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MARICATO: A MORADIA SOCIAL URBANA COMO QUESTÃO NACIONAL

Brasil, cidades – alternativas para a crise urbana


Ermínia Maricato. Petrópolis: Vozes, 2002 (2ª Ed.), 204p.

Resenhado pela Profª Selene Herculano


UFF-PPGSD

Professora titular da FAUUSP e fundadora do Ministério das Cidades, em 2002, Ermínia


Maricato é uma urbanista “ativista da causa pública e social”, que tanto se contrapõe ao
urbanismo oficial quanto às “representações ideológicas” e cômodas que “decretam a morte
do urbanismo democrático enquanto as relações capitalistas forem dominantes”, o que leva a
uma “postura de paralisia propositiva”, segundo suas próprias palavras. Ao contrário, Maricato
escreve que é “possível e viável anunciar uma nova sociedade a cada momento e em cada
lugar” (p. 123)
No primeiro artigo deste livro, “Na periferia do mundo globalizado: metrópoles
brasileiras”, texto originado de apresentação feita no Seminário Urban21 em Berlim (2000) sob
auspícios da ONU, ela fala de nossa tragédia urbana e da perenidade do arcaico: contrastando
com o pensamento do senso comum ainda dominante entre nós, de que urbanização significa
desenvolvimento e de que haveria um Brasil arcaico, rural em contraste com um Brasil
moderno e urbano (a conhecida tese da dualidade), Maricato começa afirmando que o
processo de urbanização no Brasil não supera o Brasil arcaico, mas o recria. É a “tragédia
urbana” (p.15), um termo bem adequado, se pensarmos que “tragédia” é uma palavra que
define histórias que se repetem sem solução. Após referir-se às reformas urbanas brasileiras e
de outros países, movidas pela busca de enfrentamento de epidemias e pela motivação
paisagística do embelezamento, e após resumir um pouco do SFH – sistema financeiro de
habitação (vigente nos anos 60/80, em décadas tidas como “perdidas” em função da ditadura
e das crises financeiras), sistema que intensificou o processo de urbanização, Maricato afirma:

“A tragédia urbana brasileira não é produto das décadas perdidas, portanto. Tem suas raízes
muito firmes em cinco séculos de formação da sociedade brasileira, em especial a partir da
privatização da terra (1850) e da emergência do trabalho livre (1888).”

As cidades brasileiras são “inchadas”. Maricato concorda com a análise contida na


bibliografia brasileira específica, que se refere à macrocefalia, fordismo periférico etc. O
crescimento dessas cidades não resultou de processos produtivos, mas do inchaço trazido por
migrações. Elas são desproporcionalmente grandes, com tecido urbano truncado.

Contudo, Maricato trouxe novas análises, com base em dados de 1999 e de 2000, da
época em que escreveu e publicou este livro: nos anos 80 e 90 as cidades médias (entre 100
mil e 500 mil habitantes) cresceram mais do que as metrópoles (p. 25), recebendo novos
fluxos migratórios, como se deu nas cidades do centro-oeste e do norte do país e nas cidades
litorâneas. Um ponto ainda mais importante que ela sublinha é que a pobreza nacional emerge
nas periferias metropolitanas (os municípios periféricos cresceram 14,7% entre 1991 e 1996
enquanto que seus núcleos cresceram em média 3,1%). Insistimos: a pobreza brasileira
tornou-se metropolitana.
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Houve melhoras, mas a urbanização não as causou, Maricato afirma: houve diminuição
da taxa de natalidade, queda da mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida, mas
isso se deveu a políticas públicas de saúde, não por causa do processo de urbanização (p.29).
Apesar do crescimento “notável” do PIB – produto interno bruto – no período de 1940 a 1980,
a desigualdade social não apenas se manteve, mas aumentou e a pobreza metropolitana foi
particularmente afetada pelo declínio econômico das décadas de 1980 e 1990.

O aumento da expectativa de vida se fez acompanhar pelo aumento das taxas de


violência e de homicídios e Maricato se refere a dados de pesquisas que mostram
inequivocamente a correlação entre favelas e homicídios. São Paulo e outras metrópoles são
por ela definidas como “verdadeiras bombas socioecológicas” (p. 34). As favelas
metropolitanas são quase guetos, onde permanecem “pessoas ociosas, exiladas em periferias
urbanas pelo alto custo e baixa qualidade dos transportes” (p. 35).

“Concentração territorial homogeneamente pobre, ociosidade, ausência de atividades culturais


e esportivas, ausência de regulação social e ambiental, precariedade urbanística, mobilidade
restrita ao bairro e, além dessas características todas, o desemprego crescente que, entre
outras consequências, tende a desorganizar núcleos familiares e enfraquecer a autoridade dos
pais, essa é a fórmula das bombas socioecológicas” (p. 36).

Vivenciamos sem cessar uma “gigantesca construção de cidades, parte delas feita de
forma ilegal, sem a participação dos governos, sem recursos técnicos e financeiros
significativos [...] empreendimentos descapitalizados e arcaicos, fora do mercado formal” (p.
37). Nossa urbanização é uma “máquina de produzir favelas” e de agressão ao meio ambiente,
onde se admite a invasão, mas não o direito à cidade (p. 39).

Tudo isto posto, são aspectos bem sabidos, mas que merecem ser repetidos e nunca
suficientemente louvada e citada a verve incisiva e destemida da autora. Queremos nos referir
agora ao elenco de causas às quais ela se refere entre as páginas 40 e 45 para a continuidade
das favelas:

 Industrialização baseada em baixos salários


 Trocas clientelísticas e relação política de favor
 Legislação positivista moldada a uma sociedade onde o exercício do poder se adapta às
circunstâncias, com distanciamento entre a retórica e o real
 Controle urbanístico restrito à cidade legal
 Correlação entre mercado e gestão pública urbana, com concentração dos investimentos
públicos
 Patrimonialismo (privatização da esfera pública) fisiologismo, clientelismo, paroquialismo

A esse elenco de causas ela soma outras no artigo seguinte do livro, intitulado
“Planejamento para a crise urbana no Brasil”, onde critica o planejamento brasileiro, feito
pelas classes dominantes, estando ausentes dele os princípios democráticos e igualitários (p.
48). Segue então sua melhor crítica, e mais contundente, pois tem a ver com as necessidades
de gestão:

 Estudos acadêmicos teóricos, críticos e de resistência, mas raramente propositivos,


distanciados das tarefas práticas (p. 48)
 Tradição livresca e retórica da máquina pública brasileira, com distância entre discurso e
prática, inspiração exógena e cultura usada como berloque (ps. 51,52)
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 Número exagerado de funcionários de gabinete e número insuficiente de funcionários


operacionais (p.53), com a máquina de estado desempenhando um papel de absorvedor
de mão de obra ociosa de classe média (p. 55)
 Fiscais desaparelhados, em pequeno número, mal pagos, de baixa escolaridade, sujeitos à
corrupção frequente (p. 54)
 Ensino magistral, livresco e dogmático.

O que fazer então? Planejar, sim, mas em outros moldes, criar uma máquina pública
que não seja “inchada, com apaniguados políticos, corrupta e ineficaz” (p. 55) e que responda
às seguintes questões (p.49):

 Como fazer o controle do uso do solo (um dos setores mais corruptos das gestões municipais)
protegendo áreas ambientalmente frágeis e assegurando a ampliação de moradias sociais?
 Quais seriam as soluções a curto e médio prazo para as enchentes, desmoronamentos,
incêndios e epidemias?
 Como enfrentar o mercado imobiliário especulativo e excludente?
 Como combinar a ocupação do solo urbano e o sistema viário com as unidades de gestão
baseadas em bacias e sub-bacias hidrográficas?
 Como implementar a função social da propriedade?
 Como convencer governos e sociedade das prioridades demandadas pelos problemas de
drenagem e saneamento?
 O que fazer com o comércio informal que ocupa os espaços públicos?
 Como garantir padrões mínimos de habitabilidade em favelas já urbanizadas?
 Como fomentar o engajamento social para a resolução de problemas?

Maricato defende a necessidade de planejamento, um outro planejamento que não


seja este de faz-de-conta e que é descompromissado com a gestão: “ a realidade grita por uma
resposta que deve, necessariamente, prever ações e investimentos no tempo. E isso exige
planejamento.” (p. 56)

Este planejamento urbano que defende tampouco teria a ver com os planos
estratégicos privatistas e voltados para a “arquitetura-espetáculo” (p. 60) e para a construção
de “ilhas de primeiro mundo” (p. 65).

Quanto à relação entre o local e o nacional, Maricato cita Jeroen Klink1 e sua defesa do
Estado-Nação. No Brasil, diz ela, a descentralização se dá “de fato, por ausência”, de forma
“tutelada ou vinculada” e a presença nacional no plano local é mais praticada por políticas
compensatórias e programas sociais, faltando análises e gestão sobre os impactos das políticas
nacionais sobre as cidades (p. 63, 64). Não se trata de desconhecer a importância crescente
das cidades no mundo contemporâneo (tendência mundial que, no binômio global/local
coloca na penumbra a esfera nacional), mas de “relativizar a autonomia do poder local na
solução de problemas estruturais” (p. 66).

Criticando linhas de debate da Habitat II, Maricato defende a instância nacional contra
os elogios insistentes ao fortalecimento do poder local e à parceria público-privada e que
apontam para a desregulamentação das políticas nacionais, para a demissão do Estado em
relação aos serviços públicos, sua privatização e delegação da sua gestão (ps. 180 -182). O bom
observador deve desconfiar de tanto empenho neste fortalecimento do poder local (p. 180).

Neste livro, datado de 2001, Maricato apontava para a ausência de um projeto de


desenvolvimento que levasse em conta a defesa dos interesses nacionais e populares (p.66).
Isto, visto na perspectiva histórica atual, de 2012, efetivamente mudou, mas continua a faltar

1
O novo regionalismo: o caso do ABC. Tese de doutorado: FAUUSP, 2000.
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uma gestão mitigadora dos impactos locais dos empreendimentos desenvolvimentistas


nacionais.

O enorme “passivo urbano” (termo nosso e não da autora, que aqui tomamos de
empréstimo ao vocabulário da gestão ambiental empresarial e seu passivo ambiental) e seus
conflitos passaram a ter visibilidade hoje, o que Maricato já recomendava (p. 71). Das outras
medidas que propunha – reforma administrativa, presença do Estado nos bairros ilegais,
formação de quadros, aperfeiçoamento e democratização das informações – e que parecem já
terem se iniciado nestes últimos 10 anos – há duas muito importantes e que ainda não foram
suficientemente objetivadas:

A bacia hidrográfica como referência para o planejamento e gestão: os aspectos


naturais foram negligenciados pelo urbanismo moderno tradicional e pelo enfoque
econômico abstrato (p.80). Hoje se impõem, não só pela presença do pensamento e
movimento ambientalista, mas pela radicalização dos desastres ambientais, bem como
da percepção da água como uma riqueza vital e escassa.

Um programa especial para as regiões metropolitanas: 80% dos moradores de favelas


estão em áreas metropolitanas, mas não há política institucional para as metrópoles
(p. 78) e tudo fica a critério do voluntarismo dos municípios em se organizarem.
Maricato foi taxativa: “as metrópoles brasileiras deveriam merecer um programa
habitacional e urbano específico da instância federal” (p. 79).

O cerne da política urbana está, para ela, na questão da moradia social em áreas
centrais urbanas. É uma questão para a política nacional, pois o poder local é limitado para
resolvê-la, uma vez que a regulação financeira do mercado residencial está no campo da
macroeconomia e que a função social da propriedade é matéria federal (p. 128). A moradia “é
uma mercadoria especial, que demanda terra urbanizada” (com rede de água, de drenagem e
de esgotos, iluminação, coleta de lixo, transporte, equipamentos de educação e saúde), ou
seja, exige “um pedaço da cidade e não terra nua” (ps. 118, 119). O direito à cidade é o direito
à moradia, o direito ao mercado residencial legal e a estar sob a égide de sua legislação (código
de obras, leis de parcelamento do solo, de zoneamento etc.).

É necessária uma nova atitude em relação ao planejamento urbano. É necessário nos


livrarmos deste destino de “boas intenções descoladas de implementação”, de práticas
arcaicas encobertas por palavras e conceitos modernos (p. 116), do “descasamento entre lei e
gestão” (p. 117). Planos normativos não interessam e sim um plano de ação comprometido
com o processo, com a gestão democrática, com uma esfera operativa, com investimentos
definidos, ações definidas e fiscalização.

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