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AS CONEXÕES ESCRAVISTAS DO BRASIL

NO MUNDO ATLÂNTICO
José C. Curto e Paul E. Lovejoy (orgs.). Enslaving Connections:
Changing Cultures of Africa and Brazil During the Era of Slavery.
Nova York, Humanity Books, 2004. 323p.

Os estudos sobre a história que se ta por Alberto da Costa e Silva, a


desenrolou em torno do Atlântico a quem o livro é dedicado. Poeta e di-
partir do século XVI têm que consi- plomata, ele é hoje o maior conhe-
derar povos em movimento e a for- cedor de história da África pré-co-
mação das novas sociedades resul- lonial no Brasil, assunto sobre o qual
tantes das relações entre a África e publicou quatro importantes livros
a América. Neles a escravidão e o na última década. Em seu texto, Cos-
comércio de gente ocupam o primei- ta e Silva diz que a história do Bra-
ro plano. Destacando as conexões sil “não pode ser escrita sem consi-
que uniram o Brasil e algumas regi- derarmos o que estava acontecendo
ões da África, o conjunto de artigos no outro lado do Atlântico, em cada
reunidos neste livro, que teve origem uma das regiões de onde o Brasil re-
em um encontro realizado na York cebia escravos para povoar e desen-
University de Toronto, em 2000, é volver o seu vasto território.” (p. 24)
uma contribuição valiosa para esses Quanto aos dois artigos seguintes,
estudos. Assim, temos que agrade- estudam o tráfico de uma perspecti-
cer a José Curto e Paul Lovejoy, am- va econômica. Ivana Elbl se volta
bos professores naquela universida- para os primeiros tempos do tráfico,
de, por terem organizado o encon- de cerca de 1450 até 1530, chaman-
tro e o volume, do qual fazem uma do a atenção para os riscos de tal
breve introdução. Nela chamam a negócio, controlado de perto pela
atenção para as perspectivas inova- Coroa portuguesa. Se Elbl busca
doras ali presentes. considerar o tráfico tanto pelo seu
O livro está dividido em três partes, lado europeu como pelo africano,
cada uma delas com quatro artigos. Manolo Florentino dá um panora-
A primeira parte trata do tráfico ma dos mecanismos do comércio de
luso-brasileiro de escravos e é aber- escravos no Rio de Janeiro no início

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do século XIX. Ao estudar o funci- A segunda parte do livro, para a qual
onamento das firmas que comerci- o artigo de Miller serve de ponte,
avam escravos, insere o Brasil no aborda alguns temas ligados à pre-
mercado atlântico e destaca o lugar sença de africanos no Brasil escra-
do capital dos comerciantes vista. Gregory Guy examina os
sediados no Rio de Janeiro. pidgins e dialetos criados a partir das
Essa primeira parte é fechada por línguas de origem dos colonizado-
um artigo inspirado de Joseph res e africanos escravizados, e nos
Miller, no qual ele volta os olhos mostra as influências das línguas
para os processos de construção de africanas sobre o português falado
identidades pelos quais passaram os no Brasil. Sua argumentação, mui-
escravos trazidos para o Brasil. Se- to bem sustentada, defende que a
guindo uma tradição que remonta influência africana no “português
a Melville Herkovits, Sidney Mintz brasileiro” foi grande o suficiente
e Richard Price, Miller propõe a para ser considerada um processo de
historicização da discussão em tor- “crioulização”. Tratando da vida es-
no de “africanismos”, “criouliza- piritual, James Sweet estuda alguns
ção” e conceitos afins, tomando o casos de ritos de adivinhação centro-
caso do Brasil em particular. Pen- africanos realizados no século XVII
sando na grande quantidade de afri- no Brasil. Argumenta que na África
canos que chegavam continuamen- central os adivinhos tinham a função
te, Miller defende a existência de de restabelecer o equilíbrio quando
manifestações culturais basicamen- este era prejudicado, e defende a im-
te africanas na sociedade brasilei- portância desses agentes no interior
ra, mesmo que com as formas trans- de comunidades de africanos escravi-
formadas, por oposição a outras, zados, onde eram inúmeros os moti-
afro-brasileiras, que só passarão a vos de infortúnio. Comparando regis-
predominar a partir da suspensão tros da Inquisição portuguesa com re-
do tráfico atlântico de escravos. latos de missionários que atuaram na
Abarcando do século XVI ao XIX, África centro-ocidental no século
toca muitas questões de interesse e XVII, Sweet traça a continuidade en-
propõe abordagens inovadoras no tre as adivinhações feitas nos dois la-
tratamento da presença de africa- dos do Atlântico, tanto na forma quan-
nos no Brasil, cuja sociedade, en- to no que diz respeito à função que
tretanto, é vista por ele de modo esses ritos tinham — de inquirição
bastante simplificado, o que expres- judicial e controle social. Mas, tam-
sa a sua pouca familiaridade com a bém nesse texto, o conhecimento su-
historiografia brasileira. perficial acerca da sociedade colonial

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brasileira leva a conclusões problemá- gens destes, e a significativa presen-
ticas, como achar que ao recorrerem a ça de escravos “minas”, vindos da
ritos africanos de adivinhação (em costa africana ocidental e desembar-
casos muito pontuais e raros), os se- cados no porto de Salvador, ao lado
nhores brancos concediam uma par- dos escravos centro-africanos, cha-
cela de poder jurídico a negros, ge- mados principalmente de “angolas”,
ralmente escravos. que chegavam do porto do Rio de Ja-
Linda Wimmer trata das formas neiro.
como se organizaram as famílias es- Se a segunda parte do livro trata dos
cravas, do final do século XVII ao africanos no Brasil, a terceira e últi-
início do XIX, em fazendas produto- ma aborda os brasileiros na África,
ras de tabaco no recôncavo baiano, fechando o circuito das relações
perguntando-se qual o papel da transculturais entre essas duas regi-
etnicidade em sua constituição e in- ões do Atlântico. Robin Law trata
vestigando os padrões de reprodução de Francisco Félix de Souza, nasci-
entre os escravos. Uma particulari- do na Bahia, importante comercian-
dade que encontrou nesse universo foi te de escravos da primeira metade
justamente a grande quantidade de do século XIX, “irmão” ritual do rei
“crioulos”, isto é, negros nascidos no do Daomé, Gezo (que lhe favorecia
Brasil. Segundo ela, por pertencerem o fornecimento de escravos), e com
a um setor menos rentável da econo- sólidas conexões em Salvador da
mia, os plantadores de fumo só podi- Bahia, além de outros portos atlân-
am comprar os escravos mais bara- ticos. Exemplo dos mais interessan-
tos, como as mulheres, e a concen- tes de pessoa que articulou mundos
tração destas levava a níveis de re- diferentes, pertencendo a ambos,
produção mais altos. Encerrando essa Francisco Félix de Souza foi alvo de
parte Mary Karasch avança numa vários trabalhos acadêmicos, e mes-
discussão que tem crescido, e que mo herói de um romance (O vice-
aparece em vários textos da coletâ- rei de Uidá, de Bruce Chatwin, tra-
nea, referente a designações étnicas dução publicada pela Companhia
ou de origem, e à constituição de no- das Letras em 1987). Em 2004,
vas identidades. Analisando docu- Alberto da Costa e Silva publicou a
mentos de censo, recolhimento de mais completa biografia desse co-
impostos e listas de batalhões milita- merciante atlântico, que morreu
res formados por negros e mestiços como um chefe daomeano. Profun-
na província de Goiás, no início do do conhecedor da região na qual
século XIX, percebe a proporção en- Félix de Souza atuou, Robin Law
tre crioulos e africanos, além das ori- analisa seu papel como comerciante

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articulado a todos os agentes que leira no porto. Segundo a autora, “a
atuavam no comércio da costa afri- economia de Benguela e seus sertões
cana ocidental: portugueses, se desenvolveu quase exclusivamen-
baianos, cubanos, daomeanos, ingle- te para abastecer o Brasil de gente
ses e franceses. Um dos aspectos do escravizada.” (p. 256)
tráfico atlântico ao qual ele estava O último artigo da coletânea trata de
ligado era a mobilidade pela série tema muito pouco conhecido: a pre-
de portos costeiros, na região das sença de brasileiros no comércio do
lagoas e canais que facilitavam o reino do Congo no século XIX. Susan
embarque de escravos, escondido da Herlin aborda o período de ilegalida-
vigilância britânica. Esse comércio de do tráfico de escravos e a grande
mais espalhado, e a participação que presença de comerciantes brasileiros
nele tinham alguns africanos e cubanos nos portos ao norte de Lu-
retornados, é o tema de Silke anda, mais próximos da foz do rio
Strickrodt, que usando fontes docu- Congo. Segundo esta autora, o siste-
mentais pouco exploradas, como re- ma comercial estabelecido a partir das
gistros de missões católicas e docu- relações entre brasileiros e congoleses
mentos da administração britânica, deu as bases para o comércio da se-
aprofunda o conhecimento dessa re- gunda metade do século XIX, quando
alidade, trazida à tona pela obra de britânicos, franceses, norte-america-
Pierre Verger. nos e portugueses se tornaram os par-
Deslocando-se para o sul, para a cos- ceiros comerciais mais importantes. O
ta de Benguela, Rosa Cruz e Silva estudo de Susan Herlin, utilizando do-
confirma a presença e a importância cumentação muito rica, nos conduz
de comerciantes brasileiros neste por- não só ao fim do livro mas também ao
to, mas principalmente mostra como fim do período do tráfico de escravos,
os portugueses provocaram guerras que ligou o Brasil e a África por cerca
no interior, que produziam escravos de 350 anos.
para o comércio atlântico, em franca Nas relações tecidas em torno do
ascensão naquele final de século Atlântico, e centradas no tráfico e na
XVIII. Os chefes locais, os “sobas”, escravidão, estão as bases de muitas
ora se avassalavam, ora resistiam à sociedades americanas, entre elas o
presença dos portugueses, que não Brasil, que por sua vez também este-
desistiam de querer controlar os ser- ve muito presente na África, princi-
tões de Angola. Com a intensifica- palmente na Costa da Mina e de An-
ção das guerras em Benguela, mais gola. Com esse livro, composto de
escravos eram embarcados para o artigos de ótima qualidade, a histori-
Brasil, garantindo a presença brasi- ografia da diáspora atlântica olha

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para o Brasil com mais cuidado, e mundo atlântico, ganham os estudi-
propõe uma articulação maior entre osos brasileiros, que ampliam sua
os estudos sobre a sociedade colonial visão das culturas das comunidades
brasileira e os estudos sobre a Afro- negras para além das fronteiras da
América, feitos tanto no Brasil como América portuguesa e são alertados
nos Estados Unidos. Com essa inici- para a importância em incorporar a
ativa, ganham os estudiosos norte- África nas análises sobre o Brasil, e
americanos, que ao se debruçarem ganham os estudos de história atlân-
sobre o Brasil tornam mais comple- tica em geral, ao se dar atenção tam-
xa sua visão da Afro-América e do bém para o Atlântico sul.
Marina de Mello e Souza
Professora do Departamento de His-
tória da Universidade de São Paulo.

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