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O Psicanalista entre o Mestre e o Pedagogo (texto reorganizado)


Diana S. Rabinovich

1. Em seu seminário O avesso da psicanálise, Lacan (1969-70) introduz a sua teorização sobre os quatro
discursos.
2. Lacan reivindica - frente a uma teoria do discurso que domina as ciências chamadas “humanas” para as
quais este é o produto de um sujeito centro, de um sujeito pleno, unitário - a primazia da cadeia significante,
cadeia que se desloca além de qualquer sujeito voluntário, consciente, e cuja articulação produz o discurso.
3. O discurso é um modo de uso da linguagem como vínculo. Só há vínculo social naquilo que se designa
como discurso, vínculo possível apenas entre seres que falam, os “falasser” – [parlêtres] (Lacan,1971). O
discurso não se funda então no sujeito, mas na estrutura da linguagem, e por fim, na [estrutura] do
significante.
4. A psicanálise descobre um sujeito cindido, sujeito atravessado pelo desejo e pelo gozo: o sujeito do
inconsciente. O inconsciente, nos diz Lacan, está estruturado como uma linguagem, linguagem que se
chamará “Falíngua”, diferente de “alíngua”, linguagem atravessada pelo desejo, o gozo e o impossível da
sexualidade e da morte (Cf. Miller, J-A 1977).
5. O discurso não é, pois, realidade primeira a ser interpretada em seu sentido, mas efeito da cadeia
significante.
6. Lacan continua assim a sua tarefa incessante de descentramento, a sua crítica ao todo, ao centro, à
esfera. O movimento dos seminários reintroduz a falta, a descontinuidade, a não complementariedade, a
hiância..., torna inútil toda restauração de um centro. O discurso concebido como produto da articulação
significante é um discurso sem palavras, que, como tal, gera palavras; é um discurso sem sentido que gera a
própria proliferação do sentido.
7. Os quatro discursos são quatro configurações significantes que se diferenciam e se especificam por sua
distribuição espacial. Quatro postos fixos, quatro significantes que rodam nesses mesmos postos e que
determinam, na sua rotação, a emergência da própria trama discursiva.
8. Em 1957, na Instância da letra no inconsciente, Lacan escreve o algorítmo
S
---
s
9. (leia-se significante sobre significado) que em um ato único de escritura transforma radicalmente o
signo saussureano. Pontualizemos brevemente os alvos conceituais dessa transformação.
10. A solidariedade entre ambos os membros do algorítmo desaparece ao desaparecer o círculo que em
Sausure (1961) os engloba; seu equilíbrio se esfuma ao trasladar-se o peso da determinação do significado
ao significante cuja primazia Lacan postula; a barra ganha um valor novo e insólito ao se tornar “barreira”
resistente à significação.
11. Assim, nada une um significante a um significado determinado; o significante deixa de ser
“representação” do significado, do sentido pré-existente, e a significação articulada como produção deve
vencer uma “barreira” para poder emergir.
12. O significante em sua concatenação (metafórica e metonímica) determina o efeito de sentido. Não
existe, portanto, sentido algum, qualquer “verdade” que o significante represente ou traduza. O sentido cai
enquanto intencionalidade do discurso da consciência que “conhece”, que “sabe”, para surgir em troca
como produção - cifrada - da articulação significante.
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13. Deste modo, os valores de verdade e falsidade se rompem no jogo significante do inconsciente freudiano
de onde o sujeito fala sem saber o que diz, diz a sua verdade sempre “pela metade”, disfarçada, no próprio
equívoco de seu sintoma, de seu lapso, de seu sonho... Verdade dita “a meias” por um sujeito dividido, cuja
cisão constitutiva não admite nenhuma totalização, nenhuma unidade, nenhuma plenitude de sentido.
14. O que é, então, um significante? Lacan (1975) nos diz: “um significante é o que representa um sujeito
perante outro significante”. Representa perante outro significante - em caráter de representante, não de
representação, pois o outro significante nada sabe nem se representa - a um sujeito. O significante em sua
articulação não representa o que não está, o engendra; aquilo que não está na origem e é engendrado pelo
significante é justamente o sujeito; significante e sujeito são, pois, solidários.
15. Este sujeito que Lacan conceitualiza esvaziado de toda substância - fenomenal, metafísica ou biológica
- para fundar uma subjetividade que recolhemos diariamente na prática psicanalítica; este sujeito do
inconsciente, pode ser dito, tomando como referência o cogito cartesiano, do seguinte modo: “... penso de
onde não sou, logo sou de onde não penso... não sou, ali de onde sou o joguete de meus pensamentos, penso
no que sou, ali de onde penso não pensar” (Lacan, 1975).
16. Introduzimos com a própria definição de significante três dos quatro significantes que intervêm na
estrutura de cada um dos discursos: S1, o significante que representa o sujeito; S2, o significante ante o
qual o S1 representa o sujeito e em concatenação com o qual se estrutura a cadeia mínima necessária para
o surgimento da significação S1 -> S2; e S, o sujeito sempre cruzado pela barra que o marca como
dividido. Esta operação de constituição do sujeito por ação do encadeamento significante entre S1 e S2
deixa um resto - nosso quarto termo - o objeto “a”, objeto causa de desejo, também denominado por Lacan
mais-de-gozar.
17. Eis aqui os quatro discursos, tais como são estabelecidos em “Radiofonia” (Lacan, 1970, p.99):

LUGARES
O AGENTE O OUTRO
---------------- --------------------
A VERDADE A PRODUÇÃO
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TERMOS
S1: o significante-mestre
S2: o saber
a : causa de desejo ou
mais-de-gozar
$ : o sujeito

18. A rotação progressiva é definida por Lacan como aquela que se realiza em sentido contrário à rotação
horária; o seu inverso, como regressiva. Desse modo, cada rotação de um quarto de círculo marca a
passagem entre os discursos.
19. Esses discursos não representam nenhum progresso histórico; a passagem de um a outro não marca
progressão ou regressão evolutiva, nenhum crescimento, nenhuma conclusão, nenhuma hierarquia.
20. Os discursos mantêm entre si relações de oposição e suplementação. (ver quadro 1)
21. O título do seminário no qual Lacan formula os quatro discursos - O Avesso da psicanálise - já marca
que a relação entre os discursos deve ser pensada como uma relação de trama, de textura, de direito e de
avesso, como um pano cujo desenho varia segundo a disposição dos fios significantes: o seu horizonte
teórico é a banda de Moebius - sem direito nem avesso - desprovida de borda até que introduzimos um
corte, uma descontinuidade, possível apenas pela ação do significante. Não há entre os discursos qualquer
relação de causa e efeito; eles não se explicam um pelo outro. Nenhum desses discursos é “a verdade”; a
verdade como lugar está presente em cada um deles, sempre oculta, e sempre em disjunção com a sua
produção.
22. Esses discursos não os elegemos, eles nos elegem e nos arrastam além de nossa vontade, de nosso
“querer dizer”, nos falam apesar de nós.

23. Examinemos agora, mais detalhadamente, os quatro significantes cuja articulação configura os quatro
discursos.

S1 – SIGNIFICANTE MESTRE - (S1  S2)


24. Qualquer significante pode ocupar, em princípio, este posto, pois, por definição, todo significante pode
representar um sujeito para outro significante. S1 é então o significante que representa o sujeito como
diferente do indivíduo vivente, como sujeito atravessado e determinado como tal pela ação do significante. É
o significante primeiro, condição para a articulação da cadeia. Nome do pai, traço unário, significante da
lei, falo simbólico, são essas algumas das denominações do S1 na álgebra lacaniana.
25. “S1 é entre todos os significantes esse significante do qual não há significado, e que, enquanto sentido,
define o seu fracasso” (Lacan, 1971).
26. É um significante vazio de significação; surge graças à subtração de tudo aquilo que tem como função
suportar sentido ou significação. É por excelência “pas de sens”, sem sentido que desliza em duas direções:
a falta de sentido e o “nonsense” inglês - o equívoco, o absurdo.

S2 – O SABER
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27. Designa a bateria significante, aqueles significantes que já estão ali. O saber liga os significantes em
uma relação de rede - um significante S1 com um significante S2. A psicanálise é o descobrimento de um
saber que não se sabe - o inconsciente - cuja articulação é a do S2, articulação reticular de significantes. O
ventre do grande Outro - nos diz Lacan (1969-1970 - está cheio de significantes, fundando assim a fantasia
do saber como totalidade.
28. O saber tem com o gozo uma articulação peculiar. O ser humano enquanto “falasser” [parlêtre] é
solidário da insistência de uma escritura, de uma cadeia significante cuja repetição leva-o além, (como dizia
Freud) do horizonte homeostático do prazer, para abrir a dimensão do gozo (Cf. Freud, 1920).
29. A repetição não é um ciclo natural, é denotação precisa de um traço - o unário - (uma das formas de
S1), traço que comemora a irrupção do gozo.
30. Gozo e cadeia significante se ligam; o trabalho do inconsciente surge como o próprio jogo da cadeia
significante, jogo que produz esse gozo insólito do qual Freud nos falava na identidade de percepção do
processo primário. Esse desejo que se realiza na busca da marca primeira e mítica (Freud, 1895 e 1900).
31. A linguagem define-se, então, como aparato de gozo com o qual a realidade é abordada. Esse saber que
não se sabe limita-se a esse gozo insuficiente constituído pelo próprio fato de sua fala.
32. O gozo é, pois, inseparável da repetição, ultrapassando assim o princípio de prazer. A própria repetição
funda-se sobre um retorno do gozo, repetição na qual se produz algo que é fracasso, defeito, perda. Neste
ponto de perda surgirá a função do objeto “a”, função que aponta, no campo freudiano, a situação original
do objeto perdido.

OBJETO “a”
33. O objeto “a”, conceito complexo, encruzilhada de um grande número de articulações teóricas de
Lacan, nos obriga a uma abordagem parcial.
34. Objeto “a”, objeto causa de desejo, mais-de-gozar são alguns de seus nomes. Nenhuma dessas
denominações é, por certo, ao acaso.
35. Detenhamo-nos na palavra causa que vincula o objeto “a” com o desejo. Entre o “a” e o desejo existe
uma relação de “causação”, de provocação; o objeto “a” está nele antes do desejo, não em sua satisfação;
não é o seu objeto-fim ou a sua meta. O “a” desperta o desejo, e, enquanto objeto metonímico que circula
entre os significantes, escapa a toda captura.
36. O estatuto do “a” como causa não deve confundir-nos; para vir a ser como tal, ele deve constituir-se. É
um objeto produto, resto, resíduo de uma operação, a do surgimento do sujeito pela ação do sistema
significante. Não se trata de um objeto “natural”, “dado”, mas de um objeto efeito da ordem simbólica.
37. Somente após surgir como efeito do significante, de ser esse resto irredutível daquilo que no campo da
sexualidade humana resiste ao significante, somente então poderá funcionar como objeto causa de desejo.
38. No objeto “a” confluem duas linhas de desenvolvimento do pensamento freudiano acerca do objeto: o
objeto do desejo como objeto perdido e o objeto da pulsão como objeto parcial (Cf. Freud, 1900, 1905,
1915).
39. Freud sempre enfatizou a importância do objeto perdido, proibido, na estruturação do desejo
inconsciente. Lacan nos diz que a problemática do objeto em psicanálise é a problemática da falta de objeto.
Esta não deve ser reduzida à presença-ausência fenomenológica: a falta atua para a “cria” humana através
da própria estruturação da ordem simbólica. A falta não causa o significante; é este, em troca, quem a cria.
É daí que Lacan insiste: no real, nada falta. É o significante que introduz a falta como tal no real. Recorde-
se a conceitualização lacaniana da castração: se a mulher pode surgir como castrada, privada para ser mais
exato, é porque na ordem simbólica a primazia do falo, significante simbólico, faz surgir esse objeto
imaginário que falta ali de onde no real nada falta - o falo materno, atributo imaginário da mãe fálica.
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40. O desejo humano é, certamente, sexual, mas se sustenta em “traços” e é a busca repetitiva e incessante
desse “primeiro traço” enquanto percepção que, no marco freudiano, alcança-se a sua realização. Nenhum
objeto pode, portanto, estar-lhe predestinado; o sexo em sua inscrição significante deixa de ser
aparelhamento, complementariedade, para mostrar-se como conflitivo, desgarrado, suplementário. O desejo
é pois, já em Freud, falta; falta que em Lacan se transmuta: o desejo é desejo de um desejo, isto é, desejo
daquilo que no outro é também falta. Falta que faz surgir um quociente, um resto a ser tomado ao pé da
letra; esse resto é o objeto “a”.
41. O objeto “a” como resto coloca-nos frente a outra de suas características essenciais, sua parcialidade.
Já Freud nos “Três ensaios” nos falava da pulsão como parcial, objeto parcial que os psicanalistas,
seguindo mais Abraham que ao próprio Freud, acreditaram necessário e imprescindível articular em uma
totalidade - chamando-a genital ou depressiva - tanto faz. Sem dúvida, esse objeto é parte, recorte, que se
imprime por sobre o suposto objeto da necessidade - o peito nutriz por exemplo - esse outro objeto, para
sempre desprendido desse todo que podemos chamar de mãe, que é o seio, uma das máscaras possíveis do
“a”.
42. Porque Lacan chama “a” o objeto do desejo? Resumamos, brevemente, a sua história na álgebra
lacaniana. Costumamos dizer o “a” em castelhano como o pequeno “a”, embora fosse mais correto chamar-
lhe “a” minúsculo (petit a - em francês). Aparece primeiro na teoria lacaniana como símbolo do outro
com minúscula (l”autre), o outro da especularidade, o outro imaginário em torno do qual se estrutura a
função narcísica do eu (moi), fundamento da estrutura imaginária do eu. Esse “outro” é aquele em torno do
qual surge o objeto de equivalência do transitivismo, objeto da concorrência especular, que não deve
confundir-se o objeto do desejo.
43. Com o tempo, o (a) continuará designando esse outro com [a] minúsculo que faz contraponto na teoria
lacaniana com o Outro com maiúscula (grand Autre), aludindo o primeiro ao campo da intersubjetividade, o
outro à fundação do sujeito no sistema significante.
44. Porém o “a”, objeto do desejo, escapa ao campo imaginário, remete inexoravelmente à falta no Outro
(A/), ponto no qual nada aparece no espelho; o objeto “a” carece de imagem especular. O eu (moi) limita-se
a vestir esse nada que é o lugar do objeto perdido.
45. Assim, o objeto do desejo e o objeto do narcisismo bifurcam-se; a psicanálise abandona a busca do bem
do sujeito para abrir a dimensão de sua realização através do reconhecimento de seu desejo. Não obstante,
tenhamos presente que ambos os objetos confluem em sua determinação ao lugar do A, do grande Outro.
46. Dissemos que o gozo se articula com a repetição da cadeia significante; no marco desta repetição
encontramos um ponto de perda, de entropia, em termos freudianos, ponto em que se produz um mais a
recuperar. Esse mais-de-gozar, a recuperar, marca a função por excelência do objeto “a”.
47. Esse resto a recuperar é o produto de uma operação que Lacan categoriza logicamente. Esta operação
se realiza entre dois termos: o sujeito, S e o Outro, A.
48. A primeira operação é a reunião entre S e A, a segunda é a sua interseção. O produto desta última é o
objeto “a” (Cf. Lacan, 1973a).
49. A interseção como operação lógica define, pois, o “a” como resto, produto, quociente. Sem dúvida, a
imagem do círculo de Euler se presta a engano, a zona de interseção não tem qualquer substancialidade, é a
interseção de dois nadas, de duas faltas.
50. O “a” surge no lugar da falta no A, e ocupará este próprio posto no sujeito, por isso o A se transforma
em A/, isto é, ele próprio é submetido à ação do significante, ele mesmo carente, incapaz de garantir o
verdadeiro acerca do verdadeiro.

$ O SUJEITO
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51. É o sujeito dividido, produto da irrupção do S1 no campo da bateria significante S2. S1 marca assim a
identificação inaugural do sujeito, na qual o próprio sujeito, enquanto tal, se encontra ausente. Esse sujeito
se caracteriza pela barra que o cruza, que o marca para sempre como cindido; cisão que não é um acidente
da patologia, da história ou da biologia, mas essa barreira que o cria enquanto sujeito, que o separa do S1,
o significante que o marca. Barreira essa que não é outro que o recalque primário freudiano. A este sujeito
nenhum processo terapêutico pode reintegrar-lhe a sua unidade; o um do todo é aqui substituído pelo um do
traço unário, um da diferença significante.
52. Este sujeito não pode ser conceituado em termos de organismos nem de necessidades. É sujeito
justamente porque essa barra que o divide o faz vir a ser sujeito desejante; desejante de um objeto perdido,
proibido, que insiste como objeto do desejo, escapando sempre às redes de S2, ao mesmo tempo que as
sustenta. Sujeito da ordem simbólica, está para sempre enredado na rede significante.

53. Examinemos agora os quatro postos.

AGENTE
54. É aquele que, aparentemente, organiza o discurso, em cujo nome este se formula. É o lugar da
aparência.

OUTRO
55. Qual é a alteridade à qual cada discurso se dirige? Em Lacan, o sentido desta relação escapa,
radicalmente, a qualquer esquema da comunicação - entendendo-se como comunicação a transmissão de um
sentido de um sujeito a outro sujeito -. Se, por acaso, há algum outro ao qual o discurso se dirige, este é o
grande Outro, alteridade irredutível.

PRODUÇÃO
56. Marca o lugar do produto engendrado pelo discurso. A linha superior corresponde ao nível manifesto e
a inferior ao latente. Nesta última, entre a verdade e a produção, se estabelece uma relação de disjunção.

VERDADE
57. É este o posto que fundamenta o discurso, que o mantêm além do circuito agente-outro. O lugar da
verdade é acessível apenas por um “semidito” (midire), já que a verdade não se pode dizer toda. Além de
sua metade, nada há para dizer. É nesse contexto que se inclui a asseveração lacaniana: não há
metalinguagem. A única metalinguagem no campo da subjetividade é a da canalhice. Se o desejo do homem
é o desejo do Outro, toda canalhice descansa sobre o desejo de ser o Outro para alguém.

58. Examinemos agora os quatro discursos

59.
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60. Aqui, o S1 está situado no posto de agente, situação que designa o mito sobre o qual se funda o
discurso do mestre, a saber, a suposta identidade entre o sujeito e o significante que o representa. Essa
identidade entre o sujeito e o significante sustenta um discurso supostamente unívoco, cuja verdade, $, é a
condição necessária em seu desconhecimento para que o discurso do mestre possa produzir-se.
61. S1 ---- S2 - Discurso marcado pela vontade de domínio (maîtrisse), o S1 nele funciona como significante
imperativo, que desconhece a verdade da sua determinação e a sua unidade impossível. Discurso da vontade
e da legislação, a sua linha superior - S1 S2 - nos mostra, no nível manifesto, a tentativa de constituir
uma rede, desconhecendo o sujeito em sua divisão. É justamente essa escritura, nos diz Lacan em
“Televisão” (1975), é a escritura da sugestão, de uma palavra destinada a fascinar, a dominar (Cf. Miller,
G.1977).
62. O discurso do domínio solda-se com o discurso da unificação, da totalização, excluindo o sujeito em
sua divisão.
S1
---
$
63. O discurso do mestre esconde, assim, o seu segredo: o mestre está castrado. É esse segredo que o
discurso histérico desmascara. Ao apresentar-se como idêntico ao seu próprio significante, o discurso do
mestre instaura o campo de uma suposta palavra também idêntica à si mesma. Hasteia a verdade de sua
metalinguagem, sabe o verdadeiro sobre o verdadeiro e tenta fazer desaparecer a barra que cruza o Outro. A
eliminação da falta é a condição da eliminação da subjetividade que o discurso do mestre parece instalar.
Discurso da “eucracia”, discurso m”être (jogo de homofonia entre maître e m”être, que pode traduzir-se
como “ser-me”) é por excelência o discurso da ontologia .
64. O lugar do outro é ocupado pelo escravo, aquele que sabe. Lacan introduz a parelha senhor-escravo
hegeliana na linha superior, marcando assim o caráter, a seu ver imaginário, do desconhecimento da ordem
simbólica que a define.
65. O escravo aparece como aquele que sabe por haver perdido o seu corpo que quisera conservar em seu
acesso ao gozo. Produz o objeto “a”, o mais-de-gozar, justamente porque quisera conservar o corpo, corpo
que aqui se torna saber. Saber que não deve tomar-se em seu sentido habitual, mas, tal como definimos
anteriormente, o conjunto dos outros significantes dos quais o senhor se encontra desconectado, dividido,
separado, ao apresentar-se como idêntico ao seu próprio significante. O corpo é aqui o lugar da inscrição
significante. Esse corpo, que o senhor arrisca e que o escravo prefere conservar, é, justamente, o corpo sede
da inscrição que faz o gozo e que produz como resto o objeto “a”.

$ // a –
66. O setor inferior da fórmula nos mostra a disjunção entre o $ e o “a” que impede a articulação da
fórmula da fantasia tal como apresentou Lacan: $ <> a. O “a”, acessível ao sujeito apenas através da
realidade da fantasia, revela-nos a impotência do senhor para captar o objeto causa de seu desejo,
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por mais que o escravo se lhe ofereça. O senhor aparece separado de sua verdade subjetiva,
desconhecendo o seu desejo.

67. O discurso da histérica é um modo fundamental e particular de relação com a linguagem, não é um
discurso patológico no sentido tradicional, é o modelo por excelência do discurso do analisando,
discurso cuja escuta funda, com Freud, a psicanálise e o seu produto central: o inconsciente; daí que o S2
esteja colocado no lugar da produção. O discurso histérico funda assim um saber, provoca a produção de
um saber (Cf. Chemama, 1977).

68. No lugar do agente vemos surgir aquele que o mestre encobria: $, o sujeito dividido, que se
apresenta em seu caráter sintomal a ser decifrado. O sintoma é o que se apresenta, portanto, como a
dominante do discurso histérico, dominante que solicita a interpretação.

$  S1
69. O S1 é o outro ao qual seu discurso se dirige, aquilo que dele espera são significantes; sua esperança,
sempre frustrada é que ele lhe descubra o significante chave de seu destino. Esta busca de significantes nos
desvela a própria origem da sugestibilidade histérica: buscando o significante-mestre (S1) de seu destino a
histérica se coloca nas mãos do mestre a quem confunde com esse significante.
70. Espera, pois, do significante, o caminho pelo qual se gesta a sua sugestibilidade; é engravidada por
esses significantes, sem ter acesso, por ele, ao objeto de seu desejo, - condenada a ser objeto do desejo do
outro -, por isso mesmo solicita a interpretação apenas para melhor rechaçá-la.

a // S2
71. No campo da verdade, vemos surgir o objeto “a”, objeto que está em disjunção com o saber. O
discurso histérico produz redes que deixam escapar, sempre, o objeto “a”, que não podem capturá-lo. “Para
a histérica é a impotência do saber o que provoca o seu discurso a animar-se do desejo, - o qual nos ensina
em que o educar fracassa” (Cf. Lacan, 1970).
72. A histérica não descobre o “a” no outro; é ela que se torna objeto causa de desejo para o outro.
Enquanto objeto do desejo do mestre cria um homem animado pelo desejo de saber, buscando nele seu S1,
torna-se o seu objeto de desejo e cria assim um senhor sobre o qual reinar.
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73. O discurso do mestre nos colocava frente à suposta identidade entre o sujeito e o significante, o discurso
histérico colocando a verdade do mestre ($) no lugar dominante desmascara, juntamente com a sua divisão,
esse mal-entendido que na espécie humana constitui a relação sexual.
74. A fórmula lacaniana “A relação sexual não existe” (Cf. Lacan, 1’970) aponta para esse mal-entendido.
A sexualidade no ser humano, o “falasser” [parlêtre] está muito longe do acoplamento animal. Nela, o
significante introduz o corte, a falta, cuja fórmula privilegiada é denominada - desde Freud - de castração. A
unidade dos contrários “naturais” macho-fêmea num todo, reintroduz a problemática da unificação que
assinala o discurso do mestre.
75. A unidade impossível, a impossível complementariedade é justamente aquilo que o discurso da histérica
apresenta como ferida aberta frente ao projeto monolítico do mestre.
76. Homem, mulher, são, no campo do “falasser”, significantes, não realidades biológicos. O mito da
relação sexual como união plena é a arena donde a histérica nos mostra a presença de uma hiância que ela
sustenta através da promoção de seu desejo como insatisfeito. Desejo insatisfeito que simboliza essa
primeira insatisfação que faz com que, na relação sexual, o portador do falo o ofereça como presente a uma
companheira supostamente desolada por não o ter, reavivando, assim, a ferida da privação. O eixo da
relação sexual é o significante fálico; tudo nela gira em torno de um sujeito que não o tem - está privado -, e
um outro que o tem, porém não sabe o que fazer com ele. Ambos os membros estão atravessados pela
castração, mas se tornam homem ou mulher somente após haver transitado por ela: ...”o discurso da
histérica demonstra que não há qualquer estesia do sexo oposto (nenhum conhecimento no sentido bíblico)
que dê conta da pretensa relação sexual.” O gozo do qual se suporta é, como todos, articulado pelo mais-de-
gozar, pelo qual, nessa relação, o parceiro não se alcança: 1) para ele, vir mais que identificando-o ao
objeto “a”, fato sem dúvida indicado claramente no mito da costela de Adão, 2) para a virgem, mais que o
produzir-se o falo, seja o pênis imaginado como órgão da intumescência, seja o inverso da sua função real.”
Daí as hiâncias: 1) da castração na qual o significante mulher se inscreve como privação, 2) da inveja do
pênis, donde o significante homem é vivido como frustração.” (Cf. Lacan, 1970)
77. Diante do discurso histérico, o mestre perde a sua máscara, ele não é idêntico ao S1 (recordemos que
um dos nomes possíveis do S1 é o significante fálico), ele também está castrado: “Assim, o discurso do
mestre encontra a sua razão no discurso da histérica, pois ao fazer-se agente da onipotência, renuncia a
responder como homem a quem o solicita sê-lo; a histérica não obtinha senão saber ... É o saber do escravo
o qual a partir do seu (do “seu” saber), ele não obteria que a mulher fora a causa de seu desejo (eu não
digo: objeto).
78. Assim, o discurso histérico sustenta na sua linha superior a função do pai idealizado para, na linha
inferior, mostrar a queda dessa idealização através da incapacidade do saber em apoderar-se do objeto “a”,
iluminando a castração do pai.
79. A fantasia da histérica também não pode escrever-se como $ <> a, escritura possível apenas no
discurso do analista; por isso, Lacan (1961, 19/04) formula-a como
a
------- <> A
-


*No original, proporción. N. A. Utilizamos a excelente tradução sugerida por J.
Delmont Mauri. O termo francês "relation" joga com os dois sentidos possíveis em
castelhano: relação e proporção.
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80.
81. O discurso da universidade se apresenta como um prolongamento do discurso do mestre; é a sua
versão moderna (segundo Lacan, o discurso da burocracia). Aqui, o S2, o saber, está em posição
dominante. O saber, discursivo nesse contexto, inscreve-se no fantasma do saber como totalidade. O objeto
“a” ocupa o lugar do outro para o qual o discurso se dirige, lugar do estudante, ou, como prefere chamar-
lhe Lacan, o “a”-estudante, que é quem realiza o trabalho.

S2
____
S1
82. O Eu do mestre é a verdade do discurso da universidade, aquele que, sem o saber, obedece ao seu
imperativo: saber mais. O sujeito universitário, sustentado pelo S1 do mestre, é um sujeito simulado, supõe
um autor do saber (irrompe novamente o sujeito unitário e voluntário), autor sobre o qual por sua vez se
sustenta.

83. Esse discurso gera um produto sintomal ( $), a decifrar, que aponta para o discurso histérico.. A
linha superior nos mostra uma relação manifesta entre o saber e o objeto do desejo, mito do ensinar como
processo educativo. Esse ensinamento gera, finalmente, sintoma, e por isso temos, na linha inferior, o
sujeito dividido ($) em disjunção S1 // $ com o S1, o significante que origina a sua própria divisão.

84. O discurso do analista, reverso do discurso do mestre, implica como tal uma renúncia a todo o
discurso de domínio, a toda tentativa de legislação. Já Freud (1937) dizia que governar, educar e
psicanalizar eram três tarefas impossíveis. O discurso analítico adquire o seu estatuto renunciando, como
propunha Freud, a toda tentativa de educação ou de governo. É um dispositivo através do qual se
reproduzirá, para ser reencontrado pelo sujeito, ele ou os significantes fundamentais nos quais se viu
capturado. A sua produção é, justamente, o S1, significante que dará ao sujeito a chave da sua divisão.
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85. a $ O analista ocupa o lugar do agente na aparência de objeto “a”, aceitando cumprir essa função
de resto da produção subjetiva que é o “a”. Interroga, desse ponto, o $ - único sujeito da prática
psicanalítica que não é enquanto tal intersubjetiva - o analisando.
$
-----
S1
86. Interrogação que culmina, então, com a produção do S1, significante através do qual o sujeito
pode resolver a sua relação com a verdade.
a
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S2
87. O saber, colocado em lugar da verdade, caracteriza o discurso do analista. Lacan, em Radiofonia ,
escreve: “É, pelo contrário, por estar em progressão em relação ao discurso da universidade que o discurso
do analista lhe permitirá delimitar o real do qual faz função a sua impossibilidade,seja que ele queira
submeter-se à pergunta do mais-de-gozar que tem, já em um saber, sua verdade, a passagem do sujeito ao
significante-mestre.” “É supor o saber da estrutura aquilo que, no discurso do analista, tem o lugar da
verdade.” (Lacan, 1970)
88. O saber colocado no lugar da verdade nos remete ao mito em sua articulação com a verdade. O saber
mítico se opõe ao saber do domínio ao saber do mestre. O mito é o campo do semidito que é a lei mesma,
interna, de toda enunciação da verdade. A verdade surge na análise na dimensão do dito, do dizer em
análise, de um dizer que não é da planificação consciente, o que Freud apontava ao estabelecer a regra da
associação livre.
89. A regra fundamental propõe, ao sujeito, criar por seu dizer, sem restrição, a seqüência das associações
livres. Assim, a verdade no contexto do dizer psicanalítico, aquele que pela via da associação livre nos
conduz às formações do inconsciente, se opõe a todo conceito de verdade fundado na presença plena, na
origem clara. A verdade é, por isso, um posto em cada discurso, posto sempre latente, posto aberto à
rotação significante. É, pois, esta verdade à meias que o conceito de recalcamento freudiano formula: o dito
entre linhas, entre letras, apesar de nós, palavra em chave do inconsciente, aquilo que nos define, enquanto
analistas, como decifradores de um sistema significante que, se bem podemos conhecer sua lógica, não
deixa, por isso, de se nos apresentar como uma incógnita no começo de cada análise.
90. Frente à pergunta o que é o saber como verdade, a resposta de Lacan é: um enigma. O enigma é, por
excelência, um dito a meias, - tal qual a quimera, meio corpo destinado a desaparecer quando se encontra a
solução. Enigma de uma metade de sujeito, $, que situado como agente do discurso da histérica, se
desenvolve no processo analítico.
91. Como escutá-lo sem responder em termos de saber, a não ser pela busca do S1 que, como sujeito o
constitui?
92. A estrutura do discurso analítico nos indica o caminho: colocando o saber no lugar da verdade,
definição, para Lacan, da interpretação na qual se articulam o enigma e a citação.
93. O enigma é uma “enunciação sem enunciado” que surge como possível de ser colhido na trama mesma
do dizer do sujeito.
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94. A citação é um “enunciado com reserva de enunciação” capturado no próprio texto, reconhecido apenas
no contexto do autor, marcado por sua pertinência a um certo discurso (Chemama, 1977).
95. Esta caracterização do trabalho analítico abre a pergunta acerca desse dizer que, em análise, torna-se
acontecimento, acontecimento cuja queda é o “a”.
96. O analista colocado no lugar da aparência do “a” é, pois, produto desse dizer, seu dejeto. Dizer
contingente que, no trabalho analítico, torna-se necessário.
97. Esta transformação da contingência em necessidade de dizer da associação livre leva-nos à tese
lacaniana do sujeito suposto saber. J.A. Miller (1979) assinala que o sujeito é suposto saber não pertence à
fenomenologia da transferência; inclui-lo nesse campo redunda na degradação do próprio conceito, conceito
que é fórmula nos seguintes termos: “O sujeito suposto saber é transfenomenal, efeito constituinte da
transferência, que deve distinguir-se dos efeitos constituídos que lhe sucedem ... Se Freud dá o começo da
formulação do sujeito suposto saber, não é de modo algum na fenomenologia da transferência. É no
enunciado, ou melhor, nos diferentes enunciados que ele deu da regra chamada fundamental, enunciado que
Lacan, se se quer, estabiliza na expressão sujeito suposto saber ... A regra fundamental, com efeito, convida
o analisante a criar com o seu dizer, e sem cálculo, a seqüência significante chamada de associações livres,
seja não recursivas ... Ela, nisto, é totalmente obrigatória, ao estipular a seguinte restrição: que toda
restrição em sua criação está proibida, o que quer dizer que ela proscreve todo algorítmo que por cálculo se
daria ao sujeito.”
98. A seqüência aparentemente contingente do dizer do analisante torna-se, através de sua transmissão no
contexto analítico, necessária: é este efeito, em resumo, o que Lacan denomina sujeito suposto saber,
fundador estrutural da transferência.
99. O discurso psicanalítico instaura a especificidade da tarefa psicanalítica ao redor da disposição de
quatro significantes chaves. O exame de algumas teorizações no campo da psicanálise mostra-nos o
deslizamento que se produz, devido à falta de rigor teórico, no próprio conceituar desses quatro
significantes, até outros discursos. Este deslizamento é um traço inerente à própria estrutura do discurso.
Considero, sem dúvida que o rigor teórico surge como uma necessidade da nossa prática, definindo a
especificidade do discurso do analista que tende a perder-se entre a multidão de discursos “terapêuticos” e,
inclusive, “psicanalíticos” que se aproximam mais da didática, dos sermões ou do governo que da
psicanálise. Podemos tomar como exemplo aquelas formulações que ao definir o objeto da psicanálise desde
uma perspectiva, no meu entender, errada, culminam em propostas apartadas do discurso analítico.
100. O objeto “a” se enraíza, dizíamos, na tradição freudiana do objeto parcial da pulsão e do objeto do
desejo. Seu caráter de objeto parcial, de objeto causa, de objeto perdido, de signo, como nos dizia Freud,
torna impossível a sua assimilação tanto a um objeto “totalizante” quanto a um objeto “real” (1975a).
101. Este objeto paradoxal que o psicanalista descobre e que Lacan formaliza como objeto “a”, tende a ser
reabsorvido por uma teorização convencional que obscurece, juntamente com a sua originalidade, o próprio
sentido da descoberta freudiana. Uma das raízes da inflexão peculiar que sofre a noção de objeto reside nos
conceitos esboçados por Karl Abraham (1959). A obra de Abraham contem muitos elementos ainda hoje
valiosos para o pensar psicanalítico. Porém, a partir dela, foi gerada uma série de confusões centrais
relativas à função do objeto.
102. Como Abraham enfoca o problema do objeto? Abraham, estudioso, em princípio, da embriologia,
considera o objeto sob o ângulo da evolução maturativa dos instintos. O objeto da pulsão é parcial como
conseqüência da imaturidade do sujeito, da criança nesse caso. A pulsão deixa de ser uma subversão do
instinto - como Freud articulou, para achatar-se, em sua dimensão conceitual, ao ficar reduzida a uma
problemática da imaturidade perceptual ou outra, que substitui a dimensão do desejo e a sexualidade
perversa-polimorfa dos Três ensaios. O objeto do desejo, o objeto da pulsão viram em direção à
problemática do objeto de amor. Surge então a oposição entre o amor parcial e o amor total; o um imaturo,
o outro maduro.
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103. O adjetivo total, ausente da obra de Freud exceto no contexto do narcisismo, apodera-se da cena
analítica, o amor deve totalizar-se. Desenha-se assim um novo modelo: o objeto de amor total (toda a
pessoa), e o objeto pós-ambivalente (Eros e Tânatos fusionados em uma unidade que elimina a
ambivalência, entendida tão somente em sua vertente amor-ódio, representante único e direto da oposição
fusiona do Além do princípio do prazer).
104. O mito da unicidade projeta-se sob uma nova máscara no campo da psicanálise: o amor objetivo,
genital, pós-ambivalente. Esta unicidade assim re-introduzida marca, não apenas a unidade do sujeito e do
objeto, como a unidade e a harmonia entre o sujeito e o real, a unidade conseguida do sujeito consigo
mesmo.
105. O sujeito dobra-se ante o princípio da realidade; passa de uma apercepção ilusória do mundo ao serviço
do princípio de prazer (tese que sustenta grande parte do desenvolvimento da criança na teoria kleiniana que
se encontra como continuação direta coma de Abraham) a uma plena captação do real.
106. O objeto parcial da pulsão, porém, e a marca que constitue em sua repetição incessante o objeto do
desejo, não são erros perceptivos, não são “percebidos” como parciais devido a uma imaturidade da
percepção que se articula, em algumas teorias, com o conceito de fortaleza instintual que potencia a
deformação da imaturidade; estruturam-se como tais pela ação do significante, não por uma suposta
debilidade da criança, pequeno selvagem necessitado de salvação (Cf. Lacan, 1973).
107. O processo primário busca a identidade de percepção e ela dependa da insistência da cadeia
significante; o processo secundário busca a identidade de pensamento e ela depende, também, de uma cadeia
significante, não de uma realidade pré-estabelecida.
108. Nossa função, enquanto analistas, é colaborar no advento e no reconhecimento do desejo inconsciente,
função que se indica no discurso do analista, através desse impossível que, no manifesto, articula a sua
primeira linha: $ <> a, a fórmula da fantasia, através da qual o “a” lhe chega ao sujeito. Nossa função se
afasta, pois, da ortopedia do desejo; não cremos que tornar consciente o inconsciente seja sinônimo de
“secundarizar”, de adaptar o desejo ao processo secundário, formulação essa que somente se pode sustentar
no desconhecimento dos enunciados da teoria freudiana.
109. fazer surgir o objeto causa de desejo do dizer do analisante nada tem que ver com uma suposta
adequação do paciente à “realidade”, no sentido habitual do termo; não implica qualquer juízo sobre qual
seja o melhor objeto para o sujeito, a não ser a recuperação da sua dignidade enquanto sujeito.
110. Em seu Seminário sobre a transferência, (1961) Lacan assinala que a dignidade do sujeito foi
confundida com a sua individualidade enquanto corporalidade. O advento do desejo na análise marca, pelo
contrário, esse algo irredutível, único, insubistituivel, essa relação privilegiada na qual culminamos
enquanto sujeitos no desejo. A realização do desejo não é a possessão de um objeto, mas a emergência,
como tal, da realidade do desejo.
111. Frente à proposta lacaniana, alça-se a figura do analista “mestre”, aquele que sabe (S 1 no lugar de
agente) antes de onde está a verdade do sujeito. Corrigir sua “parcialidade perceptiva”, corrigir a sua visão
fantasmática dos outros, conhecer o “todo” desses outros (o grande Outro obviamente não existe), dos
outros imaginários que aqui se deslizam, seria essa a função do analista. Curioso contra-senso, aquilo que
em sua estrutura sustenta o drama subjetivo passa pelo reconhecimento da ausência, da falta sobre a qual o
Outro se apóia, se sustenta; este drama se chama castração.
112. Esse deslizamento que gira em torno do não reconhecimento da castração, do caráter estruturalmente
cindido do S, cai facilmente na queda do discurso do senhor. Não somos, então, apenas mestres, somos
senhores idênticos ao nosso próprio significante, por exemplo, “o analista”, cuja caricatura grotesca brota
na mania interpretativa do “aqui, agora, comigo” a todo custo. Confundimos o sujeito suposto saber que
opera de maneira trans-fenomênica na transferência com nossa própria pessoa; somos a saúde, a
maturidade, o modelo saudável e salvador. Identificando-se a ele, o analisante chegará à sua realização.
113. Oscilamos, então, entre uma variante do discurso universitário, na qual a análise se torna aprendizagem
e o inconsciente deformação perceptiva; liberamos o sujeito de seu erro, permitindo-lhe alcançar o “real” - e
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uma variante do discurso do mestre, cuja linha superior era, diríamos, da sugestão, desnudando a tendência
a legislar o desejo - como se isso fosse possível -, oferecendo-nos como modelo da plenitude subjetiva,
manchando o nosso discurso, sem conseguir, jamais, o todo, a barra que cruza o Outro, A/.

A/  A
114. Em ambos os casos, estamos longe do saber como verdade, possível, apenas, aceitando ser esse desejo
do discurso do analisante, que é o objeto “a”, e abrindo a pergunta obrigatória sobre a verdade de nosso
desejo enquanto psicanalistas (Cf. Lacan, 1978).

BIBLIOGRAFIA

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Versão de Luís Flávio S. Couto,


para uso exclusivo e restrito dos alunos de Psicologia
[circulação interna]

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