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OFICINA

DE ESCRITA
FILOSÓFICA

Departamento de Filosofia
Graduação em Filosofia
apoio PROACAD

Recife, novembro de 2018


Sumário
Apresentação........................................................................................................................................4
A formulação do problema e da tese em 14 passos..............................................................................6
Modelos para estruturar textualmente alguns dos passos anteriores....................................................7
Exemplos de formulação do problema e da tese filosófica..................................................................8
Apresentação

Escrever ensaios filosóficos é um exercício de diálogo em, pelo menos, dois sentidos. Por

um lado, há o diálogo com a comunidade filosófica. Essa comunidade é composta, em primeiro

lugar, por pessoas que você conhece mais ou menos bem, que lhe permitem, inclusive, discutir

filosofia tomando um café ou bebendo uma cerveja, como seu colega de sala de aula, seu professor

ou amigos recentes de um congresso. Em segundo lugar, esse diálogo é composto por seres

históricos, que você “ressuscita” em toda leitura de uma obra clássica - são, na feliz expressão de

Robert Brandom, os “mortos-vivos” da filosofia. Todo debate filosófico interessante é uma parte de

uma longa, geralmente milenar, conversa entre pessoas de diferentes tempos e lugares. Para

podermos participar dessas conversas, precisamos ter a habilidade de compreender adequadamente

o que outras pessoas já disseram sobre o mesmo assunto, não só para reproduzir suas posições,

quando for o caso, mas sobretudo para poder compará-las, avaliá-las e tomar posição própria a

respeito delas. Portanto, escrever não é, por mais paradoxal que possa soar, um ato solitário. É um

momento de reunião com pessoas de nosso imaginário social, que envolve conflito e conciliação.

Por outro lado, há o diálogo consigo mesmo. Nenhuma ideia filosófica importante é

obviamente falsa ou obviamente verdadeira; quando assim parece, é porque alguém está tratando-as

com despreparo e superficialidade. Se quisermos escrever algo de valor sobre uma ideia filosófica,

precisamos assumir a dupla responsabilidade de sermos sinceros sobre nossa posição a respeito dela

e de sermos generosos na compreensão das posições que divergem da nossa. Nada disso é trivial;

nada disso é fácil de realizar. Várias habilidades devem ser cultivadas e simultaneamente

mobilizadas para se obter bons resultados. Aprender a escrever ensaios filosóficos requer tempo,

técnica e prática.

O objetivo dessas oficinas é lhe auxiliar em um aspecto específico, mas crucial, desse

aprendizado - o aspecto prático. Há muita bibliografia de qualidade acessível sobre as técnicas para

se escrever textos argumentativos. Consultá-la e estudá-la ajuda bastante, mas só até certo ponto.

Pois escrever ensaios é um saber predominantemente prático e o que faz a diferença, nesse casos, é

a prática continuada e sistemática. Somente com a prática insistente, através de erros e acertos,

obtemos conhecimento do que significa ser claro e conciso, dos recortes necessários para a escrita
de um artigo sobre determinado problema ou dos atalhos que podemos tomar para reconstruir um

debate ou um argumento. Escrever (e escrever bem) é um saber semelhante ao saber andar de

bicicleta, desenhar ou cozinhar. Não basta sabermos o que fazer, precisamos saber como fazer.

Essas oficinas de escrita filosófica lhe oferecem um espaço e um momento do dia em que

você poderá fazer isso através de uma imersão conjunta com seus colegas. Mas elas proporcionam,

sobretudo, um caminho simples, para que os resultados da prática manifestem-se com mais rapidez

e possam aperfeiçoar-se ao longo do tempo. Esse caminho consiste, basicamente, em adotar como

modelo de escrita uma estrutura básica de ensaio filosófico e mostrar, a partir de exemplos, como

cada elemento dessa estrutura pode ser construído. Caberá a você se familiarizar com essa estrutura

e imitar os bons exemplos para bem preenchê-la. Naturalmente, com o tempo e a prática persistente,

você poderá trabalhar com estruturas mais complexas e construir textos cada vez mais originais.

Para fins didáticos, a estrutura básica de ensaio argumentativo adotada aqui possui cinco

partes: (1) a formulação do problema e da tese filosófica; (2) a elaboração dos argumentos para

sustentar a tese; (3) a demonstração de que os argumentos usados são válidos; (4) a demonstração

de que as premissas são verdadeiras e (5) a exposição dos resultados obtidos e desdobramentos

possíveis. Nessa primeira edição das oficinas, a carga horária disponível não permitirá abordar cada

uma dessas partes e, por isso, decidimos concentrar os esforços em exercícios para a primeira parte,

que trata da elaboração precisa de uma questão filosófica e da exposição clara da posição a ser

adotada, no ensaio, diante dela. E, mesmo com essa restrição, não haverá tempo para contemplar,

durante as oficinas, tudo aquilo que é relevante para se explorar um tema filosófico, de modo a

identificar uma questão sobre a qual tomar posição e dissertar. Mas é preciso começar de algum

ponto e essa primeira parte talvez seja, dentre aquelas cruciais para a produção de bons ensaios

filosóficos, a que recebe menos atenção ao longo dos cursos de graduação em Filosofia.
A formulação do problema e da tese em 14 passos

[1] Qual o tema do texto que você está lendo? Qual o tema que você quer tratar? Você consegue

enunciá-lo em uma frase curta e clara?

[2] Quais os principais conceitos que fazem parte desse tema? Tente estabelecer uma relação

ordenada e coerente entre eles. Guarde esse esboço para compará-lo mais adiante.

[3] Tente delimitar ainda mais o tema a partir de um problema filosófico específico. Escolha apenas

os conceitos imprescindíveis e formule-o na forma de uma pergunta.

[4] Dê especial atenção ao verbo do problema. Ele indica a principal atividade de seu texto. Você

quer definir, esclarecer, provar ou refutar algo?

[5] O problema formulado deixou mais claro o esboço do passo [2]? Faça novas revisões e ajustes

mútuos entre ambos.

[6] Que autores (clássicos e contemporâneos) abordam esse mesmo problema? Eles formulam o

problema de outro modo? Se sim, é possível ajustar o problema inicialmente formulado para

estabelecer um debate?

[7] Qual a tese que responde a esse problema? Tente enunciá-la em uma frase curta e clara apenas

com os conceitos mais importantes.

[8] Há outras respostas ou respostas antagônicas a sua formulação? Coloque-as em uma lista.

[9] O que há de controverso entre as respostas? Elenque os diferentes pontos controvertidos, como

definições, premissas, amplitude da consequência, etc.

[10] Quais os pontos fortes e os pontos fracos de cada uma das respostas (ou de cada conjunto de

respostas)?

[11] É possível resolver a questão com as respostas pré-existentes? Há a necessidade de algum

esclarecimento ou aprimoramento?

[12] Determine o objetivo do texto com base na resposta à questão (sua tese).

[13] Esclareça as principais etapas do texto.

[14] Antecipe-se: exponha, de maneira direta e clara, a conclusão do seu texto, isto é, as

consequências de sua resposta.


Modelos para estruturar textualmente alguns dos passos anteriores

“O(a) filósofo(a) ____________ afirma que “__________________”. Algumas pessoas

interpretaram essa afirmação como _________.; outras enfatizaram o fato de que _____________”.

“Nas discussões sobre __________, um ponto controverso é __________. Por um lado, ______

argumenta que __________. Por outro lado, _______ afirma que __________. Há inclusive quem

sustente que __________. Minha posição é que __________”.

“Quando se pensa a respeito de ________, a maioria de nós concorda que _______. No entanto,

essa concordância geralmente se dissipa quando se toca na questão do(a) ___________. Pois,

enquanto algumas pessoas estão convencidas de que ______, outras acreditam que _______”.
Exemplos de formulação do problema e da tese filosófica

RUSSELL, Bertrand. “A Existência da Matéria”, in RUSSELL, B. Os Problemas da Filosofia.


Lisboa: Edições 70, 1912. Tradução de Jaimir Conte.

Neste capítulo nos perguntaremos se existe num sentido qualquer algo como a matéria. Existe
uma mesa que tem certa natureza intrínseca e que continua a existir quando não a estou olhando, ou
a mesa é simplesmente um produto de minha imaginação, uma visão-de-mesa num sonho muito
prolongado? Esta questão é da maior importância. Pois …
Antes de nos envolvermos em questões duvidosas, tratemos de encontrar um ponto mais ou
menos fixo de onde partir. Apesar de...
[...]
Assim, é de nossos pensamentos e sentimentos particulares que temos uma certeza primitiva.
E isto se aplica aos sonhos e alucinações assim como às percepções normais: quando sonhamos ou
vemos um espectro, certamente temos as sensações que pensamos ter; mas por várias razões
consideramos que nenhum objeto físico corresponde a tais sensações. Assim, a certeza de nosso
conhecimento a respeito de nossas próprias experiências não deve ser limitada pelo reconhecimento
de casos excepcionais. Temos aqui, por conseguinte, no domínio de sua validade, uma sólida base a
partir da qual começar nossa busca do conhecimento.O problema que temos que considerar é este:
admitindo que estamos certos dos nossos dados dos sentidos, temos alguma razão para considerá-
los como sinais da existência de alguma outra coisa diferente, que podemos denominar de objeto
físico? Quando tivermos enumerado todos os dados dos sentidos que podemos naturalmente
considerar em conexão com a mesa, teremos dito tudo o que se pode dizer sobre a mesa, ou existe
ainda algo a mais - algo que não é um dado dos sentidos e que persiste quando saímos do aposento?
AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995, 2a. ed. Tradução de Nair de Assis
Oliveira.

1. Evódio. Peço-te que me digas, será Deus o autor do mal?


2. Agostinho. Dir-te-ei, se antes me explicares a que mal te referes. Pois, habitualmente,
tomamos o termo ‘mal’ em dois sentidos: um, ao dizer que alguém praticou o mal; outro, ao dizer
que sofreu o mal.
Ev. Quero saber a respeito de um e de outro.
Ag. Pois bem, se sabes ou acreditas que Deus é bom …, Deus não pode praticar o mal. Por
outro lado, se proclamamos ser ele justo… , Deus deve distribuir recompensas aos bons, assim
como castigos aos maus. E, por certo, tais castigos parecem males àqueles que os padecem. É
porque, visto ninguém ser punido injustamente – como devemos acreditar, já que, de acordo com a
nossa fé, é a divina Providência que dirige o universo –, Deus de modo algum será o autor daquele
primeiro gênero de males a que nos referimos, só do segundo.
Ev. Haverá então algum outro autor do primeiro gênero de mal, em vez estar claro não ser
Deus?
Ag. Certamente, pois o mal não poderia ser cometido sem ter algum autor. Mas caso me
perguntes quem seja o autor, não o poderia dizer. Com efeito, não existe um só e único autor. Pois
cada pessoa ao cometê-lo é o autor de sua má ação. Se duvidas, reflete no que já dissemos acima: as
más ações são punidas pela justiça de Deus. Ora, elas não seriam punidas com justiça, se não
tivessem sido praticadas de modo voluntário.
Ev. Ignoro se existe alguém que chegue a pecar, sem antes o ter aprendido. Mas caso isso seja
verdade, pergunto: de quem aprendemos a pecar?
Ag. Julgas a instrução (disciplinam) algo bom?
[…]
Ev. A mim, parece-me que é um bem.
Ag. Por certo! Com efeito, a instrução comunica-nos ou desperta em nós a ciência, e ninguém
aprende algo se não for por meio da instrução. Acaso tens outra opinião?
Ev. Penso que por meio da instrução não se pode aprender a não ser coisas boas.
[...]
Ag. … Assim, será impossível o mal ser objeto de instrução. Caso fosse ensinado, estaria
contido no ensino e, desse modo, a instrução não seria um bem. Ora, a instrução é um bem, como tu
mesmo já o reconheceste. Logo, o mal não se aprende. É em vão que procuras quem nos teria
ensinado a praticá-lo. Logo, se a instrução falar sobre o mal, será para nos ensinar a evitá-lo e não
para nos levar a cometê-lo. De onde se segue que fazer o mal não seria outra coisa do que renunciar
à instrução…
Ev. Não obstante, julgo que há duas espécies de instrução: uma que nos ensina a praticar o
bem e outra, a praticar o mal…
Ag. Vejamos. Admites, pelo menos, o seguinte: será a inteligência integralmente um bem?
Ev. A ela, com efeito, considero de tal modo ser um bem, que nada vejo poder existir de
melhor no homem…
Ag. Mas quando alguém for ensinado e não se servir da inteligência para entender, poderá ele
ser considerado como alguém que fica instruído?
Ev. Parece-me que ele não pode de modo algum.
Ag. Logo, se toda inteligência é boa, e quem não usa da inteligência não aprende, segue-se
que todo aquele que aprende procede bem. Com efeito, todo aquele que aprende usa da inteligência
e todo aquele que usa da inteligência procede bem. Assim, procurar o autor de nossa instrução, sem
dúvida, é procurar o autor de nossas boas ações. Deixa, pois, de pretender descobrir não sei que
mau ensinante. Pois se, na verdade, for mau, ele não será mestre. E caso seja mestre, não poderá ser
mau.
Ev. Seja como dizes, já que tão fortemente me obrigas a reconhecer que não aprendemos a
fazer o mal. Dize-me, entretanto, qual a causa de praticarmos o mal?
Ag. Ah! Suscitas precisamente uma questão que me atormentou por demais, desde que era
ainda muito jovem. Após ter-me cansado inutilmente de resolvê-la, levou a precipitar-me na heresia
(dos maniqueus), com tal violência que fiquei prostrado. Tão ferido, sob o peso de tamanhas e tão
inconsistentes fábulas, que se não fosse meu ardente desejo de encontrar a verdade, e se não tivesse
conseguido o auxílio divino, não teria podido emergir de lá nem aspirar à primeira das liberdades –
a de poder buscar a verdade. Visto que a ordem seguida, então, atuou em mim com tanta eficácia
para resolver satisfatoriamente essa questão, seguirei igualmente contigo aquela mesma ordem pela
qual fui libertado… Ora, nós cremos em um só Deus, de quem procede tudo aquilo que existe. Não
obstante, Deus não é o autor do pecado. Todavia, perturba-nos o espírito uma consideração: se o
pecado procede dos seres criados por Deus, como não atribuir a Deus os pecados, sendo tão
imediata a relação entre ambos?
BOGHOSSIAN, Paul A. O que é a Construção Social? In: https://criticanarede.com/
fil_desconstrucao.html. Tradução de Lucas Miotto.

O discurso sobre construção social está na moda. Mas o que significa e qual o seu propósito?
A ideia central parece razoavelmente clara. Dizer que algo é socialmente construído é dar
ênfase à sua dependência relativamente a aspectos contingentes da nossa existência social. É dizer:
isso não poderia ter existido se não o tivéssemos construído; e não precisávamos de o ter
construído, de modo algum, pelo menos não na sua forma presente. Se fôssemos outro tipo de
sociedade, tivéssemos outras necessidades, valores ou interesses, poderíamos muito bem ter
construído algo de tipo diferente, ou construído essa mesma coisa diferentemente. O contraste
inevitável se dá com um objeto que existe naturalmente, algo que existe independentemente de nós
e em cuja formação não tivemos intervenção.
Há certamente muitas coisas, e fatos acerca dessas coisas, que são objeto de construção social
no sentido especificado por essa ideia nuclear: o dinheiro, a cidadania e os jornais, por exemplo.
Nenhuma dessas coisas poderia ter existido sem a sociedade e cada uma delas poderia ter sido
construída de modo diferente, se o tivéssemos decidido.
Entretanto, como Ian Hacking corretamente observa na sua recente monografia, The Social
Construction of What? (1999), o discurso sobre a construção social é frequentemente aplicado não
só a itens mundanos — coisas, tipos e fatos — mas também às nossas crenças acerca desses itens.
Considere o livro The Social Construction of Women Refugees (1992), de Helene Moussa.
Claramente, a intenção que preside ao livro não é a de insistir no fato óbvio de que algumas
mulheres se tornam refugiadas em virtude de acontecimentos sociais. Ao invés, a ideia é denunciar
o modo pelo qual uma crença particular foi moldada por forças sociais: a crença de que há um tipo
particular de pessoa — a mulher refugiada — digno de ser distinguido de outros, a fim de receber
atenção especial.
O discurso sobre a construção social da crença, entretanto, exige algum desenvolvimento da
sua ideia nuclear. Pois é simplesmente uma verdade trivial acerca de qualquer crença que tenhamos
que não foi necessário termos acabado por adotá-la e que poderíamos não o ter feito caso fôssemos
diferentes do que efetivamente somos. Considere a crença que temos de que os dinossauros outrora
vaguearam sobre a Terra. Obviamente, não era inevitável que acabaríamos por chegar a ter essa
crença. Poderíamos nunca ter considerado essa questão. E, depois de a termos considerado,
poderíamos ter chegado a uma conclusão diferente por variadíssimas causas: poderíamos não estar
interessados na verdade; poderíamos não ter sido suficientemente inteligentes para descobrir a
resposta; poderíamos nunca nos ter deparado com os indícios relevantes (o registro fóssil).
Essas observações apresentam-nos diversos sentidos enfadonhos segundo os quais qualquer
crença pode ser considerada dependente de fatos contingentes acerca de nós. A questão importante
diz respeito ao papel do social, depois de todos esses fatores terem sido levados em consideração:
ou seja, mantendo fixas as nossas capacidades e inteligência, e dado o nosso interesse na questão e
o nosso desejo de descobrir a verdade acerca dela, e dada a nossa exposição aos indícios relevantes,
será que ainda precisamos de invocar valores sociais contingentes para explicar a razão de
acreditarmos que existiram dinossauros? Se a resposta for “Sim” — for verdade que outra
sociedade, diferindo da nossa somente nos seus valores sociais, teria chegado a uma crença
diferente e incompatível — então poderíamos afirmar que a nossa crença em dinossauros é uma
construção social.
É crucial, portanto, que por um lado se distinga entre uma afirmação construtivista quanto a
coisas e fatos e, por outro, uma afirmação quanto a crenças, pois se tratam de classes distintas de
afirmações e têm de ser justificadas de maneiras diferentes. A primeira corresponde à afirmação
metafísica de que algo é real mas criado por nós; a segunda corresponde à afirmação epistêmica de
que a explicação correta da razão por que temos uma dada crença particular tem a ver com o papel
que essa crença desempenha em nossas vidas sociais, e não exclusivamente com os indícios
apresentados em seu favor. Cada tipo de afirmação é interessante à sua própria maneira.
DELEUZE, Gilles. Logique du Sens. Paris: Les Editions Minuit, 1969.

A obra de Lewis Carroll tem tudo para agradar o leitor contemporâneo: são livros para
crianças, sobretudo para meninas; palavras esplêndidas, insólitas, esotéricas; tabelas, códigos e
decifrações; desenhos e fotos; um conteúdo psicanalítico profundo, um formalismo lógico e
linguístico exemplar. E, para além do prazer, algo a mais, um jogo de senso e contrasenso, caos e
cosmos. Mas as núpcias entre a linguagem e o inconsciente já foram organizadas e celebradas de
tantas maneiras diferentes que é preciso resgatar o que elas foram precisamente para Lewis Carroll,
com o que elas foram organizadas e celebradas nele, graças à ele.
Apresentamos uma série de paradoxos que formam a teoria do sentido. Que essa teoria não
seja separável dos paradoxos, explica-se facilmente: o sentido é uma entidade não existente; ele
estabelece inclusive relações bem particulares com o contrassenso. O lugar privilegiado de Lewis
Carroll vem do fato de que ele produz o primeiro grande relato, a primeira apresentação dos
paradoxos do sentido, seja reunindo-os, seja renovando-os, seja inventando-os, seja preparando-os.
O lugar privilegiado dos estóicos deriva do fato de que eles foram iniciadores de uma nova imagem
do filósofo, em ruptura com os pré-socráticos, com o socratismo e com o platonismo – e essa nova
imagem encontra-se já estreitamente ligada à constituição paradoxal da teoria do sentido. A cada
série correspondem, portanto, figuras, que são não apenas históricas, mas tópicas e lógicas. Como
sobre uma superfície pura, certos pontos de uma figura numa série remetem a outros pontos de
outra figura: o conjunto das constelações-problemas, com seus correspondentes jogos de dados, as
histórias e os lugares, um lugar complexo, uma ‘história complicada’ - esse livro é um ensaio de
romance lógico e psicanalítico.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1953.

§1. Necessidade de uma retomada explícita da questão do ser


Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a “metafísica”, a questão
aqui evocada caiu no esquecimento… A questão referida não é, na verdade, uma questão qualquer.
Foi ela que deu fôlego às pesquisas de Platão e Aristóteles para depois emudecer como questão
temática de uma real investigação. O que ambos conquistaram manteve-se, em muitas distorções e
“recauchutagens”, até a Lógica de Hegel. E o que outrora se arrancou, num supremo esforço de
pensamento, ainda que de modo fragmentado e tateante aos fenômenos, encontra-se, de há muito,
trivializado.
E não só isso. No solo da arrancada grega para interpretar o ser, formou-se um dogma que não
apenas declara supérflua a questão sobre o sentido de ser, como lhe sanciona a falta. Pois se diz:
“ser” é o conceito mais universal e mais vazio. Como tal, resiste a toda tentativa de definição. Esse
conceito mais universal e, por isso, indefinível, prescinde de definição. Todo mundo o emprega
constantemente e também compreende o que ele, cada vez, pretende designar. Assim o que,
encoberto, inquietava o filosofar antigo e se mantinha inquietante transformou-se em evidência
meridiana, a ponto de acusar quem ainda levantasse a questão de cometer um erro metodológico.
[…]
Assim, o exame dos preconceitos tornou ao mesmo tempo claro que não somente falta
resposta à questão do ser, mas que a própria questão é obscura e sem direção. Retomar a questão do
ser significa, pois, elaborar primeiro, de maneira suficiente, a colocação da questão.

§2. A estrutura formal da questão do ser


Deve-se colocar a questão do sentido de ser. Tratando-se de uma ou até da questão
fundamental, seu questionamento precisa, portanto, adquirir a devida transparência. Daí a
necessidade de se discutir brevemente o que pertence a uma questão para, a partir daí, poder-se
mostrar a questão do ser como uma questão privilegiada.
Todo questionar é um buscar. Toda busca retira do que se busca a sua direção prévia.
Questionar é buscar cientemente o ente naquilo que ele é e como ele é. A busca ciente pode
transformar-se em “investigação” se o que se questiona for determinado de maneira libertadora. O
questionar enquanto “questionar acerca de alguma coisa” possui um questionado. Todo questionar
acerca de… é, de algum modo, um interrogar sobre… Além do questionado, pertence ao questionar
um interrogado. Na questão investigadora, isto é, na questão especificamente teórica, deve-se
determinar e chegar a conceber o questionado. No questionado reside, pois, o perguntado, enquanto
o que propriamente se intenciona, aquilo em que o questionamento alcança a sua meta. Como
atitude de um ente que questiona, o questionar possui em si mesmo um modo próprio de ser. Pode-
se empreender um questionamento como “um simples questionário” ou como o desenvolvimento
explícito de uma questão. A característica dessa última é tornar de antemão transparente o
questionar quanto a todos os momentos constitutivos de uma questão.
Deve-se colocar a questão do sentido de ser. Com isso nos achamos diante da necessidade de
discutir a questão do ser no tocante aos momentos estruturais referidos.
KANT, I. Prolegômenos a Toda Metafísica Futura. Lisboa: Edições 70, 1783.

QUESTÃO GERAL DOS PROLEGÔMENOS


É a metafísica possível?
§4
Se existisse realmente uma metafísica que pudesse afirmar-se como ciência, poder-se-ia dizer:
aqui está a metafísica, deveis apenas aprendê-la e ela convencer-vos-á irresistível e invariavelmente
da sua verdade: esta questão seria então ociosa e apenas restaria a seguinte, a que diria respeito mais
a uma prova da nossa perspicácia do que à demonstração da existência da própria coisa, a saber,
como ela é possível e como a razão aí procura chegar. Mas, nesse caso, a razão humana não foi bem
sucedida. […]
[…]
Os juízos genuinamente metafísicos são todos sintéticos. Importa distinguir os juízos que
pertencem à metafísica e os juízos metafísicos propriamente ditos. Entre os primeiros, há muitos
que são analíticos, mas constituem apenas meios para os juízos metafísicos, para os quais se orienta
inteiramente o fim da ciência, e que são sempre sintéticos. […]
[…]
Desgostados, pois, do dogmatismo, que nada nos ensina, e também do ceticismo, que nada
nos promete, nem sequer a tranquilidade de uma ignorância permitida, solicitados pela importância
do conhecimento de que temos necessidade e desconfiados, em virtude de uma longa experiência,
de tudo o que julgamos possuir ou que se nos oferece sob o título da razão pura, resta-nos apenas
uma questão crítica, segundo cuja solução podemos orientar a nossa atitude futura: É a metafísica
verdadeiramente possível? Mas essa questão não deve admitir como resposta objeções céticas a
certas afirmações de uma qualquer metafísica real (pois ainda não aceitamos nenhuma), mas ser
respondida a partir do conceito ainda problemático de uma tal ciência.
[…]
Acontece, porém, felizmente que, embora não possamos supor que a metafísica enquanto
ciência é real, é-nos, no entanto, possível afirmar com confiança que certos conhecimentos
sintéticos puros a priori são reais e dados, a saber, a matemática pura e a física pura; com efeito,
estas duas ciências contêm proposições reconhecidas, de modo geral, como verdadeiras, se bem que
independentes da experiência, quer pela simples razão com uma certeza apodítica, quer pelo
consentimento universal fundado na experiência. Possuímos, pois, pelo menos algum conhecimento
sintético a priori indiscutido; e não devemos interrogar-nos se ele é possível (pois é real), mas
apenas como ele é possível, a fim de poder derivar do princípio da possiblidade do conhecimento
dado também a possibilidade de todos os outros.
SCHLICK, M. (1931) “A Causalidade na Física Atual”, in SCHLICK, M; CARNAP, R. Pensadores
- Coletânea de Textos, São Paulo: Abril, 1988. Tradução de Luís João Baraúna

Observações Preliminares

Infinito é o número dos mundos físicos imagináveis, logicamente possíveis. Entretanto, a fantasia

humana se demonstra extraordinariamente pobre ao tentar excogitar e elaborar novas possibilidades

neste campo.

A capacidade da imaginação humana está tão estreitamente ligada às condições perceptíveis da

experiência, que pelas próprias forças não consegue desviar-se delas um passo sequer. Somente a

forte pressão da refinada experiência científica logra libertar o pensamento humano das suas

convicções habituais e arraigadas.

[...]

A reviravolta à qual chegou a Física dos últimos anos no que concerne ao problema da

“causalidade” constitui também algo que não era possível prever.

Por mais que se tenha filosofado acerca do determinismo e do indeterminismo, sobre o conteúdo, a

validade e a verificação do princípio da causalidade, a ninguém ocorreu a possibilidade que nos

oferece a física dos quanta, dando-nos a chave que nos capacita a compreender o tipo de ordem

causal realmente existente na realidade.

[...]

2. Causalidade e princípio da causalidade

A observação de que as considerações filosóficas, em consequência do seu ferrenho apego às

convicções ideológicas tradicionais, não conseguiram prever as possibilidades descobertas mais

tarde, vale também quanto às reflexões por mim feitas há mais de dez anos atrás.

[...]

Cabe antes de tudo verificar o que o pesquisador da natureza entende ao falar de “causalidade”.

Quando emprega ele este termo? Evidentemente, toda vez que supõe haver uma “dependência”

entre quaisquer eventos.

Que significa, porém, “dependência”? Na ciência, em todo caso, ela é expressa sempre por uma lei.

Por conseguinte, a causalidade não passa de uma outra palavra para designar a existência de uma

lei.
O conteúdo do princípio da causalidade é constituído manifestamente pela afirmação de que tudo no

universo acontece segundo uma lei. É uma e mesma coisa afirmar a validade do princípio da

causalidade ou a existência do determinismo.

Para podermos formular o enunciado causal ou a tese determinística, impõe-se previamente definir

o que se deve entender por lei natural ou por “dependência” recíproca entre eventos da natureza.

Com efeito, somente depois de possuirmos clareza sobre o referido ponto, poderemos compreender

o sentido do determinismo, o qual afirma que todo acontecimento constitui membro de uma relação

causal, que todo processo ou evento em sua totalidade depende de outros processos ou eventos.

Em consequência, distinguimos em todo caso o problema da significação da palavra “causalidade”

ou “lei natural” da questão da validade do princípio causal ou do enunciado causal, ocupando-nos

por ora exclusivamente com a primeira questão.

A distinção que acabamos de fazer coincide, quanto a seu objeto, com a estabelecida por H.

Reichenbach em seu estudo “A estrutura causal do mundo”, no início da sua investigação.

[...]

A mim parece mais simples e mais acertado caracterizar a mencionada diferença como distinção

entre o conceito causal e o princípio da causalidade.

Trata-se, portanto, de analisar agora o conteúdo ou significado do princípio da causalidade.

Em que casos dizemos que um evento A “determina” um evento B, que B “depende” de A, que B se

prende a A através de uma lei? Que significam no enunciado “se ocorrer A, ocorrerá também B”, os

termos “se … também”, os quais assinalam a relação causal?

[...]

Em consequência, a verificação, a confirmação de uma previsão, a comprovação na experiência,

constitui o verdadeiro critério da causalidade, e isto no sentido prático, o único em que se possa

falar da verificação de uma lei.


MILL, John Stuart. A sujeição das mulheres. São Paulo: Penguin Classics e Companhia das Letras.

2017.

A generalização de uma prática leva, em alguns casos, à forte pressuposição de que ela conduz, ou pelo

menos conduziu em algum momento, a finalidades louváveis. Este é o caso quando a prática foi inicialmente

adotada, ou depois mantida, como um meio para tais finalidades, e se fundamentou na experiência do modo

pelo qual poderiam ser mais efetivamente alcançadas. Se a autoridade dos homens sobre as mulheres, quando

primeiramente estabelecida, tivesse sido o resultado de uma conscienciosa comparação entre diferentes

maneiras de constituir o governo da sociedade; se, depois de se tentarem vários outros modos de organização -

governo das mulheres sobre os homens, igualdade entre os dois, e tantos modos mistos e divididos de governo

quantos possam ser imaginados -, tivesse sido decidido, com testemunho da experiência, que o modo no qual

as mulheres estão totalmente sob o governo dos homens, sem participação nos assuntos públicos, e sendo cada

uma, em privado, obrigado a prestar obediência ao homem ao qual tenha associado seu destino, é o arranjo

mais propício para a felicidade e o bem-estar de ambos, então sua adoção poderia, em geral se basear na

evidência de que, na época em que foi adotada, era o melhor; mesmo assim, as considerações que o

recomendaram, como tantos outros fatos sociais primitivos de grande importância, teriam subsequentemente,

com o decorrer dos tempos, cessado de existir. Mas o estado em que este caso se apresenta é em cada aspecto

inverso disso. Em primeiro lugar, a opinião a favor do sistema atual, que subordina totalmente o sexo fraco ao

forte, se baseia apenas numa teoria, pois nunca se experimentou nenhum outro; assim, não se pode pretender

que a experiência, no sentido em que comumente se opõe à teoria, tenha enunciado qualquer veredicto. E, em

segundo lugar, a adoção deste sistema de desigualdade nunca foi resultado de uma deliberação, ou

premeditação, ou quaisquer ideias sociais, ou qualquer noção do que poderia levar ao benefício da humanidade

ou à boa ordem da sociedade. Veio simplesmente do fato de que, desde o mais remoto crepúsculo da sociedade

humana, toda mulher (devido ao valor a ela atribuído pelo homem, combinado com sua inferioridade em força

física) viu-se num estado de servidão a algum homem. Leis e sistemas de uma sociedade organizada sempre

começam reconhecendo as relações existentes entre indivíduos. O que era um mero fato físico é convertido

num direito legal, ganha a sanção da sociedade, visando principalmente a implementar meios públicos e

organizados de garantir e proteger esses direitos, substituindo o conflito irregular e sem lei da força física. (p.

229-230).
KING JR., Martin Luther. Carta da prisão da cidade de Birmingham. 1963.

[A]lguém poderia muito bem perguntar: “Como você defende o desrespeito a algumas leis e

a obediência a outras?” A resposta está no fato de que há dois tipos de leis: há leis justas e há leis

injustas. Eu concordaria com Santo Agostinho que “uma lei injusta simplesmente não é lei”.

Agora, qual é a diferença entre as duas? Como se pode determinar quando uma lei é justa ou

injusta? Uma lei justa é um código feito pelo homem, que concorda com a lei moral ou a lei de

Deus. Uma lei injusta é um código que não está em harmonia com a lei moral. Para pôr nos termos

de São Tomás de Aquino, uma lei injusta é uma lei humana que não está enraizada na lei natural e

eterna. Qualquer lei que eleve a personalidade humana é justa. Qualquer lei que degrade a

personalidade humana é injusta. Todas as leis segregacionistas são injustas porque a segregação

distorce a alma e danifica a personalidade. Ela dá ao segregacionista o sentido falso de

superioridade e ao segregado o sentido falso de inferioridade. Para usar as palavras de Martin

Buber, o grande filósofo judeu, a segregação substitui uma relação “Eu-isso” por uma relação “Eu-

tu” e termina por relegar as pessoas ao status de coisas. Assim, a segregação somente é econômica e

sociologicamente improcedente, mas é moralmente errada e pecaminosa. Paul Tilich disse que o

pecado é separação. Não é a segregação uma expressão existencial da separação trágica do homem,

uma expressão de seu terrível estranhamento? Assim, eu posso instigar os homens a desobedecer as

ordens segregacionistas porque elas são moralmente erradas.

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