente o modele com uma faca. Você pode ir mais
longe, como o próprio Crowley faria (Exceda! Exceda!) e decorar com alguns
confeitos de estrelas, para nos lembrarmos que cada homem e cada mulher é de
fato uma estrela. Lembre-se que se assar fosse algo fácil para todos, não
existiriam padarias hoje, o ideal é sempre tentar e aprender com os erros. Se a
massa não crescer, deixe descansar ou aumente um pouco a quantidade de

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bicarbonato, se a cobertura ficar muito seca farinhenta, coloque mais xarope de


vinho. Use a percepção nesses casos.

Soror Adler, e frati H418, I156, Alhudhud e Amaranthus

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Índice
Astrum Argentum: Ordem que Exalta a Busca
pelo Sagrado Feminino, Com Carência de Mulheres ………..… 07

Frau Lust ………………………….. 15

THELEMA CONTEMPORÂNEA: O instrutor não é Mestre ………..… 16

THELEMAGICK: Lidando Com A Procrastinação Nas


Práticas …………… 20

Nuit …………………………………………………………………………………….. 26

Kokab ……………………………………………………….. 27

A Busca pela Ordem Mística Perfeita, e o Paradoxo de


Fermi …………… 28

Olê, Mulher Rendeira ……………………. 34

Encantaria de Codó …………………………………….. 36

Sobre a minha peculiar experiência em ser um


aspirante a Santa Ordem …………… 37

“Topdog” do Mundo Inferior. ………………………….. 41

A mensagem do Profeta do Novo Aeon na obra do


Bardo Raul Seixas …………….. 49

A.O. Spare, o “Irmão Negro” ……………………………. 55

THELEMA COM RESPONSABILIDADE: União Thelêmica ..…………… 58

Encantaria de Jurema ………………………………………………………. 60

Desvairo ………………………………………………………… 61

Entrevista com Robert Furtkamp ……………………………………… 62

Mundos, Terra ou Planeta ? …………………………………………….. 63

O Mistério de Babalon e a Besta ………………………..….. 65

Xangô, Leão Rei de Oió ……………………………………………………. 71

O Voto de Obediência ………………………………………………………. 72

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Astrum Argentum:
Ordem que Exalta a Busca pelo Sagrado Feminino,
Com Carência de Mulheres

ΚΕΦΑΛΗ Γ
A OSTRA
Os Irmãos da Α∴Α∴são um com a Mãe da Criança.
Os Muitos são adoráveis ao Um, como o Um o é para os Muitos.
Este é o Amor Destes; criação-parto é a Glória do Um; coito-dissolução é a Glória de
Muitos.
O Todo, assim combinado com Estes, é Glória.
Nada está além da Glória.
O Homem delicia-se ao unir-se com a Mulher; a Mulher em parir uma Criança.
Os Irmãos da Α∴Α∴ são Mulheres: os Aspirantes à Α∴Α∴ são Homens.
Liber CCCXXXIII (Livro das Mentiras)

Vou iniciar essa especulação falando um pouco da minha experiência com


Thelema. Conheci Thelema, assim como soube da existência de Ordens como a
O.T.O. e A.’.A.’. há pouco mais de dez anos. Na época eu estava envolvida com a
Wicca, naquela fase de sede de conhecimento, obcecada em resgatar toda a
memória espiritual dessa minha ligação com a magia (sou daquelas que acredita
que uma vez mago, sempre mago, e que em todas as vidas haverá de alguma
forma esse resgate).

Naquele momento via Thelema como coisa de maluco, porém muito


atraente e convidativa, principalmente pela minha afinidade e preferência às
Ciências Ocultas. Mas dizia a mim mesma que não entraria numa coisa dessas
(no fundo eu sabia que se entrasse seria ida sem volta).

Decepcionei-me com a Wicca, trilhando outro caminho espiritualista, até


que anos depois a magia veio bater novamente a minha porta. Tá bom, não
resisti, e dessa vez mais amadurecida, cá estou. E como não podia deixar de ser,
no momento certo, Thelema me abduziu através da Santa Ordem.

Esse retorno à magia se deu através de um grupo de estudos formado por


thelemitas no intuito de apresentar e ensinar o currículo básico da Golden Down
e da A.’.A.’. Convivi nesse grupo durante um ano, participando dos cursos, assim
como eventos e festas, e foi daí que um fato me chamou a atenção: o grupo era
composto praticamente por homens; os que procuravam os cursos eram na
maioria homens; me vi em eventos que estavam apenas eu e mais duas
mulheres, no meio de quinze, vinte homens. Como era previsível, ao entrar em
grupos thelêmicos nas redes sociais, em especial na Astrum Argentum Brasil, me
deparei com o mesmo problema: mais de 80% dos membros são homens.

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Dados retirados do grupo Astrum Argentum Brasil no Facebook em 13/12/2018.

Mas por quê?


Logo a A.’.A.’. que é feminina, que enaltece a busca pela contraparte
criadora feminina na figura de Babalon, à espera do adepto no lado oposto ao
abismo rumo a Cidade das Pirâmides…

A partir desse questionamento resolvi fazer uma pesquisa para entender


um pouco o motivo. A coleta de dados foi feita através de um questionário, com
quatro perguntas, respondidas por quinze mulheres, todas aspirantes a Thelema,
pertencendo a A.’.A.’. ou familiarizadas à Santa Ordem. O objetivo do
questionário foi conhecer o perfil da Mulher Thelemita, assim como analisar o
ponto de vista de cada uma sobre a sua importância no meio thelêmico, e
possíveis razões pelas quais há carência de mulheres no sistema. Foram
utilizadas as respostas mais significativas no conteúdo desse texto.

Durante o processo de coleta de informações, me deparei com um público


feminino com diferentes perfis. A maioria das contatadas se mostraram bem
receptivas e solícitas em responder as perguntas. Algumas se interessaram
plenamente pelo assunto, a ponto de agradeceram por estarem colaborando
para a exposição de um tema tão relevante. Em contrapartida, outras não deram
muita significância à pesquisa, nem querendo participar.

Quanto ao questionário aplicado, primeiramente foi perguntado sobre o


que as fez escolher por Thelema e/ou a Santa Ordem. Ambas responderam que
além da identificação pela filosofia de Thelema, a convivência e o relacionamento
com thelemitas influenciaram no desejo de aprofundar nos estudos ou até
mesmo a pertencer a uma Ordem Thelêmica.

“...não me senti escolhendo, me senti indo e quando vi já tava lá, já fazia


parte... O que mais me atraiu foi o pensamento cientifico experimental por trás.

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Não me sentia uma esotérica louca ali - sempre me atrai por assuntos de
ocultismo mas demorei a cair no certo, nunca me senti a vontade com Wicca e
etc... não teria ninguém me ditando regras e havia uma atração pela força de
querer buscar a si e viver genuinamente.”*

“...Eu não entendi de primeira que estava escolhendo Thelema. Me envolvi


no Calen pelo tema magia e aos poucos fui me entendendo como uma estudante
de Thelema e não somente de magia. O que mais me atraiu foi a busca pela
verdadeira vontade e a necessidade sincera de se dedicar a esse caminho.”*

As entrevistadas que pertencem a A.’.A.’. revelaram que um dos motivos


da escolha foi o fato da Santa Ordem não ter um espaço físico, fazendo com que
o compromisso seja exclusivamente do aspirante consigo mesmo.

“...eu frequentava diariamente o IRC e tinham muitos canais de Ocultismo,


Wicca, Satanismo, Thelema, etc. e nas conversas diárias com os amigos que fiz
lá, fui me aprofundando e tendo mais interesse em Thelema, em Crowley...
achei Thelema um sistema completo. Crowley uniu varias coisas em uma
e funciona bem. Aceitei a lei de Thelema, o líber AL e o líber OZ, e a partir dali
dei segmento em Thelema e em sua filosofia, mais pra frente um pouco, em
2002 tive interesse na A.A tanto pela organização de estudos que a
A.A propõe, também pelas praticas individuais. Eu particularmente não gosto de
prática coletiva como é feita na O.T.O., portanto a A.’.A.’. caiu como uma luva
nesse quesito.”*

“Antes de escolher a A.’.A.’. eu já me considerava thelemita, porém sentia


uma necessidade de participar de alguma ordem... Pesquisava sobre outras
ordens na época, depois percebi que não sou o tipo de pessoa que gosta de
conviver em clubes, então eu decidi escolher a A.’.A.’... Eu gosto da A.’.A.’., por
ter um compromisso consigo mesmo, você não está enganando ninguém e se
enganar estará trapaceando consigo mesmo.”*

Sobre grupos thelêmicos em redes sociais, a maioria das entrevistadas


disse serem participativas, porém preferindo interagir quando se sentirem a
vontade. Algumas participantes disseram acompanhar apenas as postagens,
outras perderam a paciência com discussões em grupos do Facebook. E ainda
teve uma irmã que disse não participar:

“Não, pois não me considero thelemita. Sou apenas uma pessoa que
estuda Thelema. Não conheci quem realmente seguisse a Thelema, vejo apenas
thelemitas que vivem um extremo caos mental, onde todos pensam ser dono da
real solução. Engolidos pelo próprio ego, se acham herdeiros de uma doutrina
que nem eles mesmo seguem. Apenas status, apenas o sentido de escrever

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longos textos de palavras bonitas que nem mesmo eles entendem, apenas o ego
de ser parte de um grupo fechado, uma tribo, onde um aplaude o outro
(enxergando apenas seu próprio ego).”*

Seguindo no contexto, foi questionado às participantes, se elas já tinham


encontrado alguma resistência, por parte do público masculino, quanto a expor
opiniões em grupos thelêmicos, tanto em redes sociais, quanto presenciais.
Como resposta, foi dito que em grupos presenciais, encontrar resistência ao
interagir é mais difícil. No geral há respeito, receptividade, e o tratamento entre
homens e mulheres é o mesmo, porém não deixaram de sinalizar que há grupos
e grupos.
Já nas redes sociais, a situação muda de figura. Poucas disseram encontrar
resistência ao se exporem, mas todas já foram interpeladas em algum momento,
com críticas nem sempre construtivas. As maiores reclamações foram a respeito
de serem recebidas com respostas machistas, em tons de ironia e subestimando
conhecimento. Atitudes, as quais testam a paciência e desmotivada a terem
maiores participações nos grupos de conversa. É de fácil compreensão que por
detrás de uma tela, crianças viram leões (deixemos claro que isso acontece com
ambos os sexos).

“Já estive em algumas tretas grandes em grupos e canais de Youtube pela


camiseta Not Your Babalon, com ameaça mágica e vídeos contra eu e Raquel.
Além de discussões machistas públicas que inclusive repercutiu entre nosso
grupo pessoalmente. Diminui bastante minha interação após isso.”**

“...Não sei como a minha opinião é recebida, já recebi muitas criticas e


elogios ao mesmo tempo, coisa que também faço para as outras pessoas
algumas vezes, então acho justo as pessoas não concordarem ou concordarem
com o que eu falo...”*

“Se grupos forem entendidos somente os de redes sociais, sim. Acho que
esses ambientes online são bem hostis com mulheres. Já puxei algumas
discussões dentro da comunidade do Thelema BR e a resposta é sempre bem
complicada. Fui chamada de Thelemita Herege, já foi xingada, já fui
questionada… mas enfim… apesar de ver essa hostilidade, não me sinto afetada
porque nas comunidades “offline”, nas comunidades presenciais, encontrei
bastante respeito e apoio.”*

“Não encontrei resistência. Mas já fui refutada e nesse caso, foi por alguém
que contribuiu para meu aprendizado. Se todas as conversas fossem assim... Na
maioria das vezes que observo o grupo, vejo pessoas se chamando de thelemitas

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(não me considero thelemita, ainda tá cedo pra qualquer definição) discutindo


bobagens sobre uma outra bobagem.”*

“Resistência em si comigo não, mas já vi com outras pessoas, mas o


grande problema em grupos de redes sociais é as vezes (ou muitas vezes) as
pessoas não respeitarem a opinião dos outros, tem que ver que todo homem e
toda mulher é uma estrela e vive em sua órbita particular, então cada um tem
um jeito de pensar, de fazer as coisas... A gente tem que ver se quem
oferece “resistência” são os thelemitas de verdade mesmo, estudiosos e
praticantes que levam para sua vida a filosofia de Thelema e o entendimento do
que é Thelema, ou se são os fanfarrões, esses são maioria nos grupos.”*

“Eu não vejo porque simplesmente não participo, mas não me parece nada
confortável entrar lá e debater as coisas... tudo é motivo de piada e deboche.”

Para fechar a entrevista, foi feita a pergunta que não podia faltar: “A
maioria dos Aspirantes a Thelema são homens, você já parou para refletir sobre
isso? Alguma sugestão?”

“Acho que o machismo estrutural da nossa sociedade junto com o


fundamentalismo religioso cada vez maior ajuda nisso. Mulheres já mal falam de
sexo, não são incentivadas a se descobrir e a desenvolver seu poder, sequer a
ter opinião. Além de todo o estigma da bruxa e de se querer estudar magia. O
ambiente se torna facilmente hostil e fácil de se aproveitar das mulheres.”* A
entrevistada complementou que sempre foi muito bem recebida no grupo ao qual
faz parte e pelas pessoas que conheceu em eventos.

“Uma vez eu estava conversando com uma garota e ela disse: “Você é tão
legal, não entendo o motivo de você ser thelemita.”. Eu acho mais interessante
pensar nas mulheres do que no excesso de homens no meio. Por que uma
mulher se interessaria por Thelema? Na época que fazia algumas postagens
sobre feminismo libertário em um grupo de Thelema no Facebook recebi uma
mensagem no privado de um artigo falando que Crowley era misógino. A única
coisa que eu conseguia pensar é: “Crowley está morto.” Acredito que temos que
estar preparados para o agora, temos mulheres incríveis que fizeram parte da
história de Thelema, não me considero “Crowleyista”(alguém que segue o que
Crowley com unhas e dentes), mas reconheço que ele teve muitos erros e que
talvez ele tenha reconhecido com o passar dos anos, ou não. Isso realmente não
me importa. Talvez o nosso papel seja divulgar novamente sobre essas mulheres
e fazer a nossa parte. Acho que ser mulher thelemita é um papel relevante
principalmente quando se tem uma percepção distorcida sobre magia sexual

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pelos homens. Como mulher que parece ter um papel secundário na magia, hoje
é considerada a protagonista da história.”*

“Acho que é um problema sistêmico. Nossa sociedade é machista, a A.’.A.’.


é machista. Entende? Não acho que seja algo específico sobre a A.’.A.’. e sim
sobre homens. Acho que na A.’.A.’. isso é refletido também por ter sido
estruturada por homens. Mas acredito que estamos em um momento de revisão
dessa estrutura e vejo o surgimento de muitas irmãs interessadas nessa quebra
e nessa construção. Não acredito que haja uma sugestão e sim uma agência.
Acredito que o trabalho das pessoas interessadas e os encontros de vontades
vão poder modificar alguma coisa nisso.”*

“No meu ponto de vista, para a Santíssima Fraternidade é questão de


chamado e oportunidade de acesso. Creio que esses números tendem a se
equalizar como acontece em universidades. Para os grupos, o que dificulta é a
forma de comunicação, uma vez que as mulheres são outra polaridade. Enquanto
os homens usam mais o elemento ar, eles são muito mais intelectuais (isso não
significa que saibam algo realmente, ficam discutindo apenas conceitos que
muitas vezes não compreenderam em sua essência); as mulheres são mais
sensitivas, mais tácteis...”*

“Acredito que os homens saibam lidar melhor com a liberdade do que as


mulheres... Os homens tem mais interesse pelo desconhecido, possuindo em sua
maioria, uma força de vontade mais firme e não se deixam levar por ilusões
estúpidas. Para a mulher falta coragem de entrar em um caminho mais
desconhecido... Acho que a mulher tem que ter a curiosidade e a ousadia dos
homens para encarar o lado desconhecido da vida.”*
“... além do machismo do dia a dia, me parece que os homens não levam
as experiências femininas a sério... Talvez menos mulheres sejam adeptas por
não se sentirem lá muito seguras num ambiente tão masculino.”*

“...o interesse ou falta de interesse, tem mulheres que preferem ir para


outras vertentes do ocultismo, ou tem mulheres que preferem ficar em grupos só
de mulheres, ou acham outra vertente mais interessante... Em grupos de redes
sociais não da pra tirar uma base de machismo dentro de
Thelema, porque muitos não são thelemitas, estão lá de curiosidade, ou porque
acharam bacana algo dentro de Thelema... tem gente que só entra pra
causar etc., ... casos de machismo com as mulheres, ou até mesmo casos de
preconceito contra, gays, transexuais etc., as vezes vem dessas pessoas que eu
citei que não são thelemitas... Um local bom para efetuar pesquisas sobre a
existência do machismo em Thelema são em Ordens que fazem trabalhos
coletivos, porque como tem mulheres e homens juntos com encontros

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presenciais, e praticas ritualísticas, as mulheres poderiam dizer com exatidão se


já sofreram casos de machismo ou resistência ou coisa parecida.”*

O resultado da pesquisa não me surpreendeu, assim como acredito que


também não irá surpreendê-los.

Ser mulher, desde que o mundo é mundo (talvez no Eon de Ísis fosse um
pouco diferente) nunca foi fácil. Já vem de nossas ancestrais sermos criadas para
permanecermos na sombra do homem, e isso infelizmente já se tornou parte do
nosso DNA. Por milagre, diversas Super Mulheres foram nascendo com esse DNA
modificado e semeando através dos séculos uma nova consciência do Valor
Feminino, que aos poucos vem sendo cultivada, ganhando mais força e sendo
colhida nessas ultimas gerações.

No início do século XX, Thelema surgia como uma das filosofias que
reconhecia o Poder Feminino como indispensável ferramenta de trabalho, onde o
Sagrado Feminino se tornava uma das principais buscas do Aspirante a Thelema
durante todo o seu processo iniciático. Lamentavelmente, existe por parte de
muitos a má compreensão da busca por esse Sagrado, convertendo-o na procura
por uma entidade e não por uma essência, o que acaba por influenciar um olhar
equivocado no papel do feminino dentro da filosofia.

Temas como Magia Sexual, por exemplo, muitas vezes tratados de maneira
errônea no meio thelêmico, estão se tornando banalizados por aqueles que se
julgam thelemitas sem serem. É importante destacar, que falar em sexo no
universo feminino ainda gera desconforto para muitas mulheres em pleno século
XXI. Assim, como o machismo, a banalização e a falta de esclarecimento de
assuntos ditos polêmicos, contribuem e muito para afugentar o público feminino.

Em contrapartida, quando bem disseminada, a filosofia de Thelema trás a


nós mulheres a liberdade de podermos ser plenas conosco mesmas, sem
amarras, sem aceitar qualquer tipo de subestimação, de aceitar nossa
sexualidade nos tornando donas dela. Thelema nos ensina a soltar os grilhões
dessa cultura machista incrustada no nosso DNA.

Contudo, Thelema é Feminina, a A.’.A.’. é Feminina e nós Mulheres iremos,


mesmo que de pouco a pouco, conquistar os nossos devidos papéis em Thelema
(e no mundo), com respeito, reconhecimento e igualdade. Espertos são aqueles
que conseguem enxergar o valor inestimável que nós temos dentro desta
filosofia.

Às Irmãs da A.’.A.’. União;


Às Irmãs Aspirantes à Thelema, Força;
E às demais, Um Convite!

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Meus sinceros agradecimentos às Sorores e às Estudantes de Thelema, todas,


mulheres guerreiras, que contribuíram para que esse texto nascesse.

Amor é a Lei, Amor sob Vontade


93,93/ 93

Soror Nun Ishtar


abadiahetheru@gmail.com

*Os nomes de todas as entrevistadas foram ocultados, salvo as que autorizaram


a mostrar a identidade.
**Foi pedido autorização para expor dados que expusessem sua identidade.

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O instrutor não é Mestre

3. Ninguém pode comunicar o conhecimento ou o poder para alcançar isso, que


podemos chamar de Grande Obra, mas é possível que iniciados guiem os outros.

4. Todo homem deve superar seus próprios obstáculos, expor suas próprias ilusões.
Outros, porém, podem ajudá-lo a fazer essas duas coisas, e podem capacitá-lo a evitar
muitos dos falsos caminhos, que não levam a lugar nenhum, que tentam os pés
cansados do peregrino não iniciado. Eles podem ainda assegurar que ele seja
devidamente provado e testado, pois há muitos que se consideram Mestres que nem
sequer começaram a trilhar o Caminho de Serviço que conduz até lá.

Liber LXI

Deixo acima a citação inequívoca do Liber 61, matéria obrigatória para os


aspirantes à Thelema, e sobretudo à Santa Ordem da A∴A∴ onde parto da
seguinte premissa saudável do papel do instrutor em relação ao instruído. Assim:
Instrutor não é Mestre! Não será o Don Juan de Castanheda, nem o senhor
Miyagui, Mestre Yoda, Mestre dos Magos ou Mestre Splinter... embora a relação
melhor descrita entre instruído e instrutor seja entre Chaves e professor
Girafales, tampouco é o esperado nesses casos. O assunto parece nunca perder
a voga, vemos sempre uma legião de estudantes que por “N” motivos se
desligou de sua instrução, sendo alguns desses motivos muitos sérios e
plausíveis, outros de ordem puramente pessoal, estes últimos via de regra
repetem o mantra que a A.’.A.”. falhou em seu método, só produz ególatras, e
um disco arranhado de uma ladainha onde a única equação possível é que o
mundo está errado e só o ego está certo de suas certezas, até aí nada de novo
sob o Sol.

É muito comum, os estudantes anseiam e tem em seu instrutor uma


imagem professoral, de alguém que de fato vai lhe fornecer importantíssimas
informações e lhes ensinar como realizar a Grande Obra, sim de fato isso ocorre e
muito, porém a Santa Ordem não é esse lugar, nem essa ordem, ela é uma
ordem de treinamento e toda e qualquer instrução ou dicas, são voltadas para o
treinamento prático, tudo nessa relação é um treinamento para ambos, não se
enganem os instrutores treinam e muito com seus instruídos, alguns ainda
acham que instrutores mais velhos com aquele ar “professoral” tendem a ser
mais sábios e com certeza exporão melhor seus conhecimentos etc...posso
afirmar categoricamente que não farão nada diferente obviamente de dar o seu
melhor ao instruído, porém, sem ânsia de resultado e livre de outro propósito do
que sua Grande Obra, ele em momento algum pensa em pegar seu estudante
pela mão, ou dar uma super dica sobre a visão e conversação com o Sagrado
Anjo Guardião, ele pode ser a testemunha disso, assim o instrutor instrui, fala do

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treino e se afasta, o afastar faz parte do treino, o abandono não. Ele pode propor
trabalhos extras isso faz parte do treino, o confronto faz parte do treino, o
bullying não, o assédio nunca, a violência jamais. Crowley se referia ao trabalho
do instrutor como “O parceiro de treino (sparring) do seu instruído.” Muitas vezes
isso vai de encontro a nossas capacidades e nossas angústias, assim, somos
contra todo e qualquer sectarismo, ou legalidade ou até mesmo arroubos de
legitimidade, o trabalho é interno e os meios pelo qual todos trabalham está
bastante delineado, mas não há receitas ou mapas e muito menos os pulos de
gato, todo o trabalho começa de fato no ego, e como costumo brincar nosso ego
é o maior carnavalesco de todos, ele adora máscaras e fantasias, então como ele
é capaz de se fantasiar de muitas coisas não se assuste quando ele vestir a
fantasia de SAG, com certeza seria destaque na escola de samba Mangueira.

Passearemos por algo mais palpável entre a carência e a vaidade. Mas


tanto de um quanto do outro (instruído e instrutor), as relações humanas são tão
fascinantes que como observador vemos atraírem se pólos distintos e bem afins,
então obviamente o estudante carente de um instrutor intransigente na visão
deste mesmo estudante, pode ser o espelho do que seu instrutor foi enquanto
estudante. Já a vaidade é o que torna tudo um pouco mais turvo, visto que no
fundo é uma insegurança na sua colocação no mundo e na sociedade como um
todo. Falta um pouco de espaço para o Riso, Thelemita que não ri de seus
fracassos e se auto pune em chibatas mentais, ainda não passou do velho aeon
para o Novo. Há uma dicotomia muito grande aos que adentram a Santa Ordem
A.’.A.’. carregados de vícios das fraternidades externas bem estabelecidas, vícios
de hierarquia e afins, onde em nosso trabalho nada tem a acrescentar, porém a
dicotomia está no sujeito querer realizar-se da porta pra dentro, quando a
felicidade e a realização são reflexo de algo interior e perene, todo o resto é
ilusão, é simples: estado de consciência é refletido no estado de vida. O resto é
prosa flácida para o acalanto bovino, simples, mas será que é fácil? Não, o
caminho não é fácil, nem é simples, não é só subir na árvore de Assiah (do
mundo manifestado), como se fosse um pé de goiabeira, pois se assim fosse as
dificuldades seriam só físicas e o SAG seria uma pessoa, real, física, sabia e que
fosse te guiar dali pra frente entende...creio que não faz muito sentido essa visão
com o Faz o que tu queres né? É sempre basilar, e importante, lembrar que
aqueles que estão no caminho da reflexão a tendência da facilidade está na
praticidade de reconhecer e apontar falhas nos outros que nós mesmos temos, é
a vibração de simpatia e antipatia, mas claro que não estou generalizando, nem
botando gato em balaio de pássaros, mas a percepção de qualquer estudante
sempre será seletiva ou eletiva – conta a lenda que os Astecas demoram três
dias para notar a presença das caravelas espanholas nas praias na região de
Tabasco onde eles aportaram, então no fundo tudo é uma questão de percepção.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Então numa instrução da Santa Ordem não existem Mestres, o instrutor não
é mestre, ele não busca o mestrado, todos devem chegar a Maestria. “pode um
Deus viver como um cão?” ( Is a God to live in a dog? AL II:19) sendo mais
sincero “Pode um Deus viver em um não deus? Em seu Pequenos Ensaios em
Direção à Verdade temos na seção Maestria “O Aeon de Hórus chegou; e sua
primeira flor pode bem ser esta: que, livres da obsessão do fim do Ego na Morte,
e da limitação da Mente pela Razão, os melhores homens uma vez mais
ingressarão de olhos abertos no Caminho dos Sábios, o trilho montanhês do
bode, que leva às Encostas virgens, e daí aos píncaros gelados rebrilhantes da
cordilheira da M A E S T R I A !” e seguindo no verso seguinte do Liber Al temos o
verso arrebatador verdadeiro mantra curativo das enfermidades do ego “Beleza e
vigor, riso exaltado e delicioso langor, força e fogo, são de nós”

Assim a consciência da percepção de si e o do mundo caminha sempre em


primeiro lugar, não há receitas de bolo em Thelema ( a não ser do bolo de luz),
pois toda instrução ou treinamento é particularmente único, cada caso é relativo
a cada estrela e até chegar ao Verdadeiro Instrutor interno, é necessário uma
testemunha, e alguém que lhe dará aquela dica preciosa, que não está no
(bom)livro do Eshelman, nem (na viagem) do Marek, nem de ninguém – sabe por
quê? Vocês conhecem algum faixa preta de qualquer arte marcial que tenha
aprendido por livros? Kung fu? Karatê? Capoeira, conhecem algum bailarino,
pintor, músico que só tenha lido os livros sozinho e produziu a Maestria por si
mesmo? Pois é, não é? – Difícil.

“Quando o discípulo está pronto, o mestre desaparece”


Euclydes Lacerda de Almeida

“Meus adeptos se mantêm em pé, sua cabeça acima dos céus, seus pés abaixo
dos infernos” Liber Tzaddi

A Santa Ordem não é tábua da salvação de coisa alguma, e a melancolia


moribunda de outras práticas são varridas ao limbo do passado pelo confiante
sorriso da Criança imortal. Tenham certeza e não fé disso. Não tem colinho,
passar a mão na cabeça, nem chibata ou palmatória, não há graça e não há
pecado.
Um último pensamento na questão, a que envolve assédio e bullying entre
instrutor e instruído, expresso aqui meu total repúdio a essa prática no mínimo
patética e que pode vir a acontecer e estendo minhas mãos e ouvidos e toda(o)s
que por ventura passaram ou passarem por isso e minha ajuda onde for
necessário, isso não é normal, isso não é Thelema de forma alguma, todas as
estrelas são únicas, e as órbitas por natureza não se chocam.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Então se o instrutor não é Mestre – quem é o instrutor? -

Força e fogo, são de nós!

H418
hoor@abadiadethelema.com

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

THELEMAGICK: Lidando Com A Procrastinação Nas


Práticas

Você tem sentido dificuldades de praticar Magick, mesmo tendo uma


vontade interna que considera grande o suficiente? Se sente mal por não estar
praticando algo que lhe inspira? Além disso, não tem problemas mentais,
distúrbios psiquiátricos, déficit de atenção, ansiedade severa, depressão? Então
talvez você seja vítima da procrastinação - o ato de deixar para amanhã o
que poderia ou deveria ser feito hoje. Obviamente você pode estar no grupo
de pessoas que realmente não tem interesse sincero nenhum em Magick e seus
resultados - pode passar para o próximo artigo, nesse caso. Mas se sua intenção
é sincera, talvez o artigo ajude de forma prática e aplicada, feita com base em
pesquisas acadêmicas sobre produtividade e procrastinação, com a intenção de
melhorar a experiência prática dos amantes da Arte. Quando você descobriu que
escovar os dentes é importante? E quando vai descobrir que sua prática também
é? Pense num dia em que ela não foi feita, ou foi malfeita. Responda antes de
continuar a leitura:

1. O que você não gosta na sua prática? Ela é cansativa? Difícil?


2. Você tem pouco tempo? Muito tempo livre? Ou tem o suficiente e ele
é mal organizado?
3. Você faz bem-feita a sua prática? Se sente capacitado nela? Tem
medo de errar?
4. Como se sente quando erra a prática ou quando ela não dá certo?
Como lida com a frustração?
5. Recorda-se de algum momento em que foi difícil iniciar uma prática?
Como se sentia?
6. Você desiste facilmente de suas práticas? Sente alguma emoção
negativa com isso?

A coisa mais importante agora é saber a qual prática você quer se dedicar.
Ela pode ser parte do currículo de uma ordem como a Santa Fraternidade A.’.A.’.,
um desejo pessoal de exploração ou mesmo uma curiosidade. Independente de
qual seja a sua prática e a sua motivação, se será asana e pranayama ou
anotações no diário, ela está sujeita à procrastinação. E a primeira arma contra a
frustração de não realizar uma tarefa é entendê-la bem e saber sua real
motivação para depois entender quais são os obstáculos possíveis, mitigá-los e
caminhar feliz na Senda Magicka. Você está fazendo esta prática porque
quer que seu instrutor fique orgulhoso, para postar no grupo de facebook A.’.A.’.
Brasil ou por real Aspiração? É por algum motivo mensurável/comunicável?
Algum motivo de saúde? Juramento da Santa Ordem? Escreva todos os seus
insights sobre suas motivações. Seja convincente.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Se você tiver dificuldades de pensar numa motivação, facilmente


encontrará excelentes motivos para praticar Asana (reduz o risco de injúrias
físicas, reduz o estresse, melhora a concentração, ganho de força, melhora o
equilíbrio físico, melhora a postura, a consciência corporal, te prepara para
viagem astral, etc.), Pranayama (menos estresse, melhora a digestão, fortalece
os pulmões, melhora o sistema linfático, reduz a depressão) ou escrever no seu
diário (comunicação clara, expansão e manutenção de vocabulário e conexões
neurais, memória onírica, contemplação, criatividade, foco, poder de decisão,
superação mais rápida de traumas, etc.), nem que seja um pouco por dia. Pois
bem: escreva agora a maior quantidade possível de razões que você tem para
praticar (se precisar, pare a leitura e procure motivos na internet, em livros, com
amigos); saber claramente o porquê das coisas ajudará a vencer a procrastinação
e a frustração, pode confiar.

A procrastinação pode ter vários motivos como o medo de falhar, a aversão


às tarefas, conformismo, tédio e desconhecimento da prática (sim, já pensou se
você não a quer?), falta de tempo, ansiedade, falta de habilidade, entre outros
fatores. Na maioria das vezes a procrastinação teve como motivação o medo de
falhar, o que nos dá muitas ideias sobre a personalidade dos procrastinadores:
muitos deles creem não ser capazes de realizar um bom trabalho ou tem
expectativas muito altas com relação aos resultados, e creem-se
incapazes de alcançar essas expectativas - em suma, baixa autoestima. Na
tentativa de evitar qualquer ferida na estima, o procrastinador dentro de nós se
protege como? Evitando a tarefa, e assim reprimindo a falha. Algumas pesquisas
mostram que achar “desculpas” para tudo é um hábito do procrastinador e
funciona como uma defesa de seu bem-estar: ele crê-se incapaz, reconhece sua
incapacidade como verdadeira, e por isso nem tenta realizar o ato, tendo por
final uma sensação falsa de que escolheu a “não-prática”. Definição e
compreensão claras são essenciais para começar essa guerra.

Definida a prática em si e a sua motivação, o próximo passo é compreendê-


la a ponto de descrevê-la com o máximo de clareza. A asana é qualquer posição?
Qual quero praticar? Quais os benefícios de cada uma? Escrever diariamente,
mas o que? Minhas emoções, sentimentos, pensamentos, ou os acontecimentos?
Tudo isso pode ser respondido com base nos objetivos finais. Com asana você
pode buscar o padrão de quinze minutos ou uma hora de prática, então seu
objetivo é ficar na posição por esse tempo; você pode querer diminuir o número
de interrupções mentais; com o diário, você pode querer relatar sonhos ou anotar
pensamentos; com pranayama, manter ciclos muito longos de respiração. Seja
qual for a prática, ela pode ser avaliada de forma quantitativa e qualitativa. A
maioria das pessoas quer apenas acabar com a procrastinação e não sabe sequer
suas causas. Além das causas anteriores, dois fatores essenciais na compreensão
da procrastinação é a compulsão e o atarefamento.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

A compulsão é um fator estudado recentemente no processo de


procrastinação, e se refere à espera de que surja um grande tempo livre para a
prática de algo e exagerar na prática desse algo na primeira oportunidade,
tentando compensar o tempo perdido. Um exemplo de compulsão
procrastinatória é o escritor que escreve somente se tiver cinco horas
disponíveis: ele raramente as tem, mas quando as têm, gasta toda sua energia
numa única tacada, se cansando ao final e passando por longo período
improdutivo novamente. O atarefamento é a desculpa que damos a nós mesmos
quando deixamos de fazer o importante - o que queremos - e nos enchemos de
tarefas menores, apenas para perder tempo e nos ocupar - outro sintoma da
baixa autoestima e do medo de fracasso. Um indivíduo que se sente pressionado
pela não realização de uma tarefa se descreve como ocupado. Ele pratica
sábado, acha ocupações menores durante toda a semana, e prática novamente
somente no outro domingo, tendo a impressão de que a causa de sua falta de
prática são… as outras tarefas menores e não sua! Um procrastinador não gosta
de ter uma tarefa importante à frente: tarefas grandiosas são origem de
ansiedade para ele.

E como quebrar a ansiedade, visto que a maioria dos praticantes de


Magick dão essa excessiva importância às práticas, até mais que seus trabalhos
e família? Tornando-a uma prioridade baixa, digo novamente. Em vez de
convencê-los nessa cadeira confortável que escrever no diário é gostoso, é
melhor apresentar a escrita no diário como ela realmente é: um relato do que se
passa na mente, e muitas vezes escrever será sim tedioso. A importância do
diário é muito grande, porém essa importância é o que faz muitas pessoas
fracassarem na escrita: elas lhe dão tanta importância que muitas vezes passam
1, 2 horas escrevendo (ou pior: copiando trechos de Eliphas Levi e Papus rsrs) - e
se cansando de tédio, muitas vezes. Em vez disso, escrever pouco inicialmente, o
mínimo possível, de forma que a escrita não seja dolorosa, é uma boa solução. E
isso vale para outras práticas também. Em vez de esperar executar um RMH
pomposo e todo concentrado, porque não apenas seguir o script da primeira vez,
e se atentar à execução mecânica? Ou fazer apenas a invocação inicial?

Outro item muito subestimado é o compartilhamento de informações.


Muitas pesquisas por aí mostram que a presença do orientador, esporadicamente
verificando o progresso da produção de teses e dissertações, aumenta a
produtividade de alunos procrastinadores. Muito da compulsão - não fazer nada
por muito tempo e querer salvar o mundo depois em duas horas, como falei -
ocorre no isolamento dos praticantes; sem um compartilhamento saudável,
esporádico de progresso, as pessoas tendem mais a procrastinar. Há, no começo,
como em todo tipo de performance, uma relutância em aceitar que algo feito em
doses homeopáticas surta efeito - assim como a maioria tem resistência a
modelos de gerenciamento de tempo. A maioria acha que uma asana de 10
minutos é muito mais proveitosa do que uma de 10 segundos. Que 1000 linhas

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

de diário são melhores que 10. No entanto a constância se mostra mais


importante que a quantidade, como ocorre nas artes e na música, por exemplo.
Essa técnica de monitoria por um orientador/amigo associada a períodos curtos
de produção (mas concisos e constantes) foi comprovada com sucesso em
pesquisas com estudantes de mestrado e doutorado.

Ter uma visão macro da prática, como seu objetivo “supremo” (por
exemplo, o controle físico e mental com Asana) é muito útil para manter a
motivação acesa. Essa motivação macro, multifatorial, mantém a vontade de
praticar muito mais do que apenas se oferecer recompensas para cada passo
dado. Esse grande objetivo, motivador, deve ser dividido em pequenas metas,
tão pequenas que correspondam ao mínimo necessário para fazer o hábito
evoluir: se a meta da minha asana é 15 minutos, que eu aumente diariamente
apenas alguns segundos. Se a meta é escrever no meu diário, o mínimo que eu
posso fazer é escrever uma ou duas palavras. E aumentar a meta
paulatinamente: 5 segundos por dia; 1 palavra a mais por dia; um verso a mais,
no caso de memorização de Libri sagrados. Escreva, na sua folha, qual a
quantidade mínima que você pode aumentar na sua prática para que ela seja
muito fácil. Se é o Ritual Maior do Hexagrama, dívida ele em pequenas partes e
vá acrescentando diariamente.

Em paralelo à transformação da prática em hábito, é importante aparar as


arestas e tornar os hábitos simplórios em mais automáticos ainda. Se você não
liga para roupas, gaste menos tempo escolhendo que roupa usar. Se você não
liga para comida, que coma a mesma todos os dias e gaste menos energia com
isso. Quando os hábitos do dia-a-dia estão fixados, podemos passar à etapa de
criação de cadeias, onde associamos nossa prática mágicka aos nossos hábitos
diários. O que você faz diariamente? Toma café? Toma banho cedo? Acorda né?!
Come? Bebe água? Como sua prática mágicka, que você tem tanta dificuldade de
fazer constantemente, pode se associar a esses hábitos? Em vez de mijar no
mictório no trabalho, que tal ir à cabine no banheiro e adorar Ahathoor ao meio-
dia, antes de sair pro almoço? Não adianta fantasiar demais e achar que só vai
poder praticar as adorações solares quando estiver no recanto do seu doce lar e
depois dizer “ah, eu estava no trabalho”!

Não espere que a força de vontade seja igual se você pratica uma jogada
de Tarot no dia ou se você prática 10 rituais e 50 adorações no dia seguinte. A
força de vontade é como o bíceps que você treina ali na academia da esquina (e
se não o faz, deveria, porque o corpo adora um exercício!): se você o usa demais,
maiores as chances de se cansar. Se você quer criar músculos tendo o mínimo de
esforço, o ideal é treinar pouco, num local que faça parte de sua rotina, em doses
paulatinas. O mesmo para a prática: comece com uma quantidade pequena que
não precise de tanta motivação; que seja impossível de se negar. Se quer fazer
50 flexões por dia, comece com uma única ou cinco. E nem preciso comentar da

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

importância de ter um canto ou vários de prática: ninguém merece se preocupar


em organizar um cômodo inteiro diariamente antes das práticas! Deixe tudo no
esquema.

É importante lembrar que transformar as práticas em hábito não é colocá-


las totalmente no automático, mas sim gastar menos energia com a repetição e
usar a motivação para focar no processo de execução e performance. É como o
músico que, memorizando uma peça, esquece a partitura e pode focar mais em
seus movimentos e na dinâmica da música. O hábito da prática mágicka, mesmo
depois de formado, deve permanecer fácil. Esse é o objetivo da progressão
gradual. Parece bobagem, mas imagina que você diminua 1% de qualidade por
dia. 0,99 x 0,99 = 0,9801. Enquanto 1,01x1,01 = 1,02. Manter a qualidade ou
melhorar; regredir é cair, como disse Eliphas Levi.

A prática começa a se tornar mais ou menos automática em uns 20 ou 30


dias, como qualquer hábito. Se precisar, use lembretes no começo. Eu costumava
utilizar notificações no celular para me lembrar das práticas de Asana, Resh,
escrita no diário; com o tempo, a prática vira hábito e você nem mais precisará
de notificações. Se sua prática precisa de um ambiente específico ou objetos,
deixe-os à mão, para que não perca tempo se organizando todos os dias. Facilite
sua vida e deixe o diário à disposição. Seja consistente, isso ajudará a gastar
menos energias na prática. Se cada dia você variar demais o local, a anotação, a
prática, o que terá é cansaço e uma mente fatigada. Pare de gastar energia com
o que não importa e foca na prática.

Utilize os gatilhos a seu favor, como disse anteriormente. Se você acorda


sistematicamente às 7:00 da manhã e toma café, associe a isso uma prática que
queira fazer. Se você chega do trabalho e vai direto ao banho, emende em
seguida um ritual que quer praticar. Quando eu tinha dificuldades de escrever no
diário, deixava-o aberto ao lado da cama, no quarto, com uma caneta ao lado.
Era chegar, praticar e logo escrever. Imagine se meu diário estivesse no
computador do trabalho, no escritório: teria que anotar numa folha ou celular,
esperar o dia seguinte e transcrever. Deu preguiça só de pensar no trabalho que
seria. Associei por um tempo a prática de Asana à prática de esportes, conforme
instrução de meu Instrutor: exercício intenso habitual, seguido de Asana; até que
se tornaram praticamente uma prática conjunta. Não basta só querer melhorar e
se aproximar cada vez mais de seu objetivo, parte do trabalho é eliminar o que te
impede de chegar lá. Pare agora e escreva o que te impede de chegar no seu
objetivo.

O diário é fundamental nesse processo todo. Além de ele ser um relato do


seu progresso, ele serve para você anotar coisas relevantes e liberar espaço
mental para outras coisas: é como a listinha de tarefas do trabalho; está tudo lá e
você não precisa se aborrecer esquecendo seus compromissos e o histórico das

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

coisas. E quando estiver com a prática sendo uma parte de sua rotina, você pode
variá-la e mudar parâmetros para novas explorações, tornando-se a
experimentação mais interessante e diversificada. Quando estiver a fim, escreva
muito. Quando estiver mais ou menos, escreva o necessário. Se inspirado,
desenhe. Se menos inspirado, talvez apenas um rascunho. Mas escreva.

Não esqueça da alegria: busque contentar-se com o pouco que consegue


realizar a cada dia. Lembre-se que seu objetivo não é mais 1 hora de Asana e sim
2 minutos apenas, aqui e agora. Se você não pôde fazer aquela adoração de liber
Resh em plena meia noite porque seu cônjuge estava dormindo, leia em voz
baixa, e fique feliz em cumprir. Você pode celebrar suas pequenas conquistas
dando-se, por exemplo, um belo jantar ou aquela cerveja especial, no final do
mês. Compartilhe também suas dificuldades! Somente sabendo quais são os
nossos pontos fracos e compartilhando nossas mazelas é que conseguiremos,
unidos, melhorar a consciência de nossas experiências rumo à Grande Obra, nos
tornando os homens e mulheres aptos ao beijo do nosso Sagrado Anjo Guardião.

Referências
BOICE, R. Professors as writers: a self-help guide to productive writing. Stillwater,
New Forum Press (1989).
BOICE, R. Procrastination, busyness and bingeing. California State University,
Long Beach (1989).
SCHOUWENBURG, H. Procrastinators and fear of failure: an exploration of reasons
for procrastination. European Journal of Personality, Vol. 6,225-236 (1992).
KOSTRITSKAYA, S.; SHVETS, E. Attaining ‘excellent learner’ habits in the esp
course. National Mining University, Dnepropetrovsk (1998).

Frater Amaranthus

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Nuit

Créditos: https://www.instagram.com/liantony_lopes/

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Kokab (2018)

Se chove esquenta
Se nubla esfria
Ta frio e ta quente
Não se apoquente
Tudo mudará
Esplendorosamente.
Nessa estável ignorância
Te excita ou repulsa
Te pulsa ou paralisa
Não se ruboriza
A natureza é amoral
Inútil ou Prático.
Dinâmico ou extático
É Tahuti, e, é Leghba
Tudo junto e misturado
Com Mercvrio amalgamado.

H418

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

A Busca pela Ordem Mística Perfeita, e o Paradoxo de


Fermi

Faz o que tu queres vai ser o todo da Lei.

Durante nossa vida somos doutrinados a aceitar que qualquer assunto


digno de respeito, deve ser aprendido de forma estruturada, serializada,
reproduzível. O cara que fez curso de inglês se apresenta mais apto para a
burocracia social do que o que aprendeu sozinho. Esse tipo de pensamento às
vezes nos livra de várias furadas como só nos consultarmos com médicos que de
fato passaram por um crivo de ensino e habilitação, mas por outro lado aprisiona
a nossa capacidade artística e de sermos autodidatas.

Esse é um dos fantasmas que assombra o esoterismo ocidental, a fantasia


de que só é possível aprender quando se pertence a uma ordem magicka,
quando se tem aulas, apostilas, prazos, notas, certificados. Os iniciantes são
abatidos por esse vazio existencial de querer interagir com algo e não saber
como, e tentam preencher esse vazio com o desejo do aprender.

Longe de mim ignorar que uma pessoa iniciante dá de cara com uma
profusão de títulos, nomes, rótulos, gurus e fica perdida, mas nesse caso a
própria comunidade pode apresentar uma lista de títulos ou etapas gerais para
se passar aprendendo determinado tema.

Também vamos ignorar só por hoje, que existem pessoas que não importa
o quão mastigado você apresente algo, elas ainda ficarão no mesmo lugar.

Para aquelas que já venceram a inércia e que adquiriram um linguajar


mínimo resta então esse desejo fantasmagórico de se juntar a uma ordem “pra
aprender”.

No meu entendimento o aprendizado é transversal ao objetivo da maioria


das ordens. Você vai aprender, ser treinado, mas pra operar aquele objetivo
literal ou simbólico da ordem, se tornar aquela pessoa ou se adequar aquele
aeon e não meramente para adquirir conhecimento e com ele fazer o que você
bem entender.

Na década de 90 um sketch de comedia grudou na minha cabeça e eu


nunca mais esqueci, um adulto perguntava para uma adolescente para que que
ela faria vestibular, e a adolescente respondia “ah, sei lá, tá todo mundo fazendo,
dizem que é importante, ai resolvi fazer.”

Essa cena ilustra bem a busca inicial por uma ordem magicka, influenciada
pelo fantasma do aprendizado estruturado (e as vezes da escassez de opções).
Mais ou menos como alguém querer aprender a tocar um instrumento e pra isso
entrar numa banda. Aprender a ser proeficiente nele vai ser uma consequência

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

de ensaiar todos os dias e precisar atingir um determinado patamar, mas o


aprendizado estará orientado a um fim especifico. E isso não é um problema, na
verdade que bom que é assim. Acho que tem muito mais gente que no fundo
quer mesmo pertencer a uma banda e não estudar música, e que bom que essas
pessoas “pelos motivos errados” acabam caindo no lugar que as faz mais felizes,
e esse é um caminho que eu vejo muito presente em todo tipo de ordem (e que
foi o meu caso).

Assumo aqui minha hipocrisia, como uma pessoa que não tinha muita ideia
de como era a A ∴A ∴ quando assinou o juramento e que hoje a A ∴A ∴ é o ponto
central e condutor da vida. Mas também escrevo isso tendo me dedicado por dois
anos em um trabalho coletivo, para finalmente perceber que eu simplesmente
não curtia aquilo ali, estava lá pelas pessoas, pela prática, para ajudar, pelo
prestigio, mas não para o que a ordem se propunha mesmo.

E como escolher a ordem perfeita pra mim então? Ou sugerir pros outros?
De posse da chave mística de que “aprender” como entendemos formalmente é
um trabalho transversal das ordens, o segredo é fazer escolhas ruins, mas não
muito ruins.

Existem diversos benefícios em entrar em uma ordem: Seja para você se


sentir bem, interagir com outras pessoas, e até mesmo pra se encontrar, além do
benefício de te ajudar a entender o que você não quer numa ordem.

Evite entrar coisas que pedem grandes somas de dinheiro para iniciar, ou
que se propõe como substitutos a tratamento médico. Corra de lugares que
desaconselhem você a ler o que você quiser, seja dizendo que é “do mal” seja
dizendo que vai “te atrasar”. Questione por que o espaço não tem mulheres,
negros, lgbts etc.

Pergunte o máximo possível sobre as reuniões e rituais. Muitas vezes, por


diversos motivos, uma ordem pode não querer revelar detalhes de seu rito de
iniciação, mas isso não significa que ela não possa te transmitir garantias sobre
certos aspectos de segurança. Com conversa e atenção é possível separar quem
está protegendo um segredo legítimo e quem está ocultando algo esquisito.

Leve em consideração não só o que você ouviu mas como cada situação se
desenrolou. Instituições são compostas de pessoas, e pessoas vacilam, cometem
decisões erradas, o grande mérito dos grupos sérios é a resposta olhando no olho
e dizendo “é, houve isso, não foi legal, hoje não é mais assim”.

Nunca se esqueçam, ninguém é “verdadeiro” ao ponto que compense você se


submeter a uma relação abusiva. Nenhum legado é bom o suficiente que valide
erros, deslizes, equívocos e julgamentos errôneos. Se o tom pra abordar o
passado é de “todos contra nós”, se o rolê que você tá, tem uma relação meio
esquisita com todo mundo que tá a sua volta, já é um alerta amarelo.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Independente de acertar de primeira ou não, é importante se ter em mente que


existem diferentes modelos e diferentes objetivos para pessoas diferentes, e que
muitas vezes coisas que te incomodam em uma ordem, dizem respeito a sua
própria iniciação, e esses espaços são um dos terrenos mais férteis para lapidar
essas arestas.

Depois de um ou dois anos em uma instituição dessas ocorre um fenômeno que é


como o desvelar da borboleta, você se sente insatisfeito, desconfortável, começa
aquele comichão, e o objetivo desse texto é refletir sobre ele.

Este comichão não tem nome, mas nos abate quando temos algum tempo de
ordem, nos estabilizamos ali com aquele fluxo, já percebemos que certas dores
de cabeça são cíclicas ou que certos procedimentos são engessados, às vezes
queremos muito mais magia cerimonial e muito menos meditação, ou queremos
muito mais meditação e muito menos magia cerimonial. Depois de meditarmos
sinceramente se a predominância desse desconforto vem de dentro de você ou
do lugar que está, dizemos para nós mesmos: “Deve ter algo melhor!” “Eu
mereço algo melhor!”. Se imagina que agora com bagagem, um verdadeiro
iniciado e com conhecimento, se está pronto para embarcar na odisseia para
encontrar a ordem magicka perfeita.

Sendo a magia e a matemática ciências tão próximas, e a astrofísica


desempenhando um papel imenso no esoterismo ocidental, achei prudente
recorrer a estes para ajudar nessa jornada.

Nomeado pelo físico Enrico Fermi, o “problema de Fermi” tem diversas


aplicações da física e na matemática que eu não faço a menor ideia por que não
sou dessas áreas, mas como bom nerd, posso falar sobre o “paradoxo de Fermi”
ou sobre suas supostas soluções, ou melhor ainda sobre como os fãs de ficção
científica se apropriaram desse conceito para rejuvenescer o estilo nessa era de
informação intensa.

No contexto da ficção científica “paradoxo de Fermi” se refere a: "O


aparente tamanho e idade do universo sugerem que muitas civilizações
extraterrestres tecnologicamente avançadas deveriam existir. Entretanto, esta
hipótese parece inconsistente com a falta de evidência observacional para
suportá-la."

Um excelente lazer de um domingo a tarde é procurar em um buscador por


“paradoxo de Fermi soluções” e se aventurar por páginas e mais páginas de
conjecturas criativas.

A quantidade e rapidez de acesso a informação que temos disponível hoje é


inimaginavelmente superior ao que qualquer outro ser humano na história da
civilização teve acesso, a humanidade tem ai vários milhares de anos de
civilização organizada e paralelo a esse desenvolvimento espiritualidade sendo
produzida e vivenciada. Com tanto conhecimento esotérico e histórico agora

30
Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

disponível, não só na internet como um todo, mas com universidades, coleções


privadas etc.

Onde está a ordem magicka que mais combina comigo? Aquela que
mistura cabala com rosacrucianismo, Thelema, mas que também ensina sobre
chackras e tem lá uma instrução secreta sobre magia sexual, sem torcer o nariz
para a integração do atabaque nos rituais.

HIPÓTESE DO “ELES JÁ ESTÃO AQUI”

Vamos começar com a clássica teoria da conspiração de que vida


inteligente extraterreste já habita nosso planeta, apenas não sabemos. Eles nos
conduzem de forma invisível para um propósito maior, benéfico ou não.

É possível se debruçar sobre este argumento em especial quando se está


feliz dentro de uma ordem. Mesmo com todos os problemas e chatices, se no
fundo você olha pra si e se percebe mais feliz do que antes, talvez você esteja na
ordem certa, e os problemas sejam só formas de você trabalhar algo em si sem
nem perceber.

HIPÓTESE DO ZOOLÓGICO:

Segundo John Ball, não haveria evidências de vida extraterreste por que ela
evoluiu bilhões de anos antes de nós, dominou a galáxia e agora decidiram não
interferir conosco, como fazemos com animais em reservas florestais. Nos
debruçando sobre essa hipótese, talvez essa ordem magica perfeita exista, mas
ela é composta apenas pelos mais altos iniciados que foram criados em famílias
de iniciados por séculos e você nunca será capaz de entrar. Será que esse
prognóstico é plausível?

Às vezes ambicionamos aquela ordem que só tem instruções presenciais e


longe, ou a que é muito muito difícil de entrar, ou que demora uma década, mas
nunca cogitamos que às vezes se matar de esforço não é a melhor solução.
Quase todo rolê esotérico tem alguma forma de expressar que “em todas as
crenças existe uma gota da verdade”, então se talvez a ordem que você mais
quer é literalmente inatingível, pode significar que você está obcecado por um
caminho sem cogitar outros que podem te conduzir de forma mais suave.

HIPÓTESE DE NÃO SE OUVIR A TRANSMISSÃO:

Um argumento usado pelo coletivo SETI (Search for extraterrestrial inteligente) é


o de que talvez os aliens estejam de fato transmitindo evidências de sua
existência mas não tenhamos as tecnologias suficientes para isso ou mesmo que
eles nunca tenham cogitado usar tecnologias que nós detectamos.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Dada a quantidade de línguas catalogadas e a quantidade de expressões


espirituais que possam se assemelhar a uma ordem magicka, e se a ordem
perfeita pra você for uma ordem monástica sufi no Turcomenistão? E se essa
ordem aceitar os candidatos que batem a porta dela mas jamais tiver feito um
anúncio na internet ou mesmo recebido um antropólogo viajante?

Precisamos estar preparados sempre pra hipótese que existir uma ordem ideal e
mesmo ser possível entrar nela, nem sempre é suficiente. O crivo e a busca
razoável tem que passar para além disso e se considerar a melhor hipótese ao
seu alcance e não fantasias exóticas. Para isso, já temos a Atlântida.

HIPÓTESE DA CIVILIZAÇÃO QUE CANSOU DE EXPLORAR:

Talvez exploração seja apenas uma fase, e que depois alguns milhões de anos,
civilizações deixem de ver valor ou achar interessante explorar.

Essa é talvez uma das hipóteses que mais encaixa com o discurso aqui. Diversas
ordens vem deixando de lado a preocupação em treinar iniciantes ou se
propagandear e passam a investir os caros esforços no desenvolvimento da sua
corrente magicka internamente.

Nesses casos pra resolver basta enfiar a cara na bibliografia sobre os temas que
te apaixonam, se algo existe ativo mas que não se propagandeia, provavelmente
será citada em algum lugar.

HIPÓTESE DA TERRA RARA:

Estudiosos alegam que pode existir algo muito especial na terra mas ainda não
percebido ou mesmo histórico que fez ela desenvolver vida inteligente em
detrimento de outros planetas com condições iguais.

Para a existência de uma ordem magicka, assim como para a existência de um


planeta habitável não basta um querer singular de um grande iniciado. Sem bons
discípulos, traquejo social e financeiro, projetos podem simplesmente afundar no
primeiro respiro. Então você bota ai na conta de que precisa de um grupo de
pessoas com características “ideais” pra que a coisa perdure minimamente pra
você ter acesso a ela.

É preciso se defrontar com o fantasma que talvez você seja muito bom mesmo e
é isso ai que tá ai. Todo esse papo descontraído misturando ficção cientifica e
magia é muito legal, mas também é um recorte super fechado e academicista, e
que talvez como você leitor, tenha algumas dúzias de pessoas com a mesma
vontade, bagagem, determinação, inteligência etc. E que mais do que pagar de
mestre acensionado, talvez o que falte no seu rolê seja uma pessoa boa como
você, construindo algo para todo mundo e não só para fazer a sua imagem
presente.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

O desejo pela “Ordem Magicka Perfeita” muitas vezes é um desejo de vaidade,


de se ver espelhado no universo e se achar tão especial que não se tem mais
nada a transmutar. Tantas outras vem de uma miopia em crer que você se
aproxima mais da “fonte” magica quando você bota mais coisa e palavra e vela
no ritual e não quando você bota menos.

Mas afinal, se a gente não vai lapidar o ego, vai trabalhar o quê pra se iluminar,
né? Quebre a cara sempre, se desencante, saia, envie aquele email mandando
aquelas pessoas tomarem no cu, tire um tempo para esfriar a cabeça e recomece
tudo de novo, mas gerencie seus prejuízos.

A cada desencanto, você vai conhecer mais sobre si mesmo, e se tudo der
certo, vai aprender aquele rolamento esperto pra não se machucar ao cair,
levantar e estar pronto para o próximo ciclo.

O amor é a lei, amor sob vontade.

Fr. F.V.L (Frfvl93@gmail.com)

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Olê, Mulher Rendeira!

Ou, a la ama de mis artes.

Um poema a Sacerdotisa da Estrela Prateada.

É mais fácil um camelo

rolar no asfalto

do que um peito de chumbo

cruzar os teus sete desertos.

Diante de ti,

Céu e Terra: dois lados de um livro aberto,

vinte lados das mesmas moedas.

(As coisas e vidas passeiam livres pela rede que arremessas cedinho na Praia do
Eterno Amanhecer, e rede que livra é só mais um dos prodígios possíveis que
podem rolar entre as tuas colunas.)

A tua teia:

Se o olho vê cadeia

É por excesso de carga

Na caveira.

Mas a Lua plena

Em uma poça serena,

Desfazendo-se em fios de prata

Me fez ver tua taça e também tua harpa,

E assim de um tapa

Vi que a Luz é tua capa,

E que atrás deste pano

Sorris do meu pranto.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Tu és cheia de graça.

Rafael Medeiros

Nota: É provável que o título em Espanhol soe estranho, ou mesmo esteja


incorreto para a norma culta. Sou um grande entusiasta e praticante do que o
alquimista Fulcanelli chamou de “Cabala Fonética”, ou “Linguagem dos
Pássaros”, que nada mais é do que estender o que se faz com o alfabeto
hebraico para todos os idiomas e sistemas sígnicos, sejam alfabéticos ou não.
Neste título, se você olhar bem, estão contidas as expressões “alma mater”,
“matéria+lama”, “Ártemis” e “seta”, para citar algumas. Estas permutações
fazem com que o campo semântico da setença se dilate, favorecendo insights
sobre o Atu, sobretudo quando relacionados ao corpo do poema. Como defensor
da tese de que a linguagem é muito mais do que ferramenta para listas de
compras, uso de minha poesia para restituir-lhe às suas funções de oráculo e
ferramenta mágica.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Encantaria de Codó, tinta nanquim e aquarela (60 x 40). Ricardo Zolinger Zanin.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Sobre a minha peculiar experiência em ser um


aspirante a Santa Ordem

Era um, aparentemente auspicioso, dia 11 e o sol estava sob a casa


zodiacal de Áries, e acreditava eu ser um bom momento para começos e
recomeços. Me levantei por volta das 6 da manhã, e fui para o meu treino na
academia antes de começar o dia no trabalho, coloquei o juramento recém-
impresso, tal como havia recebido, dentro de um envelope e este dentro da
minha bolsa que me acompanhou até o ginásio. Havia acordado bem-disposto, e
assumido o compromisso de assinar o juramento ao final da tarde numa hora
previamente escolhida, a temperatura era agradável, o céu com poucas nuvens e
uma eletricidade no meu ânimo e no meu corpo pois, já havia mais de um ano,
ansiava por esse momento e o que ele significava. Como a vida é uma bela
interpolação entre planos e desencontros, vitórias e derrotas, a surpresa daquela
manhã foi a minha distração em não notar a má colocação de um cabo de aço já
desfiado prestes a cair, ou mesmo o fato do aparelho estar quase desmontado,
como não era de costume, e minha mente, a de um pisciano regular, viajava em
paisagens lunares, incapaz de ler um aviso que também estava ali… Bang!
Sessenta quilos direto na parte anterior da cabeça! Eu estava sentado no chão,
algumas pessoas olhavam, eu tentava entender o que aconteceu… dor latejante
na cabeça, tontura, gelo, ducha, carro, trabalho. Apesar do incômodo consegui
trabalhar até certo momento, mas meu sócio a época achou melhor que eu fosse
procurar um médico, coisa que eu não costumo fazer a menos que esteja
morrendo, então fui para casa. Sabia que não poderia dormir, então esperei a
hora adequada, e fui fazer o procedimento de assinatura do juramento e os
outros nele envolvidos como havia pedido meu neófito. A parte do “são de mente
e corpo” me preocupou um pouco sobre se eu estaria mentindo no juramento,
mas eu me sentia são o suficiente, e não havia esperado tão ansiosamente para
desistir. E assim, “na base da porrada”, foi forjada o que hoje eu considero a
primeira arma mágica do recém-probacionista: o juramento.

A base material, o famoso “papel assinado”, é o símbolo de um


compromisso, e um poder, internos que agem e reverberam em todo o mundo
exterior do probacionista. Aliás, nesse momento o probacionista se encontra na
pior das hipóteses tateando no escuro, pois acabou de firmar um compromisso
com a sua alma, de “obter um conhecimento científico da natureza e poderes do
meu próprio ser”… o que ele não sabe muito bem o que significa, e nem como
descobrir quando tiver conseguido. A segunda ferramenta, o diário, que alguns
também consideram uma arma mágicka, eu vim a descobrir somente no dia 17
do mesmo mês, pois dois meses difíceis se seguiram com dores de cabeça
contínuas ao longo deles, tonturas, e claro aquela sensação inconfundível de que
você vai morrer! Ah, sim! A essa altura eu havia decidido ir num médico fazer um

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

check-up da minha situação já que sentia dores constantes de cabeça, e não


conseguia fazer esforços físicos, o que o médico confirmou e me afastou de uma
das atividades mais prazerosas do dia que era o momento que tinha comigo
mesmo enquanto levantava peso no ginásio. Nesse exato ponto foi onde comecei
a descobrir que o diário era o tato, no ambiente escuro, mas ainda de forma
tosca e pouco definitiva. Como todo tolo meu foco inicial era nas práticas e seus
resultados, em aumentar o tempo que conseguia manter a prática nos meses
que seguiram, e fui chegando a resultados que davam certo orgulho. Até chegar
no, também comum, ponto de estagnação ou de progresso mais lento. Comecei a
me decepcionar, e então meu instrutor ao receber minha primeira leva de diário
significativa me apresentou a primeira dispersão: a própria prática e a ânsia por
resultados. Nesse momento fui lembrado das ordálias desse período, inércia e
dispersão. As colegas que me acompanhariam para o resto da minha carreira
dentro da Santa Ordem, segundo também me explicaram.

Nesse ponto as coisas começam a ficar um pouco mais claras, e a sala


escura foi aos poucos se tornando não numa sala, mas na forma de uma caverna
com todas as imperfeições e texturas de uma, mas com um detalhe muito
peculiar: A caverna é espelhada. E devido às imperfeições, distorções, os
espelhos são planos, convexos, côncavos, bipartidos, tripartidos, estilhaçados, de
todas as formas que a geometria pode conceber. Seria ótimo se o probacionista
estivesse consciente desse fato, mas ele não está, e a princípio luta com todos os
reflexos de si mesmo. Cada defeito insuportável, cada comentário inapropriado,
cada pessoa desagradável, e até sua própria relação com o instrutor são reflexos
de aspectos internos que ele insistentemente tenta culpar o mundo externo. A
luz também não está clara o suficiente, o probacionista está muito longe da
conversação, e dificilmente nesse ponto tem qualquer coisa que sequer pareça
um arremedo de conhecimento, ou visão. Nesse ponto tive uma experiência que
prefiro não detalhar publicamente mas que foi um grande sucesso em práticas,
pois a havia estendido a tempos que jamais imaginei, especialmente nesse dia,
que aliás também foi um dia daqueles que se aproximam da perfeição mesmo na
vida mundana, e tive o que havia sido até o momento a experiência mística mais
estonteante que havia provado. Nenhuma droga, transe xamânico, orgasmo, ou
qualquer outra experiência havia sido tão impactante aos meus sentidos.
Acompanhada de grande inspiração onde fiz notas, rabiscos, rascunhos, e
orgulhosamente entreguei ao meu instrutor junto com uma leva de outras notas.
Ahhhh, dispersão! Ô ingenuidade! Se a resposta do instrutor fosse um encontro
com uma garota, eu teria tido o equivalente a um fora daqueles de ficar triste por
uns dias. Com o “coração partido” eu fiz, com relutância e um pouco de raiva, o
que um bom probacionista deveria fazer: obedeci meu instrutor na ideia de
aquilo era uma besteira, e nada muito além de uma experiência divertida. Não
me entenda mal! Eu sabia que tinha passado algo significativo, mas entendi que
meu instrutor talvez quisesse me mostrar que aquilo era dispersão, afinal, havia
trabalho a ser feito, tudo ainda era como antes, e não havia atalhos no caminho.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Com os meses se passando essa experiência foi assentando em meu ser, e se


colocando apenas como um ponto de pico numa curva que se estendia em altos
e baixos, e que não era melhor que dez singelos minutos de prática disciplinada,
parte de um conjunto formado por dias consecutivos de prática. Ritmo e
constância, além de aplacamento.

Esse momento específico me ensinou que eu, apesar de completamente


perdido em relação a como solucionar o dilema do probacionista, tinha pontos
nos quais me apoiar, minha prática desde que sem ânsia de resultados, minhas
tarefas (aquele papel que vem junto com o juramento, no caso), e os toque do
instrutor. Eu comecei a entender que não importa o que acontecesse, se eu me
mantivesse com essas guias nas mãos seria mais difícil cair, ou perder o rumo.
Sim, a caverna na penumbra e cheia de espelhos, agora contava com cordas
guia. As idas e vindas de diário, e as gargalhadas do instrutor que se divertia em
como eu patinava em dispersão, e o quanto eu me levava a sério demais, foram
fundamentais. Aliás, se levar a sério demais é um defeito com o qual eu tenho
pouca paciência nos outros. Se só você se leva a sério, você é o quê, afinal? O
Dedé de “Os Trapalhões”! Fazer humor em conjunto requer um certo refinamento
mínimo de estratégia, “Os Trapalhões”, tinham o Muçum como o cachaceiro,
malandro, sambista; o Zacarias que te fazia rir com a risada dele, e as caretas,
sem precisar dizer muito; o Didi que era o palhaço mais cheio de armadilhas,
planos, e aparentemente mais esperto, o líder da turma… e o Dedé! O Dedé é o
palhaço sem graça, que só é engraçado em conjunto. Porque ele é o palhaço que
se leva a sério. E o que é o probacionista senão um número de “Os Trapalhões”?
O Tolo, no sentido de ingênuo, imprudente, trapalhão. Foi um momento tímido e
semiconsciente de começar a perceber que ao meu redor tudo eram espelhos,
imagens distorcidas ou não, de mim mesmo. Parece uma percepção óbvia e tola,
mas que só é realmente compreendida quando vivida e não quando lida,
explicada, ou contada de terceiros. Só é possível obter conhecimento através da
experiência, vivendo o sistema na própria carne e ossos.

O assentar da incrível experiência mística de êxtase só veio com os meses


que se seguiram, onde a luz foi se tornando mais clara e difícil de suportar, as
mãos já tinham dificuldade de agarrar as guias, o tato já era difícil de suportar,
por tocar nas minhas próprias feridas. Uma experiência infinitamente prazerosa
em sua dor. Quando começou um período de Apophis, dificílimo de sair, porque
quanto mais se tateia mais se machuca, mais se enxerga, mais insuportável é
ver, um ponto difícil de atingir: o fundo do poço. Minha vida mundana não se
tornou menos difícil, ao contrário, acompanhou exatamente o momento interno
que vivia. Nem mesmo fechar os olhos te impede de novamente estar se
olhando, pois uma vez assim, os olhos fechados olham para dentro.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

“Chegará o momento em que cada um, sozinho, privado de todo contato


material que possa ajudá-lo em sua resistência interior, terá de encontrar em si
mesmo, e só nele mesmo, o meio
de aderir firmemente, pelo centro de sua existência, ao Senhor de toda
Verdade.”

(Algumas observações sobre o trabalho de René Guénon, Anônimo –


Estudos tradicionais, Ano 52, n 293)

E como no livro de Thoth, que conta a história de cada um, e qualquer um


de nós, veio O Diabo, A Torre… e depois de toda torre que se despedaça, jogando
seus habitantes no solo, com raios e tempestade, te resta tão somente aspirar
pel’A Estrela. Toda experiência do probacionista não está em suas mãos, e todos
esses eventos servem para ilustrar esse fato inegável em qualquer experiência
análoga. A Torre de Babel que você construiu, agora não está mais de pé, sua
tentativa ingênua de alcançar Deus foi destruída. Toda essa experiência, como
uma prova matemática por absurdo e/ou por negação, te ensinam a descobrir o
que você realmente quer, através do conhecimento daquilo que você não quer,
não pode, ou que não combina mais com o seu curso de ação. Você então
escolhe um curso que faz sentido, um código de conduta pelo qual viver, que
passa a ser então sua resposta ao dilema inicial, porque é a única coisa que te
resta. Desprovido de certezas inúteis, começa agora uma nova experiência,
porque os reflexos já são conhecidos no espelho, o tato e as guias se mostram
confiáveis como antes. Dion Fortune já escreveu que os símbolos são
ferramentas para a mente; assim uma vez que você consegue se ver como um
dos Trapalhões, ou vivendo um dos arcanos do tarô, você começa a se modelar
com o seu próprio conjunto de símbolos e interagir com o mundo através
também deles e de outros símbolos universais. Há uma nova jornada adiante,
talvez de obter controle dessa nova forma de interação com o mundo, através da
sua natureza e seus poderes que agora são um pouco mais conhecidos que
antes.
I.156

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

”Topdog”* do Mundo Inferior.

Em muitas culturas passadas e presentes ao redor do mundo, cães ou


figuras caninas estão associados ao Mundo inferior ou mundo dos mortos. Há
algo de curioso nessa associação, especialmente
para os ocidentais contemporâneos que veem os cães como os melhores amigos
dos homens. Misturar então essa noção de amizade e fidelidade com a morte,
talvez o conceito mais desconfortável com o qual temos que lidar, parece muito
estranho. Minhas meditações e evocações me levam a contatar o Deus Anúbis,
que me iluminou sobre essas conexões. Espero que este seja artigo seja,
principalmente, um testemunho de como insights podem ser adquiridos através
da prática mágica. Primeiro, porém, deixe-me familiarizar o leitor com alguns
pontos de vista sobre a ligação entre os cães e a morte e sobre como eu
converso com os Deuses e também, permita-me dar logo um aviso. Ao lidar com
civilizações antigas necessariamente recorremos a simplificações. As
representações e conceitos aqui discutidos certamente variaram ao longo do
tempo e do espaço. Assim, outras fontes poderão apresentar informações
conflitantes ou não totalmente concordantes.

No antigo Egito, os Deuses com cabeça de Chacal (sim, havia mais de um)
estavam principalmente envolvidos na jornada dos que foram para o
além. Anúbis, o mais famoso destes, era o Deus do processo de embalsamento e
tinha o título de "O mais importante dos ocidentais". Sendo o Ocidente a terra
dos falecidos. A principal teoria que podemos encontrar em qualquer livro de
mitologia acerca da ligação entre estes Deuses e a morte é que nos primeiros
enterros na areia do deserto, chacais, animais oportunistas e inteligentes, eram
frequentemente vistos mexendo em sepulturas. Certamente estavam tentando
comer parte da carne disponível. Assim, a presença constante destes animais em
sepulturas teria sido o estopim para a construção destes como símbolos
relacionados aos mortos e ao mundo inferior.

Tenho certeza de que as comunidades humanas logo descobriram que


cadáveres em decomposição atraíam animais. Eu não estou sozinho neste
pensamento. Alguns historiadores e antropólogos acreditam que assim que os
humanos domesticaram as plantas e começaram a se fixar em um ponto
geográfico, a eliminação de cadáveres tornou-se um problema. Em parte, isto
deve ter acontecido devido ao fato dos corpos atraírem predadores. E os
predadores geralmente significam perigo. Então, os enterros teriam se tornado
uma espécie de norma, para que este e outros incômodos fossem
sanados. Parece-me claro que as pessoas no Egito Antigo sabiam que os chacais
e os cães estavam realmente atrás de algo para comer e não estavam
interessados em nada espiritual. Não podemos descartar aqui, porém, que os que
avistavam estes animais possam ter sido inspirados por estas visões de maneira
a criar algum símbolo. Apesar de esta teoria fazer sentido, sempre me

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

incomodou. Parecia-me que havia algo a mais nessa dinâmica, algo que
permanecia incompreendido.

Aqui faço um aviso importante. Quando falo do incômodo acima, não me


refiro a nada acadêmico. Esta é uma publicação de magia e embora seja sempre
interessante respeitar certas regras acadêmicas, não estou particularmente
preocupado com o rigor científico. Portanto, minha implicância com a teoria dos
“animais nas sepulturas” não estava suportada necessariamente por dados
materiais, mas era de origem íntima.

Voltando aos Deuses com cabeça de Chacal, é importante notar que


estudos recentes apontaram para o fato de que o chacal do deserto egípcio não é
realmente um chacal, mas um lobo. De qualquer forma, é uma figura de “cão” e,
para discutir os símbolos, a análise do DNA é completamente inútil. Na verdade,
os antigos egípcios eram muito bons em seus desenhos. Eles conseguiam,
aparentemente, representar cães em todas as suas diferenças (Veja as figuras
abaixo, mas note a diferença de tempo entre elas, é preciso exercer esta
crítica). Então, é muito curioso que Anúbis não pareça realmente um chacal ou
um cachorro (Veja a figura do Chacal Egípcio e depois de Anúbis, caso não o
conheça, também abaixo ). Eu li em algum lugar (e eu realmente não me lembro
onde) que esta representação singular de Anúbis pode ter sido muito bem
intencional. Que este Deus foi realmente visto como uma fera mítica semelhante
a um cachorro. Talvez algo como um canídeo genérico.

Figura 1. Pintura em tumba revela um (provável) caçador com um cão


(mais abaixo) e um mangusto em coleiras. Pintura de algum período entre 2.050-
1.650 antes de Cristo. Retirado de: https://www.archaeology.org/issues/296-

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

1805/features/6508-egypt-middle-kingdom-tomb-paintings. Acesso em
26/10/2018.

Figura 2: Paleta dos “Dois Cães”. Reparem na representação da cabeça do


cão. Aproximadamente de 4.400 antes de Cristo. Retirado de:
https://www.ashmolean.org/two-dog-palette. Acesso em 26/10/2018.

Figura 3: Aqui está o Chacal Egípcio, agora reconhecido como um Lobo por
estudos de DNA. Retirado de:

https://news.mongabay.com/2011/01/egyptian-jackal-is-actually-ancient-wolf/.
Acesso em: 26/10/18

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Figura 4: Anúbis está ao centro. É fácil de achar. Retirado de:


https://www.britannica.com/topic/Anubis. Acesso em 26/10/2018.

Para os gregos antigos, havia uma figura importante no Hades que se


encaixa na categoria ora discutida. Tendo três cabeças e sendo responsável por
manter os mortos e os vivos separados, o Cérbero é um personagem que ainda
hoje atiça a imaginação (veja a série Harry Potter, por exemplo). Bem antes de o
menino bruxo encontrar o “Cão do Hades”, porém, a besta de três cabeças era
mais famosa por ter sido capturada por Hércules em seus doze
trabalhos. Cérbero não é um psicopompo como Anubis, mas ainda tem laços
estreitos com a morte e vive no mundo inferior. Como é bem sabido, os gregos e
os egípcios trocaram todo tipo de influências culturais e coisas materiais.
Também, por um tempo, o Egito foi governado por faraósde linhagem Grega,
os Ptolomeus. Durante o domínio Grego do Egito, Deuses e Deusas foram
fundidos e acredita-se que Anúbis era de alguma forma equivalente a Cérbero e
também ao Hermes Ctônico. Este último sim, um psicopompo também.

O próprio Cérbero pode ser entendido como um equivalente direto dos


cães do mundo real. Não é de se estranhar que, desde os primeiros tempos, os
cães fossem usados como guardas e mantivessem propriedades e coisas a salvo
de ladrões e invasores. Isto é, de certa forma, o que o Cérbero fazia no
Hades. Ele latia para assustar os mortos que escapavam e para alarmar seu
mestre. É claro que, sendo uma criatura mítica, o Cérbero também tinha uma
cauda de serpente e outras características estranhas em diferentes
histórias. Tenho certeza de que o seu papel no mundo inferior também sofreu
algumas alterações ao longo do tempo, mas vamos nos ater ao mais conhecido
para este ensaio.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Um pouco mais desconhecido do grande público, creio eu, é o fato de


que os Astecas ou Mexicas também desenvolveram a ligação entre os cães e o
Mundo Inferior. Tão forte era essa conexão para eles que os cães costumavam ser
sacrificados em sepultamentos para garantir que o morto encontrasse o caminho
certo para o pós vida. Além disso, eles adoravam um cão-Deus, Xolotl, que
estava associado aos raios e a morte. Eles também tinham um sistema muito
particular de zodíaco, no qual o signo do cachorro- Itzcuintli- estava relacionado à
morte. Estudiosos acreditam que a associação entre Itzcuintli e morte se firmou,
pois este era o último signo da roda da mesma forma que o signo de Peixes está
associado ao descanso eterno hoje em dia. Esta visão dos cães ainda
está viva no México nos dias de hoje. Como sabemos, o povo Mexicano
realmente celebra a morte e os que partiram, como mostram o festival do "Dia
dos Mortos" e o culto de "Santa Muerte". É incrível perceber como alguns traços
culturais do antigo povo mexicano ainda estão muito presentes.

Como eu escrevi em algum lugar neste ensaio, comecei a refletir acerca


dos detalhes dessa associação. Em vez de recorrer apenas a periódicos
acadêmicos, decidi adotar uma abordagem mais mágica, pois queria também
despertar outro ponto de vista. Eu fiz uma série de evocações para Anúbis, com
quem eu já havia trabalhado e desenvolvido uma relação mágica há algum
tempo. Ao descrever os métodos, aproveito a oportunidade para discutir algumas
abordagens e pontos de vista mágicos.

Bem, as evocações foram feitas da maneira mais corriqueira


possível. Um ritual de banimento primeiro, alguns objetos em um altar, um apelo
para o Deus aparecer, um incenso queimando e Anúbis apareceria em minha
mente e falaria comigo. Depois, outro ritual de banimento para finalizar.

Eu não acho que evocações mágicas precisem ser necessariamente


complicadas e cheias de coisas como adagas, taças, capas e pilares. Não vou
negar, porém, que quanto mais elementos você colocar no seu trabalho,
provavelmente melhor ele será. Eu tenho uma pequena e bela estátua de Anúbis
que comprei do site do Museu Britânico que sempre me preenche com um
sentimento de admiração quando a vejo. Eu acredito que esta estátua seja uma
ferramenta poderosa para estas operações. Eu também tenho uma estela
representando ele, uma pequena figura dele também está em algum lugar do
meu templo. Quando eu coloco meu altar, todas essas coisas figuram nele. Eu
sempre uso também o arcano da Lua do tarô Crowley-Harris, que eu acho que é
uma bela obra de arte e perfeitamente dentro do contexto. Além disso, eu tenho
uma taça com imagens de Anúbis que eu posso usar para oferecer água, vinho,
cerveja ou qualquer outra coisa que julgue necessária. O incenso também está
sempre queimando quando faço meu trabalho. Eu tenho queimado olíbano, às
vezes, cravo. Não observo estritamente as associações cabalísticas e planetárias
e entre o Liber 777 e minha intuição, fico com a segunda. Porém, sempre estou
ciente das associações da tradição e acredito que é este conhecimento o que me
permite tomar certas liberdades. Claro que você pode recorrer a essas fontes

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

para ter uma ideia de onde começar, mas aconselho fortemente a não se tornar
um “purista” e fazer tudo conforme dita o livro. Não tema que algo dê errado se
você tentar coisas novas. Na minha experiência, na maioria dos casos tudo ou
corre bem ou, pelo menos, sem grandes questões. Mas mesmo quando algo
indesejável acontece, há maneiras de se lidar com isso. Ter algumas pessoas em
sua linhagem mágica para lhe dar uma mão também pode ser importante, mas
não estritamente necessário ao ponto de desencorajar o praticante solitário.

Como o leitor deve ter notado até agora, estou descrevendo a


preparação para um ritual muito comum e usual pelos padrões da tradição
mágica ocidental. Algo que é fortemente influenciado por Crowley e pela Golden
Dawn. Não vou negar que seja. É bastante óbvio. Mas é apenas uma estrutura. É
nos detalhes que se deve colocar sua assinatura. Veja o que funciona. Encontre o
que funciona para você.

Na etapa final da operação, não faço um banimento de Anúbis de


maneira bruta. Parece-me algo que realmente não faz sentido. “Liguei” para ele,
ele veio, tivemos uma conversa muito amigável e agora eu vou jogar alguns
pentagramas em chamas só para manda-lo embora? Não vai dar para culpar a
entidade se no próximo encontro as coisas forem de mal a pior. Então, eu faço
uma “licença para partir”. Agradeço a Anúbis e digo-lhe que espero vê-lo
novamente e espero que ele vá. Só depois disso, realizo o ritual final de
banimento. É simples: agora estou tentando colocar tudo de volta em seu devido
lugar. Um Deus acabou de sair da minha casa. Ele gosta de algum espaço e
talvez ele se sinta confortável demais na minha sala e tenha deixado alguns
copos sujos em cima da mesa. Foi tudo legal, mas eu não quero tropeçar nas
suas coisas mais tarde, então eu dou uma boa limpeza na casa. Sem
ofensa. Nenhuma intenção de se livrar dele, apenas de deixar as coisas no seu
devido lugar.

Alguns podem entender isso como uma maneira muito tola de ver as
coisas, mas eu acredito que faz toda a diferença no relacionamento com a
entidade com a qual você deseja trabalhar. Novamente, a experimentação é o
sucesso. Experimentação, porém não deve desprezar a prudência.

É evidente que estou descrevendo tudo de uma maneira muito


amigável. A razão é simples: estou falando de um ou entidade ou espírito ou
Deus com o qual eu quero ter uma boa relação. A mesma atitude não funcionaria
em uma evocação necromântica para falar com algum fantasma que está
causando problemas, por exemplo. A estrutura do ritual poderia ser muito
semelhante, mas não os detalhes e intenções.

Só mais uma coisa antes de entrar no relato da experiência, que é breve,


aviso logo. As pessoas frequentemente perguntam a nós, praticantes de magia
se realmente acreditamos em deuses e espíritos e esse tipo de coisa. Quer dizer,
as pessoas querem saber se achamos que são reais. Por real, digo separados de

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

nós e autônomos. Ou seja, mais do que apenas construções de nossas


mentes. Neste assunto, cito Crowley e digo que não importa desde que as coisas
estejam funcionando. A experiência é real o suficiente, não importa o que
aconteça. Aqui, irei mais longe e direi a vocês que acredito que estas coisas são
tanto externas quanto internas. O que quer isso dizer exatamente? Como isso
funciona? Eu não tenho uma resposta. Desculpem-me. Talvez em outro ensaio no
futuro.

Bem, finalmente, isso foi o que Anúbis me contou sobre sua


representação como um Chacal e sobre cachorros e o mundo inferior

Durante uma evocação em particular, eu estava fazendo a asana do


“Dragão” e me concentrando quando Anúbis apareceu em uma estrutura
semelhante a uma tumba. Cumprimentamos-nos e ele me deu alguns insights
sobre coisas pessoais. Eu já estava querendo mesmo perguntar a ele sobre essas
coisas, então, digamos que foi muito oportuno. Mais tarde, ele me disse que eu
realmente não estava prestando atenção em nada se não conseguia entender
por que ele aparece para mim e para os outros como um cachorro. Ele me disse
que, indo para a jornada mais perigosa e misteriosa de todas, a morte, as
pessoas se sentem mais confiantes e confortáveis com um companheiro leal e
fiel ao seu lado. Ele observou que se alguém escolhesse um companheiro ou guia
ruim para uma viagem tão importante quanto essa, as coisas poderiam dar
realmente errado. Então, ele disse que os humanos ficam bem à vontade quando
percebem que o seu guia é uma figura que eles entendem por eras como a mais
fiel e leal de todas as criaturas: o cão. Não tem nada a ver com animais em
sepulturas e tudo a ver com lealdade , ele falou, e depois desapareceu.

Eu fiquei no meu templo admirado pela minha própria ignorância. Tudo


fazia tanto sentido que eu não conseguia acreditar. Logo depois dessa
experiência, procurei por essa associação no google, em livros e em periódicos
exaustivamente e nada achei. Muito tempo se passou até que eu encontrasse
uma pessoa especialista em Egito Antigo que me disse que tinha como teoria
pessoal essa ligação entre a fidelidade canina e a jornada até a morte, mas essa
pessoa reconheceu que ou não havia ou havia muitos poucos teóricos falando
sobre este tema.

Eu percebi que deveria colocar esta vivência no papel. Não foi a


experiência mais intensa que tive ou a operação mágica mais assombrosa que
fiz, mas fornece uma visão interessante sobre as maneiras pelas quais
procuramos compreender algumas coisas. Normalmente, para entender, por
exemplo, um Deus em particular, seria possível abrir todos os livros e sites
possíveis sobre o assunto. Depois de ler inúmeras palavras, poderia parecer que
sabemos muito, mas na verdade só sabemos o que outras pessoas escreveram
ou disseram. Experimentar as coisas é diferente. Isso é uma parte importante da
magia.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

O Anúbis me contou algo que eu nunca encontrei em livros. Talvez


realmente tenha sido o que fez os antigos egípcios verem o guia para o mundo
inferior como um cão. Há uma grande chance, porém, de que não tenha sido
nada disso. E quem se importa? Eu certamente não sei. Isso fez todo o sentido
para mim. Isso me ajudou a entender um pouco sobre minha própria natureza. É
claro que não discutirei detalhes pessoais aqui, mas acredite que foi muito mais
rico do que qualquer coisa escrita no papel.

Um aviso final: é claro que tais experiências não podem ser compreendidas de
forma objetiva. Ou seja, por favor, não podemos acreditar que experiências
mágicas como essas possam fornecer dados fidedignos sobre civilizações
antigas. Magia não é história e nem arqueologia.

Espero que esta breve discussão e mais breve ainda relato tenha sido o
suficiente para despertar no leitor a vontade de realizar ou ainda de explorar
mais a fundo suas próprias experimentações.

• “Topdog” pode ser traduzido como Chefão, mas preferi pelo termo em
Inglês para manter a brincadeira com “dog” que é palavra Inglesa para
cachorro.

Referências:

Bard,K. An introduction to the Archaeology of Ancient Egyt. 1a edição. 2007.


Wiley-Blackwell.

Hornburg, E. The Ancient Egyptian Books of the Afterlife. 1999. Cornell Univ. Pr.

Ritner, R. K. The mechanics of Ancient Egyptian Magical Practice. 1997. Oriental


Institute of the University of Chicago

Beyer, H. The symbolic meaning of the dog in ancient Mexico. American


Anthropologist. 10, 419-422.

Duquesne, T. Jackal at the Shaman´s Gate: Study of Anubis, Lord of Ro-setawe


with the conjuration to Chthonic Deities (PGM XXIII). 1991. Darengo publications.

Frater T.S.Q.V.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

A mensagem do Profeta do Novo Aeon na obra do


Bardo Raul Seixas

Da análise das diversas obras de Aleister Crowley (1875-1947) podemos


identificar várias influências sofridas pelo autor ao longo de sua vida, como a
moral vitoriana em sua educação, a tradição liberal britânica pautada na ideia de
liberdade individual, o decadentismo, orientalismo e principalmente a influência
de grandes filósofos, como Bertrand Russell (1872-1970) e Friedrich Nietzsche
(1844 – 1900).

O local e época vivida foi de suma importância para o impacto da obra de


Crowley na sociedade inglesa: a maioria das liberdades que ele pregava até hoje
são buscadas e o contexto que permitiu isso foi justamente o momento histórico
em que ele viveu. O campo da moral e da religião recebeu um duro golpe dado
por Nietzsche em suas obras, especialmente O Anticristo, Assim falou Zaratustra
e Além do bem e do mal, e Aleister Crowley segue suas ideias, buscando
construir uma nova moralidade a partir dos pressupostos Nietzschianos. Em
“Além do bem e do mal” (Martin Claret, 2015, p.61-62) Nietzsche diz:

Para desvendar e descobrir que história teve até então o problema


da E DA CIÊNCIA CONSCIÊNCIA na alma dos homines religiosi, talvez
uma pessoa tivesse de ter, ela mesma, uma imensa, sofrida e
profunda experiência quanto, por exemplo, à consciência espiritual
de Pascal – e mesmo assim de tal pessoa seria exigido aquele amplo
céu de espiritualidade clara e perversa do alto do qual fosse capaz
de divisar, organizar e efetivamente formular este enxame de
perigosas e doloridas experiências que viveu. - Mas quem poderia
me fazer tal serviço! E quem teria tempo para esperar tais serviçais!
- a aparição deles é uma raridade – e na maioria das vezes não se
pode contar com eles! (…) o amor à verdade tem sua recompensa
no céu, assim como na terra.

No livro “O Anticristo”, Nietzsche ainda diz no início que o homem do tipo


superior, que venha a ser a representação da real evolução, aprimoramento,
fortalecimento, são casos isolados, e se apresentam como uma espécie de
“super-homem” em comparação ao resto da humanidade. Ele continua
demonstrando como o cristianismo travou uma luta contra esse tipo de homem e
como ele baniu todos os instintos mais profundos de tal tipo, relegando-os ao
campo do pecado e corrupção. Em diversos escritos, Crowley faz referência ao
filósofo alemão. Em seu livro “Magick without tears unexpurgated commented”,
cap 48, Nietzsche é considerado como um profeta do novo Aeon. Nesse mesmo
livro, Crowley faz outras referências a ele (cap.7):

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Nietzsche expressa a filosofia desta Escola, nessa medida, com


considerável precisão e vigor. O homem que denuncia a vida se
limita a definir-se como o homem que é desigual a ela. O homem
corajoso se alegra em dar e receber golpes duros e o homem
corajoso é alegre. A ideia do Valhalla Escandinavo pode ser
primitiva, mas é viril. Um céu de concerto popular, como o do
Cristão; de repouso inconsciente, como o do Budista; ou mesmo do
prazer sensual, como o do Muçulmano, excita a sua náusea e o
desprezo. Ele compreende que a única alegria que vale a pena é a
alegria da vitória contínua, e a própria vitória se tornaria tão mansa
como um croque se não fosse temperada pela derrota igualmente
contínua.

Na passagem acima, podemos observar a aproximação do pensamento de


Crowley com o de Nietzsche no que tange a crítica às religiões e, principalmente,
de forma mais indireta, sobre a vontade de potência que levaria o homem a
busca pela superação contínua de si mesmo. E por isso Nietzsche surge como um
dos santos gnósticos em Liber XV, ritual conhecido da OTO.
Como vimos, o estudo de Thelema é muito mais complexo e importante do
que parece. E, ao trazer para o cotidiano brasileiro essa fórmula de um Novo
Aeon, como proposto por Crowley desde “O Livro da Lei”, com todas essas
nuances intelectuais e místicas, o músico e compositor Raul Seixas (1945-1989)
se tornou o maior divulgador popular de Thelema no Brasil, e talvez mesmo o
maior no mundo não apenas pela quantidade de composições e interpretações,
mas também pela qualidade. Raul, com o seu anarquismo, faz uma contraposição
aos sistemas vigentes sociais, econômicos, políticos e religiosos de sua época,
pareando com outros nomes do mundo artístico internacional que também
divulgaram Thelema de alguma forma como artistas do rock. Por exemplo, Ozzy
Osbourne (1948-) que compôs a música “Mr. Crowley” em tom de crítica; David
Bowie (1947-2016), Marilyn Manson (1969-), Nina Hagen (1955-), Prince (1958-
2016), Jay Z (1969-), e mais uma infinidade de outros músicos(as) tiveram
contato e sofreram influências da obra do grande mago inglês.

A chegada de Thelema no Brasil se deu com Marcelo Ramos Motta (1931-


1987). Seu contato com o mago inglês passa pela Fraternitas Rosicruciana
Antiqua (FRA), uma ordem Esotérica rosacruciana que inicialmente teria adotado
a lei de Thelema. O então líder da FRA, Parzival Krumm-Heller (1876-1949),
colocou Motta em contato com Karl Germer (1881-1962), herdeiro de Crowley,
em 1953. Em 1962, Motta publica no Brasil uma tradução do “Liber Aleph” de
autoria de Aleister Crowley, e o seu próprio livro: “Chamando os filhos do sol”.
Mas, após verificar erros seus neste último livro, além da provável pressão
advinda com o golpe civil-militar de 1964 no Brasil, Motta retira esse livro do
mercado no mesmo ano do lançamento. Ele afirmava que só cinco edições
haviam sido vendidas, sendo uma para o seu futuro neófito, Euclydes Lacerda de
Almeida (1936-2010). Em 1987, Marcelo Ramos Motta morreu em Teresópolis, e

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

ainda hoje o seu nome, ao lado de Euclydes Lacerda e de Raul Seixas,


permanecem como estrelas no universo thelêmico. Motta chegou a compor com
Raul algumas das mais interessantes músicas: “Tente Outra Vez”, “A Maçã”, “Eu
Sou Egoísta”, “Peixuxa”, ‘Novo Aeon” (aqui sugerimos também a leitura das
obras “Raul Seixas por ele mesmo” da Martin Claret, 1990; e “O Baú do Raul”, ed.
Globo, 1992).
Junto a nomes como Sylvio Passos (1963-), Toninho Buda (1950-), Paulo
Coelho (1947-), Cláudio Roberto (1952-), dentre outros com quem fez parceria
(muitas vezes conturbadas), o compositor baiano atraiu a atenção do público – e
mesmo das autoridades da ditadura brasileira dos anos 70 – pela transgressão ao
sistema que tais parcerias mostraram. Raul não falava abertamente na mídia
sobre sua trajetória ocultista, contudo, vemos marcas indeléveis de mensagens
desse tipo em suas obras. Sylvio Passos e Tuninho Buda, na interessante obra
“Raul Seixas, uma antologia” de 1992, afirmam que o legado musical de Raul é
muito mais filosófico do que místico ou religioso. Eles atribuem apenas 10% do
total produzido como sendo nesse estilo. Nós não conferimos tal quantitativo,
mas particularmente acreditamos num percentual maior.

Paulo Coelho rompe rapidamente com Motta e com o trabalho thelemico


após um ordálio mágico que Paulo teria enfrentado e sucumbido ainda no ano de
1974. O caminho e as ideias de Paulo Coelho e Raul nos trabalhos mágicos e de
Thelema, em especial entre os anos de 1973 e 1974, podem ser melhor
entendidas nas chamadas “Cartas de Paulo Coelho” disponíveis com facilidade na
internet. Nelas, vemos como o escritor influenciou Raul Seixas e como a
Sociedade Alternativa surge como o grande libelo thelêmico no cenário artístico
nacional. Sugerimos a leitura da obra de Toninho Buda intitulada “A paixão
segundo Raul Seixas” (2ª ed., 2006) e que traz uma interessante versão do
convívio de muitos dos personagens citados neste trabalho. Boscatto (2006, p.
170), ao analisar a atmosfera da contracultura vivida no Brasil, afirma que:
A diferença é que, nos anos 1960 e 1970, não eram mais indivíduos
isolados ou pequenos grupos que, aqui ou ali, procuravam ir além
dos limites da “consciência” do senso comum - dita “normal” -, mas
toda uma geração de jovens que buscava, em seus diversos
movimentos e criações artísticas, a construção de uma nova
consciência e, junto a ela, a formação de uma Sociedade
Alternativa.

Evidencia-se de uma forma ou outra que Raul Seixas permaneceu ligado ao


trabalho mágico dos escritos de Crowley mesmo após a desistência de Paulo
Coelho. Muitas de suas músicas são pautadas claramente por elementos
thelêmicos, em especial “Sociedade Alternativa”, que nada mais é do que uma
versão cantada do “Liber Oz”, como todos hoje já conhecem. No livro “Raul
Seixas. O sonho da Sociedade Alternativa” (Martin Claret, s/d, de autoria de
Luciane Alves) há a transcrição de uma entrevista em dezembro 1988 na rádio
Transamérica com Raul e Marcelo Nova. Nesse bate papo, Raul fala também de

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

seu encontro com John Lennon quando teve que sair do Brasil em exílio devido à
perseguição que sofreu por causa da música aqui em questão. Um exílio que
acabou por proporcionar o encontro de dois gênios internacionais da música. Raul
nos mostra aqui a universalidade da proposta da “Sociedade” ao dizer que
Lennon tinha a ideia da “New Utopian”, ambas as propostas com muitos pontos
em comum. Em um encontro, segundo Raul, de três dias, falaram dos “...
Malucos Belezas do mundo. Porque Maluco Beleza é um estado de espírito”. Eis
um importante conceito para compreender a obra raulseixista: entender a
liberdade e o aprendizado do uso da Vontade para ser um verdadeiro Maluco
Beleza:

Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real...

Ainda para ilustrar o quanto Raul mergulhou na obra de Crowley e no


universo thelêmico, segundo Sylvio Passos (na mesma obra de Luciane Alves),
após o exílio, Raul pensou em lançar nos EUA o álbum “Opus 666”. A ideia era
mostrar para o mundo a relação dele com os ideais thelêmicos, além de dar força
na implantação real da “Sociedade Alternativa”. Infelizmente o projeto não
chegou a termo.
Interessante também lembrarmos aqui da música “Metamorfose
Ambulante”, praticamente um poema cantado e que mostra muito não apenas
da personalidade de Raul, mas talvez mesmo muito do que se esperar de um
thelemita/iniciado. A Verdadeira Vontade como forma de busca e de estilo de
vida.
Aprofundando-se um pouco mais, e fazendo uma análise rápida do conteúdo de
outra música emblemática de Raul Seixas, vemos o anúncio do Novo Aeon
(sendo esse mesmo o nome da canção), na qual percebemos a declaração das
mudanças ocorridas na sociedade já em sua época. A concretização da chegada
do novo período da humanidade feita com abrangência talvez sem igual no meio
artístico:

O sol da noite agora está nascendo


Alguma coisa está acontecendo
Não dá no rádio nem está
Nas bancas de jornais
Em cada dia ou qualquer lugar

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Um larga a fábrica, outro sai do lar


E até as mulheres, ditas escravas
Já não querem servir mais
Ao som da flauta
Da mãe serpente
No para-inferno
De Adão na gente
Dança o bebê
Uma dança bem diferente(...)

Enquanto isso, em outra de suas composições, “Eu sou egoísta”, Raul não fala da
sociedade, mas sim de como cada um e nós lida com as vicissitudes e lutas ao
longo da existência. Enquanto muitas correntes religiosas falam da aniquilação
do ego e da personalidade, nessa canção ele fala do fortalecimento do homem
usando o ego como ferramenta de crescimento. Algo de importância para
aqueles que trilham o caminho thelêmico, principalmente através da “Astrum
Argentum”, da qual o próprio Raul Seixas, junto com Paulo Coelho, assinou o
juramento de Probacionista no inícios dos anos 70. Parte da letra da música “Eu
sou egoísta” nos remete à alusão feita por Mestre Therion aos caminhos da
Pomba e da Serpente:

Se o que você quer em sua vida é só paz


Muitas doçuras, seu nome em cartaz
E fica arretado se o açúcar demora
E você chora, 'cê reza, cê pede implora
Enquanto eu provo sempre o vinagre e o vinho
Eu quero é ter tentação no caminho
Pois o homem é o exercício que faz

Como o próprio significado do Valhalla e da virilidade da vida de um guerreiro,


fica claro que o caminho de um thelemita é sempre o da espada em punho,
lutando o combate que todo iniciado enceta ao longo de sua existência. Não à
toa vemos todo o simbolismo da Besta e da Mulher Cingida com a Espada.

Conclusão (possível?)…

Raul Seixas claramente combateu seu próprio combate, e muitas vezes


empregou o “Lutai como Irmãos” em sua vida, ajudando a espalhar a mensagem
de Luz, Vida, Amor e Liberdade através de suas músicas alinhadas com a missão
de Mestre Therion (aka. Aleister Crowley).
Da análise da obra de Raul Seixas, podemos verificar que não somente
houve grande influência dos escritos de Aleister Crowley em sua obra, mas

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

também as próprias influências sofridas por Crowley perpassam para a obra de


Raul.
Crowley pode ser considerado o profeta do Novo Aeon e Raul Seixas o seu
principal bardo trovador. A moralidade, a quebra de paradigmas morais,
religiosos e sociais, iniciado com Crowley, é cantada e anunciada pelo maluco
beleza. A Sociedade Alternativa é uma tentativa de colocar em prática uma nova
estrutura social, característica do novo Aeon, na qual a única lei vigente é “Faze o
que tu queres”!

Adílio Jorge Marques


Lincoln Mansur Coelho
Luiz Vieira

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

A.O. Spare, o “Irmão Negro”

“[There] are the Black Brothers, that cry: I am I, they that deny Love, restricting
it to their own Nature.”

• A. Crowley, Liber Aleph

Quando Crowley fala dos “irmãos negros”, ele faz referência aos candidatos
da G.D. ou da A.A. que falharam em cruzar o abismo e, ao invés de estarem
sujeitos à dissolução do self e do apego como um verdadeiro mago, ele se
aprisiona na máscara de seu ego, velado no “Eu sou Eu” em Liber Aleph.

O cruzamento do abismo é sempre descrito como ‘a noite escura da alma’,


como a putrefação espiritual de São João da Cruz, o trabalho dos corvos e leões
verdes. Crowley observa em John St. John como o aspirante a magus
necessariamente deve se lançar novamente no abismo, representado pela
sephira da'at, a sephirot que contém todas as outras sephira e assim permanece
elusiva e vazia em toda a sua contenção, que é o nada. Cruzar o abismo tem a
ver com um estado de dissolução cósmica, onde alguém toma sua verdadeira
constituição, onde a lei pessoal é dissolvida na clareza e na percepção de uma lei
cósmica maior, que não é o self propriamente que dissolve, mas o apego ao que
é estático. A percepção de impermanência se move em primeiro plano à medida
em que se conecta a todas as coisas de tal forma que traz a persona dissolvida
ao UM e com todas as coisas que afirmam essa configuração em particular.

Pessoalmente, vejo a ordália de cruzar o abismo como aquele momento em


que o dualismo cai em sua própria mentira, em que percebemos como tudo está
conectado. Um pré-requisito para cruzar o abismo é de que a pessoa tenha
alcançado a comunicação com seu Sagrado Anjo Guardião. Isso significa que
somente aquele que se tornou seu próprio anjo pode suportar essa provação. O
Mago deveria, como tal, ser um místico e um profeta de orientação cósmica,
enquanto o irmão negro também seria um místico e profeta, mas de orientação
mais telúrica.

Spare juntou-se à ordem de Crowley, a A∴A∴, em 1907 e saiu em 1912 sem


nunca ter se tornado um membro pleno, declarado como ‘irmão negro’ saiu, por
discordar em assuntos de hierarquia, a utilidade da ordem e toda a matriz de
magia cerimonial. Spare publicou O Livro do Prazer em 1913 – um trabalho que
pode ter nascido da crescente frustração que Spare tinha com a insistência de
Crowley em questões de hierarquia e ordem, e portanto Crowley representou
uma resistência frutífera, que permitiu que Spare formulasse sua idéia de magia
com foco e clareza. Pode parecer que Crowley via que Spare “restringia o amor”
de forma egoísta, mas a verdade pode ser tão simples quanto o que Spare
escreveu no comecinho de O Livro do Prazer:

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

“Esses Magistas, cuja insinceridade é sua segurança, são apenas os dândis


desempregados dos bordéis. A magia é apenas a capacidade natural de atrair
sem perguntar; Cerimônia [é aquilo] que não é afetada, sua doutrina é a negação
deles ... Auto-condenados em sua gordura repugnante, seu vazio de poder, sem
mesmo a magia do encanto ou da beleza pessoal, eles são ofensivos em seu
mau gosto e famintos por propaganda ”.

Mais adiante no O Livro do Prazer, ele descreve a magia cerimonial como


um “padrão para tudo desnecessário” e segue apresentando o uso de eros (o
princípio erótico) e thanatos (o impulso da morte) como portais para extrair
matéria oculta do subconsciente, tanto quanto revelando o que está oculto nos
becos cósmicos. Spare ficou mais famoso ao ter sido adotado como o grande
influenciador na formação do movimento punk-mágico pós-moderno, conhecido
como Magia do Caos, e esta influência pode ser vista no alfabeto do desejo e na
geração de sigilos como formas de desejo e vontade para propósitos mágicos. Ao
mesmo tempo, é importante relembrar que Spare se autodenominava “Bruxo”
(via iniciação com Mrs Patterson), e enquanto Magia do Caos utiliza elementos da
bruxaria de Spare, magistas do caos não são bruxos da mesma forma em que
Spare era.

Dois elementos da filosofia oculta de Spare raramente são mencionados,


primeiro, seu interesse pela psicanálise e subseqüente crítica da psicoterapia de
Freud, e Segundo, sua orientação advaita ou não-dualista à magia, como era
incorporada em seu modus operandi mágico primordial; a postura da morte e
foco na importância na dissolução do ego. Em Liber Cheth Crowley afirma: "você
misturá a sua vida com a vida universal", para que se cruze com sucesso o
abismo, e ele comenta sobre isso em Uma Estrela à Vista: “É uma aniquilação de
todos os vínculos que compõem o self ou constituem o Cosmos, uma resolução
de todas as complexidades em seus elementos...”

O que essa tensão e conflito pode revelar é que um Magus pode nascer a
qualquer momento, que a hierarquia é irrelevante, e que isto tem a ver com a
perspectiva necessária para se passar pelo abismo, algo nascido da obtenção da
comunicação com o seu próprio anjo, para ser guiado pelo seu próprio daimon e
que só neste feito o homem e a mulher mortal ganham asas. Isto denota uma
perspectiva saturnina em particular que não pode ser outra coisa senão a
aceitação do sofrimento e uma completa indiferença à hierarquia, à medida em
que a constatação da estrela e da constelação no design cósmico é percebida e
contida como uma dança da verdade mística entre o Self e o devir.

Em “The Logomacy of ZOS” (compilado e entregue a Kenneth Grant em


1956, publicado no Zos Speaks! 207: 1998, Fulgur: UK) Spare escreve:

“Todos os processos de pensamento, estimulados pela objetividade ou pela


subjetividade, devem finalmente tornarem-se uma metáfora espaçosa, revelando
todo o cosmo e tudo nele como entrelaçados e interdependentes. Sua aparente

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

dualidade e separação estão em nosso próprio conceito ou em nós mesmos -


uma delegação de transferência para nos tornarmos criativos”.

De fora dos confinamentos das ordens e interpretando tanto Crowley


quanto Spare sem os comuns vícios herdados pelos tempos, observo que na
verdade não há qualquer diferença entre um Irmão Negro e um Mago. Parece-me
muito mais uma diferença de foco, onde o irmão negro permite a um completo
abandono de tudo aquilo que mantém o ego engessado em uma determinada
forma e ordem. Ao mesmo tempo, é necessário ao Mago - assim como é para seu
"irmão negro" - cortar seus laços com a “ordem”. O Mago, por aspiração, toma
Maomé e Cristo como medida para alcançar esse grau dentro do limite da
“ordem”, onde se torna um missionário do novo éon, fundando um movimento
religioso ou cúltico nascido da sabedoria cósmica adquirida. A única diferença é
que o “irmão negro” sempre negará esta demanda e preferirá se afundar no ouro
saturnino, tornando-se um fogo estelar inominado através do mundo e, como tal,
pode parecer que o “irmão negro” restringe o amor e favorece o niilismo - mas
isso é - no fim das contas, tudo uma questão de perspectiva.

Katy Frisvold

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

União Thelêmica

Como de costume, recebo muitas dúvidas por correspondentes e


buscadores, via email, messenger, zap, sinal de fumaça, todos em sua sincera
pesquisa sobre a Lei de Thelema.

Um destes correspondentes nos perguntou: “Qvif, por que os membros da


A.’. A.’. não fazem uma convenção ou um encontro nacional para se conhecerem,
trocarem ideias, estabelecer metas, etc. Isso não seria mais eficiente para a
expansão da A.’. A.’.. no Brasil? A atual atitude de reserva não é restrição e isso
não é o conceito de pecado no Livro da Lei?

Vamos por partes. Antes de responder a pergunta principal, quero explicar


que a questão do comentário de “A palavra de pecado é restrição” deve, por todo
Aspirante, ser interpretada à lume dos comentários de Mestre Therion
(Comentário Antigo, Comentário Moderno, Comentário D, etc), sendo a
interpretação pessoal guardada para si, quando ultrapassa o que foi escrito por
Mestre Therion. O fato dos membros da A.’. A.’. não se reunirem em uma
convecção, seminário, festa, etc. é por causa da característica e objetivo da
Ordem, que é de caráter individual e não institucional. Isso não é uma restrição,
portanto, nada tem a ver com “pecado”.

Não há uma linha escrita por Mestre Therion em que se proíba Aspirantes à
Thelema de se reunirem e isto é até recomendado, pois se isso fosse efetivo,
muita confusão e celeuma teriam sido evitadas.

Note que, membros da O.T.O., da A.’. A.’. ou de qualquer outra Ordem de


caráter Thelemita (isto é que tem o compromisso de viver, preservar e difundir a
Lei ) possuem estruturas e objetivos próprios, mantendo a citada meta em
comum. Desta forma, qualquer Thelemita pode se reunir com outros. A questão é
nominar: “Primeiro Fórum Nacional de Encontro de Membros da A. A. “por
exemplo, pois a Santa Ordem não existe no plano físico, ninguém a representa
com exclusividade, não há liderança local, nacional ou internacional; o método da
Ordem é de instrução (treinamento) individual e via de regra, quem está na
Santa Ordem, só conhece seu instrutor e, quando tiver condições, seu instruído
(ou instruídos), as redes sociais mudaram a dinâmica desse anonimato, mas
ninguém instrui via facebook nem por canal de YouTube ( muito menos pelo canal
da Abadia).

Reforçando os conceitos, a Santa Ordem funciona em linhas puramente


espirituais, dentro de preceitos bem estabelecidos de treinamento. Pela lógica,
assim, não cabe uma reunião de membros da A. A., pois cada um recebe um
treinamento adaptado à sua consciência, cada um possui a sua idiossincrasia e,
de mais a mais, as discussões poderiam causar algumas distorções, pois ao
contrário das ordens estabelecidas não há, a despeito de tarefas estabelecidas,

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

rigidez e formalismo enclausurante, pois na instrução (treinamento) individual


cada caso é um caso, e isso é a importância de um instrutor externo pessoal, até
se chegar ao Verdadeira Instrutor Interno, como diz Liber LXI no versículo 4:

“ Eles podem, além disso, assegurar que ele seja devidamente provado e
testado, pois há muitos que pensam que são Mestres, os quais sequer
começaram a trilhar o Caminho do Serviço, que para lá conduz.”

Não há, digo de antemão, crítica a nenhuma ordem coletiva, mas uma
exaltação da instrução individual.

Agora, se Aspirantes à Thelema, de qualquer vertente, como dito acima,


quiserem se reunir e tocarem em temas comum, em uma convenção, seminário e
etc. isto é altamente recomendável.

Por outro lado, vejo isso acontecer bem mais nos dias atuais do que na
minha época de juventude Thelêmica nos anos oitenta, isso não é uma
constante, mas os organizadores de eventos como os do CALEN estão de
parabéns pela iniciativa, nós da Abadia ja organizamos palestras e ensejamos a
continuidade.

Mesmo dentro de algumas Ordens coletivas Thelemitas, há contatos


esporádicos. Por mim os Aspirantes deveriam se conhecer mais, trocar mais,
afinal, todos trabalham pelo mesmo fim, de forma diferente. A questão, então é,
somente se reunir em nome da A.’. A.’. Reúnam-se em nome de Thelema. Dai pra
frente colóquios e simpósios serão muito válidos além das festas é claro.

Se os Aspirantes à Thelema soubessem o valor da união, não ficariam


torcendo para que outros grupos fracassem. Se soubessem o valor da união,
apoiariam disseminando atividades, publicações e o trabalho de outras ordens
thelemitas; parariam com essa atitude insana de viver criticando todos e tudo,
pois a comunidade de Aspirantes no Brasil sabe bem distinguir quem é quem
(quem não sabe, descobrirá com o tempo); se soubessem o valor da união, não
brincariam de Thelema como se fosse uma “curtição ou um barato”, como se
fosse “cult” ou desculpa para justificar sua indisciplina, vício ou falta de
propósito; não perderiam tempo, que é “o bem mais precioso” de todo Aspirante,
em protelações , distrações e auto proclamações de soberba, poder e graus, mas
se compreendem a Lei, viveriam para pô-la em prática, porque possuem não uma
crença, mas a certeza, da validade dela e, a partir da daí, proclamá-la (não
pregá-la) a quem quiser , deixando que o Verdadeiro Ser de cada um escutando
um simples 93 ou Faze o que tu queres, resolva vir à Luz e mudar todo o
Microcosmos que habita.

Como já sou idoso, não verei isso acontecer em meu querido Brasil, mas,
tenho firme convicção de que, se me for dado o privilégio, quero nascer no seio
de uma família de thelemitas em uma próxima vida. Bem, desculpe, é apenas o
sonho de um velho ;-

59
Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Thelemitas uni-vos

Forte abraço
93.93/93
Q.
qvif@abadiadethelema.com

Encantaria de Jurema, tinta nanquim e aquarela (60 x 40)


Ricardo Zolinger Zanin

60
Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Desvario

Confissão:
Momentos obscuros
Sem pensamento,
Sem emoção.
Reina a confusão:
Cega o cristalino olho
Quebra, como caco, a visão.
A lucidez ausente,
Se clareia, é a outros mundos:
Nada por aqui.
E no caos da grande obra
Manobra de um ser
Que talvez não eu
Tão fora de mim, mas tão meu
Um outro alguém:
Mas no mesmo agora.
Dentro implora
Para sair, para existir.
Ambiguidade que me encanta
E também me apavora:
Quer saber? Fica aí.
Que logo vou-me embora.

Frater Canvas -8° = -3⋄

61
Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Entrevista com Robert Furtkamp

Concomitante a saída desta edição, fomos agraciados com uma notícia fantástica
que saiu uma versão nova do Vision and the Voice, com um facsimile de qualidade pelo
thelemita Robert Furtkamp. Em sua publicação escreve:

“Apresento pra vocês em nome da Montanha Violeta, um marco da nossa herança e pela
primeira vez apresentada propriamente, Em tempo do 109 aniversário de LIL…
Esses são os cadernos argelinos do Liber 418 completo, e formatado para impressão
Cada um destes volumes com exceção do Volume V, que contém volume V e VI já que o
Caderno VI contém apenas LIL e efemérides.
A apresentação se dá num formato com a transcrição e original lado-a- lado. Caracteres
e correções/cortes presentes nos mesmos estão presentes, e quaisquer notas dos
volumes estão num breve prefácio (...)”

Aproveitamos o momento e entrevistamos Robert para saber mais sobre esse


lançamento:

Revista777: Conte-nos com foi este projeto?


Robert Furtkamp:“O processo foi simples: chegar na versão mais correta da tradução
dos cadernos possíveis. Crowley ignorou o “Não mude nem mesmo o estilo da letra” que
é dito 4 vezes no 418..de novo e de novo, Assim como o último Weiser no Equinócio IV
no1.O ponto alto é que pela primeira vez o texto está correto.”

777: Faltava muita coisa?


RF: Havia muita coisa faltante, palavras mudadas,e mudanças de significado. Vários
nomes angelicais e outras partes importantes
(Efetivamente, você pode pegar as versões antigas e comparar com este manuscrito
original e as transcrições ajudam neste sentido)
É um documento classe AB (o manuscrito seria um classe A) - o que Crowley queria é
secundário afinal “não mude sequer o estilo da letra”. Após a edição inicial de cunho
privado. Ele não teve acesso aos manuscritos após 1920, então tudo após isso em sua
vida… ele não tinha Weiser EqIVno1 alega que teve acesso a eles mas aparentemente
ignoraram grandes partes de texto e aparentemente não revisaram.

777: E onde você conseguiu esses manuscritos?


RF: Em Ramsom,Texas

Então regozije com as boas novas, de graça, e imprimível e quem sabe um dia em
portugês?

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Mundos, Terra ou Planeta ?

Este texto é totalmente inspirado no livro In the Dust of our Planet de Eugene
Tracker.

Neste livro o autor apresenta um conceito muito interessante, ele nomeia


Mundo como o lugar onde os humanos vivem, no ponto de vista Humano. Terra,
como a coisa biológica, objetal e tal, e Planeta que seria o lugar Sem a existência
e ótica humana, na primeira os olhares mais racionalistas, de criação divina é a
narrativa principal, sendo o homem o filho do criador, seja como o animal
racional que conquistou tudo, seja besta fera que destrói tudo, todas as óticas
são do ponto de vista humano, na segunda é onde vive as ciências como
biologia, física, geologia, nos dados colhidos e apresentado, o COMO que a
ciência nos provem. o último é o local de tudo que é alem humano, da natureza
sublime, das flutuações solares, de tudo aquilo que existiu antes e vai existir
depois do ser humano e nem se importa com a existência do mesmo

Na magia moderna temos o mago com o centro de seu universo, como


colocado na Cruz cabalista do RmP, somos o rei do reino que é coroado por Deus,
então é possível pensar que no trabalho de Lux estamos dentro do pensamento
do Mundo, somos pai mãe , rei e filha do mundo. todo o trabalho até o adepto
trabalha nesse paradigma, sendo assim faz sentido o trabalho como da GD ao
qual primeiro trabalha-se os elementos deste mundo e ir subindo para o Além
mundo.. e este além está como norte o Mundo tendo ele como o ponto de
referência, prometendo nos tornar Deuses vivos criadores de céus e firmamento

Nossas técnicas e práticas nos servem igual a Terra, testamos técnicas,


retiramos resultados, também atuamos neste planeta e do mesmo retiramos
símbolos, seja na natureza, seja na sociedade ou mesmo nas letras e na nossa
cultura pregressa.

Sendo assim, digo que ao chegar no abismo iremos nos confrontar com o
Planeta, que são todas aquelas sensações e impressões do mundo para além do
nossa capacidade de mudar podemos ver relances disto no final do século XIX
essa mudança de paradigma.
Se antes éramos escolhidos dos deuses, na época moderna descobrimos que não
somos especiais para deus, quiçá este nem existe,e após darwin nem somos uma
espécie especial, após freud nem controle direito do cérebro temos, e não
sabemos como usar nosso corpo para muita coisa, e nossa história pessoal será
perdida e se lembrada, será distorcida pelas gerações futuras. Nosso Ego ainda
tentando se iludir que mantém as rédeas sobre controle, busca um renascimento
da tradição, aquele lugar que éramos especial, ou joga no extremo oposto como
vilões do mundo, como certos grupos de ativismo colocam assim como a
misantropia de grupos satânicos, que é uma última tentativa de ser importante.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

O pessimismo cósmico parte do princípio que não somos nada importante,


que no fundo somos uma poeira no tempo espaço, e 7 bilhões de don quixotes
com Instagrams. Esse caminho necessariamente é pesaroso, vemos como os
fluxos e influências correm para além da gente, Se a goécia ainda mantém o
homem no centro do círculo, então nas qliphoths o espaço é vazio, distorcido e
pervertido, e aquilo que se move vem em ondas Inumanas, as vezes formadas
por amontoados de inumanidades apessoais.Fato engraçado que percebo
diversas vezes em trabalhos com Tagirion é essa sensação que a pessoa
encontrou o SAG, e por um breve momento esquecem que Thagirion* justamente
é a falsa promessa.. e como somos carentes em ser especiais, não é?

E por que enfrentar tudo isso? Lembro certa vez de ler uma pesquisa base
com moradores perto de uma represa,desde a cidade mais distante onde
pequenos danos seriam causados caso a represa ruísse, até a cidade grudada na
represa. Quando mais próximo dela, menos medo da consequência de uma
rachadura a sociedade da região tinha, ao ponto que os moradores na
proximidades dela, nem tocavam no assunto ou outras vezes tinham uma fé
inabalável que nunca iria ruir. Diversos assuntos que tocam o pessimismo
cósmico nos geram horrores e incertezas, aquele medo do desconhecido criança
tem. Um trabalho devagar em explorar isso nos ajuda a não esquecê-las e ter
uma relação mais saudável com a devastação.

Há outro motivo para trabalhar que esse conceito de Planeta encaixa bem:
o corpo. Tal qual as analogias acimas, nosso corpo trabalha para além do
intelecto, ele cura e cria doenças sem te consultar ele reage de formas
imprevistas, e essa percepção do que o corpo é uma outra fronteira a ser
explorada. E nesse contexto do corpo o mago se entende controlador do Mundo,
não consegue operar por esse prisma, entender o corpo como a Terra, que é a
especialização de médicos e biólogos, também não adianta, cabe a solução de
Planeta, e perceber como seu corpo reage aos inputs e estar ok com
impessoalidade e o não padrão que o Planeta deste tem, e usar isso readequar
sua visão da Terra.

Então temos esses três propostas de pontos de vistas que podem trabalhar
como um registro triplo. ao ocorrer um fenômeno podemos perguntar: Como é
esse fenômeno percebido pelo Mundo, e pela Terra, e como Planeta? ou também,
“Quero fazer X, como fazÊ-lo a partir do olhar de mundo, da Terra e planeta?
*Thagirion é a equivalência a Tipheret na árvore da morte, sendo também a
esfera central. Mas ao invés de ter como representação o Sol, tem como símbolo
um Sol negro.

Alhudhud

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

O Mistério de Babalon e a Besta

A Besta, ou Homem do Sol, representa, como eu a entendo, a Alma da


Humanidade, ou do Homem, entre o Espírito e a Matéria, desenvergonhada das duas,
pois ambas são essenciais à Sua existência. A Substância do Sol desce sobre Tiphereth
de Binah através do Caminho do "Diabo"; sua Vida é transmitida de Chokmah através do
Caminho do "Sol"; existe como uma Idéia Espiritual através do Canal de "Shin" que
desce de Kether. Kether é sua causa final e eficiente, Chokmah sua causa formal e Binah
sua causa material.

"ON" é a antiga palavra egípcia para o sol; Enquanto estivermos preparados para
continuar (original: go ON)(nt do tradutor: trocadilho com ir ON que é continuar) tudo
está bem, já que estamos alinhados com o impulso natural da Evolução. Mas podemos
elevar-nos além da ideia comum de Evolução para uma cooperação conscientemente
livre com o Propósito Divino.

O valor numérico de ON é 120. Diz-se que esta foi a Era de Christian Rosencreutz
no momento em que ele passou(orig. passed ON).

Aqueles que tentam reverter o processo de evolução, recuar ou retroceder,


dizendo "No"(em portgues: Não) em seus corações, caem em pecado, que é restrição, e,
portanto, se metem em confusão.

ON é formada pelas letras hebraicas Ayin e Nun, assim esta ideia surge na junção
dos caminhos de "The Devil" e "Death".

Pessoas do tipo "No" (não) surgiram do outro lado da Árvore, no Caminho do Sol
Poente. NO pode ser escrito Nun, Vau, ou NU, que foi chamado o pai das águas, o refletor
de Nuit.

No entanto, podemos procurar uma reconciliação dessas idéias no Caminho da


"Estrela", que representa o Sol apice do dia (orig. High NOON). Foi no meio dia que
Parzival realizou o Milagre da Redenção, quando a Lança e a Taça foram religadas. Este
Caminho une a Lança da Vontade e Sabedoria, Chokmah, com a Taça de Entendimento e
Intuição, Binah. O Pai e a Mãe estando assim unidos, a "Uma Estrela à Vista", Har Makhu,
ou Hórus da Estrela, é reconhecido em Sua Verdadeira Natureza como o Espírito da Luz
Oculta de Kether.

A Verdade nunca foi perdida para a Tríade Supernal, mas as Supernais foram
perdidas para a visão do homem. Podemos nos perguntar como isso poderia ser, e o
momento agora está maduro para sua revelação. Mas antes que uma tentativa seja feita
para explicar isso, é melhor que vejamos os Caminhos restantes da Árvore, abaixo de
Tiphereth.

Vamos considerar o Caminho do "O Enforcado", às vezes chamado de Redentor.


Exotericamente, diz-se que esta Chave do Tarot significa: "Sofrimento forçado e não

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

voluntário"; enquanto Esotericamente significa "Auto-sacrifício", mas não como


geralmente entendido.

ATUM ou ADAM, como o primeiro tipo puramente Humano ou Alma, é dito


ter sido hermafrodita até que ele se tornou como Adão e Eva. Tiphereth é o Filho
Verdadeiro, mas o Pai falso. Quando o Filho simbólico, neste estágio se confundiu
com o Pai, muitas mulheres O seguiram, buscando redenção. Assim, uma
situação embaraçosa de "sofrimento forçado e não voluntário" poderia ter
surgido. O único curso razoável de ação seria uma ocultação dos fatos e um
ensinamento que poderia ser inferido como implicando "Castidade", Celibato e
outras doutrinas de repressão. Esta é apenas a visão exotérica, mas é
responsável pelo zelo equivocado de alguns que não conseguiram entender o
verdadeiro ensinamento.

O Sol Físico é tão impotente para fertilizar todo o Universo, embora Ele seja
totalmente capaz de cuidar de seu próprio Sistema Solar. Ele está bem em seu
lugar na Ordem do Universo; somente quando não compreendemos esse lugar,
caímos em erro.

O mesmo problema pode surgir no caso de um homem que pregou uma


doutrina de relações sexuais promíscuas com um grupo de mulheres; mesmo que
ele fosse um Leão regular, ele seria incapaz de suprir as necessidades de um
número ilimitado e, portanto, estaria sujeito a tentar retratar seu ensino.

Os exemplos acima só poderiam surgir devido à falta de uma verdadeira


interpretação da Palavra do Justiçado Osíris surgido de Ammenti. A destruição é
essencial ou não pode haver renovação, e IU, o gêmeo hermafrodita, fornece a
resposta se interpretada por meio do "O Hierofante", cujo Caminho cruza o de "O
Enforcado" e mostra uma corrente recíproca entre as Esferas de Vênus e
Mercúrio.

Percebemos como as serpentes gemeas "atravessaram" abaixo de


Tiphereth e estudaram o Simbolismo completamente. Tendo se separado, eles
devem se reunificar em Yesod, a fundação e continuar como Um a Malkuth pelo
Caminho de Aleph, o Tolo puro.

Podemos agora considerar Malkuth, a Filha Caída, que, de acordo com a


Cabala, para ser redimida, deve Unir-se ao Filho, ser elevada ao Trono da Mãe, re-
despertar o Pai para que todas as coisas sejam reabsorvidas na coroa.
Este processo foi muito mal entendido, foi pensado para implicar um retorno à
Coroa. Todos os místicos queriam ser reabsorvidos no Absoluto. Os Magos, por
outro lado, tendem a continuar, e a tentar usurpar o Trono de Deus, que por
direito pertence à Mãe.

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Ambos se encontraram com um terrível Abismo, enquanto trabalhavam nos


velhos métodos. O mago viajou até a "Árvore" até chegar a Chesed como um
Adepto Exemptus que construiu um maravilhoso sistema de conhecimento,
apenas para descobrir que toda a estrutura deveria ser quebrada em pedaços no
Abismo, se ele esperasse alcançar a verdadeira compreensão. e sabedoria.
Poucos passaram esta provação.

Os místicos, por outro lado, sendo do tipo negativo, abriram suas mentes e
almas para a "luz" e muitas vezes confundiram as falsas luzes com a da
Verdadeira. Tendo uma base muito limitada de experiência como base de sua
pirâmide, o ápice era proporcionalmente baixo, e a luz que eles viam naquele
momento atribuíam à própria divindade animal de estimação como seu salvador
e redentor. O Amanhecer da Consciência Solar (Dhyana) tendeu a ser um choque
tão grande que a maioria desses místicos perdeu o equilíbrio por algum tempo,
se não pelo restante de sua encarnação. Se eles foram mais longe, eles foram
literalmente inundados com as Forças das Trevas do Abismo. Alguns deles
realmente viram o Diabo, acreditaram nele e pregaram sua existência para seus
seguidores. Eles certamente nunca dizem Deus.

Muitas dessas pessoas viveram uma vida muito santa e casta, de acordo
com os padrões de seu tempo, antes de chegar a esse estágio. Posteriormente,
os ignorantes acreditaram neles como homens de boa reputação e até se
contentaram em "acreditar" sem mais desejo de experiência real.

Assim, encontramos uma linha de "teóricos" surgindo, sob a orientação de


pessoas "parcialmente desiludidas" que temiam ir além e assim ensinaram uma
doutrina do medo que é a precursora do fracasso, uma doutrina da crença
implícita no líder do movimento. , chegando, em alguns casos, a uma "fé cega"
em Substitutos, Reflexões, Expiação Vicária, e qualquer outra coisa além da
necessidade de elaborar sua própria Salvação. No entanto, há um elemento de
verdade mesmo em tais noções aparentemente absurdas como a Expiação
Vicária; assim como encontramos um elemento de verdade na doutrina do diabo.
Todo homem e toda mulher que alcança, torna isso muito mais fácil para o resto
da Humanidade alcançar a perfeição. Toda a Raça deve eventualmente alcançar,
pois está unida pelos laços mais próximos, de modo que o processo não pode ser
finalmente completo no indivíduo até que o Último tenha se tornado como o
Primeiro no Reino do Céu sobre a Terra.

Parece que estamos longe dessa questão, mas o Caminho está agora
ABERTO, que antes estava Fechado, Hórus, o Abridor, tomou seu assento no
Oriente, no Equinócio dos Deuses.

Mas, para retornar à Terra, ou Malkuth, como a filha caída. O verdadeiro


ensinamento, como eu vejo, é isso. Malkuth, a Esfera dos Elementos, ou Matéria,

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

foi confundida com o Planeta Terra no lugar de Toda a Substância Material do


Universo em forma manifesta. A matéria, como devemos saber, é contínua.
O Sol é o Deus deste mundo, seu Pai Físico, e como tal ele é digno de nosso
maior respeito e reverência. Fazemos bem em saudá-lo e reconhecê-lo como Rá
nos quatro quadrantes. Nós o "vemos" no Levante, no Meio-dia e no Sol Poente;
nós "acreditamos" n'Ele como o Sol da Meia Noite, nossas "cabeças" nos dizem
que Ele é Osíris do Mundo Inferior.

Estas são as velhas doutrinas do "Olho" e da "Cabeça" transmitidas às


nossas mentes subconscientes dos Caminhos de "Ayin" e "Resh". "Ver é
acreditar", é um ditado que prevaleceu até que os cientistas nos mostraram que
não poderíamos acreditar no testemunho de nossos sentidos. Mas toda a
doutrina do Nascimento, Morte e Ressurreição do Sol ou Filho, foi baseada neste
dogma.

Além disso, assim como antigamente, a tradição Sut-Tifoniana tornou-se


desprezada, de modo que a Mulher foi desprezada e reprimida pelo Homem, pelo
filho que havia usurpado o lugar do Pai. Neste Homem está verdadeiramente
uma besta, e exigiu uma Grande Besta, um exemplo vivo prático, para mostrar-
lhe seu erro, insensatez e práticas malfeitas. Mas o homem interpreta mal e teme
a Besta, que, afinal, oferece-lhe o Segredo do Caminho Solar para as Estrelas. Por
que ele tem medo? A velha Tradição das Trevas em sua mente subconsciente o
detém. Ele teme entrar na escuridão da noite, para não perder a pouca luz que
tem nela. Mas esse é o resultado de sua limitada concepção de ligação à terra,
que é bastante anticientífica e grosseira.

Se realmente acreditamos em Osíris (ou Cristo), por que deveríamos temer


descer com Ele para o Mundo Inferior? Dizem que Jesus fez isso antes de se
levantar novamente em Espírito para o Pai Celestial, unindo assim o seu Eu
Verdadeiro com a Estrela Central Invisível do Universo.

Dia e Noite só existem para nós neste Planeta; o Sol não viaja pela Terra
para nossa conveniência. Nós, neste Planeta, viajamos ao redor do Sol,
revolvendo à medida que avançamos. Assim, a sua Luz só atinge certas partes da
Terra a qualquer momento, e o resto do Planeta está nas trevas. O Sol está
sempre brilhando e, se considerarmos as coisas do ponto de vista do Sol,
começaremos a brilhar também.

Mas o Sol, embora Pai deste Planeta, é apenas o Filho da Grande Mãe, o
Universo Estelar. Onde então está o Verdadeiro Pai? Esta é a questão que intrigou
os antigos Sut-Typhonianos nos primeiros tempos. A dificuldade surgiu através
das Ilusões Originais do Tempo e do Espaço, que mantiveram o Mundo em
ignorância desde a última Era de Ouro. O Universo é Infinito no Aqui, mas os
homens tentaram circunscrevê-lo. O Infinito está sempre presente no Agora, mas

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

os Homens olharam para trás e para frente como se o tempo fosse uma linha.
Existem Dois Infinitos, ou concepções do Infinito, do Infinitamente Grande e do
Infinitamente Pequeno. A extensão do Um nos escapa, o Momento Presente do
Ser Puro nos escapa. O Infinitamente Grande, é Nuit, Matéria continua, Mãe das
Estrelas. O Infinitamente Pequeno e ponto nao extendido, é Hadit, o Eu Essencial
Mais Alto de Todos, a Chama que queima em cada coração do homem e no
núcleo de cada Estrela. Ambos são invisíveis aos nossos sentidos e mentes.
Uma vez que estes são o Infinito, o Centro está em toda parte e a circunferência
em nenhum lugar. Cada ponto no espaço é igualmente o centro do todo, não
havendo limite. O Verdadeiro Pai é Invisível, mas o Centro de tudo. Os homens o
chamavam de "pai do tempo", mas ele é o pai "agora". O Agora se estendeu
como a Serpente do Tempo, Saturno, que tentou Eva, Matéria e causou a Queda,
mas Agora é o Tempo aceito, Agora é o Dia da Salvação. A ilusão do espaço, por
outro lado, tornou difícil imaginar ou encontrar o Centro; estudar as Estrelas
como gostaríamos. Imaginando um possível Limite, os homens não conseguiram
perceber como esse Centro poderia estar presente em todos os lugares no
mesmo momento do Tempo.

O Pai a muito Perdido, Hadit, é a verdadeira Vida de Todos e a Energia


Eterna de Todos. Matéria e Energia nunca podem ser separadas, uma sempre se
une à outra em uma contínua e eterna união matrimonial. O Universo, como o
conhecemos, ou pode vir a conhecê-lo através da Percepção Espiritual, é o
Resultado dessa União, a Criança Coroada no sentido mais amplo.
Homens e mulheres deste Planeta podem pensar no Pai Secreto como o Sol, até
que atraiam esse Sol para dentro do Coração, e olhem para as coisas do Seu
ponto de vista. Esta é a concepção equilibrada e harmoniosa da Grande Besta
que é o HOMEM. Então percebemos que todo o Sistema Solar gira em torno de
seu Sol Central, e assim por diante, até o Infinito. Não há limite para a expansão
da consciência no aqui e agora, para Hadit, o verdadeiro Pai está agora em cada
um de nós, velado pela Luz do Sol de nosso ser, Seu Filho de Luz Manifesto.
Verdadeiramente o Reino dos Céus está dentro de nós, nunca será encontrado
fora entre as ilusões do espaço e do tempo. Aqueles que buscaram o Reino dos
Céus dentro dele, regozijaram-se nele; mas essa é uma experiência que cada um
deve alcançar por si mesmo pelo trabalho. Voltemos então à discussão geral do
assunto.

Nós dissemos que Malkuth foi confundido com o Planeta Terra, o qual ela é
apenas num sentido restrito. Se unida ao Filho ou ao Sol, ela começa a ver o
universo do ponto de vista dele. Em torno dela giram os planetas do Sistema
Solar, dos quais a Terra é uma das menores. Mas é dito que ela deve ser elevada
ao Trono da Mãe de onde ela caiu. Ela deve ser entendida como a Substância
Original ou assunto pré-elementar. Também seu trono é a Esfera de Saturno, o
mais externo dos planetas (então conhecidos). Ao alcançar a Consciência Solar,
ela não deve imaginar que chegou ao objetivo. Este é o erro cometido por

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

aqueles que são obcecados pelos resultados de Dhyana, a iluminação mais


antiga. Ela deve se expandir até a borda da roda, a órbita de Saturno. Ela olhará
o Grande Zodíaco, o Universo Estelar em Chokmah. Ela procurará absorver isso
como o Pai, seu Companheiro Verdadeiro, e ao fazê-lo expandirá para o Infinito
como Nuit, o Ain, encontrando Kether, o Verdadeiro Pai de Seu Ser, ou Hadit, em
Seu Centro, tornado Visível pela Extensão Luz do Ain Soph Aur, que é Ra Hoor
Khuit, o Senhor do Aeon. Tendo sido assumido para o Céu, seu esforço será o de
contratar sobre o centro e de trazer o menino. Mas ela é a Virgem e a criança não
nasce, mas "sempre vindo". A força e o fogo do universo se expandem dentro
dela. Assim, podemos conceber os Dois Infinitos multiplicados na Criança
Coroada.

Todos esses Mistérios podem ser discernidos espiritualmente pelos Filhos


da Terra que têm dentro deles a Luz da Coroa. O homem, o microcosmo, o
pequeno universo, é semelhante a Deus, o macrocosmo. Este é o grande
mistério. A Alma, Malkuth, é capaz de absorver em si mesma, espiritualmente,
tudo o que está no Macrocosmo, até ser capaz de pensar o Único Pensamento de
Deus, que é o próprio Universo.

A Alma Animal é aquela que percebe e sente, sem ela podemos não
perceber ou sentir as Alegrias do Universo. Desprezada como a filha caída, é
nosso maior tesouro, pois é o reino dos céus na terra. Podemos agora entender o
Mistério da Revelação, da Mulher Vestida com o Sol, tornando-se grande com a
Criança. Como a Besta, tentou Devorar a Criança, e parou o progresso, a fim de
que ele continuasse a ser adorado como o Senhor do Céu. Como a Mulher
escapou para o Egito, ou expandiu-se até os limites da Mãe de Sut, a Órbita de
Saturno e assim por diante até que a Verdadeira Criança foi trazida à Luz dentro
Dela e a luz do Sol e da Lua não eram mais necessários, pois Era o Coroada
Criança no meio da Cidade Santa.

Assim, podemos aprender, através da expansão de nossa consciência para


a concepção de Babalon e da Besta, para passar para a Grande Conceição de
Nuit e Hadit, e obter nossa herança de Consciência Cósmica, como os Filhos
Coroados do Novo Aeon. Isso foi profetizado pela própria Besta, que fez sua vida
trabalhar para ensinar; "Primeiro obtenha o Conhecimento e Conversação do
Sagrado Anjo Guardião, o Eu Superior, em Tiphereth, o Reino de Deus no
Coração, e todas as coisas serão acrescentadas a você."

Não está escrito na Cabala: "Kether está em Malkuth e Malkuth está em


Kether, mas depois de outra maneira"? Esta declaração foi mal entendida devido
às limitações de nossas mentes. Malkuth é NUIT, e Kether é HADIT, e quando
unidos RA HOOR KHUIT, seu filho está em Tiphereth. Também Nuit disse "Meu
número é Onze, assim como todos os seus números que são de nós". Kether é 1,
Malkuth é 10, juntos ONze, que é a Esfera Perdida de DAATH, a Criança de

70
Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

Chokmah e Binah. Este é o Mistério do Caminho de Aquário, A Estrela, o Décimo


Primeiro Signo do Zodíaco, trazido para a Terra na Décima Primeira Hora, antes
do Tempo ter engolido o Último dos Seus Filhos, que será como O Primeiro no
Reino do Aqui e agora.

Frater Achad (Charles Stansfield Jones)


Fonte: Egyptian Revival – Cap V
Tradução: Alhudhud

Xangô, Leão Rei de Oió, tinta nanquim e aquarela (60 x 40). Ricardo Zolinger Zanin

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

O Voto de Obediência

Eu recebi uma carta outro dia, me contando sobre como o Voto de Santa
Obediência foi imposto em Pasadena. Através disso eu percebi instantaneamente
que ninguém nesse iluminado distrito tinha a mínima ideia do que é realmente o
Voto de Santa Obediência.

Não tem nada a ver com obediência; é uma prática como feita em qualquer
outro ramo da Yoga. Se você ler Pequenos Ensaios em Direção a Verdade,
encontrará na página 39, uma análise sobre um estado de mente que é
caracterizado pela Indiferença. O estudo desse ensaio deverá ajudá-lo a adquirir
alguma noção das bases filosóficas que delineiam essa prática, mas você não
deve supor que os dois estados podem ser sobrepostos. O transe descrito nesse
livro é fundamental e da ordem do samādhi. Ainda assim, o treino do Voto deve
ser de inestimável valor preliminar para ajudar na consecução do transe.

Parece melhor começar desenhando bem as regras do jogo. Eu digo ‘jogo’,


porque a melhor forma de se referir a prática é como um jogo. O pupilo deve
escolher um professor. Não importa afinal quem o professor é; ele não tem que
ser um membro da Ordem ou uma distinta autoridade espiritual de nenhum tipo.
É suficiente que ele seja inteligente, um bom observador e psicologista, e os
entendimentos dele nessas qualidades melhorarão rapidamente, na medida que
a experiência em jogar o jogo aumentar. É melhor que ele não seja um iniciado, a
menos que seja um alto iniciado de fato. Esses adeptos meia-boca
invariavelmente enlameiam as coisas e as distorcem. A perversidade humana ou
maldição tem seu caminho claro com eles.

É muito desejável que o pupilo e o professor devam viver juntos, ou ao


menos passar a maior parte das horas de lazer na companhia um do outro. O
professor deve, é claro, possuir certa dose de senso comum. Ele não deve, por
exemplo, dizer ao pupilo para pular do 56o andar, a menos que ele tenha plena
certeza de contradizer a ordem antes que o pupilo se espatife no chão. A regra
fundamental do jogo é única e simples: O pupilo deve fazer instantaneamente o
que ocorrer ao professor lhe mandar, sem qualquer explicação a respeito da
natureza da ordem. É algo como o espírito da Brigada da Luz ou as regras dos
Jesuítas, mas a diferença é absoluta, porque nesse caso o professor tinha um
objetivo além de treinar o pupilo, e sua emancipação da prisão da circunstância.
Na nossa prática o professor não retira nada dela a não ser um aumento do
conhecimento a respeito da natureza humana e uma certa habilidade técnica em
observação e utilização dos resultados da observação. Por mais que ele possa ser
de algum um diretor espiritual, é apenas nesse único caminho, que ele deve
ajustar a natureza das ordens ao grau de sucesso atingido pelo pupilo. Um ponto

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

é de grande importância: ele não deveria dar ordens pouco espaçadamente. O


jogo perde seu sentido se o pupilo abandona seu trabalho ou ocupação para
atender exclusivamente aos atos de obediência. O professor, por outro lado, deve
observar o pupilo bem de perto todo o tempo. Ele deveria se dar a chance de se
interessar no que ele está fazendo antes de dizê-lo para se levantar, e esperar na
virada do corredor e dizer “Buh!” seis vezes, ou o que quer que seja. Nem as
ordens devem ser completamente arbitrárias e absurdas. O professor deve
estudar o caráter do seu pupilo bem de perto, para que possa reconhecer
instantaneamente a sorte de coisas que mais o incomodam e tentar manter um
curso cuidadoso. Ele não deve querer que seu pupilo fique nervoso a ponto de
perder seu temperamento a menos que haja uma razão especial para enfatizar
essa parte do treinamento que lide com esse tipo de autocontrole.

Ele deve, em particular, ser cuidado para evitar abusar de sua função. Ele
não deve buscar de qualquer forma influenciar seu pupilo; como eu disse
primeiramente ele não precisa ser o superior espiritual do pupilo, e ele deve ser
muito cuidadoso para não colocar em sua cabeça que ele sabe melhor que o
pupilo o que é bom para ele. Em verdade, o próprio pupilo deve estar apto a
assistir muito notavelmente no progresso da prática, especialmente no que diz
respeito a estágios avançados onde pontos especiais estão envolvidos. Para fazer
isso corretamente, é de primeira necessidade, como no caso de qualquer outra
prática, fazer um registro meticuloso e acurado. O professor deve tentar
estabelecer algum tipo de escala de medição para colocar no registro o grau de
hesitação mostrado pelo pupilo logo de cara ao obedecer à ordem.

Outro ponto é que o elemento surpresa é de grande valor. Não é desejável


uma rotina de qualquer tipo, a menos, que seja decidido como uma propriedade
especial das práticas, a rotina causada pela monotonia da repetição do mesmo
ato inútil e sem sentido.

Eu realmente escrevo isso na considerável esperança que boa parte dos


apontamentos será, na maioria dos casos, desnecessário. Eu gostaria de pensar
que pupilo e professor estão unidos por amor e devoção sinceros, por cuidado
pelo bem-estar e avanço de ambas as partes, e também é esperado que ambos
entrarão rapidamente no espírito do jogo, considerado como um concurso de
inteligência, e não fazendo dele uma entediante prática mágica, mas a parte
mais interessante dos afazeres do dia.

Um pupilo deve considerar que atingiu algo próximo a perfeição nessa


prática, quando seu professor descobrir que é impossível perturbá-lo de qualquer
modo dando-lhe qualquer ordem. Ele deve executar o ato requerido com
completa serenidade, e de fato, digamos, no espírito que a ordem for dada. Não é

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Revista 777 – A ponta de lança da Thelema Brasileira

suficiente para ele executar a ordem e pronto. Apesar de saber ser tudo parte de
um jogo, ele deve atuar como se houvesse algo muito sério envolvido.

Será, provavelmente, a melhor escolha deixar que o jogo seja mantido bem
separado do que eu chamarei de sala de aula, pelas primeiras duas semanas,
mas quando uma certa quantidade de desatenção pela ordem for adquirido, pode
ser conveniente estender a operação do jogo as belas moléstias da vida
quotidiana. Ele deve adquirir a faculdade de tratar cada uma dessas ocorrências
com o que eu sinto inclinado a chamar de desprezo simpático.

Essa prática se revelará como sendo capaz de levar a completa


automaestria na rotina da vida diária. Ela proverá completa anestesia e após
certo estágio de perfeição atingido, ela também levará da mente a culpabilidade
pela preocupação. Eu estou tão convencido disso que eu me sinto inclinado a
buscar um novo propósito e começar eu mesmo tudo de novo.

Nota do tradutor: A importância do entendimento do significado de “Voto de


Santa Obediência”, se dá no momento em que alguém se candidata a Santa
Ordem, visto que outras vezes esse voto já foi confundido com o próprio espírito
de reverência e a “obediência” ao instrutor dentro do contexto da instrução, e na
figura do ministro/representante do Sagrado Anjo Guardião do instruído. A
tradução é, antes de parecer uma sugestão, um convite a reflexão.

Aleister Crowley
Fonte: La Gitana Vol. I N. 2
Tradução: I. 156

Sol Invictus

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