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P u b l i c a ç õ e s \à feitas pela COOPERATIVA

CULTURAL EDITORA FOMENTO ACRATA

E. Malatesta

SOLUÇÃO ANARQUISTA PARA OS


PROBLEMAS SOCIAIS

O QUE QUEREM OS ANARQUISTAS

Pedro Kropolkine

A MORAL ANARQUISTA

ANARQUIA, SUA FILOSOFIA, SEU IDEAL

Liberta

O REI E O ANARQUISTA

Sebastião Faure

12 PROVAS DA INEXISTÊNCIA DE DEUS

S. Agourski
PARALELO ENTRE OS SISTEMAS ECONÓMICOS
'OCIDENTAIS* E 'SOVIÉTICO*
Dr. Roberto das Neves
MARXISMO, ESCOLA DE DITADORES

P e d i d o s a José d c B r i t o , T r a v e s s a d o
C a b r a l , 3 5 A , 1.° T e l e f o n e 3 2 73 54 Lisboa 2
VARLAN
TCHERKESOFF

ERROS E
CONTRADIÇÕES
DO
MARXISMO

COOPERATIVA CUITURAI EDITORA


FOMENTO ACRATA áUDTfc
LISBOA

MD1
VARLAN TCHERKESOFF

Varlan Tcherkesoff descendia de uma antiga família nobre da


Geórgia. Ainda jovem, abandonou o lar paterno, em direção a Mos-
cou, onde frequentou um instituto ginasial. Seu verdadeiro nome
era Tcherkeskilli, que somente russificou no estrangeiro. Tcherke-
soff conheceu, desde o alvorecer de sua juventude, o movimento re-
volucionário. O jovem aluno do ginásio residia em Moscou com es-
tudantes mais adiantados, que lhe devotavam grande simpatia, em
vista do ardente desejo de saber, revelado pelo jovem, e tal confiança,
que em sua presença conversavam sem reservas sobre todos os assun-
tos secretos.
Foi assim que Tcherkesoff veio a conhecer os problemas que
então prendiam a atenção da juventude socialista e revolucionária.
Era o período em que Tchernichevsky exercia poderosa influên-
cia sobre a juventude e quando o movimento revolucionário havia
dado origem à organização secreta "Terra e Liberdade".
Tcherkesoff era o membro mais moço desse círculo.
Depois da prisão de Tchernichevsky, em julho de 1863, a polícia
de Alexandre 2.°, cujo suposto liberalismo despertara entre o povo
algumas esperanças, inclinou-se francamente para o reacionarismo.
A consequência desse fato foi, naturalmente, o progressivo de-
senvolvimento ,nas agremiações da mocidade socialista, da convicção
segundo a qual se tornava necessária uma solução violenta das gran-
des questões que a todos inquietavam.
Tal convicção era fortalecida pela ideia de que as perspectivas
de reformas governamentais em sentido liberal não passavam de
meras ilusões.
Dentre as agremiações de estudantes moscovitas surgiu uma QUê
começou a propagar a luta contra o tsarismo por meios violento-.
Entre outras coisas, tratou da criação de uma imprensa clandestina
e da libertação de Tchernichevsky. Tcherkesoff fazia parte dessa

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VAU L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

agremiação. A ela também pertencia o conhecido revolucionário


apoiado por suas relações no estrangeiro. Antes, porém, que a or-
Karakosoff, que no ano de 1866 atentou contra o tsar Alexandre IP,
ganização tomasse vulto, em vista da eliminação do estudante Iva-
sendo, em virtude desse gesto, sacrificado no cadafalso.
noff pelos revolucionários, a atenção do governo voltou-se para ela.
Depois do atentado levado a efeito por Karakosoff, a reação le-
Por êses fato, mais de trezentas pessoas foram detidas e con-
vantou novamente a cabeça.
duzidas perante os tribunais.
Ante a nova situação, os dirigentes tomaram novas medidas.
Tcherkesoff, que então se encontrava em Moscou, conseguiu um
Desde logo, todos os funcionários suspeitos de liberalismo, mesmo
passaporte para Netchaef, preparando-lhe a nova fuga para além-
os mais moderados, foram demitidos de seus cargos e substituídos
fronteiras. Pouco tempo depois, caiu êle mesmo nas mãos dos esbir-
por indivíduos conhecidos como reacionários.
ros, permanecendo na prisão desde fins de 1869 até 1 8 7 1 , ano em
"O Contemporâneo", folha que teve em Tchernichevsky o seu
que teve lugar o grande processo.
colaborador mais notável, foi suprimdio pelo governo. O estado de
Desterrado para a Sibéria, Tcherkesoff fugiu de Tomsk e re-
coisas em geral cada vez mais e mais retrogradava aos tenebrosos
fugiou-se no estrangeiro.
tempos de Alexandre IP.
Primeiramente, estacionou, durante algum tempo, em Londres;
Tais medidas, porém, não aplacaram a revolta da juventude e
depois, dirigiu-se à Suíça francesa, onde travou amistosas relações
de outras camadas da população. Os estudantes, principalmente,
estavam indignados contra os dirigentes, porque estes os importu- com James Guillaume, Kropótkine, Cafiero, Malatesta e muitos ou-
navam constantemente com toda sorte de maquinações. tros expoentes do anarquismo, decidindo-se, daí por diante, à pro-
paganda desta doutrina.
Resolveram, porisso, exigir das "autoridades competentes":
1. O direito de fundarem uma caixa de socorros para os es- No congresso da Federação do Jura, em 1880, colocou-se contra
tudantes pobres. os coletivistas, ao lado dos que defendiam o comunismo libertário,
2. O direito de se reunirem nas aulas para a discussão de as- cuja filosofia abraçou por todo o resto da sua vida.
suntos de interesse comum. Durante a sua permanência em Genebra, Tcherkesoff fêz pro-
3. O levantamento da opressão policial que sobre eles pesava. longadas viagens à França, onde por esse tempo começava a desen-
Os revolucionários, entre os quais se encontrava Tcherkesoff, volver-se o movimento libertário.
tentaram levar o movimento estudantil para o terreno político. Durante a sua permanência em Genebra, Tcherkesoff fêz pro-
Seus esforços nesse sentido foram eficazes, tendo a favorecê-los se na contingência de sair da França, encaminhando-se, pouco de-
as próprias arbitrariedades dos órgãos governamentais. pois, para o Oriente. Desde 1883 até 1892, percorreu sucessivamente
Entre os pioneiros dessa agitação destacou-se o professor Sérgio a Rumãnia, a Turquia, a Ásia Menor, preocupando-se, desde estes
Netchaef, homem extraordinariamente enérgico, que conseguiu fun- países, em fomentar a propaganda subversiva em sua região natal.
dar uma organização revolucionária, sobre cujos componentes exerceu Durante a sua estadia no Oriente, visitou uma ou duas vezes a Geór-
assombrosa influência pessoal. gia, para estabelecer ali relações secretas com os revolucionários.
Devido às perseguições, Netchaef viu-se forçado a refugiar-se no Em 1892 Tcherkesoff voltou à Europa Ocidental, habitando, com
estrangeiro, não interrompendo, apesar disso, suas relações revolu- alguns intervalos, sempre em Londres. Entre os emigrantes russos
cionárias com seus companheiros. da parte oriental dessa metrópole, era uma das personalidades mais
Na Suíça entrou em contacto com Bakúnine e seu ambiente, conhecidas, e um dos mais acatados propagandistas do anarquismo.
com o qual, a princípio, colaborou ativamente. Tcherkesoff acompanhou com particular atenção o movimento do
Em setembro de 1869, Netchaef voltou à Rússia, dedicando-se, nascente sindicalismo revolucionário francês, sobre o qual escreveu
ali, com mais intensidade, à organização das forças revolucionárias, no jornal "Freedom", de Londres. Êle esperava desse movimento

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E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A R L A N T C H E R K E S O F F

uma reanimação das ideias da ala revolucionária da primeira Inter- Geórgia, mas teve que fugir novamente do país depois da contra-

nacional . -revolução bolchevista. O resto de sua agitada vida passou-o em


Como escritor, Tcherkesoff revelou-se brilhantemente, colabo- Londres, que, com o decorrer dos anos, para êle se tornou uma se-
rando principalmente nos jornais "Freedom", "Temps Nouveaux", gunda pátria.
"Tieb e Volia", porém seus artigos foram traduzidos na imprensa li-
bertária de quase todos os países. As suas duas séries de artigos
publicados sob as respectivas epígrafes, "Precurseurs de VInterna- RUDOLF ROCKER.
tional" e "Pages d'histoire socialiste", dos quais apareceram também
alguns capítulos no velho "Socializt" e no "Neues Lebem", foram
mais tarde publicados em forma ampliada e traduzidos em diversos
idiomas.
Mesmo quando não se pudessem aceitar todas as conclusões das
obras de Tcherkesoff, é forçoso reconhecer ter êle demonstrado com
clareza que muitas ideias que haviam sido consideradas como férreos
elementos do marxismo, como por exemplo a "concepção materia-
lista da história", a "teoria da mais-vália", a "concentração do ca-
pital", a doutrina da "luta de classes", etc, eram já conhecidas dos
socialistas da França e da Inglaterra muito antes de serem Marx e
Engels influenciados na redação de suas teorias por outros socialis-
tas, como Considerant, Proudhon, Thompson, Buret e outros.
Essas provas valeram-lhe muitos ataques de Plekanof, Kautzky e
outros corifeus do marxismo, porém teve a satisfação de ver o co-
nhecido marxista italiano Labriola confirmar, publicamente, que ha-
via chegado, depois da leitura do escrito de Victor Considerant,
"Princípios do Socialismo" (manifesto da democracia do século 19), à
convicção de que Marx e Engels não desenvolveram um só pensa-
mento original rio seu conhecido "Manifesto Comunista*'.
Pessoalmente, Tcherkesoff era um caráter completamente ho-
nesto e um homem extraordinariamente afável. Todos os que en-
traram em contacto com esse homem modesto, sempre em condições
materiais precárias, só terão nesse particular uma apreciação unâ-
nime.
Quando, em 1905, explodiu a primeira revolução na Rússia,
Tcherkesoff correu para a sua pátria, porém a reação vencedora
apagou rapidamente todas as esperanças, e Tcherkesoff teve a fe-
licidade de fugir a tempo em direção ao estrangeiro.
Pouco depois de estalar, em 1917, a revolução russa, Tcherkesoff
voltou à Rússia. Atuou principalmente em sua terra natal, na

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D U A S D A T A S HISTÓRICAS

Extraordinariamente surpreendido ficou o m u n d o socialista c o m


a a t i t u d e d a m a i o r i a legalitária d o sedizente congresso d a Associação
Internacional dos T r a b a l h a d o r e s , em 1893. Ninguém, entretanto,
se l e m b r o u d e p r o p o r , p a r a resolução do congresso, uma questão
muito interessante, q u a l a de saber se a c o n d u t a da maioria fora
um simples equivoco, praticado pelos delegados, o u o resultado ló-
g i c o d e t u d o o q u e se p r e g a v a , havia anos, sob o n o m e de "socia-
lismo cientifico", evidente consequência, enfim, de uma tática
legalista, de mesquinhas reformas e de agrupamentos puramente
político-eleitorais.

Felizmente, p a r a nós, o p r ó p r i o E n g e l s n o s d e u a r e s p o s t a . "Há


precisamente cinquenta anos (dizia êle n a última sessão d o Con-
gresso) q u e M a r x e e u tomámos as nossas p r i m e i r a s a r m a s . Foi em
P a r i s , e m 1843, n u m a r e v i s t a q u e se i n t i t u l a v a A n a i s F r a n c o - A l e m ã e s .
Naquele momento, o socialismo estava representado por pequenas
seitas. Este ano marca, a i n d a , o u t r o aniversário, o d o congresso
socialista efetuado há v i n t e a n o s e n o q u a l decretámos o plano de
campanha seguido até hoje, sem modificações n e m desfalecimentos.
Foi em 1873 ( 1 ) . Nós, depois de reflexão, decretámos u m p l a n o de

(1) O Congresso de 1873 não teve significação alguma, para o movi-


mento socialista. O de Hala, em 1872, n o qual triunfaram Marx e Engels,
íol de grande importância histórica. Esses senhores excluíram os federalistas
tia Internacional, c com esse gesto mataram a grande Associação. Por conse-
guinte, só trataremos do Congresso de 1872, que tem u m lugar de destaque
na história.
V A R L A N T C. I I B R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

conduta e vistes aonde chegámos hoje. Fiquemos firmemente uni- a b o l i r - s e t o d o s os p r e v i l é g i o s , t o d a o r g a n i z a ç ã o d e r e p a r t i ç õ e s e s t a t a i s »


dos e m nossa linha de c o n d u t a , e a v i t ó r i a será nossa (2). e c r i a r o c r é d i t o g r a t u i t o às a s s o c i a ç õ e s a u t ó n o m a s . Assegurado isto,
Não é verdade que isto é b e m claro? E evidente que o mundo o Estado não t e r i a o d i r e i t o de i m i s c u i r - s e n a v i d a das associações,
socialista se surpreendeu, graças à sua ignorância a respeito da que deveriam crganizar-se em forma comunista, com a divisa:
linha de c o n d u t a d a m a i o r i a , e que o chefe do "socialismo cientí- "de cada u m , segundo a sua capacidade; a cada u m , segundo as suas
fico" se vangloria precisamente dessa atitude prevista havia cin- necessidades". Esta, e m poucas palavras, a d o u t r i n a de L o u i s B l a n c ,
quenta anix> e d e c r e t a d a desde v i n t e a n o s . Agora vejamos a con- deixando a perder de v i s t a a s o c i a l - d e m o c r a c i a dos nossos dias.
tribuição de M a r x e Engels para a concepção socialista e qual foi Deixemos, a g o r a , que Engels n o s dê a c o n h e c e r o q u e êle e M a r x
o caráter do congresso de 1872. pregaram depois de L o u i s B l a n c . A l g u n s meses a n t e s tira revolução
Antes de t u d o , t e n h o e m p e n h o em reconhecer que Marx, revo- de 24 d e f e v e r e i r o d e 1848, a L i g a C o m u n i s t a A l e m ã p u b l i c o u o fa-
lucionário e defensor do proletariado, M a r x polemista incomparável, moso "Manifesto Comunista", redigido por Marx e Engels. Nele.
q u e pós t o d a s u a c i ê n c i a e c o n ó m i c a a o s e r v i ç o d o p o v o , s e r á sempre os meios práticos recomendados ao povo estavam assim formula-
uma grande f i g u r a n a história do d e s e n v o l v i m e n t o do moderno so- dos: (3)
cialismo. E não é para diminuir os s e r v i ç o s q u e p r e s t o u ià e m a n - 1. Expropriação da terra e emprego d a r e n d a p a r a os gastos
cipação d a classe t r a b a l h a d o r a , que q u e r o fazer u m a breve resenha do Estado. 2. Um alto imposto progressivo sobre as rendas.
das suas ideias socialistas de 1843 a 1848. Quero, simplesmente, 3. Abolição d o d i r e i t o de h e r a n ç a . 4. Confiscação dos bens dos
ver se a s p r e t e n s õ e s d e E n g e l s e n c o n t r a m confirmação no passado e m i g r a d o s e dos reacionárics. 5. Concentração do crédito n a s m ã o s
e q u a l era, n a q u e l a época, o c o n j u n t o d a s u a d o u t r i n a . do governo, p o r m e i o de u m b a n c o do Estado e p o r u m "monopólio
S a b e m o s q u e , d e 1339 a 1848, e x i s t i a e m F r a n ç a u m a m p l o mo- exclusivo". 6. Centralização, peta Estado, dos meios de transpor-
vimento revolucionário com tendência marcadamente socialista. tes. 7. A u m e n t o do número das fábricas d o E s t a d o e dos i n s t r u -
Livros e jornais inundavam o pais. Pierre-Joseph Proudhon, mentos d a terra, segundo u m plano geral. 8. Trabalho obrigató-
P. Leroux, Victor Considerant, George Sand, August Comte, La- rio para todos. 9. Organização de u m exército d o t r a b a l h o , especial-
mennais, Barbes, B l a n q u i e Louis Blanc, pregavam doutrinas socia- mcne para a agricultura.
listas u m t a n t o diferentes, m a s todas saboreadas pela massa traba- Cem este p r o g r a m a , Marx e Engels começaram a sua propa-
lhadora. Louis Blanc era o mais popular. Por causa do seu p r o - g a n d a socialista e revolucionária. Q u e j u l g u e m os e s p i r i t e s i m p a r -
j e t o de organização do t r a b a l h o , o p o v o levara-o em triunfo, quando ciais q u e m havia concebido as i d e i a s humanitárias mais ampla-
foi proclamado membro do governo provisório, e m 24 d e fevereiro mente: Louis Blanc, c o m a sua divisa "de cada u m , segundo a sua
de 1848. N o seu periódico "Revue d u Progrès", f u n d a d o e m 1839, capacidade; a cada u m , segundo as s u a s necessidades", e c o m as
Louis Blanc encetou a exposição do seu sistema de socialismo. suas associações autónomas, o u M a r x e Engels, c o m o s e u " m o n o p ó l i o
A f i r m a v a q u e a questão s o c i a l s e r i a r e s o l v i d a p o r u m E s t a d o demo- exclusivo", a "cultura da terra segundo u m plano geral" e a "or-
crático; que o p o v o devia, antes de t u d o , c o n q u i s t a r o poder legis- ganização de u m exército do trabalho, especialmente para a agri-
lativo, m a s que a luta politica deveria ficar subordinada à eman- cultura"?
cipação económica e social d o povo. A última é o objetivo; a pri-
D e q u e se v a n g l o r i a E n g e l s ? Compreendo q u e se f e s t e j e o ani-
meira, u m simples meio. U m a vez c o n q u i s t a d o o E s t a d o , deveriam
versário da publicação do manifesto de Robert Owen, em 1813,
perqus proclamava ideias socialistas realmente amplas e humani-

(2) A cltaçào encontramo-la no "Journal des Economistes", número 9. 1893.


pâg. 32K (3) Cito segundo o texto da primeira edição, de 1878.

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V A R L A N T C H E R K E S O F F
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

tàrias. Mas glorificar a data do aparecimento, no horizonte polí- opinião dos demais membros do Congresso. Este, a instância de
t i c o , de Engels, com as suas i d e i a s retrogradas e a sua tática mil J u n g e M a r x , n ã o d e r a a p r o v a ç ã o a essa c a r t a , h o j e famosa.
vezes n e f a s t a , não m e p a r e c e razoável. Falta-me e s p a ç o p a r a r e f e r i r os p o r m e n o r e s das intrigas postas
Estudemos agora a outra data gloriosa, a de 1872-1873, é p o c a em jogo por Engels, Lafargue, Utin e outros, contra os fede-
em que foi "decretado um plano de conduta", que terminou em ralistas em geral e especialmente c o n t r a Bakúnine e James Guil-
Zurique com as declarações q u e todo m u n d o conhece e cujo único laume. L i m i t o - m e a f r i s a r q u e essas i n t r i g a s p r o d u z i r a m a c i s ã o da
r e s u l t a d o possível é o d e sustentar o sistema governamental atua!, Internacional, n o congresso de t r i s t e memória de 1872. Não é co-
tal como está. b a s e a d o n a e x p l o r a ç ã o c a p i t a l i s t a e n o m i l i t a r i s m o , nhecido ainda suficientemente o modo como foi convocado esse c o n -
desconhecido n o passado. E necessário f r i s a r que nos surpreendeu gresso. Basta dizer que Marx e Engels deram ordem ao delegado
um pouco ver Engels encontrar motivos para felicitar M a r x e feli- Sorge, d a secção alemã de N o v a Y o r k , p a r a q u e obtivesse a maior
c i t a r - s e a s i m e s m o , sob, o p r e t e x t o d o s ú l t i m o s c o n g r e s s o s d a I n t e r - q u a n t i d a d e possível de mandatos em branco, e Sorge trouxe, r e a l -
nacional. A glória r e a l de M a r x estriba-se na r e d a ç ã o dos consi- mente, muitíssimos, que foram distribuídos profusamente entre os
derandos e dos estatutos gerais da grande Associação, correspon- partidários de M a r x e E n g e i s . P a r a cúmulo, M a r x e Engels levaram
dendo a o p e r í o d o de 1864 a 1869, a t é o Congresso ti« Basileia," que c o m eles, c o m o m e m b r o s d o C o n s e l h o G e r a l d a I n t e r n a c i o n a l , h o m e n s
m a r c a o apogeu de Marx. que n u n c a h a v i a m s i d o m e m b r o s de q u a l q u e r secção, i n c l u s i v e o famo-
so amigo intimo de Engels, Multeman Barry, correspondente do
Como ninguém i g n o r a , os congressos de 1872 e 1873 deixaram
" S t a n d a r d " e agente dos c o n s e r v a d o r e s ingleses. Com uma maioria
amargas recordações a M a r x , q u e v i u c l a r a m e n t e como o resultado
constituída desse modo, excluíram Bakúnine e G u i l l a u m e , e, com
deles era a condenação à m o r t e d a sua fração c e n t r a l i s t a . De facto
estes, as federações j u r a s s i a n a , e s p a n h o l a , belga, italiana e inglesa.
desde t a l época, a fração m a r x i s t a d a I n t e r n a c i o n a l d e i x o u d s e x i s t i r , Com M a r x , Engels, M . B a r r y e outros, f i c a r a m somente os alemães
e os congressos celebrados até 1882 foram promovidos exclusiva- e alguns grupos isolados de diferentes paises. T o d o s os elementos
m e n t e pelos f e d e r a l i s t a s - b a k u n i n i s t a s " conhecidos pelo n o m e de a n a r - a t i v o s e r e v o l u c i o n á r i o s se r e u n i r a m a o s f e d e r a l i s t a s - a n a r q u i s t a s , q u e
quistas. Mas se M a r x não ficou satisfeito c o m o resultado do con- continuaram, até 1882, convocando os congressos da Internacio-
gresso de 1872. E n g e l s triunfou, pois que desde há muito premedi- nal. (4)
tava provocar u m a cisão no seio da Internacional. Imbuído das Grande datas evocou Engels! Poder-se-á estranhar que uma
ideias retrógradas, como já frisámos, Engels professava ódio im- m a i o r i a l e g a l i t a r i a , s a i d a de bases tão gloriosas, p a c t u a s s e em Zuri-
placável ao p a r t i d o f e d e r a l i s t a - a n a r q u i s t a , e e s p e c i a l m e n t e aos com- q u e c o m os g o v e r n o s , a t a c a s s e os i n d e p e n d e n t e s e p r e g a s s e a guerra?
ponentes da "Aliança Socialista Internacional". Os federalistas
dominavam a Internacional na Suiça, Bélgica, Espanha e Itália.
Engels, na qualidade de m e m b r o do conselho geral da I n t e r n a -
cional e seu correspondente para a Espanha, escrevia, em 24 de
1872, a o c o n s e l h o f e d e r a l e s p a n h o l , u m a c a r t a i n c r í v e l , n a q u a l r e c l a - (4) Não será inútil recordar que J u n g havia se recusado a ir ao C o n -
mava " u m a l i s t a de t o d o s os m e m b r o s d a A l i a n ç a " e t e r m i n a v a por gresso de 1872. "Marx e Engels, disse ele. me rogaram que lósse. . . E u me
esta frase: "Se não recebermos u m a resposta categórica e satisfa- neguei. No dia seguinte, voltaram ã carga. Engels chegou a dizer-me: " E 3
tória p e l a v o l t a do c o r r e i o , o C o n s e l h o G e r a l ver-se-á n a necessidade o único homem que poderá salvar a Associação". Respondi-lhe que só po-
deria ir a Haia sob u m a condição, e era a de que Marx ei êle, Eaigeis, se a b s t i -
de denunciar-vos publicamente", etc. ("Memoire de l a Federation vessem de ir lã".
Jurassienne", p. 250). Engels escrevera essa carta sem pedir a Vê-se como até os seus partidários consideravam nefaata a influência de
Marx e Engels.

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D I T A D U R A E PRETENSÃO
CIENTÍFICA

P a r a se f a z e r u m a i d e i a n í t i d a d a c o n d u t a d e M a r x e E n g e l s como
inspiracíores d o C o n s e l h o G e r a l d a I n t e r n a c i o n a l , é n e c e s s á r i o e x a m i -
nar a s u a a t i t u d e d u r a n t e a C o m u n a de Paris.

N o d i a 3 de a b r i l de 1871, ò Conselho Geral da Internacional


escrevia de L o n d r e s p a r a P a r i s : " O s cidadãos membros do comité
de P a r i s estão c o n v i d a d o s , em vista do estado de coisas, a dirigir
informações periódicas ao Comité C e n t r a l de Londres'. Em 9 do
m e s m o mês, a c r e s c e n t a v a : "Esperamos d resultado para dar-vos ins-
truções".

P e d i r i n f o r m a ç õ e s a g e n t e q u e e s t a v a se b a t e n d o ! j P a r a quê t a i s
informações? Ao menos, Bismarck e o imperador Guilherme, que
pretendiam mandar, estavam presentes no campo Cs batalha. O
Comité G e r a l , d i r i g i d o por M a r x e Engels, p r e f e r i a estar e m s a g u r a n -
ça, a o c a l o r d a e s t u f a , e d a r i n s t r u ç õ e s d e l o n g e . E que instruções!
N o d i a 4 de a b r i l : " N ã o f o m e n t e i s agitações inúteis n a s províncias".
E m 9 do mesmo mês: " A t é e n t ã o , d e i x a i a g i r os r e p u b l i c a n o s e n ã o
vos c o m p r o m e t a i s em nada".

O c ú m u l o d o r i d í c u l o e d o a b s u r d o desses h o m e n s á v i d o s d o p o d e r
e r a o de q u e r e r d i r i g i r o m o v i m e n t o de c a d a c o m b a t e n t e . Vejam-se
e s t a s i n s t r u ç õ e s d e 23 d e m a r ç o : " G o b e r t deve f i c a r e m L y c n , e H e n -
riet a i e m Fáris. Enviai Estein a Marselha". E estas, de 2 4 : " E n -
viai Cluseret a Paris ( b e l o r e g a l o p a r a os p a r i s i e n s e s ! ) . N o d i a 20,
haviam ordenado: " E m vista das d i f i c u l d a d e s q u e se apresentam

15
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A 15 L A N T Ç II i: R K E.S O F F

de Gotha, a social-democracia alemã levou o espírito d e concilia-


para a ida a Lyon dos cidadãos Assi e M o r t i e r , o cidadão Landcck
ção e n t r e as reivindicações s o c i a l i s t a s , p o r u m l a d o , e a o r d e m social
v a i c c m o delegado c o m plenos poderes a Marselha e Lyon". (5)
a t u a l e o Estado, p o r outro (6), pelo q u e n ã o se d e v e e s t r a n h a r o
Segundo os e s t a t u t o s d a I n t e r n a c i o n a l , o Comité Geral tinha
ter-se t o r n a d o fastidiosa, p a r a deputados e vereadores, a antiga qua-
funções p u r a m e n t e a d m i n i s t r a t i v a s e d e v i a d i r i g i r u n i c a m e n t e o e s c r i -
tório c e n t r a l p a r a a correspondência d a s d i f e r e n t e s organizações n a - lificação de "socialistas revolucionários". F o i necessário encontrar

cionais. O Conselho para nada podia intervir nos acontecimentos outro qualificativo mais adequado à nova concepção que f a z i a m do
i n t e r i o r e s de c a d a país. E n t r e t a n t o , sob a direção de M a r x e E n g e l s , socialismo e à recente e distinta situação, q u e g o z a v a m de legisla-
a r r c g o u - s e , p o u c o a p o u c o , o u t r o s d i r e i t o s , c o m o o d e g u i a r as o r g a - dores.
nizações de t r a b a l h a d o r e s , c h e g a n d o até à d i t a t o r i a l l o u c u r a de m a n - O qualificativo desejado f o i logo e n c o n t r a d o . E m l u g a r de " s o -
d a r ordens d a índole das q u o acabamos de m e n c i o n a r . Plenos pode- cialismo revolucionário", entraram a empregar a expressão "socia-
res sobre M a r s e l h a e L y o n a u m i l u s t r e d e s c o n h e c i d o ! ! E que t a t o ! l i s m o científico". Como se e x i s t i s s e u m socialismo para ignorantes!
Dois alemães delegando poderes a u m o u t r o alemão bonacheirão p a r a Seria este o de Saint-Simon, Owen, Proudhon e Tchernychevsky?
dirigir os s o c i a l i s t a s franceses, e n q u a n t o o i m p e r a d o r , os príncipes Desgraçadamente, o adjetivo "científico" presta-se a u m a falsa inter-
alemães e B i s m a r c k estavam em Versalhes! pretação, p o r q u e são p r e c i s a m e n t e os defensores das iniquidades da
J á d e s d e 1870, m e m b r o s i n t e l i g e n t e s d a I n t e r n a c i o n a l , c o m o Guil- organizaçào c a p i t a l i s t a q u e m t e m sempre n o s lábios a p a l a v r a "ciên-
l a u m e e B a k ú n i n e , v i n h a m n o t a n d o essa m a l é f i c a e r i d í c u l a t e n d ê n - cia". Por o u t r o lado, há muito tempo que, n a A l e m a n h a , certa
cia de quererem arvorar-se e m ditadores i n t e r n a c i o n a i s . Esses m e m - classe de r e f o r m a d o r e s " s u i generis", potentados soporiferos, se de-
bros f o r m a v a m u m a c o r r e n t e contrária, que pouco a p o u c o tomava ram a conhecer pela expressão "socialista de c á t e d r a " ("Katheder
corpo. Os p r o t e s t o s s u r g i r a m , c a d a d i a m a i s n u m e r o s o s e v i o l e n t o s , sozialist").
e d a t a d e e n t ã o o o d i o q u e a c a m a i l h a m a r x i s t a c o n s a g r o u aos f e d e - E r a a b s o l u t a m e n t e n e c e s s á r i o d i s t i n g u i r - s e desses sábios o f i c i a i s .
ralistas, especialmente a Guillaume e Bakúnine. Essa camarilha C o m e ç o u e n t à o a c i r c u l a r u m a l e n d a s o b r e a ciência desses h o m e n s ,
empregou toda energia e toda a u t o r i d a d e de que pôde d i s p o r , e n ã o e x c l u s i v a m e n t e deles, b a s e a d a s n a s descobertas especiais, devidas aos
se l i m i t o u às a m e a ç a s . Vimos como ela procurou obter a maioria fundadores d a social-democracia. E m l u g a r de d i z e r e m simplesmen-
n o congresso de H a i a . e m 1 8 7 2 . O seu libelo " A Aliança I n t e r n a c i o - te q u e o i m e n s o desenvolvimento» d a c u l t u r a i n t e l e c t u a l nos obriga
n a l " , p u b l i c a d o p o r essa o c a s i ã o , é u m e x e m p l o s e m i g u a l de calú- a efetuar u m a t r a n s ormação r a d i c a l n a organização c a p i t a l i s t a e do
nias e absurdos. E s t a d o , e q u e a ciênc*a " t o d a i n t e i r a " , s e g u n d o as investigações doo
Depois d a cisão n o c o n g r e s s o de H a i a , as d u a s facões seguiram homens independentes, condena o modo atual de produçào e de
duas táticas m u i t o diferentes. E n q u a n t o os f e d e r a l i s t a s desenvol- c o n s u m o i n d i v i d u a l , q u i s e r a m a t r i b u i r t o d o o mérito a u m a ciência
viam, cada dia mais, a luta no t e r r e n o económico e revolucionário, especial — a da social-democracia. A afirmativa, por demais preten-
Os p a r t i d á r i o s d e u m E s t a d o c e n t r a l i z a d o , q u e e m 1873 h a v i a m decre- s i o s a , n ã o se m a n t é m , d e s d e q u e s e j a e x a m i n a d a convenientemente.
tado u m programa de ação legal e parlamentar, eram arrastados A ciência r e a l é inseparável de t o d a s verdades conhecidas e opera
pelos acontecimentos políticos e p e l a l u t a e l e i t o r a l p a r a o caminho
d a moderação e de c o m p r o m i s s o s contra-revolucionários e colabora-
cionistas, bastante conhecidos. E sabido até que p o n t o n o congresso (6) No congresso de Frankfort, em 1894, u m delegado afirmou: "A m e -
dicina do socialismo deve ser administrada em pequenas doses". Um hon-
lado sábio dizia ultimamente a u m dos nossos amigos: "Que quereis? O
programa dos republicanos radicais é mais adiantado do que o dos socialistas!"
(5) V. História da Internacional por u m burguês republicano", por
E era a pura verdade.
LX

16 17
V A R LA N T C H E R K E S 0 F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

s o b r e t o d o s os r a m o s do saber h u m a n o , a r r a s t a n d o , c o m irresistível Estas citações são b a s t a n t e c l a r a s . M a s há m a i s a i n d a . Atual -


p r e s s ã o , t o d o s os e s p í r i t o s independentes. mente, sabemos que " f o r a m Engels e Marx que descobriram as l e i s
Examinemos se a c i ê n c i a d e l e s t e m o u t r o c a r á t e r . E s c u t a i as eternas da vida social'. Ninguém a n t e s deles s u s p e i t a r a sequer da
aiirmações dos "pensadores" e dos p u b l i c i s t a s o f i c i a i s do p a r t i d o : existência dessas leis? Ninguém! — a f i r m a m os sociais-democratas.
" A s leis d a produção c a p i t a l i s t a , descobertas por Marx (lê-se n a "A Alemanha (disse B e b e i ) e m p r e e n d e u o p a p e l de g u i a , n a l u t a
biografia de E n g e l s , " N e u e Z e i f , a n o 9.°, n ú m e r o 3 ) , são t ã o está- g i g a n t e s c a d o p o r v i r . E s t á p r e d e s t i n a d a a esse p a p e l , p e l o s e u d e s e n -
v e i s c o m o as d e N e w t o n e K e p l e r p a r a o m o v i m e n t o d o s i s t e m a s o l a r " . v o l v i m e n t o e p e l a s u a posição geográfica. Não f o i por simples casua-
"E a Marx (disse E n g e l s ) q u e d e v e m o s d u a s g r a n d e s descobertas, lidade q u e os alemães descaoriram a dinâmica do desenvolvimento
a saber: 1. A revelação do segredo d a produção capitalista pela da sociedade. E n t r e esses a l e m ã e s o p r i m e i r o l u g a r p e r t e n c e a Marx
explicação d a " m a i s - v a l i a " . 2. A concepção m a t e r i a l i s t a d a história e Engels. Depois deles, veio Lassalle, como organizador da massa
(Engels, " O Desenvolvimento do Socialismo Científico")." trabalhadora" (Bebei, " A M u l h e r " , conclusão).
"Em 1845, r e s o l v e m c o ( M a r x e E n g e l s ) d e d i c a r - n o s às investiga- Este t r e c h o , de caráter perfeitamente social-democrata, mostra-
ções n e c e s s á r i a s à e l a b o r a ç ã o d a c o n c e p ç ã o m a t e r i a l i s t a d a h i s t ó r i a nos, p o r s u a v a i d a d e , sobre o que f u n d a m e n t a v a m Marx e Engels
"descoberta por Marx". (Prefácio de "Ludwig Feuerbach,", por a sua pretensão a u m a d i t a d u r a u n i v e r s a l : A Alemanha à frente da
Engels). h u m a n i d a d e , e eles, c o m o d u a s glórias do s e u país, a c i m a , p o r c o n -
E m sua polémica c o m Dúrhing, a f i r m o u Engels: "Se Dúrh- seguinte, d a h u m a n i d a d e ignorante!!...
i n g p r e t e n d e dizer que t o d o o s i s t e m a económico dos nesses d i a s
é o r e s u l t a d o d o a n t a g o n i s m o e n t r e a s c l a s s e s e d a opressão, e n t ã o
r e p e t e v e r d a d e s q u e são l u g a r e s - c o m u n s desde o a p a r e c i m e n t o d o
Manifesto Comunista".
Contando a história da evolução da sua juventude, confessou
candidamente Engels: ' " E de n o t a r q u e não f o m o s os únicos a desco-
b r i r a dialética m a t e r i a l i s t a . O o p e r á r i o José D i e z g e n fez idêntica
descoberta". ("L. Feuerbach").
D e p o i s d e s t a confissão, poderíamos b a i x a r o p a n o . M a s os a d e p -
tos de M a r x e E n g e l s v ã o m a i s l o n g e : A f i r m a m q u e os s e u s mestres
foram os p r i m e i r o s a a p l i c a r , às i n v e s t i g a ç õ e s e e s t u d o s históricos,
económicos e sociológicos, o m é t o d o dialético, graças ao q u a l t i n h a m
encontrado a lei d a concentração c a p i t a l i s t a , espécie de fatalismo
económico. H a v i a m s i d o t a m b é m eles q u e " t i n h a m c r i a d o u m p a r -
tido socialista, o mais revolucionário que a história conheceu":
a social-democracia.
E necessário e s t u d a r o teuneto de E n g e l s , " L . Feuerbach", que é
a exposição m a i s c o m p l e t a d a f i l o s o f i a de t a i s " p e n s a d o r e s " ("Pleka-
noíf", prefácio). E necessário q u e a h u m a n i d a d e se o c u p e seria-
mente dos m e n o r e s feitos e atos d a m o c i d a d e dos mesmos, pois "são
os p r i m e i r o s p a s s o s d o s o c i a l i s m o c i e n t í f i c o " . ("Neue Zeit", biografia
de Engels).

IS
19
3

O MÉTODO DIALÉTICO

Será m e s m o verdade que a h u m a n i d a d e i g n o r a v a o método d i a -


lêtico e a i d e i a d a m a i s - v a l i a ? Vico, Volney e os encoclopedistas,
Agustin Thierry, Buckle, A. Blanqui, Quetelet e tantos outros não
teriam tido nenhuma i d e i a d a influência dos fatôres económicos
sobre a história da humanidade? T. Rogers não escreveu a sua
grande o b r a " S e i s séculos d e t r a b a l h o e d e s a l á r i o " e, a t í t u l o de
r e s u m o , rTáo p u b l i c o u o s e u v o l u m e " A Interpretação Económica da
História"? E , se as verdades encontradas pelos homens indepen-
d e n t e s , se a c i ê n c i a d o s p e n s a d o r e s que não a s p i r a v a m à ditadura
n e m ao p a p a d o , e x i s t i a m r e a l m e n t e a n t e s de a p a r e c e r e m n o cenário
do m u n d o M a r x e Engels, c o m o será necessário q u a l i f i c a r os a u t o r e s
das citações atrás r e g i s t r a d a s ? T o d o s eles, B e b e i , K a u t z k y , Pleka-
n o f f , E n g e l s , e t c , t e r i a m e s c r i t o os t r e c h o s c i t a d o s p o r m e r a igno-
r â n c i a o u s o b a i n f l u ê n c i a d e m o t i v o s c o m p l e t a m e n t e e s t r a n h o s às i n -
vestigações científicas?
Pelas precedentes citações s a b e m o s que a h u m a n i d a d e deve a
Marx e ao s e u a m i g o Engels o seguinte:
1. A a p l i c a ç ã o d o m é t o d o d i a l é t i c o às i n v e s t i g a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s .
2. A descoberta da mais-valia, ignorada pela ciência anterior
a eles.
3. A explicação materialista da história.
4. E. c o m o coroação d o edifício, a l e i d a concentração do ca-
p i t a l , " a expropriação do m a i o r número de capitalistas efetuada pelo
menor." (Veja-se "O Capital", p . 342).
Antes de prosseguir, peço perdão aos trabalhadores, especial-
m e n t e aos s o c i a l i s t a s i n t e r n a c i o n a l i s t a s , p o r e s t a m i n h a e x c u r s ã o t ã o
p o u c o agradável pelo domínio das l e n d a s e d a s pretensões m a l - d e n o -

21
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

V A li L A N T C II i: R K E S O F F
Outra autoridade, glória da Alemanha e da humanidade —
Goethe — não f o r a t a m p o u c o favorável ao método tão c a r o a Engels
minadas "científicas". Esse esforço é, porém, uma necessidade e as seus d i s c í p u l o s ( 9 ) . O espírito científico de G o e t h e não podia,
imposta pelo nosso estudo. Quando, em nome do socialismo cien- evidentemente, a d m i t i r esse f a m o s o método, c e m o q u a l o pró e o
t i f i c o , se p r e g a e m nossos dias a adoração do Estado todo-poderoso, contra são provados com igual facilidade. Êle compreendia que
a autoridade, a ordem, a d i s c i p l i n a , a subqrdinação e outras qua- só e x i s t e u m método de investigação — o método científico. De
lidades consideradas h o n r o s a s nos quartéis; q u a n d o se r i d i c u l a r i z a m a c o r d o c e m e s t e , q u a n d o se f o r m u l a u m a h i p ó t e s e , d e v e - s e verificà-la
as i d e i a s de e m a n c i p a ç ã o , d e l i b e r d a d e e d e s o l i d a r i e d a d e , aplicando- pelo método i n d u t i v o e convertê-la e m t e o r i a q u a n d o a causa rela-
-se-lhes a e t i q u e t a de " u t o p i a s " , e que c a d a exposição das ideias h u - c i o n a l d a s relações estabelecidas p o r indução h a j a sido demonstrada
manitárias e verdadeiras é taxada de ignorância, é indispensável pelo método dedutivo.
investigar onde está a verdade. E, p a r a cúmulo, este m é t o d o de raciocínio n ã o é n o v o . O pró-
A ciência, a grande ciência d o s n a t u r a l i s t a s , ccen os seus sis- prio Engels disse a l g u r e s que Descartes, Spincsa, Rousseau, Diderot
temas de evolução, de t r a n s f o r m i s m o e de materialismo monistico, e Charles Fourier, contemporâneo de Hegel, se h a v i a m s e r v i d o , a d -
que t a n t o r e p u g n a m a Engels ( 7 ) , f o i c r i a d a e se d e s e n v o l v e s e g u n d o miravelmente do referido método. Todos esses filósofos, especial-
o método i n d u t i v o . Todos os grandes espíritos científicos ignoram mente c último, r e a l i z a r a m o s seus t r a b a l h o s e m investigações den-
e atê condenam o "método dialético". Desafio os sociais-democra- tro cies d o m í n i o s da filosofia social e dc socialismo. Como, pois,
tas a que m e c i t e m u m único sábio d o nosso s é c u l o q u e se tenha afirmam que M a r x , Engels e o operário alemão Dietzgen se tenham

servido do "método dialético" nas investigações científicas, a não visto n a necessdade de destobri-lo novamente?

ser n a metafísica alemã. Q u e os d e p u t a d o s , f i l o s o f e s e p u b l i c i s t a s d o " s o c i a l i s m o científico"


expliquem isso, se p o d o m , aos ignorantes!...
Acaso L a m a r c k . Geoffroy, Saint-Hilaire, Lyell, D a r w i n , Haeckel,
Helmholtz, Huxley e outros elaboraram a grande filosofia evolucio-
nista, servindo-se do "método dialético"?
Q u e t e l e t e J . S. M i l l , M o r g a n e B u c k l e , M a i n e T a y l o r , H . Spen-
cer, Gayau e Bain fizeram as s u a s g e n e r a l i z a ç õ e s de sociologia, de
lógica, de ética e de f i l o s o f i a moderna c o m o u t r o método, que não
o indutivo? Q u e m conheça u m p o u c o a história do desenvolvimento
d a c i ê n c i a m o d e r n a r e c o n h e c e r á q u e t o d o s os g r a n d e s e s p í r i t o s r e p u -
diaram o "método dialético".
"O m é t o d o de g e n e r a l i z a ç ã o d i a l e t i c a desses f i l ó s o f o s (os meta-
físicos), sobre o qual basearam a infalibilidade da sua doutrina,
disse o professor W . W u n d t (8), aparece-nos como u m veto artificial
e repulsivo que desnaturaliza toda ideia.

(7) E m seu folheto " L . Feuerbach", Engels trata o materialismo das


ciências naturais de "vulgar", em oposição ao deles (Engels e Marx).
(8) W. Wundt: "Relação da filosofia do nosso século e da vida", dis- (9) "Conversações de E c k c r m a n n " , 3.* parte.
curso pronunciado na universidade de Leipzig, 1889. (Citação segundo u m a
tradução russa).
23
2?
"MAIS-VALIA" E "UTOPIA"

Armados desse método repelido pela ciência, os discípulos da


escola reacionária e metafísica de H e g e l (10) descobriram a "mais-
valia".
Que é a "mais-valia"?
"Foi demonstrado (11) que a forma fundamental da produção
capitalista e d a exploração do t r a b a l h a d o r é a apropriação d o tra-
b a l h o n ã o p a g o , i s t o é, o t r a b a l h a d o r r e c e b e p o r s e u t r a b a l h o menos
do que d patrão recebe ao v e n d e r o produto".
Estas palavras são de Engels, que p r o c u r a fazer-nos acreditar
que " a m a i s - v a l i a " o u exploração d o operário p e l a b u r g u e s i a é u m a
descoberta de M a r x . Vejamos se é v e r d a d e q u e os s o c i a l i s t a s e a
economia p o l i t i c a i g n o r a v a m ,antes d o a p a r e c i m e n t o de " O C a p i t a l " ,
e m 1867, q u e a r i q u e z a d a b u r g u e s i a é p r o d u t o d o t r a b a l h o n ã o pago.
Já n o último século (12) e n c o n t r a m o s definições muito exatas,
relativamente à p a r t e r e t i d a pelo patrão sobre o! s a l á r i o d o t r a b a -
lhador .
"Os fisiocratas (disse H . D e n i s , "História dos S i s t e m a s Socialis-
tas"), designavam claramente a p a r t e r e t i d a pelo patrão, o p r o p r i e -

(10) Chamamos a atenção do leitor para a imortal definição quo d a


metafísica fez Voltaire. Quanto a Hegel, afirmou Wundt: "Hegel é u m
verdadeiro filósofo da Restauração. Está plenamente convencido de que "o
individuo deve servir o Estado, com submissão absoluta a u m a vontade
Unloa. De u m a forma absoluta, glorifica o constitucionalismo burocrático.
A ideia geral da sua filosofia da história está subordinada e serve, ao mesmo
tempo, à tendência filosófica da época d a Restauração". (Discurso citado).
(11) Por Marx.
(12) O autor refere-se uo sóaulo 18. (N. do T r . ) .

25
V A RLAN T C H E R K E S OF F
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

tário e todos os e x p l o r a d o r e s . Chamavam-me, como Adam Smith,


d o n o s s o século, q u e , a n t e s d e q u a l q u e r o u t r o , c o n c e b e u e estabeleceu
o "produto liquido". Éste g r a n d e economista, fundador da econo-
que, j á que o saber h u m a n o é o r e s u l t a d o d a s impressões d o a m b i e n t e
mia politica, demonstra, incomparavelmente melhor que M a r x , que
e x t e r i o r sobre os nervos (14) e j á q u e n ã o e x i s t e m i d e i a s i n a t a s o u
" t o d a r i q u e z a é p r o d u t o d o t r a b a l h o " , e j a m a i s a p r o v o u , sob o p o n t o -
preconcebidas, o caráter do homem d e v e ser, c o n s e q u e n t e m e n t e , o
d e - v i s t a m o r a l , q u e o p r o d u t o r ficasse privado do produto líquido.
r e s u l t a d o das influências d o a m b i e n t e e d a s condições sociais, d e n t r o
Nos princípios deste século ( 1 3 ) S . de S i s m o n d i , n a s u a célebre
das quais o i n d i v i d u o nasce e vive. " E n t ã o , disse êle, n ã o é o h o -
obra "Novos Princípios de E c o n o m i a Política", demonstrou que se
mem que é responsável, m a s a s o c i e d a d e e as condições exteriores.
d e d u z i r m o s os g a s t o s d a p r o d u ç ã o d o v a l o r d a t r o c a d e u m p r o d u t o ,
E necessário m o d i f i c a r a atual ordem social p a r a serem minorados
fica u m excedente a p r o p r i a d o pelo c a p i t a l i s t a . Esse e x c e d e n t e do
os s o f r i m e n t o s da humanidade". E durante toda a sua longa vida,
trabalho Sismondi o denominou "surplus-value". Traduzido para
trabalhou para a mudança d a s condições económicas. Nas suas
o a l e m ã o , é o " m e h r v v e r t h " d e M a r x , i s t o é, a " m a i s - v a l i a " d o t e x t o
o f i c i n a s , e m N e w - L a n a r k , o r g a n i z o u p a r a os o p e r á r i o s u m a e x i s t ê n c i a
f r a n c ê s de " O C a p i t a l " . A o b r a de S i s m o n d i f o i p u b l i c a d a e m 1819,
que, a i n d a n o s nossos dias, seria considerada feliz; f u n d o u os pri-
ou seja, u m a n o a n t e s d o n a s c i m e n t o de E n g e l s . S i s m o n t i - i , se b e m
m e i r o s j a r d i n s p a r a crianças e s u s t e n t o u B e l l e L a n c a s t e r n o s seus
que espírito a d i a n t a d o e l i b e r a l , não e r a s o c i a l i s t a , e a definição d a
primeiros passos, como também F u l t o n n a criação do seu b a r c o a
" m a i s - v a l i a " f o i f e i t a p o r êle, c o m o r e s u l t a d o de investigações s i m -
vapor. Fêz m a i s : C h a m o u a atenção de R i c a r d o , B e n t h a m e mui-
plesmente científicas.
tos o u t r o s , levantio-os a c^mpadecerem-se d a escravidão d a infância
Os socialistas da época de S i s m o n d i , e especialmente Robert e d a s m u l h e r e s n a s f á b r i c a s , p r o v o c a n d o , e m 1802, a p r i m e i r a l e g i s -
Owen e seu a m i g o William Thcimpson, tiveram, além disso, uma lação sobre o t r a b a l h o . . E m 1815, q u a n d o os operários t r a b a l h a v a m
conoepção m u i t o s u p e r i o r d a " m a i s - v a l i a " e d a v e r d a d e i r a causa da 14, 16 e 18 h o r a s p o r d i a , o r g a n i z o u o comité d a s 10 h o r a s , o q u a l ,
miséria d o p o v o . Os e x p l o r a d o r e s do "socialismo científico" repetem, a u x i l i a d o p o r h o m e n s de coração, c o m o O a s t t e r , l o r d A s s h l e y e o u t r o s ,
fazendo coro c o m Engels. que Robert Owen era u m utopis^a, u m a deu como resultado, em 1874, a v o t a ç ã o d a l e i d a s 10 h o r a s . Esta
espécie d e s o n h a d o r iluminado. E completamente falso. lei a i n d a existe n a A l e m a n h a , apesar de n e l a florescer o "socialismo
Mesmo em Thomas More, u t o p i s t a clássico, a u o rf da "Utopia", cientifico" (15).
não existe fantasia. U m d o s sábias mais notáveis da sua época,
A t e u , s o c i a l i s t a e f e d e r a l i s t a , R. O w e n defendeu a i d e i a de q u e
a m i g o í n t i m o de E r a s m o d e R o t t e r d a m , h o m e m d e g é n i o p o s i t i v o , T .
'a s o c i e d a d e deve o r g a n i z a r a produção, o c o n s u m o e a educação i n -
More, foi o p r i m e i r o que d e m o n s t r o u como, n a sociedade baseada
tegral". Foi êle quem, em 1836, f u n d o u a "Soruedade de Todas
sobre o p r i n c i p i o d a exploração e da p r o p r i e d a d e individual, apenas
Classes e de T o d a s Nações", v a n g u a r d a da Internacional, em cujas
uma quinta parte d a população t r a b a l h a ú*ilmente, e como, se a
sessões a palavra socialismo (não científico) apareceu pela pri-
H u m a n i d a d e íósse o r g a n i z a d a n a base d a s o l i d a r i e d a d e h u m a n a , s e -
ria s u f i c i e n t e u m t r a b a l h o d e seis h o r a s d i á r i a s p a r a se g a r a n t i r o m e i r a vez. Ao mesmo tempo, como m e i o de p r o p a g a n d a , organizou

bem-estar e a abundância p a r a todos. Os h o m e n s d«e b o a - f é desde sociedades cooperativas e mercados livres, de troca contra bónus
ha muPo reconheceram que a sua obra é "o primeiro monumento de trabalho. "O trabalho, dizia êle aos operários, no dia 5 de
do moderno socialismo". dezembro d e 1833, é a f o n t e d a r i q u e z a e p o d e r á f i c a r n a s m ã o s d o s

Menos s o n h a d o r a i n d a , se é possível a f i r m á - l o , f o i R o b e r t Owen


(1771-1858). o fundador tio socialismo e do m o v i m e n t o t r a b a l h i s t a , (14) Locke, Condillac, os Enciclopedlstas, Blchat, Magudie, Claude Ber-
nard e outros.
(15) Tcherkesoff escreveu a obra que traduzimos, nos fins do século
* passado. (Nota do tradutor).

26 27
V A R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

t r a b a l h a d o r e s , q u a n d o e l e s se e n t e n d a m p a r a ésss í i m " . Owen de- deria e x i s t i r " ( p . 106). "Enquanto; dure o capitalismo, a sociedade
senvolveu u m a atividade sobrehumana p a r a c r i a r esse espírito, es- permanecerá e m estado patológico" (p. 449).
pecialmente dentro das "Trade-Unions". E m 1833, r e c l a m a v a " 8 h o
Na sua obra "Trabalho Recompensado" (1826), Thompson, de-
r a s d e t r a b a l h o e a f i x a ç ã o de u m salário m í n i m o " . No mesmo ano.
p o i s de e n u m e r a r diferentes reformas propostas, afirma que todas
o r g a n i z o u a " U n i ã o G e r a l d a s Classes P r o d u t o r a s " , que, e m algumas
são p a l i a t i v o s , m e s m o a do seguro e pensão p a r a os trabalhadores.
semanas, chegou a c o n t a r m a i s d e 500 m i l m e m b r o s , e n t r e os quavs
O próprio t r a d e - u n i o n i s m o não era, segundo êle, u m a solução para
havia trabalhadores do campo e grupos de m u l h e r e s , o que lhe
o problema social. Como amigo e discípulo d e O w e n , pregava o
permitiu criar, e m 1834, a f e d e r a ç ã o d e toams os o f u r i o s , s o b a d e -
comunismo autónomo.
nominação de " G r a n d e Nacional Trade-Union". O movimento foi
grandioso. A expansão do movimento " t r a d e - u n i o n i s t a " e m 1833- "Trabalho l i v r e , gozo absoluto do produto do trabalho e troca
-1834, segundo pudemos estudar (16), excedia os movimentes de volutária", eis a fórmula de T h o m p s o n ( p . 253 d a o b r a citada).
1874-1875. Descobrir, em 1845, o " s u r p l u s " tão claramente exposto por
A este o r g a n i z a d o r , homem incomparável p o r s u a modéstia, por Thompson, em 1824, n ã o e r a coisa m u i t o difícil, s o b r e t u d o quando
sua generosidade na emancipação dos deserdados, a este espírito e r a c o n h e c i d a a o b r a de T h o m p s o n , c i t a d a p o r M a r x em "O Capital".
positivo, quiseram fazer passar p o r u m lunático!! Quem? Aqueles De t a l f o r m a m e c o m p r o m e t o a d e s c o b r i r a l e i de gravitação, a l e i
que a si mesmos se c h a m a m "socialistas científicos", que repetem periódica d a química ou o equivalente mecânico d o calor. Depois,
algumas fórmulas e a l g u m a s reivindicações isoladas de O w e n , frag- i m i t a n d o M a r x e Engels, poderia r e c l a m a r os m e u s d i r e i t o s à dita-
mentos insignificantes das suas amplas concepções socialistas da dura universal, enquanto Charcot e Maudsley não m e convidassem
s u a n o b r e c a r r e i r a de agitador. a exercer a m i n h a ditadura em Charenton ou Bediam. (17)

Outro "utopista" conhecido de Marx, um "owenista" — W. Para concluir, devo c i t a r a o p i n i ã o de P r o u d h o n , o que Marx
Thompson — n a sua obra "Social Science I n q u i r y " , p u b l i c a d a em e seus m a i s " c i e n t í f i c o s " discípulos t a x o u de s o f i s t a i g n o r a n t e . Pior
1824, tratou da "mais-valia" ("surplus", em inglês), de maneira p a r a M a r x . p o i s f o r m u l a r a , e m 1845, c o m a s u a h a b i t u a l franqueza,
o "excedente" ou "mais-valia" da produção. Nas "Contradições
magistral. Depois de estabelecer que " a riqueza é c r i a d a pelo tra-
Económicas", escreveu Proudhon:
b a l h o tio o p e r á r i o " ( p s . 3 - 4 ) . p e r g u n t a : " P o r q u e , p o i s , o o p e r á r i o n ã o
"Na ciência económica temos d i t o , depois de A d a m S m i t h , que
possui o p r o d u t o i n t e i r o , sem qualquer redução?" (p. 32). "Porque,
o p o n t o - d e - v i s t a sob o q u a l t o d o s os v a l o r e s são c o m p u t a d o s é o d o
responde, se'lhe t i r a , sob a f o r m a d e " r e n t " ( j u r o ) o seu " s u r p l u s " .
trabalho (p. 80). No sentido d a economia política, o princípio "de
E, levanta, em seguida, o u t r a questão: "Esta expoliação é aceita
que todo t r a b a l h o deve deixar u m "excedente" não é outra coisa
volu'àriamente o u imposta à força?" "A força b r u t a , responde, f o i
senão a consagração d o d i r e i t o c o n s t i t u c i o n a l , c o n q u i s t a d o p e l a re-
sempre empregada p a r a a r r a n c a r aos p o b r e s o p r o d u t o d o s e u t r a -
volução, de " r o u b a r o p r ó x i m o " (p. 91).
balho. Toda história nos demonstra esta verdade, com exemplos
Proudhon t e m razão e m dizer q u e o f u n d o das coisas é o di-
que e n c h e r i a m m i l h a r e s de páginas. Se se a d m i t e e s t a r e d e n ç ã o d e
r e i t o de r o u b a r o próximo, pois " m a i s - v a l i a " , " e x c e d e n t e do t r a b a l h o "
u m a p a r t e do p r o d u t o do t r a b a l h o ( " s u r p l u s " ) , sem o consentimento
"surplus", m e h r w e r t h " significam a mesma coisa, a parte do valor
do p r o d u t o r , se disporão a justificar a outra parte, qualquer que
do p r o d u t o d q t r a b a l h o a p r o p r i a d o pela burguesia. Seja qual fôr
s e j a " p s . 34 e 3 5 ) . "Sem o emprego d a força, o monopólio não p o -
a o r i g e m d a acumulação c a p i t a l i s t a , o seu açambarcamento é sempre,
__

(16) S . Webb, "History of Tradc-Unionism", 1894, p. 314. (17) Hospitais de alienados.

28 29
V A R L A N T C H E R K E S O F F

na realidade, u m roubo. Toda sabedoria, todas pretensas leis do


capitalismo se r e s u m e m n o seguinte:
1. C o m p r a r a força e a h a b i i d a d e do t r a b a h a d o r p o r m e n o s do
seu valor. 2. Comprar o produto ao produtor pelo mais baixo
preço possível. 3. Vender o p r o d u t o pelo preço m a i s elevado pos-
5
sível .
Desde t e m p o s imemoráveis, o povo compreendeu a natureza do
c o m é r c i o e d o c a p i t a l i s m o , p o i s j á n a a n t i g u i d a d e os sábios gregos
e s c o l h e r a m o deus dos ladrões, Mercúrio, p a r a p a t r o n o d o comércio. SUPERSTIÇÃO F A T A L I S T A SOBRE A
E s t e s d o i s c a p í t u l a s são, s e m d ú v i d a , d e m a s i a d o grandes e sem CONCENTRAÇÃO DO C A P I T A L
interesse para o leitor, m a s é p a r a nós u m a obrigação e s t u d a r a
pretendida ciência dos que a s p i r a m à ditadura mundial. Já sa-
b e m o s a q u e se r e d u z o v a l o r d a d e s c o b e r t a da "mais-valia". Rela- C a d a época histórica e c a d a p a r t i d o político t ê m s o f r i d o a i n f e c -
t i v a m e n t e ao " m é t o d o dialético", tão a d m i r a v e l m e n t e c u l t i v a d o pelos çãcj d e s t a ou daquela ideia falsa, e mesmo nociva, não obstante
sofistas do t e m p o de Sócrates (veja-se " G ó r g i a s " , d e P l a t ã o ) , r e c o n h e - admitida por todos come u m a evidência. Homens de grande ca-
ceremos de boa v o n t a d e que M a r x e Engels se s e r v i r a m d e l e em pacidade e de g r a n d e talento sofreram a influência de semelhantes
t o d a s suas especulações metafísicas. i d e i a s , d o m e s m o m o d o q u e os e s p í r i t o s d e s e g u n d a o r d e m , q u e a c e i -
E , p r e c i s a m e n t e p o r se t e r e m s e r v i d o dele, as s u a s investigações tam as opiniões a o s d e m a i s , s e m i n d a g a r do seu valor. E se. p o r
v i e r a m a ser, c o m o v a m o s d e m o n s t r a r , formidáveis erros. casualidade, u m a dessas falsas apreciações chega a ser, d e p o i s de
discutida, e n u n c i a d a sob u m a fórmula científica e filosófica, então
o seu nefasto domínio estende-se p o r várias gerações.

Existe u m a fórmula, u m a l e i errónea, n a q u a l t o d o s nós, socia-


listas s e m dinstinção de escolas, temos tido, até o presente, uma
fé cega. Refiro-me à l e i d a concentração do c a p i t a l , f o r m u l a d a p o r
Marx e a d m i t i d a p o r todos escritores e oradores socialistas. Entrai
numa reunião pública, pegai n a p r i m e i r a publicação socialista ao
alcance de vossa m ã o , e o u v i r e i s o u lereis que, s e g u n d o a l e i espe-
c í f i c a tio c a p i t a l , êle se c o n c e n t r a n a s m ã o s d e u m n ú m e r o d e c a p i -
talistas c a d a vez m a i s r e s t r i t o ; que as g r a n d e s f o r t u n a s se o r i a m à
custa das pequenas e que o g r a n d e c a p i t a l cresce p e l a expropriação
dos pequenos capitais. E s t a fórmula, tão alargada, é a base fun-
damental da tática parlamentar dos socialistas de Estado. Me-
d i a n t e ela, a solução d a questão social, c o n c e b i d a pelos g r a n d e s fun-
dadores do moderno socialismo, como u m a completa regeneração
do indivíduo e d a sociedade, sob os p o n t o s - d e - v i s t a m o r a l e econó-
m i c o , r e s u l t a v a fácil e simples... Não havia necessidade de u m a
l u t a económica diária e n t r e o e x p l o r a d o r e o e x p l o r a d o e n e n h u m a

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31
V A II I. A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O

necessidade de p r a t i c a r desde já a s o l i d a r i e d a d e e n t r e os homens. que devia operar " c o m a f a t a l i d a d e que preside às m e t a m o r f o s e s da


Bastaria q u e os t r a b a l h a d o r e s v o t a s s e m n o s c a n d i d a t o s q u e se d i - t.atureza", transcorreram cinquenta anos. Segundo todas probabi-
zem socialistas e que o número de deputados aumentasse até al- l i d a d e s , a l e i d e v e r i a s e r j u s t i f i c a d a , ao m e n o s por algum fenómeno
cançar maioria no parlamento.. Então decretar-se-ia o coleti- económico. D u r a n t e esse t e m p o , a p r o d u ç ã o e a t r o c a t o m a r a m u m
vismo de Estado, e todos exporadores se s u b m e t e r i a m passivamente vulto nunca visto. As imensas f o r t u n a s p r i v a d a s , milhões e milhões,
ao voto do p a r l a m e n t o . Não t e n t a r i a m , sequer, a m e n o r resistência, surgiram, colossais companhias se criaram e desenvolveram. Se-
pois o seu número, segundo a l e i de concentração capitalista, teria g u n d o a l e i , o n ú m e r o de p e q u e n o s capitalistas deveria ter d i m i n u i -
ficado m u i t o reduzido. do. E m t o d o caso, não deveria t e r crescido o número deles. Não
Que bela e fácil perspectiva! Figurai-vos: S e m esforço, nem é isto?
sofrimento, u m a lei fatal nos prepara u m futuro de f e l i c i d a d e . È Pois vamos ver o que nos dizem as estatísticas da Inglaterra.
muito r i s o n h o ver as dificuldades de u m árduo p r o b l e m a , através L i m i t a m o - n o s a este pais, p o r ser c o n h e c i d o c o m o o país de produ-
c r i s t a i s de cores, sobretudo quando se está i l u d i d o a o p o n t o d e se ção c a p i t a l i s t a p o r excelência, e p c r q u e o próprio M a r x baseava todas
t e r p r o f u n d a convicção de que a ciência e a f i l o s o f i a m o d e r n a s nos as s u a s especulações " d i a l é t i c a s " s o b r e a análise da vida económica
ensinam tão consolada a verdade. Precisamente a pretensa lei da I n g l a t e r r a , desprezando o resto do mundo. Vejamos algumas
a p r e s e n t a , n a exposição de M a r x , t o d o s os a t r i b u t o s de u m a v e r d a d e cifras sobre o enriquecimento geral. As riquezas nacionais da I n -
a b s o l u t a d a ciência e d a f i l o s o f i a . g l a t e r r a c r e s c e r a m , d e s d e o c o m e ç o d o s é c u l o 19, d o s e g u i n t e modo:

" A apropriação c a p i t a l i s t a , c o n f o r m e o m o d o de produção c a p i -


talista, constitui a p r i m e i r a negação da propriedade privada, que
Em milhões de francos
não é o u t r a coisa senão o corolário d o t r a b a l h o i n d e p e n d e n t e e i n -
dividual. M a s a produção capitalista engendra a s u a própria ne-
1812 1840 1860 1888
gação, c o m a f a t a l i d a d e que preside às m e t a m o r f o s e s da natureza
E a negação da negação" (18). "A expropriação verifica-se pelo 6.375 7.000 8.750 10.350
j o g o d a s l e i s i m a n e n t e s d a p r o d u ç ã o c a p i t a l i s t a , as q u a i s n o s l e v a m , Estradas-dc-ferro — 525 8.700 21.625
como resultado, à concentração d o s c a p i t a i s e, c o r r e l a t i v a m e n t e a Frotas 375 575 1.000 3.350
esta concentração, á expropriação do g r a n d e número de c a p i t a l i s t a s Mercadorias 1.250 1.550 4.750 8.6C0
pelo pequeno r u i m e r o " , etc. ( 1 9 ) . " A m e d i d a que d i m i n u i o número Mobílias, o b j c t o s de a r t e , etc. 3.250 9.250 14.500 30.000
dos p o t e n t a d o s do c a p i t a l , que u s u r p a m e monopolizam*tôdas van-
tagens deste periodo de evolução social, a u m e n t a a miséria". ("O Totais 11.250 18.900 37.800 74.225
C a p i t a l " , p . 342 tia e d i ç ã o francesa).
Ora, a p u r a verdade é q u e a miséria cresce, não e n t r e a bur- Estes algarismos indicam-nos bem claramente a verdadeira
guesia n e m e n t r e os pequenos c a p i t a l i s t a s , m a s e n t r e os t r a b a l h a - origem das grandes f o r t u n a s . Tomando a soma total das riquezas,
dores, n o m e i o dos p r o d u t o r e s . D e s d e a publicação de " O C a p i t a l " sem c o n t a r o v a l o r d a s casas, v e m o s q u e a m o d e s t a soma de 4.875
até agora, d e c o r r e r a m t r i n t a anos; depois que M a r x f o r m u l o u a l e i m i l h õ e s d o a n o d e 1812 se e l e v o u , e m 1888, a 6 3 . 8 7 5 m l i h õ e s , o q u e
representa u m a multiplicação p o r treze.
Observa-se o m e s m o progresso o u a u m e n t o das riquezas e m todos
o s países c i v i l i z a d o s . E m França, segundo as t a b e l a s de Fournier
(18) Tirada absurda da "dialetica metafísica".
F l e i x e I v e s G u y o t , os a l g a r i s m o s c o r r e s p o n d e n t e s são os s e g u i n t e s :
(19) No texto inglês, publicado por Engels depois da morte de Marx,
lò-se: " U m capitalista mata muitos capitalistas"

32 33
V A R L A N T C H E R K E S O F F
E R R O S E CONTRADIÇÕES T>0 M A R X I S M O

Em milhões de francos
A v a l i a n d o a m é d i a d o a c r é s c i m o e m 125 f r a n c o s p o r a n o , v e m o s
q u e , e m 1896, c a d a s ú b d i t o d e S. M . B r i t â n i c a p o d i a d i s p o r d e u m a
1824 1840 1873 1888
f o r t u n a média de 8.000 f r a n c o s , o u seja, c a d a família operária, m a i s
Casas 7.750 18.000 28.950 42.602 de 4 0 . 0 0 0 f r a n c o s . E quererão p e r s u a d i r - n o s de que, n o s nosso» dias,
Estradas-de-ferro — 250 6.750 13.300 n a I n g l a t e r r a , não s e r i a possível a s s e g u r a r o b e m - e s t a r de t o d o s !
Frotas 175 175 30O 325 Volvamos, e n t r e t a n t o , aos nossos a l g a r i s m o s . Pela arrecadação
Mercadorias 475 575 3.000 3.875 d o i m p o s t o s o b r e sucessões, e n c o n t r a m o s * a s s e g u i n t e s cifras:
Mobilias, objetcs de a r t e . e t c . 6.375 9.000 16.875 21.300
F o r t u n a d e 2.500 a 12.500 f r a n c o s
Para melhor conhecermos o modo de distribuição, necessitamos
c o n s u l t a r os a l g a r i s m o s de impostos sobre t e s t a m e n t o s , heranças e
Anos Francos
sucessões: Segundo os d a d o s o f i c i a i s r e l a t i v o s a o s a n o s d e 1886 a -
1889, a I n g l a t e r r a t i n h a então:
1840 17.936

N u m e r o de Propriedades Valor t o t a l das


Proprietários 1877 36.438
famílias por iamilias propriedades

Milionários . 700 21.750.000 14.967.COO.00C F o r t u n a s s u p e r i o r e s a 125.000 francos


M u i t o ricos . 9.650 4.750.000 45.850.000.000
Ricos 141.500 662.500 58.200.000.000 Anos Francos
Remediados . 730.500 80.000 98.400.000.000
Necessitados 2.008.00C 8.000 14.000.000.000 1840 1.989
pobres . . . 3.916.000 1877 4.478

Como são e l o q u e n t e s e instrutivos estes algarismos! Oitocen- A p a r t i r d e 1877, o a c r é s c i m o d o i m p o s t o s o b r e a s sucessões, c o m o


tos e o i t e n t a e dois m i l novecentos e c o n q i i e n t a famílias, possuindo também do i m p o s t o sobre a r e n d a , p r o g r e d i u d a seguinte maneira:
217 biliões, e n q u a n t o q u e os 2 m i l h õ e s d e f a m í l i a s n e c e s s i t a d a s , a 8
mil francos, possuem somente 14 b i l h õ e s . Renda do Estado
V e j a m o s a v a r i a ç ã o o p e r a d a d e s d e 1845-1850, é p o c a e m q u e M a r x
Imposto I m p o s t o de
fcrmulou a sua l e i :
Anos sucessório Renda
Fortuna deixada
Anos por cada fale- 1876 — 1877 126 milhões 125 milhões
cido, e m média 1880 — 1881 151 " 251
1884 — 1885 176 " 300
1837 — 1840 2.325 francos
1888 — 1889 160 " 316
1841 — 1850 2.475
1890 — 1891 175 " 331
1861 — 1870 4.000
1892 — 1893 230 " 245
1871 — 1880 5.250
1881 — 1885 6.775
Nota — Estes a l g a r i s m o s estão u m p o u c o a b a i x o da realidade.

34 35
ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A RL A N T C H K R K E S O F F

15.000 9.528 11.964


T e n h a - s e e m c o n t a q u e a s f o r t u n a s i n f e r i o r e s a 100 l i b r a s e s t e r -
17.500 5.485 7.423
linas (2.500 francos) estão l i v r e s d o i m p c s t o de sucessão.
20.000 3.410 4.671
Em 1840 h a v i a somente 5,40% de toda população, q u e pagava
22.500 3.059 3.961
500 f r a n c o s ou pouco mais de imposto cada ano. E m 1880, e s s a
proporção e r a de 14,5%. D e s d e 1850, o acréscimo d a número dos
21.482 28.019 30,4%
contribuintes que g a n h a v a m mais de 5.000 francos por ano seguiu
a progressão seguinte:
25.000 1.222 1.831
50.000 8.959 11.850
Anos Número de c o n t r i b u i n t e s P o r 10.000 h a b s .
75.000 2.666 3.562

1850 65.389 23 100.000 1.320 1.692

1860 85.530 30
14.167 18.995 33,6%
1870 130.375 42
1880 210.430 63
1886 250.000 70 250.000 1360 1.859
1.250.000 740 969
Vè-se q u e , e m t r i n t a e seis a n o s , o n ú m e r o d o s c o n t r i b u i n t e s , p o s - M a i s de 1.250.000 52 79
suindo u m a renda anual superior a 5.000 francos, q u a d r u p l i c o u , e,
relativamente à população, triplicou. Os algarismos precedentes 2.152 2.907 35%

mcstram-nos o enorme enriquecimento da burguesia.


Volvendo a o n o s s o t e m a , v e j a m o s se esse a u m e n t o se e f e t o o u em A u m e n t o d a população d u r a n t e o m e s m o período: 2 0 % . U m único
proveito dos g r a n d e s capitalistas por meio d a r u i n a dos pequenos. dos a n t e r i o r e s algarismos não corresponde ao a n o d e 1869, m a s ao

Para não apresentar o menor flanco às o b j e ç õ e s , limitamo-nos de 1875-1876: é o de 92.593, r e p r e s e n t a n d o o número de contribuin-

exclusivamente aos d a d c s extraídos d a s estatísticas d o i m p o s t o sobre tes c o m u m a r e n d a de 3.750 a 5.000 francos.

a renda, sobre a indústria, o comércio e os b a n c o s . Comparemos Resulta do exame desta estatística u m a consequência que de
cs a l g a r i s m o s , a v i n t e anos de distância, p a r a que a influência da nenhum medo concorda com a pretensa lei, antes pelo contrário.
pretensa l e i passa manifestar-se melhor. T o m e m o s o número de Nem o n U m e r o dos p o t e n t o c o s do c a p i t a l , n e m o doa p e q u e n o s capi-
c o n t r i b u i n t e s c m 1868-1869 e e m 1 8 8 9 . talistas, diminuiu. O número destes a u m e n t o u m u i t o m a i s rapida-
m e n t e do q u e o dos p r i m e i r o s . Enquanto encontramos u m aumento

Número de Acréscimos de 3 0 % n o s r i c o s , é d e 7 7 % o a u m e n t o d a p e q u e n a burguesia. Isto


Renda a n u a l e m francos contribuintes per % s i g n i f i c a que, e n q u a n t o as sereias a d o r m e c i a m o p o v o , profetizando-lhe
q u e o n ú m e r o d o s seus e x p l o r a d o r e s d i m i n u i r i a , t a l número aumen-
De 3.750 a 7.500 92.593 — 162.714
t a v a t a n t o q u e t r i p l i c o u d e 1856 a t é o s n o s s o s d i a s . Assim, pois, equi-
Até 7.500 57.650 — 106.781
vocaram-se r e l a t i v a m e n t e ao efeito d a l e i d a metafísica alemã, d a t a i
10.000 24.854 — .45.133
lei " d a expropriação do grande número de c a p i t a l i s t a s pelo pequeno
12.500 12.421 — 18.462
nUmero*. C o m o n ã o se a d m i r a r q u e u m a l e i q u e o b r a " c o m a fatali-
d a d e q u e p r e s i d e às m e t a r m o f o s e s d a n a t u r e z a " se m a n i f e s t e n a v i d a
187.518 333.070 77,7% real por resultados completamente contrários às suas prescrições?

36 37
V AR L A N T C H E R K E S O F F

Isto acontece porque jamais existiu t a l lei. O e r r o é consequên-


cia d a nefasta influência e x e r c i d a p e l a metafísica h e g e l i a n a com c
a u x i l i o do "método dialético" p a t r o c i n a d o p o r M a r x e Engels. Tal
influência p e n e t r o u d a m e s m a f o r m a a m o r a l , a a r t e e o s o c i a l i s m o
E p e n s a r - s e q u e , d u r a n t e q u a r e n t a a n o s , se r e p e t i u a o s t r a b a l h a -
d o r e s d o m u n d o c i v i l i z a d o esse n e o - f a t a l i s m o m e t a f í s i c o t ã o b e l o como
o dos muçulmanos! Não somente repetem esse e r r o o s ambiciosos
ignorantes, que compõem o p a r t i d o m a r x i s t a francês e a n o v a falange
da aristocracia europeia, conhecida pelo nome de " d e p u t a d o s socia-
listas", mas também alguns homens d e v a l o r e coração, de ampla A L G U M A S OPINIÕES SOBRE A CON-
instrução e t a l e n t o , porém ingénuos. CENTRAÇÃO DO C A P I T A L
Ah! que dano a lei fatalista causou ao moderno socialismo!
Graças a ela, K . M a r x e F. Engels p u d e r a m f o r m u l a r , n o seu " M a -
n i f e s t o C o m u n i s t a " , q u e a emancipação d a classe t r a b a l h a d o r a deve Vemos que, a despeito d a imaginária lei da metafísica alemã,
e f e t u a r - s e p o r m e i o de l u t a - d e - c l a s s e s , e que a l u t a - d e - c l a o s e s é s i m - a u m e n t a o n ú m e r o dos e x p l o r a d o r e s . Os defensores da ordem atual,
p l e s m e n t e u m a l u t a política. F o i t a l " l e i " que f o r m o u a base d a tá- e m l u g a r d/3 se r e d u z i r e m a u m " n ú m e r o d e c r e s c e n t e de potentados
t i c a social-democrática e a ela devemos o c o n t r a - s e n s o que fez d a ques- d o c a p i t a l " , t r i p l i c a r a m , d e 1850 a 1886, e m r e l a ç ã o à p o p u l a ç ã o . Tal
tão s o c i a l u m a s i m p l e s questão de r e f o r m a s p o l i t i c a s . E n f i m , f o i ela a consequência que r e s u l t a d o e x a m e dos a l g a r i s m o s o f i c i a i s apresen-
que d e u aos i g n o r a n t e s da nova aristocracia alemã a audácia de t a d o s pelos " L i v r o s A z u i s " . M a s se c o n s u l t a r m o s a s o b r a s d o s e s p e -
a p r e s e n t a r , n o Congresso S o c i a l i s t a d e Z u r i q u e , e m 1893, a seguinte c i a l i s t a s célebres, t a i s c o m o M u l h a l l e G i f f e n , q u e t r a t a m de u m perío-
resolução:
do mais longo, obteremos resultados igualmente significativos. Nas
" A l u t a c o n t r a o d o m í n i o e a e x p l o r a ç ã o d a classe d i r e t o r a deve s u a s " O b r a s C l á s s i c a s " , esses a u t o r e s o f e r e c e m dados numéricos pre-
ser política e t e r c o m o o b j e t i v o a c o n q u i s t a d o p o d e r político". cisamente a p a r t i r d a época e m q u e Engels e Marx principiaram a
E s t a fórmula é a negação d o socialismo. O poderio das classes p r e g a r o f a t a l i s m o económico, a emancipação social pelo E s t a d o t o d o -
d i r i g e n t e s apoia-se n a s riquezas p r o d u z i d a s pelo povo e açambarcadas poderoso e o l e g a l i s m o político d e n t r o d o progresso económico. (20)
pelas mesmas classes. Por conseguinte, para emancipar-se do seu Segundo Mulhall (21) e R. G i f f e n (22), o a u m e n t o do número
domínio, deve ô povo cessar de d e i x a r - s e expoliar, por tais classes, d o s p r o p r i e t á r i o s , d e 1833 a 1882, d e u e m r e s u l t a d o a s e g u i n t e esta-
do p r o d u t o do seu t r a b a l h o . É necessário, como diziam Owen e tística:
T h o m p s o n , que o t r a b a l h a d o r r e t e n h a p a r a si a " m a i s - v a l i a " . Não
será p o r m e i o de u m a l u t a polítioa q u e o conseguirá, m a s p e l a luta
no t e r r e n o económico; não será pela papelada eleitoral, mas pela (20) Os marxistas pretendem que foi o seu mestre quem. em primeiro
lugar, deu u m a explicação materialista d a história. Adiante veremos, porém,
greve; n ã o será p e l a c o m é d i a p a r l a m e n t a r , m a s p o r u m a g r e v e g e r a l ,
como na ideias de Vico, LocUe, SaiiVi.Simon, Quetelet, Buckle o Rodgers foram
o r g a n i z a d a e t r i u n f a n t e , que poderá o povo i n a u g u r a r u m a n o v a era, apropriadas por Marx. Queremos tão-somente Indicar aqui a contradição
a era da igualdade económica e social, d a solidariedade iluminada dos que afirmam o predomínio da l u t a e do desenvolvimento económico H A
pelos r a i o s d a instrução i n t e g r a l , r e a l m e n t e c i e n t i f i c a e não meta- Humanidade e querem, consequentemente, constranger os trabalhadores a
adotar, antes de tudo, oomo meio de s u a emaaicipoção económica e social, a
física.
luta logal e política.
(21) "Dictionary of Statica. 50 Jears of nationai progress".
(22) "Essays of F i n a n c e " .

38 39
V A R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

Anos N.° d e H e r a n ç a s Valor Geral Per propriedade Vê-se, p o i s , q u e os g r a n d e s a r m a z é n s ingleses, do género do B o n -


Marché e do L o u v r e , de Paris, não diminuíram o número dos comer-
1833 25.368 1.372.175.000 f r . 54.000 francos
c i a n t e s p a r a s i t a s , dos p e q u e n o s c a p i t a l i s t a s , p e l a sorte dos q u a i s cho-
1882 55.359 3.508.000.000 f r . 62.000 francos
r a m t ã o a - m i ú d e os o r a d o r e s m a r x i s t a s , c o m o p o b r e s v í t i m a s devora-
das, s e g u n d o a p r e t e n s a l e i , pelos g r a n d e s armazéns. (23)
Aumento: 29.991 1.135.825.000 f r . 8.000 francos
E n t r e os e s t a b e l e c i m e n t o s c a p i t a l i s t a s p o r e x c e l ê n c i a — os b a n c o s
— observamos o mesmo crescimenTO. "Na Inglaterra havia (em
"Vemos (disse R. G i f f e n , o b r a c i t a d a , p . 396), que o número de
1886) 140 b a n c o s , em sociedade, com um capital de dois biliões
capitalistas aumenta. F o r m a m , não obstante, u m a m i n o r i a dentro
e m e i o d e f r a n c o s , p e r t e n c e n t e s a 90 m i l a c i o n i s t a s . Isto sem contar
d a nação. A s 55 m i l p r o p r i e d a d e s h e r d a d a s a n u a l m e n t e r e p r e s e n t a m
os 47 b a n c o s d a s c o l ó n i a s " ( M u l h a l l , o b r a c i t a d a , p . 6 6 ) .
d e 1 m i l h ã o e m e i o a 2 m i l h õ e s de i n d i v í d u o s q u e p o s s u e m proprieda-
S e j a q u a l fôr o l a d o p e l o q u a l o b s e r v e m o s e s t a questão, sempre
des s u j e i t a s a o i m p o s t o " (todos de u m v a l o r s u p e r i o r a 2.500 fran-
e e m t o d a a p a r t e , o n ú m e r o dos e x p l o r a d o r e s a u m e n t a . É necessá-
cos) .
r i o ser u m p o u c o m a i s que cândido p a r a r e p e t i r o a b s u r d o de que,
f i c a n d o o n ú m e r o de p o s s u i d o r e s do capital reduzido pela lei fata-
H a b i t a n t e s que p a g a m o imposto de r e n d a
lista a u m a ínfima m i n o r i a , a b u r g u e s i a se s u b m e t e r á d e b o a von-
tade à expropriação votada por u m parlamento Se, e m 1848, a
D e 3.750 a S u p e r i o r e s a 25.000
b u r g u e s i a e n s a n g u e n t o u as r u a s d e P a r i s , c o m b a t e n d o as r e i v i n d i c a -
A n o g

12 000 f r a n c o s francos
ções s o c i a l i s t a s d o p o v o , p o d e m o s f i c a r s a b e n d o c o m a n t e c i p a ç ã o q u a l
1843 87.964 h a b i t a n t e s 7.923 h a b i t a n t e s a s u a c o n d u t a f u t u r a , j á q u e o n ú m e r o de e x p l o r a d o r e s t r i p l i c o u d e s -
1889 333.070 h a b i t a n t e s 21.842 h a b i t a n t e s de e n t ã o e a s u a f e r o c i d a d e não d i m i n u i u . A semana sangrenta de
1871 é u m a u g ú r i o pouco lisongeiro para os o t i m i s t a s e o s parla-
Aumento : 370 % 228 % mentaristas.

A partir de 1840, o aumento d a s classes p o s s u i d o r a s , segundo


M u l h a l l ( o b r a c i t a d a , p . 2 4 ) , f o i q u a t r o vezes m a i s r á p i d o d o q u e o d a
população e m g e r a l . Constatou o mesmo a u t o r q u e , e m 1840, m o r r e -
r a m 97.675 indivíduos que possuíam m e n o s de 2.500 f r a n c o s , e n q u a n t o
q u e , e m 1877, t a l n ú m e r o b a i x a r a a 9 2 . 4 4 7 , a p e s a r d a população t e r
a u m e n t a d o n u m a proporção de 2 6 % . O n ú m e r o de armazéns e t e n d a s
(Mulhall) aumentara n a seguinte proporção:

, N u m e r o de Renda, em
Anos '
armazéns trancos

1875 295.000 357.000.000


1886 366.000 472.000.000
(23) Não é duvidoso que o fato se verifique, mas somente como um
A u m e n t o e m 11 a n o s : 71.000 115.000.000 fenómeno passageiro.

40 41
7

A T I T U D E S DO ESTADO N A
ECONOMIA SOCIAL

Se a l e i d a c o n c e n t r a ç ã o c a p i t a l i s t a d e s v i o u m u i t o s s o c i a l i s t a s d a
l u t a económica e levou as massas e x c l u s i v a m e n t e à a g i t a ç ã o eleito-
r a l , isso f o i u m m a l , m a s u m m a l p a r c i a l . N a A l e m a n h a , poc exem-
plo, onde o partido social-democrata se v a n g l o r i a v a de u m triunfo
j a m a i s v i s t o , as c o n d i ç õ e s d e t r a b a l h o s ã o m u i t o i n f e r i o r e s , n ã o s o -
m e n t e às d a I n g l a t e r r a , o n d e a m a s s a l u t a s e m p r e n o t e r r e n o econó-
mico, mas mesmo a t é às d a F r a n ç a (24). E, e n t r e t a n t o , o m a l s u b -
siste p a r c i a l m e n t e , pois a m a i o r i a dos t r a b a l h a d o r e s , p o r instinto,
se a p e g a à l u t a e c o n ó m i c a , p o r m e i o d a s g r e v e s . Se n o s nossos dias
assistimos a u m nefasto desenvolvimento do Estado todo-poderoso,
que t u d o c e n t r a l i z a , p a r a l i s a as forças p r o d u t o r a s e a v i d a i n t e l e c -
tual, encadeia a p o p u l a ç ã o e u r o p e i a e d e v o r a os p o v o s c o m s e u s m i -
lhões de funcionários e exércitos permanentes, e se especialmente
a m a s s a p o p u l a r se s u b m e t e a o d e s p o t i s m o d e n ã o i m p o r t a q u a l s e j a
a autoridade, a responsabilidade recai, em grande parte, sobre a
escola social-metafísica-autoritária-democrática alemã.
Antes de que a doutrina social-democràtica tivesse alcançado
importante influência, todos espíritos independentes da burguesia,
c o m o d o povo. t e n d i a m à diminuição d a influência do E s t a d o d e n t r o
da vida social, a reduzir o número dos funcionários públicos e a
a l i v i a r as r e s p o n s a b i l i d a d e s f i n a n c e i r a s . Sob a influência d a r e v o l u -

(24) Seria interessante comparar os resultados do movimento socialista


(.ou antes, operário) nos diferentes países. Quem quiser fazer esse trabalho
encontrará dados valiosoa nos "Blue-Books" (livros azuis) de 1893 e nas infor-
mações consulares.

43
V A R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

desprezada. Nos t e m p o s dos nossos p a i s , q u a n d o a metafísica alemã,


Cão n a A m é r i c a d o N o r t e e d a f u n d a ç ã o d o s E s t a d o s U n i d o s , as i d e i a s c o m suas leis e suas hipóteses fantásticas, a i n d a n ã o t i n h a invadido
de a u t o n o m i a e d e f e d e r a l i s m o e n t r a r a m a c a p t a r as s i m p a t i a s d a s o s o c i a l i s m o , t o d o m u n d o se r e b e l a v a c o n t r a o s g a s t o s i n ú t e i s d o E s t a -
massas. Os politicjos liberais, t a n t o ccmo os s o c i a l i s t a s antes de do, c o n t r a a c a r g a e s m a g a d o r a dos i m p o s t o s .
1848, e r a m p a r t i d á r i o s d a p l e n a a u t o n o m i a d o s p r o d u t o r e s . O pró- Que pedia, então, este? O quadro seguinte no-lo i n d i c a :
p r i o L o u i s B l a n c , a d m i r a d o r dos J a c o b i n o s d a Convenção e da sua
divisa "Republica u n a e indivisivel", reconhecia, n o seu p r o j e t o de Gastos do Estado e m Milhões de Francos
"organização d o t r a b a l h o " , r e l a t i v o às " r e p a r t i ç õ e s nacionais", que,
" e s t a n d o o r g a n i z a d o o c r é d i t o aos p o b r e s , o E s t a d o n ã o t e r i a n e n h u m A l e m a n h a — A n o d e 1 7 5 0 : 175; 1 8 1 0 : 2 8 7 ; 1 8 5 0 : 6 9 5 ; 1889: 3.867.
direito a envolver-se n a vida autónoma das associações". Tendo, — A u m e n t o , 22 v e z e s .
porém, a social-democracia entrado a pregar q u e é necessário dei- França — A n o de 1750: 3 3 5 : 1810: 1.000; 1850: 1.275; 1889:
xar que o Estado absorva tudo, tudo centralize e que, u m d i a , e m 3.045. — A u m e n t o , 9 vezes.
lugar dos H o h e n z o l l e r n s e dos B i s m a r k s , sejam os L i e b k n e c h t , os Rússia — A n o de 1750: 4 0 ; 1810: 275; 1850: 9 7 5 ; 1889: 2 . 2 2 0 .
E n g e l s e os B e b e i q u e , a p o i a n d o - s e n o exército do t r a b a l h o (25), nos — Aumento: 55 v e z e s .
o r g a n i z e m u m p a r a i s o t e r r e s t r e , t o d a i d e i a .de a u t o n o m i a f o i r i d i c u l a - I t á l i a — A n o d e 1750: 3 7 ; 1810: 1 1 3 ; 1 8 5 0 : 3 0 0 ; 1 8 8 9 : 1.7Ò0. —
rizada, o federalismo foi perseguido na Internacional, e Liebknecht A u m e n t o , 48 v e z e s .
(25-A) declarou c o m visível orgulho: " E u sou adversário de toda Eram muito ingénuos os h o m e n s d a Revolução Francesa, que
República f e d e r a t i v a " . (26) se s u b l e v a r a m c o n t r a os g a s t o s d o E s t a d o ! O socialismo "cientifico"
Conhecemos já suficientemente a teoria f u n d a m e n t a l de Marx ensina aos p o v o s q u e é n e c e s s á r i o suportar com prazer os gastos
em economia. Vejamos a g o r a se o s e u a m o r p e l o E s t a d o está m e - 22,48 e 55 vezes m a i s pesados do que a n t e s . Porém eu, a n a r q u i s t a
l h o r j u s t i f i c a d o que o seu f a t a l i s m o económico. Na seguinte análise ignorante, sinto a r e b e l d i a dos nossos avós e a s s i n a l o o estado de
nos l i m i t a r e m o s e x c l u s i v a m e n t e á França, c o m seu Estado centrali- ruína c o m p l e t a do p o v o russo, onde os i m p o s t o s s ã o 55 v e z e s mais
zado todo-poderoso. pesados do que o u t r o r a ; a miséria d a Itália, c o m a u m e n t o de encar-
T o d a a gente sabe que cada a c o n t e c i m e n t o d a v i d a social e orgâ- gos análogos, e da Alemanha, onde floresce a social-demoracia e
nica é acompanhado de u m g a s t o d e e n e r g i a . Se os g a s t o s de u m a o n d e os t r a b a l h a d o r e s l a b u t a m 15 e 18 h o r a s d i á r i a s p o r u m s a l á r i o
empresa e x c e d e m os l u c r o s , os h o m e n s ajuizados a abandonam. O ae 2 f r a n c o s .
mesmo sucede n a vida social: u m a instituição n o c i v a acaba sendo D i r - n o s - ã o , p o r é m , q u e se os g a s t o s do Estado a u m e n t a r a m , é o
povo que deles t i r a proveito. Deveras? Vejamo-lo:
O orçamento da França em 1892 e l e v a v a - s e a 3.780 milhões,
(25) Parece que esses senhores se propunham secretamente para o co-
mando do exército do trabalho. Bebei assistiu ao Ultimo congresso dos sociais- 77.692 francos. Desta enorme soma se p a g a v a à burguesia, como
democratas em Viena, não como u m simples delegado, mas como u m general, j u r o s d a d i v i d a pública, 1.284.191.374 francos. A mesma burguesia,
um testa-coroada, passando uma revista, segundo as suas próprias expressões. pela administração do t e s o u r o público, percepção de i m p o s t o s , g o v e r -
(25-A) O Liebknecht a que se alude no decurso desta cbra é Guilherme no, e t c , 1.193.494.440 f r a n c o s . Pelo a p r o v i s i o n a m e n t o d o exército, u m a
Libeknecht, publicista e politico alemão, nascido em 1826 e falecido em 1900.
terça p a r t e dos gastos m i l i t a r e s , o u s e j a m , 285.142.000 f r a n c o s . Total
e uma das figuras mais destacadas do partido social-democrata alemão. Não
confundir com K a r l Liebknecht. companheiro de Rosa Luxemburg, que vieram recebido pela burguesia: 2.762.827.814 francos.
multo depois e foram massacrados pela reação, alemã, no inicio da guerra Se a c r e s c e n t a r m o s a e s t e n ú m e r o os g a s t o s militares destinados
mundial de 1914-18. à qual se opunham. (\ do T r . ) . à proteção da m e s m a burguesia, teremos m a i s 570 m i l h õ e s e 282 m i l
(26) " . . . das I c h Gegner jeder Foederativ-Republik i n Volksstanat" — francos. S o b r a p a r a a instrução, c o r r e i o s e o b r a s públicas, a q u a n t i a
Marx, 1872, p. 2 ("Memória da Federarão cio J u r a . " , p. 284).

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V A RL A N T C H E R K E S O F F
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O

m u i t o modesta de 446.967.878 f r s . , d a q u a l u m a b o a p a r t e v a i p a r a
os b o l s o s d o s b u r g u e s e s . Em 1885, q u a n d o a s i d e i a s d o " M a n i f e s t o C o m u n i s t a " a i n d a não

A o o r ç a m e n t o d o E s t a d o é n e c e s s á r i o j u n t a r 500 m i l h õ e s d o s o r ç a - haviam c o n t a m i n a d o as massas, toda gente t r a t a v a de b a n d i d o s e

mentos m u n i c i p a i s , dos quais u m a terça p a r t e é do mesmo modo salteadores N a p o l e ã o 3.°, M a r n y , P e r s i g n y e o u t r o s heróis d o golpe-

distribuída e n t r e os g o v e r n a n t e s e os e x p l o r a d o r e s . . . Nós observa- -de-Estado d e 1852. Q u a i s a s s o m a s gastas c o m o f u n c i o n a l i s m o n a -

mos que o Estado, t ã o a d u l a d o pelos metafísicos alemães, despoja ;


quela época? E r a m apenas 241 milhões e m ordenados e 30 milhões

cada a n o , o p o v o francês, em benefício d a burguesia, de três b i - e m pensões. D e s d e e n t ã o a t é 1870, os g a s t o s para as necessidades

liões de francos.. Parece que é u m a bonita quantia! Representa do parasitismo n a c i o n a l f o r a m sempre e m a u m e n t o , e os h o m e n s e

um terço de t u d o q u a n t o a b u r g u e s i a a r r a n c a ao povo pela explo- p a r t i d o s avançados não cessaram de p r o t e s t a r .

ração d i r e t a , pois que, segundo os cálculos d e L e r o y - B e a u l i e u , o e n - Caiu o Império. O p o v o e s p e r a v a q u e a República, essa m a t r o n a


caixe a n u a l de t o d a França é i g u a l a 26 b i l i õ e s d e f r a n c o s , mais tão q u e r i d a , o a l i v i a r i a de tão esmagadoras cargas e diminuiria o
ou menos assim distribuídos: parasitismo nacional. Em vão adormeceu com tais esperanças.
Arrecadação do E s t a d o , 4.000.000.000 de f r a n c o s . A burguesia, O Estado republicano mostrou-se ainda mais dilapidador, como se
c o n t a n d o - s e 9 milhões de p r o d u t o r e s que g a n h a m p a r a os patrões pode ver pela seguinte estatística:
2 f r a n c o s e 50 c ê n t i m o s p o r d i a , 8 . 2 1 2 . 0 0 0 . 0 0 0 d e f r a n c o s . Consumo
Anos Ordenados Pensões
a n u a l , c o m p u t a d o a 50 c ê n t i m o s p o r d i a e p o r i n d i v í d u o , 7.300.000.000
de f r a n c o s . Gastos d a produção, 5.488.000.000 de f r a n c o s . Três 1855 241 milhões 30 m i l h õ e s
bilhões e m e i o de f r a n c o s d a d o s pelo E s t a d o e m a i s de o i t o bilhões 1870 296 " 30
a r r a n c a d o s sob a proteção do m e s m o E s t a d o , o u seja c e r c a de doze 1880 440 " 47
b i l h õ e s , q u e os e x p l o r a d o r e s da França podem r e p a r t i r entre si, 1893 517 " 81
cada ano!
E o n ú m e r o de funcionários elevou-se a 806.000.
Agora compreendereis p o r que o número dcs capitalistas a u m e n - N ã o se c r e i a q u e i s t o s e j a u m a enfermidade p r i v a t i v a dos repu-
t o u , s e m q u e os m i l i o n á r i o s d e v o r e m a p e q u e n a - b u r g u e s i a ? C e m esta blicanos franceses. Na Rússia, n a A l e m a n h a , na Itália, e m toda
enorme q u a n t i a , potí-e-se c r i a r , c a d a ano, e m França, 11.712 milio- parte, enfim, o aumento do parasitismo é do mesmo modo rápido.
nários. 23.424 f o r t u n a s d e 500 m i l f r a n c o s , ou, p a r a melhor dizer, Igual fenómeno se p a s s a nos Estados Unidos, onde as pensões aos
esta soma é r e p a r t i d a entre t o d a a burguesia que nos governa, faz funcionários são o maior encargo público e aumentam sempre.
as l e i s e m s e u b e n e f í c i o , p r o s p e r a e se m u l t i p l i c a . Examinando-se os g a s t o s d a administração, d a dívida n a c i o n a l e das
Geralmente grita-se muito contra a exploração dos pequenos p e n s õ e s , e m 1892, e n c o n t r a - s e a seguinte edificante estatística:
empresários p a r t i c u l a r e s e erguem-se louvores aos b o n s resultado?
do Estado, este Moloque dos t e m p o s modernos, a o q u a l se sacrifica Administração 100 m i h õ e s d e dólares
o indivíduo, o b e m - e s t a r . a l i b e r d a d e e a h o n r a de t o d o s . O fetiche Juros da dívida pública ... 23
impõe as s u a s c o n d i ç õ e s e as suas necessidades às massas subju-
Pensões 125 " " "
gadas. E, seja q u a l fôr a f o r m a de g o v e r n o , esgota as forças pro-
d u t o r a s e a v i d a s o c i a l de u m a n a ç ã o . U m a das necessidades mais
Total 248
imorais do Estado, seja sob a monarquia absoluta, despótica, cu
c o n s t i t u c i o n a l , o u sob. a República, é a de a u m e n t a r o número de
O orçamento n a t o t a l i d a d e é d e 409 m i l h õ e s de dólares. Mais
p a r a s i t a s que v i v e m à c u s t a dos t r a b a l h a d o r e s . A estatística fran-
da metaae dos gastos é diretamente empregada no pagamento dos
cesa é b e m e l o q u e n t e n a espécie.
que nada produzem.

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V A R L A N T C H E R K E S O F F

E enaltece-se o Estado, julgando poder conquistá-lo! ("Kinder


Glauben!").
Acaso nào observastes que o Estado representa somente o papel
de protetor d a exploração capitalista e até diretamente contribui
com u m terço d a exploração? E prega-se o monopólio absoluto da
vida económica!... Q u e d i r í e i s se vos a c o n s e l h á s s e m o s , c o m o meio 8
de s o l u c i o n a r a questão social, d e i x a r aos c a p i t a l i s t a s p l e n a liberdade
de arruinar o povo, e que vos submetêsseis prazenteiramente à
miséria e à desonra que vos i m p u s e r a m ? Q u e pensaríeis d a nossa A INTERPRETAÇÃO M A T E R I A L I S T A DA
s i n c e r i d a d e se v o s p r e g á s s e m o s a s u b m i s s ã o e a e s c r a v i d ã o , sob p r e - HISTÓRIA
t e x t o de q u e u m d i a t o d a s as riquezas a c u m u l a d a s e desperdiçadas
p e l o s vossos o p r e s s o r e s p o d e r i a m , graças ao m i l a g r e de u m a l e i f a n -
tasista, converter-se em bem-estar p a r a os vossos netos?...
Conhecemos o valor das " g r a n d e s descobertas" que Engels atri-
Pois é isto precisamente o que apregoam os senhores que can- b u i u a M a r x o u a si m e s m o ; conhecemos t a m b é m o papel de explo-
t a m os b e n e f í c i o s d o E s t a d o , s e m q u e r e r d a r - s e c o n t a d a s u a e x p l o -
r a d o r e de opressor d o E s t a d o , desse E s t a d o t ã o c a r o a o s d i s c í p u l o s
ração n a economia da viaa social.
de M a r x e Engels. Resta-nos agora estudar a terceira descoberta,
a d a "interpretação m a t e r i a l i s t a da história". Ouçamos antes a de-
finição dada p o r Engels: (27)
"A concepção materialista da história" baseia-se n o princípio
de que a produção e a t r o c a dos p r o d u t o s , v a l o r e s , e+c, formam o
f u n d a m e n t o de t o d a organização social. E m c a d a sociedade h u m a n a ,
a repartição das riquezas e a f o r m a ç ã o d a s classes o u dqs estados,
n a s o c i e d a d e são o r e s u l t a d o d o m o d o de produção e de t r o c a p r a -
ticado pela sociedade.
Esta ideia, salvo a l g u m exagero n a sua formulação, é j u s t a . O
modo de produção indica-nos. efetivamente, o estado da cultura e
d a civilização desta o u daquela sociedade h u m a n a , e m determinado
período histórico. Mas isto era conhecido muito antes de 1845
e até antes d e 23 d e n o v e m b r o de 1820, d a t a do nascimento de

(37) Todos os compiladores soclais-democratas de todos os paises decla-


ram que a exposição deste materialismo n a história pertence a Engels e que
Marx formulou somente o principio. Mais adiante, veremos que o autor desta
extranha exposição está em contradição com Marx. Este, convlato revolucio-
nário n u n c a negou o papel que representam a íõrça. e a l u t a n a his-
tória; nunca afirmou tampouco que as ciências indutivas "são conhecidas
pelo nome de metafísica".
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V A R L A N T C H E R K E S O F F
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

Engels. (28) Tào-sõmente a isso denominavam "influência dos modesto filósofo jamais pretendeu o materialismo. Outço econo-
fatõres económicos n a história". mista, Blanqui, menos profundo e menos o r i g i n a l que A d a m Smith,
O c o n j u n t o d o s f a t õ r e s e c o n ó m i c o s , q u e nós c h a m a m o s "econo- formulou, em 1825, d o m o d u s e g u i n t e , o papel que representam os
mismo", não é ainda o "materialismo". O modo de produção é elementos económicos n a história:
somente " u m " fator, o u melhor, u m elemento entre muitos outros " N ã o t a r d e i e m a d v e r t i r que e x i s t i a m e n t r e estas duas ciências
que servem às g e n e r a l i d a d e s evolucionistas, conhecidas pelo nome (a histórica e a econõmico-política) relações de t a l modo intimas
de d o u t r i n a s m a t e r i a l i s t a s . A p a r t e n ã o pode c o n t e r o t o d o ; o eco- q u e n ã o se p o d e e s t u d a r u m a s e m a o u t r a , n e m a p r o f u n d á - l a s - sepa-
n o m i s m o não c o n s t i t u i a d o u t r i n a m a t e r i a l i s t a . Conhecemos muitos radamente ... A p r i m e i r a fornece os f a c t o s , e a " s e g u n d a e x p l i c a as
autores q u e a d m i t i a m a influência das condições e das relações causas". Segui passo a passo os g r a n d e s acontecimentos. Nunca
económicas sobre o desenvolvimento da Humanidade, e que eram, h o u v e m a i s d e d o i s p a r t i d o s q u e se e n f r e n t a s s e m — o dos que que-
entretanto, não somente idealistas e metafísicos, mas até deistas r e m v i v e r d o seu t r a b a l h o e o dos q u e q u e r e m v i v e r d o t r a b a l h o dos
convictos e fervorosos cristãos. Entre outros, temos Guizot, que outros. Patricios e plebeus, escravos e libertos, guelfos e gibelinos,
tratava a história de " a n t a g o n i s m o das classes" na Inglaterra, no vermelhos e brancos, cavaleiros e peões, l i b e r a i s e servis, não são
s é c u l o 17, e q u e e r a t ã o b e a t o como u m trapista. Temos Niebuhr. senão u m a v a r i e d a d e da mesma espécie".
o grande f u n d a d o r d a escola histórica alemã, d a qual M o m m s e n é "A economia politica explica as causas dos factos económicos",
um dos mais brilhantes representantes. Niebuhr. nos princípios disse B l a n q u i . O mesmo d i s s e r a m os seus contemporâneos Mignet,
d o século, d e o l a r o u q u e a l e n d a d e T i t o L í v i o s o b r e a fundação de Agustin Thierry e outros. N a I n g l a t e r r a , J . S. M i l l , n a s u a análise
Roma d e v e ser d e s p r e z a d a , pois é necessário e s t u d a r a h i s t ó r i a se- do p r i m e i r o v o l u m e d a "História d a França", de M i c h e l e t . ao fazer
gundo as condições económicas e sociais do povo r o m a n o . Delas a classificação das escolas históricas, frisa, com a sua habitual
foram extraídos os estudos clássicos sobre a legislação agrária de lucidez, que a história, como ciência moderna, se ocupa das leis
L i c i n i u s , de Sólon e dos G r a c o s . D e l a s s a i r a m as m i n u c i o s a s inves- sociais e cósmicas q u e r e g e m o d e s e n v o l v i m e n t o d a H u m a n i d a d e ("Dis-
tigações de M o m m s e n . M a s N i e b u h r , M o m m s e n e t o d a a escola alemã s e r t a t i c n et d i s c u s s i o n " ) . H. T. Buckle, n a bela t e n t a t i v a que fez
estavam longe do m a t e r i a l i s m o . . . p a r a retraçar a influência d a s leis cósmicas, d a s condições sociais e
Mais ainda. Se r e m o n t a r m o s a o p r i m e i r o h i s t o r i a d o r q u e t e n h a até d a manutenção d a história, disse q u e " a acumulação da riqueza
cogitado d a influência d a s condições cósmicas e económicas sobre é u m d o s p r i n c i p a i s f a t õ r e s , e, s o b r e m u i t o s aspectos, u m dos mais
o progresso e o desenvolvimento da Humanidade, e consultarmc- importantes" (ps. 38, 4 8 , 50 e 5 3 ) . U m contemporâneo de M a r x e
Vico (1668-1744) e o seu t r a d u t o r francês, Michelet, que p o r s u a E n g e l s , m a s q u e os d e s c o n h e c i a por completo, T . Rogers, o a u t o r d a
vez i n s i s t i a sobre o estado económico da nação, v e r e m o s que não g r a n d e o b r a " S e i s Séculos de T r a b a l h o e de S a l á r i o " , p u b l i c o u o s e u
fazem menção ao m a t e r i a l i s m o . O mesmo se v e r i f i c a cem Adam volume "Interpretação Económica da H i s t o r i a " , n o q u a l analisa toda
Smith, outro homem de génio, fundador da economia política, o a história d a I n g l a t e r r a sob o p o n t q - d e - v i s t a económico, pode-se
q u a l e x p r i m i u , e m 1776, a s d u a s f ó r m u l a s fundamentais: a) o tra- chamar " m a t e r i a l i s t a s " a e s t e s sábios d e n a c i o n a l i d a d e s diferentes?
b a l h o é a única o r i g e m da riqueza social; b) o a u m e n t o das rique- Certamente, não. F o r a m sábios, i n v e s t i g a d o r e s d a verdade. Aplica-
zas d e p e n d e d a s condições económicas e sociais do t r a b a l h o e da r a m o método das investigações c i e n t i f i c a s ao e s t u d o d a história, e
relação e n t r e o n ú m e r o de produtores e de não-produtores; este não puderam dar aos r e s u l t a d o s d o s seus trabalhos outros nome
a n ã o ser o de " i n t e r p r e t a ç ã o económica da história".

Como aconteceu, pois, que Engels, escrevendo especialmente para


(28) Kercup. na sua "Historia do Socialismo", indica-nos tambem que
esta especic de materialismo era conhecida antes que Marx viesse ao mundo. os t r a b a l h a d o r e s e s m a g a d o s p e l o t r a b a l h o i n c e s s a n t e e que não têm
tempo n e m meios p a r a v e r i f i c a r as suas afirmações, c h a m o u "mate-

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51
ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A B L A N T C H E R K E S O F F

rialismo" a o q u e os sábios chamaram "economismo"? Porque, em mentos. As intempéries l e v a r a m - n o a cobrir o corpo, e assim se
v e z d e d i z e r aos t r a b a l h a d o r e s : "Amigos, a' c i ê n c i a d e m o n s t r a q u e o vestiu. Pela atração de u m f o r t e poder, acercou-se de u m ser que
bem-estar e o progresso do género h u m a n o são c r i a d o s pelo vosso lhe era parecido e p e r p e t u o u a espécie" ("Les Ruines", Paris. Ano
trabalho; que o f u t u r o d a h u m a n i d a d e depende d a nossa felicidade 12 d a R e p ú b l i c a ) .
e d e c o n d i ç õ e s f a v o r á v e i s à vossa a t i v i d a d e p r o d u t i v a ( S m i t h ) , que Era de v e r a decepção q u e o nosso interlocutor experimentou.
por conseguinte, é obrigatório para a classe t r a b a l h a d o r a d e s t r u i r , Se e m V o l n e y f a l t a m as três p a l a v r a s , "saído d a a n i m a l i d a d e " , f o i
o m a i s d e p r e s s a possível, a o r g a n i z a ç ã o d o E s t a d o e d a s c l a s s e s e x p l o - porque a obra de D a r w i n apareceu em 1859, e E n g e l s , se b e m q u e
radoras e opressoras"; porquê, p e r g u n t a m o s , e m vez de fazer u m a oposto ao materialismo dos naturalistas, como veremos adiante,
exposição científica, contou tantas lorotas aos bravos e honrados admitiu, p a r a ser l i d o , a descendência d o h o m e m p o r êle provada.
trabalhadores que confiavam n a sua palavra? Afora isto, q u a l q u e r d i r i a que Engels copiara Volney.
Q u e r e s u l t a d o se o b t é m c o m t ã o e s t r a n h o m é t o d o ? O dos políti- M a s f o i acaso V o l n e y o i n i c i a d o r d a d o u t r i n a d a evolução? Abso-
queiros, homens s e m escrúpulos, i n c a p a z e s , por s u a ignorância, do l u t a m e n t e , não. Espírito c l a r o , c o m t a l e n t o literário incomum, pro-
m e n o r t r a b a l h o i n t e l e c t u a l , e que d e c o r a m dois pequenos folhetos de p a g o u as i d e i a s d o s e u t e m p q . Citando Volney e Blanqui, pretende-
Engels e u m a v u l g a r i z a ç ã o d e M a r x , e q u e c o m t a l b a g a g e m se d ã o m o s p r o v a r q u e a explicação económica n ã o e r a , desde o p r i n c i p i o d o
ares de h o m e n s de ciência. U m a vez e n v i a d o s ao parlamento pelos s é c u l o 18, u m a c o n c e p ç ã o c o n h e c i d a s o m e n t e pelos h o m e n s de génio
trabalhadores enganados e m s u a boa-fé, d e c l a r a m que j a m a i s , antes excepcional, mas u m a doutrina corrente e a c e i t a pelos e s p í r i t o s es-
deles, o socialismo teve representação no parlamento.. . Como se clarecidos. Se Engels a c r e d i t o u que, a s s i m i l a n d o as ideias expan-
nunca tivessem existido Louis Blanc, Proudhon e outros. Q u e de- d i d a s d e s d e m u i t o t e m p o , se c o n v e r t e r i a n u m b e n f e i t o r da humani-
c e p ç ã o p a r a a s pessoas h o n r a d a s , q u a n d o , u m d i a , a b r i r e m os o l h o s dade, enganou-se lastímavelmente. A glória d a descoberta não per-
e compreenderem a mistificação de q u e f o r a m vítimas! t e n c e a V i c o , aos En.ciclopedist.as, a Adam Smith, o u aos filósofos
L e m b r a m o - n o s d e u m a discussão c o m u m j o v e m social-democra- ingleses, a N i e b u h r o u à b r i l h a n t e escola histórica alemã. A ciência
t a , q u e possuía u m a b q a i n s t r u ç ã o e q u e h a v i a l i d o m u i t o , m a s q u e , não tem culpa se E n g e l s fez uma mistura estravagante de várias
desgraçadamente p a r a èle, h a v i a a l g u n s anos que estava embebido coisas; se a m a l g a m o u a metafísica c o m o economismo, e se, i n d i v í -
na leitura dos f o l h e t o s e publicações do p a r t i d o , publicações "censu- d u o pretensioso, se p r o n u n c i o u c o n t r a o m a t e r i a l i s m o d o s natura-
r a d a s " por Engels e Auer. O nosso i n t e r l o c u t o r lera-nos, c e m ares l i s t a s , o único q u e a ciência a f i r m a . P o r m a i s inverossímil q u e p a r e -
t r i u n f a i s , c o m o se fosse u m a c o i s a n o v a e c o m p l e t a m e n t e "materia- ça, o f a c t o d e u - s e , e os o p e r á r i o s a l e m ã e s , q u e t i v e r a m a d e s g r a ç a d e
l i s t a " , u m a p a s s a g e m d a polémica de E n g e l s c o m o p r o f e s s o r Duhring: l e r os f o l h e t o s de Engels, estão c o n v e n c i d o s de que a metafísica de
"Saicia de u m a o r i g e m a n i m a l , a h u m a n i d a d e a p a r e c e u n a história e m H e g e l é a c i ê n c i a c o m os seus s i s t e m a s de t r a n s f o r m i s m o , de evolu-
estado semi-selvagem. Selvagens impotentes diante da natureza, ção e de m o n i s m o . enquanto que a ciência i n d u t i v a de Bacon, de
sem n e n h u m a i d e i a d a s u a própria força e das suas capacidades, os L c c k e , de L a m a r c k , de D a r w i n e de H e m h o l t z é p u r a m e t a f í s i c a . A
h o m e n s e r a m pobres e miseráveis c o m o os a n i m a i s e p r o d u z i a m p o u - ciência d e s i g n a v a sob o n o m e de metafísica u m a parvoíce escolástica,
co m a i s d o q u e e s t e s " . que p r e g o u o a b s u r d o de q u e a n a t u r e z a e t u d o o q u e nos r o d e i a é
Em resposta, a b r i m e s - l h e as " R u í n a s " d e V o l n e y , e êle pôde l e r apenas u m reflexo das nossas ideia i n a t a s , e que, p a r a conhecer o
este t r e c h o , p l a g i a d o p o r E n g e l s : " N a s u a o r i g e m , o h o m e m , nú de m u n d o f í s i c o , é n e c e s s á r i o e s t u d a r , n ã o a n a t u r e z a , m a s ós f a c t o s e os
c o r p o e de espírito, e n c o n t r o u - s e sobre a T e r r a confusa e selvagem. fenómenos s o b r e n a t u r a i s d o espírito, d o q u e d e r i v o u a p a l a v r a " m e t a -
Parecido c o m os r e s t a n t e s a n i m a i s , s e m e x p e r i ê n c i a d o p a s s a d o e s e m física" ( p o r c i m a d a física e d a n a t u r e z a ) .
e n t r e v e r o f u t u r o , e r r o u n o m e i o dos bosques, g u i a d o e g o v e r n a d o tão O golpe m o r t a l nessa estupidez teológica e s o b r e n a t u r a l f o i v i b r a -
somente pela sua n a t u r e z a . Acicatado pela fome, p r o c u r o u os a l i - do p o r B a c o n e L o c k e , p o r V o l t a i r e e os E n c i c i o p e d i s t a s e p o r t o d a

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VA R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O

a filosofia inglesa. Esses g l o r i o s o s p r e c u r s o r e s d a c i ê n c i a d o s nossos que o m u n d o , do q u a l é p a r t e , o h o m e m é r e g i d o p q r leis naturais,


dias e s t a b e l e c e r a m que o nosso saber e a nossas i d e i a s são o i e s u l t a d o regulares e m seu curso, consequentes n o s seus e f e i t o s , imutáveis n a
d a observação e do estudo d a n a t u r e z a , e que, p o r conseguinte, é n e - s u a essência" ( p . 3 0 ) . " N ã o f o i Deus que fez o h o m e m à sua i m a g e m ,
cessário e s t u d a r a n a t u r e z a e seus f e n ó m e n o s e m s u a s manifestações m a s s i m o h o m e m q u e m fez D e u s à s u a ; d e u - l h e o s e u e s p i r i t o , revés-
e e m sua origem, segundo o método indutivo. t i u - o d o s seus a t r i b u t o s , e m p r e s t o u - l h e o s s e u s s e n t i m e n t o s " ( p . 8 5 ) .
Sabeis o que e n s i n o u Engels aos t r a b a l h a d o r e s ? "Transportado
Dir-me-ão que Engels s a b i a t u d o isso. Seja. M a s neste caso.
à filosofia per Bacon e Locke, este m é t o d o (concepção i n d u t i v a da
p o r q u e e m p r e g o u t a n t a m à - f é e se e s f o r ç o u e m c r i a r u m a c o n f u s ã o
natureza) produziu o acanhamento intelectual bem característico
m a i s que deplorável n a consciência do p r o l e t a r i a d o ? C o m que obje-
dos tempos antigos (?) e c r i o u o método do raciocínio metafísico".
t i v o d e s v i o u a o p i n i ã o d o s seus l e i t o r e s ? Seguramente, não foi e m
E s t a a f i r m a ç ã o d e E n g e l s , n u m a d a s s u a s o b r a s , d e q u e as d o u t r i n a s
p r o v e i t o do socialismo.
e v o l u c i o n i s t a s e t r a n s f o r m i s t a s , i s t o é, a c i ê n c i a d o s n a t u r a l i s t a s , d e -
rivam d a f i l o s o f i a de Hegel, são e r r o s p a l m a r e s , contrários a todo
terminologia cientifica. Foi Marx em pessoa quem a desmentiu
solenemente: "Denunciada e derrotada pelo materialismo francês,
a metafísica d o século 17 t i r o u a sua desforra e a s u a restauração
n a f i l o s o f i a e s p e c u l a t i v a a l e m ã d o século 1 9 . Desde que Hegel fun-
d o u o seu " i m p é r i o metafísico u n i v e r s a l " , os a t a q u e s à t e o l o g i a , a n á l o -
g o s a o s d o século 18, f o r a m renovados e dirigidos em geral contra
toda filosofia especulativa, c o n t r a toda a metafísica". (K. Marx, "So-
bre o m a t e r i a l i s m o francês n o século 1 8 " ) .
Sim. A c i ê n c i a n ã o t e m c u l p a se E n g e l s , a f u n d a d o n o s a b s u r d o s
metafísicos, a c r e d i t o u até 1842 q u e o m u n d o , q u e a n a t u r e z a , a b e l a
n a t u r e z a v i v a e v i v i f i c a n t e , e r a u m a expressão das suas ideias b a r r o -
cas. F o i devido a t a l crença metafísica, que t u d o que l i a o u via
achava que devia ser u m r e f l e x o das suas próprias ideias e que a
i s s o se d e v e a t r i b u i r a s u a e s t r a n h a m a n i a d e r e i v i n d i c a r a p a t e r n i
dade das ideias e dos sistemas elaborados p e l a ciência m u i t o tempo
antes co seu nascimento. D e o u t r a m a n e i r a não poderíamos e x p l i -
car as suas ridículas pretensões, as s u a s expressões muito pouco
"científicas". Acaso devemos supor que Engels não suspeitava
sequer d a e x i s t ê n c i a d e t o d a essa l i t e r a t u r a histórica?
Neste caso é de l a s t i m a r tão e s t r a n h o " c h e f e " d a ciência de u m
p a r t i d o " c i e n t i f i c o " . U m e x e m p l o nos mostrará a sua m a n e i r a de agir.
Ele i g n o r a c o m p l e t a m e n t e que a ideia principal d a d o u t r i n a ateísta
de F e u e r b a c h — a de t e r o h o m e m d i v i n i z a d o a s u a própria n a t u r e z a
n a pessoa d o s deuses — e r a c o i s a c o r r e n t e e n t r e c s f i l ó s o f o s e p u b l i c i s -
tas franceses d e s d e m a i s d e m e i o século a n t e s d a p u b l i c a ç ã o d a o b r a
de F e u e r b a c h . N a s " R u i n a s " , de V o l n e y , l e m o s : " D o mesmo modo

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9

MATERIALISMO E ESCRAVIDÃO

E n g e l s e os seus m a i s " c i e n t í f i c o s " d i s c í p u l o s d e n u n c i a r a m c o m o


" v u l g a r " o m a t e r i a l i s m o d o s n a t u r a l i s t a s , i s t o é, t o d a a c i ê n c i a indu-
tiva. E x i s t e , então, o u t r a espécie de m a t e r i a l i s m o p a r a u s o dos e l e i -
tos e dos privilegiados? S i m — d e c l a r a m eles — e x i s t e u m m a t e r i a l i s -
m o d i a l é t i c o , i n v e n t a d o p o r nós, u m m a t e r i a l i s m o q u e n a d a t e m d e
comum c o m o dos n a t u r a l i s t a s .
Materialismo dialético! Que monstruosidade! Que mais pode-
remos esperar de t a l mixórdia?
O m a t e r i a l i s m o , n a n o s s a época, é a m e s m í s s i m a ciência i n d u t i v a .
É a base g e r a l de t o d o " s a b e r " p o s i t i v o , de t o d a f i l o s o f i a e v o l u c i o n i s -
t a dos nossos t e m p o s , e não existe o u t r a "ciência" (salvo a mistura
sofistica c o n h e c i d a p e i u n o m e de social-democracia), que não esteja
b a s e a d a sobre o m a t e r i a l i s m o " v u l g a r " dos n a t u r a l i s t a s . Recordare-
m o s a o s s o f i s t a s d a e s c a l a d e E n g e l s o q u e , s o b r e esse p a r t i c u l a r , d i z i a
Marx e m 1845:
"O m a t e r i a l i s m o (29) é f i l h o d a I n g l a t e r r a . O verdadeiro fun-
dador d o m a t e r i a l i s m o e d a ciência i n d u t i v a dos tempo© modernos
foi Bacon. Segundo êle, a ciência compõe-se exclusivamente das
ciências naturais. A ciência é a experiência. Indução, análise,
observação — e i s os e l e m e n t o s p r i n c i p a i s do método racional. O
m o v i m e n t o é p r o p r i e d a d e inseparável d a matéria, e a força q u e c r i a
até os seres a n i m a d o s . N ã o se p o d e s e p a r a r a i d e i a de m o v i m e n t o
da matéria que o engendra. O homem está s u b m e t i d o às l e i s da
natureza". F a l a n d o d a influência d a filosofia m a t e r i a l i s t a e sensua-

(29) "Monismo", conferência realizada por Marx, em 9 de outubro de


1892. em Altemberg, perante a Sociedade de História Natural do Este.

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

l i s t a i n g l e s a e m F r a n ç a , disse M a r x : "Sentia-se neste pais a necessi- "O nosso corpo foi edificado m u i t o lentamente, pouco a pouco,
dade de u m s i s t e m a p o s i t i v o e "anMmetafísico". A o b r a de Locke
p o r m e i o d e u m a v a s t a série d e a n t e p a s s a d o s vertebrados. O mes-
s a t i s f e z essa necessidade.
m o processo construiu a alma. A a l m a h u m a n a é simplesmente o
C c m o se p o d e compreender, pois (voltamos a p e r g u n t a r aos d i s -
c o n j u n t o d a s nossas sensações, volições, p e n s a m e n t o s , dessas funções
c í p u l o s d e E n g e l s ) , q u e , s e n d o B a c o n e L o c k e os f u n d a d o r e s d o " m a -
fisiológicas que têm p o r órgão elementar as microscópicas células-
t e r i a l i s m o ' * , d a ciência i n d u t i v a , s e j a m c l a s s i f i c a d o s p o r E n g e l s como
gânglios do nosso cérebro. H á h o m e n s de ciência q u e estão p e r s u a -
os fundadores d a metafisica? E como ousam dizer aos t r a b a l h a d o -
didos positivamente de q u e o s protozoários também possuem uma
res que existe u m outro materialismo, diferente do das ciências
a l m a , e q u e e s t a a l m a - c é l u l a se c o m p õ e d e sensações, percepções e
naturais? C o m q u e d i r e n t o é q u e eles, e d u c a d o s n a e s c o l a reacioná-
v o l i ç õ e s , n ã o se d i f e r e n c i a n d o a s q u a l i d a d e s d e c é l u l a s d o s p r o t o z o á -
ria de Hegel, se a t r i b u e m a i n v e n ç ã o d o m a t e r i a l i s m o e combatem
rios. Atualmente sabemos, em definitivo, que a vida orgânica se
o verdadeiro m a t e r i a l i s m o dos n a t u r a l i s t a s ? Como podem dizer aos
desenvolve t a m b é m e m h a r m o n i a c o m " l e i s e t e r n a s " , as m e s m a s q u e
t r a b a l h a d o r e s que a explicação económica d a história, e l a b o r a d a p o r
presidem à evolução do m u n d o orgânico, f o r m u l a d a s p o r L i e l l em
t o d a a c i ê n c i a , f o i p o r eles d e s c o b e r t a , e q u e p r e c i s a m e n t e e s s a des-
1830".
coberta é o verdadeiro materialismo?
Apesar d a s u a pretensão científica, e s t a m o s convencidos de q u e F a l a n d o d a m o r a l h u m a n a , disse H a e c k e l : "Fazei aos d e m a i s o
Engels e seus discípulos a s s i m agiram por ingorância. Se a s s i m é, que q u e i r a i s q u e vos f a ç a m " . Esta prescripção m o r a l , a m a i s elevada
que e s c u t e m , p oi s , o q u e disse u m g r a n d e n a t u r a l i s t a a l e m ã o sobre o que se c o n h e c e , d a t a de m i l h a r e s de anos antes de C r i s t o . Nós a
m a t e r i a l i s m o " v u l g a r " das ciências i n d u t i v a s . T a l v e z a s s i m a p r e n d a m herdámos, sob o n o m e de i n s t i n t o , tendo-a já p r a t i c a d o os nossos
q u e as i d e i a s de" B a c o n e d e L o c k a d o t a d a s p o r M a r x q u a n d o n e m ê l e antepassados, os m a m í f e r o s que v i v i a m e m sociedade".
n e m Engels a s p i r a v a m a u m a d i t a d u r a i n t e r n a c i o n a l , que tais ideias, O h o m e m - a n i m a l , o h o m e m p r o d u t o d a evolução orgânica sob o
e n r i q u e c i d a s , f o r m a m a base d e t o d a a ciência e d a f i l o s o f i a c o n t e m - ponto-de-vista fisiológico — eis o fundamento da ciência atual.
porânea. Todos os sábios, até católicos fervorosos como Secchi e o padre
"A nossa concepção do m o n i s m o , o u f i l o s o f i a unitária (escreveu Moigno, a d o t a r a m a doutrina, pouco mais o u menos nos mesmos ter-
Haeckel), é excessivamente c l a r a e n ã o dá l u g a r a q u a l q u e r e q u í v o c o .
mos de Haeckel. D e facto, n a nossa época, ninguém f a l a d o m a t e r i a -
Para nós são i g u a l m e n t e inadmissíveis o espírito vivente, fora da
lismo como de u m a doutrina aparte. Repetimos: Materialismo é
matéria, e a matéria morta. São c o m b i n a d o s inseparáveis e m cada
sinónimo de ciência. N a época dos E n c i c l o p e d i s t a s , q u a n d o a ciência
átomo. O s e l e m e n t o s d a q u í m i c a a n a l í t i c a são o r e s u l t a d o d e dife-
estava confundida c o m a teologia e a metafísica, o u nos princípios
r e n t e s c o m b i n a ç õ e s d e u m n ú m e r o v a r i á v e l de, á t o m o s p r i m i t i v o s . O
d o século, q u a n d o a d o u t r i n a d o s c a t a c l i s m o s d o m i n a v a a g e o l o g i a e
á t o m o d o c a r b o n o ( o v e r d a d e i r o c r i a d o r d o m u n d o o r g â n i c o ) é, s e g u n -
C u v i e r c o m b a t i a a d o u t r i n a de L a m a r c k e de G e o f f r o y S a i n t - H i l a i r e ,
d o t o d a p o s s i b i l d a d e . a c o m b i n a ç ã o , e m t e t r a e d r o , tí-3 q u a t r o á t o m o s
primitivos. Desde que o nosso planeta esfriou (segundo a hipótese nessa época a controvérsia sobre o materialismo tinha grande i m -
de L a p l a c e ) e q u e o v a p o r se c o n d e n s o u e m á g u a , os á t o m o s de c a r - portância. Mas tíe cinquenta anos para cá dizer-se materialista
bono p r i n c i p i a r a m a s u a a t i v i d a d e c r i a d o r a , u n i r a m - s e c o m os d e - significa simplesmente não ser u m i g n o r a n t e que nega a ciência,
mais elementos e m combinações plasmódicas e capazes de desenvol- n ã o ser u m teólogo, t a l m u d i s t a , metafísico o u s o c i a l - d e m o c r a t a .
v i m e n t o , e d u r a n t e u m l a r g o período o nosso globo f o i h a b i t a d o s o m e n -
Para Engels, que p r i n c i p i a v a a e m a n c i p a r - s e do absurdo meta-
t e pelos protozoários, o u o r g a n i s m o s constituídos de u m a única célula.
f í s i c o s o b a i n f l u ê n c i a d e F e u e r b a c h , as d o u t r i n a s c i e n t í f i c a s deviam
A história d a descendência a n i m a l c o n d u z - n o s , passo a passo, desde
aparecer como u m a espécie de revelação. M a s não havia motivo
o s seres m a i s p r i m i t i v o s , a t r a v é s dos m e t a z o á r i c s , a t é a o h o m e m " .
para atribuir a M a r x e a si m e s m o a invenção destas elementares

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V A R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

verdades d a ciência m o d e r n a . D u v i d a m o s m u i t o que Engels tenha


se e m a n c i p a d o completamente d a domínio d a metafísica. Não se Onde e n c o n t r o u Engels a nefasta d o u t r i n a que legaliza o opres-
revelou m a t e r i a l i s t a n e m homem-de-ciência q u a n d o , n a polémica c o m são e a escravidão? Várias vezes disse que falava de a c o r d o com
Duhring, negou toda influência da força n a história, o u quando as ideias de M a r x . M a s este n u n c a n e g o u o p a p e l r e p r e s e n t a d o pela
g l o r i f i c o u a escravidão c o m o u m a f e l i c i d a d e p a r a a H u m a n i d a d e . força e pela violência, t a n t o na vida económica como no cenário
" E m geral (lemos em Engels), a propriedade p r i v a d a não f o i n a politico. " A u n i d a d e das grandes nações f o i c r i a d a p e l a violência, e
história o r e s u l t a d o d a p i l h a g e m o u d a violência. Procede de causas nos nossos dias converteu-se n u m fator poderoso d a produção so-
económicas. A violência não teve parte alguma n a s u a criação. cial". (Marx, " L a Guerre civile e n France, en 1870-1871").
T o d a história d a o r i g e m d a p r o p r i e d a d e está b a s e a d a e m causas e x c l u - Q u e m t e m razão: M a r x , a d m i t i n d o , de c o n f o r m i d a d e com a his-
s i v a m e n t e económicas, e n e m u m a única vez h o u v e necessidade, para tória, a violência, o u Engels, p r e g a n d o aos operários q u e são explo-
g a r a n t i - l a , de r e c o r r e r à violência, à p i l h a g e m , a o E s t a d o (30) o u a r a d o s e o p r i m i d o s graças ao seu t e m p e r a m e n t o de escravos? Além
qualquer intervenção p o l i t i c a . A propriedade deve haver sido c r i a d a d i s s o , e m q u e se b a s e i a , q u a n d o s u s t e n t a q u e " s e m a escravidão, a
p e l o t r a b a l h o , m u i t o a n t e s d a apropriação p e l a força. A n t e s q u e fosse a n t i g a Grécia não t e r i a podido desenvolver-se, n e m t e r arte e ciên-
possível a escravidão, e r a necessário q u e h o u v e s s e m existido a produ- c i a " e que " a escravidão n a q u e l a época e r a u m g r a n d e passo progres-
ção e a desigualdade d a distribuição". sivo"? Se a e s c r a v i d ã o f o i u m f a t o r p r o g r e s s i v o n a história, porque
Engels, como verdadeiro sofista, ensinou t r i u n f a l m e n t e a D u h r i n g , é que a m e s m a Grécia c a i u n u m estado de barbárie, sob o domínio
Nada de violência, n e n h u m a intervenção d a força o u do E s t a d o . turco? A escravidão f l o r e s c e u até o p r i n c i p i o d o nosso século. Como
F o r a a produção q u e e n g e n d r a r a a d e s i g u a l d a d e , a opressão, a escra- s u c e d e u , p o i s , q u e , d u r a n t e v i n t e séculos, a m e s m a Grécia, o mesmo
vidão. S e a s s i m é, q u e v e r g o n h a e q u e m a l d i ç ã o p a r a a h u m a n i d a - povo escravizado, e m l u g a r de c o n t i n u a r sua incomparável civiliza-
de representam a produção e o t r a b a l h o , únicas causas de todas ção, caiu, cada dia mais, n a barbárie?
i n i q u i d a d e s sociais. M a s , p e r g u n t a m o s , e m q u e t e o r i a se apoiavam
Não conhecemos exemplo parecido e m n e n h u m a literatura, salvo
os h o m e n s p r i m i t i v o s , d e q u e c a p i t a l n e c e s s i t a v a m , q u a n d o se m a t a -
na dos defensores da escravatura. Os apologistas do despotismo e
v a m m u t u a m e n t e , p a r a se b a n q u e t e a r e m c o m carne humana?
da escravidão dizem, ao mencs, que são representantes do poder
Engels, c o m o verdadeiro sofista, e n s i n o u t r i u n f a l m e n t e a D u h r i n g ,
a r m a d o , e que o povo, " a c a n a l h a " , deve cbedecer-lhes. Eis que o
que Robinson capturou Viernes porque era u m representnte da cul-
chefe d o socialismo "cientifico" conta aos trabalhadores que seus
tura elevada e estava melhor armado. "Os produtores de armas
p a i s se s u b m e t i a m v o l u n t a r i a m e n t e a o s r i c o s , q u e a f o r ç a não foi
m a i s aperfeiçoadas (acrescentou) triunfarão sempre dos produtores
necessária p a r a i n d u z i - l o s a v e n d e r e m - s e e aos seus f i l h o s , e que a
inferiores". Mas Robinson salvou Viernes d a pouco agradável pers-
covardia chegou ao p o n t o de cederem v o l u n t a r i a m e n t e aos ricos o
p e c t i v a de ser c o m i d o p o r seus nobres concidadãos. Estes haviam
direito da primeira noite.
t r i u n f a d o d e V i e r n e s a n t e s de R o b i n s o n . Haviam triunfado por su-
p e r i o r educação o u p e l a força? M e n e l i c k e os a b e x i n s d e r r o t a r a m o s Até o presente ninguém havia ultrajado o proletariado de t a l
i t a l i a n o s p o r s u a civilização m a i s a d i a n t a d a n a produção, o u p o r q u e forma. Para f a z e r t a l afirmação, é necessário ser u m consumado
e r a m os m a i s f o r t e s ? E os b á r b a r o s , d e s t r u í r a m a c i v i l i z a ç ã o g r e c o - falsificador n o domínio científico. Pobre ciência! Quantas tolices
romana porque eram mais inteligentes, mais industriosos e mais e monstruosidades pregou Engels e m t e u n o m e ! ! E pretendem impor
civilizados? Não! Foram a força, a b r u t a l i d a d e , a violência, que aos t r a b a l h a d o r e s alemães t o d o esse a m o n t o a d o de d i s l a t e s embru-
t r i u n f a r a m c o m eles. tecedores, fazendo-os passar p o r "socialismo cientifico"! Mas o tra-
balhador alemão é demasiado i n t e l i g e n t e , solidário e cordial, para
q u e possa ficar muito tempo sob o i m p é r i o de t a l d o u t r i n a . Advi-
(30) Então para quê a conquista do Estado? nham-se já os s i n a i s d a p r ó x i m a rebeldia. Somente os pigmeus,

61
60
V A RL AN T C H E R K E S O F F

q u e se d ã o a r e s d e d i s c í p u l o s " c i e n t í f i c o s " d o g r a n d e m e s t r e n a f a l s i -
f i c a ç ã o d e i d e i a s , OS l h e c o n s e r v a r ã o f i é i s . São d e m a s i a d o i g n o r a n -
tes p a r a c o m p r e e n d e r e m e a m a r e m a v e r d a d e . T a m b é m eles, c o m o o
m e s t r e , p e r t e n c e m àquela c a t e g o r i a de h o m e n s c o n d e n a d o s p o r D a n t e
a e r r a r pelo I n f e r n o , separados d a h u m a n i d a d e sofredora, por t e r e m
s i d o d e m a s i a d o egoístas n a T e r r a .
10

REIVINDICAÇÕES SOCIAIS-DEMO-
CRÁTICAS

O Estado c e n t r a l i z a d o e todo-pc,deroso; os d i r e i t o s e as necessi-


d a d e s d o s i n d i v í d u o s s u b m e t i d o s à d i s c i p l i n a , s u b o r d i n a d o s às o r d e n s
dos funcionários do Estado; a produção o r g a n i z a d a pelo Estado; os
cidadãos a r r e g i m e n t a d o s n o exército d o t r a b a l h o , e s p e c i a l m e n t e para
a agricultura ("Manifesto C o m u n i s t a " ) , t a l se n o s a p r e s e n t a o ideal
b a r r o c o d c s o c i a l i s m o r e p u l s i v o q u e se p r e t e n d e i m p o r aos t r a b a l h a -
dores, sob o rótulo de " s o c i a l i s m o científico".
Conhecemos já a filosofia metafísica e reacionária da escola.
Examinemos agora as suas concepções s o c i a l i s t a s , as suas reivindi-
cações a t u a i s . Pode ser q u e , n o s nossos dias, sob a influência do
progresso geral das ciências e da cultura, a social-democracia
modifique a concepção soldadesca d o m a n i f e s t o de 1 8 4 8 . Tomemos
a obra que c o n t e m o p r o g r a m a oficial d a social-democracia "cientí-
f i c a " , a o b r a de K . K a u t z k y " A s Bases d a Social-Democracia".
Que ideia t e m o p a r t i d o a t u a l m e n t e a respeito d a produção socia-
lista e do direito individual n a sociedade f u t u r a ? N o capítulo 10,
"O socialismo e a liberdade", lemos: "A produção s o c i a l i s t a não é
compatível c o m a l i b e r d a d e d e t r a b a l h o , i s t o é, c o m a l i b e r d a d e do
trabalhador trabalhar quando e como l h e pareça. È verdade que
n o r e g i m e c a p i t a l i s t a o t r a b a l h a d o r goza a i n d a de l i b e r d a d e até c e r t o
ponto. S e n ã o se e n c o n t r a s a t i s f e i t o n u m a f á b r i c a , p o d e p r o c u r a r
trabalho noutro lugar. Na sociedade social-democrática todos os
m e i o s de p r o d u ç ã o estarão c o n c e n t r a d o s p e l o E s t a d o , q u e será o ú n i c o
empresário N ã o haverá m o d o de escolher o u t r o . O t r a b a l h a d o r gcza
a t u a l m e n t e de m a i s l i b e r d a d e d o q u e n a f u t u r a sociedade social-de-
mocrática". "Não é a social-democracia que eliminará o d i r e i t o de

63
V A R L A N T C H E R K E S O F F
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O

escolher o t r a b a l h o e o tempo, m a s s i m o desenvolvimento (sic!) d a


m e s m a produção". escandalizado p e l a i d e i a de q u e a h u m a n i d a d e possa v i v e r n u m a s o -
ciedade solidária, s e m g u i a o u t r o além d a livre-iniciativa, que não
A produção, e não a violência, criou todas as i n i q u i d a d e s e a
e n c o n t r o u n a d a m e l h o r d o q u e r i d i c u l a r i z a r os nossos princípios d e so-
opressão n o passado, segundo Engels A mesma produção criará a
lidariedade, a f i r m a n d o . " N a sociedade f u t u r a dos anarquistas, g u i l h o -
escravidão n a sociedade social-democrática, assegura-nos a Bíblia do
tinar-se-á p o r m e i o d a l i v r e - i n i c i a t i v a " . P o b r e h o m e m ! O seu cére-
partido. Se a s s i m é, p o r q u ê a m e s m a p r o d u ç ã o c r i o u n o passado,
b r o está c h e i o d a s noções de d i s c i p l i n a , d e o r d e m , d e subordinação,
como n o presente, duas categorias de h o m e n s ,uns p r e g a n d o a d i s c i -
de execução e o u t r a s belezas d a sociedade e s c l a v a g i s t a e militar, que
p l i n a , a subordinação, a submissão e a escravidão, e o u t r o s a l i b e r -
não pode i m a g i n a r a pena-de-morte abolida pela humanidade ilus-
dade, a emancipação, a r e b e l d i a e a solidariedade? P o r quê a s o c i a l -
trada.
d e m o c r a c i a p r e g a s e m p r e as d o u t r i n a s d o s d a p r i m e i r a c a t e g o r i a , q u e
a história estigmatiza c o m os n o m e s de reação, obscurantismo e E m n o m e d e q u e b e m - e s t a r esses s o n h a d o r e s d e q u a r t e l , d o e x é r -
opressão? c i t o d o t r a b a l h o , d a d i s c i p l i n a , d a subordinação, q u e r e m p r i v a r a H u -
m a n i d a d e social-democrática d a liberdade, d a i n i c i a t i v a e d a s o l i d a -
A i n d a q u e as d u a s c a t e g o r i a s t e n h a m s i d o o r e s u l t a d o do modo
riedade? Acaso p r e t e n d e m realizar u m sistema c o m u n i s t a tão per-
de produção, a h u m a n i d a d e , n a s u a evolução progressiva, combate
f e i t o , q u e o i n d i v í d u o se s u b m e t a v o l u n t a r i a m e n t e a t o d a s a s o r d e n s
s e m p r e os h o m e n s e a s i n s t i t u i ç õ e s d a p r i m e i r a c a t e g o r i a e aclama
e a todos os m a n d o s dos funcionários do Estado? Vejamos como
sempre os h o m e n s e as instituições d a s e g u n d a Não insistiremos
os legsladores d a social-democracia pretendem organizar a distribui-
sobre a concepção completamente errónea d a influência exclusiva
ç ã o dos p r o d u t o s do t r a b a l h o , d i s c i p l i n a d o p o r t a l f o r m a . O próprio
d a f o r m a de produção n a história A d m i t a m o s que seja exata. Não
Kautzky, n o capítulo 10, " D a D i s t r i b u i ç ã o dos P r o d u t o s no Estado
vemos vantagens e m q u e a s o c i a l - d e m o c r a c i a p r e g u e , aos o p r i m i d o s ,
F u t u r o " , r e s p o n d e n d o às o b j e ç õ e s d o s a d v e r s á r i o s d o s o p i a l i s m o , d e -
a o s e x p l o r a d o s , d o u t r i n a s d e s u b o r d i n a ç ã o e o b s c u r a n t i s m o , e se e m -
clara: " O s nossos adversários d e v e r i a m d e m o n s t r a r q u e a retribuição
penhe e m r i d i c u l a r i z a r as i d e i a s de e m a n c i p a ç ã o e de solidariedade
i g u a l é u m a consequência inevitável do socialismo".
propagadas p o r R. O w e n e o u t r o s a m i g o s e benfeitores da humani-
dade. P o r v e n t u r a o s t e ó r i c o s e os c h e f e s d o p a r t i d o s o c i a l - d e m o c r a - C r e m o s q u e os a d v e r s á r i o s p o d e m d e m o n s t r a r f a c i l m e n t e a o a u t o r
ta julgam que o povo não está suficientemente embrutecido pela e aos s o c i a i s - d e m o c r a t a s alemães, q u e f o r a d a i g u a l d a d e o u e q u i v a l ê n -
Igreja pelo Estado, pelo capitalismo, pela m a g i s t r a t u r a , pelo milita- c i a económica não há socialismo, e que o c o m u n i s m o , sob c u j a b a n -
rismo e outras pragas? d e i r a os d i s c í p u l o s d e E n g e l s p e d e m cobrir-se, aceita como princípio
N ã o j u l g u e m q u e as p a s s a g e n s c i t a d a s r e f l e t e m a s i d e i a s pessoais f u n d a m e n t a l : " D e cada u m segundo a sua capacidade, e a cada u m se-
de K a u t z k y , e s c r i t o r medíocre. Esse i d e a l d e u m a s o c i e d a d e s u b j u - g u n d o as suas n e c e s s i d a d e s " . Mas Kautzky continua, e m nome da
g a d a ao E s t a d o é a base f u n d a m e n t a l d a s o c i a l - d e m o c r a c i a e m t o d o s s o c i a l - d e m o c r a c i a , e n s i n a n d o aos t r a b a l h a d o r e s q u e n o E s t a d o s o c i a l -
os p a í s e s . O u t r o s o c i a l - d e m o c r a t a , u m inglês m u i t o s u p e r i o r a o p r e - democrata "todas as f o r m a s de salário contemporâneo, retribuição
c e d e n t e , S. W e b b , n o s e u f o l h e t o " O v e r d a d e i r o e o f a l s o s o c i a l i s m o " , p o r h o r a o u p o r peças, p r é m i o s especiais p o r u m t r a b a l h a s u p e r i o r a o
a f i r m a que " s o n h a r c o m u m a o f i c i n a autónoma n o f u t u r o , c o m u m a d a retribuição g e r a l , salários d i f e r e n t e s p a r a as d i f e r e n t e s classes d e
produção s e m r e g u l a m e n t o s e d i s c i p l i n a , não é s o c i a l i s m o " (31). Um trabalho, todas essas f o r m a s d o salário contemporâneo, um pouco
t e r c e i r o , u m r u s s o m u i t o " e s t i m a d o pelos s o c i a i s - d e m o c r a t a s , está tão modificadas, são perfeitamente praticáveis numa sociedade socia-
lista".
(31) S . Webb diz que isso é anarquismo. Agradecemos profundamente O r a , é i n d i s p e n s á v e l e n s i n a r a esse f i l ó s o f o d o " s o c i a l i s m o c i e n t í -
ao autor d a "História do Trade-Unionismo" esta afirmação. Efectivamente, f i c o " , que o s a l a r i a t o poderá f u n c i o n a r n o E s t a d o e x p l o r a d o r e c a p i -
somos, os anarquistas, os que pregamos a autonomia e a solidariedade.
talista, m a s n u n c a n u m a sociedade socialista.

64 65
E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O
V A It L A N T C H E R K E S O F F

E, p a r a e v i t a r dúvidas, Liebknecht acrescenta: "São reformas


K a u t z k y e os seus a m i g o s e n g a n a m - s e redondamente, acreditan- j á r e a l i z a d a s o u e m v i a d e r e a l i z a ç ã o n o s países a d i a n t a d o s e q u e se
d o que o seu E s t a d o social-democrárico, m i l i t a r m e n t e o r g a n i z a d o , c e m
irmanam plenamente com a democracia".
o sistema de retribuição p o r salário, a i n d a q u e c h a m a d o "salário
Com a democracia, s i m , m a s não c o m o s o c i a l i s m o . Além disso,
q u a l i f i c a t i v o " , t e n h a a l g u m a relação c o m o socialismo. Este, segundo
a democracia e os liberais dos "paises adiantados" realizaram o u
a concepção dos g r a n d e s teóricos socialistas, a f i r m a cs d i r e i t o s do
estão d i s p o s t o s a r e a l i z a r i m e d i a t a m e n t e o f e d e r a l i s m o , o referendo,
indivíduo à l i b e r d a d e s e m restrição, ao d e s e n v o l v i m e n t o completo e
a legislação d i r e t a , a a u t o n o m i a m u n i c i p a l , instituições negadas e
harmónico. Nega a exploração d o h o m e m pela sociedade o u pelo
c o m b a t i d a s pelos sociais-democratas. Já sabemos que M a r x e Engels.
Estado. Nega, p r e c i s a m e n t e , o s i s t e m a d o salário, tão a p r e c i a d o pelos
juntamente com Multuran Bary (o agente dos conservadores ingle-
sociais-democratas alemães. O salariato é a base d o c a p i t a l i s m o .
ses), excluíram os f e d e r a l i s t a s d a I n t e r n a c i o n a l , e que L i e b k n e c h t se
A d m i t i n d o - o p a r a o vosso E s t a d o , c o n f i r m a i s , s e n h o r e s sociais-demo-
d e c l a r o u , e m 1872 ( q u a n d o e r a a i n d a r e v o l u c i o n á r i o ) , " a d v e r s á r i o de
c r a t a s , o q u e o s t r a b a l h a d o r e s v ê m d i z e n d o h á m u i t o t e m p o , i s t o é.
toda Republica federativa"; q u e os s c c i a l - d e m o c r a t a s ingleses, feliz-
que desnaturastes a ideia f u n d a m e n t a l do socialismo: substituíste»
mente e m número m u i t o r e d u z i d o , e, c o m exceção de Hyndman,
a emancipação pela d i s c i p l i n a e a subordinação, a s o l i d a r i e d a d e pela
todos muito medíocres, combateram o referendo e. nas ultimas
o r d e m e a obrigação de u m q u a r t e l , a i g u a l d a d e económica pelo pri-
eleições, v o t a r a m , c o m os c o n s e r v a d o r e s , c o n t r a o ministério Glad-
v i l é g i o , e, d e s n a t u r a n d o t u d o , t r a í s t e s a c a u s a d o p o v o e a s reivin-
stone, que, pelo menos, t i n h a i n t r o d u z i d o o d i a c-e 8 h e r a s e m todos
dicações d a H u m a n i d a d e s o f r e d o r a . C e m m u i t a razão o nosso amigo
os e s t a b e l e c i m e n t o s e repartições d o G o v e r n o , havia obtido a auto-
D o m m e l a N i e u w e n h u i s , f a l a n d o a vosso respeito, d i z i a a l a r m a d o : "O
nomia municipal e lutava em prol ai> " H o m e - r u l e " e p e l a abolição
s o c i a l i s m o está e m p e r i g o ! " P o r i s s o m e r e c e s t e s os e l o g i o s d a b u r g u e -
da Câmara dos Lords.
sia ilustrada.

F a l a n d o f r a n c a m e n t e , a b u r g u e s i a r a d i c a l p e d e r i a não s o m e n t e A t é e m F r a n ç a , o n d e a t r a d i ç ã o d a C o m u n a está t ã o a r r a i g a d a ,
a d e t a r s e m e l h a n t e profissão de fé, p r e t e n s a m e n t e s o c i a l i s t a , c o m o os sociais-democratas, sem suspeitar que fazem o jogo da escola
sistema d o "salário q u a l i f i c a t i v o " , c o m o t a m b é m observar que as reacionàna de Hegel, evitam empregar as palavras "federalismo"
reivindicações d o p a r t i d o social-demccrático f o r m u l a d a s pelo c h e f e e "federação". Nao ousam pregar a organização do "exército do
e f u n d a d o r d o p a r t i d o , L i e b k n e c h t , são m u i t o m o d e r a d a s . E m seu trabalho" nem tão pouco, apesar das suas mais caras aspirações,
ar*1go " O P r o g r a m a d b S o c i a l i s m o A l e m ã o " ( 3 2 ) , L i e b k n e c h t , soò a a abolição das federações lecais, m a s e v i t a m a p a l a v r a d e t e s t a d a p o r
r u b r i c a " O que queremos", e n u n c i a : Hegel. B i s m a r k , E n g e l s , L i e b k n e c h t e o u t r o s , d e s i g n a n d o as s u a s fe-
" L i b e r d a d e a b s o l u t a de i m p r e n s a e do consciência; sufrágio uni- derações p o r " a g l o m e r a ç õ e s " . Estes sábios d o " s o c i a l i s m o c i e n t i f i c o "
versal p a r a todos os c o r p o s representativos, para todos os- s e r v i ç o s ignoram que o termo geológico "aglomeração" significa um amon-
públicos, n a c i o n a i s e m u n i c i p a i s ; e d u c a ç ã o n a c i c n a l , c o m a s e s c o l a s t o a d o de diversos m i n e r a i s , e q u e c s h o m e n s e s o c i e d a d e s se u n e m ,
a b e r t a s a t o d o s , e d u c a ç ã o e i n s t r u ç ã o acessíveis a t o d o s , c o m i g u a l p a c t u a m , aliam-se, federam-se, m a s n ã o se a g l o m e r a m nunca. Fa-
f a c i l i d a d e ; abolição dos exércitos p e r m a n e n t e s e organização de u m a l a n d o d o seu g r u p o p a r l a m e n t a r , p o d e m dizer q u e êle e suas d o u -
milícia n a c i c n a l , de m o d o que cada cidadão seja soldado e cada trinas f o r m a m u m aglomerado de i d e i a s reacionárias, o q u e p e r m i t e
f a l d s d o cidadão; u m t r i b u n a l de a r b i t r a m e n t o internacional; igual- a M i l l e r a n d declarar-se partidário d a santa propriedade individual,
d a d e dos sexos, m e d i d a s de proteção p a r a a classe t r a b a l h a d o r a , l i - assim como Guesde, do coletivismo alemão que acabamos de ana-
mitação das heras de t r a b a l h o , r e g u l a m e n t o s higiénicos", etc. lisar, e D . Deville, contrário á revolução, os q u a i s t o d o s j u n t o s c o n s -
tituem u m aglomerado arcaico, igualmente bom para um museu
(32) l h e Programme of German Scclalísm", Fórum Library. New Y o r k , mineralógico c o m o p a r a u m p a r l a m e n t o de panamistas.
1895. p. 28.

67
66
11

ÉTICA SOCIAL-DEMOCRÁTICA

Antes de t e r m i n a r , deveríamos esboçar a tática de agitação, o


modo d e p r o p a g a n d a e d e p o l e m i c a c o n t r a os s o c i a l i s t a s e m geral,
e especialmente c o n t r a os anarquistas, empregados pela Social-
-Democracia. Faltava-nos a coragem p a r a empreender tão desagra-
dável t r a b a l h o . A l é m disao, de q u e n o s servirá s a b e r c o m o pouco a
p o u c o a tática de ação e de agitação l e g a l dos " c i e n t í f i c o s " os c o n -
d u z i u à e s t r a n h a concepção que f a z e m do socialismo, concepção que
os t o r n a m a i s r e a c i o n á r i o s em s u a s r e i v i n d i c a ç õ e s q u e os r a d i c a i s -
-socialistas franceses o u os s i m p l e s l i b e r a i s e r a d i c a i s ingleses?
Tampouco julgamos util contar pormenorizadamente como
Liebknecht e seus amigos tentaram fazer passar Bakúnine como
agente do governo rus90; como o mesmo Liebknecht caluniava D o m -
mela Nieuwenhuis e c h a m a v a "charlatães" e "agentes provocadores"
a h o m e n s de u m a p u r e z a de caráter notória, c o m o o n o b r e e g e n e -
roso Cafiero, como, enfim, o mesmíssimo Liebknecht noticiou no
seu j o r n a l que W e r n e r , preso e m B e r l i m c o m o d o n o de u m a t i p o g r a f i a
c l a n d e s t i n a , e r a " o m e s m o c o m q u e m se e n t r e v i s t a v a H o e d e l " . Não!
Não queremos nos ocupar dos despeitos d e tão» n o b r e s legisladores.
Para L i e b k n e c h t b a s t a m OS e p í t e t o s de " c a l u n i a d o r de p r o f i s s ã o " e
de "anarkistenfresaer" ("traga-anarquistas"), que lhe foram dados
p e l o s nossos amigos da A l e m a n h a .

Mas d a s u a tática dois modoa de p r o c e d e r são m u i t o caracte-


r í s t i c o s p a r a q u e os d e i x e m o s d e m e n c i o n a r . U m , a sua tática i n -
d i v i d u a l ; o o u t r o , a s u a c o n d u t a c o m relação aos revolucionários d a s
outras nações. Fiéis à metafísica reacionária de Hegel, que pre-
gava que o indivíduo deve submeter-se c o m p l e t a m e n t e à a u t o r i d a d e
d o E s t a d o e q u e n ã o h á questão de d i r e i t o e de necessidade indivi-

69
ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A R L A N T C H E R K E S O F F

lançaram contra a desgraçada Arménia, destroçada pelo c x e n Ho


d u a i s , os e s c r i t o r e s e o r a d o r e s do p a r t i d o pregam aos trabalhadores
turco, organizado e comandado p o r oficiais alemães. (33)
q u e o i n d i v i d u o não t e m n e n h u m a significação n a história e n a s o -
Quando os a n a r q u i s t a s i t a l i a n o s o r g a n i z a r a m em 1877 a InfUI
ciedade, e que q u a n t o s p e n s a m que a liberdade individual e a sa-
reição de B e n e v e n t o , os sociais-democratas d e B e r l i m g r i t a v a m <|ii<-
tisfação c o m p l e t a das necessidades m o r a i s e f i s i c a s d o i n d i v í d u o se-
C a f i e r o , M a l a t e s t a e s e u s a m i g o s — e n t r e os q u a i s se a c h a v a o h e r ó i
rão g a r a n t i d a s n a sociedade f u t u r a , não passam de utopistas. Por
d a revolução russa S t e p n i a k — e r a m agentes provocadores. A con-
conseguinte, os t r a b a l h a d o r e s d e v e r ã o saber q u e só lhes r e s t a s u b -
d u t a dos p o l i c i a i s - a m a d o r e s de B e r l i m f o i t ã o n a u s e a b u n d a que u m
meter-se às o r d e n s desses h o m e n s excepcionais, fundadores do so-
jornal burguês os c e n s u r o u , d i z e n d o que L i e b k n e c h t & Cia podiam
cialismo "cientifico", que descobriram a l e i d a concentração do
desaprovar a revolução, m a s que não era ação honrada chamar
dapital, a "mais-valia", o método dialético, o materialismo, o mo-
malfeitor e agente provocador a Cafiero, que, r e n u n c i a n d o a uma
n i s m o , a explicação m a t e r i a l i s t a d a h i s t o r i a , a tática revolucionária
carreira brilhante, sacrificara sua imensa fortuna pela causa da
pelos meios l e g a i s , o c o m u n i s m o c o m u m " e x é r c i t o d e t r a b a l h o , es-
emancipação do povo.
pecialmente para a agricultura", e t c , etc. O individua, em geral,
nào tem significação alguma. Marx e Engels são duas exceções Foi ainda menos nobre a conduta dos "científicos" para com
no género humano. A i n d a p o r exceção, f o r m a m os s e u s herdeiros os revolucionários russos. De 1876 a 1881, a cada atentado revo-
Aveling e Lafargue, como os h e r d e i r o s adotivos Liebknecht, Bebei. lucionário, a c a d a manifestação do partido da heróica juventude
Ower, Guesde, Plekancff e outros. O trabalhador ignorante, o re- que merecera a admiração do m u n d o civilizado, os caluniadores i n -
banno humano composto de i n s i g n i f i c a n t e s n u l i d a d e s , deve subme- t e r n a c i o n a i s , c o m u m a r a i v a reacionária, v o m i t a v a m contra ela as
t e r - s e e o b e d e c e r a t o d o s esses " u b e r m e n s c h m " , a t o d o s esses s e r e s m a i s estúpidas e grosseiras injúrias. A p r i n c í p i o , nós, o s p r o s c r i t o s
sobrenaturais. A isto chamam a igualdade social-democrata e russos evadidos d a Sibéria e d a s prisões, protestámos c o n t r a c s a t a -
cientifica. ques d a i m p r e n s a "científica". Mas logo percebemos que o que p o -
d e r i a p r e j u d i c a r o m o v i m e n t o revolucionário r u s s o n ã o e r a m os seus
E p e n s a r q u e s e m e l h a n t e s m o n s t r u o s i d a d e s são p r o p a g a d a s n a ataques, m a s , ao contrário, a s u a s i m p a t i a e o seu c o n c u r s o . Dentre
sociedade europeia, que possui já a o b r a de J . S. M i l l , " D a L i b e r - nós, os s o c i a l i s t a s r u s s o s que adotavam as doutrinas sociais-demo-
dade", e a de " G u y a u " , " A M o r a l sem sanção n e m obrigação", e
c r a t i c a s e g o z a v a m as s i m p a t i a s d e E n g e l s , L i e b k n e c h t & C i a . , c o n -
q u a n d o a filosofia m o d e r n a , segundo o p r o f . W u n d t , pede ao i n d i -
v e r t i a m - s e i m e d i a t a m e n t e e m adversários d a revolução e combatiam
v i d u o b o a v o n t a d e e m vez d e submissão!
cs revolucionários. A c a m a r i l h a de Engels distinguiu-se por seus
Coroa t u d o . a sua c o n d u t a d i a n t e dos atos revolucionários nos a aques
f aos revolucionários e acabou i m p l o r a n d o perdão ao tsar.
demais países. O "Manifesto C o m u n i s t a " d z i a q u e os
; "comunistas O u t r o p r o t e g i d o dos s o c i a i s - d e m c r a t a s , P l e k a n o f f , que c o n t i n u o u
a g i r a m e m t o d a a p a r t e d e a c ô r c o c o m os r e v o l u c i o n á r i o s " . Conhe- a "triste o b r a " de U t i n , vangloricu-se, e m informação ao congresso
c e m o s j à esta " a ç ã o de a c o r d o " c o m os r e v o l u c i o n á r i o s d a Comuna social-oeinocrata de 1891, e f e t u a d o e m B r u x e l a s , de t e r t i d o de " l u -
de P a r i s . Vejamos como agiram c o m os d e m a i s revolucionários. t a r " , êle e seus a m i g o s , d u r a n t e anos inteiros, c o n t r a os diferentes
Em 1875-1876, d u r a n t e a revolução sérvio-búlgara, quando todo grupos das d o u t r i n a s " b a k u n i n i s t a s " ( p . 4). A informação com-
o mundo simpatizava c o m os insurretos, quando Gladstone e os preendia, debaixo d o n o m e tíe " b a k u n i n i s t a s " , c s comunistas-federa-
homens honrados da burguesia inglesa organizavam comícios e listas russos, q u e f o r a m os instigadores do grande movimento de
subscrições e m beneficio d o s i n s u r r e t o s , só o s ó r g ã o s sociais-demo- p r o p a g a n d a e n t r e os o p e r á r i o s e n o c a m p o (1873-1878), i n a u g u r a r a m
cratas fizeram u m a propaganda n o c i v a aos que c o m b a t i a m p e l a s u a
liberdade, e asseguravam aos t r a b a l h a d o r e s q u e a revolução e r a p r o - (33) O "Grandoe" Moltke fora o seu organizador. Holtz . Pachà e outrc»
vocada pelo despotismo russo e m seu p r o v e i t o . A mesma infâmia oomandavam-no.

70 71
V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

a luta heróica do Comité executivo e fundaram o famoso partido


até que p o n t o a p r o p a g a n d a do legalismo, da disciplina e da sub-
socialistá-revolucionário "Zemilia-Volia" (Terra e Liberdade).
missão d e s m o r a l i z o u a s o c i a l - d e m o c r a c i a p a r a q u e e l a pudesse apro-
Plekanoff e seus amigos, c o n t i n u a d o r e s de Utin, combatiam todas
var t a l sujidade. N e m u m a v o z se l e v a n t o u p a r a c h a m a r a o p u d o r
as agrupações revolucionárias. "Observai b e m , cidadãos (escrevia
tão estranho revolucionário. Ao contrário, o informante conver-
Plekanoff), que n ã o são s o m e n t e os a n a r q u i s t a s q u e compreendemos
teu-se em h o m e m popular entre os sociais-democratas, precisamente
sob o n e m e de " b a k u n i n i s t a s " . O d e f u n t o P. Tkatcheff julgava-se
graças à informação. Como Utin, u m pouco antes de i m p l o r a r o
partidário de B l a n q u i (e o e r a ) e c o m b a t i a o s a n a r q u i s t a s , e m d i s -
seu perdão ao tsar, P l e k a n o f f , depois d a sua aparição n a cena so-
cussão c o m B l a n q u i (p. 5). O mesmo sucede a respeito do p a r t i d o
cial-democrática, converteu-se em "persona grata" a Engels, Lieb-
da "Vontade do Povo", dirigido pelo célebre "Comité Executivo",
knecht & Cia.
(p. 5).
O "digníssimo" h o m e m declarou a i n d a n a sua informação: "Nós
Os sociais-democratas russos, discípulos, imitadores e fiéis de
(Plekanoff e seus asseclas) d e v e m o - n o s felicitar por termos limpado
Engels, L i e b k n e c h t & C i a . , c o m b a t e r a m t o d a s as frações d o p a r t i d o
o terreno para o "socialismo científico" (p. 4).
revolucionário russo. Isto é u m a verdade incontestável. Combate-
Nào! Não foi Plekanoff quem "limpou o terreno" das facções
ram-nas. Quando? Precisamente quando a estupidez e a prover-
revolucionárias n a Rússia. Se essa limpeza foi efetivamente feita
bial crueldade r e i n a v a m n a Rússia, sob o n o m e de A l e x a n d r e 3.°;
— o que resta p r o v a r —, a glória i n t e i r a p e r t e n c e ao g r a n d e fetiche
quando P o b o d o n o s t z e f f , esse T o r q u e m a d a r u s s o , os e s p i õ e s , o s gen-
dos franceses, Alexandre 3.°, a o s s e u s m i n i s t r o s e n f o r c a d o r e s e aos
d a r m e s e os v e r d u g o s e n f o r c a v a m , e s t r a n g u l a v a m e d e p o r t a v a m p a r a
seus n u m e r o s o s e s p i õ e s . . . O informador andou mal, regosijando-se
as m i n a s d a S i b é r i a m u l h e r e s s u b l i m e s p o r s u a a b n e g a ç ã o , homens
tão apressadamente. Se p r e s t a r m o s a t e n ç ã o a o s n u m e r o s o s artigos
heróicos na luta pela emancipação social do povo russo; quando
p u b l i c a d o s n o s j o r n a i s e r e v i s t a s r u s s a s , e às v a i a s q u e a j u v e n t u d e
a burguesia i l u s t r a d a a d m i r a v a e g l o r i f i c a v a os mártires do despo-
russa dedicou a Plekanoff, q u a n d o essa j u v e n t u d e honrada e ge-
tismo russo, nesse preciso momento, os discípulos do quartel, do
nerosa tomou conhecimento d a informação, parece-nos, em suma,
"exército do trabalho, especialmente para a agricultura", os com-
q u e n a Rússia " p r o p r i a m e n t e d i t a " o terreno não f o i l i m p o p a r a o
batia. E n q u a n t o o nosso g r a n d e romancista Turgueneff escrevia a
"socialismo cientifico", e que o mundo socialista professa muito
a p o l o g i a d a modéstia e d o sacrifício das nossas j o v e n s revolucionárias,
mais estima pelos "utopistas", como Tchernychevsky e seus discí-
Plekanoff combatia-as. Enquanto o mesmo Turgueneff, em seu
pulos, do que por Engels e Plekanuff.
leito de m o r t e , reconhecia que os " t e r r o r i s t a s russos" (Comité Exe-
cutivo) eram h o m e n s de g r a n d e caráter, e n q u a n t o o e s c r i t o r ame- Será necessário c o n d e n a r o m u n d o socialista russo por t a l p r e -
r i c a n o G e o r g e K e n n a n t o r n a v a pública a s u a a d m i r a ç ã o p e l a s v í t i m a s ferência? Segundo a definição dos sociais-democratas, todo so-
d e A l e x a n d r e 3.°, P l e k a n o f f combatia-as. E n q u a n t o a "Rússia Sub- cialista convicto, todo amigo d a h u m a n i d a d e , pode r e i v i n d i c a r a l t a -
t e r r â n e a " , essa g a l e r i a d e r e t r a t o s v i v o s e simpáticos dos r e v o l u c i o - mente o título de p e r f e i t o utopista. N u m folheto, "Anarquismo e
nários russos, d e v i d a à pena de Stepniak, dava volta ao mundo, Socialismo", calorosamente recomendado por Mme. Marx-Aveling,
t r a d u z i d a e m t o d a s as l í n g u a s , e o s h o m e n s h o n r a d o s d e t o d a s as lemos e m grifo: ' ' U t o p i s t a é aquele que a p o i a n u m princípio a b s t r a i o
classes s i m p a t i z a v a m c o m eles, e as m u l h e r e s d o m u n d o i n t e i r o se a investigação de u m a organização social p e r f e i t a " . (34)
enterneciam ante os seus retratos, Plekanoff combatia-os. Com- Lede atentamente a frase e percebereis q u e os utopistas são
batia-os sempre o "valoroso" social-democrata russo. h o m e n s d q princípios que q u e r e m r e o r g a n i z a r a sociedade a t u a l , b a -
O que é m a i s r e p u g n a n t e e m a i s odioso, porém, é que t a l i n f o r -
m a ç ã o t e n h a p o d i d o ser a p r e s e n t a d a , l i d a e a p r o v a d a n u m c o n g r e s s o
(34) " T h e utopian as one who, starting from, an abstract .princips
de h o m e n s q u e se c h a m a v a m s o c i a l i s t a s e r e v o l u c i o n á r i o s . Aí está secks for a perfect social organlsatlon". (p. 4 ) .

72 73
V A R L A N T C H E R K E S O F F

seada na exploração, na ignorância e na opressão, p a r a transfor-


má-la n u m a sociedade solidária e c o m u n i s t a , n a q u a l o indivíduo terá
l i b e r d a d e , instrução e f e l i c i d a d e , rodeado dos seus semelhantes, co-
m o êle l i v r e s , i l u s t r a d o s e f e l i z e s . Confessamos sem d i f i c u l d a d e que
somos utopistas e temos m e d o de n ã o sê-lo b a s t a n t e , p o i s p o d e r i a m
12
s u s p e i t a r que não somos h o m e n s de princípios, c o m o Engels e seus
discípulos, e c o m o e l e s c a p a z e s d e d e s n a t u r a r a t e r m i n o l o g i a c i e n t í -
fica, a concepção do socialismo, e, e n f i m , e m l u g a r de pregarmos
a emancipação, a liberdade e a solidariedade, supormo-nos capazes CONFISSÃO D E K A R L K A U T Z K Y SOBRE
de desonrar-nos até ao ponto de pregarmos a "organização" do A O R I G I N A L I D A D E DO " M A N I F E S T O
"exército do t r a b a l h o , especialmente p a r a a a g r i c u l t u r a " , a d i s c i p l i n a ,
a submissão, n u m a p a l a v r a , a social-democracia.
COMUNISTA''

As figuras principais do m a r x i s m o ortodoxo, ou "socialismo c i e n -


tífico", confessam claramente que as ideias que serviram de base
ao Manifesto C o m u n i s t a não são "grandes" nem "originais desco-
bertas de Karl Marx e ds F r i e d r i k Engels", como, até agora, foi
sustentado, defendido e afirmado pelo próprio Karl Kautzky, por
A u g u s t Bebei, e t c , e que essas i d e i a s n ã o passam de c o n c e i t o s ge-
ralmente difundidos pelos socialistas franceses anteriores a 1848.
As mesmas figuras do "socialismo científico" reconhecem que as
ideias principais desse documenta "histórico", atribuídas aos dois
socialistas alemães, já se e n c o n t r a m e x p r e s s a s no Manifesto do fa-
moso fourierista Viitor Considerant, publicado em 1843. Sobre esse
manifesto, diz-nos Karl Kautzky:
"Como ideias teóricas f u n d a m e n t a i s , c i t a Arthur Labriola uma
série de passagens d o m a n i f e s t o d e V i c t o r C o n s i d e r a n t , q u e se diri-
g e m não só c o n t r a o n o v o f e u d a l i s m o d e s e n v o l v i d o pela evolução d a
indústria, m a s t a m b é m c o n t r a os m a l e s d a o r d e m s o c i a l existentes,
m a l e s p r o v e n i e n t e s d a l i v r e concorrência e que l e v a m , p o r u m l a d o ,
ao empobrecimento das massas, e, por outro, à concentração dos
capitais".
E s t á c l a r o q u e t o d a s essas i d e i a s j á c o n s t a v a m do M a n i f e s t o de
Victor Consirérant. É sabido que a lenda social-democrática do
"socialismo c i e n t í f i c o " se a p o i a p r i n c i p a l m e n t e n a s p r e t e n s a s desco-
bertas das leis sociais, s u b r e p t i c i a m e n t e a n u n c i a d a s , p e l a primeira
v e z , n o a n o d e 1848, p o r K a r l M a r x e F r i e d r i k E n g e l s , n o s e u celebre

74 75
V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

Manifesto Comunista. Graças a estas "descobertas", o p a r t i d o social-


f c r m a r - s e e m seres s e m f o r t u n a a l g u m a , e m j o r n a l e i r o s s e m u m t e t o
- d e m o c r á t i c o sobrepôs-se a o s o u t r o s p a r t i d o s , v i s t o q u e apresentava
p a r a se a b r i g a r d a s i n t e m p é r i e s , e m c r i a t u r a s q u e t r a b a l h a s s e m não
uma base " c i e n t í f i c a " . C o m o se c o n d u z i r á , agora esse p a r t i d o , e s -
e m associações l i v r e s , m a s e m f á b r i c a s , e m o f i c i n a s e n o s c a m p o s dos
pecialmente depois d a confissão de u m dos seus m a r e c h a i s , isto é,
poderosos e orgulhosos capitalistas. E esta classe desprezível dos
depois da confissão voluntária de u m dos sucessores e protetores
camponeses devia executar, pelo menos, oito horas de t r a b a l h o p o r
das ideias e das "descobertas" de M a r x e Engels?
dia, e m troca de d e t e r m i n a d o salário... Quanto à organização de
O "socialismo científico", ou, mais exatamente, o socialismo
associações l i v r e s d e t r a b a l h a d o r e s com igualdade de direitos, disso
" a l e m ã o " não só r o m p e u c o m o socialismo d a primeira metade do
só p o d i a m f a l a r o s u t o p i s t a s , o s i g n o r a n t e s , o s a n a r q u i s t a s e demais
século passado, como também c o m o socialismo em geral, ao qual
" i n i m i g o s d a consciência de classe d o p r o l e t a r i a d o " .
declarou guerra de m o r t e . Com a palavra-de-ordem "as utopias",
apreciaram os chefes sociais-democratas alemães de 1880 e, com Esta santa doutrina d u m a proletarização necessária e interna-

eles, os m a r x i s t a s r u s s o s , o i n f l u x o g e r a l s o c i a l i s t a d o s o w e n i s t a s , d o s cional e m beneficio da humanidade, foi pregada enérgica e sistema-


saint-simonianos, dos fourieristas e dos " p o p u l i s t a s " russos, cujos t i c a m e n t e p o r Engels, K a u t s k y , P l e k a n o f f e outros ortodoxos da nova
fundamentos foram dados justamente pela influência de Tcherni- "ciência" chamada marxismo. E há mais de t r i n t a anos que se
chewsky e pelas escolas socialistas a que aludimos. faz propaganda d i s t o ; e as p a l a v r a s "ciência" e "científico" pertur-
As reclamações que s e r v i r a m de base a t o d a s as escolas n ã o - baram a s i m p l e s e sã r a z ã o h u m a n a .
-científicas do socialismo f o r a m estas: abolição d o t r a b a l h o assala- A tenebrosa e a s f i x i a n t e reação d o m i l i t a r i s m o alemão, q u e d o -
riado e d a exploração dos t r a b a l h a d o r e s pelos capitalistas e pelos mina d e s d e 1870; a r e a ç ã o e m F r a n ç a d e p o i s d a queda da Comuna
donos das terras; entrega dos meios de produção às associações de P a r i s ; o s i s t e m a o p r e s s i v o e t i r â n i c o d e K a t k o f f - P o b i e d o n o s z e f f -
livres dos operários, e d a t e r r a às c o m u n a s e associações l i v r e s dos - P l e w e , n a Rússia — t u d o isto concorda com o empobrecimento do
camponeses. Em harmonia c o m estes princípios, o "populismo" p o v o e c o m a s u a submissão; e todos estes fenómenos são " p r o d u t o s
russo — Narotnichestwo — c h a m o u , n o s princípios d e 1860, o p o v o necessários d a evolução", que " l e v a m , de u m m o d o incessante, ao
e os t r a b a l h a d o r e s , p a r a se c o n s e g u i r a realização prática daquelas socialismo". E Engels e os seus d i s c i p u l o s f o r a m os p r o f e t a s desta
f o r m a s de c o m u n i d a d e (socialismo), dentro das quais o t r a b a l h o seria evolução... " d a u t o p i a à ciência".
executado em comum. As c o m u n a s autónomas deveriam organizar, Os u t o p i s t a s , os " p o p u l i s t a s " — narodniki — e especialmente os
independentemente dos outros organismos, o aproveitamento da
anarquistas, sentiam-se injuriados, vexados, nos seus sentimentos
terra e dos i n s t r u m e n t o s de t r a b a l h o , d a s fábricas e das oficinas,
m a i s sagrados e m a i s íntimos. E, m a i s u m a vez, f o r m u l a r a m esta
sob a base d a s o l i d a r i e d a d e e da igualdade.
pergunta: E m q u e se baseiam as d e s u m a n a s exigências de que o
Com Engels à f r e n t e , os s o c i a i s - d e m o c r a t a s alemães declararam
camponês deve e n t e r r a r - s e cada vez m a i s n a miséria, e d e q u e o s
que todas estas reclamações e aspirações não eram mais do que
trabalhadores devem submeter-se, por u m tempo indeterminado, ao
"pensamentos t o r p e s de c r i a t u r a s i g n o r a n t e s " . E, e s t r i b a d o s n a s u a
n o v a "ciência", construída sobre as " d e s c o b e r t a s " de K a r l M a r x e de capitalismo?
Friedrik Engels, a f i r m a r a m que, p r i m e i r a m e n t e e e m benefício da — Essas exigências f u n d a m - s e n a s nossas grandes descobertas e
h u m a n i d a d e , os c a m p o n e s e s d e v i a m perder completamente a terra, nas grandiosisimas descoberta dos nossos m e s t r e s ! — exclamavam,
d e s t r u i n d o , p a r a que isso constituísse u m f a c t o , as organizações cam- em coro, Bebei, Kautsky, Plekanoff e outros jovens. E, p a r a nos
p o n e s a s r u s s a s , o u s e j a , as o r g a n i z a ç õ e s d o M i r . fazerem engulir a pastilha, punham-se a r e l a t a r - n o s essas d e s c o -
A s s i m , e de a c o r d o c o m a s u a n o v a t e o r i a , os sociais-democratas bertas ...
asseguravam q u e os c e m m i l h õ e s d e c a m p o n e s e s r u s s o s d e v i a m trans- Vejamos, p o r t a n t o , q u a i s são estas:

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V A II I. A N T n ii 1: R K i: S O I F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

descoberta — E m 1873, d e c l a r o u F r i e d r i k E n g e l s . no» s e u Anti- borou aqueles princípios de evolução, b e m como a sua aplicação à
Dúhring, que a m a i s - v a l i a t i n h a sido u m a i m p o r t a n t e descoberta da história.
Karl Marx.
— Mas isso é f a l s o ! — contestámos respeitosamente a Friedrik 4.a descoberta — " A luta-de-classes, como p r i n c i p a l f a t o r n a h i s -
Engels. A mais-valia j a foi apresentada por S i s m o n d i n o S8U l i v r o tória das sociedades humanas" (vejam-se os escritos de Engels, de
N o u v e a u x Príncipes d'Economie Politique, publicado em 1819. u m ano K a r l K a u t s k y , de P l e k a n o f f e outros).
a n t e s d o n a s c i m e n t o de Karl Marx. Depois, em 1824, a t e o r i a da Sobre este ponto, podemos nós afirmar que a luta-de-classes
mais-valia foi elaborada pelo socialista owenista Thompson, o que foi n i t i d a m e n t e concebida pelos pensadores franceses e ingleses, que
se p o d e comprovar pela leitura do seu famoso livro, que teve três* falaram e escreveram muitíssimo sobre ela. E, p a r t i n d o d a grande
edições. R e v o l u ç ã o F r a n c e s a , Seyés, T h o m a s P a i n e , G o d w i n até Guizot. Louis
Blanc, Buret, Blanqui e outros desenvolveram teoricamente a luta-
2. d e s c o b e r t a — " K a r l M a r x e o " a u t o r " d a t e o r i a d o p r e r o e d o
a
de-classes.
valor do t r a b a l h o " .
Os a n a r q u i s t a s e até m u i t o s sábios i n d e p e n d e n t e s disseram .~:cs 5.a descoberta — "A concentração c a p i t a l i s t a pressupõe a ideia
sociais-democratas: Enganais-vos! A teoria do preço e do v a l o r do de que o nUmero de capitalistas diminui, visto que, segundo Karl
t r a t a l h o foi elaborada e estabelecida c e m anos antes da aparição do Marx, u m capitalista aniquila muitos colegas".
Capita], por A d a m S m i t h . E p a r a se c o m p r o v a r a n o s s a afirmação, E nos respondemos aos q u e s u s t e n t a v a m e s t a t e o r i a : v i n t e anos
b a s t a l e r o seu l i v r o W e a l t h o f N a l i o n s , úa n v a i r e x t r a o r d i n á r i o . a n t e s de M a r x . já m u i t o s socialistas t i n h a m escrito sobre a c o n c e n t r a -
ção do c a p i t a l . Entre outros, citaremos Buret e Victor Considerant
3.
a descoberta — "A interpretação económica da História". F r i e - A l é m d i s s o , as e s t a t í s t i c a s t ê m d e m o n s t r a d o q u e o n ú m e r o de c a p i t a -
d r i k Engels c h a m o u - l h e , e x p r i m i n d o - s e obscuramente, a " i n t e r p r e t a - l i s t a s e de e x p l o r a d o r e s d o p r o l e t a r i a d o não diminuiu, antes a u m e n -
ção ma*eria!i:La da H i s t o r i a " . tou consideravelmente. D e s d e 1845, c o m o se p o d e v e r pelas minhas
Estatísticas do t r a b a l h o (FTeedom, a g o s t o de 1894, e d e p o i s , e m 1911
Sobre a interpretação económica d a H i s t o r i a e sobre a missão d o s
e 1912) o n ú m e r o d o s c a p i t a l i s t a s t r i p l i c o u .
seus fatõres económicos, escreveram muitissimo Blanqui, Gustav
Thierry, David Hume e Guizot, n u m tempo em que Marx e Engels
6.a descoberta — A representação parlamentar dos operários,
andavam a p r e n d e n d o a ler e escrever. E e n t r e os contemporâneos
inventada em 1867 p e l o s a l e m ã e s , e a c e i t a e m 1873 c o m o t á t i c a prin-
dos dois socialistas houve m u i t o s pensadores que escreveram sobre
c i p a l do s o c i a l i s m o " c i e n t i f i c o " .
o mesmo assunto, mas que propositadamente foram ignorados por
Sobre este p o n t o devemos recordar aos s o c i a l i s t a s q u e os prou-
eles. Basta citar Gcdkins, Buckle e Thorold Rogers. Ês'c último
chonianos franceses Toulain, Limounsier, Fribourg e outros já
escreveu até u . n l i v r o c o m o t i t u l o A Interpretação Económica da H i s -
1

tinham apresentado, em 1862, candidaturas parlamentares ope-


tória, e m que a p r e c i a , c o m c o n h e c i m e n t o de c a u s a , o p a p e l des fatõ-
rárias; que o próprio P r o u d h o n começou, e m 1864, a escrever um
res económicos.
l i v r o sobre A Capacidade política d a classe operária, l i v r o que é um
No que se r e f e r e â consideração revolucionária da história c â trabalho completo; q u e J o h n S t u a r t M i l l p e d i a , e m 1870, n u m a c a r t a
e v o l u ç ã o n a t u r a l d a H u m a n i d a d e , v a m o s e n c o n t r a r essas i d e i a s mui- endereçada ao sindicalista Odger, que apresentasse candidaturas
to b e m expostas — c sem nomear Vico — nos enciclopedistas (prin- operárias ao sufrágio, para, segundo a sua opinião, arrancarem à
cipalmente Wolney), em Herder, Fourier, Augusto Comte, Buckle. burguesia diversas regalias e reformas em benefício da classe tra-
Spencer. Morgáto. E r í i m , t o d a ciência i n d u t i v a desses h o m e n s ela- balhadora.

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V V 1? L A N T (' II i : r. K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

7.a descoberta — " K a r l M a r x f o i o f u n d a d o r d a Associação I n t e r - O r a , a metafísica e o curso metafísico das ideias já t i n h a m sido
nacional dos Trabalhadores". expostos p o r Aristóteles. E, e m tempos mais recentes, Karl Marx
S e m q u e r e r j u l g a r a q u i se M a r x e x e r c e u u m a b o a o u m á influên- designou Hegel como o imperador d a metafísica. Bacon e Locke,
c i a n a I n t e r n a c i o n a l , o q u e é c e r t o — e a s s i m se r e s p o n d e u aos s o c i a - pelo contrário, c r i a r a m o m é t o d o i n d u t i v o d a ciência e do materia-
listas — é q u e êle t e v e u m a p a r t i c i p a ç ã o m u i t o c o n s i d e r á v e l nessa l i s m o das ciências n a t u r a i s ; o outro materialismo — económico o u
Associação. Mas a Internacional fora justamente fundada e m 1862 dialético — não existe c o m caráter científico, a não ser n a cabeça
pelos p r o u d h o n i a n o s , a que já nos referimos, e pelos trabalhadores dos analfabetos "científicos", dos i g n o r a n t e s e dos charlatães.
franceses, T o u l a i n , e t c , j u n t a m e n t e c o m os s i n d i c a l i s t a s i n g l e s e s , à •
frente d o s q u a i s se e n c o n t r a v a m Odger e J u n g . Marx deu-lhes a
1 1 .* d e s c o b e r t a — " M a r x e E n g e l s f o r a m o s p r i m e i r o s a p r o c l a m a r
s u a a d e s ã o d o i s a n o s m a i s t a r d e , n o o u t o n o d e 1864. e m c o n s e q u ê n c i a
a importância d a legislação protetora dos trabalhadores".
c u m " c o n v i t e e p i s t o l a r " de J u n g .
Eis o u t r a falsidade. Já e m 1802, i s t o é, m u i t o s a n o s antes do
8.a descoberta — Karl Marx a t r i b u i - s e a a u t o r i a da frase — A n a s c i m e n t o de K a r l M a r x e F r i e d r i k Engels, o Ministério P i t t (pai)
e m a n c i p a ç ã o dos t r a b a l h a d o r e s há d e s e r o b r a d o s p r ó p r i o s t r a b a l h a - i n t r o d u z i r a n a legislação i n g l e s a , p o r influência e i n i c i a t i v a de Robert
dores . Owen, as p r i m e i r a s leis de fábricas; e, m a i s t a r d e , e m 1809, 1812 e
Deve a d v e r t i r - s e que a r u t u r a c o m p l e t a entre o proletariado e a 1819, s e g u i r a m - s e numerosas leis d a m e s m a natureza. E , e m 1836,
b u r g u e s i a r a d i c a l f o i f e i t a n a s j o r n a d a s d e j u n h o d e 1848, n a s b a r r i - u m a comissão de operários propôs a instituição l e g a l d a j o r n a d a de
c a d a s d e P a r i s , o q u e é t e s t e m u n h a d o p o r t o d o s os h i s t o r i a d o r e s d a 30 h o r a s d e t r a b a l h o d i á r i o . T u d o isto n u m a época e m que M a r x e
época, pelo operário Déjacque e seus contemporâneos, p o r H u g o , p o r Engels estudavam, como rapazes, nos liceus d a A l e m a n h a , daquela
Vidal, por Proudhon, por Herzen e por Turgueneff. Aquela fórmula A l e m a n h a o n d e os o p e r á r i o s t r a b a l h a v a m 14, 16 e 18 h o r a s p o r d i a !
foi i n t r o d u z i d a nos E s t a t u t o s da I n t e r n a c i o n a l , de acordo com os
desejos dos operários franceses, os q u a i s t a m b é m sustentavam que, 12. a descoberta — " A l e i d o salário de t r a b a l h o m í n i m o f o i des-
n o s e i o d a I n t e r n a c i o n a l , so d e v i a m s e r a d m i t i d o s os o p e r á r i o s m a - coberta e m 1947 p o r F r i e d r i k E n g e l s " , afirmou orgulhosamente este
nuais. mesmo sabichão.
E p r o v á v e l q u e fosse o S r . q u e a t i v e s s e descoberto, mas a ver-
y. a descoberta — " O método dialético". Sobre isto deve-se res- dade é que a ciência conhece essa l e i c o m o a l e i de T u r g o t - R i c a r d o .
p o n d e r , s o r r i r t d o , que Aristóteles (nascido n o a n o 384 a . C, e fale- E sobre ela escreveram extensamente Buret, Mill, Lavoley, Lassalle
c i d o n o a n o 232 a . C . ) descreveu este m é t o d o , m e n c i o n a n d o Zenão, e t o d o s os e c o n o m i s t a s . . . — r e s p o n d e r a m - l h e os a n a r q u i s t a s , modes-
o f i l ó s o f o g r e g o d a escola eclética e f u n d a d o r d a escola dos sofistas, t a m e n t e e s e m pretensões de espécie a l g u m a , a c o m p a n h a d o s p o r t o d o s
como descobridor dele ( n ã o c o n f u n d i r este Zenão c e m o Zenão de os v e r d a d e i r o s eruditos socialistas, especialmente os p o p u l i s t a s rus-
Citião, f u n d a d o r d a escola estóica). Por conseguinte, este método sos (narodniki)
não precisava de ser descoberto, e. c o m o d i z W u n d t , " i n t r o d u z i - l o n o
Todavia, os m a r x i s t a s , s a i n d o à estacada, não se c a n s a r a m de
socialismo constituiu um péssimo trabalho, porque, alterando as
afirmar, à g u i z a de contestação, q u e os s o c i a l i s t a s e os anarquistas
i d e i a s , t r a n s f o r m o u os m a r x i s t a s e m sofistas".
que não c o n c o r d a v a m c o m eles não p a s s a v a m de " b u r g u e s e s " e do
"utepistas ignorantes". L o g o , as vozes dos adversários f o r a m abafa-
10. a descoberta — " O método i n d u t i v o , que Bacon e Locke trans- das pelo coro dos p r o d u t o r e s de elogios. A veneração por K a r l M a r x
p o r t a r a m p a r a a filosofia, d e u o r i g e m ao curso metafísico das i d e i a s " e Engels cresceu e fortaleceu-se cada vez mais. E os m a i s fortes
fEngels). n e s t a i d o l a t r i a f o r a m os a l e m ã e s .

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E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O
V A R L A N T C H E R K E S O F F

t a , e n q u a n t o q u e t o d o s os i n s t r u m e n t o s d e p r o d u ç ã o d e v e m ser c e n -
"Na sua luta gigantesca — gritava enfaticamente Augusto Bebei
tralizados nas mãos do Estado.
— a Alemanha foi o guia da humanidade". E "não é u m acidente
f o r t u i t o a descoberta e a fixação, pelos alemães, das leis seguras da Mas i s t o n ã o é c o m u n i s m o , e s i m opressão, d i s c i p l i n a , s e r v i l i s -
evolução s o c i a l e d a s bases c i e n t i f i c a s d o socialismo. O primeiro mo, escravidão.
l u g a r e n t r e esses a l e m ã e s c o r r e s p o n d e a M a r x e a E n g e l s " (A M u l h e r Os comunistas e socialistas de 1848 u s a v a m duma linguagem
e o Socialismo). muito diferente. Comecei a comparar o "Manifesto Comunista"
com os e s c r i t o s d e s s a época, e v i , c o m o m a i o r assombro, que, n a s
"Da mesma forma que as descobertas de K e p l e r e de Newton
suas l i n h a s gerais e nas suas ideias teóricas fundamentais, esse
sobre o m o v i m e n t o dos corpos celestes, a d e s c o b e r t a de K a r l Marx
"Manifesto" é simplesmente u m a cópia do "Manifesto" de Victor
das leis d a evolução e d a expressão c a p i t a l i s t a s d a indústria apre-
Considerant, isto é — a copia do t r a b a l h o d u m indivíduo que não
senta-se como u m facto c i e n t i f i c o irrefutável. A o " C a p i t a l " de Karl
era c o m u n i s t a n e m revolucionário. Até as dez "medidas" práticas
M a r x c h a m o u - s e a "Bíblia d a classe o p e r á r i a " . . . M a s , esta designação
do " M a n i f e s t o C o m u n i s t a " , sobre a monopolização c o m p l e t a da vida
q u a d r a m e l h o r ao " M a n i f e s t o C o m u n i s t a " , porque representa a quin-
s o c i a l p e l o E s t a d o , c s e x é r c i t o s p r o l e t á r i o s , e, e s p e c i a l m e n t e , a orga-
ta-essencia do socialismo". (Kautzky, n a sua biografia laudatória
nização do t r a b a l h o n o c a m p o , f o r a m p l a g i a d a s de u m o u t r o fran-
d e E n g e l s . e s c r i t a n a época e m q u e éste a i n d a v i v i a e p a r a a qual
cês q u e i g u a l m e n t e não e r a c o m u n i s t a n e m revolucionário. Essas
d e u o seu tácito consentimento).
" m e d i d a s " f o r a m r o u b a d a s a V i d a l , q u e as t i n h a elaborado metodi-
" N o d i a e m que apareceu o " M a n i f e s t o C o m u n i s t a " , a b r i u - s e u m a
c a m e n t e , e m f o r m a de projetos-de-lei, obedecendo a u m sistema c o m -
nova era" (Arthur Labriola).
pleto ar. r e f o r m a s sociais e estatais O resto das ideias f u i encon-
A fama do a u t o r desta "grande, embora pouco volumosa obra"
t r á - l o n o l i v r o de B u r e t , u m f o u r i e r i s t a e r e f o r m a d o r pacifico. O
(palavras de P l e k a n o f f ) cresceu e encheu a mundo inteiro. Em
seu l i v r o i n t i t u l a - s e D a miséria d a classe operária n a I n g l a t e r r a e n a
t o d o s o s países f o r a m g l o r i f i c a d a s a s t e o r i a s d e M a r x . E. d e acordo
França. Q u a n d o , e m 1840, a A c a d e m i a f r a n c e s a de Ciências o rece-
com elas, os camponeses e todos os seres d e v e m , em benefício da
beu, teceu-lhe u m grande elogio. E E n g e l s , q u e c o n t a v a , e n t ã o , 23
humanidade, empobrecer-se, perder a terra a trabalhar fatigante-
a n o s tce i d a d e , v e r t e u - o p a r a o a l e m ã o e p u b l i c o u - o , c o m o s e u n o r n c ,
mente p a r a t o d o s os c a p i t a l i s t a s . Os verdadeiros amigos do povo
como se fosse sua própria obra! Sobre isto, diz-nos o professor
sentiam-se l o u c o s ao e n c a r a r estes l u g a r e s - c o m u n s sobre a necessi-
Andler: " O l i v r o d e E n g e l s é, a p e n a s , a redação, l i g e i r a m e n t e m o d i -
dade d a miséria e do e m p o b r e c i m e n t o progressivos; mas, a grande
f i c a d a , d a o b r a de B u r e t " .
m a s s a dos i g n o r a n t e s m a r a v i l h o u - s e e e n t o o u h i n o s à s a b e d o r i a dos
autores de s e m e l h a n t e s teorias. Em face disto, aciarou-se p a r a m i m a o r i g e m das pérolas " c i e n -

O q u e se t o r n o u e s p e c i a l m e n t e cómico f o i i s t o : elogiou-se, d u m tíficas" destes i n i m i g o s d a classe c a m p o n e s a . E reconheci: Marx

modo particular, o "Manifesto Comunista"; m a s , sobre o comu- o Engels não descobriram nenhuma espécie de l e i científica para

nismo propriamente dito, não se encontra nesse manifesto quase o socialismo. A s u a t e o r i a d o e m p o b r e c i m e n t o necessário dos c a m -

nenhuma palavra. N e m sequer a d i v i s a de t o d o s os c o m u n i s t a s — poneses é o f r u t o do j o g o dialético que g r a v i t a e m t o r n o d u m pensa-

I g u a l d a d e p a r a t o d o s os seres h u m a n o s ; de c a d a u m s e g u n d o as s u a s m e n t o desumano e selvagem, e s t r a n h o ao socialismo. Em nenhuma

f o r ç a s , e a c a d a u m s e g u n d o a s s u a s n e c e s s i d a d e s — se m e n c i o n a , u m a p a r t e — n a n a t u r e z a , n a história, n a e c o n o m i a , n o s o c i a l i s m o — exis-

única, vez, n o " M a n i f e s t o " . Nesse documento fala-se do monopó- tem semelhantes monstruosidades como g r a u s necessários de evolu-

lio do Estado, d a organização do exército dos t r a b a l h a d o r e s , do t r a - ção p a r a a realização prática do socialismo. Sustentar, e m nome

b a l h o obrigatório, d a c u l t u r a d a t e r r a , segundo u m p l a n o g e r a l e sob d a ciência, o benefício o u a necessidade do empobrecimento progres-

o m a n d o dos superiores, daqueles a quem, conforme nos diz Engels, sivo dos camponeses, é u m a injúria cometida conscientemente con-

será e n t r e g u e , p o r c o m p l e t o , a classe c a m p o n e s a , estúpida e famin- tra a ciência, c o n t r a o s o c i a l i s m o e c o n t r a a h u m a n i d a d e .

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

Confesso, leitor, que, quando descobri que o empobrecimento " i g n o r â n c i a " , a m i n h a " f a l t a de decoro" e o meu "absoluto desco-
necessário do povo t i n h a sido pregado, como a m a i s a l t a das ver- nhecimento da literatura socialista francesa de 1840".
dades, p o r plagiários e pelos seus m a i s f e r v o r o s o s crentes, p o r sequa- Ao mesmo tempo, K a u t z k y cita Louis Blanc e a sua obra sobre
zes d e s l u m b r a d o s e p o r i g n o r a n t e s , a m i n h a a l e g r i a n ã o t e v e l i m i t e s . a organização do trabalho, publicada em 1839. Mas como, n a opi-
E d e s t a m i n h a a l e g r i a c o m p a r t i l h a r a m os v e r d a d e i r o s , os autênticos nião dêie, eu ignoro a literatura socialista francesa de 1840, ddr-
amigos do povo, que me animaram e auxiliaram moralmente nos lhe-ei que no p r i m e i r o c a p i t u l o do m e u l i v r o Páginas d a História do
m e u s t r a b a l h o s de investigação. A p r o v a de t u d o isso encontrei-a Socialismo; d o u t r i n a s e atos d a social-democracia, escrevi: "Na sua
em 1893, q u a n d o comecei a p u b l i c a r , sob a forma de monografia, "Revue du Progrés", que começou a editar em 1839, i n i c i o u Louis
as conclusões a q u e cheguei. Essas monografias foram traduzidas B l a n c a publicação d o seu sistema de socialismo de Estado..."
e m q u a s e t o d o s os i d i o m a s europeus.
Não é estranho que Kautzky, supondo-me desconhecedor da
Aparte as m i n h a s crónicas sobre a concentração do c a p i t a l , os
l i t e r a t u r a socialista francesa de 1840, p e r s i s t a n e s s a afirmativa, va-
resultados das referidas i n v e s t i g a ç õ e s só f o r a m publicados em ale-
lendo-se quase das m i n h a s p a l a v r a s (escritas há u n s p o u c o s de lus-
mão, em 1905. Neste ano, o camarada austríaco Pierre Ramus
tros) para defender o seu p a t r i a r c a ? E assim que, n o u t r a página
traduziu as minhas investigações sobre o plágio do manifesto de
de Neuen Zeit, querendo demonstrar o meu desconhecimento e o
V i c t o r Considerant p o r M a r x e Engels, e i g u a l m e n t e p u b l i c o u o meu
desconhecimento de Labriola da literatura socialista do ano 40,
trabalho, em que afirmo, documentadamente, que Engels pegou no
Kautzky faz esta afirmação: "Observa-se que é uma pura casua-
l i v r o de Buret, traduziu-o para a s u a l í n g u a , e, depois, mandou-o
lidade que T c h e r k e s o f f e Labriola vejam no Manifesto de Conside-
imprimir c o m o seu n o m e , c o m o se fosse o b r a s u a ! A estes t r a b a -
rant as fontes secretas das ideias do Manifesto Comunista. Da
lhos j u n t o u Ramus u m artigo do social-democrata italiano Arthur
mesma f o r m a as p o d e r i a m t e r e n c o n t r a d o n o l i v r o de L o u i s B l a n c ,
L a b r i o l a , que confirma plenamente as m i n h a s descobertas.
o u nos l i v r o s de q u a l q u e r o u t r o s o c i a l i s t a daquele tempo".
Esta circunstância levou Karl Kautzky a publicar u m artigo
Se K a u t z k y t i v e s s e lido a m i n h a obra — e a d m i t i n d o sempre a
n o n . ° 47 d a N e u e n Zeit (de 18 de a g o s t o de 1906) contra o folheto
sua sinceridade n a q u i l o que lê — n u n c a escreveria as f r a s e s ante-
editado p o r R a m u s , a r t i g o que apareceu, quase ao m e s m o tempo, em
riores, visto que, e m lugar de me refutar, confirma e fortifica a
russo, c o m o f o l h e t i m de u m j o r n a l social-democrático d a Geórgia. O
m i n h a demonstração. Nesse t r a b a l h o , d i g o e u : "Que fraco é Kau-
a r t i g o foi escrito especialmente contra m i m e contra Labriola, visto
t z k y n a defesa das pérolas e das descobertas de M a r x e E n g e l s ! Se
que Ramus apenas coligiu o m e u trabalho. Mas Labriola foi mais
náo soubéssemos q u e , e m t e m p o s , ê l e comparou o Manifesto Comu-
longe: teve a coragem e o valor de comparar, de acordo com o
nista à Biblia e os seus autores a Kepler e a Newton, devíamos
m e u p e d i d o , o m a n i f e s t o de V i c t o r C o n s i d e r a n t c o m o manifesto de
supor que êle p r o c u r a , apenas, r i r - s e dos seus mestres e dos seus
Marx-Engels; e, c o m o consequência disso, a f i r m g u que "Tcherkesoff
leitores! A m i n h a demonstração, v e r i f i c a d a por Artur Labriola, de
dizia a verdade quando sustentava que o Manifesto Comunista é
que t o d a s as ideias f u n d a m e n t a i s do M a n i f e s t o de M a r x - E n g e l s sobre
apenas u m a tradução do M a n i f e s t o de V i c t o r Considerant,, oa qual
a luta-de-classes, a c o n c e n t r a ç ã o d o c a p i t a l , a s c r i s e s de produção,
Marx e Engels não acrescentaram nem u m a sílaba sequer daquilo
a r e v o l t a d o s t r a b a l h a d o r e s c o n t r a o c a p i t a l , n u m a p a l a v r a , à. m i n h a
que eles d i z i a m ser descobertas "suas".
a f i r m a ç ã o de q u e t o d a s as i d e i a s q u e c o n s t i t u e m o M a n i f e s t o Comu-
"O a r t i g o d e K a u t z k y d i r i g e - s e , como disse, e s p e c i a l m e n t e contra nista e o marxismo, foram roubadas, por completo, a Victor Consi-
m i m , m a s , c o m o p o s s o p r o v a r , K a u t k y n ã o se d e u a o t r a b a l h o d e ler derant, respondeu Kautzky com a seguinte confissão:
o a r t i g o de Labriola no original italiano. E f o i essa a causa que
"Certamente que todas estas ideias já se e n c o n t r a v a m descritas
l h e d e t e r m i n o u o b o m gosto de r e p r o v a r o m e u " i d i o t i s m o " , a m i n h a
no manifesto de V i c t o r Considerant".

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

Quer dizer: M a r x e Engels não p r e c i s a r a m de as descobrir. Ora, isto. Até 1880 n ã o se falou novamente de semedhante manifesto.
e u n u n c a disse o u t r a coisa. M a s , p o r que razão é que K a u t z k y a n d o u E quando escritores ignorantes disseram ao povo, n a s suas p u b l i c a -
m a i s d u m q u a r t o de século a a f i r m a r q u e " t o d a s as i d e i a s d o M a n i - ções políticas, que "as ideias basilares do Manifesto constituem
festo C o m u n i s t a " f o r a m descobertas por M a r x e Engels? Porque é importantes descobertas de M a r x " ; e quando se começou a com-
que K a u t z k y os c o m p a r o u a o g r a n d e N e w t o n ? Porque f o i que Bebei p a r a r M a r x e E n g e l s a K e p l e r e a N e w t o n , é q u e nós lembrámos aos
a f i r m o u solenemente aos operários alemães q u e " t o d a s as leis sociais engraxates, que, graças ao seu desconhecimento geral das coisas,
tinham sido descobertas por M a r x e Engels", quando é certo que esqueciam a l i t e r a t u r a s o c i a l i s t a d e 1840. P o r q u e , se a conhecessem,
os socialistas franceses d e 1840 j á as c o n h e c i a m e q u e V i c t o r Consi- não atribuiriam aos seus mestres aquilo que já estava descoberto.
derant as expôs b r i l h a n t e m e n t e n a s páginas d o s e u Manifesto? Num trabalho muito documentado e imparcial, demonstra o
Em face disto, Kautzky disse: Victor Considerant já estava sábio professor francês Andler nue as c h a m a d a s "descobertas" de
esquecido. E os discipulos deste fourierista, membros da Inter- K a r l M a r f x e F r i e d r i c k E n g e l s " n ã o são senão as opiniões, geralmente
nacional, como Biirkli, por exemplo, nunca disseram que M a r x e coerentes, dos socialistas de t o d a s as escolas até 1848". E Seignobs
Engels p l a g i a r a m Victor Considerant! afirma, n a s u a História da E u r o p a Contemporânea, o seguinte:
M a s , s e r i a V . C o n s i d e r a n t o único esquecido pelas massas operá- "Já antes d e 1848 se f a l a r a d a e x p l o r a ç ã o d o h o m e m pelo ho-
r i a s a e 1850 e 1860? D e 1862 a 1870 n ã o se f a l o u , n a s sessões o u n a m e m , do d i r e i t o ao t r a b a l h o , d a m a i s - v a l i a , d a a n a r q u i a , d a social-
imprensa da Internacional, do Manifesto Comunista de K a r l Marx. d e m o c r a c i a , d a luta-de-classes, do p a r t i d o político operário, d a asso-
Ora, isto leva-nos a a f i r m a r que não só C o n s i d e r a n t , m a s t o d a a ciação i n t e r n a c i o n a l dos t r a b a l h a d o r e s , d a libertação d o p r o l e t a r i a -
literatura socialista de 1840 e a t é o próprio Manifesto Comunista do, d a organização d o t r a b a l h o , d a associação dos p r o d u t o r e s . Tam-
foram esquecidos d a s gerações operárias de 1860. A r e a ç ã o q u e se bém antes dessa época, j á se tinham apresentado projetos de lei
seguiu à revolução de fevereiro de 1848 p e r s e g u i u duramente os p r o t e g e n d o o t r a b a l h o , sobre a socialização d a p r o p r i e d a d e , o impos-
socialistas e exterminou-lhes t o d a a literatura. to progressivo d a s r e n d a s , a g r e v e g e r a l , as 8 h o r a s d e t r a b a l h o , os
"Os socialistas foram obrigados a ocultar-se e a desaparecer congressos operários".
d a arena política... Aproveitando a s lições d a r e v o l u ç õ e s d e 1848, T o d a s estas ideias t i n h a m sido explicadas satisfatoriamente em
os g o v e r n o s i n t e n s i f i c a r a m as suas medidas contra a propaganda 1843 p o r V i c t o r C o n s i d e r a n t , n o s e u M a n i f e s t o , ao qual M a r x e E n -
r e v o l u c i o n á r i a , e, à s o m b r a dessas m e d i d a s , violentas e arbitrárias, gels f o r a m furtar toda a parte teórica, p a r a a apresentarem como
parecia que o m o v i m e n t o socialista estava completamente esmaga- a súmula do m a r x i s m o p u r o , e s p e c i a l m e n t e n o p r i m e i r o capítulo do
do. L . R e y b a u d , que escreveu u m a história d o s o c i a l i s m o , d i z sobre Manifesto Comunista. A t é o título deste p r i m e i r o capítulo — Bur-
o assunto: " O socialismo m o r r e u , e falar dele significa p r o n u n c i a r gueses e Proletários — f o i r o u b a d o a Considerant.
uma oração fúnebre". E s t e capítulo, m u i t o i m p o r t a n t e , d o M a n i f e s t o , c o n t é m 350 l i n h a s .
Assim se e x p r i m e Charles Seignobs n a s u a História d a Europa E, comparando os dois textos, encontramos 36 concordâncias em
C o n t e m p o r â n e a , d e 1903. ideias e no texto. Por outras palavras: a cada ideia plagiada
N o seu prefácio p a r a a edição inglesa d o M a n i f e s t o Comunista. correspondem 10 l i n h a s . Ambos os manifestos principiam quase
Engels escreveu, em 1888, q u e esse m a n i f e s t o t i n h a sido esquecido. textualmente pela mesma genaralização histórica, e as conclusões
A e d i ç ã o a l e m ã desse p l á g i o a p a r e c e u e m 1872. É, p o i s , u m mila- teóricas de a m b o s terminam igualmente c o m a proclamação, como
gre que Búckli e o u t r o s n ã o nos falassem cio e s q u e c i d o manifesto, base f u n d a m e n t a l de u m a s o c i e d a d e l i v r e e solidária.
que se t i n h a convertido numa raridade bibliográfica? Para apresentar a prova concludente do plágio cometido por
Os internacionalistas não conneceram o Manifesto Comunista, Marx-Engels do m a n i f e s t o de V i c t o r C o n s i d e r a n t , expus m i n u c i o s a -
e, p o r c o n s e g u i n t e , n ã o se o c u p a r a m dele. E K a u t z k y devia saber mente a s 36 c o n c o r d â n c i a s , u m a s a o p é das o u t r a s . M a s isto não

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V A R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

a g r a d o u , de n e n h u m m o d o , a K a r l K a u t z k y . E êle, p a r a d e m o n s t r a r comissão especial para as r e f o r m a s s o c i a i s , a q u a l se r e u n i a s o b a


a i n s t a b i l i d a d e d a s m i n h a s afirmações, t o m o u u m a delas e escreveu: presidência d o próprio Louis Blanc o u do mecânico Albert, ambos
"Pergunto, e m vão: onde se e s c o n d e o p l á g i o , o n d e estão as ideias membros do governo republicano. Antes de 1848, h o u v e também
roubadas p o r M a r x Engels a Considerant?" na A l e m a n h a m u i t o s socialistas. A l é m de S c h u s t e r , W e i t l i n g e Grún,
K a u t z k y escreveu estas p a l a v r a s n u m dos seus a r t i g o s , m a s , n o u - muitos outros escreveram sobre o socialismo. Lourenço S t e i n publi-
tro — como já vimos — d i z o q u e se s e g u e : "Certamente que todas cou,, e m 1842. u m l i v r o n o t á v e l s o b r e o s o c i a l i s m o f r a n c ê s . E e m 1847
estas ideias já se encontravam no manifesto de Victor Conside- apareceu u m a segunda edição deste livro, correta e aumentada, em
rant". O r a , e r a i s t o o q u e êle h a v i a de demonstrar. dois volumes.
Mas eu estou m u i t o agradecido ao chefe social-democrata pela Repito: seria d u m a estupidez a t o d a p r o v a sustentar que o socia-
sua espontânea confissão. As ideias são as mesmas, o começo é i s m o se d e s e n v o l v e r a por m i o do Manifesto Comunista. Deste ma-
idêntico, e idênticas são as conclusões sobre a e s c r a v a t u r a , m o d i f i c a d a nifesto saíram apenas algumas centenas de e x e m p l a r e s em alemão,
pelo feudalismo. E Kaufzky podia, ainda, perguntar ironicamente: m a s a edição dele não f o i f e i t a n a A l e m a n h a , e simi e m L o n d r e s . Para
"'Porventura a existência da escravidão nos tempos antigos e da o vulgarizarem, M a r x e Engels f o r a m demasiado hábeis, procedendo,
servidão n a idade-média também são ideias descobertas por Victor especialmente o último, d u m m o d o muito curioso: Engels, com o
Considerant? O n d e está o p l á g i o ? " . tácito c o n s e n t i m e n t o de K a r l M a r x , a f i r m o u aos t r a b a l h a d o r e s ale-
O p l á g i o e n c c n r r a - s e n a s r e f e r i d a s 36 p a s s a g e n s c o n c o r d a n t e s m ã e s d e 1880 q u e o s o c i a l i s m o n ã o p o s s u i u , a t é 1848, n e n h u m a b a s e
com o " p e n s a m e n t o f u n d a m e n t a l do Manifesto", que K a u t z k y não cientifica e q u e só e x i s t i a n o s c é r e b r o s c o m o u m a ameaça c o n t r a a
quer ver. M a s a s p r i m e i r a s c i t a ç õ e s m e n c i o n a d a s p o r êle c o n s t i - b u r g u e s i a e n d i n h e i r a d a , o u c o m o u m a aspiração generosa, u m a alu-
t u e m j á u m a p r o v a de q u e a construção teórica, c o m o as conclusões cinação de poetas. Igualmente assegurou aos trabalhadores que
d e a m b o s o s m a n i f e s t o s , são a s m e s m a s . E i s t o n ã o h a v i a de ser u m t o d a s as v e r d a d e s c i e n t í f i c a s e as b a s e s d o s o c i a l i s m o e s t a v a m con-
plágio? tidas nas descobertas a q u e j á a l u d i m o s , e q u e essas d e s c o b e r t a s eram
Não! — g r i t a o "científico"' guardião do general do m a r x i s m o . d e l e s e só d e l e s , v i s t o q u e as e l a b o r a r a m ' e p u b l i c a r a m n o s e u M a n i -
Só se l h e p o d i a m chamar plagiários, "se Marx e Engels tivessem festo, e m 184u. A s s i m e s c r e v e r a m , e assim o p r o c l a m a r a m , do alto d a
s u s t e n t a d o que c o m o M a n i f e s t o C o m u n i s t a começa o socialismo do t r i b u n a , M a r x e Engels.
século 19. E n t ã o , s i m ; e n t ã o , é q u e n ã o p o d i a m f u g i r a esse e p í t e t o " . No seu segundo prefácio para o Manifesto Comunista, escreveu
De modo n e n h u m , apreciado patrão d a ciência social-democrá- Engels, t e x t u a l m e n t e : "Eis o pensamento f u n d a m e n t a l do Manifes-
tica! Se Marx e Engels tivessem afirmado isso, não «geriam pla- to: I A produção económica e a e s t r u t u r a s o c i a l necessária duma
giários: seriam imbecis. M a s a i n d a n i n g u é m os c l a s s i f i c o u d e e s t ú - épioca h i s t ó r i c a c o n s t i t u e m a base d a história p o l i t i c a e i n t e l e c t u a l
pidos. E , colmo é que eles p o d i a m s u s t e n t a r q u e o s o c i a l i s m o tinha dessa é p o c a ; 2 . E m h a r m o n i a c o m isso, t o d a a h i s t ó r i a t e m s i d o a
c o m e ç a d o c o m o M a n i f e s t o C o m u n i s t a , se o s p r i m e i r o s c o m u n i s t a s , histórias d a s l u t a s d e classes; 3. Essas l u t a s c h e g a r a m , n o m o m e n t o
c o m o B a b e u f e os seus a m i g o s , t i n h a j á caído, n a g r a n d e Revolução presente, a u m p o n t o . . . q u e o p r o l e t a r i a d o nãio p o d e . libertar-se
Francesa, defendendo as suas ideias? S a i n t - S i m o n m o r r e r a e m 1825, d a b u r g u e s i a s e m l i b e r t a r , a o m e s m o t e m p o e d u m a vez p a r a sempre,
deixando atrás de s i u m a escola de jovens e x t r a o r d i n a r i a m e n t e d o - t o d a a sociedade. E s t a i d e i a básica p e r t e n c e , única e e x c l u s i v a m e n t e ,
tados (Augusto Thierry, A. Blanqui, Augusto Comte, etc.) e um a K a r \, E u , E n g e l s , t e n h o - o d e c l a r a d o a - m i u d e ; é preciso, por-
florescente m o v i m e n t o literário. F o u r i e r m o r r e r a e m 1837, e o f o u - t a n t o , q u e e l a f i g u r e no- p r i n c í p i o d o M a n i f e s t o " .
rierismo enchera a F r a n ç a de periódicos, l i v r o s e m a n i f e s t o s , muito E n o s e u prólogo p a r a a tradução i n g l e s a do M a n i f e s t o diz a i n d a
a n t e s de 1848. Louis B l a n c e a sua "organização do t r a b a l h o " exer- Engels, referindo-se às i d e i a s f u n d a m e n t a i s , de q u e n o s f a l a mais
ceram u m a influência t a l , que a Segunda República nomeou uma acima: " E s t a s i d e i a s que, s e g u n d o o m e u p o n t o - d e - v i s t a , estão d e s t i -

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ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A R L A N T C H E R K E S O F F

público. E n e s t a s condições, não d e s e m p e n h a n e n h u m papel especial,


n a d a s a t r a z e r p a r a a ciência histórica o m e s m o progresso que para
quer como membro d o seu p a r t i d o , q u e r c o m o crítico.
as ciências n a t u r a i s t r o u x e r a m as t e o r i a s de C h a r l e s D a r w i n , c o n s -
C e m o que f i c a exposto p o d i a t e r t e r m i n a d o a m i n h a contestação
t i t u e m o f r u t o dos nossos e s t u d o s a n t e s de 1845. Até que ponto me
a Karl Kautzky. Sou, porém, o b r i g a d o a acrescentar a l g u m a s l i n h a s ,
adiantei independentemente nessa direção prova-o suficientemente
visto que o social-democrata em referência a f i r m a , n o seu extenso
o m e u l i v r o A Situação d a c l a s s e t r a b a l h a d o r a n a I n g l a t e r r a . E um
arrazoado, que Victor Considerant não era u m revolucionário, mas
d i a , q u a n d o m e e n c o n t r e i de n o v o c o m K a r l M a r x , e m B r u x e l a s , e m
sim u m partidário das reformas pacíficas. O r a , que descoberta!
1845, e êle m e e x p ô s , c o m p a l a v r a s i g u a i s às m i n h a s , as m i n h a s des-
T o d o o m u n d o sabe q u e os f o u r i e r i s t a s e r a m partidários d a s r e f o r m a s
c o b e r t a s , e u f i q u e i d e t a l m o d o e m b a r a ç a d o , q u e n ã o s a b i a se e s c a v a
pacificas. No seu próprio M a n i f e s t o , C o n s i d e r a n t c h a m a ao seu p a r -
e m p r e s e n ç a d o m e u t r a b a l h o , se e m p r e s e n ç a d o t r a b a l h o d o m e s t r e "
tido "o partido da reforma pacifica", e assim era, e m realidade. Mas,
Os l e i t o r e s c o m p r e e n d e m ? A explicação d a evolução histórica, a
c o m isso, n ã o p o d e g a r a n t i r - s e q u e a s c o n c e p ç õ e s h i s t ó r i c a s e f i l o s ó -
doutrina d a missão das cidades, das comunas e d a s classes sociais
sico-sociais do seu t e m p o fossem desconhecidas do culto e inteligen-
n a h i s t ó r i a e u r o p e i a , e, f i n a l m e n t e , a f o r m a e o c a r á t e r d a e m a n c i -
te pensador f o u r i e r i s t a .
pação social — t u d o isto não é m a i s d o que u m a i d e i a ; e esta ideia
Q u e m quiser dar-se ao t r a b a l h o de c o m p a r a r os d o i s manifestos
não corresponde ao g r a n d i o s o movimento politico e intelectual da
h á de r e c o n h e c e r
1 que o r e f o r m a d o r (pacífico) V i c t o r C o n s i d e r a n t u l -
Europa o c i d e n t a l d o s é c u l o 19, n ã o s e n h o r e s ! Pertence unicamente
t r a p a s s o u e m c l a r e z a os " r e v o l u c i o n á r i o s " K a r l M a r x - F r i e d r i k E n g e l s ,
a Karl Marx e a Friedrik Engels!
a o j u l g a r as c l a s s e s e a l u t a - d e - c l a s s e s , a c o n c e n t r a ç ã o d o c a p i t a l e a
K a u t z k y g a r a n t e q u e se l h e s p o d e r i a c h a m a r p l a g i á r i o s , se M a r x
vitória d a g r a n d e sobre a pequena indústria, o d o m í n i o d o grande
e Engels se t i v e s s e m a t r i b u i d o o papel de f u n d a d o r e s do socialismo
c a p i t a l , a s u p e r p r o d u ç ã o e as c r i s e s , a c o n c o r r ê n c i a e m g e r a l e a c a ç a
no século 19. Mas, peias minhas citações, observa-se q u e Engels
c a p i t a l i s t a aos m e r c a d o s i n t e r n a c i o n a i s , a miséria crescente d a ciasse
r e c l a m a p a r a M a r x n ã o só a p a t e r n i d a d e d o s o c i a l i s m o , c o m o também
operária e a sua r e v o l t a c o n t r a o c a p i t a l i s m o — e m s u m a , todas as
a concepção metódica d a evolução histórica e a d o u t r i n a política d a
ideias que Engels a t r i b u i a M a r x e a s i próprio, e que Bebei, K a u t z k y .
luta-de-classes, i s t o é, n e m m a i s n e m m e n o s q u e t o d a a c i ê n c i a poli-
Plekanoff e ouros p r e g a r a m ao proletariado como a "missão" cientí-
t i c a , económica, social e histórica do século passado.
f i c a d o seu p a r t i d o e n a s quais b a s e a r a m t o d a a sua tática política.
Por mai.s a b s u r d a q u e se n o s a f i g u r e u m a a f i r m a ç ã o d e s t a natu-
É verdade que Considerant era, como socialista, u m reformador
reza, K a u t z k y nao a d m i t e que lhes chamemos plagiários. Permite,
pacifico. M a s o caso é que todos os g r a n d e s fundadores do socialis-
é certo, que lhes c h a m e m o s megalómanos, i l u s i o n i s t a s de grandezas,
mo foram reformadores pacíficos. Nem Saint-Simon, n e m Fourier,
e t c . , m a s a r e s p e i t o d e p l á g i o , isso é q u e êle n ã o p o d e o u v i r , pois
nem Robert Owen incitaram o povo a construir barricadas. E,
bem. em literatura chama-se plágio ao roubo d u m pensamento ou
todavia, todas as f o r m a s e direções do m o v i m e n t o sindicalista, d a
poesia, d a p á g i n a d e u m l i v r o c u d e u m l i v r o i n t e i r o , q u e se p u b l i c a
greve-geral, e t c . f o r a m , teórica e p r a t i c a m e n t e , f o r m u i a d a s p o r eles.
com u m nome m u i t o diferente do nome do autor. O r a , M a r x e Engels
E q u e são s e n ã o r e f o r m i s t a s - p a c i f i c o - l e g a l i t á r i o s os sociais-democra-
p e g a r a m n o M a n i f e s t o d e V i c t o r C o n s i d e r a n t , v e r t e r a m - n o ao a l e m ã o
t a s d a E u r o p a o c i d e n t a l , c o m as s u a s d o u t r i n a s do m a r x i s m o e c o m as
e p u b l i c a r a m - n o como se f o r a a sua própria o b r a . E Engels fez o
suas fórmulas d a missão a u t o d e t e r m i n a d o r a d a s condições d a p r o d u -
mesmo c o m o l i v r o de B u r e t D a miséria das classes t r a b a l h a d o r a s
ção n a v i d a social?
na Inglaterra e n a França. E isto p a r a K a u t z k y não é u m plágio.
As condições d a produção c o n s t i t u e m o r e s u l t a d o d o desenvolvi-
En*ao. que diabo será?
m e n t o e d a t r o c a d a produção, m a s não d a a t i v i d a d e e d a i n i c i a t i v a
Sobre a a f i r m a ç ã o de E n g e l s , de q u e fez u m a descoberta, deve-
dos revolucionários. Nesta doutrina inteira do i n f l u x o auto-deter-
mos rir-nos a bandeiras despregadas, visto que a sua apropriação
m i n a d o r d a s c o n d i ç õ e s d a p r o d u ç ã o s e g u n d o os h o m e n s n á o h á e s p a ç o
d u m t r a b a l h o que l h e n ã o p e r t e n c i a d e v e ser e x p o s t a no pelourinho

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V A R L A N T C H E R K E S O F F

a l g u m p a r a os revolucionários. Como a melhor prova disso, pode-


m o s apresentar a própria social-democracia. N a s u a existência de
c i n q u e n t a e t a n t o s a n o s n ã o h á u m só a c o n t e c i m e n t o revolucionário
que criasse alguma coisa para o socialismo. Pelo contrário: con-
denou, franca e abertamente, todos os movimentos operários da
Espanha, d a Itália e d a França. E obedecendo a Engels, a social-
APÊNDICES
-democracia repudiou a greve-geral. Toda a s u a força t e m p o r f i m
conseguir i m p o r t a n t e s cargos e s t a t a i s p a r a o s seus chefes, por via
d a s eleições p a r l a m e n t a r e s a b u r g u e s a d a s . H á m a i s de q u a r e n t a a n o s
M A R X E AS I D E I A S LIBERTÁRIAS
que a social-democracia n ã o se o c u p a d e o u t r a coisa. RUDOLF ROCKER
Com que d i r e i t o , pois, K a u t z k y , o teórico do p a r t i d o legal do
1
p a r l a m e n t a r i s m o , o r e p r e s e n t a n t e d a d o u t r i n a d a evolução das c o n -
dições d e produção, e n ã o o revolucionário d e ação, e x p r o b a a C o n -
siderant a sua qualidade de partidário das reformas legais? E Há alguns anos, pouco depois da morte de F r i e d r i k Engels, o
c l a r o q u e c o m isso propõe-se c o m p r o m e t e r o a u t o r d o M a n i f e s t o da sr. E d w a r d B e r n s t e i n , u m dos m e m b r o s mais conspícuos da comu-
Democracia e o próprio Manifesto. nidade m a r x i s t a , a s s o m b r o u o s seus c o m p a n h e i r o s c o m descobertas
Mas o que é ourioso é que logrará d e s a c r e d i t a r o notável f o u - notáveis. Bernstein manifestou p u b l i c a m e n t e as suas duvidas re-
rierista Victor Considerant, como logrou purificar a memória dos lativamente à exatidão da interpretação materialista da história,
seus mestres d a acusação provadíssima de plagiários. Que nunca da teoria marxista da mais-valia e da concentração do capital.
foram outra coisa Atacou mesmo o método dialético. chegando à conclusão de que
n ã o e r a possível f a l a r d e u m s o c i a l i s m o c i e n t i f i c o . Quando muito,
poder-se-ía a d m i t i r u m s o c i a l i s m o crítico. H o m e m p r u d e n t e , B e r n s t e i n
reservou p a r a si t a i s descobertas até que morresse o velho Engels,
e só e n t ã o as t o r n o u públicas, ante o espanto dos sacerdotes do
marxismo. N e m essa p r u d ê n c i a c o n s e g u i u s a l v á - l o , p o i s o atacaram
por t o d a s as f o r m a s . Kautzky escreveu u m livro contra o herege,
e o pobre E d w a r d B e r n s t e i n viu-se obrigado a declarar, n o congresso
de H a n n o v e r , q u e e r a u m f r a c o p e c a d o r e q u e se s u b m e t i a à d e c i s ã o
da maioria científica.

Entretanto, Bernstein n a d a h a v i a revelado de n o v o . As razões


que opunha c o n t r a os f u n d a m e n t o s da doutrina m a r x i s t a já exis-
tiam q u a n d o êle c o n t i n u a v a a s e r u m a p ó s t o l o f i e l da igreja mar-
xista. Esses a r g u m e n t o s haviam sido tirados da literatura anar-
q u i s t a , e a Única c o i s a i m p o r t a n t e e r a o f a c t o d e t e r - s e v a l i d o deles
um social-democrata muito conhecido. Nenhuma pessoa sensata
negará que a crítica de B e r n s t e i n t e n h a p r o d u z i d o u m a impressão
formidável no campo marxista. Bernstein abalara os fundamentos

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

m o n s t r a n d o que M a r x e Engels não são i n v e n t o r e s dessas d o u t r i n a s


mais importantes da economia metafísica de K a r l Marx, e não é
que durante tanto tempo foram consideradas parte integrante do
de estranhar o alvoroço provocado entre os respeitáveis represen-
seu património i n t e l e c t u a l , e p r o v a n d o que a l g u n s dos m a i s famosos
t a n t e s do marxismo.
trabalhos marxistas, como, por exemplo, o Manifesto C o m u n i s t a , não
Tudo i s s o n ã o t e r i a s i d o t ã o g r a v e se n ã o i n t e r v i e s s e o u t r o i n -
são m a i s do q u e traduções l i v r e s d o francês, f e i t a s p o r M a r x e E n g e l s .
conveniente ainda pior. H á m a i s d e m e i o s é c u l o , os m a r x i s t a s n ã o
E Tcherkesqff obteve o triunfo, t e n d o sido as suas afirmações re-
cessam de pregar que Marx e Engels foram os descobridores do
lativamente ao M a n i f e s t o C o m u n i s t a reconhecidas como verdadeiras
chamado "socialismo científico". Inventou-se u m a distinção arti-
pelo A v a n t i ! , órgão central da Social-Democracia (36), depois de
ficial e n t r e Os s o c i a l i s t a s c h a m a d o s "utópicos" e o "socialismo c i -
haver o autor comparado) o "Manifesto Comunista" cem o "Mani-
entífico" dos m a r x i s t a s , diferença que existe somente n a imaginação
festo da Democracia", de V i c t o r C o n s i d e r a n t , p u b l i c a d o c i n c o anos
destes últimos. N o s países germânicos, a literatura socialista foi
a n t e s do opúsculo de M a r x e Engels.
m o n o p o l i z a d a p e l a s t e o r i a s m a r x i s t a s , e t o d o s os sociais-democratas
O Manifesto Comunista é considerado como u m a das p r i m e i r a s
as c o n s i d e r a m c o m o produtos puros e absolutamente originais das
ebras do "socialismo cientifico" e o conteúdo desse trabalho foi
descobertas c i e n t i f i c a s de M a r x e Engels.
t i r a d o dos escritos de u m " u t o p i s t a " , p o i s o m a r x i s m o i n c l u i Fourier
Ate é s i e s o n h o se d e s v a n e c e u . As m o d e r n a s investigações his-
e n t r e os s o c i a l i s t a s u t ó p i c o s . E esta u m a d a s i r o n i a s m a i s cruéis q u e
tóricas estabeleceram, de maneira indestrutível, que o "socialismo
se p o d e m i m a g i n a r e não c o n s t i t u i , c e r t a m e n t e , u m a recomendação
c i e n t i f i c o " náo é senão u m a consequência das lucubrações dos anti-
favorável ao valor científico do marxismo. Victor Considerant foi
gos s o c i a l i s t a s ingleses e franceses, e que M a r x e Engels se r e v e s t i -
um dos p r i m e i r o s escritores socialistas que M a r x conheceu. Já se
ram c o m penas alheias. Depois d a s r e v o l u ç õ e s d e 1848, i n i c i o u - s e
lhe havia referido quando ainda não era socialista. Em 1842, a
n a E u r o p a u m a reação terrível. A S a n t a Aliança v o l t o u a estender
"Allgemeine Zeitung" atacou a "Rheinische Zeitung", da qual M a r x
a s s u a s r e d e s e m t o d o s os p a í s e s , n o p r o p ó s i t o d e s u f o c a r o pensa-
e r a r e d a t o r - c h e f e . a f i r m a n d o q u e êle s i m p a t i z a v a c o m o c o m u n i s m o .
m e n t o s o c i a l i s t a , que tão riquíssima l i t e r a t u r a p r o d u z i r a n a França.
Marx c o n t e s t o u n u m e d i t o r i a l (37) n o q u a l d i z i a o s e g u i n t e :
Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Itália. Essa literatura
foi quase totalmente entregue ao esquecimento, durante a época "Obras como as d e L e r o u x , C o n s i d e r a n t e e s p e c i a l m e n t e o livro
de o b s c u r a n t i s m o que começou depois de 1848. M u i t a s das obras perspicaz de P r o u d h o n n ã o p o d e m ser c r i t i c a d a s c o m algumas ob-
mais i m p o r t a n t e s f o r a m destruídas, f i c a n d o o seu número reduzido servações superficiais, sendo preciso estudá-las detidamente antes
a poucos exemplares, que encontraram abrigo nalgum canto de de as c r i t i c a r " . O socialismo francês exerceu a maior influência
g r a n d e s b i b l i o t e c a s públicas o u de a l g u n s estudiosos. Só n o s últimos para o desenvolvimento i n t e l e c t u a l d e M a r x , m a s d e t o d o s os e s c r i -
vinte e cinco ou trinta anos essa l i t e r a t u r a foi novamente desco- tores socialistas da França f o i P. J . Proudhon o que mais podero-
berta, e hoje causam admiração as i d e i a s fecundas q u e se encon- s a m e n t e i n f l u i u n o seu espírito. E m e s m o evidente que f o i o l i v r o de
tram nos velhos escritos d a s escolas p o s t e r i i j r e o a Fourier e Saint- Proudhon "Que é a Propriedade?" o que levou Marx a abraçar o
-Simon, nas obras de Considerant, Desami, Mev e muitos outros. socialismo. A s observações críticas de P r o u d h o n sobre a economia
Nessa literatura foi encontrada a origem do chamado "socialismo n a c i o n a l e as d i v e r s a s t e n d ê n c i a s s o c i a l i s t a s d e s d o b r a r a m a n t e Marx
científico". O nosso velho amigo V. Tcherkesoff foi o primeiro um m u n d o novo, e foi principalmente a teoria da mais-valia, t a l
a o f e r e c e r u m c o n j u n t o s i s t e m á t i c o d e t o d o s esses feitos (35), d e - como a desenvolveu o genial socialista francês, que causou maior

(36) " A v a n t i ! " , n.° 6.°, ano 1901.


(35) V. Tcherkesoff: "Pages cTHistoire Socialiste; les précurseurs de
lTnternationale". (37) "Rheinische Zeitung", n.° 289. de 16 de outubro de 1842.

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ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
V A R L A N T C H E R K E S O F F

impressão n o espírito de M a r x . A origem da doutrina da mais-valia, q u a n d o m o r r e u P r o u d h o n , n ã o é possível f o r m a r o u t r a o p i n i ã o . Na


essa grandiosa "descoberta científica" d e q u e t a n t o se o r g u l h a m o s "Miséria da Filosofia" ataca Proudhon rudemente, valendc*-se de
m a r x i s t a s , e n c o n t r a m o - l a n o s escritos de P r o u d h o n . Graças a êle, t o d o s os r e c u r s o s p a r a d e m o n s t r a r q u e as i d e i a s d e s t e n ã o t ê m valor
chegou M a r x a conhecer essa t e o r i a , q u e m o d i f i c o u m a i s t a r d e , d e - nem importância alguma como obra socialista e como crítica da
p o i s d e h a v e r e s t u d a d o os s o c i a l i s t a s i n g l e s e s B r a y e T h o m p s o n . economia política. " O Senhor P r o u d h o n , disse, t e m a desgraça de
Marx chegou a reconhecer publicamente a grande significação ser compreendido de u m modo estranho. Em França êle tem o
científica de P r o u d h o n , e n u m l i v r o , h o j e desaparecido, chamou a d i r e i t o de ser u m m a u e c o n o m i s t a , p o r q u e é a l i c o n s i d e r a d o u m b o m
o b r a de P r o u d h o n " Q u e e a p r o p r i e d a d e ? " " o p r i m e i r o m a n i f e s t o c i - filósofo alemão. Na Alemanha, pade ser u m m a u filósofo, p o i s é
entífico do p r o l e t a r i a d o francês". Essa o b r a de M a r x não f o i r e e d i - aonsiderado o m e l h o r economista francês. Na minha qualidade de
tada pelos marxistas, n e m traduzida para qualquer outra língua, alemão e de e c o n o m i s t a , vejo-me obrigado a protestar contra este
a p e s a r d o s r e p r e s e n t a n t e s o f i c i a i s d o m a r x i s m o t e r e m f e i t o os m a i o - duplo erro". (38) M a r x foi mais longe: acusou Proudhon, sem ofe-
res esforços p a r a d i f u n d i r e m t o d a s as línguas os e s c r i t o s d o m e s t r e . recer n e n h u m a p r o v a , de h a v e r p l a g i a d a o e c o n o m i s t a inglês Bray.
Esse l i v r o f o i e s q u e c i d o n ã a se s a b e p o r q u ê . A s u a reimpressão des- Escreveu: "Cremes ter achado n o l i v r o de B r a y (39) a chave de
cobriria ao mundo o colossal contra-senso e a insignificância de t o d o s os t r a b a l h o s p a s s a d o s , p r e s e n t e s e futuros do sr. Proudhon".
t o d o s cs e s c r i t o s p o s t e r i o r e s de M a r x c o n t r a o teórico e m i n e n t e do
E interessante observar como M a r x . q u e t a n t a s vezes se servia
anarquismo.
de t r a b a l h o s alheios e cujo Manifesto C o m u n i s t a não é senão u m a
M a r x não somente h a v i a sido i n f l u e n c i a d o pelas ideias econó- c ó p i a dó M a n i f e s t o d a D e m o c r a c i a d e V i c t o r C o n s i d e r a n t , d e n u n c i a v a
m i c a s de P r o u d h o n , c o m o t a m b é m se s e n t i a influído p e l a s t e o r i a s outros como plagiários.
a n a r q u i s t a s d q g r a n d e s o c i a l i s t a francês, t a n t o a s s i m q u e n u m dos No Manifesto Comunista Marx apresentou Proudhon como bur-
seus t r a b a l h o s d a m e s m a é p o c a c o m b a t e u o E s t a d o c o m a r g u m e n t o s
guês e c o n s e r v a d o r . (40) E n o a r t i g o necrológica que escreveu no
de P r o u d h o n .
"Sozialdemokrat" (1856) lemos: "Em u m a história rigorosamente
2 c i e n t i f i c a d a e c o n o m i a p o l í t i c a , esse l i v r o ( r e f e r e - s e a " Q u e é a pro-
priedade?) mal mereceria ser citado, porque semelhantes obras
Todos os que t e n h a m estudado atentamente a evolução socia- sensacionais desempenham n a s ciências e x a t a m e n t e o p a p e l de lite-
l i s t a de M a r x reconhecerão q u e a o b r a de P r o u d h o n " Q u e é a Pro- r a t u r a novelesca". No mesmo a r t i g o necrológico r e i t e r a M a r x a afir-
p r i e d a d e ? " f o i que o c o n v e r t e u ao socialismo. Os que não conhecem m a ç ã o de que P r o u d h o n não t i n h a v a l o r c o m o s o c i a l i s t a e e c o n o m i s t a ,
de p e r t o - os p o r m e n o r e s dessa evolução e os que não tiveram a o p i n i ã o j à e m i t i d a n a Miséria d a F i l o s o f i a .
oportunidade de l e r os p r i m e i r o s t r a b a l h o s socialistas de Marx e
E fácil c o m p r e e n d e r que t a i s afirmações de M a r x c o n t r a P r o u d h o n
Engels julgarão e s t r a n h a e inverossímel esta afirmativa, porque em
f o r m a r i a m a c r e n ç a , a c o n v i c ç ã o m e s m o , d e q u e e n t r e êle e o g r a n d e
trabalhos posteriores M a r x f a l a de P r o u d h o n e m a r de troça e de
escritor francês nunca existira o menor parentesco ideológico. Na
d e s p r e z o , e f o r a m p r e c i s a m e n t e esses e s c r i t o s q u e a S o c i a l - D e m o c r a c i a
Alemanha, Proudhon e r a quase totalmente desconhecido. As edi-
t e m publicado e reimpresso constantemente.
ções a l e m ã s d a s s u a s o b r a s , f e i t a s m a i s o u m e n o s e m 1840, e s t a v a m
Deste m o d o t o m o u corpo, pouco a pouco, a o p i n i ã o de t e r s i d o esgotadas. O único l i v r o seu r e e d i t a d o e m alemão h a v i a sido Q u e
M a r x , desde o i n i c i o das suas c a m p a n h a s , u m adversário teórico de
P r o u d h o n e q u e j a m a i s e x i s t i r a e n t r e eles q u a l q u e r c o n t a c t o de i d e i a s .
R e a l m e n t e , q u a n d o se lé o q u e M a r x e s c r e v e u a r e s p e i t o d e P r o u d h o n (38) Marx — "Miscre de l a P h i l o s o p h l e ' . Introdução.

no seu l i v r o "Miséria d a F i l o s o f i a " , n o " M a n i f e s t o Comunista" e no (39) Bray — "Labour's Mirouge and labour's remedy".
(40) Marx-Engels — "Das Kommunisrtishe Mantíest", p. 21.
:artigo necrotógico que publicou no "Sozialdemokrat", de Berlim,

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V A R L A N T C H E R K E S O F F E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O

é a Propriedade? e essa m e s m a edição c i r c u l a r a n u m m e i o muito c o n t i n u o u P r o u d h o n a ser p o u c o c o n h e c i d o n a A l e m a n h a , sendo raros


restrito. E s t a circunstância e x p l i c a o f a c t o de t e r M a r x conseguido os q u e t e n h a m c h e g a d o a v e r i f i c a r a imensa divergência de Marx
apagar os v e s t í g i o s d a s u a p r i m e i r a e v o l u ç ã o como socialista. Que nos seus juízos sobre o grande socialista francês.
a s u a opinião sobre Proudhon era bem diferente a princípio, já o E, entretanto, "A Sagrada Familia" demonstra claramente o
demonstrámos a t r á s , e a s c o n c l u s õ e s q u e se seguem corroboram a processo e v o l u t i v o de M a r x p a r a o s o c i a l i s m o e a poderosa influência
tiOSta a s s e r ç ã o . c.ue s o b r e êle e x e r c e u P r o u d h o n . T u d o o que os m a r x i s t a s a t r i b u e m
Sendo redator-chefe da "Rheinische Zeitung", u m dos órgãos ao m e s t r e , M a r x , n a " S a g r a d a Familia", reconhecia como mérito de
p r i n c i p a i s d a d e m o c r a c i a alemã. M a r x l o g r o u conhecer os escritores Proudhon. Vejamos o que dizia n a página 36: "Todo o desen-
socialistas mais afamados d a França, q u a n d o não era ainda socia- volvimento da economia nacional considera a propriedade privada
lista. J á r e g i s t r á m o s a c i t a ç ã o d e u m e s c r i t o e m q u e M a r x se refere como hipótese i n e v i t á v e l . E s t a hipótese c o n s t i t u i p a r a ela u m f a t o r
a V i c t o r Considerant, Pierre L e r o u x e P r o u d h o n , e não resta a m e n o r incontestável, q u e n e m sequer t r a t a d e i n v e s t i g a r e à q u a l se refere
dúvida de que Considerant e especialmente Proudhon foram os acidentalmente, segundo a expressão de S a y . Proudhon propôs-se
mestres que o atraíram ao socialismo. "Que é a Propriedade?" a n a l i s a r de m o d o crítico a base d a e c o n o m i a nacional, a propriedade
exerceu, s e m dúvida, a m a i o r influência no despertar socialista de privada, e foi a sua, a p r i m e i r a investigação enérgica, ao mesmo
Marx, tanto assim que no jornal citado êle chama Proudhon de t e m p o , considerável e cientifica. Nisso consiste o notável progresso
" g e n i a l " e " o m a i s sagaz e consequente dos e s c r i t o r e s s c c i a l i s t a s " . (41) c i e n t i f i c o q u e êle r e a l i z o u e q u e r e v o l u c i o n o u a e c o n o m i a nacional,
Em 1843, a " R h e i n i s c h e Zeitung" foi s u p r i m i d a pela censura prus- criando a possibilidade de f a z e r d e l a u m a v e r d a d e i r a ciência. "Que
siana. Marx partiu para o estrangeiro. Foi durante esse exílio c a Propriedade"."', de P r o u d h o n , t e m p a r a a e c o n o m i a a mesma i m -
que e v o l u i u p a r a o s o c i a l i s m o . Essa evolução vê-se c l a r a m e n t e nas portância que a o b r a de S a y " Q u e é o T e r c e i r o Estado?" teve p a r a a
suas c a r t a s ao escritor Arnoid Ruge e melhor a i n d a n a sua obra politica moderna".
"A SagTada Família", q u e p u b l i c o u de colaboração com Friedrik E interessante comparar estas palavras de Marx c o m as q u e
Engels. O livro apareceu em 1845 e visava estabelecer polémica escreveu, depois, sobre o g r a n d e teórico d a a n a r q u i a . Na "Sagrada
centra a nova tendência do pensador elemão B r u n o B a u e r . Além Familia", disse que " Q u e é a Propriedade?" foi a primeira análise
de questões f i l o s ó f i c a s , essa o b r a o c u p a - s e também de e c o n o m i a po- cientifica d a propriedad-e privada e que deu a possibilidade de se
l i t i c a e de s o c i a l i s m o , e são p r e c i s a m e n t e essas p a r t e s q u e n o s i n - fazer au economia nacional u m a verdadeira c i ê n c i a , e, n o s e u c o -
teressam . , nhecido artigo necrológico publicado no "Sozialdemokrat", afirmou
D e t o d o s os t r a b a l h o s p u b l i c a d o s p o r M a r x e E n g e l s " A Sagrada que numa historia rigorosamente cientifica da economia a obra de
Familia" f o i o único não t r a d u z i d o p a r a o u t r o s idiomas e do qual Proudhon apenas mereceria ser m e n c i o n a d a . Q u a l a causa de se-
os s o c i a l i s t a s alemães não fizeram nova edição. É verdade qu2 m e l h a n t e contradição? A esta p e r g u n t a os r e p r e s e n t a n t e s do cha-
Franz Mehring, herdeiro literário de M a r x e Engels, publicou, por mado "socialismo científico" a i n d a não d e r a m resposta. Realmente
encargo do Partido Socialista Alemão. "A Sagrada Familia", junta- só p e d e h a v e r u m a explicação: M a r x q u e r i a o c u l t a r a f o n t e e m que
mente c o m outros escritos correspondentes ao p r i m e i r o período da havia bebido. T o d o s os q u e t e n h a m e s t u d a d o a questão e não se
a ç ã o s o c i a l i s t a d o s a u t o r e s , m a s i s s o só f o i f e i t o s e s s e n t a anos mais sintam arrastados pelo fanatismo partidário terão que reconhecer
íarde, e a reedição destinava-se aos especialistas e, p o r s e u custo que esta explicação não é caprichosa.
excessivo, não estava ao alcance d a bolsa dos t r a b a l h a d o r e s . Assim
Sigamos o u v i n d o as manifestações de M a r x sobre a importância
histórica de P r o u d h o n . A p à g . 52 d o m e s m o livro, lê-se: "Proudhon
(41) "Rheinische Zeitung", 7 de Janeiro de 1843. não somente escreveu em favor dos proletários, como também êle

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V A R L A N T C H E R K E S O F F
ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO
próprio é u m proletário, u m t r a b a l h a d o r ; a s u a o b r a é u m m a n i f e s t o
científico d o o r o l e t a r i a d o f r a n c ê s . " nifestado a esse r e s p e i t o . Pelo seguinte extrato desse t r a b a l h o d e
Aqui. como se v ê , M a r x expressa-so em termos precisos, apon- Marx os l e i t o r e s p o d e r ã o j u l g a r :
tando Proudhon como u m expoente do socialismo proletário e afir- "O E s t a d o é i n c a p a z de s u p r i m i r a miséria social e a c a b a r com
m a n d o que a s u a o b r a c o n s t i t u i u m m a n i f e s t o científico d o p r o l e t a - o pauperismo. E q u a n d o se p r e o c u p a c o m esses p r o b l e m a s e resolve
riado francês. E m troca, n o Manifesto Comunista, assegura que fazer alguma coisa, não dispõe de o u t r o s recursos senão a benefi-
Proudhon encarna o socialismo burguês e conservador. Já viram cência pública e as m e d i d a s de caráter administrativo. Frequen-
m a i o r contradição? E m quem devemos acreditar, n o M a r x d a Sa- t e m e n t e n e m isso f a z . N e n h u m Estado pode proceder de o u t r a for-
grada Familia, ou no Marx do Manifesto Comunista? E p o r q u e essa m a , p o r q u e , p a r a s u p r i m i r a miséria, d e v e r i a começar p o r s u p r i m i r - s e ,
divergência? Eis a pergunta que fazemos novamente, e, como é p o i s a c a u s a d o m a l está n a e s s ê n c i a , n a n a t u r e z a d o E s t a d o , e n ã o
n a t u r a l , a resposta é também a m e s m a : M a r x queria ocultar a todos em u m a forma determinada dele, como supõem muitos radicais e
o que devia a P r o u d h o n , e p a r a t a l qualquer m e i o e r a lícito. Não revolucionários que a s p i r a m m o d i f i c a r a e s t r u t u r a e s t a t a l p o r outra
pode haver outra explicação para esse fenómeno. Os meios que melhor, E u m g r a v í s s i m o e r r o a c r e d i t a r q u e a m i s é r i a e os t e r r í v e i s
M a r x empregou m a i s tarde n a sua l u t a c o n t r a Bakúnine evidenciam m a l e s d o p a u p e r i s m o p o d e m ser c u r a d o s m e d i a n t e u m a f o r m a qual-
que êle n ã o se c o n s t r a n g i a na escolha. quer do Estado. Se o E s t a d o r e c o n h e c e a existência de certos males
sociais, t r a t a de explicá-los, seja c o m o leis n a t u r a i s c o n t r a as q u a i s
3 n a d a pode fazer o h o m e m , seja c o m o resultados d a v i d a p r i v a d a , n a
qual não pode imiscuir-se, ou, finalmente, como defeitos da admi-
De c o m o M a r x h a v i a sido influído pelas i d e i a s de P r o u d h o n , até nistração pública. Porisso na Inglaterra a miséria é considerada
mesmo pela concepção anarquista, demonstram-no à saciedade os c o m a consequência de u m a l e i n a t u r a l , s e g u n d o a q u a l os s e r e s h u -
seus e s c r i t o s políticos d a época e m que escrevia no "Vorwaerts", de manos a u m e n t a m e m proporção m a i o r que os m e i o s de v i d a . (42)
Paris. O " V o r w a e r t s " e r a u m p e r i ó d i c o q u e se p u b l i c a v a n a c a p i t a l O u t r o s a f i r m a m que a má v o n t a d e dos p o b r e s é a c a u s a d a sua p o -
francesa e m 1844 e 1845, s o b a d i r e ç ã o d e H e n r i B e r n s t e i n . A sua breza. O r e i F r e d e r i c o G u i l h e r m e , d a Prússia, a c h a v a que a causa
tendência era liberal a princípio, mas, depois do desaparecimento está n o s carações p o u c o cristãos dos ricos, e a C o n v e n ç ã o e o P a r -
dos "Anais Germano-Franceses", Bernstein t r a v o u relações o o m os lamento Revolucionário franceses s u s t e n t a r a m q u e os m a l e s sociais
antigos colaboradores desta publicação, e estes o c o n q u i s t a r a m p a r a são a consequência d o â n i m o contra-revolucionário d e m o n s t r a d o pe-
a oausa socialista. De então por diante, o "Vorwaerts" conver- los proprietários. Por conseguinte, na Inglaterra castigam-se os
teu-se e m órgão o f i c i a l d o s o c i a l i s m o , e n u m e r o s o s colaboradores da p o b r e s , o r e i d a Prússia l e m b r a aos r i c o s o s seus d e v e r e s de cristãos,
e x t i n t a publicação d e A . R u g e , e n t r e eles Bakúnine, M a r x , Engels, e a Convenção Francesa c o r t a v a as cabeças dos proprietários.
H e n r i Heine, George Herwegh, e t c , nele p u b l i c a r a m seus trabalhos. T o d o s os E s t a d o s p r o c u r a m a c a u s a d a miséria nos defeitos for-
No n ú m e r o 63 d o " V o r w a e r t s " (7 d e a g o s t o d e 1844) p u b l i c o u t u i t o s o u i n t e n c i o n a i s d a a d m i n i s t r a ç ã o , e, c o n s e q u e n t e m e n t e , julgam
M a r x u m a r t i g o de polémica i n t i t u l a d o " A n o t a ç õ e s críticas ao a r t i g o possível reduzir o m a l mediante reformas administrativas. Mas o
O r e i d a Prússia e a Reforma Social". Nele estudava a natureza E s t a d o não t e m o p o d e r de e n c o b r i r a c o n t r a d i ç ã o e x i s t e n t e e n t r e a
do Estado e demonstrava a incapacidade a b s o l u t a deste organismo boa v o n t a d e da admintração e a sua incapacidade real, porque, se
para minorar a miséria social e acabar com o pauperismo. As
ideias que o a u t o r desenvolvia nesse a r t i g o e r a m puramente anar-
(42) As ' q u e i m a s " de café, carneirc* e trigo nos nossos dias provam o
quistas e estavam em perfeita concordância c o m a concepção que
contrario. Também as restrições nas culturas e outros processos de destrui-
Proudhon, Bakúnine e outros teóricos d o anarquismo haviam ma- ção dos produtos demonstram que se poderia garantir o bem-estar a todos.
(N. do T r ) .

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V A R L A N T C H E R K E S O F F

assim fora, t e r i a d e a n u l a r - s e a s i m e s m o , j á q u e se b a s e i a na con-


t r a d i ç ã o e n t r e a v i d a p ú b l i c a e a v i d a p r i v a d a , e n t r e os i n t e r e s s e s ge-
r a i s e os p a r t i c u l a r e s . Por isso a a d m i n i s t r a ç ã o acha-se limitada
p o r u m a função e s s e n c i a l m e n t e formal e negativa, pois onde começa
a vida civil t e r m i n a o poder d a administração. O Estado não p o d e
i m p e d i r j a m a i s as consequências de q u e b r o t a m l o g i c a m e n t e as causas
do caráter anti-social d a vida civil, d a propriedade p r i v a d a , do comér- O SOFISMA A N T I - I D E A L I S T A
cio, d a indústria e d a exploração mútua e n t r e os diversos grupos so- DE MARX
ciais. A baixeza e a escravidão d a sociedade burguesa constituem
o fundamento natural do Estado moderno. A existência d o Estado PAULO GILLE
c a escravização d o h o m e m são i n s e p a r á v e i s . Do mesmo modo que o
a n t i g o E s t a d o e a e s c r a v i d ã o a n t i g a ( c o n t r a d i ç õ e s clássicas e francas)
estavam intimamente vinculados enre si, assim também o Estado
"Para a p r o d u ç ã o s o c i a l d e seus m e i o s d e e x i s t ê n c i a , o s homens
m o d e r n o e o a t u a l m u n d o d e n e g o c i s t a s ( c o n t r a d i ç ã o cristã e h i p ó c r i -
— diz K a r l Marx — mantém relações d e t e r m i n a d a s , necessárias e
ta) estão f o r t e m e n t e agarrados u m ao o u t r o " .
independentes de s u a v o n t a d e : relações de produção que correspon-
Esta interpretação essencialmente anarquista da natureza dc
dem a u m determinado e s t a d o de d e s e n v o l v i m e n t o de suas forças
Estado, que parece tão e s t r a n h a e m face das d o u t r i n a s posteriores
produtivas materiais. O c o n j u n t o d e s t a s relações de produção forma
de M a r x , é u m a p r o v a evidente da origem anarquista da sua p r i m e i r a
a e s t r u t u r a e c o n ó m i c a d a s o c i e d a d e , a b a s e r e a l s o b r e a q u a l se e s t a -
evolução socialista. No mencionado a r t i g o , r e f l e t e m - s e os conceitos
lece u m a superestrutura jurídica e politica, à qual correspondem
da critica feita por Proudhon ao Estado, c r i t i c a que teve a sua p r i -
determinadas f o r m a s sociais de consciência. O m o d o de produção d a
meira expressão n o f a m o s o l i v r o Q u e é a Propriedade? Esta obra
vida material condiciona i n globo o processo social, polífico e i n t e -
i m o r t a l exerceu decisiva influência n a evolução do c o m u n i s t a alemão,
lectual da vida. N ã o é a consciência dos h o m e n s q u e d e t e r m i n a a sua
a p e s a r d e se h a v e r êle e s f o r ç a d o , p o r t o d o s os m e i o s n e m s e m p r e n o -
bres, e m n e g a r as p r i m e i r a s fases d a sua atuação c o m o socialista. maneira d e ser, m a s , p e l o c o n t r á r i o , a s u a m a n e i r a d e ser s o c i a l é

N a t u r a l m e n t e , os m a r x i s t a s a p o i a r a m o s e u m e s t r e , e a s s i m desenvol- que d e t e r m i n a a sua consciência. (43)


veu-se, pouco a pouco, o falso conceito histórico sobre as primeiras E i s t o , c o m o se v ê , a r e p u l s a de todo e qualquer valor à força
relações e n t r e M a r x e Proudhon. m o r a l d a determinação-dos acontecimentos humanos. Os s e n t i m e n -

Na Alemanha, principalmente, onde Proudhon, é quase desco- tos, as ideias, o i d e a l , n ã o t ê m eficáa.a própria n e m influência real
nhecido, puderam circular as m a i s estranhas afirmações. Mas, à na vida; são e x c l u s i v a m e n t e as a p a r ê n c i a s ilusórias d e u m d e t e r m i -
medida que vão senão c o n h e c i d a s as i m p o r t a n t e o b r a s d a v e l h a lite- n i s m o m a t e r i a l sobre o q u a l não e x e r c e m ação. O interesse, m a t e r i a l ,
ratura socialista, vê-se que t u d o q u a n t o é denominado "socialismo económico, é o que rege o m u n d o . Este é o t e m a que t e m t i d o êxito
centifico" se d e v e a o s " u t o p i s t a s " , q u e d u r a n t e tanto tempo foram sob o n o m e de "concepção m a t e r i a l i s t a d a história". É isto o que
esquecidos, p o r causa do gigantesco reclamei f e i t o e m t o r n o d a escola um bando d e p a p a g a i e s , c o m o u s e m óculos, i n f a t i g a v e l m e n t e nos
m a r x i s t a , e de o u t r o s fatõres, q u e r e l e g a r a m ao esquecimento a litera- vem repetindo d e s d e h á m e i o século d e g e r m a n i z a ç ã o d o socialismo.
t u r a socialista do p r i m e i r o periouo. N o e n t a n t o , u m dos m e s t r e s mais O que Engels, o a l t e r ego de M a r x , r e s u m i a nestas p a l a v r a s : "As cau-
i m p o r t a n t e s de M a r x , o que l h e d e u as bases d a s u a evolução s o c i a l i s - sas determinantes de t a l o u q u a l metamorfose o u revolução social
ta, foi precisamente Proudhon, o anarquista caluniado e mal com-
preendido pelos socialistas legalitários.
(43) K a r l Marx, " Z u r der Kritik der Polischen Ekonamie, Vorworf*

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E R R O S E CONTRADIÇÕES DO M A R X I S M O
V A R L A N T C H E R K E S O F F

a s s i m , se f a z c a d a v e z m a i s s o c i á v e l , i s t o é, s u s c e t í v e l d e a l t r u í s m o ,
n ã o d e v e m s e r p r o c u r a d a s n a cabeça d o s h o m e n s . . . e sim na meta-
a o m e s m o t e m p o q u e de egoísmo. E q u e t a m b é m é d o t a d o de razão,
morfose d a produção e d a t r o c a " . (44)
o u seja, d a f a c u l d a d e de r a c i o c i n a r , de perceber abstrações e de c o o r -
Examinemos o valor desta afirmação.
denar suas ideias a b s t r a t a s . E desta tríplice n a t u r e z a do homem
procedem, n a c o n d u t a d a a t i v i d a d e h u m a n a , três o r d e n 9 de s e n t i m e n -
*
tos: egoístas, altruístas e i m p e s s o a i s o u ideológicos.
* *
Ideias puras? Razão pura? Não; d e i x e m o s isso aos metafísicos.
S i m , dinâmica cerebral. " D e s d e os sábios e s t u d o s de Fouillée e de
Advirtamos imediatamente q u e e l a se a p o i a e m u m a metáfora, T a r d e , n ã o é p e r m i t i d o i g n o r a r q u e as ideias são forças, e as i m a g e n s
uma metáfora substituída pela realidade e à c ê r c a d a q u a l se r a c i o - sugestões q u a s e h i p n ó t i c a s " , (45)
cina como se se t r a t a s s e d a p r ó p r i a r e a l i d a d e . De facto, não existe
supereestrutura cocial. Apenas há n i s t o u m a expressão metafórica
e metafísica, u m a imaginação g r a t u i t a e arbitrária, s u p o n d o precisa- • *
m e n t e , p o r u m a p e t i ç ã o d e p r i n c í p i o , o q u e se t r a t a d e d e m o n s t r a r :
o nada do ideal e a divindade da matéria. B a s t a a b r i r os o l h o s a E s s a v i d a e e s s a a t i v i d a d e a u t ó n o m a d a s i d e i a s nós, a p e s a r do
r e a l i d a d e p a r a desfazer-se esta ilusão. O que nos m o s t r a , c o m efeito, que diz M a r x , podemos comprová-las, sobretudo n o domínio econó-
o m u n d o social é u m a h a r m o n i a orgãnioa onde as i d e i a s , l o n g e de m i c o , n a s relações económicas que M a r x d e c l a r a independentes da
a p a r e c e r e m c o m o u m ca p u i m o r t u u m , c o m o u m e l e m e n t o m o r t o , s e m vontade dos h o m e n s . " U m fenómeno económico — diz m u i justa-
realidade, pelo contrário, a p a r e c e m como u m elemento vivo, vivendo m e n t e J . de Greef — não é u m fenómeno p u r a m e n t e m a t e r i a l " (46).
de s u a própria v i d a , c o m o u m a força autónoma, por toda a parte E especifica: "Os fenómenos económicos, que e u estou de acordo
presente e ativa. com a escola de M a r x e m conceituar como fenómenos fundamen-
C e r t a m e n t e que o h o m e m n ã o é u m p u r o espírito, e suas ideias, tais da estrutura e da v i d a coletiva, i m p l i c a m elementos ideológicos".
a s s i m c o m o seus s e n t i m e n t o s , e s t ã o a m p l a m e n t e s u b m e t i d o s à i n f l u ê n - (47) E, a i n d a , p a r a m e l h o s c o n c l u i r : "Desde o m o m e n t o e m que u m
c i a d o m e i o m a t e r i a l e m q u e se d e s e n v o l v e , do r e g i m e económico sob fenómeno é social, não é j a m a i s p u r a m e n t e m a t e r i a l " .
o q u a l v i v e . Porém, p o r notável q u e seja esta influência, n ã o é e x c l u - Nada mais verdadeiro. T a n t o é verdade, que E s p i n a s pôde dizer,
siva, não é todo-poderosa. " N e m só d e p ã o v i v e o h o m e m " . T e m êle n o seu admirável l i v r o sobre A s sociedades a n i m a i s , que u m a socie-
outras relações^ a l é m das económicas, o u t r a s necessidades que não d a d e é u m " o r g a n i s m o d e i d e i a s " , e Elisée R é c l u s , e m E v o l u ç ã o e R e -
só a s m a t e r i a i s . E se é, c o m o se t e m d i t o , " f i l h o d e u m a b e s t a " , a volução, p ô d e p o r s u a vez, e c o m razão, escrever: " A seiva faz a árvo-
s u a n a t u r e z a , n ã o o b s t a n t e , está l o n g e d a b e s t i a l i d a d e q u e justifica- re; as i d e i a s f a z e m as s o c i e d a d e s . N e n h u m facto histórico melhor
r i a , até c e r t o p o n t o , a tese m a t e r i a l i s t a . A s u a n a t u r e z a é c o m p l e x a . comprovado".
A o m e s m o t e m p o que necessidades m a t e r i a i s , sente necessidades afeti- Q u e se f e z d e p o i s d a a f i r m a ç ã o de M a r x negando, n a s relações
vas e necessidades intelectuais. U m a s e o u t r a s intervêm, o u p o d e m de produção, a função d a v o n t a d e ? N ã o é v e r d a d e que, m a i s de u m a
I n t e r v i r , n a s s i a s relações c o m o m e i o , e t e s t e m u n h a m a s u a posição n a vez, se t e m c o n f u n d i d o fatalismo e determinismo?... Fatalismo:
escala d a v i ' a. i s t o é, c o n c e p ç ã o s i m p l i s t a d a c a u s a l i d a d e . Determinismo: isto é,
O harr m não é " u m simples a n i m a l egoista". É naturalmente
associávp nasce sociável, como todos os a n i m a i s b i - s e x u a d o s , e, (45) Oh. Recolln, "Solidaires", p. 159.
(46) O . de Greef, " L a Soclologle Economlque", p. 122.
(47) G . de Greef, l d . p. 138.
(44) P. Engels, " H e r m Dilhrlng"s Umwaelzung der Wissenschaft".

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕES DO MARXISMO

negação do absolutismo e do arbitrário n a n a t u r e z a , concepção com- T r a t a - s e , e m ú l t i m a a n á l i s e , d e se s a b e r se t o d a s a s i d e i a s d o h o m e m


p l e x a , sintética, d a e t i o l o g i a dos fenómenos. n ã o s ã o m a i s q u e i d e i a s d e " i n t e r e s s e " e, p o r c o n s e q u ê n c i a , d e p o i s de
O s i m p l i s m o económico, m a t e r i a l i s t a , de M a r x , é tão falso, tão se haver recusado o fatalismo materialista, devemos, definitivamente,
absurdo, c o m o o s i m p l i s m o dos idealistas p u r o s . Ao negar a causa- decidir-nos a a d m i t i r o f a t a l i s m o económico. T a l é o p r o b l e m a que
l i d a d e d a consciência e d a v o n t a d e , desconhece a verdade elementar s u b m e t e a n o s s o e x a m e , n ã o só a i n t e r p r e t a ç ã o m a t e r i a l i s t a , m a s t a m -
d e q u e o h o m e m , s e r v i v e n t e , n ã o é p u r a m e n t e p a s s i v o , p o i s está d o t a - b é m " a i n t e r p r e t a ç ã o económica d a h i s t ó r i a " .
d o de atividade, de movimento, de i n i c i a t i v a ; desconhece a verdade
"Ê perigoso — diz Pascal — fazer ver demasiado ao h o m e m o
f i s i o l ó g i c a de q u e t o d a a a ç ã o c o n s c i e n t e é u m complexo onde inter-
q u a n t o se p a r e c e c o m a b e s t a , s e m m o s t r a r - l h e , e n t r e t a n t o , a s s u a s
vém, c o m o o r i g e m , c o m o f a t o r eficiente, o f a t o r pessoal, o f a t o r psí-
grandezas. Mais perigoso, a i n d a , é a p o n t a r - l h e as suas grandezas,
quico; desconhece, e n f i m , a verdade sociológica de q u e a v i d a social
o c u l t a n d o - l h e as suas baixezas. E ainda mais prejudicial é deixar-
se f u n d a m e n t a n a p s i c o l o g i a c o l e t i v a , d a q u a l e m a n a , p o r a s s i m dizer,
lhe que ignore ambas as coisas. Porém, é de grande vantagem de-
c c m o u m a f l o r do seu caule.
monstrar-lhe u m a coisa e a outra". Julgar o homem incapaz do
Reconhecer, ao contrário, c o m o bom-senso aparte, por mínimo elevar seu pensamento a c i m a d e seus interesses materiais e dos de
que seja de ideação e de p e n s a m e n t o pessoal n a determinação das seus s e m e l h a n t e s não equivale a assemelhá-lo a u m a besta? Negar-
disposições h u m a n a s , é n e g a r a f a t a l i d a d e d o s f e n ó m e n o s económicos, l h e a aptidão p a r a a s ideias a b s t r a t a s , p a r a as ideias superiores, q u a
d e s t r u i r n a s u a base o s o f i s m a a n t i - i d e a l i s t a d e M a r x , d e v o l v e r a v o n - constituem a dignidade de s u a espécie , o u j u l g a r estas i d e i a s como
tade raciocinada do h o m e m , sua dignidade e seus d i r e i t o s . •ãs ilusões, n ã o é negar-lhe, igualmente, a s u a grandeza, a sua
grandeza n a t u r a l , psicológica, i n a t a ? Sim, o homem é u m animal,
• • •ujeito, p o r isso mesmo — suficientemente o sabemos — a todas
exigências, a t o d a s necessidades fisiológicas, d a v i d a a n i m a l ; porém,
t a m b é m é u m ser p e n s a n t e , u m ser d o t a d o de consciência e de razão,
Seja! — dizem-nos. O materialismo estrito, o materialismo p u r o ,
s u s c e t i v e l de c o n c e b e r e de q u e r e r o q u e é j u s t o , e m t o d o s os campos,
é u m erro. A o passo que o econcmismo, não. As ideias, é certo, têm
e m t o d a extenção d a p a l a v r a . Ter u m ideal — u m a ideia abstrata,
sua independência r e l a t i v a e s u a função autónoma, n a produção dos
u m a i d e i a sintética — de a j u s t e e de justiça: eis o que c o n s t i t u i a
fenómenos económicos; p o r é m , u m a v e z p r o d u z i d o s estes, os demais
nobreza e a superioridade h u m a n a s .
fenómenos coletivos não são m a i s que o a u m e n t o f a t a l , a consequên-
cia automática.' Do modo de produção da vida material resulta o E inegável que a i n d a h a m u i t a s c r i a t u r a s h u m a n a s que não pas-
processo social, p o l i t i c o e i n t e l e c t u a l d a v i d a . " A s causas determi- t a m de antropóides, m a c a c o s aperfeiçoados; n ã o se i n t e r e s s a m pelas
nantes de t a l o u q u a l m e t a m o r f o s e o u revolução social não devem ideias abstratas, senão unicamente pelos benefícios materiais que
ser p r o c u r a d a s n a cabeça dos h o m e n s . . . mas sim nas metamorfoses estas lhes possam d a r . P o r é m esses r e t a r d a t á r i o s d a e v o l u ç ã o h u m a -
d a produção e d a t r o c a " . n a , esses s e r e s m e n o r e s em quem ainda d o r m i t a m as v i r t u d e s h u -
A s s i m se d e s f i g u r a o p r o b l e m a , e, p o r t a n t o , f i c a m o s na mesma. manas, não são m a i s que l a v r a s d a h u m a n i d a d e ; n ã o s ã o eles os
Trata-se de saber se o movimento próprio das ideias limita seus que fazem a história h u m a n a . Os que fazem a história, e m t o d o s 0 9
e f e i t o s à " e s t r u t u r a e c o n ó m i c a d a s o c i e d a d e " , e se, p o r conseguinte, terenos, os criadores do p o r v i r , são aqueles a q u e m a n i m a u m a i d e i a ,
t u d o o mais, todo o "processo social, politico e intelectual, d a v i d a " u m a ideia a b s t r a t a , t a n t o m a i s poderosa q u a n t o m a i s sintética e m a i s
não é m a i s que u m ' r e f l e x o m e n t a l " d a realidade económica, u m a justa. A s i d e i a s , d i g a m o q u e d i s s e r e m os m a r x i s t a s , r e g e m o m u n d o .
miragem que ilude esta r e a l i d a d e , se e m t o d o s os d o m í n i o s Oa v i d a Ideia abstrata, não entidade metafísica, não elucubração sem
n ã o se c o n s e g u e a r e l a t i v a i n d e p e n d ê n c i a d o p e n s a m e n t o e d a ação. vínculos c o m a r e a l i d a d e : ideia viva, idéia-fõrça dependente d a física

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS E CONTRADIÇÕBI IM» M M I M - . M M

uúniversal e s u b m e t e n d o - s e às suas l e i s . Seja q u a l fôr a s u a potên- um do outro como duas folhas de u m a m e s m a árvore, ronm «i^i •
cia m o t o r a , a ideia não goza de privilégio a l g u m s o b r e n a t u r a l . Reali- galhos de u m m e s m o tronco? P a r a m e l h o r c o n f i r m a ç ã o , cmt\.
d a d e f í s i c a , q u e é, n ã o e s c a p a , p o r s u p e r i o r e j u s t a q u e s e j a , à p r e s - p e n d ê n c i a r e c í p r o c a d o f a c t o p o l i t i c o e d o faetol e c o n ó m i c o n ã o ó t o o
são do m e i o ; e n ã o se t r a t a — n i n g u é m se e n g a n e — d e p a s s a r d e u m p a t e n t e , t ã o r e a l , q u e se v ê e m m u i t o s h o m e n s e g r u p o s d e h o m e m , ,
s i m p l i s m o ao o u t r o e de s u b s t i t u i r , p o r u m a b s o l u t i s m o idealista, o sem inconsequência alguma, sofrerem a ascendência de u m a das
a b s o l u t i s m o m a t e r i a l i s t a , c u j a i n u t i l i d a d e a c a b a m o s de v e r i f i c a r . causas e repudiarem a outra, mostrarem-se, por exemplo, sólidos
apoios d a l i b e r d a d e de consciência, a o m e s m o t e m p o q u e adversários
* irredutíveis do i n d i v i d u a l i s m o económico? Não é claro, e n f i m , que
• * se a p s i c o l o g i a c o l e t i v a q u e e s t a s i d e i a s e e s t e s f a c t o s t r a d u z e m ressal-
ta, s e m dúvida, e m p a r t e , d e interesses económicos, deriva-se ela,
As ideias sofrem a pressão d a s condições económicas. E esta c e r t a m e n t e e p o r o u t r a p a r t e , de fatõres m o r a i s e i n t e l e c t u a i s , f o r a
p r e s s ã o é t ã o c o m u m , q u e se p o d e a f i r m a r q u e , e m s e u c o n j u n t o , d e l a d e t o d a questão de produção e t r o c a ? N e n h u m h o m e m sensato pre-
depende a vida coletiva. Depende dela, porém não e m derivação, tenderá que todos os " l i b e r a i s " , t o d o s os partidários das liberdades
m a s de s u a o r i g e m . E s t a , ao contrário d o que disse E n g e l s , está " n a ca- p o l i t i c a s t e n h a m v i n d o a sê-lo s o b o i m p é r i o d e i n t e r e s s e s m a t e r i a i s ;
beça dos h o m e n s " . E nós p o d e m o s ver, e m todos os d o m í n i o s da nenhum sustentará que não e x i s t e m e n t r e eles — e em grande nú-
v i d a , c o m o m a n i f e s t a seus efeitos aindependência r e l a t i v a d a s i d e i a s , m e r o — homens, cuja atitude é d i t a d a por u m ideal, por superiores
c o m r e l a ç ã o às c o n d i ç õ e s e c o n ó m i c a s . preocupações d e ideias m o r a i s e filosóficas, e s e m c u i d a d o n e m i n -
N a v i d a política, a n t e s de t u d o , n ã o v e m o s a t o d o o momento, fluência de o r d e m económica.
n o decorrer d a história, a d e s e n f r e a d a agitação dos partidos, e ao
"Se n a s fábricas alemãs — diz Menger (48) — trabalhassem
mesmo t e m p o os golpes-de-Estado fazerem pendant com u m regime
negros o u culis chineses, j a m a i s t e r i a nascido u m a s o c i a l - d e m o c r a -
económico p e r f e i t a m e n t e estável? E , p o r a c a s o , se e n c o n t r a r á u m h i s -
cia, mesmo supondo reunidas toda a s condições prévias d a ordem
t o r i a d o r c o n s c i e n c i o s o q u e t e n t e r e l a c i o n a r tctdc-i o a c o n t e c i m e n t o p o l í -
económica" O que é isto senão dizer-se que o econornismo é u m de-
t i c o d a v i d a de u m a n a ç ã o c o m u m a c a u s a económica, de q u e aquele
t e r m i n i s m o s i m p l i s t a , q u e , se a s c i r c u n s t â n c i a s e c o n ó m i c a s c o n d i c i o -
seria fatal consequência?
nam frequentemente u m fenómeno politico, não o necessitam, não o
Porquê? P o r q u e os h o m e n s e o s p a r t i d o s n ã o l u t a m s o m e n t e p o r
p r o d u z e m , e q u e n ã o são elas, e m ú l t i m o caso, senão o e s t a d o m e n t a l ,
m o t i v o s e causas económicas, m a s s i m t a m b é m p o r m o t i v o s e causas
o estado psicológico d o s atores, seu v e r d a d e i r o f a t o r eficiente?
i n t e l e c t u a i s , c o m os q u a i s o i n t e r e s s e m a t e r i a l nada t e m que ver.
Q u a n d o M a r x e Engels, p o r exemplo, a f i r m a m , e m seu M a n i f e s t o C o -
munista, que a liberdade de consciência, e m seu advento na cena

p o l i t i c a d o m u n d o , n ã o fez m a i s q u e " p r o c l a m a r , n o d o m í n i o d o s a b e r , • *
o r e i n a d o d a l i v r e concorrência", esquecem que, sejam quais forem,
s o c i o l o g i c a m e n t e , as relações orgânicas q u e u n a m os d o i s fenómenos As circunstâncias económicas tampouco bastam para explicar
e os solidarizem, não é m e n o s certo que n a d a p e r m i t e subordiná-los as filosofias, as m o r a i s , as religiões. As religiões, essas filosofias
um ao o u t r o , estabelecer e n t r e eles u m a relação de c a u s a l i d a d e , m e - i n f a n t i s , e s t ã o l o n g e d e ser, c o m o p r e t e n d e m os m a r x i s t a s , u m p u r o
l h o r q u e r e f e r i - l o s a u m a c a u s a c o m u m . E, de f a c t o , não é p r e c i s a m e n - "reflexo" da situação económica; não são elas s i m p l e s m e n t e um
t e esta " i d e o l o g i a " tão d e s d e n h a d a pelo m a t e r i a l i s m o m a r x i s t a a que consolo enganoso, u m a " n u v e m " que oculta a realidade d a vida m a -
s e r e v e l a , n a a n á l i s e , c o m o a c a u s a c o m u m desses d o i s g r a n d e s factos
históricos, concomitantes, porém independentes, tão independentes
(48) Menger, " E t a t populalre du travai!", p. 219.

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V A R L A N T C H E R K E S O F F ERROS i : CONTRADIÇÕES IMl MARXISMO

feriai. N a v e r d a d e , o s e n t i m e n t o r e l i g i o s o é cousa b e m d i f e r e n t e d & E a e c o n o m i a n à o só n á o e x p l i c a a s r o n c n x . o c . s m o i u i . - i «< j u i i r i l


"necessidade económica i n v e r t i d a " e que, e m u m "mais-além" imagi- c a s r e i n a n t e s , que r e s u l t a m d a filosofia, d e s t a derivando, cansclonto
nário, p r o c u r a satisfações q u e f a l t a m neste m u n d o . Concepção muito o u i n c o n s c i e n t e m e n t e , c o m o , p e l o contrário, a s concepções m o r a i s o
p o b r e e ingénua, m u i t o s i m p l i s t a d a génese e d o caráter d a s religiões. jurídicas são a s q u e d ã o a c h a v e d o r e g i m e económico, q u e e l a s d o m i -
Estão são, s o b r e t u d o e em realidade, tentativas de explicação do nam. É preciso i n v e r t e r os t e r m o s d a relação e s t a b e l e c i d a p o r Marx.
Universo e d e seus fenómenos, ensaios antecipados de cosmologia, I n c o n t e s t a v e l m e n t e , n o m u n d o h u m a n o , a concepção cosmológica, a
p r o d u t o s , manifestações d a necessidade de compreender, necessidade concepção jurídica, a concepção m o r a l , r e s u l t a n d o , d e r i v a n d o , umas
intelectual sintética, necessidade filosófica, que caracteriza o de outras, p r e c e d e m , d e t e r m i n a m e r e g e m a organização económica e
.homem e o leva acima dos seus antepassados irracionais. s o c i a l , d e que s ã o a alma.
Pretender que a "ideologia" não seja maia que o efeito da
A s s i m , é f a l s o dizer, c o m a versão m a r x i s t a dos e s t a t u t o s d a I n t e r -
vida material, é verdadeiramente abusar ao paradoxo; é, verda-
n a c i o n a l , que r e s u m e t ã o n i t i d a m e n t e o e r r o d e M a r x e s e u p o n t o - d e -
deiramente, torturar a dialética e o bom-senso. Coimo pretender,
v i s t a metafísico, q u e " a sujeição económica d o t r a b a l h a d o r a o s d e t e n -
por exemplo, q u e as p r é d i c a s d e J e s u s de Nazaré o u as de Buda,
t o r e s dos m e i o s de t r a b a l h o s é a c a u s a p r i m e i r a ( 4 ) d a s u a servidão s o b
Sakya Muni, não foram mais que o resultado de uma revolução
todas as formas". E s t a " c a u s a p r i m e i r a " n ã o é de n e n h u m modo
técnica, de u m a " m e t a m o r f o s e d a produção e d a t r o c a " ? Como pre-
primeira. T e m a s u a o r i g e m n u m a concepção jurídica, n a concepção
t e n d e r q u e t o d o s os d o g m a s c a t ó l i c o s , p r o c l a m a d o s n o c u r s o d a h i s t ó -
proprietária, e é e s t a — b a s e a d a , p o r s u a v e z , e m u m e r r o filosófico,
r i a r e l i g i o s a d o ríosso O c i d e n t e e u r o p e u , n a d a m a i s f o r a m q u e o p r o -
a ilusão a b s o l u t i s t a , a ilusão d a c r i a ç ã o a u t o r i t á r i a — que dá força
duto fatal e o reflexo de s u a história económica? De nada servirá
e vigor, a força m o r a l s e m a qual todo o regime económico é u m
t o d a a s u b t i l e z a sofística dos e x e g e t a s d e M a r x : n ã o c h e g a r á a m a n -
corpo s e m a l m a , u m corpo s e m vida. A verdadeira causa, a causa
ter-se de pé o u a c o b r i r este a b s u r d o : a explicação económica das
religiões e das f i l o s o f i a s . n ã o - p r i m e i r a , p o r é m e f i c i e n t e , d e t o d a servidão s o c i a l e x i s t e n t e , está
n o e s p i r i t o q u e a j u s t i f i c a , n a razão, n a r a z ã o e x t r a v i a d a , iludida,
E se as c i r c u n s t â n c i a s e c o n ó m i c a s n ã o b a s t a m p a r a e x p l i c a r as que a apoia, a s u s t e n t a e l h e dá força e v i d a . C a u s a primeira, não
filosofias e as religiões, c o m o e x p l i c a r i a m as concepções morais e existe. N ã o existe aqui, como e m n e n h u m outro c a m p o . Para nada
jurídicas? E s t a s , p e n s e - s e c o m o se q u e i r a , s ã o d e p e n d e n t e s daquelas. n o s serve e s t a v ã metafísica. E a superstição m a t e r i a l i s t a d e Marx
Se não c r i a d a s e m s e u t o d o , delas ao m e n o s t i r a m u m a boa p a r t e de e q u i v a l e , a n o s s o v e r , à superstição contrária, o i d e a l i s m o p u r o , q u e
seus e l e m e n t o s , e s e r i a difícil, p o r e x e m p l o , c o n c e b e r o direito divino êle tão a s p e r a m e n t e combate.
s e m a religião, c o m o seria difícil conceber uma moral verdadeiramen-
te h u m a n a , u m a m o r a l h u m a n i t á r i a e s e m d o g m a s , f o r a de u m a cos- C e r t a m e n t e , n a d a d e realizações i d e a i s s e m b a s e m a t e r i a l p r o p í -
mologia, f o r a de u m a concepção sintética que a j u s t i f i q u e e que a cia. P o r é m , e s t a n ã o é m a i s q u e a condição, n ã o a c a u s a , n ã o a f o r ç a
inspire. N ã o é t o d a u m a filosofia, t o d a u m a concepção d o U n i v e r s o , m o t r i z do a t o . E de g r a n d e importância não fazer como o m a r x i s -
ao mesmo t e m p o q u e d o h o m e m , o q u e se a f i r m a n e s t e repúdio do mo: c o n f u n d i r condição e c a u s a .
a b s o l u t i s m o e do arbitrário, n e s t a m o r a l de d i g n i d a d e humana, em A força m o t r i z d e n c s s o s a t o s está e m nós, n a s d i v e r s a s n e c e s s i -
q u e j á se p e r c e b e o s a n t o - e - a - s e n h a do pOTvir? dades d a nossa n a t u r e z a . . . E , não obstante, ainda neste ponta se
nos repreende c o m insistência. E preciso — dizem-nos — viver

(49) Redaçào marxista de 1871. A redaçào íranceea primitiva dizia m u i


judiciosamente a origem.

110 111
V A R L A N T C H E R K E S O F F

a n t e s de f i l o s o f a r : P r i m u m vivere; deinde philosopUari. S e m dúvida,


se f i l o s o f a r s i g n i f i c a f a z e r metafísica. M a s de n e n h u m m o d o se s e
trata de p r o c u r a r aquilo que é j u s t o . Vive-se — b e m entendido —
antes de r a c i o c i n a r . P o r é m o q u e é j u s t o , o q u e é j u s t o s o b tod06 os
a s p e c t o s , n ã o é a p r ó p r i a l e i da v i d a , a p r ó p r i a l e i d a força? E o ser
a n i m a d o , q u a l q u e r que seja, a i n d a m e s m o o m a i s i n c o n s c i e n t e , n ã o
está s u j e i t o a e s t a l e i e n ã o t e m o i n s t i n t o d e l a ?
Este i n s t i n t o é o g e r m e da força m o r a l , o g e r m e da d i g n i d a d e
h u m a n a a . S ó o f a c t o de s u a e x i s t ê n c i a f a z do a m o r a l i s m o m a t e r i a -
lista u m a aberração e u m c o n t r a - s e n s o .

«Erros e Contradições do Marxismo» foi editado no Brasil pela


Editora Mundo Livre, de cujo livro tirámos este folheto, e do prólogo
do camarada Dr. Roberto das Neves, do mesmo livro, aproveitámos
para completar outro dos nossos folhetos, chamado «Marxismo; Escola
de Ditadores».
F I M Este trabalho do camarada A. Tcherkesoff tem corrido mundo em
várias línguas com o nome «Marxismo antes de Marx», e com tal pro-
fusão que, se as- pessoas não se agarrassem às ideias políticas com
fanatismo sectário, com superstição religiosa, já a Humanidade se teria
libertado do Marxismo, ultrapassado a luz da razão, da ciência e da
experiência.
A COOPERATIVA CULTURAL EDITORA
FOMENTO ACRATA

112
Composto e impresso nas
oficinas da PRELO - ARTES
GRÁFICAS — Rua Portugal
Durão, 32-A — L I S B O A - 4

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