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ORLANDO FEDELI

ELEMENTOS CABALÍSTICOS
ESO TÉRI CO S E

NAS VISÕES DE ANNA KATHARINA EMMERICK

Tese de doutoramento a p r e s e n t a da
ao De pa rta men to de H ist óri a da
Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade de


São

Histó ria Social

O R I E N T A D O R : PROFESSOR DOUTOR
VICTOR DEODATO DA SILVA

1
APRESENTAÇÃO .........................................
1. I

1. Dados iniciais I

2. As polêmicas em torno de Katharina Emmerick . . . . III

3. Objetivos e limites de nossa tese ........................


IX

4. Método de nossa exposição ................................


XIII

5. Siglas utilizadas ......................................


XVI

CAPÍTULO I Origens do Romantismo alemão ....................


01

1. Conceito de Romantismo - Romantismo e Gnose . . . .........


............................................................ 01

2. Distinções ................................................
............................................................ 09

3. Os veios originais do Romantismo alemão ...................


............................................................ 09

A. O veio esotérico do Romantismo ........................


13
B. O veio religioso na formação do Romantismo - O
pietismo ..............................................
...................................................... 34

C. 0 veio filosófico do Romantismo .......................


45

4. Franz von Baader ..........................................


............................................................ 54

5. Os filósofos idealistas ...................................


............................................................ 72
2
CAPÍTULO II Clemens Brentano .................................
............................................................ 82

1. Introdução ...............................................
82

2. Dados biográficos de Clemens Brentano ....................


82

3. Princípios traços da mentalidade de Clemens Brenta-

no .......................................................
......................................................... 99

A. Sensualismo ...........................................
......................................................... 99

3
B. Tendências ao incesto .............................. 102

C. Tendências homossexuais ............................. 111


D. Sensualismo dialético .............................. 119

E. Misticismo erótico 121

4. Mentalidade, tendências, idéias de Clemens Brentano 129

5. As fontes das idéias esotéricas e cabalistas de Bren

tano .................................................. 142

A. O esoterismo e o misticismo de Brentano . . . ...... 143

B. Brentano e a teosofia .............................. 153

C. Alquimia e magia ................................... 155

D. Magnetismo ......................................... 156


E. Clemens Brentano e a Cabala ........................ 163

6. 0 cabalismo cristão e Brentano ......................... 169

CAPÍTULO III Anna Katharina Emmerick ...................... 190

1. Introdução: as biografias e a polêmica Emmerick . ..... 190

2. Vida de Anna Katharina Emmerick de 1774 a 1813 . ...... 197


3. As investigações ...................................... 207
4. Os fenômenos "para-normais" de Katharina Emmerick :

estigmas, êxtases, visões ............................. 220

5. As idéias manifestadas por Katharina Emmerick antes


da chegada de Brentano ................................ 228
6. Clemens Brentano e Katharina Emmerick ................. 253
7. As visões de Katharina Emmerick e as anotações de

Brentano .............................................. 272

CAPÍTULO IV A criação do mundo ............................ 278

4
1. Observações preliminares ............................... 278

5
2.
3. A divindade, os anjos e a criação do mundo . • • 279
4. A emanação dos espíritos ..............................
292

5. A queda dos anjos .....................................


311
6. A questão apocatastética ..............................
321
7. A “Criação"do mundo segundo Katharina Emmerick . . ....
346

8. As rosas do Paralo ....................................


352

9. Rios, "águas, animais do Paraíso ......................


363

CAPITULO V A d ã o e Eva ..................................


................................................................ 376

1. "Criação" de Adão .....................................


376

2. Local da "criação" de Adão ............................


378

3. Modo da "criação" de Adão ........ . . • • • 379

4. Adão luminoso e parcialmente espiritual ...............


383

5. Adão andrógino ........................................


388
6. A "criação" de Eva ....................................
402

7. O corpo de Eva e a reprodução humana no Paraíso . .....


412

8. A
doutrina tradicional católica sobre a reprodução humana no
Paraíso ... 418
9. A posição gnóstica, cabalista e esotérica face ao

problema da reprodução humana .........................


............................................................ 427

6
CAPITULO VI O pecado Original 444

1. Paraíso terrestre e Reino de Deus .....................


........................................................... 444

2. O fruto proibido e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal

.......................................................

........................................................... 448

3. A primeira queda de Adão e a "criação" de Eva . . 461

4. A tentação: Eva e a serpente ..........................


........................................................... 469

7
5. Conseqüências do pecado original .......................
................................................................ 498

A. O problema do homem como imagem de Deus . . . ....


....................................................... 498

B. Transformações no corpo humano após o pecado o riginal

..................................................

....................................................... 506

CAPITULO VII O Gérmen da Bênção ...........................


................................................................ 517

1. Origem do gérmen da bênção e seu papel na geração humana


........................................................... 517

2. A perda do gérmen da bênção ......................

3. O gérmen da bênção e a Virgem Maria ..................


523

4. Doação do gérmen da bênção a Abraão e a seus descendentes


......................................................
........................................................... 538
5. O gérmen da bênção e a história de José e Aseneth , segundo

a literatura apócrifa ................................

........................................................... 544

6. O gérmen da bênção, sacramento do Antigo Testamento 558

CAPITULO VIII O Gérmen da Bênção, a Imaculada Conceição

da Virgem Maria e a Encarnação do

Verbo ......................................

8
................................................ 584

1. Introdução ...........................................
584

2. O gérmen da bênção e os essênios .....................


585

3. Santana, S. Joaquim e o gérmen da bênção .............


592

4. Uma nota importantíssima .............................


604
5. O gérmen da bênção e a Imaculada Conceição . . . .....
617
6. A Encarnação do Verbo ................................
634

9
CAPITULO IX Outros Temas Esotéricos nas Visões de Anna Katharina

Emmerick .....................................

................................................... 643

1. Gnose e milenarismo 643


2. Cabala e milenarismo ..................................
................................................................ 647
A. Messianismo coletivo .............................
648

B. Messianismo cósmico 649

C. Retorno ao Paraliso ..............................


650

D. Intervenção divina na História ...................


651

E. Antinomismo 653

F. Messianismo revolucionário .......................


656

3. O milenarismo em Boehme e nos círculos místicos e


esotéricos iluminados 659

4. O milenarismo entre os românticos .....................


................................................................ 665

5. O Paraíso terrestre e a Montanha dos Profetas nas

visões de Anna Katharina Emmerick .....................


............................................................ 670

10
6. O profeta Elias e sua missão de fundar o Reino de
Deus - Nova Revelação .................................
............................................................ 681

7. A Nova Igreja espiritual ..............................


................................................................ 684

8. O Reino de Deus 687

X CONCLUSÕES ...........................................
697

11
Sumário
Apresentação ............................................................................................................................................................. 13
CAPITULO I ............................................................................................................................................................. 33
Capítulo II - CLEMENS BRENTANO ................................................................................................................... 115
CAPÍTULO III - Anna Katharina Emmerick .......................................................................................................... 444
Capítulo IV - Análise das visões de Anna Katharina Emmerick ............................................................................. 466
Capítulo V - Adão e Eva.......................................................................................................................................... 490
CAPÍTULO VI ........................................................................................................................................................ 507
CAPÍTULO VII .............................................................................................................................................................. 517
CAPÍTULO VIII ............................................................................................................................................................. 577
CAPÍTULO IX .................................................................................................................................................................. 628
x. CONCLUSÕES ................................................................................................................................................... 682

12
Apresentação

Queremos testemunhar nossa gratidão a todos os que

nos ajudaram e incentivaram na elaboração desta tese e, em primeiro

lugar, a nosso orientador Professor Doutor Victor Deodato da Silva

que, ao longo destes muitos anos de pesquisa, sempre nos atendeu,

orientou e auxiliou com o mais vivo interesse e delicadeza. Por

seus conselhos amigos e correções discretas e respeitosas o nosso

sincero muito obrigado.

Menção de gratidão nós a devemos também a Madame Erika

Tunner que, quando iniciamos nossa pesquisa, recebeu - nos

benevolamente em Paris, levando a sua generosidade ao ponto de nos

presentear várias obras a respeito de Brentano, assim como a nos

permitir reproduzir obras e documentos a que não teríamos acesso

no Brasil.

Nosso agradecimento também ao Padre Gallea que,


recebendo-nos no Agostinianum, em Roma, nos permitiu tomar notas

e fazer citações de documentos relativos ao processo canônico de Anna

Katharina Emmerick, no Vaticano.

Somos gratos ainda a todos os que, em Dülmen, nos

forneceram importantes informações documentais e bibliográficas.

13
Deveríamos mencionar ainda duas outras pessoas ... Seu
pedido de não citá-las redobra a gratidão que temos para com elas.

E de praxe escusar-se por eventuais erros e falhas. Em


nosso caso, devemos fazê-lo não por praxe, mas por necessidade e
obrigação. Costuma-se dizer que errar é humano. Que nos
perdoem por termos sido - estamos conscientes disso - humanos

por demais.

14
APRESENTAÇAO

1. DADOS INICIAIS

Anna Katharina Emmerick foi uma freira alemã dos

tempos da Revolução e do Romantismo, cuja vida teve uma grande

repercussão, quer pela singularidade dos carismas que ela dizia

possuir, quer por suas visões e revelações extraordinárias que

abarcam - como a Bíblia - desde a criação do mundo até a Ascensão

de Jesus Cristo.

O homem que redigiu essas visões foi o poeta romântico

alemão, Clemens Brentano, famoso por suas obras literárias e por

seus escândalos. Após uma vida sentimental extremamente agitada, à

qual não faltaram adultérios, concubinatos, divórcio, e até

manifestações incestuosas, Brentano converteu se à prática

religiosa do catolicismo. Logo depois de sua conversão, ele partiu

para Dilmen, onde vivia Katharina Emmerick, e lá passou longos anos

junto ao leito da freira vidente, anotando as revelações que ela

dizia ter em seus fenômenos extáticos. O resultado disso foi aquilo

que alguns alemães do tempo chamaram de "Quinto Evangelho".

Após a morte da freira em 1824, Brentano levou


anos coordenando as pequenas folhas e cadernos em que fizera

suas anotações e publicou em 1833, a obra "Das Bittere Leiden

15
unseres Herrn. Jesu Christi," junto com um resumo da vida da freira (1)
.

O êxito foi total. Sabiamente Brentano escolheu o que

era conveniente publicar em primeiro lugar. As dolorosas e amargas

páginas da Paixão de Cristo, de acordo com as contemplações da

religiosa Anna Katharina Emmerick, conforme ele prudentemente

explica no subtítulo da obra, eram os textos da vidente que mais

favoravelmente poderiam impressionar o público alemão daqueles

tempos. A nota sentimental e a quase completa ausência de temas

esotéricos dessa obra viriam predispor as autoridades eclesiásticas

e o público piedoso a receber de bom grado as demais revelações da

freira, que seriam bem menos ortodoxas.

Antes de morrer, Brentano deixou praticamente

pronta para publicação, uma segunda obra baseada nas revelações


da freira: "Leben der Heilige Jungfrau Maria" (2), que
foi editada postumamente. Encarregaram-se da edição Christian
Brentano, irmão do poeta, e Daniel Bonifaz Hanneberg, a quem Clemens

confiara suas anotações. Hanneberg era um competente exegeta, bom

conhecedor da literatura rabínica. Foram suas informações que deram

a Brentano o material para as notas desse

(1) C.B. Das bittere Leiden unseres Herrn Jesu Christi - Nach den
Gesichten der Dienerin Gottes Anna Katharina Em
merick aufgezeichnet von Clemens Brentano; Citaremos a
edição organizada por P.C. Niggermann, Druct und Verlag
von Friedrich Pustet, Regensburg, 1894.
(2) C.B. (A.K.E.) Leben der heilige Jungfrau Maria - Nach den
Betrachtungen der Jottseligen Anna Katharina Emmerick, Au

16
último livro. Tais notas são reveladoras da doutrina cabalista e

esotérica que impregnam todas as revelações de Katharina

Emmerick.

Mais tarde (1858-1860), o padre Schmoeger publicou


uma obra, Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo Katharina
Emmerick (3). Schmoeger publicou ainda uma, Leben Anna

Katharina Emmerick, em 1867. Finalmente, em 1881 ele publicou o

resumo das visões de Anna Katharina Emmerick (5).

2. AS POLÊMICAS EM TORNO DE KATHARINA EMMERICK

Ainda em vida da freira, se puseram em dúvida seus

estigmas e a autenticidade de seus êxtases. Os que cercavam a

vidente, o seu médico particular, assim como Christian e Clemens

Brentano eram adeptos do magnetismo e muitas vezes submeteram

(2) (Cont.) gustinerin des Klosters Agnetenberg zu Dülmen (9


Februar 1824). Aufgeschrieben von Clemens Brentano. 6 Auflage.
Paul Pattloch Verlag, Aschaffenburg, 1980.
(3) KARL E. SCHMOEGER - Das Leben unseres Herrn und Heilandes Jesu
Christi - Nach den Gei-ahten der gottseligen Anna Katharina
Emmerick ausgeschrieben von CZemens Brentano . 3
voT:-13a2-577r, Druct und Verlag von Friedrich Pustet, Regensburg
- 1858.
(4) KARL E. SCHMOEGER - Das Leben der gottseligen Anna Katharina
Emmerick, 2 vol. Herder, Freiburg im Brisgau, 1867 -1870.
Citaremos a versão francesa dessa obra de E. CAZALES - Vie
d'Anne Catherine Emmerich, 3 vol., T-4ui, Paris, reprodução
segundo a edição original de Bray et Retaux de 1868.
(5) Citaremos a versão castelhana dessa obra do Pe. JOSÉ FUCHS -
Ana Catalina Emmerick-Visiones y Revelaciones completas, 4
vJT., Editorial Guadalupe, Buenos Aires, 1952.

17
a freira a experiências magnéticas, procurando levá-la

a estados extáticos por meios artificiais (ver cap. III desta tese).

Apesar do trabalho de censura executado pelo Pe.

Schmoeger nos escritos de Brentano, muita coisa que a freira lhe

teria dito provocara perplexidade. O Pe. Peter Rigler , prior do

convento de Lana no Tirol, anotara 50 pontos das supostas revelações

de Katharina Emmerick que contradiziam os evangelhos e a tradição

, e por isso não recomendava a leitura das obras atribuídas à vidente

de Dülmen.

Os primeiros biógrafos de Brentano, os jesuítas Diel

e Kreiten,questionaram se Brentano fizera realmente uma reprodução

fiel das revelações de Katharina Emmerick. Em contra partida, o Pe.

Schmoeger defendia a absoluta fidelidade do poeta ao que a freira

lhe revelara. Nesse tempo, ainda não se sabia a que profundos cortes

e censuras o Pe. Schmoeger submetera os manuscritos originais. Foi

em 1898 que apareceu num jornal paroquial de Salzburgo ( n 9 5 3 a 57),

um artigo do Pe.Raffle dando a público a opinião do Pe. Rigler sobre

as visões de Anna Katharina Emmerick e os escritos de Brentano.

Já antes, em 1892, o Pe. Thomas a Villanova Wegener

publicara obra sobre a vida interior e exterior da vidente de Dülmen

(6).

(6) THOMAS WEGENER - Das innere und aussere Leben der gottse ligen
Dienerin Gottes Anna Katharina Emmerick aus dem
A ugustineror den. Citaremos a 2ª. edigáo. Paul Pattloch Verlag
Aschaffenburg, 1974.

18
O autor foi um dos postuladores do processo de
informações da Igreja para a canonização da freira de Dülmen, o qual,

aberto em 1892, teve o depoimento de 134 testemunhas, quase todas


"de auditu a videntibus".

Em 1917, três censores teológicos incumbidos de

examinar as peças do processo "super scriptis" consideraram que

Brentano não fora um redator fiel e, por isso, decidiu-se que

"gliscritti maggiori della serva di Dio non vanno conside ratti,

mentre vanno studiate le pocche cose efetivamente e completamente

sue" (7).

Os Cardeais que julgaram a questão incumbiram

o Pe. Winfried Hümpfner de estudar o problema mais profundamente.

Seu estudo foi apresentado com o titulo: "La fede stori-

ca di Clemente Brentano nelle note della serva di Dio Anna Katharina

Emmerick (8), no qual ele conclui que a obra de Brentano era

mistificação cientifica intencional (9) e que Brentano era o

responsável por quase tudo o que havia nas visões de Katharina

Emmerick.

(7) Voto V do documento da Sacra Congregations Pro Causa Sane torum,


p.n. 1225 Monasterien Beatificationis et canonizationis
Servae Dei Anna Catharina Emmerick, monialis pro fessae
Ordinis Eremitarum S. Augustini (1774 -1824) Rela-tio et Vota
Congressus Peculiaris, die 10 februarii anno 1981 habiti Super
Dubia: "An eius causam introducenda sit" p. 24.
(8) WINFRIED HUMPFNER - Clemens Brentano Glaubuwardigkeit in
seinen Emmerick A u f z é chnungen, Sta. Rita Verlag, Wurz-
burg, 1923.
(9) W. HÜMPFNER, op. cit., pp. 568-569.

19
VI.

Em 1927, a tese do Pe. Iffimpfner foi acolhida pela

Congregação dos Cardeais o que determinou um decreto declarando que

"gli scritti attribuiti alia Serva di Dio erano opera del Brentano

e per conseguenza nulla ostava a che si procedesse ad ulteriora"

(10). Desse modo, não sendo a vidente responsável pelo texto

redigido por Brentano, seu processo de canonização podia

prosseguir. Entretanto, o Santo Ofício vetou

o prosseguimento do processo em 30 de novembro de 1928, porque uma

possível canonização de Katharina Emmerick viria dar grande

autoridade às visões que lhe atribuíam, o que facilitaria

a difusão das idéias que a Santa Sé não aprovava no texto das visões.

O Processo só foi reaberto em 1973, quando Paulo VI

atendeu aos pedidos da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho e dos

Bispos alemães. Levantou-se então o veto do Santo Oficio. Nessa

ocasião, o Pe. Ildefonz Maria Dietz e o Professor Erwin Iserloh,da

Universidade de Winster,foram encarregados de reestudar a questão.

Apresentaram eles suas conclusões entre 1976 e 1978. Ambos

confirmaram plenamente tudo o que os censores e o Pe. Htimpfner

tinham dito, atribuindo a responsabilidade quase total dos textos

das visões de Katharina Emmerick a Brentano.

Essas decisões do Vaticano puseram ponto final

em algumas das polêmicas nascidas da questão Emmerick-Brentano

(10) Relatio et Vota, voto V, pp. 25-26.

20
VII.

no século passado. Outras perguntas, porém, permaneceram de pé e


continuaram a ser discutidas.

O Pe. Schmoeger, entre 1908 e 1913, nas Emmerick

Blatters, procurou responder as acusações de contradição entre os

Evangelhos e o que dizia a freira de Dülmen.

Em 1909 H. Stall mostrou a relação existente entre

a obra do Pe. Martin Cochem e a vida de Cristo, segundo Katharina

Emmerick.

W. Oehl, em 1913, criticou muitas fontes da Lebender

heilige Jungfrau Maria escrita por Brentano de acordo com as

comunicações que lhe fez Anna Katharina Emmerick, enquanto, em 1915,

Herman Cardauns mostrou as relações entre o que diziam as visões

da irmã Emmerick , o que escrevera o Pe. Cochem, e as lendas dos

santos.

J. Niessen, em 1918, escreveu a obra em que trata dos

carismas e visões de Katharina Emmerick e na qual comprova as

relações dos textos da vidente com a famosa Legenda Áurea de


Jacques de Voragine.

Em 1923, Lorenz Richen publicou um livro, A

reprodução dos acontecimentos bíblicos nas visões de Anna Katharina

Emmerick, em que demonstrava como essas visões contrariam os

Evangelhos. No mesmo ano, a publicação da obra do Pe. Hümpf ner foi

o golpe mortal na tese defendida pelo Pe. Schmoeger da fidelidade

de Brentano, pois, entre outras coisas provou co

mo o poeta se inspirou na obra do Pe. Cochem e no exegeta D.

21
Calmet.

22
Entretanto, se a obra do Pe. Hümpfner comprovava

inteiramente a responsabilidade de Brentano, procurava também

inocentar completamente a vidente a respeito das idéias expressas

nos textos das visses, afim de que o processo de beatificação e de

canonização pudesse prosseguir.

A publicação dos textos originais de Brentano feita

parcialmente embora - por Anton Brieger (11) e também nas citações

do livro de Joseph Adams (12) vieram esclarecer definitivamente a

responsabilidade de Brentano, além de que tornaram patentes as

estranhas doutrinas do manuscrito original.

Quando se comparam tais doutrinas com as informações


do Diário do Dr. Wesener (13), médico da vidente, se

- é nossa opinião - que é ingênuo querer eximir inteiramente
a freira da responsabilidade das idéias expressas no texto

das visões. Parece-nos claro que ela compartilhava ou tinha

pelo menos muita simpatia pelas idéias esotéricas que o seu


poeta-secretário defendia. Contudo excluímos de nosso trabalho a

discussão mais a fundo dessa questão.

(11) A. BRIEGER, Der Gotteskreis, Manz Verlag, München, 1966. A.


BRIEGER, Anna Katharina Emmerick Visionen und Leben Erich
Wewel Ver77ig, Munchen-FreiburFBr., 1974.
(12) J. ADAMS, Clemens Brentanos Emmerick-Erlebnis - Bindung und
Abenteúer,Verlag Herder, Freiburg, 1956.
(13) FRANZ WILHELM WESENER, Tagebuch, Paul Pattloch Verlag,
Aschaffenburg, 1973, 2ª. edição. A edição original é de 1925.

23
IX.

3. OBJETIVOS E LIMITES DE NOSSA TESE

Nosso objetivo é tão somente demonstrar que as

chamadas visões de Anna Katharina Emmerick estão impregnadas de idéias

esotéricas e cabalistas.

Para alcançar este fim, analisaremos apenas os

trechos das visões dela em que mais ficam patentes a influência do

esoterismo e da Cabala, ou seja, as visões que tratam da criação, do

pecado original e da redenção. Não é possível uma análise minuciosa

do texto completo das visões porque isto daria à nossa tese uma

amplitude excessiva - já que esse texto

tem milhares de páginas - e ademais isso seria supérfluo.

Excluímos da nossa tese a discussão da

responsabilidade da autoria das visões, quer seja Brentano o único

responsável,quer Anna Katharina Emmerick tenha a

responsabilidade parcial apenas, pouco importa para o fim que

visamos . Afirmamos que os textos das visões e revelações de Anna

Katharina Emmerick estão impregnados de uma visão esotérica e caba-

lista de Deus, da criação, do pecado original e da redenção . Por

isso, no decorrer da tese, atribuiremos os trechos em foco

indiferentemente a Brentano ou à vidente, sem preocupação quanto à

responsabilidade da autoria deles.

24
Também não é de nosso interesse discutir se a vidente

era uma pessoa santa ou não, se de fato ela tinha estigmas e carismas,

se suas visões tinham origem sobrenatural,se eram fruto de histeria

ou de operações de magnetismo. Queremos apenas comprovar - repetimos

- se nessas visões há influências e idéias esotéricas e cabalistas.

É evidente que, provada nossa tese, por


conseqüência, ficarão questionadas a autenticidade
das visões e a

própria ortodoxia e santidade da vidente. Mas a essas questões

nossa tese não pretende responder. Como também nos recusamos - com

firmeza - a entrar no terreno mais misterioso, e que pode até ser

tido como sagrado, das intenções.

É claro que a conjunção do nome de uma freira com

processo de beatificação e canonização com o esoterismo e a Cabala

pode causar surpresa. E causará provavelmente até dúvidas

naqueles que, conhecendo as versões piedosas das visões de Anna

Katharina Emmerick, não tiveram ainda a oportunidade de se

inteirar dos textos originais, ou não tiveram conhecimento das

polêmicas ocorridas na Europa em torno do caso Brentano Emmerick.

Como explicar, especialmente a estas últimas pessoas,

a existência de elementos esotéricos e cabalistas nas visões de uma

mística em vias de canonização.

É sabido que a Cabala é a Gnose judaica (14).

(14) "... na Espanha e na Provença tais idéias (neo-platônicas) tornaram-se


25
poderoso fator na transformação do carãter do cabaZismo
primitivo que era quase inteiramente um sistema gnostico,..."
G . G . S C H O L E M , A mística judaica - As grandes correntes
da mística judaica, Ed. Perspectiva,S.Paulo, 1972, p. 117.

26
Proveniente do misticismo da Merkabah, que já era gnóstico (8), a

Cabala lança suas raízes mais longínquas na Gnose pagã. Mais tarde,
doutrinas neo-platônicas influíram no pensamento místico judaico,
cooperando para a formação do sistema cabalista Gershom Scholem
observa que a Gnose judaica precedeu a Gnose cristã. Ele crê ainda
que, mesmo que não houvesse liames históricos diretos entre a Cabala
e a Gnose, o misticismo judaico , por sua própria lógica interna,
desenvolveria uma forma de Gnose (9) .

A Cabala veio a ter seu desabrochamento pleno nos

ambientes rabínicos do Languedoc e da Espanha, nos séculos XII e

XIII, por meio de duas obras fundamentais, ambas de caráter gnóstico:

o Sefer-ha-Bahir, o livro do brilho , e o Sefer-ha Zohar, livro do

resplendor (17).

(15) Cfr. G.G. SCHOLEM, Jewish gnosticism, Merkabah mysticism and


talmudic tradition, The jewish seminary of America, 5725-1965.
(16) Cfr. G.G. SCHOLEM, Jewish gnosticism, Merkabah mysticism and
talmudic tradution, p. 34. G.G. SCHOLEM, A Cabala e seu
simbolismo, Ed. Perspectiva, Sao Paulo, 1978, p. 118. Jean
Doresse vai mais longe, pois diz:
"Par les nouveaux textes, la Gnose se définit assez bien comme
née de la puissante pénétration des grands mythes iraniens
dans un judaisme mystique, lui-méme nourri à la fois
d'influences grecques - philosophiques ou mystiques - et
chaldéennes.". J. DORESSE, Les livres secrets des gnostiques
d'Égypte, Introduction aux écrits gnostiques coptes
découverts ã Khénoboskion, Pion, Paris, 1958, p. 367. Scholem
julga que hã laços histéricos entre a Cabala e a Gnose: "Seja
suficiente dizer que estou convencido da existência de fios
de ligação, por mais tenues que sejam, entre a tradição
gnostica e as tradições cabalistas mais antigas".
G.G.SCHOLEM,A mística judaica,pp. 117 118.
(17) Cfr. G.G. SCHOLEM, Les origines de la Kabbale, Aubier-Montaigne,Pa ris,
1966, pp. 68-77-96, G.G. SCHOLEM, A mistica judaica,p.241. G. G.
SCHOLEM, Kabbalah, Keter Publishing House Jerusalem, Jerusa lem, 1977,
pp. 420 e ss.

27
Por sua vez, o termo esoterismo implica sempre em um

conhecimento oculto, reservado a iniciados, e que, segundo Antoine

Faivre, acentua sempre três pontos de cariz gnóstico : teosofia,

analogia e crença em uma Igreja interior ou espiritual (18).

O esoterismo engloba ainda uma série de ciências, umas

mais, outras menos ocultas, tais como a alquimia, a astrologia, a

magia, o magnetismo. Além disso, todo esoterismo tem expectativas

milenaristas quanto à realidade de um Reino de Deus na Terra,

através do restabelecimento do homem em seu estado original

paradisíaco.

Cabala, esoterismo, práticas ocultistas, alquimia,

misticismos de tom gnóstico, magnetismo e teurgia impregnavam a

atmosfera religiosa e intelectual da Alemanha, nos

anos do Romantismo.

Clemens Brentano teve inevitavelmente sua menta-

lidade condicionada por um tal ambiente. Sua biblioteca estava

atulhada de obras ocultistas, e ele buscava, nas doutrinas

esotéricas, uma justificativa para seus problemas morais.

Ao aproximar-se compreensivelmente de Katharina


Emmerick após sua conversão ao catolicismo, seu ardor de neófito

aliado a seu temperamento polêmico levaram-no a ver no caso

(18) Cfr. A. FAIVRE, L'Esotërisme au XVIIIe siècle en France et en Allemagne,


Seghers, Paris, 1973, pp. 5 a 7.

28
Emmerick uma arma dada pelo céu na luta em defesa da religião contra

as maquinações do iluminismo racionalista de seu tempo. Brentano fez

então missão de sua vida anotar, para depois publicar, o que

Katharina Emmerick dizia ver em seus estados extáticos. No afã de

conhecer cada vez mais do mundo superior , Brentano não vacilou em

submeter a freira a transes magnéticos, como aliás já o faziam os

padres e o médico da vidente. O entusiasmo do poeta pelo que dizia

a freira era tanto maior quanto mais o confirmava nas suas concepções

esotéricas e cabalistas. Estas visões vinham harmonizar as

concepções que ele abeberara em Jacob Boehme e nos pensadores

esotéricos, com as idéias do Romantismo e com seu catolicismo eivado

de pietismo e de ecumenismo. Para essa harmonização a Cabala era

fundamental.

As visões de Anna Katharina Emmerick, tais como

foram apresentadas por Brentano, se configuram como obra que


procura conciliar as teses da Cabala (e do esoterismo), com

a doutrina Católica. Por isso, consideramos que elas devem ser

enquadradas na corrente do cabalismo-cristão, em cujas obras aliás,

Brentano se baseou para fundamentar sua teoria do "gérmen da bênção".

Especificamente, ele se inspirou no De Arcanis Catholicae Veritatis

do cabalista cristão do século XVI.

Petrus Galatinus.

4. MÉTODO DE NOSSA EXPOSIÇÃO

Como Anna Katharina Emmerick tem fama de santidade -


e associá-la ao cabalismo e ao esoterismo pode chocar
29
- para evitar dúvidas, adotaremos o seguinte proceder
ao analisar o texto das visões:
a. Citaremos em primeiro lugar, o texto das visões

sempre que possível na versão original publicada

por Anton Brieger e por Joseph Adams. Só quando

não tivermos os textos originais, utilizaremos

os próprios textos do Pe. Schmoeger, que apesar

de terem que se tomar com reservas, colocados

ao lado dos originais, ficam mais claros e

podem ser

úteis para nosso escopo.

b. A seguir, procuraremos mostrar que as idéias


expressas contrariam a própria Sagrada

Escritura, ou a Doutrina Católica, à qual


a freira e seu secretário diziam aderir e

oficialmente pretendiam expor.

c. Finalmente, mostraremos que os pontos de

discrepância das visões com a Sagrada Escritura

e com a ortodoxia Católica tem como fonte obras

cabalistas e pensadores esotéricos.

Finalmente, queremos lembrar que, embora o Pe.

Hümpfner tivesse aludido incidentalmente à influências cabalistas

no texto das visões de Katharina Emmerick (19) não consta que haja

nenhum trabalho que estude essas visões sob esse prisma ,nem que

afirme que elas sejam imbuídas de pensamento esotérico e cabalista. Há

uma única tese que trata da relação da Cabala com os Romanzen vom

30
Rosenkranz de Brentano, mas nenhuma

faz o mesmo com as visões da vidente de Dülmen.

Esperamos assim, que nosso trabalho em que pesem nossas

limitações pessoais e de pesquisa - colabore de alguma forma para

a compreensão da mentalidade existente na Alemanha dos tempos do

Romantismo e que tanta influência veio a ter no desenvolvimento das

idéias,quer na linha mística de certos veios do catolicismo, quer

na linha filosófica materialista.

(19) Cfr. W. HUMPFNER, op. cit., pp. 238-244.


(20) SIEGLINDE PIRINGER - Clemens Brentanos Romanzen vom Ro-
senkranz und ihre Beziehung zur KabbaZa, Dissertação
datilografada, Graz, 1963.

31
SIGLAS UTILIZADAS

C.B. - Clemens Brentano

A.K.E. - Anna Katharina Emmerick

G.S. - Gesalmmete Schriften (de Clemens Brentano)

S.W. - Samtlich Werke (de Clemens Brentano)

Tgb. - Tagebuch (de Clemens Brentano)

F.D.H. - Freies Deutches Hochstifts

E.T. - Erika Tunner

32
CAPITULO I
ORIGENS DO ROMANTISMO ALEMÃO

1. Conceito de Romantismo - Romantismo e Gnose

O conceito de Romantismo é nebuloso e quase

inapreensível. Ele tem algo como o esgarçar das nuvens. Seus con-

tornos são poucos definidos.

"O Romantismo não tem um dogma, nem princípio, nem


objetivo, nem programa, nada que se situe dentro de um
pensamento definido ou de um sistema de con ceitos (...)
0 Romantismo é uma atitude vital de índole própria e
nisso reside a impossibilidade de det erm ina r

conc eit ual men te a sua es sên cia ( 1 ) " .

Mesmo os autores considerados fundadores do Romantismo

não estavam de acordo sobre a sua essência, sendo pouco claros e,

às vezes, contraditórios nessa matéria(2). Friedrich Schlegel, um dos

líderes e fundadores da escola romântica alemã, escrevendo a seu

irmão August Schlegel, disse: Não posso enviar-te minha

interpretação da palavra "romântico"(...) ela tem 125 páginas de

extensão"(3).

(1 ) - N i c o l a i H a r t m a n - A f i l o s o f i a d o i d e a l i s m o a l e m ã o , L i s b o a ,
Gubelkian, 1983, pp. 189-190.
(2) - Cf r. Mario Puppo - Il Romanticis mo , Roma, Studium, 1967,
p. 10.
(3) - "Non ti posso mandare la mia interpretazione della parola
‘romantico’( . . . ) e s s a é l u n g a 1 2 5 f o g l i " ( a p u d L a d i s l ao Mittner
- S to r i a della l e t te r a tu r a te d e s c a , “Dal Piet is mo al
Ro man tic is mo , 1700 -1820", To rino , Giu lio E in au di , 1 9 7 7 , p . 6 9 9 .

33
Albert Béguin, interrogando -se sobre o Romantismo

alemão, diz que recorreu:

"aux ouvrages innombrables où la critique alleman de,


depuis quelques années, s'épuise à donner une formule
du romantisme. Bien des analyses et des vues,
profondes, vivantes, perspicaces, se trou vent aux
pages de ces livres. Mais la synthèse souveraine, qui
définirait sans réserve l'esprit romantique, semble se
d é r o b e r à t o u t e s l e s t e n t a tives"(4).

Mittner, tratando desse tema, diz que se coletaram

cento e cinqüenta definições de Romantismo e que

"la parola 'romantico' deve la sua eccezionalissi ma,


fortuna
i n t r a mo n t ab i l e alla sua i ri d e sc en t e
polivalenza; essa tenta infatti di definire
(5)
l'indefinibile (...) .

Eis aí um bom ponto de partida. "Definir o

indefinível", tal seria o escopo do Romantismo. Portanto, já que só


se pode definir o conhecido, ele pretende "conhecer o
incognoscível". Ambas as formulações são bem próprias do estilo e

da natureza dessa escola, por sua natureza paradoxal ou, mais pre-
cisamente, dialética.

( 4 ) - A l b e r t B é g u i n - L ' a m ê r o m a n t i q u e e t l e r ê v e , P a r i s , J o s é Co r t i ,
1966, p. X I I .
(5) - L. Mittner - op.cit., p.699 - sublinhado nosso.

34
O conhecimento do incognoscível daria ao homem o saber

absoluto, um poder mágico que lhe permitiria redimir-se e redimir

a natureza. Seria pois, um conhecimento salvador.

"Certes, les romantiques ne croiront plus qu'une


a d d i t i o n d e faits dûment constatés aboutisse
au savoir suprême; mais ils garderont l'espoir
d'une connaissance absolue, qui p our eux sera plus
et mieux qu'un simple 'savoir': un 'pouvoir' illimi-
té, l'instrument magique d'une conquête et même d'une
rédemption de la Nature. Pour eux, il s'agi ra
d'une connaissance à laquelle participera non
seulement l'intellect, mais l'être entier,
avec s es r égi o ns le s plu s ob scu re s et ce ll es
qu' il i g nore encore, mais que lui révéleront la
poésie et d'autres sortilèges"(6)

Este conhecimento absoluto e salvador seria capaz de

reconduzir o homem ao estado de inocência superior, ao estado de


Adão no Paraíso:

"Neste sentido, é muito típico o ensaio de


Kleist sobre as marionetes, onde se diz que o
homem, quan do se mi ro u p el a pri me ira v ez n o
esp el ho, r e conhecendo a si mesmo, perdeu a
inocência. Agora,

(6) - A. Béguin - op. cit., p.5 - sublinhado nosso.

35
e l e q ue r d es c o bri r o c am i n ho d e v o l t a. P a ra t a nt o ,
precisa comer mais uma vez da árvore do conheci mento
infinito e alcançar de novo, pelo outro la do, o paraíso
da inocência, de uma segunda inocência. (...) 0 grande
sonho dos românticos é a ino cência, a segunda inocência
que englobe ao mesmo tempo todo o caminho percorrido
a t r a v é s d a c u l t u ra, isto é, uma inocência que não seria mais
a primit i v a , a d o j a r d i m d o É d e n , m a s u m a i n o c ê n c i a s á b i a .
É a f a m o s a c r i a n ç a i r ô n i c a d e N o v a l i s , um dos grandes
símbolos do movimento romântico"(7).

Este conhecimento seria capaz de fazer compreender o


que há de mais elevado, a harmonia de todos os seres, e daria a vida
eterna. É o que diz E.T.A. Hoffmann em seu O vaso de ouro:

"Serpentina! - A confiança que eu tive em você, o amor


por você me abriram as profundezas mais se cretas da
natureza - Você me trouxe a rosa nascida do Ouro, força
p r i m i t i v a d a T e r r a , a n t e s até q u e P h o s p h o r u s t i v e s s e
feito nascer o pensamento - a rosa me fez conhecer a
h a r m o n i a s a g r a d a de

(7) - Anatol Rosenfeld/J.Guinsburg - "Romantismo e Classicismo" in


O Romantismo, org. J. Guinsburg, São Paulo, Perspectiva, 1978,
p.274.

36
todos os seres e, felicidade suprema! eu viverei para
sempre neste conhecimento . Sim, foi-me concedida a
força de conhecer o que há de mais alto - eu amá-la-ei
eternamente, Serpentina - jamais empalidecerão os
r a i o s d a r o s a , p o r q u e , c o m o a f é e o a m or , e te r n o é
o c o n he c i me n t o ( 8 ) .

Denis de Rougemont diz:

"Je définirais volontiers le romantique occidental


comme un homme pour qui la douler, et spécialement la
d o u l e r a m o u r e u s e , e s t u n m o y e n p r i v i légié de
connaissance(9)".

(8) - "Serpentina! - la foi que j'ai eue en toi, l’amour pour toi m'ont
ouvert les profondeurs les plus s écrètes de l a nature - Tu
m'as apportée la rose, née de l'Or, force primitive de la Terre,
avant même que Phosphorus n'eut fait naître la pensée - la rose
m'a fait connaître l'harmonie sacrée de tous les êtres et, bonheur
suprême! je vivrai à jamais dans c ette conna issance. Oui, l a grâce
me f ut accordée de c on n a î tr e ce qu'il y a de pl u s h a u t - je
t'aimerai éternellement, Serpentina - jamais ne pâliront les
rayons de la rose, car, de même que la foi et l 'amour, éternelle
est la connaissance" (E.T.A. HOFFMANN - "Le vase d'or" in Romantiques
Allemands, Paris, NRF - Plêiade, 1963, vol.I, p.864, sublinhado
nosso).

(9) - Dentis de ROUGEMONT - L'amour et l'Occident, Paris, Plon, 1939,


p.37.

37
Definir o indefinível, conhecer o incognoscível, obter

um conhecimento absoluto e salvador, um conhecimento redentor da

Natureza e do homem, capaz de conceder a vida eterna e o retorno

à inocência primeva são fórmulas que demonstram bem o parentesco

doutrinário direto que o Romantismo tem com a Gnose.

De fato, a Gnose pretende ser exatamente o

conhecimento do incognoscível, isto é o conhecimento do Ser

Absoluto, Deus, e o conhecimento do processo vital da divindade(10).

E, tanto quanto o Romantismo, a Gnose pretende ser um conhecimento

absoluto e salvador. Algumas citações podem comprová-lo.

"(...) l a g n o s e ( d u g r e c gnos is , 'c onn ai ss ance ')

est une connaissance absolue qui sauve par elle -

même, ou que le gnosticisme est la théorie de l'

obte nti on du sa lu t pa r l a c onn ai ss ance " ( 1 1 ) .

Estas palavras, de um autor que é das maiores


autoridades em matéria de Gnose, poderiam ser aplicadas
inteiramente ao Romantismo.

(10) - Cfr. Hans JONAS - La religion gnostique, Paris, Flammarion, 1978,


p. 371.

( 1 1) - H e n r i -Ch ar l e s PUE C H - E n q u ê t e d e l a g n o s e , P a r i s , G a l l i m a r d ,
1978, v.1, p.236.

38
Com ele concorda Serge Hutin ao dizer:

" i l n ' es t p a s ar b it r a i r e d e p o se r u n c o n c e pt g é n é r a l d e
gnose 'connaissance' salvatrice"(12).

E Simone de Pétrement escreveu:

"La gnose (...é...) la religion de la connaissan ce, le


culte de la connaissance comme moyen de
salut"(13).

Por sua vez, Robert M. Grant confirma essas afirmações

ao dizer:

"c'est là le premier point et le plus important de la définition


du gnosticisme: une religion qui sauve par la
connaissance; connaître, pour e ux, es t
ess en tie ll em en t se co nn aît re, r ec onn aî tre
l'élément divin qui constitue le véritable
Soi"(14).

(12) - Serge HUT1N, Les g n o t í q u e s , P a r i s , PUF, Que sais-je? ,


1970, p.8.

(13) - Simone de PÉTREMENT - Le dualisme chez Platon, les


gnostiques et manichéens, Paris, PUF, 1947, p.88.

(14) - Robert M. GRANT - La gnose et les origines chrétiennes, P a r i s ,


Seuil, 1964, pp. 18-19.

39
Estas palavras também se aplicam perfeitamente ao

Romantismo. Veja-se, por exemplo, como um pensamento de Friedrich

Schlegel parece um reflexo delas:

"To rn ar – se D eu s, se r h om em , for ma r –s e, s ão
e x pressões sinônimas"(15).

Não se julgue que forçamos o paralelo entre Romantismo

e Gnose até fazê-los coincidir. Já Simone de Pétrement chegara à

conclusão de que o Romantismo foi uma corrente gnóstica.

"On peut dire qu'il règne, depuis le romantisme,


une sorte de dualisme pessimiste et
sentimen tal, analogue à celui des gnostiques.
Il consiste sur to ut dan s le se nt ime nt q ue
l'h om me e st m a l ad ap té à sa propre condition,
qu'il se trouve à l’étroit, qu'il a besoin
d'autre chose (comme s'il était étranger à
l u i - m ê m e e t a u m o n d e o ù i l se trouve, comme si
sa vraie nature n'était pas là). Nous avons dit
que les gnostiques sont des romantiques; nous
pourrions dire tout aussi bien que le romantis me
e s t g n o s t i q ue "(16).

(15) - "Diventar Dio, e s s e r e u o m o , formarsi sono espressioni sinonime”


G.LUKACS - Die Se ele und die Forme n , Berlim,
Luchterland, 1971, p.71-73 a p u d M.PUPPO, op. cit, p.276.

( 1 6 ) - S . d e P É T R E M E N T , o p . ci t . p . 3 4 4 .

40
Hume dizia que a melhor definição para o Romantismo era

a de "religião difusa":

"The Romanticism (...) and this is the best definition

I can give it, is spilt Religion ” ( 1 7 ) .

Denis de Rougemont dá um nome a essa "spilt Relig ion”.

"L'exaltation de la mort volontaire, amoureuse et

divinisante voilà le thème religieux le plus profond de cette nouvelle


hérésie albigeoise que fut le romantisme allemand"(18).

Embora possam existir outras interpretações, não é

arbitrário ou improcedente concluir com Simone de Pétrement que o

Romantismo foi uma forma de Gnose.

2. Distinções:

Até agora, falamos de Romantismo. Poder-se-ia perguntar

a que Romantismo nos referimos. Para precisar bem o que pretendemos

estudar, convém distinguir entre o Romantismo

(17) - HUME - "Romanticism and Classicism” in Speculations, Ro u t l e d ge &


Kegan Paul, p.118 apud Benedito NUNES - "A visão romântica”
in O Romantismo, org. J. GUINSBURG, p. 70, nota 69.
(18) - D. de ROUGEMONT, op. cit, p. 204.

41
alemão e o de outros países. Com efeito, o Romantismo Alemão pode

ser considerado como o Romantismo por excelência, não só porque deu

origem aos demais, mas principalmente porque ele foi o único

estabelecido sobre fundamentos filosóficos que lhe deram um claro

caráter metafísico"(19).

Em segundo lugar, para comodidade de nosso estudo,

é preciso distinguir vários aspectos do Romantismo. Ladislao

Mittner distingue o Romantismo enquanto categoria psicológica do

Romantismo enquanto categoria histórica.

Enquanto categoria psicológica, o Romantismo seria

um fruto de uma sensibilidade impressionável, irritável, reativa.

A sensibilidade romântica se caracteriza pela irresolução, pela

ambivalência, pela nostalgia de uma felicidade possuída e perdida,

por um desejo eternamente insatisfeito.

"un des ide ri o c h e no n p uò mai r ag giun ger e l a p ro


pria meta, perché non la conosce e non vuole o

non puó conoscerla: è il 'male' (Sucht) del


' d e s i d er i o ' ( S eh ne n ) . Ma ' Se h n en ' s t e s s o s i gn i f ic a )

a s s a i s p e ss o un de s i d e ri o ir r e al i zz a b i l e p e rc h é

indefinibile, un desiderare tutto ed nulla ad un

42
tempo (...) 'Sensucht' e veramente una ricerca del
desiderio, un desiderare il desiderare, un de si deri o c he
è sentito come inestinguibile e che proprio per ciò
t r o v a i n s è i l p r o p r i o p i e n o a p pagamento” (20).

A satisfação do romântico está na insatisfação. Ele


se compraz nela(21).

A psicologia romântica se caracteriza pelo querer


sentir o sentimento, desejar o desejo, por amar o amor(22).

Enquanto categoria histórica, "grosso modo", o

Romantismo é o movimento que se desencadeou na Alemanha, desde o

final do século XVIII até meados do séc.XIX.

Mário Puppo, por sua vez, distingue três significados


no Romantismo:

a) o literário - fruto de uma mudança de gosto,

ocorrida no final do século XVIII e princípio do século

XIX, que exigia novas formas de expressão.

b) o histórico-cultural - referente a um estado

(20) - L. MITTNER, op.cit., p.700.

( 2 1 ) - C f r . Gerd. BORNHEIM, op.cit., p.95.

"A visão romântica " in O Ro mant ici smo ,


( 2 2 ) - Cf r. Ben edi to NU NES -
org. J. GUINSBURG, p.52.

43
de ânimo anti-iluminista.

c) o ideal ou categorial - em que o Romantismo se manifesta como


expressão de uma exigência eterna do espírito humano(23).

Levando em conta essas distinções, parece-nos que

no Romantismo deveriam se distinguir os seguintes aspectos:

a) o Romantismo enquanto fenômeno psicológico,

isto é, enquanto particular estado de alma.

b) enquanto escola artística (e não apenas

literária) que exprimia não só um estado de alma, mas

principalmente uma visão especial do homem, do


universo e de Deus.

c) o aspecto filosófico do Romantismo tal qual se

manifestou no idealismo alemão, particularmente no

pensamento de Schelling.

d) o aspecto místico e religioso do Romantismo pelo

qual ele se relaciona com as correntes esotéricas,

alquímicas e cabalistas e que dá ao Romantismo um

caráter gnóstico no seu posicionamento face a Deus,

ao universo e ao homem.

44
É este último aspecto que enfocaremos de modo

particular. Em primeiro lugar, porque dele é que derivaram a

filosofia idealista e a escola romântica, assim como ele é o

causador ou a explicação da psicologia romântica. Em segundo lugar,

porque é esse o aspecto que está diretamente relacionado com a tese

que pretendemos demonstrar. Evidentemente, não deixaremos de

aproveitar elementos relacionados com os demais aspectos do

Romantismo, sempre que eles forem úteis à consecução de nosso

objetivo.

3. Os veios originais do Romantismo alemão.

Estudando as origens do Romantismo alemão, podemos

distinguir três veios formadores principais:

A. o veio esotérico;

B. o veio religioso;
C. o veio filosófico.

Esses três veios conduzem a um nome e a uma doutrina.

O nome é o de Jacob Boehme. A doutrina é a da Gnose, quer na sua

forma cristã, quer na sua forma judaica, que é a Cabala.

A. O veio esotérico do Romantismo

Auguste Viatte, na sua excelente obra sobre as fontes

ocultas do Romantismo, mostra que alguns vêem nesse movimento o

desabrochar do misticismo católico, enquanto outros o consideram

"o protestantismo na literatura". Viatte considera

45
que há vários romantismos, com fontes diversas, mas de todas

essas fontes participou o iluminismo, amalgamando-as num todo

equívoco e bizarro(24). Vulgarmente, se entende por Iluminismo

o sistema filosófico racionalista que dominou largas camadas

do mundo cultural e político, no século XVII.

Por outro lado, são conhecidos como "iluminados”

os membros da seita secreta fundada por Adam Weishaupt, na

Baviera, no século XVIII(25).

Contra a monopolização da atribuição do título de

iluminados aos sectários de Weishaupt, já no século XVIII,

protestavam Joseph de Maistre e Kirchberger. Para este último,

iluminados eram, propriamente, os esclarecidos por luzes ou

graças divinas e que compreendiam as limitações da razão.

"Le mot illuminé signifiait originairement un h o m m e d on t


la r ai s o n et les co n n ai s s an c es n a tu r e lles
é t a i e n t r e c t i fiés, soutenues, éclairées et
perfectionnés par l'Esprit -Saint; tels
étaient les Apôtres, tels étaient tous les
véritables saints de l'Église chrétienne,
tels ont étés et t e l s s o n t e nc o r e to u s le s h o m m es

(24) - Cfr. Auguste VIATTE) - Les sources ocultes du


Romantisme, Illuminisme et théosophie, Paris,
H o n o r é C h a m p i o n , vol. I, p p . 5 e 6 .

(25) - Cfr. Ja c q u e s D ' H O N D T - H e g e l s e c r e t , P a r i s , P U F , 1 9 6 8 ,


pp.62-63.

46
effectivement religieux, qui sont éclairés d'en haut, à
propor ti on de l a pu re té de le ur c oe ur et du
sen ti m e n t p r o f o n d d e l ' i n s u f f i s a n c e e t d e s b o r n e s
d e leur propre raison"(26).

Kirchberger afirma, nessa mesma carta, que

prop ositadamente os inimigos da religião, para confundir,

começaram a chamar de iluminados os visionários que, por vezes,

eram de boa fé. A seguir, charlatães e impostores, do tipo de

Cagliostro, se arrogaram esse título para enganar incautos. Mas,

piores que todos eles foram os racionalistas, inimigos da

religião, que adotaram o nome de iluminados, embora não cressem

na iluminação sobrenatural. Tais foram os seguidores de

Weishaupt, a que nós já nos referimos.

"Mais la classe plus dangereuse de tout était la c li que


nom br eus e qu i ino nd e e nc or e à p ré sen t un e
par ti e c on si dé rab le de l 'E ur ope , qui n on
seulement ne se croient pas illuminés, mais
qui n e v eu le nt pa s le fa ir e acc ro ire , qu i
son t les a nt ip ode s non s eu le men t de la
sup er sti ti on d es

v i s i o n n a ir e s , m a i s e n c or e d e l a r e l i gi o n
des

vra is ch ré ti en s, et qu i n' on t p ri s l e no m
d'i l luminés, ou en allemand der Illuminaten, que

47
comme un nom de guet, un terme de ralliement,

pour donner le change aux curieux et pour jeter

u n e n o u v e l l e c o n f u s i o n d a n s l e s i d é e s . . . C e s o n t eu x

que l'on a chassés de la Bavière il y a quel q u e s a n n é e s ,

ce sont eux avec lesquels le comte de Mirabeau s'est

l i é p e n d a n t s o n s é j o u r à B e r lin..."(27).

Jacques d'Hondt dá uma pequena lista destes

iluminados da Baviera, da qual fazem parte, entre outros, os nomes

de Herder, Wieland, Goethe, o futuro padre redentorista Zacharias

Werner, o conde Stolberg, que se tornou depois devoto de Anna


Katarina Emmerich e amigo do bispo Sailer, Pestalozzi, Mozart,

Dalberq, Hardenberg, Tieck e os franceses

Fauchet, Brissot, Mirabeau e Talleyrand.(28)

O iluminismo verdadeiro seria, pois, segundo

Kirchberger, o religioso, aquele que reconhece que a verdadeira luz

que ilumina e guia o homem vem de Deus e não da razão. Não se confunde,

porém, essa iluminação sobrenatural com a de nenhuma confissão

religiosa particular. Acreditavam os "iluminados" que em qualquer

religião se poderia receber a

(27) - Kirchberger, carta citada por A.VIATTE, op.cit., vol. 1, p.8.

(28) - Cfr. J.d'Hondt, op.cit., pp. 63, 64, 65.

48
iluminação divina.

"L'illuminisme ne se réduit pas à l'éclectisme

mais historiquement il en demeure inséparable,

c o m m e d ' a il l e ur s t o u t e t h é os o p hi e ( 2 9 ) .

Depois do ecletismo, a segunda nota do iluminismo foi

o esoterismo.

Esses iluminados consideravam-se possuidores de uma

doutrina recebida ou diretamente de Deus ou por meio de uma longa

tradição imemorial, que se transmitira secretamente através das

idades:

"Science de Dieu', lumière venant d'en haut:


l'éty mo lo gie n ous d onn e la m eil le ure
déf in iti on d e

la théosophie et de l'illuminisme. Les


mystiques

qui professent ces doctrines croient posséder,

par une révélation directe, les secrets du


monde

s u p é r i e u r ; l’inspiration', et le plus
souvent,

l'association sécrète les caractérisent: "tous

ces hommes, peu satisfaits des dogmes


nationaux

et d u cu lt e re ç u, s e li vr ent à d es r ec he rch es

plus ou moins hardies sur le christianisme


qu'ils

49
n o m m e n t p r i m i t i f " ( J . d e M a i s t r e — " Q u a t r i è m e c h a pitre

sur la Russie", Oeuvres, VIII, 329). Ainsi

(29) - Antoine FAIVRE - L’esotérisme au XVIIIe. siècle en France


et en Allemagne, Paris, Seghers, 1973, p.62.

50
les décrivait Joseph de Maistre; on en voit d'ailleurs
q u i n o i e n t l a t r a n s c e n d a n c e d u c h r i s t i a nisme dans je ne
sais quelle 'religion naturelle"(30).

Em que autores buscavam os 'iluminados' sorver o que


chamavam de tradição?

Da Antiguidade liam Platão e Plotino. Ao final do

século XVIII, na Alemanha, ficaram em moda os hindus. E.T.A. Hoffman

cita o Bhagavad-Gita em sua obra O Vaso de Ouro.(31) Do fim da Idade

Média, foram desenterrar Mestre Eckhart, cujos escritos encantaram

Franz von Baader e Hegel. Liam também os místicos alemães e

holandeses: Tauler, Suso, Ruysbrock, a Imitação de Cristo, como

também os espanhóis Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz. A estes

autores acrescentavam os alquimistas mágicos e cabalistas cristãos

como Paracelso, Agrippa, Reuchlin, Guillaume Postel, Pico de

Mirandola, Valentin Weigel, Van Helmont, Kircher, Fludd.

Mais do que por qualquer outro autor, a teosofia dos

iluminados e dos românticos foi influenciada por Jacob Boehme. O

sapateiro místico de Gorlitz marcou muito especialmente o

esoterismo martinesista (de Martines de

(30) - A. VIATTE, op.cit., pp.17-18.

(31) - E.T.A. HOFFMAN - "Le vase. d'or", 8a. Vigília, ed. cit.

51
Pasquallys)e o chamado Martinismo do "filósofo desconhecido",

Louis Claude de Saint Martin, que traduziu as obras de Boehme para

o francês e as fez repercutir depois nos ambientes esotéricos

alemães, especialmente através de Franz von Baader.

Místicos católicos como São João da Cruz e Santa

Teresa, junto com alquimistas como Paracelso, magos como Agrippa,

cabalistas como Reuchlin, e teósofos como Boehme, só p oderiam dar

uma mistura eclética, heterogênea, confusa e

por vezes, contraditória:

"Ne cherchons rien de cohérent dans une doctrine

provenue d'ancêtres aussi disparités. L'illuminisme


forme plutôt un ensemble de tendances qu'un système
arrêté: des analogies purement 'littérai res' se
substituent à l'unité philosophique. Mé diocres
logiciens, les mêmes auteurs s'accommoderont de
principes que nous jugerions contradictoires.
C e p e n d a n t , i l s d i s e n t s ' e n t e n d r e . L e u r f o r m a t i o n l es
m e t d ' a c c o r d s u r q u e l q u e s i d é e s e s s e n tielles. Caro, dans
son Essai sur Saint Martin ,e n f o r m u l e p l u s i e u r s ,
d e s q u e l l e s i l e s t r a r e q u ’ ils ne conviennent:
'A l'origine de toutes choses, l'unité... (Puis)
l'émanation commence, elle ne s'arrêtera plus.
Alors, naissent ces myriades de natures
intelligentes... irradiation de la vie
divine...L'homme est un de les être émanés... La

52
préexistence des âmes dans cet homme-verbe, sa
répartion de l'unité, sa corporisation, son
exil, son retour à l'unite...; sa transformation en
Dieu... Le s y m bol is me e t l a th éor ie de s
nom br es, l a th éur gi e
et la po sse ss i on du mo nde in vis ib le p ar l a
mag ie
ou par l 'a mou r , c omp lè te nt c et ens em bl e d e
dogmes invariables...Le panthéisme est au terme
de tous ces systèmes" (32).

Estaria fora dos limites do presente trabalho uma

análise mais profunda da doutrina esotérica do iluminismo.

Limitamo-nos, pois, a dar um rol dos principais temas e teses mais

comuns tratados e defendidos por esses autores:

a) filosofia "analógica", isto é, que vê uma

correspondência mágica e simpática entre Deus, o

universo e o homem, de tal modo que o homem seria um

microthéos, enquanto Deus e o Universo seriam um

macro-antropos.

b) concepção de uma Igreja espiritual mística,

formada por todos aqueles que aderem à tradição

esotérica. As Igrejas estruturadas seriam meros

veículos esotéricos para conduzir os iluminados à

verdadeira Igreja espiritual esotérica, ecumênica e

anti-dogmática.

(32) - A. VIATTE, op.cit., p.37.

53
c) teosofia. Preocupação e pretensão de conhecer o

processo de vida divino.

d) conhecimento da verdadeira natureza divina do

homem: no homem, segundo eles, há uma partícula ou

centelha divina (a Fünkenlein, de Mestre Eckhart).

e) concepção de que a cosmogonia foi um processo

resultante de uma queda da própria divindade.

f) crença de que houve uma idade de ouro inicial.

g) crença de que o primeiro homem teria tido um corpo


espiritual, que era andrógino e divino. Esse Adão

primevo se reproduziria espiritualmente e não por via

sexual.

h) crença de que o primeiro homem, como Deus, sofreu

uma queda que o materializou, dando-lhe um corpo

sexuado e aprisionador da partícula ou espírito

divino.

i) a queda, além de materializar o homem, sujeitara-o

ao espaço e ao tempo, assim como o tornara escravo da

natureza e da razão que o enganava, pois fizera com que

perdesse a intuição divina que identificava Deus, o

Universo e o Homem.

j) o mundo seria corpo e a prisão da divindade em

perpétua evolução, à qual se seguiria o processo

histórico, revelador da Divindade. Deus se

reconstituiria no final do processo histórico.

54
l) Deus se revelaria no coração de cada homem,

independentemente da religião a que pertencesse. Daí

a valorização da mística e do inconsciente como fontes

de revelação.

m) por trás da letra da Sagrada Escritura, haveria

uma doutrina oculta à qual se acederia por meios

místicos, iniciáticos ou cabalísticos.

n) o homem teria poderes ocultos, que lhe permitiriam

pôr-se em contato com a divindade e transformar

magicamente o mundo. A alquimia seria um desses

meios.

o) no final do processo histórico, dar-se-ia a

reintegração do homem na divindade, a recuperação da

perfeição original e a reconstituição da Idade do

Ouro ou Idade do Amor, em que todos seriam um. Só então

o homem e a Natureza seriam redimidos. Aceitava-se

ainda a apocatastasis ou redenção do demônio.

p) a redenção do homem e da natureza dar-se-iam não

por uma graça sobrenatural, mas pelo desenvolvimento

de potencialidades imanentes ao Universo e ao ser

humano. O homem seria salvador de si mesmo, o redentor

que se redime.

q) seria preciso espiritualizar a matéria para

redimi-la, já que ela era espírito cristalizado e o

55
espírito, matéria sublimada.

r) todo o processo de evolução divina, assim como a

evolução e o processo histórico seriam dialéticos,

porque a divindade e o ser seriam constituídos de

princípios contrários e iguais. Segundo Jacob Boehme,

o ser seria formado de sim e de não, ao mesmo tempo,

e o sim seria idêntico ao não.

Este elenco de idéias esotéricas e iluministas, embora

elas fossem ensinadas de modo vago, e, às vezes, disparatado, formam


um sistema conhecido. E este sistema tem o nome de Gnose. Todas essas

teses, outrossim, podem ser encontradas nos autores românticos e são

elas que fazem do Romantismo um movimento gnóstico.

B. O veio religioso na formação do Romantismo

Georges Lefèbvre comenta, em sua obra sobre a

Revolução Francesa, a importância do misticismo na Alemanha:

"Ce ne fut pas un hasard, car dans aucun pays le


m y s t i c i s m e n e r é g n a i t p a r e i l l e m e n t . I l a n i m e le l u t h é r a n i s m e e t ,
p a r l e p i é t i s m e e t l e s frères m o r a v e s , i l y a f i l i a t i o n e n t r e B o e h m e ,

l e c o r d o n i e r t h é o s o p h e d u X V I I s i è c l e e t les romantiques"(33).

(33) Georges Lefèbvre, La Révolution Française, Paris, PUF, 1951, p.613.


56
E , m a i s a d i a n t e , f a l a n d o d a f i l o s o f i a d o s r o m â n t i cos,
Lefèbvre afirma:

"Ils esquissèrent une philosophie qui ne prit ja m a i s u ne


forme co h é r e nt e et s y s t ém at i q u e (. . . ) ils
conçurent d'abord le monde comme le flux inépuisable
et perpetuellement changeant des créa t i o n s d e
la force vitale; sous l'influence des savants et de
S c h e l l i n g , i l s y i n t r o d u i s i r e n t une " s y m p a t h ie
u n i v e r s e l l e " qu i s e m a ni f e s ta i t par e x e m p l e
d a n s l ' a f f i n i té c h i m i q ue , l e magnétisme
et l ' a m ou r humain, les e f f us i on s
religieuses de S c h l e i e r ma c he r les ayant
t o u c h é s , i l s finirent pa r e mp r unt er à B o e h m e
l'i dé e du Ce nt rum , âm e d u m o n d e e t p r i n ci pe
d i v i n . D e t o u te f a ç o n s , c'est l'a rt is te d e
gén ie qu i, se ul , p ar l' in tui ti on ou m ê m e p a r
l e r ê v e e t la ma g i e , e nt r e en contact a v e c l a
réalité v é r i ta b l e et , en lui, c e t te
expérience mystérieuse se transmue en oeuvre
d'art. L e p o é t e e s t u n p r ê t r e e t c e t t e p h i l o s o p h i e
s ' e n remet au miracle"(34).

Lefèbvre liga pois o Romantismo a Boehme e ao pie tismo.


Jacob Boehme (1575-1624) foi um sapateiro luterano

57
que cresceu em meio às disputas que opunham místicos e alquimistas

à "ortodoxia" luterana. Embebeu-se das doutrinas dos que ele chamava

"altos mestres": Paracelso, Franck, Schwenkfeld, Valentin Weigel e

de outros autores alquimistas, astrólogos e místicos. Suas obras

expõem as doutrinas que ele teria recebido por meio de visões

místicas. Sua primeira obra foi 'Die Morgenröte in Aufgang' (A aurora

nascente) (1612).

"On y trouve de tout: de la mystique, de la magie et


de l'alchimie. 'Théologie, philosophie,
astrol o g i e ' , v o i l à c e q u e B o e h m e v e u t y e x p o s e r " ( 3 5 ) .

Outras obras de Jacob Boehme foram: De tribus principiis

(1619), De triplice vita hominis (1620), Psychologia vera (1620), De

incarnatione Verbi (1620), Sex puncta theosophica (1620), De

signatura rerum (1622), Mysterium magnum (1623), Questiones

theosophicae (1624), além de obras menores.

A doutrina de Boehme é extremamente confusa e hermética.

A mesma palavra tem, em suas obras, os sentidos mais variados. Para

o termo "Natur", Alexandre Koyré apresenta mais de dez sentidos

diferentes. Além disso, Boehme inventa termos cujo significado não

expõe claramente. Segundo Ronald D. Gray,

58
"Boehme's labyrinthine system, although more elaborated
than that of the alchemists, would in
itself require a volume of commentary" ( 3 6 ) .

Sua fil oso fia t em pro fun dos la ço s com a a lqu imi a:

"Boehme did more than borrow a large part of his

vocabulary from alchemy, he took over the whole

alchemistic world—view, which he developed into a

philosophic system"(37).

Uma das fontes mais importantes do pensamento de


Boehme foi Paracelso, de quem ele adotou as idéias e a terminologia

alquímica. A.Koyré conta que Boehme recebeu o apoio de

"méd eci ns pa rac el sist es et al chi mi s tes qu i v oie nt, a v e c


raison d'ailleurs, dans la personne et la doctrine
d u t h é o s o p h e l e t e r m e d ' u n m o u v e m e n t issu de Paracelse"(38).

Em síntese, Boehme ensina, como a Cabala, que se deve


fazer uma distinção entre Divindade e Deus. Aquela não seria ser: seria
o vazio, o abismo, o nada absoluto, o Ungrund(39),

(36) Ronald D. Gnay - Goethe, the alchemist,Cambridge University


Press, 1952, pp. 38-39.
(37) H.H. Brinton - The mystic will:p.81, apud Ronald D. Gray -op.cit.,
p. 38.
(38) A. Koyré, op. cit. p.44.
(39) Cfr. Jacob Boehme. M y s t e r i u m M a g n u m I , 22 - trad. de N. Berdiaeff,
Paris, Ed. d'Aujourd'hui,1978.

59
que corresponde ao Ein Sof da Cabala e ao Deus gnóstico de Basilides
e de Valentim. Esse Ungrund enquanto Uno é o Absoluto, a Liberdade
absoluta(40).
Do uno, proviriam dialeticamente a Vontade e o

Desejo(41), respectivamente força centrífuga e centrípeta. A Divindade,

para se conhecer, projetar-se-ia, ad extra, na "Sofia" ou Virgem

Eterna, na qual estariam as idéias ou arquétipos de todas as coisas(42).

É quando se criam tais coisas que Deus passa a ser, porque só então
passa a ter corpo(43).

Boehme descreve o processo divino como emanação de


sete qualidades ou essências de Deus. Cada uma delas seria uma etapa
do processo divino e, ao mesmo tempo, Deus em sua totalidade. Ele
insiste em dizer que as sete qualidades divinas não emanam uma da outra,
mas que cada uma contém todas as sete(44).

A criação teria sido o resultado de uma queda


irracional da divindade. Deus teria criado Lúcifer, o qual teria
corrompido a criação. Então, Deus teria feito uma segunda criação(45).

( 4 0 ) C f r . Jacob Bo eh m e - "D e la base s ublim e et pro fo nde des six points


théosophiques" I, 7; I, 11 e 12; I, 54 - trad. Louis Claude de Saint
Martin, in Cahiers de l’ hermetisme, "Jacob Boehme", Paris, Albin
Michel, 1977.

( 4 1 ) Cfr. J. B oeh me - "Mysterium Pansophicum" II,2; III ,1 ;IV, i n


Cahi ers d e l 7h e r m é t i s m e - "Jacob Boehme", t r a d . L.C.de Saint
Martin, Paris, Albin Michel, 1977.
(42) Cfr. J.Boehme - Des si x points théosophiques II, 22 -23,ed. cit.
( 4 3 ) Cfr. A.Koyré, op. cit., pp. 355-357; 360-363.
( 4 4 ) Cfr. J. Boe hme - "Mys ter ium Ma qnu m " III , 8 - 18 ; V, 1 -20; VI,1-21,
ed. cit.

( 4 5 ) A.Koyré, op. cit., pp.427,428.

60
Logo, o mal, tanto quanto o bem, teria origem divina.
O universo seria vivo. A vida seria o grande fluxo, a Tinctur,
que, saindo de Deus, se derrama sobre o universo e reconduz tudo a
Deus(46).

No homem, como em todas as coisas, haveria um quid divino que o torna um microtheos. A

renúncia ao ser, à individualidade, ao desejo, reconduziria o homem ao estado

divino original. Deste modo, o homem seria redentor de si mesmo.


Adão reuniria em si o infinito e o finito, o masculino e o feminino.
Ele teria corpo, porém não animalidade, e possuiria poderes mágicos.
Sua queda teria sido provocada por seu amor à matéria e por isso teria
passado a ter corpo material animalizado, teria perdido seus poderes
mágicos e sua intuição, além de ter provocado a separação dos sexos(47).

O quid divino que haveria no homem seria para ele fonte


de revelação pessoal. Por isso ninguém poderia impor dogmas a ninguém.
Em matéria de fé, deveriam reinar liberdade, tolerância e ecumenismo.
Por isso, a Bíblia deveria ser interpretada livremente(48).
A verdadeira igreja, para Boehme, deveria ser
invisível e pneumática, porque Cristo pode nascer na alma de pessoas
de qualquer religião, até mesmo não cristã, Da igreja espiritual fariam
parte todos os que seguissem sua revelação interior, qualquer que fosse
ela, desde que praticassem o Amor. A verdadeira igreja seria a do
Amor(49).

(46) A. Koyré, op.cit., p.447 .


(47) Cfr. A.Koyré, op. cit., pp.454-465, 470 e 471.
(48) Cfr. A . K o y r é , op. cit., pp. 492, 493, 494, 498.
(49) Cfr. A.Koyré, op. cit., p. 498-502.

61
Em todo ser manifestar-se-ia um processo dialético

pois cada coisa seria feita de sim e de não. O choque destes princípios

opostos produziria a rotação, revolução ou evolução. O processo

histórico conduziria ao "Reino dos Lírios", em que se teria felicidade

perfeita e, no final da evolução dialética universal, tudo se reuniria

num Cristo cósmico, síntese do Espírito e da Matéria, do Bem e do Mal,

da Luz e das Trevas, do Masculino e do Feminino, do Tudo e do Nada(50).

A doutrina de Boehme, claramente gnóstica, tem relação

direta com a Cabala e com a Alquimia. Pontos que apresentam nítido

caráter cabalístico são:

a) a tese de que se deve distinguir a Divindade do

Deus revelado;

b) a concepção de que a Divindade é incognoscível e

é, ao mesmo tempo, Nada e Tudo, como o Ein Sof da

Cabala;

c) a idéia de que em Deus, como em tudo, há um choque

de princípios opostos;

d) a concepção de que na Divindade há um processo

evolutivo;

e) a correspondência entre os dez sefiroth da Cabala

e os três princípios e as sete qualidades divinas de

Boehme;

f) a idéia de que o mal tem origem na própria essência

de Deus;

(50) Cfr. A. Koyré, op.cit., p. 393-394.

62
g) a crença de que em Deus há elementos sexuais

masculinos e femininos;

h) a afirmação de que o Universo é corpo de Deus;

i) a tese de que o Universo é um ser vivo;

j) a afirmação de que Adão era andrógino e que tinha

um corpo não material antes da queda;

k) a idéia de que Adão já havia caído antes da

existência de Eva;

1) a crença de que foi em conseqüência da queda que


Adão passou a ter corpo material, que se deu a

separação dos sexos e que a geração passou a ser

por união sexual;

m) o relacionamento do poder mágico com as palavras

assim como o relacionamento do ser com a liberdade;

n) a tese de que a Sagrada Escritura tem sentido

oculto.

Alexandre Koyré não aceita a tese de Stockl, de que


a doutrina de Lutero, assim como a de Boehme seriam "maniqueísmo
cabalístico", pois considera o pensamento de Boehme, até certo ponto,
original. Apesar disso, confessa, em sua obra já citada, que:

63
a) Boehme conhecia a Cabala(51);

b) que nos livros de Boehme há idéias de origem


cabalística(52);

c) que Boehme utiliza duas vezes a palavra Cabala(53);

d) concede que talvez Boehme tenha sofrido


influência indireta da Cabala(54);

e) confessa que o esforço de Jacob Boehme para

conciliar suas sete qualidades e seus três espíritos,


a fim de formarem um conjunto de dez, parece ter-se dado
por influência cabalística(55);

f) confessa que, de fato, o sistema dos dez


"sefiroth" da Cabala influenciou Boehme(56);
g) que Boehme, na obra Mysterium Magnum, procura

dar uma interpretação cabalista do nome de Jesus,

utilizando o processo que os cabalistas chamam de

Notaricon.

Gershon Scholem, uma das maiores autoridades em mística

judaica e Cabala, considera que:

(51) Idem, ibidem, p.49.


(52) Idem, ibidem, p.185.
(53) Idem, ibidem, p.127.
(54) Idem, ibidem, p. 123.
(55) Idem, ibidem, p.277.
(56) Idem, ibidem, p.287.

64
"A doutrina de Boehme das origens do mal, que
criou tanta agitação, na verdade, ostenta
todos os traços do pensamento cabalístico
(...)Boehme, mais do que qualquer outro
m í s t i c o cri st ã o, mostra a mais estreita afinidade
com o cabalismo (...), a conexão entre suas idéias
e as da Cabala teosó fica e ra m b em e vi den te s
par a s eus se gui do res , d es de Avraha m Von
F r a n c k e n b e rg (m. 1652) até Franz Von Baader (m.
1841) e ficou a cargo da literatu ra moderna a
tarefa de obscurecê -la" ( 5 7 ) .

" ( . . . ) i l ( O e t i n g e r ) f i t c o n n a i t r e e n Allemagne le
visionnaire et érudit suédois Emanuel Swedenb e r g .
D ' a u t r e p a r t i l i n a u g u r a u n é c h a n g e d'idées a v ec
les répré sentan t s de la Kabba le j uive, c e m o u v e m e n t
m y s t i q u e q u i n ' é t a i t p a s r e s t é inc o n n u à B o e h m e
l u i - m ê m e . L o r s q u ' i l r e n d i t v i s i t e à Kopp el He ch t,
célèbre kab bali ste a pparte nant à la comunauté
juive de Francfort, afin d'obtenir d e l ui des
i n fo r ma ti o ns su r l ' és o té ri s me jui f , c e l u i - c i l ui
f i t u n e r é p o n s e m é m o r a b l e . O e t i n g e r racconte ainsi
l'entretien:

'Il me dit que, pour ce qui concerne la Kabbale, nous autres


chrétiens possédions un livre qui en parle

(57) Gershon SCHOLEM - A mística judaica, São Pauto, P e r s p e c t i va, 1972,


65
pp. 232-239.
encore plus explicitement que le Zohar. Je demandai:

'Lequel?' I1 répondit: 'Jakob Böhme', et me parla

aussitôt de la concordance entre les textes de cet auteur

et ceux de la Kabbale'.

Gershom G. Scholem, sans doute le meilleur connais seur

contemporain de la mystique juive, dit à ce propos: 'Il

n'existe aucune raison de considérer ce récit comme

mythique; on peut d'ailleurs rappeler que, à la fin du

dix-septième siècle, un autre adepte de la mystique de

Böhme, Johann Jakob Spaeth, fut a tel point frappé par

l'affinité existant entre celle-ci et la Kabbale

juive qu'il se converti au judaisme'. Par ailleurs,

Scholem affirme qu'il existe 'de toute évidence' une

correlation entre les idées de Boehme et celles de

la Kabbale théosophique, répresentée par une lignée de

penseurs qui allait d'Abraham Von Franckenberg (son

contemporain et biographe) à Franz Xaver Von Baader

(1765-1841)"(58).

Ainfluência das doutrinas de Jacob Boehme na religião, na filosofia e na


arte foi muito grande. Porém, interessa-nos agora tratar apenas de sua influência no campo
religioso.

66
O Pietismo

Desde os primórdios da Reforma, formaram-se duas

correntes no movimento heterodoxo: uma mística e outra racionalista.

O luteranismo oficial representa a segunda corrente, enquanto os

movimentos anabatistas e milenaristas representam a primeira.

Embora tivesse proclamado a doutrina do livre


exame da Sagrada Escritura, Lutero mostrou-se intolerante com todos
os que não concordavam com sua interpretação particular. Ele

excomungou Storch e Muntzer e pregou a guerra contra os camponeses

anabatistas.(59)

O triunfo luterano sobre os mileranistas em

Frankenhausen não liquidou o problema quiliástico. Em Munster, João


de Leyde se fez coroar Rei-Messias no cemitério da cidade, e depois

de um reinado de terror, de comunismo e de promiscuidade sexual,

Munster, a Nova Jerusalém, foi tomada de assalto pelas tropas do bispo

da cidade. João de Leyde pereceu na tortura e, durante séculos, seus

ossos ficaram numa jaula de ferro, suspensa nas torres da Catedral.

Hitler ordenou o apeamento dessa jaula em 1933.

Na Alemanha luterana, entretanto, a chama do misticismo milenarista


era mantida acesa em pequenos conventículos secretos. Nesses círculos,
o luteranismo oficial era acusado de se ter corrompido por haver
trocado o espírito da Sagrada Escritura que vivifica, pela letra que
mata. Dizia-se que a igreja luterana oficial se esclerosara em
estruturas rígidas, semelhantes às do catolicismo. Essa igreja
luterana ignorava os anseios místicos dos

(59) Cfr. Norman COHN - L e s f a n a t i q u e s d e l ’ A p o c a l i p s e , P a r i s , Julliard, 1962.

67
fiéis, pois se preocupava apenas com cerimônias leis, dogmas e
excomunhões. Era "igreja de pedra", vazia do Espírito e que perseguia
a Igreja do Coração formada pelos fiéis em que cujas almas se revelava
o Espírito de Deus.(60).
Consideravam os místicos que uma Igreja organizada,
institucionalizada, tal como o Estado, era um mal necessário. A Igreja
de Pedra era como a lâmpada, enquanto por seu lado a Igreja do Coração,
a Igreja Mística, seria como a luz.(61)
A corrente mística do protestantismo teve seu "profeta"

na figura de Jacob Boehme, cujos escritos teosóficos, alquimistas e

cabalistas, tiveram uma enorme influência na História do pensamento

europeu.(62)

Foi da doutrina de Boehme que nasceu o pietismo,

religião do "coração", religião do sentimento, oposta ao racionalismo

luterano, e do qual nasceriam a filosofia e a escola romântica alemão.

O pietismo teve, porém, como fundador propriamente

dito Philipp Jacob Spenner, gue, no fim do século XVII, instituiu em

Frankfurt am Mein, os "Collegia pietatis", "ecclesiola in ecclesia",

conventículos semi-clandestinos para manter o fervor espiritual dos

fiéis que se constituíram em células religiosas que se multiplicaram


na Alemanha.

O nome Pietismo v em não só dos "Collegia Pietatis"

fundados por Spenner, como também dos seus "Pia desideria" ou

(60) Cfr. Ladislao MITTNER - Storia della Letteratura Tedesca dal


Pietismo al Romanticismo (1700-1822), Giulio Einaudi, 1964.
(61) Cfr. MITTNER - op. cit., pp. 35 e 37.
(62) Cfr. Ernst BENZ - Les sources mystiques de la philosophie romantique
allemande, Paris, J. Vrin, 1968.

68
porque os sectários usavam continuamente a palavra "pietas".(63)

O pietismo, assim como a anabatismo, os Irmãos do Livre


Espírito, e tantas outras seitas místicas, não tem limites definidos.
Ele é impreciso como um nevoeiro:

19) porque ele não admitia estruturas e


institucionalizações;
29) porque recusava qualquer dogmatismo. Assim, ele

se misturava ecumenicamente com outras seitas

protestantes. Mittner compara o pietismo ao

afloramento de um rio cársico. Como no Carso os rios

afloram e desaparecem na terra, para reaparecer

depois, quilômetros além, assim também o pietismo

seria um afloramento de um único grande movimento

místico que percorre a história.(64)

Por nosso lado acrescentaríamos que esse grande rio cársico,


que ora aparece com um nome, ora volta a ser subterrâneo,
para reaparecer com outro nome, mas sempre com as mesmas
águas, se chama gnose.
O único dogma de que os pietistas faziam questão era
o da Redenção por Cristo. A tudo o mais se poderia renunciar em proveito
da união dos cristãos. Os pietistas faziam mesmo

(63) Cfr. L. MITTNER op.cit., p. 40.

(64) Cfr. L. MITTNER - op. cit., p. 40.

69
questão de proclamar seu espírito de renúncia e de concessão em

matéria de fé, porque desejavam veementemente a união de todo os

cristãos no amor. Eram absolutamente relativistas e tolerantes. O

ecumenismo era a sua felicidade. Se o único dogma de que faziam questão

era o da Redenção por Cristo, não se julgue porém que eles o entendiam

no sentido comum. Cristo era o Redentor, mas não era Deus. Cristo

era para eles, sobretudo um homem, um irmão, um amigo. No máximo,

ele seria o homem ideal, como dizia o pietista Zinzendorf.(65)

Religião da amizade, o pietismo se preocupava em


estabelecer entre o membro da seita e Cristo uma relação de amizade

sentimental e igualitária. Uma amizade joânica. Nesse amor por

Cristo-homem, Zinzendorf planejava realizar a união não só dos

cristãos, como também dos pagãos, respeitando a fé de cada um. Para

ele um único dogma bastava: o da humanidade de Cristo: a Santíssima

Trindade seria formada por "Papai Deus", "Mamãe- Pomba" e "Irmão

Cordeiro".(66) O Espírito Santo, chamado de Mamãe-Pomba, era

considerado por Zinzendorf como a divina Sofia, ou divina Sabedoria,

e a segunda Eva, mãe de todos os crentes(67).

Ora, é curiosa essa confusão do Espírito Santo com a divina Sabedoria,

pois que a Sabedoria é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e não

a Terceira. Estas denominações do Espírito Santo como a Divina Sofia,

Segunda Eva, ou Mamãe Pomba insinuam uma interpretação sexual da

Trindade Divina, própria dos movimentos

.
(65) Cfr. L. MITTNER - op. cit.,p.43.
(66) Cfr. L.MITTNER - op. cit., p.43.
(67) Cfr. L. MITTNER - op. cit., p.41.

70
gnósticos. Na Gnose Valentiniana e na Kabala é que se fala numa Sofia
inferior apresentada como elemento feminino em Deus.(68)
Para o Pietismo, seguidor de Boehme, o mundo era uma
emanação da divindade e o espírito de Deus se achava espalhado por todos
os seres do universo. Esse imanentismo levava o pietismo a ter um culto
religioso da natureza, a buscar fundir-se no Todo universal, a procurar
estabelecer um contato com os outros homens, e mesmo com as coisas,
por meio de uma simpatia universal. O pietista vivia dialeticamente,
sentindo Deus distante e, ao mesmo tempo, próximo; Deus "absconditus"
e Deus manifesto; e vendo o infinito imanente nas coisas finitas.

Como todos os movimentos místicos gnósticos, o


pietismo desprezava a matéria, o corpo, considerando-os como pri-
são do espírito.
O homem deveria buscar a Deus no íntimo de seu coração.
Deus falaria a cada pessoa através de seus sentimentos. A razão e a
vontade deviam ser combatidas, pois seriam causas de individualização
e empecilhos, portanto, à fusão no Todo Universal. Era preciso
"reentrar" em si mesmo, e, para isto, era necessário combater as
qualidades pessoais, egoísticas; resistir às imagens ilusórias dos
sentidos, fruto da multiplicidade ilusória da vida real concreta(69).
A razão, especialmente, impediria o retorno ao Uno
divino pois ela, definindo as coisas, as separa. Também era preciso
renunciar à vontade individual, considerada egoísta, para alcançar uma
atitude de indiferença semelhante à dos budistas e dos estóicos.

(68) Cf r. G. SCHOLEM - A mística Judaica, São Paulo, Perspecti v a ,


1972. H. LEISEGANG - La Gnose. Paris, Payot,1951.
(69) Cf r. L. MITT NER, op. cit., p.47.

71
Essa renúncia à vontade levava o pietista à

passividade. Condenava-se a ação, especialmente a ação política.

Deste modo, desprezando a razão e aniquilando a

vontade, só restavam os sentimentos. A relação do homem com seus

semelhantes, ou com a natureza, se fazia apenas através dos

sentimentos. Quanto menos precisos e definidos esses sentimentos

melhor seria, pois seriam sentimentos vagos, sem razão, sem base

lógica. Dai a preferência pietista pela música, a mais vaga e menos

explícita das artes.

Acreditando que o mundo seria uma emanação divina, uma


degradação misteriosa da própria divindade, que o espírito divino
estaria aprisionado no corpo humano material, era normal que o pietista
se sentisse "exilado" e triste neste mundo. Daí sua melancolia e
tristeza. O pietista, como o futuro romântico, se comprazia na
tristeza. "Sou tão mísero, débil e doente" confessa melancolicamente
Tersteegen, que ama a tristeza do entardecer:
" D o c e , o b s c u r a , s u a v e e s i l e n c i o s a é a b e l a h o r a do

crepúsculo".(70)

O pietista gostava também de padecer, sofrer

pacientemente as doces amarguras da vida. Ele não buscava o prazer e

a alegria. Não amava os jogos e as diversões nem a boa comida. Gostava

do que é simples. Era um introvertido em contínua auto-análise,

buscada como fim em si mesma.

Uma simpatia universal por outro lado punha em

comunicação o espírito divino encarcerado em todos os seres concretos.

A amizade era a manifestação dessa simpatia, veículo para a fusão

cósmica. Como diz Mittner, o pietismo, é a religião

(70) Cfr. L. MITTNER - op. cit., p 42.

72
do sentimento íntimo e individual, a religião das amizades místicas.
Essa amizade mística, sentimental e lânguida, principiava na relação
da alma com Cristo. O pietista devia ter para com Cristo uma amizade
pessoal, igualitária, sentimental. Dessa primeira amizade deveriam
decorrer todas as outras.
O pietismo era então organizado em células de três
pessoas que deviam ter entre si uma amizade "particular", sentimental
e mística. Era o que eles chamavam "o trevo". Os três participantes
do trevo deviam estabelecer um pacto de amizade, confirmado, muitas
vezes, por uma comunhão. O trevo era o primeiro núcleo ou célula de
um conventículo pietista. O próprio matrimônio era visto como "amizade
conjugal", amizadede almas, de fundo religioso. No matrimônio também
se formava, muitas vezes, um trevo ou triângulo filadélfico entre os
dois cônjuges e um terceiro elemento que patrocinara ou favorecera
o casamento, renunciando a seu amor por um dos cônjuges. Esse terceiro
elemento, que sacrificava seu amor, era como que um substituto de
Cristo, um vice-Redentor. Esse amor, entre os pietistas e r a c h a m a d o
amor filadélfico e se opunha ao amor filantrópico
preconizado pelos racionalistas que mandavam amar igualmente todos
os homens.
Em consonância com essa concepção, Zinzendorf
renunciou a duas noivas, oferecendo-as a outros pietistas, para
convertê-los. Casou-se, depois, e sua mulher lhe deu filhos. Então,
ele a deixou para um amigo, enquanto partia para os Estados Unidos com
uma "irmã" jovem que ia auxiliá-lo na fundação de uma colônia pietista
na América. Quando sua mulher morreu, ele se casou

73
com essa jovem.

A mística pietista, como toda mística gnóstica, incluía


elementos sexuais. O processo teosófico exposto por Boehme, originado
da Kabala, tem conotações desse tipo. Para Boehme, Adão teria sido um
ser andrógino que não se conformando em ser o que era, quis ser o que
não era e, como castigo, Deus teria separado os sexos, criando a mulher
do flanco de Adão. Zinzendorf e outros pietistas relacionavam a criação
de Eva com a chaga do peito de Cristo. Nas cerimônias nupciais
organizadas por Zinzendorf, havia símbolos obscenos relacionados com
essa chaga(71).

Caracteristicamente Susana Von Klettenberg, que

iniciou Goethe na alquimia, desenvolveu toda uma teoria mística do

sangue que ela perdia em suas hemoptises de tuberculosa. Aliás,

alquimia e pietismo eram estreitamente ligados.

"There was a religious aspect of alchemy


which m a d e i t s p e c i a l l y a c c e p t a b l e t o c e r t a i n members

of t he P ie tis t m ove me nt. Ja cob Boe hm e, f ro m wh om


Pietism derived much of its doctrine, had made
c o n s i d e r a b l e u s e o f a l c h e m i c a l l a n g u a g e i n his

w r i t i n g s , a n d o n e o f h i s l a t e r a n d m o r e f a n a t i cal

fol lo wer s, t he Pi et ist G ot tf rie d Arn ol d, h ad


quoted extensively from alchemical works in his

(71) Cfr. L. MITTNER, op. cit., p. 58.

74
voluminous 'History of the Church and Heretics'. It is possible to say
the re for e th at wh er eve r in Germany Pietism was
strong, as it was in Frankfurt, there was likely to
b e a l s o s o m e belief in the vali d ity o f alc he my" . ( 7 2 )

A célula pietista funcionava como um microcosmo. Atuar


nela, seria atuar no macrocosmo. Qualquer modificação na célula
acarretaria uma modificação no todo universal, conforme as regras da
alquimia.

"Il pietismo aveva insegnato que grandissime cose

s i p o t e v a n o fare operando in piccolo; le loro


cel lu le er an o p icc ol e ed im me n se, p er ché e ra n o
o
tendevano a diventare autosufficienti e
sembravano

i n c a r n a r e m olto concretamente la concezione


misti ca d el l 'U no - Tu tto ', c he in Ger ma ni a s i f on da va su una
tradizione plurisecolare spesso sotterranea, sempre eficace".(73)

Mittner afirma ainda que o papel dirigente, assumido


em outros países pelas grandes capitais, em matéria de tônus, cultura,
organização, foi desempenhado na Alemanha pela célula pietista.

(72) Ronald D. GRAY, op. cit., p.4.


(73) MITTNER, op. cit., p.61.

75
A mística pietista obrigava o adepto a passar por uma

fase de auto-análise angustiada do próprio eu que levava a pessoa a

um profundo sentimento de dor, de ser nada, até atingir uma "morte"

mística. Nesse momento, a graça irrompia na alma que então renascia

para uma nova vida, A pessoa então sentia-se jovem, convertida. Daí

as poesias que falam da aurora e da primavera em que a vida renasce.

Esta passagem de uma fase de angústia e de morte para uma nova vida

era denominada "superação".

A vida espiritual pietista procurava também analisar

continuamente as manifestações do Deus oculto na natureza e na alma.


Procurava-se então interpretar os "sinais de Deus" nos fenômenos

naturais ou nos movimentos da alma. Por isso os pietistas produziram

uma grande quantidade de diários íntimos e cartas edificantes.

Procurava-se também vaticinar o futuro abrindo

a Bíblia a esmo e lendo um versículo que manifestaria o futuro ou a

vontade de Deus.
Cabe um paralelo. Enquanto para o iluminismo o mundo

era uma grande máquina que a luz da razão podia compreender, para o

pietismo ,em contraste o universo era um grande ser vivo cuja alma era

o próprio Deus. A luz não seria a razão e sim a beleza do universo,

definida como esplendor da alma universal.

O misticismo anti-racionalista do pietismo produzia


uma aversão a todo formalismo dogmático e litúrgico. Levava a rejeitar
toda igreja constituída, toda institucionalização e hierarquia.
Por isso, os pietistas preferiam reunir-se nas casas
a fazê-lo nas igrejas. Em suas reuniões lia-se a Bíblia, cantavam-se
hinos sacros, incentivavam-se as pessoas mutuamente com discursos
piedosos. Nessas reuniões não havia chefes ou presidentes, mas sim um
círculo de elementos iguais em que o Espírito se manifestava
livremente: Estas células constituíam pequenas Igrejas na Igreja,
"ecciesiola in Ecclesia". Igualitarismo e ecumenismo eram notas

76
características do pietismo.
Como muitos outros movimentos gnósticos, o pietismo

era milenarista. Já Boehme havia anunciado um reino milenarista que

ele chamava de tempo dos lírios, "Lilienzeit". Todavia foi o conde

Zinzendorf o principal "utópico" do pietismo. Ele organizou inúmeras

colônias pietistas chamadas Herrnhut (Proteção do Senhor) na Alemanha,

na Rússia e nos Estados Unidos.

Muitas vezes essas células pietistas se transformavam


em núcleos sociais e econômicos que punham todos os bens em comum.

Nestes núcleos tudo era regulado: horários, roupas, orações,


trabalho, refeições, modo de falar. Zinzendorf queria que em suas
colônias os móveis não apresentassem arestas, mas fossem sempre
arredondados.
Esse "utopismo" pietista vai se prolongar por meio de

Oetinger até os românticos e, através deles, até Marx.

Se o pietismo era vago e indefinido em sua estrutura

e em suas crenças, isto não significa que ele não tivesse uma

organização que era fluída, mas também secreta. Diz Mittner a esse

respeito:

"Anche i pietisti costituivano un' organizzazione in


p a r t e s e g r e t a n o n s e n z a u n c e r t o g u s t o , tir a n n i c o i n
Zinzendorf, del cerimoniale da inizia ti, di
misteriosi segni di riconoscimento, di complicate
g e r a r c h i e c o n r e l a t i v i s i m b o l i , m o t t i e distintivi".(74)

(74) L. MITTNER, op.cit ., p. 65.

77
A influência pietista foi imensa na religião, na

filosofia e na literatura alemã, como também na França através do

Quietismo, seu irmão gêmeo, e na Rússia através dos eslavófilos. Se

se considerar que o idealismo e o Romantismo nasceram do pietismo, não

se pode deixar de reconhecer sua influência universal.

C. O veio filosófico do Romantismo

O terceiro veio formador do Romantismo é de natureza

filosófica e está intimamente ligado ao veio religioso, pois se

abebera em Jacob Boehme. Com efeito, os filósofos idealistas alemães,

Fichte, Schelling e Hegel, adotaram linguagem e idéias dos místicos,

na exposição de seus sistemas, particularmente as de Mestre Eckhart

e de Jacob Boehme, como veremos mais adiante. Em todos esses filósofos

foi também grande a influência do pietismo e da Cabala.

Historicamente, a ligação entre Boehme e os filósofos

do Romantismo alemão se fez por meio de dois teólogos pietistas: Bengel

e Oetinger. Johan Albrecht Bengel (1687-1752) foi membro do clero


protestante e pietista da Suábia. Escreveu várias obras sobre o Novo

Testamento, e especialmente sobre o Apocalipse. A preocupação

pietista com os "sinais dos tempos", revelação de Deus na História,

e a expectativa do advento do Reino de Deus na terra - o "tempo dos

lírios" ("Lilienzeit" de Jacob Boehme) levaram Bengel a buscar no

Apocalipse e na História o desvendamento do futuro. Para Bengel, Deus

se revelava a si mesmo na História, através de um plano providencial

que era combatido pelo demônio. Bengel chegava às raias do dualismo,

ao imaginar uma oposição simétrica entre a Santíssima Trindade e uma

Maligníssima Trindade infernal que se combateriam na História. Todas

78

(75) E r nst BENZ - L e s s o u r c e s m y s t i q u e s d e l a p h i l o s o p h i e r o m a n t ique,


a l 1 e m an d e , V r in , P a r i s , 1 9 68 , p. 46 .
as ações dos homens, mesmo as piores, acabariam concorrendo para a

realização do plano divino. Em Hegel, um pensamento parecido será

expresso na teoria da "astúcia da razão".

"Chez Bengel c'est Dieu qui se realise dans l'Histoire de


l'h um ani té , pa s à pas, d'après un plan
providentiel précis, en vue d'édifier son
royaume qu i ser a e ff ec tiv am en t a tt ei nt à la f in
de l 'h is t o i r e s o u s l e c o m m a n d e m e n t d u C h r i s t , d a n s
le royaume de mille ans".(75)

Esse mesmo autor mostra como o evolucionismo histórico


dos místicos e filósofos idealistas alemães tem caráter gnóstico.

"Ce processus de l'auto manifestation de dieu implique et


comprend aussi bien sa manifestation d a n s l ' u n i v e r s ,
dans la nature que dans l'hist o i r e ; c'est un
processus autant créateur et conserva teur q ue
sotériol ogiqu e. L'évolut ion de l 'univ e r s à t r a v e r s
l e s d i f f é r e n t s r è g n e s d e l a mat i è r e i n o r g a n i q u e ,
d e s p l a n t e s , d e s a n i m a u x , de l 'homme appa rtie nt
autant à ce procès théog on ique qu' à la
s o t é r i o l o g i e , q u i f o r m e u n e e s p è c e de prolongation
ou continuation de

79
l'évolution créatrice dans le règne de l'histoire.

Aujourd'hui où il y a une discussion passionnée sur

l'évolution sotériologique du Père Teilhard de Chardin,

faut se rappeler que le terme d'évolution ne fut introduit

d'abord par les savants des sciences n a t u r e l l e s d u

X I X è m e s i è c l e a u t o u r d e C h a r l e s Darwin, mais que

le terme fut introduit comme un terme théologique et

sotériologique par les théosophes du XVIIIème siècle.

C'est ainsi qu'il fut adopté par les philosophes de

l'idéalisme allemand,

Hegel, Schelling, Baader, comme terme sotériologique

pour décrire le procès théogonique dans lequel dieu se

manifeste soi même autant dans l'univers que dans la

sotériologie 'afin que Dieu soit tous en tous' (I Cor.

15,28). Ce verset de Saint Paul qui se trouve autant de

fois cité par Teilhard de Chardin est le verset favori de

Schelling, de Baader et avant eux de Oetinger. Ce fut

Baader qui publia un écrit sur 'L'évolutionnisme et le

révolutionnisme ou sur l'évolution positive et négative

de la vie en général et de la vie sociale en

particulier', dans les Annales de Bavière, 1834, N.R.

28, pp.219-224 et N.R. 62, p p . 423 - 43 0 " ( 7 6 ) .

(76) E. BENZ, op. cit., pp. 57-58.

80
Para Bengel, o Apocalipse daria a chave para se
compreender a História assim como seria também a Revelação da própria

natureza de Deus. Como Joaquim de Fiore, Bengel procurava fazer

paralelismos entre personagens bíblicos e históricos e se dedicou a

cálculos numéricos para determinar a data do início do Reino de Deus.

Acabou concluindo que o reinado da Besta começa em 1143 e, como esse

período duraria 666 anos, ele marcou o início do milênio para 1809,

tendo mais tarde adiado esse início para 1836.

Friedrich Christoph Oetinger (1692-1782) por sua vez


foi o principal discípulo de Bengel. Estudou em Tubingen, onde se
interessou por obras rabínicas e pela Cabala. Entrou em contato com
um grupo cabalista de Frankfurt a que pertenceram o pietista Johann
Jacob Schütz e o conselheiro Fende. Este grupo estudava o Zohar e a
"Cabala denudata" de Christian Knorr Von Rosenroth. Foi ainda em
Frankfurt que Oetinger teve contato com o cabalista judeu Kopel Hecht
que, como vimos, o aconselhou ler Jacob Boehme para conhecer bem a
Cabala.
Como Bengel, Oetinger defende a tese de que Deus se
revela na História, especialmente através de homens carismáticos como
Boehme ou Swedenborg.
Oetinger procurava na História as regras da ação da
Providência que permitiriam compreender seguramente a História:

81
"règles que l'on retrouvera dans la méthaphysique

h i s t o ri q u e d e l ' id é a l i sm e al l e ma n d" . ( 7 7 )

No final do processo histórico, Deus seria em cada homem


o alfa e o ômega. Haveria então uma grande efusão do Espírito Santo e
se realizaria o Reino do Amor, a idade de ouro. Nesse tempo, o homem
teria uma "ciência central" que lhe permitiria compreender
perfeitamente Medicina, Direito e Teologia. Schelling dirá a mesma
coisa, anos depois.
Oetinger, como todos os teósofos, não acreditava num

Deus imutável. Como a cabala, ele distinguia Divindade e Deus e não


aceitava as processões divinas no sentido Trinitário.

"Logiquement la doctrine Kabbalistique des Sef i r o t c o n d u i t


O e t i n g e r à c r i t i q u e r l e d o g m e o f f i ciel de l'Églis e
à p r o p o s d e la Trinité; il envient ainsi à
déclarer q ue la seconde personne de la Trinité
chrétienne est en réalité la Shekhina (magnificence)
devenue homme, cependant que l'identification
de la troisième personne avec le Saint –Es p rit
est due à une interprétation er ronée de la doctrine
juive de la Hokhma (sagesse). Peut–être de telles
idées ont–elles été inspirées à Oe ti ng er p ar
Kop pe l H ec ht , qui a vai t év oq ué de vant lui le
c a r a c t è r e 'étrange' des dogmes

------------------------------------------------------------
(77) E. BENZ, op. cit., p. 44.

82
chrétiens; en tout cas elles amenèrent l'auteur à

é v i t e r d a n s l'exposé de sa propre concepti on


de la Trinité, le terme de "p er so n ne" , afin de ne pas
donner l'impression d'un trithéisme" (78).

Por isso Oetinger prefere usar os termos 'sefiroth' ou


emanações e não pessoas ao tratar das processões divinas.
Oetinger, como Jakob Boehme e todos os gnósticos, tinha

uma concepção dialética do movimento em Deus:

"(...) dans son commentaire des sept Sefirot


infé r i e u r s , Oetinger va consid érer le mouveme nt
en Dieu, comme une lutte entre deux forces contraires,
avec une résolution dans la perspective d'une
paix finale. Le repos sera alors le fruit d'une
victoi r e symbolisée par le nom de la septième
Sefira Netsah. Or c'est ce passage de l'état de
guerre à l 'é tat de rep os qu 'O e tin ge r a ppe ll e ra
act us pu ri s s i m u s . On ne saurait s'éloigner
d a v a n t a g e d e l a notion métaphysique d'acte pur" (79).

(78) E . B E N Z . " L a K a b b a l e , c h r é t i e n n e e n A l l e m a g n e d u X V I a u XVI II


sièc le, " Cah ier s de l'h erm éti sme , Kabb ali ste s chr ét i e n s , P a r i ,
Albin Michel, 1979, pp. 110 -111.

(79) P i e r r e D EG H A Y E, "L a P hi l o so p h i e s ac r é e d ' O et i n g er " C a h i e rs d e


l ' h e r m é t i s m e , K a b b a l i s t e s c h r é t i e n s . P a r i s , A l b i n M i chel, 1979,
p. 253.

83
Para Oetinger, o Espírito Santo, "aquele que há de
vir", o Amor, reuniria não só o Pai e o Filho, mas também Deus com o
universo e com todos os homens.
Assim como os cabalistas e, mais tarde, os idealistas,

Oetinger considerava que todo espírito sem corpo ou que não pudesse

tê-lo, seria mau. O universo seria o corpo do qual Deus seria a alma.

Os conceitos de espírito e matéria seriam correlato. O espírito seria

matéria sublimada. É em termos alquímicos que Oetinger se expressa:


"Le volatile se fixe et le fixe se volatilise. Cela signifie que
l'esprit devient corps et le corps esprit(...). Le parfait symbole
de cette alchimie est Jesus Christ: dans sa personne, l'Esprit a
revêtu une forme corporelle et le corps de chair s'est spiritualisé
avec la résurection. Cette personne est par excellence le lieu de
rencontre entre l'esprit et le corps (...) C'est en universalisant
cette vérité que Oetinger déclare d'une part que tout est esprit
d'autre part que tout ce qui est esprit, est aussi corps" .(8O)

Estas idéias de que Deus seria a alma do mundo e de

que haveria correspondência entre matéria e espírito são reencontradas

entre os românticos. Segundo elas, a criação teria permitido que a

Divindade se refletisse na natureza e, sendo

(80) P ie r re DEGHAYE, op.cit., p. 247.

84
senhora dela, se tornasse Deus e, querendo bem a ela, se tornasse

Amor. É isto que explica o culto que os românticos tinham pela

natureza.

A natureza seria então boa enquanto meio necessário

para revelar a divindade, embora tivesse sido a sua criação que

determinara a existência do mal no próprio Deus. O Reino de Deus viria

sanar esse mal, redimindo a natureza e o homem. Nesse Reino, Deus, o

Universo e o homem seriam um.

"Le Mal, ce n'est pas la création en elle même


comme le pensai ent les gnostiq ues. Le Mal c'est
cette brèche que la Divinité a ouverte en elle
m ê m e p o ur qu'un monde distinct pût exister. Le
Règne de Dieu c'est le vide comblé. Le Règne de Dieu
exalte la création au lieu de l'abolir. Dieu
s'unit à sa création dans l'ekklesia qui est son co r ps
spi ri tue l. L'â me du Me ssi e M alk ut h, e st s o n
corps rayonnant. La Schekhina ou Malkuth c'est
le corps mys ti que qui a la su btilité de l'â me
par r app or t à l a mat ér ia lit é gro ss ièr e et q ui
est un c o r p s p a r r a p p o r t a l'esprit pur".(81)

Oetinger dizia opor-se violentamente aos gnósticos,

especialmente a Cerinto que negava qualquer valor à matéria, mas

seu próprio sistema é gnóstico, embora moderado no que tange ao

problema da matéria. Por isso, Déghaye afirma que:

(81) Pierre DEGHAYE, op. cit., p. 272.

85
"... la philosophie sacrée d'Oetinger devrait mê me être

considérée comme une gnose antignostique"(82)

O milenarismo de Oetinger chega até a defender a

apocatastasis, isto é, a redenção do próprio demônio, para tornar real

a frase "que Deus seja tudo em todos” (I Cor. 15,28).


Inspirando-se no tempo dos Lírios de Boehme e nas
teorias de Bengel, Oetinger tem uma concepção do Reino de Deus, ou
Reino do amor igualitário e comunista, que vai repercutir nos
românticos e depois em Marx.

"En un certain sens, le tableau de l'âge d'or es quissé

par Oetinger constitue le moule dans le quel seront

coulées les ébauches de l'État ultime de la société, de

l'État ou de la société idéale, telles que nous les

trouverons chez Hegel, chez Schelling, chez Baader,

mais aussi chez Karl Marx, et il est frappant de voir que

non seulement des concepts importants de Hegel mais ceux

de Marx figurent dans la description de l'âge d'Or par

Oetinger".(83)

Traços característicos desse Reino do Amor de Oetinger

são o sacerdócio universal e a igualdade completa dos homens. Por

isto, não haverá nesse Reino do Amor propriedade privada. Tudo será

possuído em comum.

(82) Pierre DÉ GHA YE , o p . c i t . , p . 2 3 7 .


(83) E. BENZ, Les sources mystiques de la philosophie allemande, Paris,
Vrin, 1968, pp. 50-51.

86
Terceira condição de felicidade desse Reino é a

inexistência de governo e de moeda.

Será o amor que presidirá todas as relações humanas,

depois que os homens estiverem libertados da propriedade, e do governo.

4. Franz Von Baader

O teósofo Franz Von Baader:

"est le dernier anneau d'une chaine que depuis le moyen âge,


à travers le XIVe siècle et Meister E c k h ar t, l e XV e
s i èc l e et Ni co la s d e C ue s , le XVIe siècle et la
réforme, et enfin la théosophie de Jacob Boehme au XVIIe
siècle, aboutit au XIXe siècle et au romantisme."(84)

Ele se proclamava discípulo de Boehme, mas esteve

bastante penetrado pelas idéias de St. Martin e da Cabala.

"Heritier de la Kabbale juive, de Saint Martin et de

Martines (de Pàsqualys) qu'il prolonge, il est de la

famille spirituelle de tous les illuminés, de tous les

théosophes et de tous les occultistes qui foisonnent

au XVIII siècle et l'époque romant i q u e

---------------------

(84) Eugène, SUSINI, Franz Von Baader et le Romantisme mystique , 3

vol., Vrin, Paris, 1942, vol. II, p. 48.

87
tant en France qu'en Allemagne. Il incarne la tradition
é s o t é r i q u e d e s s o c i e t é s é c r é t é s e t de la m aço nne r ie
(... )" ( 8 5 )

Baader foi amigo ou conhecido de quase todos os grandes


vultos do Romantismo alemão, de que ele é uma figura muito
característica, embora de importância, até certo ponto, secundária.

"Nous sommes étonnés de voir


l ' e s t i m e d ans laquell e ont pu le tenir Novalis,
Tieck, Ritter, Schelling, Fr. Schlegel, Görres,
Sailer, Varnhagen, Lenau et tant d'autres, et par
a i l l e u r s e t le peu de place qu 'il a occupé da ns
l e r o m a n t i s m e allem a n d d o n t i l e s t p o u r t a n t,
s a n s a u c u n d ou t e , u n e des figures les plus
gra nd ios es , malgré ses faiblesses, s es
insuffisances, et l'impression d ' i n a c h è v e me n t et
d ' e s q u i s s e q ue n o u s l a i ss e to u te son oeuvre.(86)

Nesta relação de nomes ligados a Baader, é preciso

salientar o de Sailer, que terá um papel importante no caso Anna

Katharina Emmerick-Brentano.

Sailer influenciou muito na religiosidade de Baader.

(85) E. SUSINI, op. cit., v o l. II, p. 29.


(86) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 14.

88
"On ne dira jamais assez ce que le Baader du journ a l d o i t
a l'illustre prélat: toute sa religion, sa manière
de concevoir Dieu, le rôle qu'il attache à
l ' h i s t o i r e , a u x É c r i t u r e s e n t a n t que tel les et a u
christia nisme en tant que rév élation, la place
q u ' i l f a i t à J é s u s , f i l s d e D i e u et m é d i a t e u r , l e
désir de saisir Dieu par le coeur d'une manière
v i v a n t e e t n o n p a s d e l e déduire d ' u n c er ta i n no m bre
d ' ar g um en t s lo giq u es , l e pr i x a t t a c h é p a r a i l l e u r s
e t u n e f o i s l a révélation a d m i s s e à l a r a i s o n p a r c e
q u ' e l l e n o u s éclaire s u r l a v r a i e n a t u r e d e D i e u ,
t o u t c e l a e s t pénétré d e la méth ode et de l' espr it
de Saile r(... )" .

"On sait, d'autre part, que la synthèse curieuse


et si cara ctéri s tique du J ourna l de Baader , entr e
des sourc es prop rement ch rétien n es ou catho lique s
(Sailer) et des sources moin s or thodoxes (my stiq ue
de Claudius, Lavater, Saint-Martin), avait
plus o u m o i n s é t é r é a l i s é p a r S a i l e r l u i - m ê m e
q u i a, sur ce point encore, servi de modèle à Baader.

Sailer était très lié avec Lavater 'que lui


r e s s e m b l a i t p a r s e s l u m i è r e s e t s e s v e r t u s ' , et cette
amitié valait à Lavater l'accusation d'être ' u n a f f i l i é c a c h é
des jésuites' (Sailer était u n ancien jésuite)
tandis qu'on t a x a i t Sailer d ' ê t r e protestant en
secret parce qu'il était si l i é avec Lavater"
(Souvenirs de Charles Henri

89
Baron de Gleichen, précédés d'une notice par M.Paul

Grisublot, Paris, 1868, p. 146, chap. Lavater)."(87)

0 próprio Baader proclama que seu pensamento tem por


fonte a Cabala!

Em 1796 ele escreve a Von Oppel:

" N ã o s e e s p a n t e , e n t ã o , c o m o m e u naturalismo; v o c ê n o t a r á
que ele é bastante inocente e, a rig o r , menos
herético que o spinozismo - porque eu o tirei da mesma
fonte de que o tirou Spino za (apenas não tão
profundamente) - a velha Cabala judaica - esse tronco
d a m a i s a n t i g a c i ê n c i a d a natureza".(88)

E comenta Susini:

" N a t u r w e i s h e i t " ; l e m o t e s t c a r a c t é r i s t i q u e . Il ne
s ' a g i t p a s d ' u n e ' s c i e n c e ' n a t u r e l l e p u r e et s i m p l e , m a i s
d ' u n e ' s a g e s s e ' , d ' u n e connaissance r e l i g i e u s e , m y s t i q u e ,
é s o t é r i q u e , d ' u n e théosophie".(89)

(87) E. S U S I N I , op.cit., vol.II, p.84.


(88) " E rsch re ke n S ie n u n n i ch t ü ber me i ne n N atu r alis mu s, S ie we r d e n
i h n u n s c h u l d i g g e n u g f i n d e n u n d w e n n i g s t e b e n s o u n be khe r ba r
a l s de n S pi n o zi sm - de n n ic h h abe ih n au s de rse l b e n Q u e l l e , a u s
d e r S p i n o z a ( n u r n i c h t t i e f g e n u g ) s c h ö p f t e - aus der alten jüdischen
Cabbala - diesem T o r s o der älst e s t e n Naturweisheit" Cf r.
E.SUS IN I, o p. c it., vol. I.p. 21 2.
(89) E . SUSINI, op. cit., vol.II, p. 277.

90
Ora, a Cabala é reconhecidamente uma gnose judaica.(90)

Deste modo, é indubitável que se deva classificar o

pensamento de Baader como gnóstico. É o que diz Susini:

"Le my sti ci sm e de B aa der , o u si l 'o n ve ut sa


t h é osophie se rapproche de la gnose. L'antique
gnose é tai t un e con na is sa nce d 'or dr e su pé r ieu r
cap ab le d'apporter l'intelligence des mystères
religieux. La g n o s e a v a i t c ec i d e p a r t i c u li er
qu'elle p réten dait muer la croyance en
connaissance et pénétrer de spéculation mystères
e n v e l o p p é s dans la foi.

La gnose c h ré t i e n n e , c el le d'Origène par


exemp l e , n ' a v a it d ' a u tr e f i n qu e d e s o u te n i r l a
foi chrétienne par le recours de la spéculation.
Comme l ' a n c i e n n e g n o s e c h r é t ien n e , e t b i e n qu' i l
n'y a i t p a s d e r a p p o r t d i r ec t e n t r e c e t t e g no s e
et la doctrine de Baader, cette doctrine est elle aussi
une élaboration des données de la religion, une
spéculation relative au dogme. "Le mystère", d i t
B a a d e r , e t l e mo t e s t i m po r t an t e t mérite q u ' o n
l e r e t i e nn e , 'n' e s t p a s u n e v ér i t é impénétrable,
m a i s u n e v é rité simplement cachée". ( 9 1 )

(90) Cfr. Gershom SCHOLEM, Les Origines de la Kabbale, Paris, Aubier- M o n ta ig ne ,


1966, p. 200.
(91) E. SUSINI, op. c i t . , p . 4 9 .

91
A gnose em suas formas mais radicais negava qualquer

valor à criação e opunha o Deus verdadeiro a um demiurgo criador e mau

que teria encarcerado a divindade na matéria. Destarte, a matéria era

considerada como um produto do deus do mal, e a criação uma obra de Satã.

Na gnose cabalista, assim como em Boehme e nos

pensadores românticos, a conceituação da criação e da matéria são mais

matizadas:

1º) porque a criação teria sido uma manifestação

necessária de Deus;

2º) porque se distinguiria uma matéria superior e


espiritual de outra inferior. A primeira seria obra

da divindade para sua manifestação, enquanto que a

segunda, a matéria inferior atual, seria resultante

da queda de Lúcifer e de Adão.

Por isso, Kabala, Boehme, Baader, Schelling e em geral

os românticos, se de um lado não condenam a matéria de modo

absoluto, de outro, fazem questão de condenar o panteísmo por não

distinguir Deus e a criação.

Da confusa doutrina teosófica e gnóstica de Baader

limitar-nos-emos a citar sumariamente alguns pontos de natureza

cabalista e ocultista que tiveram repercussão no romantismo.

Muitos desses pontos, nós os encontraremos em Brentano

e em Anna Katharina Emmerick.

1º) Deus.

Baader pretende dar uma concepção de Deus que não é

-.
92
nem monoteísta, nem panteísta, nem maniqueísta.(92) Ele não aceita uma

separação absoluta entre espírito e matéria, tal a que existia entre

maniqueus, gnósticos e platônicos. Para ele Deus e criação, espírito

e matéria eram coisas unidas, mas que não se deviam confundir, como

o faziam os panteístas, nem opor, como faziam os gnósticos. Logo, em

sua concepção, Deus existe em si, mas se torna Deus na criação que o

manifesta e o explicita.(93)O homem teria então a missão de continuar

e de completar Deus, não em si mesmo, mas no "mundo das emanações".(94)

Por isso o homem deveria ser visto como "microtheos":

"Ainsi l'on peut dire que l'homme achève Dieu. C'est


seulement lorsque Dieu se trouve dans l'homme, se
reflète en lui, que la nature peut fêter son sabbat"
(VIII, 59, note 3). Ou encore: "Si l'homme devait être
tout d'abord crée avant que Dieu pût reposer dans sa
création, la manifestation de Dieu dans le monde ne peut
être achevé sans l'homme" (VIII, 61). Baader dira aussi
que l'inhabitation parfaite de Dieu dans le monde par
l'intermédiaire de l'homme, et le reflet de Dieu renvoyé
par le monde, constituent l'essence du sabbat" (VIII,
62).(95)

(92) E.SUSINI, op. cit., voL.II, p.452-453.


(93) E . S U S I N I , op. cit.,vol. II, p. 455.
(94) E.SUSINI, op. cit., Vol. II, p. 457.
(95) E.SUSINI, op. cit., vol. I, p. 460.

93
Se o mundo se distingue de Deus, se a multiplici dade

saiu da unidade mas se distingue dela, é preciso que a criação retorne

harmonicamente ao Criador, assim como a multiplicida de volte a se

reduzir à unidade, mas permanecendo distintas. Isto só seria possível

através do Amor que reconcilia harmonicamente Deus e a criação, o uno

e o múltiplo. Daí, para Baader,assim como para a Kabala, a união sexual

ser o grande mistério do universo.

2º)Satã e Lúcifer

Baader como Boehme distingue Satã de Lúcifer afir mando

que este último é uma criatura enquanto Satã não o é. ( 96 ) O mal (Satã)

é um potencial, uma virtualidade que Deus tolerou que se atualizasse

na vontade de Lúcifer por sua livre escolha.

3º) Criação

A criação foi conseqüência da revolta de Lúcifer, segundo

Baader.

"'La catastrophe universelle', dit-il, a été provoqué par


Lucifer. À la suite de cette révolte (Zerwürfssis)
apparait, comme complément à la création, l'univers
terrestre, le ciel et la terre. La création de la terre
coïncide avec la chute de Lucifer".(97)

(96) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p.299.


(97) E.SUSINI, op. cit., vol. III, p. 302.

94
Entretanto o universo material teria sido criado como
único remédio possível, como um dique para deter a irrupção do mal. Como
conseqüência dessa primeira queda de Lúcifer teriam surgido também o espaço
e o tempo.(98)

4º) A matéria

Baader distingue dois tipos de matéria:

a) a matéria incorruptível do ser eterno.

b) a matéria corruptível do ser temporal.(99)

Para ele o corpo espiritual, feito de matéria


incorruptível, não é nem espírito, nem corpo animal. A encarnação de
Cristo se teria dado não num corpo material corruptível e sim num corpo
espiritual. Com base nessa concepção de uma matéria espiritual é que
Baader pensa evitar quer o panteísmo, que diviniza a matéria bruta, quer
a gnose que despreza toda matéria.(100)

" C o n f o n d r e o u s é p a r e r e s p r i t e t m a t i è r e , comme f o n t l e
panthéisme et le spiritualisme, constitue une erreur;
f a i r e d e l ' e s p r i t e t d e l a matière deu x principes hostiles
en constitue un autre(...)

(98) E. SUSINI, op. cit., vol. III., p. 303.


(99) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 352-353.
(100) E. SUSINI, op. cit.,vol. II, p. 358.

95
Il n'y a pas séparation entre l'esprit et la matière, du fait
(101)
qu'on les distingue; il n'y a non plus hostilité."

5º) 0 primeiro Adão

O primeiro Adão conforme Baader, seria andrógino,


masculino e feminino ao mesmo tempo, e seria superior aos anjos.(102)

"L'idée d'un premier homme androgyne, c'est-à-dire, q u i a u r a i t


réuni en lui-même les deux puissances, masculine et
f é m i n i n e , e s t d a n s l a philosophie d e t o u s l e s p a y s e t d e
t o u s l e s t e m p s . E l l e est d a n s J a c o b B o h e m e , p o u r q u i A d a m
C a d m o n o u Adam c é l e s t e é t a i t à l a f o i s h o m m e e t f e m m e
s a n s ê t r e pourtant ni l'un ni l'autre, et Boheme lui -même
la t r o u v a i t d a n s l a K a b b a l e e t d a n s P a r a c e l s e . Elle e s t
a u s s i d a n s S a i n t - M a r t i n , e t B a a d e r n ' e s t du r e s t e p a s
le seul de sa génération à reprendre ce thème qui traîne
à t r a v e r s t o u t l e r o m a n t i s m e a l l emand."(103)

( 1 0 1 ) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 454.


(1 0 2 ) E . SUSINI, o p . cit., vol. III p. 283.

(103) E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 358.

96
Este Adão andrógino não passou por uma primeira prova
quando Deus lhe apresentou a natureza animal. Em conseqüência disso,
depois dela, Deus criou Eva, isto é, separou o sexo feminino de Adão,
que assim deixou de ser andrógino.(104)
Antes dessa queda; Adão se reproduzia de modo superior.

Depois, ele, tendo caído em "corporização terrestre", ficou incapaz

de se reproduzir superiormente, pois, vendo o reino animal, não

resistiu ao desejo de reprodução sexual. Ele desejou ter, como os

animais, uma companheira exterior. Por isso, Eva foi retirada dele.

Mais tarde, Adão e Eva caíram juntos, ao comer o fruto


proibido; o que fez com que o homem atingisse a situação atual, em que
o corpo materializado domina o homem, cujas entranhas são de alguns
"interpolados",(105) Antes porém,

"L'homme était destiné dans son origine à se nourrir et


à s e ré p r o du i r e d'u n e m a n iè r e p a ra di s i a q ue . M a i n t e n a n t
e t a p r è s s a c h u t e i l e s t o b l i g é d e s e conformer en cela
aux animaux de la terre".(106)

Este homem originalmente era um "microtheos" e não um


microcosmos.(107)

( 1 0 4 ) C f r . E . S U S I N I , op. cit ., vo l. I II, p. 365.


(105) Cfr. E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 372 .
(106) Cfr. F. VON BAADER, apud. E. SUSINI, op. cit., vol. II,
p.333-334.
(107) Cfr. E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 459.

97
6º) Adão e a "Virgem Celeste"

Para Baader, porque Adão era andrógino...

" ' l a v i e r g e c é l e s t e ' , ' l ' I d é e o u l ' I d é a l d e l'hum a n i t é '


h a b i t a i t e n l u i , e t i l a v a i t l u i , le dev o i r d e r e n d r e
cette idée concrète" (III,302).(108)

"Boheme a montré comment l'homme paradisiaque, l' homme


v i e r g e , i m a g e d e D i e u , a y a n t d é s i r é l'imag e t e r r e s t r e
de l'homme et de la femme s'est cor rompu. Mais la Vierge
Céleste, Sophia, l'humanité céleste, vient au secours
de l'homme déchu; (...)"

" L ' h o m m e , é c r i t B a a d e r e n 1 8 3 5 , é t a i t n é pour d e m e u r e r


auprès de Dieu. Il devait demeurer dans l'Idée dans
Sophia, vivre conformément à elle et se fixer en elle.
P a r s a c h u t e , a u c o n t r a i r e , l'h o m m e a q u i t t é S o p h i a ;
Sophia a quitté l'homme ; elle est retourné à son état
i n c r é e (Uncreat ü r l i c h k e i t ) e t l ' h o m m e d e m e u r e d a n s s o n
é t a t d e s i m p l e c ré a t u r e ( C re a t ür l ic h k e i t) " . ( 1 0 9 )

" P a r n o t r e f a u t e , l ' I d é e ' , S o p h i a , s'est é v a n o u i e . T e l


u n e s p r i t s é p a r é d e c e m o n d e , Sop h i a a p e r d u s o n
caractère concret, sa forme cor porelle (IV,213). La
chute de l'homme, dit Baader

(108) Apud. E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 361.


(109) E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 575.

98
e n 1 8 3 7 , a r é s u l t é d u f a i t q u e s o n â m e o u s a v o l o n té a
refusé de pénétrer dans l''idée' qui lui avait été donné par
Dieu comme compagne, et, s'associant à elle, de
devenir avec elle une créature unique (IV,
335-336). L'Idée s'est dès lors séparée de l'h o m m e
c o m m e d ' u n ho mm e a d u l t è re ; el l e s'est év a n o u i e
en lu i; el le s 'es t ret ir ée ' dan s le ca l me d e la
non - cré ati on' ( .. .)."

" D è s l or s , la V i e r g e S o p h i a e n t a n t q u ' Id ée ou
E s p r i t , e s t e nc o r e à l 'é t a t ' i n c o r p o re l '
(unleibhaft). Mais elle aspire, depuis que par la
faute d e l ' h o m m e e l l e a p e r d u s o n c a r a c t è r e
c o n c r e t , à l e r e t r o u v e r . E ll e t e n d à r e n t r e r o n
possession de sa 'corporeité' (Leibhaftigkeit) (IV,
214)".(110)

7º) Mística Sexual

Assim, para Baader como para a Cabala, a união sexual


encerra o grande mistério do universo, porque é por meio dessa união

que o homem recupera, pelo menos temporariamente, sua unidade

andrógina primitiva, estabelecendo por um instante sua união com a


Sofia celeste.

(110) E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 581.

99
" L ' a m o u r , e x p l i q u e B a a d e r , l ' a m o u r e n t e n d u au

sen s d'a tt ra ct ion d 'un s ex e pou r l'a ut re , a


pou r b u t d e r n i e r d e r e co n s t it u e r l ' h um a n i té
céleste, l ' h u m a n i t é i n t ég r a l e, c ' e s t - à - d i r e,
l'androginit é p r i m i t i v e . L' a m ou r d o i t d é tr u ir e
l'humanité inférieure, le 'vieil homme', afin
d'engendrer ou

d e r e e n g e n dr e r l ' h o m m e p a ra d is i a q u e " ( . .. ) "La

' c r o i x d ' a m o ur' est représentée par le


caractère

masculin et féminin, par le sexe proprement dit


,

q u i e s t s y n o n ym e d ' ' a b s t r a c t i o n ' e t n o n pa s


d'unité, et qui en tant que tel est égoïste et
entièrement différent de l'amour. Porter cette
'croix d'amour', telle est i c i b a s la destinée de
l'homme et de la femme: lutter contre l'état de
division en vue de préparer la restauration de
l'an dr ogy ne it é pri mi tiv e, te l le e st la m is si on
qui leur incombe".(111)

Outro texto confirma esse mesmo pensamento:

"Le but supérieur de l'amour, but qui dépasse le t e m p s , n ' es t


a u t r e q u e l a ' re s t a u r a t io n solidaire (l'incarnation)
dans les deux amants de l'image de Dieu devenue pour
l'homme esprit incorporel ( I I I , 3 0 8 ) . L ' i ma g e
d e D i e u e s t , en e f f e t , par l a c h u te , de v e nu e sa n s
e s s e n ce , s an s s u bst a n c e . C e t t e i m a g e d e D i e u ' a p p a r a i t '
s e u l e m e n t à l 'h o m m e , c ' e s t - à – d i r e

(111) E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 588.

100
qu'elle n'est plus pour lui qu'une apparence
( I I I , 3 0 9 ) . L e b u t supérieur de l'a mo u r e s t d e
fix er c et te i ma ge d e Di eu d ev e nue fugitive, de
la rendre essentielle et permanente, d e
r é e n g e n d r e r e n D i e u l e s d e u x a m a n t s ( I I I , 3 0 8 – 309)".
(112)

Esta função do amor não existiria apenas no homem,


mas teria um alcance cósmico, pois procuraria unir o corporal e
terrestre ao que é sideral e celeste. Deste modo é que Baader pode
falar da "merveilleuse alchimie de l'amour" (I,229).(113)

8º) Pensamento dialético

Como bom seguidor de Boehme, da Cabala e da alquimia,


Baader tem uma noção dialética do ser:

"La p r é o c c u p a t i o n d e B a a d e r e s t d ' é t a b l i r , p a r l a

m é t h o d e d e l ' ét y m o l o g i e e n pa r t i c u l i er , l'idée
q u e l ' o r ig i n e d e l ' ê t r e, t a nt m a t é r i el
qu'intér i e u r , e s t u n co n f l i t en t r e u n e c e r t ain e
t h è s e ( a t t r a ct io n d a n s le m o n de m a t é r i el , d é si r
dans le monde moral) et une antithèse (expansion
d'une part, contraction de l'autre), conflit qui se
rés ou t en u ne c omb in ais on d es deu x mo uv eme nt s,
u n e s y n t hè s e , q u i e s t mo u v e me n t

(112) E. SUSIN I, op. cit., vol. III, pp. 3 73-374.


(113) E. SUSINI, op. cit., vol. III, p. 529.

101
circulaire, g i ratoire dans le monde concret, et
a n g o i s s e , chaleur ang ois san te da ns le mon de
inté rie ur" . ( 1 1 4 )

A concepção que Baader faz da natureza é dialética e

dualista. No universo haveria uma oposição da luz e das trevas,

idéia que existe também na Cabala.

" C ' e s t a in s i qu ' i l p a r le d e l a ' t r i a de d e


l'omb re' ( Fi nst er - Te rna r) p ou r d es ign er l a b ase
tén é breuse des choses, la chaleur obscure d'où la
création est sortie, le pôle négatif de
l'univers, e t i l rep ré se nte gr aph iq uem en t ce t te
tri ad e n ég a t i v e p a r u n t r i a ng l e a u s om m e n t
d i r i g é v e r s le h a u t . À c e t t e t r i a d e s ' o p p o s e u n e
' t r i a d e d e l u mière' (Licht - Ternar), figurée par
un triangle au s o m m e t d i r ig é ve r s l e b a s . Ce qui
veut dire tout d ' a b o r d q u e l a l u m i è r e n ' e s t q u e
d e l ' o m b r e r e n v e r s é e . La s u bs t a n c e r es t e en
q u e l q u e s o r t e i d e n t i q u e; s e ul l e s s i g n es on t
c h a n g é ( . . . ) C'est p r o b a b l e m e nt l a r a i s o n p o u r
l a q u e l l e B a ad er f i g u re en tête de son opuscule
'sur l'éclair, père de l a l u m i è r e ' , un
h e x a g r a m me ( I I , 2 7 ) d an s lequel i l v oi t s an s
dou te la p os si bil it é d e re pr ése nt er
g r a p h i q u em e n t e t s y m b o l iq u e me n t s a doctrine et
de traduire le mystère le plus profond de
création. (115)

(114) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p. 317.


(115) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 323.

102
9º) Espaço e Tempo

Ligadas ao problema da matéria estão as questões de

espaço e de tempo. Assim como Baader considerava a matéria não como

um mal em si, e sim um mal menor, como um dique necessário para impedir

a queda no mal completo, assim também o tempo era um mal menor e

manifestação do mal.

"La gravitation (la pesanteur), le temps, l'espace,


sont en somme une manifestation du mal, c'est -à-dire
d e l ' i m p u i s s a n c e d e l a c r é a t u r e q u i a p e r du son
centre".(116)

Tempo e espaço são, pois, conseqüências da queda original que produziu


o universo material.

10º) Analogia e conhecimento

Baader não aceitava a idéia de que se deviam distinguir


duas "regiões" da realidade: a espiritual e a material. Ele lembrava
que alguns filósofos antigos distinguiam cinco "regiões ou esferas;
a divina, a espiritual, a natural, a material e a impura.(117)

O conhecimento do mundo exterior e material seria


obtido através do corpo e dos órgãos dos sentidos.(118) Mas o mundo do

(116) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 426.


(117) C f r . E . S U S I N I , o p . cit., vol II, p. 367.

(118) E.SUSINI, op. cit., vol II, p. 367.

103
superior, paradisíaco, que deveria ter sido o mundo real do homem e
do qual ele caiu, não seria possível conhecer por meio da razão e
dos sentidos; pois ele se tornou para o homem um mundo figurado ou
mágico.(119)

Mundo mágico, para Baader, é o mundo ideal que não pode


ser alcançado pelos sentidos e sim pelo êxtase, pelos fenômenos do
magnetismo, pelo sonambulismo.(120)
Entre o mundo superior e o paradisíaco, ou mágico,

haveria analogia e sendo o universo um organismo, qualquer ação tem

repercussão universal. Quando o homem faz qualquer coisa no mundo

natural, ele estaria como que manipulando uma ponta de um pantógrafo.

Mas, movendo um dos braços do pantógrafo, o homem estaria, ao mesmo

tempo, realizando a mesma ação, em escala maior, através do braço maior

do pantógrafo que ele utiliza.(121)

11º) Deus e razão

Embora Baader chegue a dizer que a razão é Deus


em nós(122), ele nega que se possa alcançar Deus pelo entendimento. E
pela fé, pelo coração que chegamos a Deus.(123) Deus falaria no coração
do homem e não na sua razão.(124)

(119) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p. 368.


(120) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p. 373.
(121) E.SUSINI, op. cit., vol. III, p. 288-289.
(122) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p. 196.
(123) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p. 131.
(124) E.SUSINI, op. cit., vol. II, p. 134.

104
" N o t r e p o s s e s s i o n d e D i e u n ' e s t d o n c p a s l e rés u l t a t d e
l ' e n t e n d e m e n t . D i e u r é p o n d à u n appel d u c o e u r . I l n e f a u t
pas reconnaître la valeur de l ' h i st o i re , l a va l e ur d e
la révelation; mais la

prés enc e de Die u en n ous e st rév él ée p ar un e i ntu it ion


dire cte . (. ..) Une intu iti on d ire cte nous ré vèle sa présence
en nous.(125)

Por isso ele não crê que a verdade religiosa seja


monopólio de uma igreja.

" L a v é r i t a b l e É g l i s e d u C h r i s t e s t p o u r l u i i n v i s i bl e ;
e l l e n ' es t p a s un e i n s t it u t io n of f i c i el l e , u n c o r p s
s o c i a l o r g a n i s é ; e l l e n e vit q u e 'dans l ' â m e d e q u e l q u e s
s a g e s ' . O u d u m o i n s e l l e ne s a u r a i t ê t r e o r g a n i s é e s u r
u n m o d e autocratiq u e ' . (126)

5. Os filósofos idealistas

O idealismo alemão - cujas figuras exponenciais foram


Fichte, Schelling e Hegel - é uma explicitação filosófica da

experiência de místicos alemães, tais como Mestre Eckhart Tauler e

Jacob Boehme. Desses místicos, o idealismo herdou a "visão central”

e adotou a sua terminologia.

(125) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 142.

(126) E. SUSINI, op. cit., vol. II, p. 150.

105
" ( . . . ) L a ' v i s i o n c e n t r a l e ' d e l a philosophie idéaliste

est le reflet direct de l'expérience myst i q u e . E n f i n l a

t e r m i n o l o g i e d e l a p h i l o s o p h i e id é alis te rel igi eu se

elle —mê me est t ir ée s cie mme nt d e l a l a n g u e d e s

mystiques dans laquelle ils ont interprété leur

e x p é r i e n c e m y s t i q u e d e d i v i n i s a tion".(127)

E diz ainda este autor:

"On p o u r r a i t d é m o n t r e r q u e l e c o n c e p t idéaliste d u M o i
c h e z F i c h t e e s t d i r e c t e m e n t i n f l u e n c é par l e s
spéculations du mysticisme allemand du Moyen Âg e comme
V o n B r a c k e n l ' a p r o u v é d a n s s o n livre sur Fichte et Maitre
Eckhart".(128)

Uma outra fonte do idealismo foi a Cabala. Esta foi

introduzida nos ambientes cristãos na Alemanha, por Reuchlin no século

XVI. Como vimos, quem melhor escreveu sobre a Cabala nesse país foi

Jacob Boehme. Foi através de Boehme e de Oetinger que a Cabala chegou

até os filósofos idealistas e aos românticos, especialmente a

Schelling(129) e Franz Von Baader que foi o grande divulgador de Boehme

na Alemanha de cujas obras ele preparou uma edição em 1 8 1 3 ( 1 3 0 ) ,

enquanto Hegel foi adepto de Boehme e o elogiou muitas vezes.(131)

(127) Ernst BENZ - Les sources mystiques de l a philos ophie ro m a n t i q u e


allemande, Vrin, Paris, 1968, p.31.

(128) E. BENZ, op. cit., p. 30.


(129) Cfr. E. BENZ, op. cit., p. 56.
(130) E. BENZm, op. cit., p. 7.
(131) E. BENZ, op. cit., p. 20.

106
Desde muito cedo, ficou patente que o idealismo

alemão, cujas raízes se estendiam a Eckhart a Boehme e à Cabala, devia

ser visto como uma forma de gnose.

"Nel 1835 a p p a r v e l a m o n u m e n t a l e o p e r a d i F e r d i n a n d

Christian Baur, 'Die Christliche Gnosis, oder die

R e l i g io n ph i l oso p h i e in i h r er g e sc h i c hl i c hen

Entweckung'. Sotto il titolo 'Gnosticismo antico e

f i l o s of i a m o de r n a d e ll a r e l ig i o ne ', l 'u l t im a p a r t e d i

q u e s t ' o p e r a p a s s a i n e s a m e 1 ) la teosof i a d i B ö h m e ; 2 )

l a f i l o s o f i a d e l l a n a t u r a di S c h e l l i n g ; 3) la dottrina

della fede di Schleierm a c h e r ; 4) la filosofia della

religione di Hegel La speculazione dell'idealismo

tedesco e giusta mente inquadrata nel suo contesto nel

ambito del movimento g no s t ic o , le cui o r ig i ne

r i s a l ga n o a l l ' antichità".(132)

Voegelin afirma ainda que Baur não estava sem


fundamento nessa sua posição. Os trabalhos de Johann Lorenz Von Mosheim,
de Johann August Neander e de Jacques Matter permitiriam concluir que:

" c o n l ' i ll u m i ni s mo e c o n l ' i de a l is mo t e de s c o m o v i m e n t o

g n o s t i c o a v e v a a c q u i s i t o u n a g r a n d e r i levanza

sociale".(133)

( 132) Er ic VO EG ELI N - I l m i t o d e l m o n d o n u o v o , M i l l a n o , R u s c o n i -
Editori, 1976, pp. 57-58.
(133) Cfr. Eric VOEGELIN, op. cit., p. 58.

107
Não cabe aqui fazer uma análise pormenorizada do

pensamento de todos os idealistas alemães. Ressaltaremos apenas a

relação de alguns pontos de contato da filosofia de Schelling com a

Cabala e a teosofia de Boehme. Escolhemos Schelling por ser ele o

filósofo idealista mais próximo dos românticos alemães.

1º) O Deus de Schelling

O Absoluto para Schelling seria pura identidade entre


sujeito e objeto. Ele poderia ser intuído mas não compreendido. Como
a Cabala, Eckhart e Boehme, Schelling distingue no Absoluto, a divindade
impessoal, o Ungrund de Boehme, que seria a contração, a que se oporia
a expansão, ou o Amor.(134) Vê-se por aí que Schelling utiliza a
terminologia de Boehme.(135)

Haveria, pois, um dualismo em Deus, que seria ao mesmo


tempo, como dizia Eckhart, ser e não-ser.(136)
Assim, como a Cabala, Schelling fala de um dualismo
de trevas e luz na divindade e que a luz nasceria das trevas. (137)

(134 ) Cfr. SC HEL LIN G. "Conférences de Stuttgart", in " E s s a i s "


de S c h e l l i n g , Traduction et préfaces par S. Jankelevitch,
Paris, Ed. Aubier et Montaigne, sans date, pp.320-321.
(135 ) Cfr. A. KOYRÉ. La philosophie de Jacob Boehme, p. 506.

(136 ) C f r . SCH ELL IN G. Conférences, op. cit., p . 319 , Vl adimir


Loss ky, Théologie négative et c o n n a i s s a n c e de Dieu chez Maître
Eckhart, Paris, Vrin, 19 73, p p. 38 ,200 ,24 4; Maître E c k h a r t ,
Sermons - introduction et traduction de Jeanne Ancelet-Hustache,
ed. Seui l, Paris, p.10 2, ser m ã o n º 9 , "Quasistella manutina".
(137 ) Cfr. SCHELLING, Conférences, op. cit., 315; G. Scholem -
A mística judaica, Perspectiva, São Paulo, pp. 2 19, 220,221.

108
Esse dualismo de um princípio obscuro e outro de luz

terá repercussões na metafísica idealista e em todo o Romantismo.

Veremos repercussões dele em Bretano e Ana Catarina Emmerick.

Schelling afirma ainda que o processo teogônico


seria dialético e catárquico, uma purificação e autoconhecimento da
divindade.(138) Ora, o mesmo pensamento existiu no sistema cabalista.(139)

2. O problema do mal

Ao examinar o problema do mal em "Filosofia e Religião",


Schelling procura demonstrar que o mal tem origem na própria essência
divina e proviria de uma queda de Deus. Na opinião de Hartman, Schelling
teria tirado sua idéia de Jacob Boehme.(140) Entretanto, a origem real
dessa tese é cabalista.(141)

3. A criação do universo

Para os idealistas a criação do universo foi


resultante de um processo necessário existente na divindade para que
ela se auto-conhecesse.(142) A criação, porém, era vista como uma queda
necessária da divindade para poder auto-revelar-se.(143) Schelling
pretende que essa teoria da queda divina no universo tem origem em
Platão e nos mistérios gregos. Ele não cita porém que

(138) Cfr. S c h e l l i n g , C o n f é r e n c e s , e d . c i t . , p p . 3 1 6 - 3 1 7 .
(139) Cfr. G. SCHOLEM, op. cit., p. 220.
(140) C f r . N i c o l a i H A R T M A N , o p. c i t . , p . 1 6 9 .
(141) C f r . G . S C H O L E M , K a b b a l a h , K e t t e r . , J e r u s a l é m , 1 9 7 4 , p p . 1 2 2 a 128.
(142) C f r . SCHELLING, C o n f é r e n c e s , e d . c i t . , p . 3 1 5 .
(143) Cfr. SCHELLING, Philosophie et Religion in Essais, ed. cit., pp. 195-196.

109
essa mesma idéia aparece em Boehme e na Cabala.(144)
A esse respeito diz Scholem:

"(...) f o r a l l t h a t c o n c e p t o f z i m z u m w a s in f a c t v e r y
close to the ideas that later develo ped in modern
i d e a l i s t s p h i l o s o p h i e s , s u c h a s t h o se of Schelling and
Whitehead".(145)

4. A matéria, princípio obscuro em Deus

O elemento obscuro e inferior que Deus procurou eliminar


de si mesmo e que teria produzido o universo seria a matéria, mas
procurando purificá-la e atraí-la de novo a si, procurando despertar
nela que é inconsciente, o consciente.(146) Doutrinas semelhantes se
encontram no sistema cabalista de Isaac Luria. (147)

5. O elemento divino encarcerado na matéria

Como todos os gnósticos, Schelling afirma que a queda


de Deus provocou o aprisionamento de um elemento divino (existente no
mais intimo das almas) no corpo material. Estaríamos neste mundo para
pagar uma falta anterior ocorrida enquanto estávamos em Deus. (148)

(144) Cfr. A. KOYRÉ, op. cit., p. 421.


(145) G. SCHOLEM, Kabbalah, ed. cit., p. 134.
(146) Cfr. SCHELLING. C on f é re n c es de Stuttgart, ed. c i t . , p. 317.
(147) Cfr. G. SCHOLEM, A mística judaica, ed. cit., p. 270.
(148) SCHELLING, “Philosophie et Religion”, in Essais, ed.cit., p. 204.

110
6. Matéria, individualização, tempo, espaço e morte

Da matéria provém a individualização, a limitação ao


espaço e ao tempo. De tudo isto, a partícula divina que há no homem
seria libertada através da morte.(149)

7. A evolução e a História como processos de

auto-revelação e auto-libertação de Deus

Havendo em todo ser criado um elemento material obscuro

e um elemento luminoso divino, em tudo há um processo dialético que


faz a luz libertar-se das trevas, o divino livrar-se do que é material.
Neste processo dialético a matéria bruta é inconsciente e evolui para
a matéria viva e consciente. No homem, o espírito divino readquire
auto-consciência e procura libertar-se definitivamente de sua casca
material, para alcançar, pela morte, a divinização.(150)

Esta auto-conscientização de Deus no homem, isto é,


o conhecimento do Absoluto, não seria possível ser alcançada através
da reflexão, e sim por meio de uma intuição dialética que apreende
os contrários como idênticos, e que faz coincidir sujeito e objeto,
o Eu e a coisa.(151)

(149) SCHELLING, “Ph i l o s o p h i e e t R e l i g i o n ” , ed. cit., pp. 216-217.

(150) Cfr. SC H ELLI NG , C o n f é r e n c e , e d . c i t . , p p . 3 2 3 e 340.


(151) Cfr. SCHELLING, Bruno ( M . 328-329), e d. A b r i l , São Paulo, 1 9 7 3 , p .
314.

111
8. Homem, redentor de si mesmo e da natureza

Fazendo isto o homem se auto-redimiria e seria o


redentor da natureza, levando-a a seu fim último que seria a
reintegração do Absoluto.(152)
Ora, esse tema do homem redentor de si mesmo é
tipicamente gnóstico, e será um dos grandes temas do Romantismo.(153)

9. A História é o processo de retorno e de reformação

do Absoluto

Depois da queda de Deus no Universo, a evolução começou


o processo de retorno ao Absoluto. Na História, esse retorno se torna
consciente. Em decorrência, na história, Deus se revela ao homem e a si
mesmo. Mais do que isso; Deus se realiza no processo histórico.(154) O Espírito
divino tomaria, então, consciência de si mesmo, primeiro no homem
individualmente considerado. Depois, o Absoluto divino alcançaria um
estágio superior de consciência e de libertação no Estado.
Jacob Boehme considerava que todo espírito necessitaria
de um corpo para não se tornar diabólico. Daí os filósofos idealistas
afirmarem que todo espírito coletivo nacional, a alma de um povo,
necessitaria encarnar-se num Estado. Foi dessa tese que nasceram o
nacionalismo, o pan-germanismo e mais tarde o nazismo racista.

(152) C f r . SCHELLING. " Nature de la liberté humaine", in Essais, ed . c i t . , p .


297.
(153) C f r . Hans J O N A S . L a R e l i g i o n g n o s t i q u e , F l a m m a r i o n , Paris, 1 9 7 8 ,
pp. 93 e 111.
( 1 5 4 ) Cfr. S C H E L L I N G , " P h i l o s o p h i e e t R e l i g i o n ” , e d . c i t . , p 4 2 .

112
10. O Reino milenarista ecumênico

Última etapa do processo histórico seria a formação de


um Reino universal e ecumênico. As nações são limitadas e não
podem realizar a união última de todos os espíritos. Por isso, ao
final do processo histórico, a realização do Absoluto exigiria a
formação de um Estado Universal, que eliminaria tudo o que é particular,
individual, nacional. Seria a realização do "Lilienzeit" profetizado
por Jacob Boehme, e aspirado por correntes as mais diversas, desde os
Tradicionalistas, como Joseph de Maistre(155), pietistas como Oetinger até
os marxistas, passando pelos românticos. Esse Reino universal exigiria
ainda uma fusão de todas as religiões, porque um só é o Absoluto que
cultuaram com nomes diversos. Surgiria então uma só Igreja, a Igreja ou
Religião do Amor ou do Espírito, profetizada por Joaquim de Fiore, por
Jacob Boehme e por Novalis.

"It is not surprising, therefore, to find Schelling


giving an interpretation of the history of Christianity
which, in certain respects, is r e m i n i s c e n t of the
twelfth-century Abbot Joachim of Flores. According to
Schelling there are three main periods in the
development of Christianity. T h e fi r s t i s th e P e tr in e ,
characterized and cor related which the ultimate ground
o f b e i n g in G o d , w h i c h i s

(155) Cfr. J. de MAISTRE, Du Pape, ed. cit., p. XXXIX.

113
identified with the Father of Trinitarian
theology. The Second period, the Paul i n e ,
starts with the Protestant Reformation. It
is characterized by the idea of freedom and
correlated with the ideal principle in God,
identified with the Son. And Schelling looks
forward to a third period, the Johannine,
which will be a higher synthesis of the first
two periods. And u n i t e together law and
f r e e d o m i n t h e o n e Christ i a n c o m m u n i t y . T h i s
third period is correlated which the Holy
Spirit, the divine love, interpreted as a
synthesis of the first two moments in God's
inner life".(156)

Scholem relaciona essa expectativa


milenarista com o conceito de Shemitta do livro Temuná.(157)

Concluindo, podemos dizer que, sem dúvida

alguma, o Romantismo alemão teve raízes esotéricas,


gnósticas e cabalistas. Por isto, em quase todos os autores

românticos alemães é possível encontrar idéias dessa

natureza. Veremos que Clemens Brentano não foi exceção a essa

regra.

(156) C f r . C O P P L E S T O N E S . J . - A H i s t o r y o f P h i l o s o p h y , I m a ge
Books, New York, 1 9 6 5 , vol. VII, p . 1 7 5 e Marjorie REEVES. T h e
i n f l u e n c e o f p r o p h e c y i n t h e l a t e r M i d d l e - A g e s , Oxford-Clarendon
Press, 1969, p.135-137.

(157) Cfr. G. SCHOLEM, op. cit., p. 181.

CAPÍTULO II

114
Capítulo II - CLEMENS BRENTANO
1.Introdução

Clemens Maria Brentano (1778-1842) - "le plus


grand poète lyrique du romantisme" (1) - foi o redator das chamadas

revelações de Anna Katharina Emmerick. Redator fiel? Infiel?

Discutiu-se muito a respeito disso. Mas esse é um problema que

esta fora dos limites de nossa tese. Como também não nos

preocupa debater a respeito das intenções de Brentano ao

redigir tais revelações. Preocupa-nos saber em que a vida do

poeta, sua mentalidade, suas idéias, sua cosmo visão, seus

amigos e as circunstâncias influíram na redação das revelações

da freira estigmatizada de Dülmen.

2. Dados Biográficos de Clemens Brentano

Clemens Maria Brentano nasceu em

Ehrenbreitstein, perto de Coblença, em 9 de setembro de 1778.

Era filho de um rico comerciante de origem italiana, Peter Anton

Brentano, e de Maximiliane de la Roche. O pai fora casado em

primeiras núpcias com uma prima, Paula Maria Walburga Brentano

- Gnosso, de quem teve seis filhos. De uma terceira esposa,

Frederika de Rottenhoff, teve depois mais dois filhos.

Clemens foi o terceiro filho de Maximiliane de

la Roche e devotou à sua mãe um amor ardente que marcou toda

115
a sua vida. Aos seis anos de idade ele foi afastado dela
para ser criado, junto com sua irmã Sophie, por uma tia,
Luise Moehn, irmã de sua mãe. Essa separação magoou

profundamente o pequeno Clemens, que se refugiou numa vida de

sonho. Tendo, certa vez, visto um quadro representando o juízo

de Salomão, Clemens identificou-se logo com o menino ameaçado

- de suplicio, enquanto sua tia Luise seria o carrasco:

"Veja, aquele sobre o trono é o Deus amável; a

mulher que estende as mãos, essa é nossa mãe;

então aquela que esta tão assentada e calma é

a Muhme (tia Mohn); o homem que vai cortar a

c r i a n ç a e m d u a s e t a m b é m a tia M u h m e ; a c r i a n ç a

sou eu e a cr ia nç a mo rta é v o c ê ”

Anos depois, ao retornar à casa paterna, em


Frankfurt, o pequeno Clemens, não encontrando um ambiente

favorável, refugiava-se no celeiro de sua casa. Lá, metido num

tonel vazio, imaginava viver num pais de sonho e de maravilha,

que ele chamava de Vadutz:

"Vadutz é p a r a m i m , ainda agora, a terra

d e t o d o s o s t e s o u r o s , m i s t é r i o s e jóias, e, para mim, lá está


o Thulé, o n d e o r e i , a n t e s de morr er, jog a a su a ta ça m ais
prec ios a nas ond as. (3)
(2) "Sieh, der auf dem Throne, das ist der liebe_Gott; die
Frau, die die H ände austreckt das ist unsre Mutter ;
die da so sitzt and ruhig ist, das ist die Muhme, and
der Mann, der das Kind zerhaut, ist ouch die Muhme, und
das Kind bin ich, and das tote Kind, ach das bist du"

116
Na dedicatória do conto "Gockel, Hinkel und Gackeleia",
Brentano diz:

" O d i a e m q u e e u , m e n i n o a i n d a , o u v i n o e m p ó rio

de meu pai, o sábio Rabi Gedalia Schnapper/

discutir mortalmente com o incomparável

Abarbanel Meyer, tanto que foi preciso

jogar-lhes ág u a p a r a s e p a r á - l o s , a r e s p e i t o d o

l u g a r o n d e se acha o país maravilhoso cercado

pelo rio Sabbathion, o qual durante os dias da

semana é um mar de pedra inacessível e cujas águas

correm a penas no sábado, eu fugi para o celeiro

e me ref u g i e i num barril de açúcar vazio,

c h o r a n d o a cegueira dos homens que não sa b i a m

que ess e

país só podia ser necessariamente o Vadutz. Todas


as montanhas maravilhosas d a História, das fábulas
e dos contos, o Himalaia, o Meru, o Albordi, o Kaf,
o Ida, o Olimpo e as montanhas de v i d r o , e u a s
s i t u a v a n o p e q u e n o p a í s d e V a l dutz ” (4).

(Continuaydo da nota n2 02)


C.B., Godai, Werke, Carl Hanser Verlag, München,1963,
vol. II, p. 287.
(3)"Vadutz ist mir noch, jeta das Land aller Schätzc, Geheimnis
C.B.,-Werke, Gockel, Hinkel und Gackeleia (Zueinung)
vol. III, p. 619.

117
E, quando ele soube que existia de fato um lugar
chamado Vadutz, no Lichtenstein, ele se revoltou, recusando-se
a aceitar isso como verdade. Ninguém, nem os mapas podiam
convencê-lo. Quando afinal teve que aceitar a realidade,
mostrou-se profundamente decepcionado. Para ele o mundo do
sonho é que era real. A realidade destruía o que o sonho tinha
de melhor: a não existência concreta (5).

Aos quinze anos, Clemens perdeu a mãe, e o

sentimento excessivo que nutria por ela, assim como sua

mentalidade sonhadora, levaram-no a identificá-la com a

própria Virgem Maria.

Quer nos estudos, quer no comércio, o jovem


Clemens Brentano fracassou. Ele era incapaz de trabalhar

metodicamente num armazém, e faltava-lhe disciplina intelectu-

al para seguir cursos. Freqüentou primeiro a Universidade de

Bonn (1794), depois a de Halle (1797), a de Iena (1798) e

a de Goettingue (1801). Em Iena, lecionavam então Fichte,

Schelling e August Wilhelm Schlegel, grandes astros do

Idealismo/

(4) "Da ich als ein Knabe im dem Comptoir den gelehrten - Rabbi
Gedalia Schnapper mit dem unvergleichlichen Abarbanel Meyer
auf Tod und Leben, so dass man mehrmals Wasser auf sie giessen
musste, um sie auseznanderzu - bringen, über die Lage eines
wunderbaren Landes disputieren_ hörte welches der Fluss
Sabbation unfliest, der die ganze Woche ein unzugängliches
Steinmeer/ ist und nur am Sabbath seine Wogen bewegt floh ich
-

118
e do Romantismo. Foi lá que Brentano aproximou-se dos

românticos, travando conhecimento com Winkelmann e G.W.Ritter,

Savigny e Clingeman. Com eles, Brentano participará da

"Sociedade da Rosa" (6). Foi também nos salões românticos que

ele conheceu Sophie Méreau, sua futura mulher, casada então

com um bibliotecário. Ela era muito admirada, como mulher e

como escritora, pelos estudantes de Iena, que a cortejavam, e

nem todos em vão, diz Erika Tunner. Comentava-se que ela

tivera um caso amoroso com o poeta Hölderlin (7).

(04) (Cont.) ouf den Spei cher in die Einsiedelei eines


leeren Zuckerfasses und beweinte die Blindheit der Menscher,
welche nicht fühlten, dass jenes Land notwendig das Ländchen
Vadutz sein müsse. Alle Wundergebirge - der Geschichte, Fabel-und
Märchenwelt, Himmelaya, Meru, Albordi, Kaf, Ida, Olymp und der
gläserne Berg lagen mir im Ländchen Vadutz". C.B. idem, vol. III,
pp. 619-520.
(5) Cfr. C.B. idem, vol. III, p. 625.
(6) René GUIGNARD. Um poète romantique allemand:
Clemens Brentano (1778-1842), Paris, Les Belles Letres,
1933, p.62.
(07) Eika TUNNER, Clemens Brentano ( 1778-1842). Tese
apresentada na Universidade de Paris X, IO-IO-1976,
Librairie Honoré Champion, Paris, 1977, 2 vol., vol. I, p.
447.

119
Logo Brentano lançou-se como escritor, publicando um

romance, Godwi. Esta obra, em boa parte autobiográfica, causou

sensação e escândalo pela defesa que Brentano nela faz

da mais completa liberdade costumes. Em 1800, Brentano -


tornou-se amigo intimo do poeta Achim Von Arnim, que mais
tarde se casou com sua irmã predileta, a famosa Bettina. Em

1803, Sophie Mëreau, já divorciada de seu primeiro marido,

teve que se casar com Brentano, pois dele esperava uma criança.

A família de Brentano não recebeu bem a decisão de Clemens,

porque Sophie Méreau era bem mais velha do que ele

oito anos -, era divorciada e o casamento teve que ser feito

numa igreja luterana, enquanto a família Brentano era

oficialmente católica. O primeiro filho do casal nasceu em

junho de 1803 e deram-lhe o nome de Joachim Ariel, o qual

viveu porém apenas umas poucas semanas. Em seguida, Brentano

e Sophie foram viver em Heidelberg onde tiveram mais dois

filhos que morreram, falecendo a própria Sophie ao dar à luz

o terceiro filho em 1806.

Apesar de uma vida matrimonial que não foi nenhum

paraíso, Brentano sofreu muitíssimo com a perda de Sophie.

Foi no período de maior tristeza que ele travou conhecimento

com o padre Sailer, que teve grande influência em sua vida.

Brentano, porém, não ficou viúvo muito tempo e já em 1807 ele se

casou com Augustine Busmann, numa igreja católica. Não foi

mais feliz desta vez, e a vida do novo casal foi uma continua

tormenta, levando-o a fugir dela duas vezes. Augustine, por

sua vez, tentou o suicídio três vezes e eles se separaram

120
definitivamente em 1809. Divorciaram-se três anos depois, mas
Brentano continuou cheio de ódio por ela, o que acabou por
levá-la ao suicídio em 1832.

Brentano retornou a Heidelberg e, juntamente -

com Arnim, publicou o Zeitung fur Einsiedler - "Jornal para/

os eremitas" - no qual colaboraram Görres, antigo colega de

escola de Brentano, Uhland, Kerner, Tieck, Zacarias Werner,

Hölderlin, os irmãos Grimm, Jean Paul, F. Muller e outros. De 1809

a 1811, Brentano viveu em Berlim. A Prússia acabara de ser

vencida por Napoleão e a humilhação da derrota exaltara o

nacionalismo alemão. Lá, ele conviveu com Arnim,

Schleiermacher, Savigny, outro cunhado seu, com Kleist e Adam

Müller.

Em 1810, por iniciativa de Arnim, fundou-se a


"Christlich-deutsche Tischgesellschaft - Sociedade da mesa -
cristã e alemã - a que pertenceram Arnim, Brentano, Chamisso,
Kleist, os irmãos Eichendorf, Adam Müller, Clausevitz, e os irmãos
Gerlach, entre outros. A finalidade da Tischgesellschaft era
promover a unificação da Alemanha, sob a hegemonia da Prússia.
Brentano apresentou nessa sociedade um panfleto sobre o
"espírito filisteu", de acentuado tom anti-judaico. Nele
atacava também o racionalismo e falsa religiosidade
burguesados "filisteus" que ele, usando uma fórmula de
Novalis, da qual Marx se apropriará, equipara ao ópio (8).

(8) "Ihre sogennante Religion wirkt bloss wie Opiat", apud


E. TUNNER, op. cit., vol. I, p.440

121
De 1811 a 1813, Brentano viveu em Praga. Com

seu irmão Chistian, foi à Boêmia administrar uma propriedade


agrícola adquirida por sua família. Nesse período compôs
várias obras como a Fundação de Praga, Aloys und Imelda, entre
outras. Viajou depois para Viena, onde permaneceu um ano
(1813-1814) e lá se aproximou do grupo romântico que gravitava
em torno do casal Friedrich Schlegel e Dorotéia Veit-Men-
delssohn e que estava sob a influência de S. Clemente Maria
Hofbauer, o principal inimigo de Sailer. Em Viena, viviam então
os irmãos Eichendorff, Adam Muller, Franz Von Baader,
Ringseis. O grupo romântico de Viena passa por ter adotado -
uma coloração católica por influência de S. Clemente Hofbauer.
Nesse período, Brentano freqüentava também a sociedade dos
"Rebhühner" (das "perdizes") nome tirado do albergue em que
se reuniam literatos de tendência josefista, isto é,
jansenista, e portanto, contrária à orientação de S. Clemente,
mas, ao mesmo tempo ele participava do grupo católico chamado
- "Strobelkopf", nome da "brasserie" em que se faziam as reu-
niões (9) .

De 1814 a 1818, Brentano voltou a viver em Berlim, onde passou


a sofrer então uma profunda crise. Correspondeu-se com Wilhelm
Grimm, Sailer e Ringseis, como também com Fouqué e E.T.A.
Hoffman. Leu Swendenborg e Saint-Martin

9) E. TUNNER, op. cit., vol. I, p.544

122
e tornou-se amigo de Ernst Ludwig von Gerlach, Que era

neopietista. No início de 1816, Brentano participou do grupo

"Maikäferei” de tendências patrióticas, românticas e cristãs.

O nome Maikäferei vinha de que eles se reuniam num hotel cu-

jo dono se chamava Mai. Freqüentava o grupo o filho do Conde

de Stolberg, que era ligado a Sailer.

Através de Ringseis, Brentano conheceu o grupo/

bávaro dos "Erweckten" (os Despertados), seguidor do Padre - Martin

Boos, discípulo do Sailer, e que preconizava uma vida de

pobreza e simplicidade, além de professar um ecumenismo -

bastante aberto para o protestantismo, com cujo igualitaris-

mo ele se encantou, julgando-o semelhante ao do cristinianismo

primitivo. O padre Boos, contudo, era bastante suspeito a Roma

por suas doutrinas próximas do luteranismo e por suas práticas

exorcísticas.

"Pour ces "Erweckten", l'Église catholique est

dégénerée, il faut la régénerer; le primat, l'

épiscopat, etc, sont dépourvus de valeurs. Un

petit troupeau sortira de la grande masse, celui des "Erwec


n'est pas indispensable, se u l e i mp o r te la
l e c tu r e d es Éc r itu r e s. La co n fession n'a pas de
valeur. La transsubstantia tion ne doit pas être
prise dans le sens literal.

123
Enfin Les " E r w e c k te n " attendent le retourdu

Sauv eur . Le mou vem ent p a r t d e Sa ile r , Maî tre de

tous les "Erweckten" (10).

"La primauté du coeur la foi supérieure aux

oeuvres, le peu d'inclination maniffestée

pour le culte de la vierge, caractérisent aussi

ces "Erweckten" dont les plus notoires sont

Xaver - Bayer (1786 -1845), Martin Boos

(1762-1822), Jo hann Michael Feneberg

(1751-1812), Johannes Gos sner (1773-1858),

Anton Leinfelder (1798 -1815), Ignaz Lindl

(1774-1834), Georg Lutz (1801-1822), Martin

Volk (1787-1848). Ringseis, Franz Von Ba ader,

Schelling G.H. Von Schubert, Görres, mani testent

beaucoup d'intéret pour les "Erweckten " (11) .

O grupo dos "Maikäferei" mostrou-se também

receptivo à pregação do pastor pietista Hermes, que gozava

então de grande prestigio, a cuja doutrina Savigny, o

cunhado/ de Brentano, também aderira. Adolf Von Thaden foi

dos que mais propugnou pelas idéias de Hermes e pelo

ocultismo entre os "Maikäferei".

(10) A. FAIVRE, E c k a r t s h a u s e n , Klincksieck,


Paris, 1909, p. 178.
( 1 1 ) A . F AI VR E , i d e m , p. 17 9 ; cf r . t a mb ém DI EL -K R EI T EN ,
C l e m e n s Br en t a n o , e r n L e b e n s b i l d , H e r d e r ' s c h e V e r l a g s ,
Freiburg im Brisgau, 1 8 7 7 , v o l . I I , p p . 4 7 a 6 0 .

124
Por esse tempo, Brentano se mostrava mais

favorável ao panteísmo do que ao cristianismo, conforme o

testemunho de Ringseis (12).

Foi nessa situação de crise religiosa que Brentano encontrou Luise Hensel,

em outubro de 1826. Ela tinha então, 18 anos e Brentano 38. Era filha

de um pastor protes tante pietista.


Ele se apaixonou - como tantas outras vezes - pela jovem
poetisa, que, por certos aspectos, lhe era semelhante. Ela,
como ele, estava sofrendo uma grave crise religiosa e
também tendia a se auto-punir. Brentano, a pretexto de
convertê-la ao catolicismo, a cortejou, se apaixonou mas
a própria Louise negou que se tenha convertido ao catolicismo/
por influência dele (13). Brentano quis se casar com ela,
mas não foi aceito, inclusive porque sua situação de
divorciado impedia o casamento. Apesar de suas relações com
ela estarem sempre sob um foco religioso, isto não impediu
que Bettina a considerasse a "amante de seu irmão" (14).
(12) Cfr. C.B., Gesammelte Schriften, cortas de Ringseis,
Sauerländer, Franhfurt am Main, 1852, vol. VII, .

196-198.
( 13) " J e d o i s m ' é l e v e r i c i c o n t r e l ' o p i n i o n d e s
p r o t e s t a n t s qui croient que Clemens Brentano a exercé
une influence sur mon retour à l'Église. J'étais déjá plus
catholique que lui lorsque je fis sa connaissance"(In
"Luise Hensel und Christoph Bernhard Schlüter, Briefe aus
dem deutschen Biermeier 1832-1876, hg von Josefi ne
Nettesheim, Munster, Regensberg 1962, p.312, apud E.
Tunner, op. cit. vol. II, p. 686).
(14) SCHOEPPS, "Aus den Jahren Preussischer Not um
Erneuerung Tagebücher und Briefe der Gebrüder Gerlach und

125
Luise influiu muito para que Brentano

retornasse à prática do catolicismo e pode-se dizer que o "bom

pastor" foi convertido pela ovelha. Em 27 de fevereiro de 1817,

Brentano retornou à Igreja, fazendo uma confissão geral.

Luise exigira isso como condição para continuar a ter contato

- com ele e será ela também que o incitará a ir a Dülmen,

conhecer a freira estigmatizada Anna Katharina Emmerick.

Brentano tomara conhecimento da existência de

Katbarina Emmerick através de uma carta do conde de Stolberg

a seu filho Christian, que era membro dos "Maikäferei".

conde de Stolberg fora iluminado da Baviera e sua conversão/

ao cristianismo, através do Padre Sailer, causara grande

impacto nos meios intelectuais da Alemanha. Também Christian

- Brentano, irmão de Clemens, médico que muito se

interessava por fenômenos de magnetismo, passara três

meses junto a Katharina Emmerick, estudando o seu caso,

em 1817, indo logo depois a Berlim, para tentar convencer

Brentano a partir para Dülmem.

Em 1818, Christian Brentano planejou voltar


a Dülmen junto com o Pe. Sailer e convidou também Clemens,
mas este só se decidiu a ir por pressão de Luise Hensel. Como
-

conseqüência, em setembro de 1818, Clemens encontrou -se

com S a i l e r e C h r i s t i a n n a c a s a d o c o n d e d e S t o l b e r g e n o

d ia 24 de setembro de 1818, ele chegou a Dülmen, onde

f i c a r i a c i n c o a n os (1 8 18 - 18 24 ).

(14) (Cont.) ihres Kreises", 1805-1820, Berlim Haude U.Sferer,1963,p.289.

126
Trataremos das relações de Brentano com
Katharina Emmerick no próximo capitulo, quando
veremos que ele passou de um entusiasmo
religioso, que o fez pensar em tornar-se
sacerdote, a uma certa desilusão, pois nem
sequer compareceu ao enterro da religiosa.
Partiu, levando suas anotações e relíquias da
estigmatizada.

Aparentemente ele mudara. Do antigo poeta


romântico pouco sobrara na superfície. Passou
a só falar em relíquias e obras de caridade.
Mas sob o verniz superficial de religiosidade,
ele continuava o mesmo: sonhador, instável,
apaixonando-se continuamente. De resto nem
Görres, nem Grimm, nem Arnim creram que ele
realmente mudara. Görres chegou mesmo a dizer
que Brentano "não conseguia esconder que ele
é sempre o mesmo". (15). E Savigny constata que
Brentano de fato é sempre o mesmo "jusque dans
sa vivacité et dans sesplaisanteries" (16).

Após a morte de Katharina Emmerick, Brentano


apressou-se a deixar Dülmen. Sentimentalmente
continuava apaixonado por Luise Hensel.
Mostrava-se afastado dos acontecimentos
políticos. Interessava-se apenas por assuntos
religiosos, pelo magnetismo, por
estigmatizados e relíquias. Mostrava para
todo mundo os panos ensangüentados da vidente,
para grande raiva de sua irmã Bettina que se
ria do ar meio de

(15) G O RR E S - Br i ef e, vo l . II I, p . 3 2 , ap u d E. TU N NE R, op .
c i t. , vo l .I I, p . 8 5 6
(16) ADOLF STOLF, Friedrich Carl von Savignys
Professorenjahre in
Berlin 1810-1842, p.313, apud E.TUNNER,op.cit.vol. II, p.856.

127
profeta que ele tomava e que se recusava a ouvir a feiúra
- da "Dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo", escrita
- por Clemens classificando-a de "universo de mentiras exalta
das" (17). Bettina, aliás, não cria sequer no catolicismo
- de Brentano e o julgava "sempre capaz de cair nos braços
do primeiro muçulmano que chegasse, com a condição de que
este lhe oferecesse uma casa e uma bela mulher para converter,
ou então de se fazer luterano e de se consagrar à apologia
do protestantismo" (18).

Em 1825, Brentano se ligou a Hermann Joseph


Dietz (1782-1826), católico militante e fundador do hospital
- civil de Coblença e começou então a cooperar com ele em suas
atividades caritativas e assistenciais. Permaneceu em
Coblença até 1829, contando com o apoio de Luise Hensel e
Apollonia Diepenbrock. Em seguida, junto com Görres, ele
foi á Alsácia visitar uma nova estigmatizada de quem muito

se falava, Apolonia Felsinger, por quem ambos se


entusiasmaram durante certo tempo apenas, porque um
tribunal diocesano se pronunciou contra ela.

Brentano visitou ainda um grupo de discípulos -

de Sailer em Lucerna, grupo esse que se interessava muito


por questões de magnetismo e curas miraculosas. Em 1827,
Clemens foi à França, junto com Dietz, tratar de negócios
refe-

(17) A C H I M und B E T T I N A in i h r e n B r i e f e n , tomo I, pp.


4 7 6 - 4 7 8 e p . 4 6 4 a p u d E . T U N N E R , o p . c i t . , v o l . I I , p . 8 68
(18) Idem, tomo II, p. 482, apud E.TUNNER, op. cit., vol. II, p. 868

128
rentes ao estabelecimento das Irmãs de S. Carlos em Coblença.

Ele não apreciou Paris, considerando-a uma cidade corrompida.

Visitou em Nancy os estabelecimentos dessas religiosas,

tendo em vista a realização de um trabalho a respeito delas

não obstante o êxito que a sua publicação obteve, o próprio/


Brentano prevenia Luise Hensel que não acreditasse em tudo
o que ele escrevera nessa obra.

Em 1832, faleceu Sailer, que


era então Bispo - de Ratisbona. Brentano foi
até lá a convite de seu velho amigo Melchior
Diepenbrock. Foi nessa cidade e sob os
incentivos do novo Bispo, Monsenhor Wittmann,
que Brentano terminou de redigir as revelações de
Katharina Emmerick a respeito da "Das bitterre Leiden
unseres Herrn Jesu Christi". A obra foi
publicada em 1833 sem nome do autor. Brentano
agiu assim porque sua fama de libertino e de
poeta imaginativo prejudicaria a credibilidade
e a aceitação das revelações. O sucesso foi
enorme.

Em 1833, Brentano foi a Munich


atraído pela presença de Görres e de Ringseis
na cidade. Pretendia ficar algumas semanas.
Ficou quase nove anos.
Görres reunia em sua casa um grande grupo de
intelectuais. Lá se encontravam o filho do médico
Windischmann, antigo amigo de Brentano e grande divulgador
do magnetismo, o jovem Daniel Bonifaz Hanneberg a quem
Brentano/ legou seus manuscritos e notas a respeito de Anna
Katharina Emmerick, e Möhler. Apareciam também, quando de
passagem por

129
Munich, Lammenais, Montalambert, Lacordaire, Edmond de
Cazalès, o conde de Falloux, o príncipe de Polignac. Brentano
tornou-se então especialmente amigo de Montalambert.

Em 1833 ainda Brentano conheceu a pintora

Emilie Linder, sua última paixão e, como sempre, Brentano

procurou converte-la, para conquistá-la, mas ela continuou

protestante e não se casou. Emilie tivera aulas de

Filosofia com Franz Von Baader que a visitava

freqüentemente. Brentano ciumento, preveniu-a então contra

a filosofia de Baader, da qual ele mesmo aceitava muitas

idéias. Para ela, como para - suas demais amadas, Brentano

escreveu inúmeras poesias de fundo erótico-místico.

Desde que chegara a Munich, entrara Brentano

outrossim em contacto com os pintores "nazarenos", que, sob

a direção de Overbeck e de Franz Pfove, tinham formado a

"Confraria de S. Lucas", em 1808, em Viena. O nome

"nazarenos" foi-lhes dado a partir de 1819, por causa das

inúmeras conversões de seus membros ao catolicismo. Um dos

mais célebres pintores desse grupo foi Edward Steinle que

se tornou o último grande amigo de Brentano. Por ele, Clemens

manifestou os mesmos sentimentos amorosos que tivera na

juventude por Arnim. (19). Foi para Steinle, bem como para

Luise Hensel e

(19) "Il avoue alors à Steinle qu'il n'ose pas Zui montrer
combien il l'aime, de peur de trop souffrir, si son
ami se détourne de lui. L'idée de vivre dans Ze même
ville que Steinle ne le quitte plus; il essaie - en
vain - d'obtenir sa nomination à l'Académie des Beaux

130
Emilie Linder que ele dedicou várias de suas últimas poesias.

Nos últimos anos de sua vida Brentano

abandonou a literatura piedosa, chegando a fazer brincadeiras

com a religião.

" A s s i m , u m a n o i t e , n a r r a P h i l i p s , e n t r o u C l e mens
e m n o s s a sala de j a n t a r e e n c o n t r o u a l i

m u i t o bo n s am i g os . L o g o c om e ç ou a c onv e r s a r c o m

os de mai s e f ala v a tan to q ue as d u as ho ras da

m a d r u g a d a a i n d a e s t áv a m o s à m e s a , e t í n h a m o s

r i do a po nto de n os se nti rm os m al. E qua l f oi

o assunto? Foi o santo Catecismo Romano,

enquanto u t i l i z a d o p a r a a v i d a " ( 2 0 ) .

(19) (Cont.) Arts de Munich. Comme jadis dans ses


-

prémiêres lettres à Arnim, il s'offre (et s'imsose) avec -


use ardeur juvénile: "sil était possible que vous viviez
avec moi, dans un même lieu, je ferais tout ce que je pourrais
pour vous; sur le plan moral et sur le plan religieux, je me
soumettrais á votre direction ».
Cfr. Alexander Von Bernus und Alfons Maria con Steinle
-Clem ens Brentano und Edward von Steinle Dichtungen
– und Bilder - Kempten Munich - Kosel s.d. (1910),
p. 200, apud E, Tunner, op. Cit, vol II, p. 1055.

(20) “So trat nun Clemens auch eines Abens”, erzählt Philips, “in
unser Speisezimmer und fand dort mehrene gute Freunde. Bald finger
an, die Gesellschaft zu unterhalten und unterhielt sie so, dass
mir noch um zwei-Uhr in der Nacht am Tische fassen und uns halb
Krank/ gelacht hatten. Und was war der Gegensand? Der heilige
romisch Katechismus in Ruck an wendugen auf das Leben”.
Diel = KREITEN, Clemens Brentano- Ein Lebensbild, Heder’sche
Verlags handlung Freiburg im Brisgau, 1877, vol. II, p. 464.

131
Também nessa fase, William Wordworth, que se

encontrou com Brentano em 1837, ficou desgostoso bela

maneira com que ele invectivava a religião (21). Por então,

tratava ele de bom grado de sua infância e juventude e falava

muito de Bettina, acusando-se de tê-la desviado da religião,

ao apresentá-la a Arnim.

Até no leito de morte, ele continuou a ironizar:

não se contendo, fez um xiste irônico a respeito dos santos

que o confessor lhe disse que encontraria no céu. Morreu

a 28 de julho de 1842, tendo a seu lado Apollonia

Diepenbrockl e Emilie Linder.

3. Principais traços da mentalidade de Clemens M. Brentano

A - SENSUALISMO

Um dos traços mais marcantes da personalidade - de Brentano

é o sensualismo. Homem extremamente ardoroso, ele se

apaixonava com facilidade. Teve inúmeros amores e inúmeras

amantes. Passou a vida apaixonando-se. Ele mesmo contou que

a primeira vez que sentiu paixão foi na cerimônia de seu

crisma. Tendo visto uma menina, sentiu por ela tal amor, que

imediatamente pegou em sua mão. E quando o Bispo deu-lhe o

tapa ritual do crisma, o pequeno Clemens o interpretou como

(21) E.TUNNER, op.cit, vol. II, p. 1146.

132
castigo por seu pecado. (22).

Aos nove anos, leu uma tradução de Jerusalém

Libertada, de Tasso, buscando nessa leitura o prazer erótico

e não o literário.

"Eu descobri nessa biblioteca uma tradução

alemã da "Jerusalém libertada de Tasso e eu a

escondi para minha grande desgraça. Os amores

de Rinaldo e Clorinda, e sobretudo a bela

feitiçeir a Ar mind a pe rtub aram com plet amen te

m inha alm a e criaram um primeiro terreno

profundo e indes trutível do qual saíram para mim

muitas paixões funestas, tanto que desde então

até agora parece-me que Tasso é um livro

perigoso para a ju ventude". (23).

Em Iena, conheceu Sophie Méreau, de quem se


tornou amante e depois marido (1303). Entrementes, teve

inúmeros casos amorosos. Em Bonn (1794) se apaixonou por

Amalie Welsch, artista de teatro; Marianne Jung von Willemer;

Minna Reichenbach; sua irmã Bettina; uma moça de costumes

levia -

(22: Cr. C. B. Werke, - Romanzen vom Rosenkranz – vol I. pp. 653-654.


(23) "... ich entdeckte in dessen Büchersammlung eine deutsch von
Tasso's befreitem Jerusalem und las sie heimlich zu meinem
grossen Unsengen. Die Liebeshändel von Rinaldo und Chlorinde, und
beson ders die schöne Zauberin Armide verwirrten mein ganses Gemüth
und legten einem tiefen, ersten unzerstörlichen Grund, aus welchem
mir viel verderbliche Leidenschaft ausgegangen so dass mir von
damals bis jesst der Tasso ais ein gefährliches Buch für die
Jungend erschienen ist".
C.B., Gesammelte Schriften-Carta de C.B. a sua sobrinha Shopie von

133
Schweitzer, 18-IV-1842-vol. IX, p. 427.

134
nos que ele encontrou numa carruagem, Caroline Tourmon; a
poetisa Caroline von Günderode; Hannchen Kraus; sua segunda

mulher Augustine Bussmann; a atriz Topina d'Avorio; Augusti-

ne Brede; a poetisa Luise Hensel; em certo sentido, Appolonia

Dieppenbrock e Emilie Linder, foram, provavelmente entre

outras, mulheres que ele amou.

O sensualismo levou Brentano não só a uma vida/

libertina, como também à defesa da mais completa liberdade

- de costumes, como se vê no seu romance Godwi. Nessa obra a

condessa G. diz a Godwi que: "Religião não é senão sensualidade

indeterminada". (24). E ainda: "Quem não é sensual, não tem religião,

e uma religião que não é sensualismo não tem homens". (25). Na mesma obra

defende ele ainda que para ser feliz, o homem deve seguir os seus

instintos, e que há mais verdade no homem que se abandona à sua

sensualidade, do que em quem contraria sua natureza para ser virtuoso.

O "Godwi" em resumo, é um ataque continuo à moral burguesa, ao matrimônio,

em defesa da união livre. O casamento, sendo um contrato,

impediria que o sentimento amoroso se manifestasse. A

própria duração do amor acabaria sendo contrária à verdadeira

paixão e à sua liberdade. Para Brentano, as cortesãs se-

(24) " R e l i g i o n sei n í c h t s a l s u n b e s t i m m t e S i n n l i c h k e i t , d a s


Gebet ihre Äusserung".
C . B . , W e r k e - G o d w i - v o l . II, p. 412.
(25) " ...und m e r n i c h t s i n n l i c h sei, h a b e k e i n e R e l i g i o n
,
u n d e i n e R e l i g i o n , d i e n i c h t s i n n i i c h i sei, h a b e k e i n e M e n s
chen". C.B. - Werke-Godwi - vol. II, p. 413.

135
riam" as poetisas do próprio corpo". ( 26) .

B - TEN D ÊN C IA S AO IN C ES T O

O sensualismo de Brentano tem uma forte nota


incestuosa. Em quase todas as suas inúmeras obras aparece

o problema do incesto. Brentano era de tal modo obcecado por

- essa tentação, que, mesmo que não se conhecessem certos

fatos concretos de sua vida, se perceberia que ele teve

razões vivenciais para isso.

Em primeiro lugar, há o problema do

relacionamento do poeta com sua mãe Maximiliane de la

Roche. Ele a amou ardentemente e o fato de ter tido de se

separar dela na infância o fez sofrer muitíssimo. Ele mesmo

contou que a amava tanto que beijava as maçanetas das portas

em que ela havia tocado:

"Il idéalise dans ses souvenirs et dans sa

n o s ta l g ie , c es t e mère, à peine c o n n ue qui

d e m e u ra i t d a n s s o n i m a g i n a t i o n , l ' i n c a r n a t i o n

de la tendresse et de l'amour, Il transfère son

i m a g e - s u r l e p la n d e r a ve e t d u M y t h e e t l a

c o n f o nd - avec cet Éternel Féminin dont il

espére que lui

(26)A p u d R . G U I G N A R D , Un poète romantique allemand: Cleme n s B r e n t a n o (

136
viendront la grace et le salut". (27)

Quando ela morreu, Brentano

"a tellement, idéalisé le souvenir de sa mère

- qu'elle était immortelle pour lui et passée

au rang d'une divinité, jusqu'à se confondre

avec la Madonne elle même". (28).

Estava dentro da lógica dessa tendência

incestuosa que Brentano projetasse o amor que sentia por

sua mãe nas mulheres por quem se apaixonava. Ou melhor, ele

só se apaixonava por pessoas que lhe lembrassem sua mãe.

"Eu conheço um homem, escreve ele a um pintor

seu amigo, em 1831, que acreditava que todas as

mulheres que lhe agradavam, se pareciam com sua

falecida mãe, mas no fundo, elas todas pareciam

com Eva depois da queda". (29).

Apaixonou -se por Sophie Méreau somente porque

a achou parecida com sua mãe. Tunner considera por isso, que

"elle fait naître en lui une passion sous

cer tains aspects ince stu eux " (30)

(27) E . T U N N E R , o p . c i t . , vol. I, p . 2 3
(28) M..BR ION, op.cit., v o l . I, p.111
(28) "Ich Kenne eine M e n s c h e n , der g 1 a b t e , a l l e F r a u e n z i m m e r , w e l c h e
ihm
w o h l g e f i e l e n , glichen s e i n e r v e r s t o r b e n e n M u t t e r , s i e g l i c h e n
aber e i g e n t l i c h der g e f a l l e n e n Eva".
C.B.,Gesarmmelt e S c h r i f t e n , C a r t a a um pi nt or -Vol .II p. 22

137
(30) E . T U N N E R , op. cit., v o l . I , p. 45

138
É sintomático que, ao conhecê-la, ele lhe tenha

dado de presente um retrato de sua mãe. Escreve a ela como

se fosse seu filho, e chama-a de "mama".

No poema "O Mutter halte dein Kindlein warm"

- que Brentano escreveu para Sophie, pouco antes de casar

com ela, o amor se dirige a Sophie como um filho à sua mãe.

criança - isto é, o amor ou Brentano - suplica à sua mãe


Sophie - que a mantenha quente, dando-lhe de novo o abrigo

de seu seio, que já possuíra outrora, antes do nascimento.

E diz:

"Eu sonho com o tempo de minha solidão, quando

eu vivia lá sob esse coração, onde todas as

tuas penas, todas as tuas alegrias eram minhas

alegrias e minhas penas. E quando tua

nostalg i a e r a g r a n d e d e m a i s e q u e t u n ã o

sabias a quem te queixar, eu chorava

silenciosamente no teu seio e eu não o podia

te dizer" (31).

Comentando essa balada, Marcel Brion diz:

"Il y a u n e a u d a c e s i n g u l i è r e , e t b i e n d a n s l e

caractère de Brentano dans l'évocation d'un

- état pré-natal, embry onn air e, o ù to us l es

sent i

(31)Mutter und Kind. Ó Mutter, halte dein Kindlein warm/ Die Weltist kalt und hell
Freuden auch und Schmerzen". C.B., Gedichte -Sauerländ's Verlag, Frank-

139
furt am Main, 1861, pp. 57 a 59.

140
de la mère se répercutent et rèsonnent -

' e n f a n t q u ' e l l e p o r t e e n e l l e . L e p o t e é p r o u v e l a p e r t e e t l e d és i r d e

é t r a n g e i n ti m i t é d ' a v a n t l a n a î s s a n c e , d e c e t t e b o u l e v e r s a n t e u n i t é d o n t

t a l g i e s e m b l e l ' a v o i r - t o u r m e n t é pendant t o u t e s a vie.

es bizarreries du caractère de Clemens s' éclairent et s'expliquent à la

e de cette aspiration très consciente chez lui, acceptée - et même

vée, à dépasser l'in timité des an nés d'enfance, à redevenir cette partie

ère elle-même qu'il était jusque la "crise" - qui dut être tragique pour

de l'accouche ment. Il garda de ce choc, la sensation d'un ar rachement

e mortel, d'une privation et d' un exil, et il est très curieux de remarquer

s l a B e r c e u s e , c e t t e é v o c a t i o n d u c l a i r e t du froid qui saisissent le

u-né à sa sortie de la tiède obscurité du sein maternel. On n e s ' é t o n n e r a

l o r s d e c o n s t a t e r q u e B r e n t a n o conservait dans sa mémoire inconsciente

v enir d 'avo ir souf fert d e s a n aîss ance c om me d'une sorte de mort. Il

t au monde maternel, en voyant le jour, il était jeté dans

ide clarté, qui est aussi le signe distinctif du monde de la raison, opposé

ir-obs- cur du monde du rêve » (32).

141
No final do poema, ele relaciona o seio materno

ao sangue do Redentor. Tais imagens e comparações eróticas

- com Cristo estavam, aliás, na linha do que era praticado

entre os pietistas alemães, com quem Brentano e os românticos

em geral estiveram muito relacionados (33).

Até em Emilie Linder, a última mulher que Brentano amou, já


no outono de sua vida, o poeta revê a mãe:

"Ja, lieb Herz, die Mutter lebt noch, auch nach

Dir - ach, selbst aus Dir Tuft sie"(34).

Afirma Tunner:

"L'élément érotique dans les rapports mère-fils

jouera un rôle préponderant dans la plupart des

oeuvres de Brentano jusqu'à la fin de sa vie"(35)

(32) M.BRION, o p . c i t . , vol. I, pp. 161-162


(33) L.MITTNER, Stori a della letteratura tedes ca - Dal pie
tisco al Romanticismo (1700-1820), Giulio Einaudi edi
tore, Torino, 1964, p. 57, nota XI; p. 58, nota XIII.
(34) C.B., Brief an Emilie Li nd er, p. 87, E.TONNER, op.
cit., Vol. II, p:1009.
(35) E. TURNER, op. c i t . , v o l . I, p. 54.

142
Esse elemento pode ser encontrado especialmente no Codw i:

"... sous l e s v a r i a t i o n s d e l ' a m o u r q u e G o d w i è l a b o r e , l e


v é r i t a b l e t h è m e e s t l ' a m o u r i n s p i r é pa r la mèr e e n t ant q ue
fixa tio n é rot iq ue la plu s p rof ond e" (36 ).

Em Brentano, a idéia de mãe se confundia-e

até por vezes se identificava - com a idéia da mulher

sedutora ou com a de Nossa Senhora, a mulher salvadora. Num

aprofundamento simbólico, a idéia de mãe se confundia

também com a própria terra. É o que se pode verificar nestas

estrofes dos Romances do Rosário:

"E assim o Senhor se irritou


E nos desterrou para a

T e r r a ; Na Mãe eu preciso

"escavar" Conforme a

misericórdia divina"

"Com a carne, o pecado

Surgiu da terra;

Na Mãe eu preciso "escavar"


Até que o Pai se compadeça" (37)

(36) HORST MEIXNER, Denkstein und Bildersaal in Clemens


Brentano “Godwi”, p. 447 apud E. TUNNER, op. cit., vol. I,
p. 65.

(37) “Und so hat der Herr erzürnet / An die erde uns


Gebannet; / In der Mutter muss ich wühlen / nach dem
göttlichen Erbarmen. / Mit dem Fleische ist die Sünde / Aus
der Erde auffgegangen; / In der Mutter muss ich wühlen /
Bis der Vater sich erbarmet”./

C.B. Werke, Romanzen vom Rosenkranz vol. I, p. 659.

143
"Ce qui fappe dans ces deux strophes, c'est d'

une parte l'identité entre la terre et la mère

poussée jusq'á l'identité entre la terre -mère

- et la femme, génitrice du péché, et, d'autre

part l'image à double entente de l'homme qui

creuse la terre et qui penètre pour ainsi dire

d a n s l es en t r ai ll e s d e s a mère" (38).

Na segunda versão da Crônica de um Estudante Errante, (Aus der Chronika

eines fahrender Schülers), as relações da mãe com seu filho são descritas ambiguamente, revelando

uma sensualidade incestuosa. Descreve-se a mãe carregando o filho com "volúpia

íntima", apertando-o contra o seio. A criança por sua vez

encanta-se pela beleza de sua mãe, por sua pele branca, por

seus cílios, por sua boca e brinca com os cabelos dela,

misturando-os aos seus (39).

Evidentemente estas tendências para o incesto

e a identificação da mãe com a terra facilitariam

enormemente que ele aceitasse a simbologia alquímica, a qual, por

um "regressus ad, uterum" evoca um retorno a

(38) E. TUNNER, op. cit., vol. I, p. 346.


(39) C f r . C . B . , W e r k e - C h r o n i k a e i n e s f a h r e n d e n
S c h ö l e r s - vol. II, p. 599.

144
"la matéria prima, a la tierra madre, al estado

primordial de la naturaleza".

"La union de los principios alquímicos podia

reve sti r l a fo rma de u n in ces to. Gr a n nu mer o de

al e g o r i a s h á c e n a l u s i o n a l a c ó p u l a d e u n a m a d r e

y s u hi j o , e q ui v al e n d o l a ma d r e a l a f u er z a

v i t a l universal, a la mujer en toda su

extension" (40).

A tendência incestuosa de Brentano

manifestou-se ainda mais vivamente no seu relacionamento

com sua irmã Bettina. Marcel Brion ê bem claro ao analisar

a questão:

"Le fait qu'ils ne s'étaient presque jamais connus dans leurs années d'enfance

favorisait entre eu x u n éta t affecti f q ui n 'a vait p resq ue rien d e

frat ern el. Le ur in timi té fut ce ll e d e deu x é t r e s

passionnés incapables de vivre autrement - que

dans l'excés de la passion et que le hasard

avait fait naître du même sang. Ce ne fut pas

de l ' a m o u r f r a t e r n e l q u ' i l y e u t e n t r e e u x

mais - de l' amour tout court, qu'ils eurent

l a s a g e s s e de n e p a s l a i s s e r s'égarer s u r l e

plan c h a r nel, et qui, pourtant, use

v o n l o n t i e r s d u l a n g a ge des amants. Toute

sa vie durant, Bettina

(40) J. VAN LENNER, Arte y alquimia, Editora Nacional,

Madrid, 1978, pp. 35 e 36.

145
fut jalouse des femmes que Clemens aimait, et

lorsqu'elle épousa Arnim, il perdit en même

temps son ami et sa soeur, et ce fut celle -ci

- qu'il regretta le plus" (41). E mais:

"On po u r ra i t p ar l e r d ' u ne s or te d ' in c e st e

intellectuel dans cette liaison toute

platonique, évidemment, mais toujours haussée,

c e p e n d a n t , a u f e u d e la pa s s i on . D' i n c e st e à

p r o p r em e n t par - ler, il ne saurait être

q u e s t i o n . I l e s t a s s e z t r o u bl a n t d e r e m a r qu e r ,

p o u r t an t , d an s leur c o rr e s pon d a n c e, le

s i n g u li e r i n té r et q ue Be t t in a - prend aux

l i a i s o n s d e s o n f r è r e e t , a u m ê m e t e m p s , q u e lq ue

chose qui po u rr a i t être le d é si r de

s'interposer en tiers dans leurs rapports, de

se substituer même en imagination à la femme

a i mée (42).

É claro que um relacionamento tão apaixonado


- entre dois irmãos não podia deixar de produzir murmuração.

"Brentano s'en est parfaitement rendu compte,

et il déplore dans une lettre à Sophie Méreau

- le s r acc ont ars de c ert ain es gen s qui cri en t

(41) M.BRION, op.cít., vol. I, pp. 95-96.


( 4 2 ) M. BRION, op. cit. , vol. I, pp. 96-97
.

146
l'inceste à cause de l'affection poètique

q u ' i l porte à sa mère et de l'amour "juste et

bon" qu’il é p r o u v e p o u r s a s o e u r " ( 4 3 ) .

Em todo caso, o próprio Clemens Brentano

confirma como era esse amor "juste et bon" que ele tinha por

Betti na:

"A pessoa que eu devo amar, e eu o poderia, se


fosse permitido nutrir a chama infeliz que a devora contra todas

as leis esta santa criança, é minha irmã Bettina" (44).

Praticamente, em todas as obras de Brentano


aparece o problema de dois irmãos que se amam incestuosamente.
Muitas vezes esse amor não chega às conseqüências finais,
permanecendo no estágio de tentação. Os "Romanzen vom
Rosenkranz" giram em torno desse tema: são três irmãos que
amam suas três irmãs.

C - TENDÊNCIA HOMOSSEXUAL

Outra característica do sensualismo de Brentano/

(43) E. TUNNER, o p . c i t , v o l . I, pp. 137-138


(44) "Das Wess en, da ich lieben soll, o ich könnte es,
durfte ich die unglückliche Flamme nähren, die sie gegen die
Gesezze verzehrt dies heilige Kind, es ist meine Schwester
Betine,…
C.B., Briefwechsel zwischen Clemens Brentano und Sophie Mereau,,
Amelung, Im Insel-Verlag zu Leipzig,.. 1908, Vol. I, p. 28.

147
ê sua tendência ao homossexualismo, que se manifestava pela

preferência de mulheres com traços de personalidade, modos

ou símbolos masculinizados; pelo seu gosto em usar

pseudônimos os femininos e chamar suas amantes por nomes

masculinos; pela amizade violenta que ele teve por seu

cunhado Arnim e pelo pintor Steinle. No final de 1800,

Brentano veio a conhecer seu futuro cunhado Achim von Arnim.

Logo ligou-se de tal modo a Arnim que temia perdê-lo e procurou

persuadi-lo de que "une existence commune est l'unique

vocation de sa vie"(45):

"Il projette d'ailleurs en Arnim l'image d'un

- p è re i d e a l q ui l ui a to u jo u rs fa i t d é fa u t

e t s'imagine volontiers jouer le r a l e d'un

enfant ou d'un serviteur dévoué" (...) "il

implore son ami de l'aimer pour sa personne e t

non pas pour ses talents"; escrevendo:

"Arnim, pourquoi ne suis je pas ton domestique?

Je pourrais alors être près de toi, ce serait

- po u r mo i l 'â g e d ' o r; c u lt i v er , la b o ur e r et

vivre a v e c l e s d i e u x c o m m e u n b e r n e r " (46).

O tom dessas cartas de Brentano a Arnim, ainda

que se faça desconto do estilo romântico, é bastante

suspeito. A respeito disso, diz Marcel Brion:

(45) E.BEUTLER, Briefe aos dam B r an t a n o - K r e i s ,


Jahrbuch
des F r e i n D e u t s c h e n H o c h s t i f t s , 1 9 3 4 - 1 9 3 5 , p . 3 6 8 , a p u d
E . T U N N E R , op. c it, v o l . I, p. 1 4 6 .
(46) A p u d R . G U I G N A R D , o p . c i t . , p.40.

148
« Brentano a voua a Arnim une de ces adorations

sans réserve, qui sont sa manière habituelle

- d'aimer; qui aime véritablement, ne se donne

- pas à moitié. Certaines lettres de Clemens

à Achim resonnent comme d'étranges

déclarations¡ d ' amou r: "J 'ai c ompo sé de

nouv eau p lus ieu rs - c h a n s o n s , u n e e n t r e a u t r e s ,

dans laquelle j'ai pensé à toi et à moi, mais

cela ne va pas tout à fait, car je suis le

c h a s s e u r e t t o i l e c e r f , e t p o u rt a n t c h ac u n de

n o u s e s t l 'u n e t l ' a u t re . J e n e p e u x r i e n t e

dire de plus, si non que je t'aime comme je n'ai

jamais aimé personne, et q u e j e n e m e s u i s

j a m a i s s e n t i a u s s i c a l m e , aussi v rai et a uss i

heur eux q ue lo rsq u e j e me t r o u v a i s p r è s d e t o i

au bord du Thin"(47).

Em janeiro de 1803, no seu aniversário, Arnim

improvisou em Paris, uma poesia em que Brentano aparece

como Orestes, Sophie Méreau como Clitemnestra e Arnim como

Pylades, o amigo de Orestes. É a este fato que Brentano faz

referência na carta que citamos abaixo:

"Quando eu leio e releio tua carta, e observo

o v er d a d ei r o g oz o q u e m e e xc i t a o c o ra ç ã o ,

então eu não posso compreender como tu me

podes amar assim, e não sei como devo fazer

M.BRION, op.cit, vol. I,p.145. T r a d u z i m o s do f r a n c ê s .


para

149
47) C.B.. Carta de Brentano a A r n im , a g o s t o de 1803, apud

150
g a n h a r o a m o r . ( M a s d i t o i s t o e n t r e nós, e u te

amo m ai s d o que t u a m i m). .. M as Arn im, e st eja s se gur o, eu nã o

escr evo ta mbé m na d a de t od o o c ora çã o, co mo est a ca rta para ti ,

mesm o p ara - B e t t i n a eu nã o e s c re vo t ã o t ra n q üi l o e í n t im o e

por Glitemnestra (Sophie Méreau) não posso es crever nada mais

alegre. O verso de teu coração me comoveu especialmente.

"E P yla des ap ar ec e

E conduz a seu amigo

E chora quando ele chora, etc."

"Os versos fluem tão cheios e ardentes, tão sim p l e s m en t e

m a g n í fi c o s, q u e se e u p e n so e m t i as sim c omo te c onh e ço e c om o

vejo na sce r e cr es crer te us ver sos , como eu so u t ão co nfia nte

em t u d o i s s o , e te n h o de n o vo u ma s a n t a v e n er a ç ã o p o r i s s o ,

e n t ã o e u s i n t o q u e e u a m o . Q u a n d o - eu co nte mpl ei o s e r d e

tua poe sia e m eu sent i m e n t o p o r t i , t u , s e r d e t o d a p o e s i a ,

assim é c o m o s e t u f o s s e s p a r a m i m o m e u a m a d o , t e u rosto

e s t a r i a a i n d a e n c o b e r t o , m a s e u t i r a r i a a s pre sil ha s de t eus

cach os, e lá os c ân tico s d o u r a d o s p a s s a m , m a s e u j á t e c o n h e ç o ,

e l o g o o m u n d o r e c o n h e c e r á o t e u r o s t o . E n t ã o t u a i n da m e

amar ás? "

A carta termina com estas palavras:

151
Adeu s, Ar nim , pen sa em mi m, pe nsa q ue eu no mei o

com estas palavras o maior amor de toda a minha vida, que toda

m i n h a a l m a se c o m o v e , q u a n do eu t e d igo, tu qu eri do , q ueri do,

quer ido Ar nim .

Não te esqueças de mim. Teu Clemens" (48).

(48) "Wenn ich deine Briefe lese, und wiederlese, und die
hohe lust recht betrachte, die sie mir im Herzen
erregen, so kann ich es immer nicht fassen, wie
dumich nur so lieben kannst, und Weiss nicht wie ich
- es ansteilen soll, es zu verdienen. (Aber unter
uns gesagt, ich liebe dich doch mehr als du
mich)...Aber seiversichert Arnim ich schreibe ich
nicht so ruhig, und seelig, und an Klytemnestra kann
ich gar nicht - mehr freudig schreiben, in deinen
Liede an mich hat m ic h de r Ve rs besonders bewegt.
Und Phylades erscheint
Und führet sein en Freund
Und weinet wenn er weinet etc.
die Verse fliessen dir so voll und gluhend, so ein -
fältig prächtig, und wenn ich deiner gedenke, so wie
ich deinen Arbeiten entstehen und wacksen sehe, wie
ich mit allem dem so vertraut bin, und dock wieder
- eine heilige Ehrfurcht davor habe ann fühle ich
dass
ich dick liebe. Wenn ich, das Wesen deinen Poesie -
betrachte, und meine Empfindung für dick du Wesen
aller Poesie, so ist es mir, als wärst du meire
Geliebt e, dein Gesíicht wäre noch verhüllt, aber ich
zöge -
die Nadeln aus deinen aufgewikelten Lokken, und da
Fliessen die Goldnen Gesänge nieder, aber ich
kenne
dich schon, und, bald wird die Welt dein
Angesicht – auch erkennen, wirst du mich
dann noch liegen?
“Lebe wohl Arnim, gedenke meiner, gedenke,
dass ich mit diesen Worten das Liebste
thrste menes Lebens benenne, dass sich meine
ganze Seele bewgt, wennich dir sage, du
lieber, lieber, lieber liebe Arnim. Vergiss
mich nicht – Dein Clemens”.
Clemens Brentano - Austellung - Freies Deutches
Hockstift - Frankfurter Goethes Museum, 1978, pp.
36 -3 7.

152
Em outra carta, Brentano diz a Arnim:

"Oito dias depois de tua partida, recebi, uma

- manhã, uma carta de Bettina, na qual ela dizia

que te amava; eu estava numa ilha solitária no

rio Lah n, cer cad o de col ina s, no meio de um

esp e s s o b o s q u e d e A r v o r e s , e e u a c a b a v a d e d a r

o nome de Arnim a uma mocinha que se parece

completamente contigo, quer de rosto, quer de

alma ... Assim Bettine e e u , n ó s a m a m o s A r n i m"

(49).

Ou ainda:

"Eu maldigo o instante em que o cáis de Coblença

nos separou." "Tu és, tu deves ser minha vida".

"Querido Arnim, é p r e c i s o q u e e u v á t e encontrar,


já q u e v o l t a s t e s à p á t r i a . . . E u v o u a g o r a a t e u

encontro, ao encontro da criatura que mais amo

n o mundo: tu me r e c o n h e c e r á s ? N ã o s e r e i p a r a

ti u m e str anh o? "( 50).

Essa mesma tendência se manifesta no

relacionamento de Brentano com o pintor Steinle. Em carta

de 1839, Brentano declara que o ama "talvez como a ninguém

mais sobre a terra" (51). E noutra carta para esse pintor, ele

pergunta:

( 4 9 ) T r a d u z i d o do f r a n c ê s , a p u d A.GARREAU, C l e m e n t B r e n t a n o ,

153
D e s c l é e de B r o u w e r , P a r i s , s e m d a t a , p . 6 7 .
(50) T r a d u z i d o do f r a n c ê s , a p u d A. GARREAU, op. ci., p.85.

154
"Que farei aí em Coblença sem você?" (52).

O pendor homossexual de Brentano pode ser entre

visto ainda no seu gosto de narrar casos de travestimento.

A "Legende der heilige Marine" é a história de uma moça que

vive num convento de frades como se fosse um deles. Somente/

após a sua morte se descobre que ela era mulher. Mulheres

- disfarçadas de homem aparecem com freqüência em seus livros.

Ele mesmo gostava de usar nome de mulher e de chamar suas

amadas ou amantes com nomes masculinos. A Hannchen Kraus ele

chamava de "meu novo Arnim", e assinava as cartas para ela

com o nome de Sofia. Escrevia a Sophie Méreau como ela poderia

seduzi-lo, se ele fosse uma freira (53).

Tunner observa que Brentano se apaixonou por

Augustine Bussmann por ver nela

"une de ces femmes un peu masculines qu'il a

toujours désirées avec un mélange d'admiration/

et d'appréhension (...) Elle de son côté, a du

être attirée par ce qu'il y avait de féminin/

en lui" (54).

(52) STEINLE, Briefwechsel, II, p. 59, apud. E. TUNNER,


op. Cit., Vol II, p. 1056. Traduzimos do francês.
(53) “…ware ich eine Nonne, die Du verführen
könntest, mir könnte/ das Herz so nicht
pochen, ich zittre, und bebe doch, und soll
nicht redden, ich habe alle Band emit dem
Leben gebrochen un Dich, und mich soll ewig
die Scheu Kindscher Zucht marten”
C.B., CARTA A Sophie Mèreau-julho de
1803-Amelung, Briefwechsel zwischen. C.B.
und Sophie Mèreau, II, p. 90.

155
(54) E. TUNNER, op. Cit, vol. I, p. 302.

156
Marcel Brion confirma que havia algo de feminino em Brentano

"Rem arq uon s, e n ou tre, che z Cl eme ns, un ce r t a i n


élément féminin. Dans deux figures de fem m es ,
q u ' il a p ei n t es a v e c b ea u co u p d 'a m o ur et de
fantaisie, la bohémienne Mitidika de
" D i e m e hr e r en W e hmü l l e r " e t P e r di t a d e " Der
S chif fb rülchige Gall ere nsk lav e v om T ote n
Meer ", sou s - l e p e r s o n n a g e i m a g i n a i r e s ' a g i t e
l a r e m u a n t e , petite personne de Bettina et surgit
accidentel l e m e n t c o m m e u n é c l a i r , u n a s p e c t
frappant de Clemens lui-méme le "camaléon"
e m p r u t a n t p o u r un in sta nt un dé gu isem ent
fémi nin " ( 55) .
A androginia, assim como o incesto com a mãe,

certamente teve influência na aceitação da simbologia

alquímica por parte de Brentano. Com efeito,

"La Pi e d r a F il o so f a l , o b j et i v o de la obra

alquímica, no conocia la oposición sexual,

sino/ que la conciliaba en su hermafroditismo.

Simbolizada frecuentemente por el Andrógino,

e s t a petr a ge nit r ix, e nco ntr aba e n s i mis ma

todo s l o s e l e m e n t o s g e n i t o r e s " . ( 5 6 ) .

(55) M.BRION, op.cit., vol. I, p. 302.


(56) J. VAN LENNEP, op.cit., p. 35.

157
D - SENSUALISMO DIALÉTICO

O sensualismo de Brentano se manifesta, muitas vezes,


unindo elementos opostos, de modo dialético. Em suas
obras, como aliás nas de muitos românticos, são comuns as
meretrizes que se tornam santas ou vice-versa, as seduzi-
das que se convertem, as religiosas seduzidas. Por exemplo,
nos Romances de Rosário, Rosatristis é uma freira seduzida -
por Kosme, que é seu cunhado e seu meio irmão e dele tem
três filhas.

Isso levaria a perguntar se a relação de

Brentano com a freira não foi afetada por essas tendências

eróticas. Veremos que há vários indícios que sim. Diz a esse

respeito J. Adams:

"Em primeiro lugar resta percorrer a

c o n t i n u a çã o da q ue l a s li n h as p ri nc i p a i s até

e s s a c on v e rs ã o . De m o d o ma i s d if e re n c i a do e

i l u s t ra t i vo - encontram-se essas linhas na

v i v ê n c i a d e B r e n t a n o c o m S o ph i e M ér ea u , q u e d e

resto vão contribuir para a compreensão de seu

posicionament o em relação à freira de

D ü l m e n . J á q u e a s d u a s v iv ê n ci a s , e m b r a se

passem em n í v ei s diferentes, mostram uma

contínua semelhança de es trutura vivencial"

(57).

(57) “Vorest bleibt die Weiterführun jener

Grundlinien bis zu dieser Umkehr zu verfolgen.

AM aufschlussrei chsten und

differenzierstesten zeigen sie sich in

Brentano os Erlebnis mit Sophie Mèreau, das

“übrigens zum -

158
Bernhard Gajek confirma isso ao concluir que
as relações do poeta com a freira tinham um fundo erótico
-

(58), pois na imaginação do poeta, Katharina Emmerick

assemelhava-se à sua amada Luise Hensel, que, por sua vez,

seria parecida com a falecida irmã de Brentano, Sophie (59)

e Bren tano era fortemente atraído pelas mulheres que

passavam de um extremo de vida moral ao oposto, e procurava

impor-se a elas desempenhando o papel de salvador (60).

(57) (cont.) Verständnis seiner Stellung zur Nonne von


Dülmen manches beitragen wird, da beide Erlebnis,
obschocn auf verschiedenen Ebenen sich abspielend,
doch eine witgehende Ähnlichkeit der
Erlebnisstrucktur - aufweisen."
J.ADAMS, Clemens Brentanos Emmerich-Erlebnis - Bin
- dung und Abenteuer, Verlag Herder, Freiburg, 1956, p.
24
(58) "Dass Brentanos Beziehung zu ihr erotisch gefärbt -
war, geht aus manchen seiner hervor"
BERNHARD GAJEK, Homo poeta - zur Kontinuität der
P roblematik bei Clemens Brentano, Athenäeum
Verlag, Fran kfurt am Main? 1971, pp. 469-470.

(59) E. TUNNER, op. cit., vol. II, P. 860

(60) "La vertu qui a succombé aura toujours pour Brentano


un attrait considérable: il peut alors abandonner
- l e r ô l e de s o u p i r a n t p o u r jouer c e l u i d u
« s a u v e u r » , t â c h e s u p r ê m e q u ' i l t i ent pour p l u s
i m p o r t a n t e q u e son t r a v a i l . S o n z è l e à s e r v i r
l’innocence est d’autant plus grand qu’il
flatte son orgueil et satisfait son besoin de
dominer, contre-partie de son dèsir – de se
prosterner ». E. TUNNER, op. Cit., vol I,
p.37.

159
Nesse mesmo veio, em sua obra sobre as "Irmãs

de Caridade", Brentano trata largamente do problema da

regeneração das meretrizes, e no poema "In noth und Sund hab

ich geschwebt", uma prostituta lamenta sua situação ao

enterrar/ um filho natimorto. Brentano toma essa mulher

como símbolo de sua própria situação espiritual e,

angustiado, consideras sua imaginação poética responsável

por seus problemas morais. Por isso, simbolizou a imaginação

poética na meretriz (61).

E - MISTICISMO ERÓTICO

Em Brentano, misticismo e erotismo eram


profundamente interligados. Nele, "l'érotique et le sacré se
touchent" (62) .

É-lhe quase impossível escrever


textos místicos sem alusões sexuais bastante
fortes. Por outro lado, mesmo nos tempos de
libertinagem pagã, durante a sua juventude,
Brentano considerou sempre o sexual como
revelador de um mundo transcendente.

Friederich Schlegel no seu


Romance "Lucinde" - defende a tese de que, no
abraço conjugal, os amantes, na realidade,
abraçam a Deus, que se interpõe entre os dois,
e, por isso o ato carnal e revelador da .

divindade. Estas idéias influenciaram Brentano


que as expôs no Godwi. O mesmo afirma Tunner:
(61) Cfr. C.B., Der S c h í f f b r ü 1 c h i g e G a l e r e n s k l a v e v o n T o t e n
Meer.
(62) Cfr.E.TUNNER, op.cit, vol. II, p . 1222.

160
"(.. .) il se fa it une id ée ass ez h aute de l'

union conjugale: elle exprime, pour lui, ledouble élan de

l'amour physique et de l'amour spirituel; l'acte de chair

s ' a c c o m p a g n e d'illum i n a t i o n s q u i r é v è l e n t u n m o n d e

t r a n s c e n d e n t et p e u t r é v e t i r u n c a r a c t èr e r e l i g i e u x " ( 6 3 ) .

J. Adams faz a mesma observação:

"Certamente o "divino", que Brentano procura - n o a mo r e n a p o e s i a , tr a z a i n d a c a r a c t e r í s t i c a s

panteístas. Esse Deus não é Deus pessoal, ele é universo -imanente, não

c r i s t ã o - t r a n s c e n dente. Mas esse "divino" impessoal toma formas m a i s d e t e r mi n a d a s , s e

c o n c e n t r a d e c e r t o m o d o em um lugar do universo: no amor de dois seres p o é t i c o s . O " e t e r n o " ,

a " r e a l i d a d e p o é t i c a o u reli gio sa" , que esta crença tem por objeto,

e o "p oét ic o" e o "re lig io s o" est ã o um ao lad o d o o utro co mo

sinô nim os e e qu iv alen tes , são a s dua s pes so as ama nte s, ca so em

que o amo r se e l e v a p a r a a b e m - a v e n t u r a n ç a ( g l ó r i a ) , p a r a a

salv açã o. "Fi rme s , tr aga dos um no out ro, nó s - formamos a

essência (núcleo) de nossa total - concepção do mundo". O "ser

p o é t i c o " e n c o n t r a "a gló ri a da vi da e seu a uge n o ínti mo" , lá

no s e u " m u n d o i n te r i o r i n v is í v el " e s t á "a f on t e d e

(63) E.TUNNER, op. cit., Vol. II, p. 60.

161
sua própria vida mais s a l t a " e lá "no ín t i m o " e

na c o m p e n e t r a ç ã o mútua, celebram ambos "o

mist é r i o do s e u a m o r " e "os m i s t é r i o s da vida

poética" (64).

Tunner salienta que Brentano identificava o

desejo carnal com o desejo de conhecer, com uma revelação na-

tural (65). Ora, essa identificação entre o desejo carnal e

o de saber, entre a experiência sexual e o conhecimento existe

também na tradição judaica, pois o termo “jda” significa

(64) "Allerdings trägt das "Göttliche", das er in der Liebe


und in der Poesie sucht, nosh pantheistische Züge. Dieser Gott
ist kein persönlicher Gott, er ist welt - immanent, nicht
cristlich-transzendent. Aber dieses unpersönliche
"Gottliche" nimmt dann doch bestimmtere Formen an, es
konzentriert sick gewissermassen an einer Stelle der
Universums; in der Liebe zweier poetischer Menschen. Das
"Ewige", die "poetische oder religiöse Realität," die dieser
Glaube zum Gegenstand hat und in der das "Poetische" und das
"Religiose" gleichbedeutend und gleichwertig nenbeneinander
stehen, sind die beiden Liebenden selbst, insofern die Liebe/
sie zur höchsten Seligkeit, zur Erlösung emporführt; "Fest
ineinander verschlungen bilden wir den Kern unserer ganzen
Weltanschauung". Der "poetisch Mensch" - findet "die
Seligkeis des Lebens und seinen Gipfel im Innern; drt, in
“seiner inner unsichtbaren Welt”, ist “sein Heiligstes und
der eigentliche Quell seines Lebens”; und dort”… im Innern”
und in der gegenseitigen Durchdringung, feiern die beiden
“das Geheimnis – ihrer Liebe” und die “Mysterien des
poetischen Lebens”.
J. ADAMS, op. cit., p. 31.

(65) "Brentano exprime cette identité, souvent mise en


relief par lui, entre le désir de la chair et la soif - de
savoir, cette "connaissance" au sens biblique du terme, qui
s'oppose à la croyance, et qui constitue - ici le point de départ
d'une révélation surnaturelle". E. TUNNER, op.cit., vol. I, p.
354.

162
quer o conhecer intelectual, quer a relação sexual. Daí,

Tunner mostra que:

"par une confusion très caractéristique entre -

sentiment religieux et désir érotique, la "vraie

p a r o l e" ( Wo r t au sens de Lo g o s, le V er b e

incarné) est identique pour Brentano au nom et

à la personne de la bien aimée" (66).

Tal concepção vai ao ponto de que o poema "Eine

Rose hat geblühet" identifica, nas três últimas estrofes,

Emilie Linder com a Virgem Maria, e Brentano com Cristo (67).

Em carta a Luise Hensel, Brentano escreveu em


1833 que há "apenas um liame verdadeiramente profundo na
vida: é o amor a Deus ou a uma pessoa de outro sexo" (68),
e a ele associa o sacramento da confissão com o amor mais
profundo, e a comunhão com o ato sexual (69). Sempre nessa
linha, as manifestações amorosas de Brentano por Sophie
Méreau são uma mistura de erotismo e de religiosidade e ora
- ele a identifica com Cristo e com o pão da Santa Ceia, ora

(66) K.TUNNER, op.cit., vol. II, p. 1025


(67) C.B. Werke, Gedichte, vol. I, p. 587 a 592.
(68) "Es gibt nur ein gründliches, Verhältniss im Leben,
die Liebe, zu Gott oder dem anderen Geschlecht". C.B.
Gesammelte Schriften, carta de 25-X-1853, vol. IX, p.
288.
(69) Was in der Natur eine innige, Liebe ist, ist in der Religion
-
die - Beichte, was die Umarmung ist, ist eín Abendmahl"; C.B.
carta a Rachel Varnhagen im Umgang mit ihren Freuden, - Munich, Kosel,
1969, pp. 352-353, apud E. TUNNER, op. cit. , vol. II, p. 213.

163
se apresenta a ela como Jesus, denominando o seu

relacionamento de "paixão dolorosa" (70). Assim ele quer

servir apenas a um deus, Sophie, que ele ama, adora e canta (71)

dizendo: "Eu não posso pensar nessa mulher senão como um

Deus" (72).

Desse amor, diz Tunner:

"L'amour de Brentano pour Sophie est un

phenoméne para-religieux, comme souvent chez

les romantiques. Il y a entre le désir de

matérialiser - le spirituel et de sublimer les

phénomènes physiologiques, le désir ardent

d'unir éros à l'a- gapê" (73).

F - SADISMO E MASOQUISMO

Derradeira característica do sensualismo


de
Brentano é seu sado-masoquismo. Ele tinha obsessão por

chagas como fonte de amor místico e erótico. No Godwi, um

dos personagens abraça a estátua de uma moça num jardim e

descobre no peito dela uma chaga. Para descrever a chaga ;

ele usa a expressão "lábios sangrentos". Veremos que uma das

coisas que mais o impressionou em Katharina Emmerick foram

os seus

(70) C. B., Sämtlich Werke, Amelung, Munich und Leipzig,


1909
-1917, vol. I, pp.42 e 54, vol. II, p.63.
(71) C.B., idem, vol. I, pg. 150

164
(72) Apud E. TUNNER, op.cit, vol.I, p.796
(73) E. TUNNER, idem, vol. I, p. 193. .
1
9
5

165
estigmas e suas perdas de sangue. Emocionava-o

particularmente a "chaga" do peito da freira, que ele

comparava a uma boca de lábios túmidos .

"Son imagination érotique s'exalte aux

m o m e n t s où il c ont empl e l es a sti gma t es av ec une

émot ion vol upt ue use. Le s ign e roug e qu e

Cath eri ne p ort e sur "la quatrième côte" s e

modifie quelque peu selon les jours et lui

rappelle l'image "d'une bouche pure et

s i l e n ci e u se d on t l e s l èv r e s s o nt

à peine entr’ouverts" (74).


No caso, ele relacionava essa chaga da freira

- com a "boca" no peito de Eva-pela qual se dariam os

nascimentos, se não fosse o pecado original-e também com a

chaga do lado de Cristo crucificado.

"L'image de la plaie avec tout le réseau

d'associations qui s'y rattachent est une image

cent r a l e dans toute l'oeuvre de Brentano:

chargée d'une sign ifi cat ion à la fois

s e n s u e l l e et spi ritue lle , e lle peu t sugé rer la

volu pté et la dou leu r , la vi e et la mor t " (75 ).

Para Tunner, outrossim, a chaga era para Brentano, avant tout


un symbole érotique, mais qu'elle est aussi
(74) johrbuch, Freies Deu ts Hochstift, 1971, p. 254.
(75) E. TUNNER, op. cit. vol. I, p. 91.

166
un symbole du péché original dont tout être humain est cou

- pable en naissant (...)" (76).

Nos Romanzen vom Rosenkranz, Biondetta, ao

sugar a chaga de Meliore, caí em delírio sensual, pois, para

Brentano, o sangue escorrendo era símbolo das paixões e

muito significativa é, nesse sentido, a carta que, em março

de 1802, ele escreveu a Carolina von Günderodde:

" B o a n oi t e a nj o q ue r i do . A h ! q ue r v oc ê o s ai b a

ou não, abre todas as veias de seu branco corpo

e que o sangue vermelho e espumante jorre em

milhares de jatos deliciosos; é assim que eu

quero vê-la e beber nessas mil fontes,

i n e b r i a r - me até poder chorar sua morte num

delírio d e alegria voluptuosa; até que eu

possa derramar - em forma de lágrimas todo o

seu sangue e o meu misturados, até que seu

coração se reponha a bater e que você volte a

ter confiança em mim, por que o seu sangue

correra em minhas veias..." (77).

A tendência masoquista do poeta se manifesta

- ainda nas atitudes que ele tinha em relação a suas amadas.

Para obter o amor de Luise Hensel, ele se jogava ao chão, no

quarto dela, pedindo que ela o pisoteasse:

(76) E. TUNNER, op. cit., vol. I, p . 9 0


(7?) Traduzimos o texto francês ap ud A. GARREAU.

167
"Ele s e j o g o u n o ch i o , d e s ej a n do s er p i s ot e a do ,

e e l a o fez r e a l m e n t e c o m n o j o . E n t ã o e l e c o r r e u

c o m o u m f u r i o s o e d i s s e q u e m e r e c i a i s s o " (78).

Coerente com essa conduta, nota Marcel Brion

que Brentano
" s e l a i ss a it do m in e r vo l on t ie r s p ar l a f e mme

aimé e. Il se sou mett ait av ec une sorte de

passivité masochiste, comme dans son

extravagant mariage avec Augustine Bussman"

(79).

Outro sinal bastante característico do masoquismo de Brentano ê sua

tendência a se tornar amigo de quem o ofendia. Em Praga, em 1811,

Varnhagen von Ense, irritado por uma brincadeira de

Brentano, deu-lhe um tapa no rosto. Imediatamente Brentano

quis abraçá-lo.

"car il découvrait dans ce geste la promesse

- d'une amitié forte et durable... Sa liaison

avec G ö r r e s a v a i t e n e f f e t d é b u t é d e la même

manière: une giffle retentissante administré

au poète par le philosophe impatienté (...)

(80)

(78) "Er habe s i c h a u f die E r d e g e w o r f e n und b e g e h r t mit


F ü s s e n g e t r e t e n s u w e r d e n und sie h a b e es a u s E c k e l
wirhlich gethan, da sey er wie rasend
h e r u m g e l a u f e n und hale g e s a g t , e r v e r d i e n e es".
(79) C.B. Tgb., apud M. BRION, L’Allemagne Romantique. Albin
Michel, Paris, 1962, vol. I, p. 84. J. ADANS, op. Cit., p. 65.

168
Por extensão, mostrava-se covarde, jamais quis

participar das guerras napoleônicas e, por isso, acusaram

- no de ser feminino. Ao que redarguia:

"Eu estou cheio de hostilidade e de desgosto

- contra a guerra e eu de bom grado me

r e t i r a r i a p a r a u ma i l h a co m a lg u n s a m i g o s. ..

M e u D eu s , o n de ir?" (81).

4. Mentalidade, Tendências e Idéias de C. Brentano

Não se deve pretender encontrar em Brentano um

sistema de pensamento organizado e coerente. São comuns, em

seus textos, contradições e incoerências. Há, porém, nele,

isto sim, certas linhas de pensamento e certas perspectivas

mais salientes e constantes.

A supremacia da imaginação sobre a razão, em


Brentano, levaram-no a dar mais importância ao sonho do que

a realidade. Para ele, a Poesia era superior a Historia. Por

isso lamentou que Vadutz fosse um lugar realmente existente.

Preferia que Vadutz fosse apenas o seu paraíso de sonho, sem

existência real. Para ele, a realidade era o mal. Este

(81) Traduzimos do texto francês de A.GARREAU,


op.cit.p.
126.
(82) Cfr. Hans Jonas - La R e l i g i o n g n o s t i q u e ,
Paria,
Flammarion, 1978, pp.-72-73-74.

169
traço fazia de Brentano, necessariamente, um homem com

tendência para a Gnose. Esse ódio ao real, por outro lado,

aliado a sua imaginação descontrolada, fazia que ele

imaginasse sempre o longínquo - o lugar em que ele não

estava - como o melhor. Para ele, o "hinc et nunc" eram

insuportáveis. Daí a sua vida errante. Daí, ele se sentir

sempre como estrangeiro. Ora, esta sensação de ser

"estrangeiro" ao mundo real também ó típica da Gnose (82).

Dissemos que, para Brentano, a Poesia era superior à História. Por isso

a lenda e o mito valiam mais do que os fatos reais. Daí ele nunca se importar com a objeti-

vidade histórica do que relatava, especialmente se a deturpação dos fatos ocorridos favorecesse

o seu jogo imaginativo. Na Der Chronika eines fahrenden

Schüllers, cuja ação se passava em 1358, ele faz com que

um dos personagens se encante com a torre da Catedral de

Strasburgo, que só foi concluída em 1439. No Wunderhorn,

pode-se constatar que

para Brentano a verdade é o que a imaginação constrói e

não o que aconteceu de fato. Ele mesmo declarou que na

Fundação de Praga ele quis dar "um reflexo idealizado da

História" (83).

Criticando a ópera Aquiles de Paër, Brentano -

afirmou que o autor não deve ser escravo da verdade

histórica,

(82) Cfr. Hans Jonas - La R e l i g i o n g n o s t i q u e , Paris,


Flan
marion, 1978, pe. 72-73-74.
(83) Cfr. C.P., W e r k e D i e G r ü n d u n g P r a g s , v o l . I V , p. 845.

170
porque é a verdade poética ou imaginativa que dá uma
compreensão mais exata da vida e da arte (84).
No romantismo de C. Brentano, a rea lida de se

torna poesia, e esta realidade poética é a própria "verdade


viva". Isto conduz Brentano a uma noção de romantização do
mundo, da existência poética, na qual através de uma
"potencialidade qualitativa", a própria vida se torna
poesia e Romance. O meio para uma existência poética é a
mulher amada:

"Eu anseio ter uma ligação poética com uma


mulher romântica e cheia de amor e iniciar,
na vida real e prosaica, um modo de vida
poético e fantástico" (85).

Essa mesma idéia será aplicada por Brentano - as visões

de Anna Katharina. Ele as considerava mais verdadeiras, por serem

"visões", do que se fossem fatos históricos

(84)Cfr. E. TUNNER, op. cit. II, p. 694.


(85)"Die Poesie wird also zur Wharheit und Wirklichkeit, die
Eigentlich “lebending Wahrheit”. Diese Gedankeng ä nz e
führen Brentano unmittelbar zu dem in der Romantik
zentralen Bedriff der Romantisierung der Welt, der
Welt, der “poetischen Existenz”, in wellcher, durch
eine “qualitative Potenzierung”, das Leben selbst
zur Poesie , zum Roman wird, Der "Mittler" zum
poetischen Dasein ist die geliebte Frau: "Ichsehne
mich mit einem liebewollen romantischen Weib einen
poetischen Bund zu schliessen und mitten in dem wirklichen
prosaischen Leben einen freie poetische phantastiche Le

171
cos narrados pelos Evangelhos e pelo Antigo Testamento. É
por essa razão também que, durante toda a sua vida, ele

demonstrou ter muita atração pelos Evangelhos apócrifos, dos

quais tomou elementos, quer para suas obras reliqiosas, quer

para obras profanas, como por exemplo os Romanzen vom Rosen

kranz (86).

Relacionada com esta supremacia do mito e do

imaginário sobre o real, estava à tendência de Brentano de

colocar o maravilhoso e o milagre como coisa natural e comum.

Por isso ele preferia o magnetismo como meio de cura. Daí ele

considerar os meios carismáticos e extraordinários como sendo

os processos normais para obter a saúde. Daí ser o mundo real

um tormento para Brentano, porque nesse mundo ele encontrava

- assim como nele mesmo - a desordem moral, a culpa, o pecado.

Durante toda a sua vida, Brentano foi torturado pela

contradição que havia entre suas aspirações/ místicas e sua

vida sensual e libertina. Provavelmente, a causa desse

complexo de culpa que o atormentava, residia na

(85) (cont.) bensart anzufangen”. Amelung - Briefwech -


sel zwischen C.B. und sophie Mereau apud J. ADAMS op.
cit, p. 27.

(86) "L'imagination de Brentano, toujours avivée por


l e s r éc it s d e mi r ac l es , t r ou v ai t une a m p l e
n o ur r it u re dans les èvangiles apocryphes".
E. T., op. cit., vol. I, p. 368, nota 3.

172
tendência incestuosa dos sentimentos que tinha para com sua

mãe e para com sua irmã Bettina. Em várias obras de Brentano,

mas especialmente nos Romanzen vom Rosenkranz , é bem claro esse

complexo de culpa incestuosa que atormentava o poeta. (87).

A contradição entre as tendências místicas e as eróticas do poeta

determinaram o movimento pendular de seu posicionamento face ao problema do sexo. Vimos

que no Godwi, -romance escrito na juventude, - Brentano defendeu a completa liberdade sexual não

só como ideal de vida, mas ato como meio de revelação religiosa. A esta posição extremada se

oporá, mais tarde, sua concepção de que todo mal do mundo

proveio do pecado original, que teria sido aunião carnal

de Adão e de Eva, como o veremos quando analisarmos/ as

revelações de Katharina Emmerick redigidas por Brentano.

Por outro lado, seu complexo de culpa fazia com que ele i-

dentificasse o máximo de virtude e de inocência com a

privacão de sexo. Nos Romanzen vom Rosenkranz, a Virgem Maria

e Agnuscastus são assexuados. Segundo as visões de

Katharinal Emmerick, Adão e Eva, antes do pecado, se

reproduziriam pela palavra e não sexualmente (88).

Assim como ele relacionava a experiência sexual


com o conhecimento, assim também, Brentano
considerava que o sexualismo e a razão eram
próprias do mundo de exílio,
(87) Cfr. M. Brion, op.cit., vol. I, p. 97.
(88) E.T. op.cit. vol. I, p. 368.

173
em que o homem vivia, após a queda original.

"La réflexion représente pour lui une force -

hostile parce qu'il la conçoit comme une for ce

de rupture née de l'arbre de la science, elle

révè le à l 'ho mme l es con tr adi cti ons de la r e a l i t é ,

elle eng endr a le doute , e lle détr u it/ le jardin

harmonieux du Paradis et lui substi tue un

labyrinthe oü l'homme est privé de la grace

divine" (89).

Nada mais lógico, pois que Brentano procurasse

restabelecer o paraíso original através de uma pureza e

ingenuidade infantis, isto é, pela sublimação ou anulação do

sexo e pela substituição da razão pelo sonho poético e

imaginativo.

"Par la poésie, par l'amour, il espérait tou -

jour pouvoir satisfaire son besoin impérieux de

rétablir une unité compromise par le peché

originel. Puis il comprit qu'il aspirait à un im-

possible retour en arrière vers un monde où il n'y

a plus de division et déchirement, plus de s e x e s ,

de désir et de faute" (90).

(89) E. T. , op. cit., vol. II, p. 1220.


(90) E. T. , op. cit., vol. II, p. 795.

174
Não há dúvida, por esse comentário, que Brentano

sonhava com o retorno a um paraíso de características

gnóticas. No mundo - que ele simbolizava normalmente pelo

deserto - Brentano, nós já o dissemos, sentia-se como

estrangeiro. Daí ele se figurar constantemente como um

peregrino, como um homem a caminho de Babilônia para

Jerusalém, do deserto para o jardim, da terra para o paraíso

terrestre, da realidade para Vadutz.

"A partir de 1816/1817 la figure du pélérin,

désignant l'homme "en voyage", rappelant le

caráct è r e t r a n s i t o i r e d e n o t r e e x i s t e n c e e t

l a r e cherche de la revélation divine,

apparaîtra souvent dans les écrits de

Brentano" (91).

Essa imagem do Peregrino pode ter sido sugerida

a Brentano quer por sua leitura de Angelus Silesius, autor

do "Peregrino Querubínico", quer por suas leituras de obra/

alquímicas, nas quais o alquimista é representado muitas

vezes pela figura de um peregrino (92). Aliás, o símbolo

do peregrino era também usado pelos gnósticos. É um símbolo

que se coaduna, quer com a estrutura do pensamento gnóstico,

quer com a mentalidade de Brentano (93).

(91) E.T.; o p . c i t . , v o l . I p. 229.


(92) Cfr. Fulcanelli - L e M ys tè re d es Cathédrales, Paris,
Jean Jacques Pauvert, 1964, p. 179.
(93) "Mais le'arif,le gnostique, est un pèlerin en marche,
un salik, homo viator" (Henry Corbin - En Islam
iranien - Galimard, Paris, 1 9 7 2 IV vol. p. 450).

175
Toda a angústia que Brentano sofria, o seu sen-

so de culpa, a noção de estar exilado de sua verdadeira pá-

tria, levavam-no a aspirar por uma salvação. Salvar-se era

sair do mundo concreto através do sonho, da poesia e do amor

e atingir o absoluto.
"Com esta tendência para o absoluto, a procura de Brentano ganha, segundo a

moral, um traço novo e decisivo. Ela entra no âmbito da Religião e se torna, pura e

simplesmente, ânsia para salvação e para a redenção e coloca sobre os

homens amados os sinais de um Salvador

dando-lhes coloração de uma crença religiosa. Ele

mesmo dá, em um grave depoimento, a chave para este

significado de sua ânsia de salvação:

"Já que o tempo me tirou a crença, ele não pode

me tirar do mesmo modo a necessidade disso. Meu

amor, minha propensão para os outros, eram os

sacramentos dos quais eu desejei todo o consolo

c eles tial e a ssim, liv re e fre qüent emen te, eu

precisei destruir minha esperança"(...)

"A este campo do absoluto e da religião,

Brentano eleva agora também a vida poética, que

deveria provir do amor de Sophie Méreau." "Uma

vida exige uma crença santa em algo de

e t e r n o " . A mulher é elevada ao papel de um ser

divino, de um salvador: "Uma divindade? Quer você

ser uma divi ndad e? A ssim v ocê se to rna ho mem,

v ocê me salva". Na sua aparência humana (de

Sophie) ele

176
adora o p r ó p r i o Deus: "Ó Deus bondoso, tú e s t á s

o m n i p r e s e n t e , t u e s t á s e m m i m e n e l a , n e l a em

q u e t u a p a r e c e s t ã o h u m a n o e tão d i v i n a m e n t e

amigável".

Seu apelo para ela toma formas sacrais e se

torna um culto divino blasfemo:

"Eu me torn ei u m C rist o e quero a gor a ser vir um

D e u s . A go r a e u qu e r o t e a ma r , t e a d o r a r , te

p o e t i z a r . E u só quero d e s e j a r - t e , a b r a ç a r - t e ,

e possuir-te". (94).

(94) "Mit dieser Tendenz zum Absoluten gewinnt Brentanos Suchen nach Halt einen neuen
entscheiden den Zug: estritt ein in den Bereich des Religiösen, wird zum Verlangen
nach "Heil", nach Erlösung schelechthin, überträgt auf den geliebten Menschen die
Merkmale eines Heilandes und gibt seinen Beziehungen zu ihm die Färbung eines
religiösen Glaubens. Er selbst gibt ineiner schwerwiegenden Aussage
den Schlüssel zu dieser Deutung seiner
Erlösungssehnsucht: "Da die Zeit mir den
Glauben genommen hatte, so kannte sie mir doch nie das
Bedürfniss dazu nehmen. Meine Liebe, meine Hinneigung
zu andern waren die Sakramente, von welchen ich allen
himmlischen Trost begehrte, und so musste freilich
meine Hoffnung oft neiderbreceen" ( …)
In diesen Bereich der Absoluten und des Religiösen
erhebt Brentano nun auch das poeoisch Leben, das aus
der Liebe zu Sophie Méreau hervorgehen soll:
"Ein solches Leben erfordert einem heiligen Glauben an irgend etwas Ewiges". Die Frau
wird in die Rolle eines gott-menschlichen Wesens, eines Heilandes hinaufgesteigert:
"Eine Gottheit? Wollen Sie diese Gottheit sein? So werden Sie Mensch,
und erlösen Sie mich".
In ihrer menschlichen Erscheinung betet er

177
Uma outra característica fundamental de

Brentano é o dualismo. Sua polaridade moral (ele passou a vida

se debatendo entre a libertinagem e a religiosidade), suas

leituras esotéricas e ocultistas, a influência do

romantismo, foram os responsáveis por esse dualismo.

"As antinomias fundamentais Bem, Belo –

mal, luz-trevas, Deus-diabo, pertencem,

desde cedo, à ideologia de Brentano. O bom, o

belo é u m elemento de luz, leve, contínuo,

inseparável, inacessível, na qual o homem vive,

tudo compreende e vê, e a l u z é Deus; o m a l , o

d e s t r u í d o e o es c u r o , o p e s a d o , o m a c i ç o e

o inerte, o qual se encontra eternamente abaixo

da terra, na escuridão, e lá tem sua vida. Nele

moram a dor, a opressão e toda a dor da Terra,

é o inferno e o diabo" (95).

(94) (cont.) Gott selbst an: "O gütiger Gott, du bist -


allgegenwärtig, du bist in mir und in ihr, wo du
so menschlich, so göttlich freundlich erscheinst"
Sein rufen su ihr nimmt sakrale Formen an, wird zum
blasphemischen Gottesdienst.
"Ich bin ein Christ geworden un d will nur einen Gott
dienen. Dich nur will ich lieben, beten,
d i c h t e n , D i c h nur a will ich verlanqen, urfangen,
erlangem ".
(Amelung-Briefwechsel zwischen C.B. und Sophie Mereau
vol. I, p. 150) J. ADAMS op. cit pp.30-31.

(95) "Die fundamentalen Antinomien Gut, - Schön - Böse,


Licht-Dunkel, Gott-Teufel gehören schon früh zu Brs. I-
deengut: Das Gute und Schöne ist das unendlich leichte,
unzertrennliche unerreichliche Licht element, in dem der
Mensch lebt und alles begreift uni sieht, und

178
No drama Die Gründung Prags, Brentano expõe a
sua concepção dualista do mundo e da divindade. Para ele, há

deuses bons e maus, brancos e negros e, em conseqüência, no

mundo também há valores claros ou divinos e escuros ou

diabólicos. Mas é nos Romanzen vom Rosenkranz que esse

dualismo aparece mais claramente e com nítidos traços do

cabalismo de Isaac Luria, como o demonstrou a tese de

Sieglinde Piringer (96).

Nos "Romanzen" há toda uma longa exposição fei-


ta pelo ocultista Apone (Pietro d'Abano, 1246-1320) da
cosmogonia segundo o sistema cabalista da escola de Safed.

(Aliás, há ai um anacronismo típico de C.B. Apone é do século


XIV, enquanto o sistema cabalista de Isaac Luria da escola
- de Safed é do século XVI)-Não só essa cosmogonia dos

"Romanzen" é cabalista, mas também toda a concepção do

homem, da vida e da moral apresentadas, o são.

"O s ign ifi cad o do tra bal ho, a sa lv ação pe las

forças celestes das forças demoníacas realiza

- também a fundamental estrutura dualista. Tudo

é,

(95) ( Cont.) das Lic ht ist Gott; das B öse, Zerstörbare


aber ist die Schwere und der plumpe träge Stofe, d e r ewig
zur Erde niederfindet und in der Dunkelheit sein Leben hat.
In ihm wohnt Schmers und Druck und alles - Leid der Erde, es
ist die Hölle und der Teufel" (an Gritha Hundhausen, 1802) (Lujo
Brentano, Cl. Brentano Liebesleben, p. 194, apud J. Adams, op.
cit., p. 38 , nota 59) .
(96) Cfr. Sieglinde Piringer "Die Romanzen vom. Rosenkranz
und ihr Beziehung sur Kabbala. Tese inédita
apresenta da na Universidade de GRAZ, em 1963.

179
de fato, colocado na simetria do "bom e do mau",

do piedoso e do impiedoso, ou melhor dizendo,do

santo e do ímpio. Essa estrutura e s t á na poesia

com nitidez exagerada. Deus e o diabo, céu e

inferno, Maria e Vênus, todas as formas se

movimentam entre os dois poderes". Entre o

princípio mau da sensualidade (a cujo serviço

e s t á a " f a l sa fi lo s o f i a" ) e o pr i nc í p i o b o m d a

e spir itu al i d ad e , d o s o br e na t ur a l, d a a sc e se

s a l va d or a , o combate se inflama e deve terminar

com a v i t ó ria do bem, com o perdão da culpa

herdada" (97).

Como vimos no capitulo I, a concepção

dualista) do Universo e da própria divindade era típica do

Romantismo, que a herdara dos escritos de Jacob Boehme, da

Cabala, dos chamados cabalistas cristãos alemães (Reuchlin,

Oetinger), da alquimia e do esoterismo iluminista.

Brentano não só bebeu

(97) "Der Sinn des We rkes, die Erlösung aus der Gewalt der
dämonischen d u r c h d i e h i m m l i s c h e n M ä c h t e , - b e w i r k t a u c h d i e
dualistische Grundstruktur. A l l e s - i s t i n d e t T a t a n g e l e t a u f
d i e S y m m e t r i e v o n " gut und b ö s e , f r o m m u n d u n f r o m m , o d e r
s a g e n w i r b e s s e r , h e i l i g u n d v e r r u c l i t . S i e zieht s i c h d u r c h d i e
g a n z e D i c h t u n g m it ü b e r t r i e b e n e r D e u t l i c h k e i t . G o t t u n d
T e u f e l , H i m - mel and H ö 1 1 e , M a r i a und V e n u s : a l l e
G e s t a l t e n ten bewegen sick zwischen den beiden "Mächten".
(E. Staiger a.a. 0.90). Zwischen dem bösen Prinzip der
Sinnlich - keit (die "falsche Dhilosophie" steht in ihrem
Dienst) und dem guten des Geistigen, des übersinnlichen - der
rettenden Askese, entb rennt der Kampf, der m i t dem Sieg des
Guten, der Lösung der Erbschuld, endensollte". (J. Adams op.
c i t . p p . 39-40).

180
de todas essas fontes como viveu numa época em que o romantismo

e as sociedades esotéricas tornavam o ar carregado com esses

conceitos dualistas. A tudo isso se acresciam os problemas

de sua consciência e de sua mentalidade, que o fizeram ir além do

que a maioria dos românticos, e essa visão dualista do

universo e da divindade.

"Em relação a certo dualismo próprio do

Romantismo, fundado na polaridade de toda a

vida, entre idealidade e realidade, espírito e

natureza, luz e gravidade, homem e mulher,

etc., o dualismo aqui mostrado de Brentano vai

além" (98).

Veremos que esse dualismo claramente

cabalístico e gnóstico vai aparecer de modo muito saliente

nas visões de Katharina Emmerick.

Em síntese, pois, devemos dizer que, embora

Brentano, por causa de seu temperamento não possuísse um

conjunto de idéias clara e coerentemente sistematizadas,

há nele evidentes linhas de mentalidade e de pensamento

gnóstico, tais como a repugnância pelo mundo real, a atração

e a repulsa pelo sexo, a sensação de ser estrangeiro ao mundo,

a fuga da realidade concreta através do sonho e do mito,

a mentalidade

(98)"Uber einen gewissen, der Romantik eigenen, in der Polarität alles L


Dualismus Brentano weit hinaus". (J. Adams, op. cit. p.38).

181
dualista, o desejo e a idéia de que ó possível ao homem alcançar

uma pureza divina, o desejo de retornar ao paraíso; perdido,

a revolta contra a culpa original e suas conseqüências no

homem, enfim reunindo tudo numa só expressão, "a revolta

metafísica" que é própria da Gnose.

5. As fontes das idéias esotéricas


e cabalistas de Brentano.

Clemens Brentano não gostava de esclarecer quais

eram as suas fontes. Propositalmente, ele costumava

embaralhar as citações e dados, para que não se conhecesse

a origem de um fato ou de uma idéia que ele expunha. Julgamos

- que isto provinha de seu gosto pelo segredo, de sua

inclinação a se mascarar, como também de sua preocupação de

evitar que se comprovassem os seus plágios. Porque Brentano

tinha o vicio de plagiar. Ele copiava ou parodiava textos,

procurando fazê-los passar como seus. E isto tanto em suas

obras profanas quanto religiosas. Erika Tunner, em sua

tese, cita vários de seus plágios, citações inexatas

propositais, infidelidades de suas traduções (99). Além

disso, muitas de suas idéias provinham de ambientes em que

o segredo era regra. É natural, pois, que haja dificuldade

em identificar - suas fontes originais.

(99) Cfr. E.T., op. cit., vol. I, p. 261-263-315-479, vol.


II, p. 132-653-929-946-1030-1082-1204).

182
Conclui-se, portanto, que Brentano não teve
uma formação intelectual ordenada e não era
por temperamento um homem sistemático, do que
resultou um grande embaralhamento - de suas
idéias. Para facilitar nosso estudo,
queremos distinguir alguns veios ou temas
principais do pensamento de Brentano:

a. o esoterismo e o misticismo;
b. o teosofismo;

c. a alquimia;

d. o

magnetismo; e.

a Cabala.

A - O ESOTERISMO E O MISTICISMO

DE BRENTANO

No capitulo sobre as origens do Romantismo


vimos que havia, na maçonaria européia uma
corrente racionalista e outra esotérica e
mística, a que se chamava então maçonaria dos
iluminados.

Aos 19 anos, leu Brentano o


livro Andreas Hartknopf de Karl Philip
Moritz, autor que fazia parte da corrente
esotérico-mística da maçonaria alemã (100).

Karl Philip Moritz, nascido


numa família pobre e de um pietismo
exacerbado, tentou trabalhar no teatro e
estudar em Erfurt. Quiz fazer-se admitir
numa comunidade dos

183
(100) E.TUNNER, op. cit. vol. I, pp. 31-32

184
irmãos morávios, mas falhou em tudo isso. Tornou-se depois professor e pregador religioso em

Berlim, desta vez com sucesso, ingressando inclusive na Academia de Belas Artes de

Berlim como professor. Paralelamente fundou o Magazine para a ciência experimental da alma,

pois era apaixonado por problemas psicológicos e escreveu dois romances: Anton Reises e

Andreas Hartknoff, obras em que expõe uma visão do homem com

elementos claramente gnósticos como, por exemplo, a idéia

de que o eu, representado pelo corpo, é uma prisão que impede

a dissolução do indivíduo no todo. Para ele, o sonho era

a grande realidade, enquanto que o mundo real não passava

de criação onírica do eu.


Moritz julgava a existência uma punição pela
queda original e disso deduzia que todo seu sofrimento era
causado por uma falta que ele não cometera, idéia que o
aproxima de Brentano. Como ele, também Moritz imaginava uma
futura época de felicidade que se realizaria em breve e
na qual o homem teria poderes extraordinários e como muitos
pietistas, ele se dirigia a Deus de igual para igual. No
Andreas - Hartknoff, ele expõe idéias tiradas de Boehme
que, no fundo, são cabalísticas. Por exemplo, a afirmação
de que "a luz nasce das trevas e que a beleza do dia nasce
das sombras da morte". Para ele, as primeiras impressões da
infância são as mais importantes. É preciso rememorá-las,
pois elas permitem religar-se a existências anteriores.
(101)

(101A r e s p e i t o de Karr Philip Moritz ver A.BÉGUIN, L'âme r o m a n t i q u e

185
Brentano se entusiasmou de tal modo pelas idéias
da maçonaria mística, expostas nesse livro, que pensou
fazer-se maçon. Erika Tunner considera provável que ele
tenha se tornado então membro d o s " C o n s t a n t i n i s t a s " , grupo
de carácter maçônico (102). A esse respeito, Albert Garreau
publica uma reprodução de um busto de Brentano jovem, feito
por F. Tieck em Iena em 1803, e que mostra a assinatura de
Brentano nesse tempo e comenta:

"Aucune preuve décisive ne peut donc être


donn é e (d a filiação d e B re n ta n o à maçonaria);
s i non, entre autres indices, la signature du
jeune Brentano, réproduite en général
au-dessous de la potographie de son buste et
toute héris s é e d e p o i n t s e n t r i a n g l e e t d e
s i g n e s c a b a listiques. Si la signature est
exactement cont e m p o r a i n n e d e l ' i m a g e q u ' e l l e
a c c o m p a g n e , il faut admettre que Brentano aura
fait partie dès Iena ou Halle de quelque loge
d'étudiants, genre de société littéraire et
patriotique qui é tait alors fort à la mode"
(103).

Quando esteve na Bohêmia, Brentano escreveu Die

Gründung Prags. Nessa época, estava encantado com as idéias/

esotéricas e teosóficas expostas pelo famoso Zacharias

Werner, em sua campanha de renovação da maçonaria. Talvez

tenha

(102)C f r . E . T U N N E R , o p . c i t . , v o l . p . 3 2
( 10 3) Cfr. A.GARREAU, Clement B r e n t a n o , Desclé

186
sido por essa influência que Brentano colocou na "Fundação

- de Praga", como personagem, um arquiteto maçon que diz

frases esotéricas: "O esquadro e o nível convém a todo

pedreiro (no francês maçon); mas um, olhando-os, pensa em

muitas coisas superiores e outro não pensa em nada". E

alguém então acrescenta: "É um homem raro, mas não se pode

compreendê-lo; ele só emprega termos de sua arte e quem não

é pedreiro (maçon), não o entende" (104).

Quando de sua estadia em Berlim, Brentano tinha

vários amigos que pertenciam à sociedades maçônicas

patrióticas, que lutavam pela ressurreição da Prússia

e pela exaltação da pátria alemã, mas nosso poeta, pouco

heróico certamente preferia as lojas de iluminados

martinistas, relativamente numerosas na Alemanha de então.

O apreço em que ele tinha Saint-Martin, cuja obra estudava,

e a grande influência que a maçonaria martinesista e

martinista tinha nessa época, quer na França, quer na

Alemanha, especialmente entre os românticos, conduzem

naturalmente a supor que tenha existido algum laço mais

concreto entre Brentano e as lojas dessa linha. Todavia,

após sua conversão ao catolicismo, Brentano fez críticas

severas às sociedades maçônicas, tanto em suas obras

religiosas como profanas, como por exemplo na Fanferlise.

Da biblioteca de Brentano, cuja relação foi

publicada por Bernhard Gajek, faziam parte obras de muitos

187
(104) Traduzimos do francês apu. A. GARREAU,

op. Cit., 155.

188
autores ligados à corrente esotêrico-mística. Lá se podem

encontrar os nomes de Paracelso, Athanasius Kircher,

Swedenborg, Boehme, Louis Claude de Saint-Martin, Jung

Stilling , Dom Pernetty, Filaleto, Salzman, Ringseis, Görres,

Stolberg, Sailer. São também numerosas as obras de

magnetismo, magia, quiromancia, feitiçaria, demonologia,

satanismo, espiritismo, obras que tratam de visões, aparições,

revelações, profecias, fisiognonomia, alquimia, astrologia,

medicina mística, livros sibilinos, apócrifos cristãos,

todos temas esses que interessavam aos iluminados.

Vimos que o iluminismo místico foi um dos veios


formadores do Romantismo, do qual Brentano foi um dos líderes.
Iluminados e românticos tendiam a defender um cristianismo
ecumênico, sem dogmas, em que o coração e o amor predominassem
sobre a inteligência e o credo, em que a mística - superasse
a fé. Falava-se numa igreja espiritual ou Igreja - do Amor.
Homens como Novalis, no Christenheit oder
Europa, pediam a união dos cristãos. Numerosos românticos
pietistas se tornaram católicos. Por outro lado,
verificava-se no seio da Igreja Católica uma grande abertura
para a união religiosa através da mística e do amor.
Admirava-se o pietismo.
Um dos chefes desse catolicismo de tendência -

mística e ecumênica foi o ex-jesuíta Sailer, um dos homens/

189
que teve influência na conversão de Brentano ao catolicismo

e em sua decisão de anotar as visões de Katharina Emmerick.

Johan Michael Sailer (1751-1832) era noviço da

Companhia de Jesus quando ela foi extinta por Clemente XIV - em 1773. Ele fora aluno do j esuíta

Stattler, cuja obra Demonstractio Catholica fora posta no Index por conter erros/ febronianos.

Sailer sempre se mostrou fiel a seu mestre, defendendo a obra condenada durante toda a sua vida. Ele

exerceu uma grande atividade, quer como professor nas universidades bávaras, quer como autor de

obras religiosas, quer ainda, no fim de sua vida, como Bispo de Ratisbona. Interessava-se pelo

misticismo em voga no seu tempo, tendo sido demitido da Universidade de Ingolstadt sob a acusação

de ser iluminado. De fato, ele sempre teve boas relações pessoais com os místicos iluminados quer

católicas, quer protestantes pietistas. Era, ainda, simpático aos Rosacruzes. Suas idéias eram tão

poucas definidas que algumas de suas obras eram aceitas por católicos e protestantes. Como os

iluminados esotéricos, ele trabalhava para afusão das várias confissões cristãs,deixando os

dogmas à sombra.
Um de seus discípulos foi o famoso Padre Martin Boos
(1762-1825), um dos lideres do movimento"Erweckten"
(Despertados) da Baviera, o qual defendia a mesma te se
de Lutero: a fé justifica o homem sem necessidade de boas
obras. Sailer defendeu seu antigo discípulo e acreditava
que tudo o que Boos fazia vinha de Deus, mas quando o

190
movimento "Erweckten" degenerou, Sailer se afastou um tanto/ dele,

expressando algumas reservas e em particular condenando o separatismo dos

"Erweckten" com relação a Roma (105).

Durante muito tempo Sailer não conseguiu ser nomeado Bispo


na Baviera apesar da proteção e intercessão do Rei Luis
I, porque S. Clemente Maria Hoffbauer se opunha a isso. Foi
só após a morte de S. Clemente que o Rei da Baviera conseguiu
que Roma nomeasse Sailer Bispo de Ratisbona. Para conhecer as
razões dessa resistência convém examinar um parecer enviado
por S. Clemente Hoffbauer às autoridades eclesiásticas, no
qual, a respeito de Sailer se pode ler o seguinte:
"Ele é um cristão, mas por quanto eu saiba, ele

não quer uma forma determinada de ser cristão(...) Eu j á o u v i d ize r d e

se u s d i scíp u lo s co i sa s q u e me fizeram ho rror. Entre o utras co isas

co ntar am-me que uma de suas partidárias, no principado de

Ottingen, ouvia confissões (...). Eu sei por

certo, que Sailer disse que a Igreja não tem o

monopólio do Espírito Santo, que age tanto

naqueles que estão na Santa Igreja, quanto

naqueles que estão fora dela, desde que eles

creiam em Cristo. (...) Está fora de qualquer

dúvida, q u e e l e e s t ã o d e d i c a d o a l é m d e t o d a

m e d i d a a o mi s ti c is m o .( . .. ) . Cr e io t a m bé m q ue

e l e s e ja da

(105) Cfr. A. FAIVRE, op. cit., pp. 166 a 177.

191
mesma opinião que a conhecida Senhora Krüdener (...). E l e e s t e v e l i g a d o a o f a m o s o
s u í ç o L a v a ter, o qual era de seita de Zwinglio, tanto que em
Zurique se costumava dizer: Sailer tornará - Lavater católico,
e os católicos diziam: Sailer convencido por Lavater adotará a
doutrina de - Zwinglio. Não há dúvida que ele fez causa comum
c o m o s s e p a r a t i s t a s d e W ü r t e m b e r g . E s s e s s ã o uma espécie de
luteranos que desejam um cristia nismo sem forma e sem culto
exterior. Por isto muitos deles emigraram para a América, por
terem sido perseguidos por seus pastores por seu cristianismo por
demais interior. Eles mesmos - batizavam seus filhos, e não
reconheciam nenhum ministro da religião.

As cartas dos discípulos de Sailer só falam de caridade e de

amor, mas esta caridade parece -me uma coisa tão fria, que depois

de ter lido algumas destas cartas tive repugnância por elas.

Por vezes eles falam da Igreja, mas eu n ão sei que Igreja eles

entendem.(...).

Seria um grande escândalo para a Áustria, se


Sailer fosse feito Bispo, sendo ele conhecido/ d e m a i s p o r s e u

d i s c í p u l o , o f a m o s o B o o s d a diocese de Linz. Este Boos foi

preso e final mente exilado. Helfferich sabe que Sailer impediu

192
o famoso Stark e outros de se
tornarem católicos. (...). Por isso eles
dizem que ele é ainda mais perigoso
que Lutero que abertamente proc urou
m udar a I grej a de Deu s, e nqua nto que
Sailer procura fazer isso secretamente.

Isto eu o escrevo em consciência.


Ele jamais me ofendeu, mas, ao contrário,
procurou sempre minha amizade". (106).

(106) "(Sailer) ist ein Christ, aber soviet ich weiss,


will
er von einer bestimmten Form des Christ
seins nichts - wissen (...) ... da ich von
seinen. Schülern schon somanches gehört
hatte, das mich schaudern machte.
Unter anderem hatten sie mir erzählt, im
Fúrstentum Öttingen nehme eine seiner
Anhängerinnen die Beichten - entgegen.
(...).

Ich weiss bestimmt; Sailer hat gesagt,


die Kirche habe kein Monopol auf den
Heiligen Geist, der ebenso in denen
wirke, die zur heiligen Kirche
gehören, wie in jenen, die draussen
sind, wenn sie nur an Christus –
glauben.

(...) Es ist ausser allem Zweifel, dass


er über die
Massen dem Mystizismus ergeben ist (...)
Ich glaube - auch, mit der bekannten Frau
Krüdener ist er eines Sinnes; (...) Er
war eng verbunden mit dem beruhmten Sch -

weizer Lavater, einem Zwinglianer,


sodass die Zuricher zu sagen pflegten:
"Sailer wirdaus Lavater einen Katholiken
machen", und die Katholiken sagen: "Sailer
wird, von Lavater gewonen, die Lehre Zwinglis
annhemen" Ausser Zweifel ist es, dass er mit
den Württemberger Separatisten gememinsame
Sache gemacht hat. Sie sind eine Art
Lutheraner, die ein Christentum ohne (foste)
Form und ohne ausseren Kult anstreben. Deshalb
sind auch viele von ihnen nach Amerika
ausgewandert, da sie wegen ihres allzu
innerlichen Christentums von ihren Pastoren
verfolgt / wurden. Sie tauften ihre Kinder
selbst und wollten - von eigentlichen
Religionesdienern nichts wissen.

Die B r i e f e d e r S a i l e r s c h ü l e r enthalten nichts anderes/

193
Sailer estava de fato relacionado com inúmeros membros

das seitas secretas esotéricas e místicas. Mantinhas correspondência,

entre outros, com Lavater, com Jung Stilling e com o cabalista

Eckartshausen (107).

(106) (cont.) ais Liebe und wieder Liebe; aber diese Liebe
k a m m i r s o k a l t vor, d a s s s i e m i c h a n e k e l t
nachdem - ich ein paar solcher Briefe gelesen
halte.

Zuweilen reden sie von der Kirche, aber ich


w e i s s ni c h t , w a s f ü r e i n e K i r c h e s i e m e i n e n .
(...)

Fur Österreich wäre es ein grosses


"Argernis, falls Sailer Bischof würde;
denn durch seinen Jünger, den Pfarrer
B o o s i n d e r D i ö z e s e , L i n z , i s t e r g a r zu
b e k a n nt. D i e s e r B o o s w u r e i n g e d e k e r k e r t
den endlich des Landes verwiesen.
H e l f f e r i c h w e i s s , d a s s S a i l e r den
B e l r ü h m t e n S t a r k und a n d e r e n d a v o n a b g e h a l t e n
h a t , K a t h o l i k e n , zu we r d e n .

( . . . ) d e n n s i e s a g e n , e r s e i n o c h g e f ä h r l i c h e r a ls
Luther, der offen erklärte, er wolle die Kirche
G o t tes u m g e s t a l t e n , während Sailer das im
Geheimen zu erreichen suche.

Dies schreibe ich nach meinen Gewissen.


E r h a t mit n i e b e l e i d i g t , i m g e g e n t e i l , e r
h a t s t e t s m e i n e F r e u n d schaft gesucht".
C. H. (P. Hoffbauer).
(Cfr. Charles H E N Z E " Z u r R e c h t f e r t i g u n g des S a i l e r -
-Gutachtens des Hl. K l e m e n s M. H o f f b a u e r " . I n
Spicilegium Historicum Congregationis SSmi
Redemptoris - Anno VIII - 1960 - Collegium S. Alfonsi
de Urbe pp. 71-74).

(107) C f r . A . F A I V R E , op. Cit., p p . 9 0 , 9 1 , 9 9 e 1 1 1 .

194
A partir de 1815 Sailer e Brentano mantiveram - laços de

amizade bastante profundos. Brentano escreveu a Sailer, nesses anos, uma

longa carta a respeito de seus problemas pessoais e religiosos, em que

falava também de suas leituras sobre magia e teosofia. Em sua resposta

Sailer escreveu, entre outras coisas:

"Suas reflexões teosóficas a respeito de Jacob

Boehme e Saint Martin são belas, são cristãs;

podem-se interpretar, pelo menos, conforme as

idéias do cristianismo apostólico" (108).

B - BRENTANO E A TEOSOFIA

Desde muito cedo, Brentano conhecera as obras - de J.

Boehme, o qual já em Iena, em 1798, era um de seus autores preferidos. Nesse

tempo ele era entusiasta de Novalis e Schlegel que - como vimos - sonhavam

fundar uma nova "religion universelle comprenant et achevant toutes les

autres" - (109). O pensamento de Boehme, como já foi visto, influíra -

poderosamente nos românticos, principalmente em Tieck, Schelling, Novalis

e Hegel. Luise Hensel, por quem Brentano se

(108) "Deine tehosophischen Betrachtungen nach J.B.


(Jakob
Böhme) und S.M. (Saint Martin) sind schön, sind
christZich, lassen sich wenigstens nach der Idee des
apos tolischen Chris tenthums dolmet schen".
DIEL KREITEN-Clemens Brentano - ein Lebensbild" 2 vol.
Herder - Freiburg in Brisgau 1878 2 vol. p.37.
(109) A. G A R R E A U , op. c i t . p. 153.

195
apaixonou, lera Boehme e Swedenborg, mas os considerava orgulhosos (110).
Não é de estranhar que no Godwi apareçam traços do pensamento de Boehme.

Além de Boehme, Brentano recebeu grande influén cia da

teosofia martinista. Louis Claude de Saint Martin, o chamado "filósofo

desconhecido", foi membro da sociedade secreta fundada pelo famoso

Martines de Pasqually. Iniciado na "Ordem dos Eleitos Cohens" em 1768,

ele se tornou depois secretário de Pasqualy e foi o verdadeiro organizador

da seita martinesista. Mais tarde, retirou-se dos "Eleitos Cohens", e

segundo crê Van Rijnberg, formou uma ordem secreta própria. O certo é
que Saint Martin, por suas obras e pelas traduções que fez de Boehme, teve

uma grande influência nas sociedades esotéricas francesas e alemãs,

particularmente entre os chamados tradicionalistas, dos quais o mais

famoso foi Joseph de Maistre (111).

Por volta de 1816, no tempo em que Brentano se interessou pelos

"Erweckten", ele leu Swedenborg e o achou - "verdadeiramente maravilhoso".

(112).

Outro autor com quem Brentano teve contato, embora não


tivesse relação profunda com ele, foi Franz Von Baader, cujo sistema
filosófico estava impregnado das teorias

(110) Cfr. A. GARREAU, op. cit., p. 185

(111) Cfr. E. DERMENGUEM, Joseph de Maistre mystique e G. Van RIJNBERG – Un thaumaturge au


XVIII – Martines de Pasqually sa vie, son oeuvre, son ordre, Editions d’Aujourd’hui 1980.

(112) C.B., Gesammelte Schriften, carta a Ringseis, fevereiro de 1816, vol. III, p. 186.

196
de Boehme, de Paracelso e da Cabala. Foi ele um dos que
transmitiu o cabalismo cristão de Oetinger aos românticos. - Brentano se

afastou dele por ciúmes. Baader foi professor de Emilie Linder, e o poeta

temia que sua amada se entusiasmasse demais pelo teósofo cabalista.

C - ALQUIMIA E MAGIA

Quando se estudam as origens do Romantismo fica-se

impressionado com a importância que teve a alquimia entre os pietistas

e autores românticos. O que é bastante compreensível, se se considera

quanto à alquimia influiu na obra de Boehme, raiz do pietismo e do

Romantismo. Caso típico dessa influência da Alquimia no pró-romantismo

se tem em Goethe, que foi iniciado no pensamento alquímico pela pietista

Suzana Von Klettenberg. Em toda obra do autor de Fausto - se nota um largo

emprego de conceitos e símbolos alquímicos, como o demonstrou Ronald D. Gray

(113), mas também em Fichte, Schelling, Hegel, assim como nos literatos tais

como Novalis, Tieck, Schlegel é fácil encontrar idéias de origem alquímica.

O mesmo se observa em Clemens Brentano, mente em suas obras


religiosas relacionadas com as visões da freira de Dülmen,
onde se acham vários símbolos e idéias/ da Alquimia. Aliás,
na biblioteca de Brentano eram numerosos os livros de
alquimia e de magia. Um deles era o Dictionnaire
Mytho-hermétique do famoso alquimista Dom Pernéty - che
(113) Cfr. Ronald D.GRAY, Goethethe alchemist, Cambridge
University Press, Londres, 1952.

197
fe dos chamados "Iluminados de Avignon", ex-beneditino, da
Congregação de S. Mauro que traduziu Swedenborg para o francês e fundou

uma academia alquímica denominada "Rito Hermético".

D - MAGNETISMO

Um quarto tema pelo qual Brentano manifestou vivo

interesse e que muito influenciou suas relações com Katharina Emmerick,

foi o magnetismo a respeito do qual constavam as seguintes obras na

biblioteca de Brentano:

nº 3074 - "Archiv für den thierisch Maqnetismus, von Eschenmayer, Kiefer

und Rasse, em 3 vol. (1817);

nº 3139 - Joseph Ennemoser, Der Magnetismus in Berhältnis zur Natur

und Religion (1842);

nº 3244 - Lillbopp - "Uber die Wunder des Christenthums - und der

Berhältniss zur tierisch Magnetismus - mit Beruchsicht


der neue Wunderheit nach Rom. Catholischen Prinzipien
(Mainz 1822);

nº 3359 - Darstell - "Der theorie des Electricitat und

des Maqnetismus (1801) (114).

Evidentemente, Brentano podia ter conhecido, e

certamente conheceu outras obras a respeito desse tema.

(114)Apud B. Gayek "Clemens und Christian Brentano Biblioteken", Carl Winter Universi

198
Sob o nome de magnetismo designavam-se então as

experiéncias mediúnicas, os fenômenos telepáticos e hipnóti-

cos e em geral, tudo o que hoje se enquadra na parapsicologia.

Nas sessões de magnetismo procurava-se obter das pessoas em

transe, revelações sobre o além, profecia, diagnósticos de

doenças e remédios necessários para curá-las. O magnetismo

entrou em grande voga no final no século XVIII, graças a Franz

Anton Mesmer cujo nome se identificou com o dessas operações

para-normais.

Recuando no tempo, os fenômenos "magnéticos"

começaram a ser estudados por Paracelso, que foi, ao que

consta, o primeiro a empregar o magnetismo como método

terapéutico. Em sua esteira, nesse campo, caminharam os

Rosacruzes (115). Um pouco posterior Rudolf Goclenius,

professor de Fisica e de Medicina em Marburgo, e que era também

cabalista, astrólogo e quiromante, escreveu, em 1609, uma

obra sobre o tratamento magnético dos ferimentos. Um pouco

mais tarde, o famoso cabalista jesuíta Padre Athanasius

Kircher publicou em 1643, a obra Magnes sive de arte magnetica

opus tripartitus, livro que Mesmer conheceu quando estudava

no colégio jesuíta de Dillingen. O terceiro livro dessa obra

se intitula "Artis magneticae Mundus sive Catena magnetica"

e apresenta o magnetismo como uma força elementar da

natureza. Nesse livro

(115) Cfr. E. BENZ, Franz Anton Mesmer und die philosophischen


Grundlagen des "animalischen Magnetismus". Akademie der Wissenschaften
und der Litteratur - Mainz- In Komission Bei Franz Steiner Verlag GMBH
– Wiesbanden, 1977 p. 12.

199
se trata do magnetismo dos planetas e das estrelas; da
faculdade magnética dos elementos; da arte ou força magnéti-
ca; do magnetismo da Terra, do Sol e da Lua; do magnetismo -
animal; do magnetismo enquanto medicamento; do magnetismo
e a música; do magnetismo do amor, e de Deus como grande
Magneto Universal.

No século XVIII, por sua vez, o professor de filosofia

no convento premonstratense de Buck, Procop Divisch, e o pietista Oetinger

estudaram magnetismo e eletricidade. 0etinger, que como vimos foi um grande

cabalista cristão, desenvolveu uma teologia elétrica completa, enquanto

Divisch - escreveu uma obra relacionando o magnetismo com as teorias -


de Swedenborg: "Swedenborgs und anderer irrdische un himmliche

Philosophie (116).

O grande difusor do magnetismo, porém, foi Mesmer. Franz

Anton Mesmer (1734-1815) era filho de um guarda - florestal do Bispado de

Constança, estudou medicina e teologia em Ingolstadt e Viena.

Interessou-se pela obra de Para - celso, dizendo que os astros

influenciavam os homens através da emanação de um fluido subtil e

acreditava que possuia em suas mãos uma força magnética que invadia todo

o universo. A essa força, através da qual fazia curas de doenças nervosas,

ele chamava de "magnetismo animal" expressão que se tornou clássica.

(116) Cfr. E.BENZ,Franz Anton Mesmer und die


philosophischen Grundlaqen des "animalischen magnetismus",
pp. 9 a 21.

200
Acusado de praticar magia, Mesmer teve que deixar a

Áustria, estabelecendo-se em Paris onde alcançou grande êxito. Uma


comissão de médicos e físicos encarregada de estudar suas atividades se

pronunciou com um parecer pouco - simpático a ele. Mesmer então

retirou-se para Versalhes e depois para a Suíça, onde morreu em sua

aldeia natal de Itznang, em 1815.

Sobre a influência de Mesmer no Romantismo escreveu

Ernst Benz:

"Aqui, em Meersburg, ele conheceu, nos últimos

- meses de sua vida, a experiência feliz de

que não somente suas idéias sobre medicina, mas

sobretudo a concepção fundamental, cosmológica

e filosófica-ideológica de seus pensamentos,

tiveram o reconhecimento de uma ressurreição

correta, na medicina, na filosofia natural e na

filo Sofia religiosa do romantismo e do

idealismo alemães.

Todas as idéias aqui expostas e que estão em


consonância com a ciência da magia, que é

idêntica ao conhecimento original de Ad ão, da

continuação dessa magia na Antiguidade, de sua

extinção gradual, da sua presença ainda que só

esporádica na atualidade, do seu retorno nos

tempos' vindouros do aperfeiçoamento geral da

terra, se

201
encontram de volta nos filósofos da natureza,

no romantismo, com Saint Martin na França, que

estava influenciado tanto pela tradição

teosófica de Jacob Boehme, como pelas idéias

mesmerianas; na Alemanha com Passavant,

Friedrich von Mayer, Hufeland, Ennemoser e

Justinus Kerner, com Schelling, Franz con

Baader, e, não em último lugar com Leopold

Ziegler, para citar outro filósofo do Bodensee

de nosso tempo" (117).

Algum tempo antes da Revolução Francesa, o magnetismo

entrou em moda, graças especialmente às experiências de Mesmer. Por

magnetismo entendia-se então a hipnotização e ainda certas manifestações

psicológicas ou nervosas nas quais as pessoas faziam revelações de visões

que tinham em estado,

(117)Alle hier blizartig anklingenden Ideen von der Wissenschaft der Magie, die mi
in der Gegenwart, von ihrer Wiederkher in den kommenden Zeiten der allge
meinen Verbesserung der Erde finden sich bei den Na turphilosophen, der
Romantik wieder - bei Saint Martin in Frankreich, der sowohl von der
theosophischen - Tradition Jacob Boehmes wie von den mesmerischen Ideen
berührt war, in Deutschland bei Passavant, Friedrich von Mayer,
Hufeland, Ennemoser und Justinus Kerner bei Schelling, Franz
von Baader und nicht zuletzt bei Leopold Ziegler um einen anderen
grossen Philosophen des Bodensees aus unserer Zeit zu nennen".

E. BENZ, Franz Anton Mesmer, pp. 20-21.

202
de transe. Apôs a queda de Napoleão, houve na Europa uma
grande difusão de misticismo esotérico. É bem conhecida a

influência que Mme. Krudener teve sobre o Csar Alexander. -


E, com o misticismo, o magnetismo tomou novo impulso.

Na Alemanha, os grandes líderes do magnetismo -

foram Hufeland, Wolhart e Windischmann. Hufeland, o criador


da Macrobiotika e que era médico em Berlim, aderiu ao
magnetismo em 1808, em 1815 e 1816, Wolfhart, Kluge e Koref
ficaram famosos pelas curas que obtiveram aplicando os novos
métodos de magnetismo. O primeiro citado, Wolfhart, era bem
conhecido de Brentano, pois freqüêntavam juntos a
Tischgesellschaft em Berlim (118). Todavia, foi Karl Joseph
Windischmann o maior propugnador do magnetismo na Alemanha.
Brentano o conheceu em Aschaffenburg. Windischmann expôs
suas teses à respeito do magnetismo em dois trabalhos: Versuch
über den Gang der Bildung in der heilenden Kunst (1809) e über
Etwas, war des Heilkunst Noth thut, obra esta muito elogiada
por Brentano. Bem mais tarde, em 1822 no tempo em que
secretariava Katharina Emmerick - Brentano foi a Bonn
conferenciar com Windischmann a respeito dos fenômenos que
ocorriam com a freira. Windischmann era um médico católico e
procurou conciliar as teses do magnetismo com sua fé. Conforme
ele afirma no über Etwas, a "verdadeira causa das doenças é
sempre e essencialmente imaterial" (119) e, desde 1809,
Windischmann
(118) A. G A R R E A U , op. cit., p. 139.
(119) Cfr. R. GUIGNARD, op.cit., p. 470.

203
distingüia o magnetismo animal de outro que ele gostaria de

classificar como de origem divina. Ambos os magnetismos

teriam idênticas manifestações. Sua diferença seria formal:

a intenção e o estado de espirito com que agia o magnetizador

é que tornariam o fenômeno magnético divino e legítimo ou

animal e ilegítimo, sendo que neste último atuariam forças

diabólicas. No divino, em compensação, o próprio Deus agiria,

porque nele se recorria à oração. Brentano - nós o veremos-

fará a mesma distinção, quer para explicar e justificar

o que acontecia com Katharina Emmerick, quer para explicar

as curas feitas por Cristo.

A esse respeito, Windischmann considerava que

Cristo curava as almas e os corpos por meio de um poder que

era "uma verdadeira magia" e que ele transmitira aos

Apóstolos. Ele acreditava então que os carismas dos primeiros

cris tãos haviam sido também fenômenos de magnetismo

(divino, é claro) e defendia então a tese de que os cristãos

deviam reavivar esses poderes através de uma fé maior nos

sacramentos e nos sacramentais, ou em cerimônias que haviam

caído em desuso, como a da imposição das mãos ou o exorcismo.

Para ele, o sacerdote devia ter também as funções de

terapêuta.

No mesmo sentido, influiu na posição de Brenta-

no a obra de Joseph Ennemoser, misto de cientísta místico

e de charlatão, que escreveu uma História da Magia, tentando

fazer a síntese da medicina com a teologia mística e a ciência

204
da natureza (120), idéias que Brentano adotou e expôs nos
livros em que narrou as visões de Katharina Emmerick. Para

ele, o próprio Cristo aplicava essa técnica de cura e a ensinou aos


Apóstolos. Nessas visões, ele faz a vidente afirmar que Cristo curava

de modo humano, sem quebrar as leis da natureza. Portanto, que Cristo

não realizava propriamente milagres, e que, por isso, suas curas não eram

imediatas (121), o que contraria o Evangelho (122).

Por sua vez, o irmão de Brentano, Christian, era médico

e se tornou fervoroso adepto do magnetismo que utilizava como método

terapêutico. Antes mesmo do que Clemens, ele esteve em Dülmen, e, como

veremos, realizou experiências magnéticas em Katharina Emmerick, que aliás

já fora submetida a elas por seu médico, Dr. Wesener, e por seu confessor,

o Padre Limberg. Clemens Brentano, instalado em Dülmen, fará o mesmo.

No próximo capítulo veremos o que a freira dizia sobre o magnetismo.

E - CLEMENS BRENTANO E A CABALA

"At last, but not at least", é necessário tratar do interesse de Brentano


pela Cabala. Esse é um tema

(120) Cfr. A.BÉGUIN, o p . c it . , p.66


(121) Cfr. A.K.E., Visiones y revelaciones completas, ed.
Guadalupe, Buenos Aires, 1952, vol. III, pp. 34, 195
247-248, etc.
(122) Por ex., Mat. VIII, 3. VIII, 13; VIII, 15; IV, 7,
etc.

205
intimamente ligado ao esoterismo, à magia e ao misticismo,

temas que tanto espaço ocuparam na mente do poeta.

Como já vimos no capítulo anterior, a Cabala é a Gnose

judaica, historicamente ligada à mística da Merkabah

(123) desenvolvida nos primeiros séculos de era cristã. Ora,

segundo Scholem, a doutrina dos místicos da Merkabah era

gnóstica:
"What these texts presents is Gnosticism - and their
essentially gnostic character cannot in my

opinion be disputed - it is a truly rabbinic

Gno sis (...)" (124). E ainda:

"L'historien de la religion est en droit de considérer la


mystique de la Merkabah comme un des rameaux de la Gnose" (125).

Os livros mais antigos sobre a Cabala remontam aos

séculos XII e XIII. No Languedoc, no final do século XII, apareceu o

Sefer-ha-Bahir, o Livro do Brilho, que Scholem - considera ter grandes

semelhanças com as teorias gnósticas:

(123) Mística baseada na visão do carro de Deus (Merkabah)


Como é descrito em Ezequiel, I.
(124) G.G.SCHOLEM, Jewish Gnosticism, Merkabah
mysticism
and talmudic tradition, The Jewish theological Seminary of
America, New York, 5725-1965, p. 10.
(125) G.G.SCHOLEM, Les origines de la Kabballe, Aubier-
Montaigne, Paris, 1965, p. 10.

206
"there is a striking affinity between the

symbolism of Sefer ha -Bahir, on the one hand,

and the speculations of the Gnostics and their

theory of the "aeons", on the other (...) one

must presume that if there is an historical link

between the symbolism of Sefer -ha-Bahir and

gnosticism, then this link was established

through - additional sources which are not

known today" ( 1 2 6 ) .

Embora as ligações históricas entre Gnose e Cabala sejam desconhecidas,


Scholem faz questão de dizer:

"Seja suficiente dizer que estou convencido da

existência de fios de ligação, por mais tênues

que sejam, entre a tradição gnóstica e as

tradi ções cabalistas mais antigas" (127).

Para esse autor, portanto, a linguagem, a exegese, o

método, o conceito de divindade, a interpretação mística do Bahir são

gnósticos (128).

(126) G.G.SCHOLEM, Kabbalah, Keter Publishing H o u s e Jerusalem


Jerusalem, 1974, p.315.

(127) G.G.SCHOLEM, A Cabala e seu s i m b o l i s m o , Perspectiva,


São Paulo, 1978, pp. 117-118.
(128) Cfr. G.G.SCHOLEM, Les origines de la Kabbale, pp. 106
68, 71, 77, 79, 96, 108.

207
O Sefer-ha-Zohar, obra fundamental da Cabala,

(Livro do Resplendor), apareceu na Espanha no século XIII.


É
um pseudo-epigráfico pois se apresenta como obra de Rabi

Simeon ben Yochai, quando seu real autor principal foi o Rabi

Moisés Shemtov de León (1240-1305), que era ligado à escola,

cabalista de Gerona, ao circulo de Moisés de Burgos e Todros

Abulafia e finalmente, a Joseph Gikatilla (129). O Zohar é uma

coleção de vários livros comentando a Sagrada Escritura. Seus

ensinamentos exegéticos são postos na boca de Rabi Simeou

ben Yochai e de seus companheiros, que viveram no século II

da nossa era, na Palestina. Segundo Scholem, ele foi -

composto, na verdade, entre 1268 e 1300 (130) e seus

comentários manifestam uma doutrina gnóstica sobre a

divindade, o mundo e o homem.


Para o Zohar, da divindade oculta, o Ein Soph, que seria
pura treva e puro nada, foram emanadas dez forças ou espíritos, os
Sephiroth. Desses, por sua vez, devido à queda da própria divindade, teria
se formado o mundo. O mal, então, teria sua raiz na própria essência divina.
O homem teria três almas, das quais a mais alta seria uma partícula da
divindade. O primeiro homem caíra, acarretando assim, males para toda a
humanidade, mas, por meio de transmigrações sucessivas, a humanidade
progrediria de novo até a divinização.

(129) Cfr. G.G.SCHOLEM, K a b b a l a h , p. 432.


(130) I d e m , i b i d e m , p . 2 3 2 .

208
"Se me pedissem para caracterizar numa palavra os traços

essenciais desse mundo de pensamento c a b a l í s t i c o (...) eu d i r i a

q u e o Z ö h a r r e p r e senta a teosofia judaica, isto é, uma forma

- judaica de teosofia (...).

Teosofia significa uma doutrina mística, ou

e scol a de pen same nto, que pre tend e pe rceb er e descrever os

misteriosos modos de atuar da Div in d a de , t a lv e z acr e d it a nd o

t a m bé m na p o ss i bi lidade de absorver-se em sua contemplação.

A Teosofia postula uma espécie de emanação divi na pela qual

Deus, abandonando seu repouso auto - suficiente, desperta para

a vida misteriosa; al é m d is s o s u st e n ta qu e o s mi st é r io s d a

c r i ação refletem a pulsação desta vida divina. Teósofos nesse

sentido foram Jacob Boehme e William Blake, para mencionar dois

famosos místicos cristãos” (131).

209
Nessa obra Scholem mostra que a Cabala está

ligada historicamente á Gnose, e que, como a Gnose, ela afirma

que o mal provém do próprio Deus, e que a alma é divina (132).

A Cabala teve um renascimento no século XVI,


após a expulsão dos judeus da Espanha, graças ao pensamento de Isaac Luria

de Safed (1534-1572) chamado Ha-Ari, isto é, o Leão. Ele escreveu apenas

uma obra, comentando o Sifra-di-Zeniuta, que é uma parte do Zohar. Os

ensinamentos de Luria foram perpetuados através das obras de seus

discípulos, especialmente Haim Vital.

A Cabala luriânica tem um conteúdo messiânico -

muito mais pronunciado que o Zohar e foi dela que nasceu o

movimento messiânico cabalístico de Sabbatai Tzvi ou Sevi


(133), bem como é a ela que são devidas várias novas idéias como a do Tzintzum

ou contração da divindade para poder criar o universo; a da "ruptura dos

vasos" para explicar a queda da divindade; a teoria dos "Klippot", cascas

ou resíduos de mal na criação, a necessidade de buscar os restos da luz

divina até em Samael (Satã) e a necessidade de assumir o mal

(131) G.G.SCHOLEM, A m í s t i c a j u d a i c a - A s g r a n d e s
c o r r e n t e s d a m í s t i c a j u d a i c a , pp. 207-208.

(132) Cf r . S C H O L E M , i d e m , p p . 2 3 7 , 2 4 0 , 2 4 1 .
(133) Cfr. G. G. SCHOLEM, S a b b a t ai Se v i , t he m y s t i c al M e s si a h ,
Princeton
ton University Press, 1973.

210
para libertar as partículas divinas aprisionadas pelas "K1ippot".

A Cabala luriânica influiu em boa medida em Jacob Boehme


e, por meio dele, em todo o esoterismo e cabalismo cristão, posterior
ao século XVI.

6. 0 CABALISMO CRISTÃO

Não está no âmbito desta tese fazer mais do


que uma breve apresentação do cabalismo cristão (134). A Cabala se tornou
mais conhecida no Ocidente a partir do Renascimento, graças especialmente
aos trabalhos de Pico de Mirandola, na Itália, e de Reuchlin, na Alemanha.
Na esteira de judeus convertidos ao cristianismo, eles procuraram provar
a veracidade da fé cristã com o auxilio das doutrinas e dos métodos
cabalísticos.

"Les kabbalistes chrétiens entendent user les

mêmes thodes que les kabbalistes —

juifs mais leur intérpretation des textes

kabbalistiques est entièrement différente.

L'idée centrale en est que le judaisme

ésotérique' contient tous les mystères du

christianisme; qu'

(134) Sobre o cabalismo cristão as obras mais importantes


são: J. LEON BLAU, T h e C h r i s t i a n i n t e r p r e t a t i o n o f
t h e C a b a l a i n t h e Renaissance, Kennicat Press,
N e w Y o r k , 1944, P a r i s , 1964.
F . S EC RE T , Les k a b b a l i s t e s c hrét i ens d e l a Ren ai ss anc e, D un od,

211
it les révèle et en fournit même l' explication"

(135).

É o que ensina também Blau:

"The primary intention of the Christian

interpretation of cabala, as first shown in the

earliest of Christian interpreters, was to seek

- for new means of confirming the truths of the

Christian religion" ( 136).

A filosofia renascentista tendia a um sincretismo

universal. Os membros da Academia Platônica de Florença, com Marsílio

Ficino e Pico de Mirandola à frente, procuraram inicialmente conciliar

platonismo e cristianismo. Depois esta tendência conciliadora se alargou,

buscando Pico uma harmonia geral de todas as religiões e sistemas

filosóficos. A Cabala forneceria então a base para esta conciliação geral,

como diz Blau:

"Evidence of Pico's dominant interest, the

reconciliation of old philosophi es, are not

lacking in the nine hundred theses. He realized,

(cont). Paris, 1964.


(134) V á r i o s autores, Kabbalistes
chrétiens, in Cahiers de L'Hérmétisme, Albin Michel,
Paris, 1979.
(135) J.FABRY, La kabbale chrétienne au XVIème siècle,
In Cahiers de l'Hermétisme, Kabbalistes chrétiens, p. 51.

(136) J.LEON BLAU, op. cit., p. 20

212
for example, that the apparent differences were i n m a n y c a s e s m e r e l y

t e r m i n o l o g i c a l : m a n y o f his conclusions are therefore equations o f

na mes in o ne system to names in another, perhap s better known

systems. Thus, the sephiroth are identified with

the planetary system in one t heor em, and in a

l ater the orem are equa ted wi th a psychological

scheme" (137).

Na Alemanha, o introdutor da Cabala cristã foi Johann

Reuchlin (1455-1522) autor de dois diálogos de fundo cabalístico: "De vero

mirifico verbo, libri III", Basileia, 1494 e o "De arte cabalistica, libri

III", ambos tentando - mostrar que a Cabala foi uma revelação original que

o cristianismo tornou explícita. Mais tarde, Heinrich Cornelius - Agrippa

von Nettesheim (1486-1535) estudou as obras cabalísticas de Reuchline como

o abade Johannes Trithemius (1462 - 1516), ligou a Cabala à alquimia e à magia.

Na segunda versão de sua obra De occulta philosophia, Agrippa expõe sua

concepção de Cabala, relacionando-a com o pitagorismo e as idéias de

Raimundo Lullo e, no geral, sua interpretação - cabalística é mais mágica

do que cristã.

O elo seguinte da Cabala cristã na Alemanha é Jacob Boehme

(1575-1624) cuja teosofia apresenta tão grandes semelhanças com a Cabala

que já se disse que ele dela -

(137) BLAU – op. cit., p. 22.

213
falou mais abertamente do que o Zohar (138). Deve-se confiar em Scholem

quando afirma que:

"é impossível negligenciar o fato de que essa

doutrina (da Cabala, sobre a origem do mal),

cuja fascinante profundidade é inegável,

encontrou notável paralelo nas idéias do grande

teosófo - Jacob Boehme (1575-1624), o sapateiro

de Goerlitz, cujas idéias exerceram uma

influência tão grande em muitos místicos

cristãos do século - XVII e XVIII em especial

na Alemanha, Holanda e Inglaterra...

"A doutrina de Boehme sobre a origem do mal, que

c riou tant a agi taç ão, n a ver dade ost enta todo s

o s t r a ç o s d o p e n s a m e n t o c a b a l í s t i c o . Boehme

mais do que qualquer outro místico cristão,

mostra a mais estreita afinidade com o

cabalismo precisamente lá onde ele é mais

original. Ele - tornou, por assim dizer, a

descobrir o mundo - dos Sefirot. É possível, é

claro, que Boehme tenha deliberadamente

assimilado elementos do pen samento

cabalístico, depois que tomou, no perío do

subseqüente à sua iluminação, conhecimento -

deles através de amigos que, ao contrário de le,

eram simplesmente eruditos. De qualquer modo,

(138) G.G. SCHOLEM – A Mística judaica, p. 239.

214
a conexão entre suas idéias e as da Cabala

teosófica era bem evidente para seus

seguidores, desde Avraham von Franckenberg

(m.1652)a Franz Von Baader (m.1841) e ficou a

cargo da literatura moderna a tarefa de

obscurecê-las" (139).

Depois de Jacob Boehme, o nome que aparece, em

seguida, na história da Cabala cristã na Alemanha é o do Barão

Christian Knorr von Rosenroth (1636-1689), que conheceu a

Cabala na Holanda, através do Rabino Meir Stern e depois

manteve contacto com os cabalistas cristãos Henry More

(1614-1687) e Francisco Mercurius Van Helmont (1618-1699).

Sua grande obra cabalista é a Cabbala Denudata, comentário

latino do texto do Zohar. Na primeira parte da obra, o autor

procura demonstrar, seguindo a tradição do cabalismo cristão,

que a Cabala é uma doutrina que permite conciliar não apenas

cristinianismo e judaísmo, como também as diversas seitas

cristãs - entre si. A seu ver as divisões religiosas entre os

cristãos são causadas pela adoção de princípios filosóficos

diversos e ele considerava então que, adotando-se a filosofia

mais antiga, poder-se-ia superar todas as cisões religiosas.

Na segunda parte de seu livro, Rosenroth apresenta um resumo

sistemático das doutrinas do Zohar, além de fornecer a

tradução de várias de suas partes, como o Sifra Zeniuta, o

Idra Rabba e o Idra Sutra e comentários de Isaac Luria e de

Rabi Naftali - Hirtz.

(139 G. G. SCHOLEM, A mística judaica, p. 239.

215
A terceira parte da Cabbala Denudata intitula-se

"Pneumatica Cabbalística" e trata dos espíritos, dos anjos e


demônios, da alma e da metempsicose. Nessa mesma terceira
parte há ainda vários tratados cabalísticos da escola da S af ed
e um diálogo de autoria de F.M. Van Helmont expondo a Cabala
cristã.

A Cabbala Denutada teve muita influência entre

- os pietistas e Rosacruzes, por ter sido muito apreciada

pelos fundadores do pietismo, Spener e Francke (140). O

pietista Oetinger, em sua obra Gedanken zur Verteidigung J.

Boehmes ("Idéias para a defesa de Jacob Boehme"), faz a

apologia tanto de Boehme quanto de Luria, estabelecendo uma

relação direta entre os dois.

"Les phrases consacrées à Luria ont une certaine

importance historique, dans la mesure oú elles -

tendent à créer un lien, pour la prémière fois

- entre le pietisme allemand et le hassidisme juif,

deux mouvements historiquement déconnectés mais,

spirituellement très p r o c h e s l'un de l'autre par

bien des traits" (141).

Mostramos no primeiro capítulo de nosso trabalho,

como Boehme e o pietismo influenciaram a gênese do Romantismo.

Foi através de Boehme, do pietismo, da alquimia e do esoterismo

(140) Cfr. E.BENZ, La Kabbale chrétienne en Allemagne au XVI


ème siècle, in Kabbalistes chrétiens, Cahiers de
l'Hermetisme, pp. 89 a 149.
(141) E.BENZ, idem, p. 52.

216
que a Cabala chegou aos homens que produziram o "Sturm und Drang" e o

Romantismo.

"Ce courant d'idées (cabbalistes) qui a


prissance à la fin du Moyen Âge en Espagne s'est
- prolongé jusqu'au dix neuvième siècle, où il
connut fortune singulière en Allemagne, et même
au délá dans les millieux dits occultistes, plus
- précisement dans les cercles où
l'illuminisme, l'alchimie et même l'astrologie
sont encore appréciées et cultivées". (142).

E em nota a esse texto acrescenta Jacques Fabry:

"Les'philosophes romantiques' allemands se

sont intéressés de très prés à la Kabbale

chrétienne. Au nombre de ces rénovateurs de la

tradition kabbali stiq ue on t rouv e, pou r ne

c iter q ue le s -principaux, F.J . Molitor,

F.W.J. Schelling, G. H. von Schubert et J.F. von

Meyer qui a publié - en 1831 une traduction

allemande du Sefer Jetzi ra" (143).

A estes poderiam ser acrescentados ainda Hamman,

Franz von Baader e Eckartshausen.

(142) J. FABRY, La Kabbale chrétienne en Italie au XVI ème


siècle, in Kabbalistes chrétiens, p. 52.
(143) J. FABRY, idem, p. 63 nota 4.

217
Em várias obras de Clemente Brentano transparece um grande interesse pelo

judaísmo em geral e pela Cabala em particular. Os "Romanzen vom Rosenkranz", especialmente, dão toda

uma visão cabalista da criação e do universo (144), enquanto nas notas da Leben der

Heilige Jungfrau Maria, são feitas um grande número de

referências a obras judaicas: Talmud, Mischnah,

literatura rabínica e apócrifa. - Mais importante ainda,

demonstraremos adiante que as visões/ de Katharina Emmerick

apresentam muitas coincidências com os livros cabalísticos.

Entretanto, as fontes que Brentano cita e a forma como as

cita indicam que os conhecimentos que ele tinha da Cabala não eram de primeira

mão. Por exemplo, as citações que ele faz do Zohar nas notas da Leben der

Heilige Jungfrau Maria, indicam as páginas e não os livros e folhas do Zohar

- como é de praxe (145). Além disso, o Zohar não consta da relação dos livros

da biblioteca de Brentano publicada por Bern - hard Gajek, o que não impede,

contudo, que Brentano tivesse a obra de Moisés de Leon em alto apreço. Como

muitos outros românticos, considerava ele que a Cabala continha o núcleo da

- revelação primitiva feita por Deus a Adão, revelação essa - que teria

sido conservada por tradição oral entre os judeus, e que fora, mais tarde,

registrada em vários livros, especialmente no Zohar, ao qual se atribuía

uma grande antiguidade.

(144) Cfr. a tese inédita de Sigliende Piringer a que já


aludimos.
(145) Cfr. CB-AKE - Leben der Heilige Jungfrau Maria = Paul
Pattloch Verlag, Aschaffenburg, 1980, p. 55, nota 1.

218
Em várias passagens das supostas visões de Katharina Emmerick, ele alude

ainda a um misterioso livro de velhos sábios judeus que conteria tudo

o que não está exato na Sagrada Escritura e que teria sido feito em

Babilônia. Nesse livro estaria contida a base de todas as religiões:

"Durante o cativeiro de Babilônia um certo

número de profetas e também de pagãos

iluminados trabalhou na elaboração de um

livro santo (...) Es te livro contém tudo o

que na Sagrada Escritura, não se encontra com

exatidão, à respeito da queda dos anjos, da

criação, do Paraíso, do pecado original, dos

animais claros do Paraíso, dos pa triarcas

antes e depois do dilúvio, muitas visões e

revelações de Adão, Enoch, Seth, Noé, Abrãao

e todos os patriarcas e também muito do que

foi revelado a Moisés na montanha(...). A

esse livro está associado o fun damento de

todas as religiões, e est á pr ovad a a ver dade

d os te mpos e das c oisa s no l ivro de M ois és

a res peit o d as pri meir as c oi sas do universo

e dos primeiros patriarcas" (146).

Brentano afirma também que participaram da elaboração

desse livro o "pequeno Daniel", o profeta, e até Zoroastro (147).

(146) "Während der Babilonischen Gefangenschaft hotte eine

219
Anzahl von Propheten und auch erleuchteten Heiden
an der Ausarbeitung eines heiligen Buches
gearbeitet".
J. ADAMS, op. cit., p. 345.

220
Abraão teria tido um livro sagrado contendo a revelação primitiva que

ele ensinava aos homens e que teria deixa do para Isaac e para seus

descendentes. Na seqüência, José do Egito teria Possuído esse livro,

enquanto os canaanitas teriam aprendido muito do que continha esse

livro através do próprio Abrãao:

"Outrora foram dados também outros livros

santos aos homens. Abrãao tinha também um

ensinamento - sagrado. Eu sei que ele o deu a

Isaac e que Jacó o recebeu com a bênção. Eu sei

que os Patriarcas - guardavam freqüentemente

esse livro em suas rou pas e que o p r ó p r i o José

tinha-o cuidadosamente/ oculto sob suas

roupas, quando foi levado à presença do Faraó"

(148)

Veremos, outrossim que, segundo Katharina Emmerick, o

profeta Elias estaria vivo num lugar paradisíaco em uma misteriosa

montanha da Ásia Central - a montanha dos Profetas - e lá passaria o

tempo conferindo as revelações sagradas de todos os povos com o conteúdo

de um grande livro muito antigo que, no futuro, seria dado aos homens.

(149).

(147) Cfr. J.ADAMS, op. cit., pp. 345-346.


(148) "Es gab damais auch heilige Bücher. Abraham hatte
auch eine heilige Lehre. Ich weiss, dass er sie Isaak ü bergab
und dass Jakob sie bei dem Segen empfing. Ich weiss, dass die
AZtväter sie oft in den Kleidern eingenäht hatten, und dass
selbst Joseph ein solches Buch in den Kleidern einganäht
sorgsam vor Pharao verbarg". CB tgb. apud. A.ABRIEGER, Der
Gotteskreiss, p. 165
(149) Cfr. cap. IX deste trabalho.

221
Esse livro muito antigo, contendo o fundamento

- de todas as religiões e mais exato que as Sagradas Escrituras,

seria muito provavelmente ou o Zohar ou um livro muito

semelhante a ele, conforme acreditavam os autores românticos

e esotéricos. Por meio desse livro seria possível conciliar

até reunir numa só religião, não só as várias seitas cristãs,

mas também o judaísmo e as religiões pagãs, porque em todas

haveria, de modo mais ou menos puro, restos da revelação e

tradição primeiras, consignadas nele. Brentano, em todo caso,

estava bem convencido disso:

"A atividade desta restauração, estimulada pelas

visões do Antigo Testamento, se estende agora

também à história antiga da humanidade, e

Brentano se volta com especial preferência para

as tradições cabalísticas dos povos orientais.

Com a filosofia história romântica, ele está

convencido que a revelação original única e

comum se conservou em vestígios espalhados nos

"ensinamentos secretos dos povos" e continua

ainda a existir em um antigo tesouro oculto da

humanidade. Sobre isto, ele acredita também

que, depois do pecado original, se obscureceu no

homem e se perd e u uma antiga capacidade de

c o n t e m p l a ç ã o p o r ele (o homem) possuída, e que

estão sempre aber tas às vias secretas para

conseguir novamente a

222
posse de uma parte da "verdade antiga" (150).

Brentano deve ter obtido seus conhecimentos sobre judaísmo através de


leituras e de contactos pessoais. Quanto às leituras, evidentemente ele
pode ter tido acesso aos grandes cabalistas cristãos alemães, como
Reuchlin ou Agrippa de Nettesheim. Em sua biblioteca, ele possuía a Cabbála
Denudata de Christian Knorr von Rosenroth, além de obras de Boehme,
Swedenborg, Saint Martin, e de muitos outros autores/ teosóficos e
esotéricos cujo pensamento fora influenciado pelas idéias da Cabala. Do
catálogo de sua biblioteca, publicado por Bernhard Gajek, constam livros
sobre judaísmo, como o Talmud e Mischnah, obras sobre festas, cerimônias,
vestes litúrgicas e calendário hebraico, etc. Não constam, porém, nem
o Zohar, nem o Bahir, nem qualquer outra obra cabalista origi nal.

(150) "Durch die Visionen aus dem Alten Testament angeregt,


dehnt sich diese Restaurationstätigkeit nun auch
auf die Frühgeschichte der Menschheit aus, und
mit besonderer Vorliebe wendet sich Brentano
dabei den kabbalistichen Traditionen der
orientalischen Völker zu. Mit der romantischen
Geschitsphilosophie ist er der ist er der
überzeugung, dass die eine und gemeinsame
Uroffenbarung sich in zerstreuten Spuren der
"Geheimlehren der Völker" erhalten hat und in
einen "alten - verborgenen Schatz der
Menschheit" noch weiterbesteht überdies glaubt
er, dass auch nach dem Südenfall, durch den "das
Heilige, das Licht im Menschen sich verfinstert
hat und "ein früher gehabtes Schauen verloren
gegangen ist", immer noch geheime Wege
o f f e n s t e h e n wieder in den Besitz eines Teiles der
"alten Wahrheit" zu gelangen." (J. ADAMS, op.cit.
p. 260).

223
Convém, ainda, citar alguns outros autores e obras de

caráter cabalista possuídas por Brentano devido à influência e eco que

tiveram na redação das visões de Katharina Emmerick. Em primeiro lugar,

o De Arcanis catholicae veritatis de Petrus Galatinus merece

um comentário particular.

Pietro Columna, conhecido como Galatinus (1460 - 1560)

foi frade franciscano. Segundo A. E. Waite, Galatino, como tantos

outros cabalistas cristãos, teria sido judeu convertido (151), e teria

estudado o Talmud com um mestre judeu (152) pertencendo ainda ao circulo

cabalista do Cardeal Egídio de Viterbo, em Roma, o qual foi um grande

entusiasta das doutrinas de Joaquim de Fiore (153). Foi também Galatino

que forneceu a Brentano, a lenda de que os corpos do Messias e da Vir-

gem Maria teriam sido feitos de uma matéria retirada do corpo de Adão

antes que ele pecasse (154).

Outro autor cabalista existente na biblioteca de

Brentano é o inglês Robert Fludd, cuja obra Philosophia Mosayca

Brentano possuia. Esse autor foi um seguidor de Boehme e um cabalista

de segunda mão. De fato, sua obra Philosophia Mosayca

(151) Cfr. A. E. WAITS - The Holy Kabbala - University


Books
Secaucus - New Jersey, 1960, p. XXXI.
(152) Cfr. A. MORISI Galatino et la K a b b a l e
chrétienne,
in Kabbalistes chrétiens - Cahiers de l'Hermétisme,
p. 213.
(153) Cfr. REEVES The influence of prophecy in the latter
Middle Ages-A study in Joachimisme - Oxford at the
- Clarendon Press, 1969 pp. 234 a 238.
(154) Petrus GALATINUS - De arcanis catholicae
veritatis -
Liber VII, f. CCI, r. et v.

224
contém elementos cabalísticos retirados das obras de Pico,
de Reuchlin, de Archangelo de Borgonuovo e de Blaise de
Vigenére (1523-1596), o maior dos cabalistas alquimistas
(155). Fludd comete erros enormes em matéria de Cabala,
referindo-se, por exemplo a Rabi Zöhar, Rabi Bahir e Rabi
Bereschit, como se os livros fundamentais da Cabala fossem
pessoas (156).
Brentano possuia também o livro Cogitationes super 4. priora capituli
libri I Moysés Genesis nominator de franciscus Mercurius van Helmont
(1613-1699). Este autor foi amigo de Knorr von Rosenroth, do cabalista
inglês Henri More e de Leibnitz (157) e cooperou na Cabbala Denudata.
Van Helmont/ procurou conciliar num sistema único o neoplatonismo, a
Cabala, a teosofia de Boehme e as ciências modernas e forneceu a Rosenroth
algumas de suas idéias mestras:
"Tanto em Henry More quanto em Van Helmont,

Knorr von Rosenroth encontrou expressas

estas duas idéias principais que iam

incitá-lo a ocupar-se - mais ainda com a

Cabala: de um lado, a idéia que esta era uma

espécie de revelação original que, desde o

começo do mundo, tinha acompanhado, enquanto

ciencia esotérica e secreta, a evolução -

espiritual da humanidade, e, mais ainda, o

pensam e n t o de que as crenças judaica e

cristã eram

(155) Cfr. G. JAVARY - Panorame de la Kaballe chrétienne en France


du
XVI au XVII siècles, in Kabbalistes chrétiens-Cahiers de l'Hermétisme,
p. 79.
(156) Cfr. F. SECRET - op. cit, p. 236.
(157) idem, p. 329.

225
idênticas entre si, em seu núcleo esotérico, ou,

n outr as pal avra s, qu e a Caba la ju dai ca con tinh a

já as verdades da fé crista, e as tinha por

objetivo." (158)

Do famoso jesuíta Athanasius Kircher (1602-1680) Brentano

possuia igualmente várias obras. Kircher foi um alquimista e cabalista

famoso que viveu na Alemanha, Polônia e França. Sua principal obra cabalista

é o Oedipus aeqipciacus, que lançou a moda da egitomania entre os

esotéricos. Ele escreveu ainda o livro Magnes sives de arte magnetica opus

tripartitus, que influenciou Mesmer (159). Ele foi simpático aos Rosacruzes

(160), aceitava a palinginésia, mesmo física, tendo tentado ressuscitar

uma rosa (161).

(158) "Sowohi bei Henry More taie bei Van Helmont land Knorr
von Rosenroth die beiden Hauptideen ausgesprochen,die ihn zu
einer noch intensiveren BeschJtftigung mit den Kabbala
veranlassten: einmal den Gedanken, dass die Kabbala eine Art
von Uroffenbarung darstelle, die vom Anfang der Welt an ais ein
esoterisches Geheimwissen+ die geistige Entwicklung der
Menschheit begleitet ha-be, und welter den Gedanken, dass
jlldischer und christlicher Glaube in ihrem esoterischen Kern
miteinander identisch seien, das heisst, doss die j7ldische
Kabbala bereits die christlichen Glaubenswahrheiten enthal te
und auf diese hinziele".

Cr. Ernst BENZ - Die Christliche Kabbala - Rhein Ver lag


- Zurich, 1958, p. 19) .

(159) A. Faivre, L'esotérisme,p. 140

(160) idem, p. 24..


(161) idem, p. 46.

226
Outro autor que muito influenciou Brentano em matéria de

conhecimentos judaicos, foi o famoso exegeta D. August Calmet, do qual CB

tinha muitas obras. Várias histórias que aparecem nas visões de Katharina

Emmerick sobre Caim, Lamech, Nemrod, Nino, Zoroastro, Sesótris, Semiramis,

assim como o relato de uma suposta viagem de Cristo a Chipre, são diretamente

inspirados pelas obras de D. Calmet. Da mesma forma, grande parte das

informações que Brentano fornece sobre literatura rabínica, ele as auferiu nos

escritos desse autor (162).

A obra em que Brentano revelou mais claramente - seus

conhecimentos e idéias cabalistas foram os Romanzen vom Rosenkranz. A

cosmogonia cabalista exposta nessa obra foi auferida por Brentano

especialmente no livro Entdeckten Juden - tum de Jahan Andreas Eisenmenger,

autor de tendência claramente anti-semita. Nos Romanzen, Brentano, através

do demônio/ Moles, menciona o Ein-Sof (Haensoph), a divindade incognoscível

da Cabala (163); a contração do Ein-Sof, que permitiu a criação de um vazio

no qual seria feito o universo, idéia essa da Cabala luriânica (164); a

produção do Adam Kadmon e a emanação dos dez Sefiroth (165); os quatro mundos

da Cabala luriânica:

(162) W. Hümpfner, op. cit. pp. 237 e 238.


(163) CB. Romanzen v o m R o s e n k r a n z , XI, 140.
(164) Idem, XI, 143.
(165) Idem, XI, 143.

227
1) Atziluth, mundo da divindade e da emanação;

2) Beriah, mundo da criação, isto é, do Trono, da Mercabah

e dos anjos superiores;

3) Yetzirah, mundo da formação ou dos anjos;

4) Asiah, mundo da produção arquetípica e espiritual do

mundo sensível (166).

Aliás, Brentano cita esses mundos em ordem errada (Asiah,

mundo da ação; Beriath, mundo da criação; Atziluth, mundo da emanação;

Yetzirah, mundo da formação (167), bem como trata ainda da criação dos

anjos e do mundo (168); da criação do homem por Deus utilizando sete

terras (169) etc.

Nos Romanzen vom Rosenkranz aparece o personagem Apo, que

é apresentado como cabalista. Nele Clemens Brentano retratou o pensador

e médico medieval Pietro d'Abano (1246-1320), autor do Conciliator

differentiarum quae inter philosophos et medicos versantur. Desse autor,

Clemens possuia Inscriptiones sacrossanctas vetustatis. Pietro d'Abano

- foi filósofo averroista e ensinou em Paris e Bolonha. Foi - muito

combatido pelos dominicanos, acusado de praticar magia e de invocar

espíritos familiares, além de ter a pretensão de ser capaz de ressucitar

a si mesmo (170). Brentano o apresenta

( 1 66 ) C f r. G . G . SC HO LE M , A m ís ti ca ju d ai ca , p. 27 5.
( 1 67 ) C r. CB, R o m a n ze n v o m R os e n k ra n z , XI, 144.
(168) Idem, XII, 47.
(169) Idem,
(170)Cfr. Tiraboschi-Storia della letteratura italiana-Mi lano, 1823, vo

228
como um grande conhecedor do Cabala e das teorias de
Isaac Luria, o que é um clamoroso erro histórico, pois Luria
é do século XVI, enquanto Pietro d'Abano viveu nos séculos
- XIII e XIV.

Além dos conhecimentos adqairiõos nos livros

Brentano obteve informações sobre a Cabala através de pessoas

que conheceu. Como vimos, menciona ele discussões de rabinos

a que teria assistido, na sua infância, em Frankfurt. Mais

tarde, em Berlim, ele freqüentou os salões de ricos judeus

pelos - quais sempre sentiu atração e, ao mesmo tempo, a

repulsa anti-semita já comum entre os alemães, no tempo do

Romantismo.

As informações mais importantes sobre a Cabala

- que aprecem nas obras religiosas de Brentano são devidas,

ao que parece, a seu amigo Daniel Bonifaz Hanneberg,

professor - de literatura oriental na Universidade de Munich,

orientalista e exegeta, que se tornou depois Bispo de Speier.

Brentano o conheceu nas reuniões da "Távola Redonda", em casa

de Görres, e eles se tornaram tão amigos que moraram juntos

por um ano, em Munich. Foi para Hanneberg que Brentano legou


as anotações que fez à cabeceira da vidente, em agradecimento

pelas informações que ele lhe dera sobre hebreu, aramaico

e os mistérios da Cabala (171). Hanneberg, por sua vez,

entregou - depois essas notas ao Padre redentorista K. E.

Schmoeger, em 1857, que foi quem publicou, de 1858 a 1860,


uma Vida de Jesus, em três volumes, baseada nas notas de

Brentano.

229
(171) Cfr. W. HÜMPFNER – op. Cit, p. 56.

230
Outra pessoa que influenciou diretamente Brentano em matéria de

Cabala foi Franz Joseph Molitor, que ele conheceu em 1824 e cuja obra

Philosophie das Geschichte oder Liber die Tradition, começou a ser

publicada já em 1826.

Molitor adotara os princípios românticos de Schlegel a

respeito da História e da Tradição, assim como a tensofia cabalista de Franz

von Baader. Foi iniciado no conhecimento da Cabala por um judeu de Metz,

em 1813 aprendeu aramaico e hebraico estudou o Talmud e o Zohar e, seguindo

a trilha dos cabalistas cristãos-muito em voga entre os românticos-criou

uma teoria teosófica em que se conjugavam Cabala e cristianismo (172). Tanto

Clemens quanto seu irmão Christian receberam informações de Molitor sobre

a Cabala. Reconduzido à prática do catolicismo, talvez graças a Ringseis,

Christian entregou-se ao estudo e à prática do magnetismo, assim como ao

estudo do simbolismo religioso de origem cabalista, sendo que, nesse último

campo ele partilhava das idéias de Molitor (173).

O padre Hümpfner, estudando as obras e a vida de Brentano

chegou à conclusão que ele conhecia o Zohar desde 1825 - (174). Se "conhecia"

significa saber da existência do Zohar, sem dúvida o Padre Hampfner tem

razão. Mas, se por "conhecia" se deve entender que Brentano estudara e lera o

Zohar diretamente,

(172) Cfr. W. HÜMPFNER - op. cit., pp. 239 a 241.


(173). Cfr. A. GARREAU - op. cit pp. 185 a 260.
(174) W. HÜMPFNER op. cit. p. 241.

231
ficamos bem mais incertos. Pessoalmente, não julgamos que se possa afirmar,
"tout court”; que Brentano estudou ou leu o Zohar. Nossa dúvida deriva do fato
que ele faz alusões vagas demais ao Zohar como texto fundamentador do que

ele chama de "gérmen da bênção", pois, como já dissemos, ele não cita os
capítulos e versículos do livro de Moisés de Leon, nos quais se trataria

dessa questão, mas menciona apenas as páginas do Zohar, segundo uma edição
que ele possuía. Ora, quem quer que tenha lido o Zohar sabe perfeitamente

que não é esse o modo de citá-lo e, além disso, não se encontram no

Zohar os textos que Brentano diz existirem lá. Por outro lado,

quando ele cita os cabalistas cristãos, como Galatino, como fonte da

história do "Gérmen da Benção", aí a citação é exata. Por tudo isso, cremos


que é bem mais provável que Brentano conhecesse o Zohar apenas indiretamente,

através da "Cabbala Denudata", de Molitor, de Galatino e de outros

cabalistas cristãos.

Veremos mais de perto, em outro capítulo, a questão das

fontes do "Gérmen da Benção", e sua relação com a Cabala.

Em síntese podemos afirmar que:

1 - Brentano tinha uma psicologia profundamente

marcada por tendências erótico-incestuosas/


que produziram nele um grande complexo de
culpa;
2 - Brentano era naturalmente inclinado ao misticismo e ao

mistério, o que lhe facilitava

232
a aceitação de doutrinas esotéricas;

3 - Muito provavelmente, Brentano esteve ligado a seitas


esotéricas de tipo iluminista;

4 - Os conhecimentos de Cabala de Brentano - eram de segunda mão

e ele os utilizou, como tantos outros o fizeram, para

conciliar cristianismo e judaísmo, catolicismo e demais

seitas cristãs.

CAPÍTULO III - Anna Katharina Emmerick


Um estudo imparcial da vida de Katharina Emmerick só recentemente começou a ser feito graças à publicação dos
textos originais de Brentano. Ainda assim, o caso Katharina Emmerick provoca até hoje muitas controvérsias.

Tendo ela vivido numa época de grande antagonismo entre a ciência e a fé, houve logo quem quisesse utilizá-la para
demonstrar a realidade do mundo espiritual, enquanto os racionalistas acusavam-na de fraude. Tal disputa deixou
resquícios até nossos dias.

A controvérsia não discutiu apenas os estranhos fatos que se davam com a vidente. O papel de Brentano na questão
veio alimentar ainda mais a polêmica.

Discutiu-se:

1. se os estigmas de Katharina Emmerick eram reais ou fraudulentos;

2. se suas pretensas visões tinham origem sobrenatural, ou eram fenômenos provocados artificialmente pela
hipnose, pelo magnetismo, ou ainda se eram resultantes de uma natureza patológica;

3. se Katharina Emmerick era uma santa, uma charlatã, ou uma simples desequilibrada;

4. se Brentano fora um relator fiel das visões que a freira dizia ter;

5. se as idéias expressas nas visões de Katharina Emmerick eram de responsabilidade apenas de Brentano, ou da
vidente também.

Embora este trabalho tenha um escopo alheio a essas questões, seremos obrigados, pelo próprio desenrolar lógico do
tema, a tratar delas, ainda que de modo apenas incidental. Queremos tão somente verificar se, nos textos publicados
das visões de Katharina Emmerick, há traços de cabalismo e de esoterismo.

Brentano publicou "Das bittere Leiden unseres Herrn Jesu Christi, nebst dem Lebensumriss der
Erzählerin",em1833.

Nesse trabalho o autor apresenta um quadro romanticamente piedoso da vida de Katharina Emmerick, do ambiente
e da região em que ela vivia, com o claro objetivo de comover e obter a simpatia piedosa dos leitores. A publicação
444
da obra enquadrava-se na reação geral do misticismo romântico e do tradicionalismo contra as idéias da Revolução
Francesa e do racionalismo. O trabalho não tinha, contudo, nenhuma objetividade histórica.

Ao morrer, o poeta entregou as anotações dasVisõesao futuro Bispo de Speier, Daniel Bonifaz Hanneberg, que as
repassou ao padre redentorista Karl E. Schmoeger. Este publicou uma vida de Katharina Emmerick (1). Citaremos a
versão francesa dessa obra feita pelo padre E. de Cazalès, amigo pessoal de Brentano (2).

O padre Schmoeger é um dos maiores responsáveis pela grande confusão na questão Emmerick-Brentano. Seu
trabalho foi inescrupuloso. Ele suprimiu textos e omitiu fatos. Analisando os trechos supressos, verifica-se que ele
procurou evitar que o público conhecesse tudo o que - quanto a idéias e costumes na vida de Katharina Emmerick -
pudesse escandalizar a mentalidade católica da época. A publicação dos textos originais veio revelar a falta de
objetividade - seria o caso de dizer "desonestidade"? - do Pe. Schmoeger.

As obras de Diel-Kreiten (3) e do Padre T. Wegener (4) são ainda bastante parciais por causa de sua preocupação
apologética e piedosa.

O próprio processo de canonização da freira, introduzido em 1892-1894, se mostrou marcado pela mesma falta de
objetividade e pela preocupação dos postuladores em salvar a qualquer custo a canonização dela.

O resultado foi a transformação do processo em uma verdadeira embrulhada ("un vero guazzabuglio"), na pitoresca
expressão do voto I da "Relatio et vota Congressus Peculiaris 10-II-1981", documento da "Sacra Congregationis Pro
Causa Sanctorum" p. 1225. E"verdadeira embrulhada exatamente na reprodução daqueles documentos(das
testemunhas)feita de modo cientificamente bárbaro, e com critérios que escapam a qualquer classificação, e que não
é nem possível intuir qual seja, tanto eles são arbitrários e fora do mais elementar bom senso, de forma caótica"(5).

Foi entretanto o processo de canonização que começou a trazer alguma luz à questão Emmerick. Ao se chegar à fase
do processo que exige o exame dos escritos da "Serva de Deus" (título dado a quem está em processo de
canonização) encontrou-se um sério obstáculo: as idéias expressas nos escritos de Brentano impediam a
canonização da vidente.

Em 1917, os três censores encarregados do exame dos escritos atribuídos à freira de Dülmen, chegaram
unanimemente à mesma conclusão: os textos eram de exclusiva responsabilidade de Brentano. Portanto, o processo
poderia prosseguir. Entretanto, os Cardeais decidiram que eram necessários estudos mais profundos a respeito da
autoria das "Visões", e incumbiram o Padre Winifrid Hümpfner, O.E.S.A., de estudar a questão. O resultado foi uma
obra na qual Hümpfner concluiu que os textos de Brentano a respeito dasVisõesda freira de Dülmen
são"mistificação científica, consciente e premeditada"(6).

Tendo em vista essas conclusões, acolhidas pela congregação dos Cardeais que julgava o caso, a Sagrada
Congregação dos Ritos emitiu, em 18 de maio de 1927, um decreto declarando expressamente que"os escritos
atribuídos à Serva de Deus eram obra de Brentano, e, conseqüentemente, nada obstava a que se procedesse ad
ulteriora"(7).

O processo, entretanto, não foi adiante em virtude de veto do Santo Oficio em 30 de novembro de 1928,
considerando impossível uma continuação, pois uma eventual canonização de Katharina Emmerick viria dar grande
autoridade aos escritos que se lhe atribuiam.

Em 1973, Paulo VI determinou o prosseguimento do processo, e a Congregação da Doutrina da Fé levantou o veto


de 1928, o que provocou novo estudo da questão, feito, por ordem do Vaticano, pelo Padre Ildefonz Maria Dietz,
O.E.S.A,. e pelo professor de teologia da Universidade de Münster, Dr. Erwin Iserloh, que entregaram seus
pareceres em 1976 e 1978, respectivamente. Ambos concordaram plenamente com os estudos e decisões
anteriormente tomadas no âmbito das Congregações romanas:

"Os escritos do Brentano, por isso, não devem ser considerados como ditados pela Emmerick, e nem mesmo
autênticas transcrições das suas afirmações e de suas narrações, mas sim uma obra literária de Brentano, e com tais
amplificações que "não é possível estabelecer um núcleo verdadeiro e próprio, que se possa atribuir à Emmerick"
(8).

Parece-nos, entretanto, que a grande preocupação desses estudos, feitos em função do processo de canonização, foi
eximir a freira de qualquer responsabilidade pelos escritos de Brentano, a fim de que o processo pudesse ir adiante e
manter-se fora de questão a posição de Katharina Emmerick quanto às idéias expressas por Brentano nos textos das
445
"Visões". Apesar das limitações inerentes a seu trabalho, um dos méritos do Pe. Hümpfner foi, porém, o de provar a
falta de escrúpulos de Schmoeger, pondo a nu as falsificações realizadas por ele e por Brentano. Além disso, depois
de seu estudo, exigiu-se o exame dos originais das anotações do poeta, abandonando-se o estudo da questão com
base em Schmoeger.

Desde então podemos notar duas tendências nos estudiosos do problema Emmerick:

1. Uma corrente puramente científica que analisa os documentos originais, sem se preocupar em determinar a
santidade de Katharina Emmerick. A esta corrente pertencem as obras de Joseph Adams, S.C.J. (9), e as de Anton
Brieger (10).

2. Uma corrente que, embora apresente obras documentadas, tem a preocupação de, comprovando a inocência da
vidente, facilitar sua canonização. Entre essas obras de preocupação piedosa, deve-se citar"In Banne des
Creuzes-Lebensbild der stigmatisierten Augustinerin Anna Katharina Emmerick"(1774-1824) de P.H.J. Seller,
O.E.S.A., e Pe. Ildefonz Maria Dietz, O.E.S.A.

Nestas obras, está ausente o tratamento das questões doutrinárias dos textos de Brentano e das idéias expressas por
Katharina Emmerick.

Para nosso estudo da vida da freira de Dülmen utilizaremos o"Diário do Dr. Wesener",além dos textos de Brentano,
tais quais foram publicados por Adams e Brieger. Consultaremos ainda as obras de Hümpfner, Diel-Kreiten e Dietz,
além de autores secundários. Aproveitaremos do Pe. Schmoeger informações não controversas, ou textos que
tragam alguma luz sobre a questão.

Katharina Emmerick nasceu em 8 de setembro de 1774, em Flamske, aldeia próxima a Coesfeld, na Westfália. Era
filha de Bernard Emmerick e de Anna Hillers. Foi batizada logo após o nascimento, na paróquia de S. Tiago de
Coesfeld (11).

Seus pais eram camponeses e tiveram nove filhos, dos quais Anna Katharina Emmerick foi a quinta. Adams cita
palavras de Katharina Emmerick sobre o seu nascimento que Schmoeger, aliás, omite:

"Eu fiquei sabendo que vim ao mundo com um sinal raro: uma planta como uma espiga de milho, chamada a espiga
da sabedoria. Minha mãe tirou-a por insensatez e, com isso, perdi algo. Eu veria, possuindo-a, muito mais
claramente as coisas; sim, tão claramente, como jamais nenhum homem recebeu o dom de ver, sendo capaz de vir a
saber e reproduzir tudo. Mas, para tudo recordar e esgotar o assunto eu vi, em minha juventude e depois, que muitas
coisas foram destruídas, por causa da insensatez e ignorância das pessoas, especialmente dos padres" (12).

(12). Segundo Katharina Emmerick, um sinal parecido a essa"espiga da sabedoria"existiu também em José do Egito
e nos profetas do Antigo Testamento. No Tagebuch, X, 8, 2, ela menciona também essa espiga, afirmando que ela se
encontrava"acima do umbigo, na região do estômago onde tinha agora o sinal da cruz latina". "Trêsmulheres
estavam assistindo meu nascimento, e uma delas me desatou (a espiga)"(13).Note-se a contradição dos textos: num
é a mãe, noutro, uma das parteiras que lhe desata a"espiga da sabedoria".

Ora, há nessas afirmações uma grave confusão entre a ordem natural e a ordem sobrenatural. Nenhum apêndice ou
excrescência física pode produzir, de si, o dom da profecia, que é uma graça de Deus. Esta confusão entre natureza
e graça é típica da Gnose romântica.

Brentano faz uma descrição romântica da região de Katharina Emmerick e da moralidade dos habitantes que
Schmoeger faz questão de citar:

"Não posso esquecer como uma manhã bem cedo, passando perto de uma cerca, ouvi uma voz de criança:
aproximei-me devagarinho e vi uma pastorinha em farrapos, de aproximadamente sete anos, que caminhava atrás de
alguns gansos num prado, com uma vara de salgueiro na mão. Ela dizia com um acento inimitável de piedade e de
sinceridade:

"Bom dia querido Senhor Deus! Louvado seja Jesus Cristo! Bom Pai, que estais no céu! Eu vos saúdo Maria, cheia
de graça! Eu quero ser boa, quero ser piedosa! Bons santos do paraíso, bons anjos, eu quero ser boa. Tenho um
pedaço de pão para comer, eu vos agradeço por esse querido pão! Ah! Protegei-me também para que meus gansos
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não vão para o meio dos trigais, e que algum malvado rapaz não mate alguns deles a pedradas! Protegei-me,
portanto. Eu quero ser uma boa menina, querido Pai que estais no céu'' (14).

(14). Brentano procura fazer crer que assim eram as crianças de Münster. Que assim foi Katharina Emmerick
pequenina. Que a região era quase o paraíso da inocência. Só não se compreende como nesse ambiente, tão
idilicamente piedoso, houvesse"rapazes maldosos"que se divertiam matando gansos a pedradas...

Schmoeger conta ainda que, segundo asVisõesque Katharina Emmerick teve de si mesma, ela possuíra o uso da
razão desde o nascimento e que, ao ser batizada, teria contraído núpcias místicas com Jesus Cristo (15). Entretanto,
segundo o Dr. Wesener, ela nunca tinha visões sobre si mesma (16). Por isso, as supostas visões da freira sobre si
mesma gozam de ainda menos credibilidade que as demais (17).

Brentano afirma que, quando pequena, ela tinha visões de Jesus jovem e de João Batista menino, aos quais ela
chamava de "Jungsten" e "Hanneschen"(18), sendo que o primeiro a ensinava a fazer vestidos para a sua boneca. Diz
também que, quando menina, contava ao pai cenas bíblicas que assistia em visão e o pai, comovido, chorava,
perguntando onde ela aprendera tais coisas (19).

De 1786 a 1789, ela trabalhou como empregada na casa de um seu parente, Gerhard Emmerick, e depois foi
aprender o oficio de costureira na casa de Elisabeth Krabbe, onde ficou até 1794 (20). Trabalhou no oficio de
costureira até 1799.

Ela desejou ser freira, mas por ser muito pobre e doente, teve dificuldades em ser recebida em conventos. Foi
recusada pelas agostinianas de Borken, pelas trapistas de Darfeld, pelas clarissas de Münster (21). Pensou então em
aprender a tocar órgão, o que lhe abriria mais facilmente as portas de alguma casa religiosa. Para isso, entrou como
empregada na casa do organista Söntgen, em Coesfeld. Lá tornou-se amiga da filha do organista, Klara Söntgen, que
também queria ir para o convento. Segundo Wesener, nessa casa, ela não aprendeu a tocar órgão, mas aprendeu a ler
e a escrever (22). Na verdade, foi o pai que a ensinou a ler e a escrever.

Os biógrafos costumam dizer que ela leu pouco. Brentano diz que ela nunca leu a Bíblia, o que é surpreendente, pois
ela leu várias obras piedosas e místicas:

"Meu próprio pai me ensinou a ler. (...) Eu nunca li muito. Eu não posso ler muito, logo saio fora de mim (ficava em
êxtase). Eu não posso ler um capítulo completo de Thomas de Kempis. Eu não sou perseverante, para mim tudo tem
que ser breve. (...) Eu gosto de ler o baixo alemão do pregador Tauler. É um dos poucos livros com os quais posso
entreter-me bastante. Eu entendo o livro, e ele me entende. Mas, mesmo assim, eu não o leio muito, mas algumas
vezes tenho ouvido lê-lo, o que várias vezes me provocou visões muito bonitas" (23).

(23). Permaneceu com os Söntgen de 1799 a 1802, e, nesse último ano, segundo afirmou mais tarde, teria recebido
misticamente a coroa de espinhos de Cristo, mas sem efusão de sangue, apenas com um inchaço na fronte, nas
têmporas e até nas faces. Foi só mais tarde, quando já estava no convento, que sua testa começou a sangrar, em
pequenos pontos (24).

Quando ela tinha 16 ou 17 anos, os pais pensaram em casá-la, mas ela recusou porque tinha uma invencível aversão
pelo estado matrimonial (25):

"Quando já em minha primeira juventude eu fui instruída de modo sobrenatural a respeito da geração temporal dos
homens, sem ter que pensar muito sobre o assunto, a minha fantasia, pela graça de Deus, nunca se preocupou com
isso, e, quanto ao que me concerne, permaneci totalmente inocente a respeito dessas coisas, e essa questão era para
mim mais uma causa de aversão e de compaixão para com as pessoas do que algo contra o que tivesse que lutar,
como as outras crianças. Ainda muito criança, eu fazia censuras a meu Deus amado, dizendo que podia ter feito
essas coisas de modo diferente. Eu sempre tive aversão pelo casamento. E quando via uma noiva não podia deixar
de chorar" (26).

(26). Ora, esta aversão ao casamento não é natural, e indicava nela, ou idéias gnósticas, ou pelo menos, uma
mentalidade doentia. Jamais uma santa pensaria assim.

Quando Katharina Emmerick decidiu entrar para o convento, os pais ficaram desgostosos, mas não conseguiram
demovê-la. Junto com sua amiga Klara Söntgen, foi recebida no convento de Agnetenberg, das agostinianas de
Dülmen, em 03 de novembro de 1801. Tornou-se noviça em 13-XI-1802, e fez os votos em 13-XI-1803.
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No convento, Katharina Emmerick teve uma vida sofrida, estando constantemente doente. Segundo o Dr. Wesener,
todas as suas doenças tinham um caráter nervoso próprio (27), e além dessas doenças de caráter nervoso, sofreu um
acidente em que machucou a bacia. Ademais, moralmente, sofria ao constatar a não observância da regra
conventual.

Em 3 de dezembro de 1811, o convento de Agnetenberg foi supresso pela aplicação de um decreto napoleônico de
14-XI-1811. A região de Münster teve soberano eclesiástico até 1802, o último dos quais foi o irmão do Imperador
José II da Áustria, o príncipe bispo Maximiliano-Xavier. Quando da vacância da Sé episcopal em 1802, a Prússia
ocupou a região e, em 1803, por decisão imperial, a Prússia ficou na posse da cidade de Münster, enquanto a região
ao sul foi dividida por vários príncipes. Depois da batalha de Iena, a região de Münster passou a fazer parte do
Grão-Ducado de Berg, criado por Napoleão, para o primogênito da Rainha Hortência. A partir de 1810, toda a
região foi anexada ao Império francês, e assim ficou até o Congresso de Viena, quando voltou a pertencer à Prússia
(28).

Katharina Emmerick permaneceu ainda algum tempo no edifício conventual, mas, nos primeiros meses de 1812,
teve que sair, indo morar juntamente com o capelão do convento, o padre emigrado e refratário francês Jean Martin
Lambert, que sempre a apoiara, na casa da viúva Roters. Katharina Emmerick pretendia servir seu ex-capelão, que
estava adoentado, mas depois caiu tão doente que foi ela quem teve que ser servida. Segundo seu depoimento no
inquérito estatal, foi em 28-VIII-1812, festa de S. Agostinho, patrono de sua ordem, que ela recebeu um primeiro
sinal místico: sobre seu estômago apareceu uma cruz sangrenta. Semanas depois teria aparecido uma segunda cruz,
parecida com a cruz de Coesfeld, sobre o osso esterno, sangrando periodicamente. No dia de Santa Catarina
(25-XI-1812), uma outra cruz, semelhante à antecedente, apareceu sobre o osso esterno, acima daquela que já
recebera, formando uma só marca. No natal de 1812, ela recebeu os estigmas de Cristo nas mãos e nos pés. E
finalmente, a 29-XII-1812, recebeu a chaga do peito de Cristo, no seu flanco.

Todas estas datas foram citadas por ela em seu depoimento a Overberg, em 1812, mas Anton Brieger dá datas
diferentes para cada caso. Em 28-VIII-1812, ela teria recebido o estigma da cruz no peito; no dia de Santa Catarina
(25-XI-1812), uma segunda cruz; e, no final de 1812, as chagas nas mãos, nos pés e no flanco (29).

Essas chagas sangravam em certos dias da semana:

"A dupla cruz sobre o esterno sangrava, a maior parte das vezes, às quartas-feiras. As chagas do flanco e da cabeça,
apenas às sextas-feiras" (30).

(30). O padre Joseph Alois Limberg, dominicano cujo convento fora fechado, e que morava em Dülmen, foi
chamado para ouvir Katharina Emmerick em confissão, na quaresma de 1812. Quem o chamara fora sua tia, ex
mestra de noviças no convento da vidente. Desde então, ele se tornou seu confessor ordinário. Em 31 de dezembro
de 1812, ao levar-lhe a comunhão, constatou pela primeira vez o sangramento das chagas nas costas das mãos. Em
28 de janeiro de 1813, o Pe. Limberg pôde ver, pela primeira vez, as chagas dos pés de Katharina Emmerick (31).

Os estigmas de Katharina Emmerick começaram a ficar conhecidos do público a partir de 28-II-1813, quando sua
amiga e companheira de convento Klara Söntgen viu as chagas sangrarem. Logo, toda Dülmen falava do caso. Não
eram porém, só as chagas que causavam maravilha: Pe. Limberg assegurava que, desde que a freira recebera os
estigmas, não tomara mais nenhum alimento sólido, a não ser a comunhão (32).

Logo que caiu no conhecimento público que havia em Dülmen uma freira com estigmas, o padre Rensing, decano da
cidade, comunicou o fato ao Vigário Geral de Münster, Clemens Auguste Dröste-Vischering, enquanto o Dr.
Wesener, que fora chamado para tratar da freira, juntamente com os Padres Lambert e Limberg, o decano Rensing,
e o Dr. Peter Krauthausen, médico que cuidara de Katharina Emmerick durante sua vida no convento, decidiram
fazer um exame geral da paciente, e redigir um protocolo que seria comunicado às autoridades eclesiásticas.

Tal exame se deu em 22-III-1813 e o protocolo diz o seguinte a respeito das chagas de Katharina Emmerick,
segundo Schmoeger:

"Nas costas das suas duas mãos nós notamos crostas de sangue seco, sob as quais havia uma chaga. Na palma das
duas mãos, havia crostas semelhante de sangue coagulado, só que elas eram menores. Nós encontramos estas
mesmas crostas sobre a parte exterior dos pés e no meio da planta do pés. Elas eram dolorosas quando se as tocavam,
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e aquela do pé direito tinha sangrado, havia pouco tempo. No flanco direito nós vimos, um pouco acima da quarta
costela, contando a partir de baixo, uma chaga longa de aproximadamente três polegadas, que deve sangrar algumas
vezes. Sobre a cavidade do estômago nós vimos algumas marcas de formato redondo, que pareciam um cruz
fendida. Pouco mais abaixo, nós vimos uma cruz comum, formada por largas faixas de meia polegada, e
semelhantes a ferimentos. Na parte superior da testa, nós vimos, em grande número, como que picadas de agulha,
que iam dos dois lados, até a raiz dos cabelos" (33).

(33). Conforme o diário do Dr. Wesener, a cruz latina de largos traços, estava situada no baixo-ventre, abaixo do
umbigo (34). Segundo o protocolo da primeira pesquisa, de 22-III-1813, ela estava exatamente acima do umbigo, o
que é mais crível. Rensing enviou então um relatório ao Vigário Geral de Münster, falando das virtudes de
Katharina Emmerick, de seu jejum habitual (dizia que ela só tomava água e recebia a comunhão, qualquer outro
alimento era vomitado), de seus desmaios ou "êxtases", e de seus estigmas. O relatório tem a data de 25-III-1813
(35).

É curioso o que diz Rensing sobre esses "êxtases":

"Durante este desmaio, que eu chamaria antes de um santo êxtase, ela ficava rígida como uma tábua" (36).

(36). No dia 28 de Março de 1813, o vigário geral de Münster, C.A. Dröste-Vischering, acompanhado do famoso
decano Overberg e de seu médico pessoal, Dr. Druffel, chegou a Dülmen, submetendo Katharina Emmerick a um
rigoroso exame, do qual se redigiu um processo verbal. Em seguida, esse homem que unia"a uma inquebrantável
força de caráter, uma sensibilidade de alma, levada a tal ponto, que lhe acontecia, muita vezes, de comprar pássaros
engaiolados para lhes dar a liberdade"(37),incumbiu o Pe. Overberg de investigar a vida, interior e exterior de
Katharina Emmerick, ordenando a esta que nada lhe ocultasse. Ele nomeou em 31-III-1813 o decano Rensing, como
diretor extraordinário de Katharina Emmerick, recomendando-lhe que observasse com todo o cuidado a freira, bem
como determinou ainda que o Dr. Krauthausen tudo fizesse para curar as chagas e doenças da paciente. O Vigário
obrigou ainda Klara Söntgen a fazer-lhe um relatório secreto sobre tudo o que se passasse com Katharina Emmerick.

A 7 de abril de 1813, o Vigário Geral voltou a visitar a vidente, ficando muito satisfeito com o que viu e ouviu, e
retornou uma terceira vez, em 28 de abril, juntamente com Overberg e o médico protestante Stadtlohn. Por seu lado,
o decano Rensing e o Dr. Krauthausen assistiram ao novo exame a que Katharina Emmerick foi submetida, sobre o
qual Dröste-Vischering fez um relatório acompanhado dos desenhos das chagas (38), que reproduzimos a seguir:

O decano Rensing não ficou totalmente certo da sinceridade de Katharina Emmerick, na questão de seu jejum
absoluto - sobre o qual o próprio Pe. Limberg tinha dúvidas (39) - vindo, com o tempo, a afastar-se de Katharina
Emmerick, sem lhe dar crédito. Suspeitava-se, com efeito, de que Katharina Emmerick se alimentasse às
escondidas, e mesmo de que seus estigmas fossem produto de uma fraude. Decidiu-se, em decorrência, que ela seria
vigiada continuamente durante dez dias, por vinte pessoas de Dülmen, e que, durante esse período, o Pe. Lambert,
sobre quem recaiam as acusações de fraude, ficaria afastado da freira. Nesses dez dias, a vidente só tomou água e
ninguém tocou em suas chagas, tendo sido constatado sangramento dos estigmas nos dias 16 (4a. feira - as cruzes),
18 e 19 (6a. e sábado - os estigmas) (40).

Feito tudo isso, dissiparam-se as suspeitas, e o vigário geral de Münster concluiu pela veracidade dos fenômenos
que se davam em Katharina Emmerick, sem, todavia, excluir a possibilidade de que se continuasse a examiná-la, e,
em 1817, sugeriu ao conselheiro de Estado Ludwig Von Vincke (41), que fosse feita nova investigação por uma
comissão mista da Igreja e do Estado prussiano, proposta porém, que não foi aceita.

Em 3 de fevereiro de 1819, o conselheiro Vincke convocou uma Comissão para investigar o caso Katharina
Emmerick. O Chefe da Comissão era o subprefeito de Münster, Clemens Maria Von Bönninghausen. Os demais
membros eram o Dr. Alexander Rave, médico em Borken, perto de Dülmen, o Dr. Busch, de Münster, o pároco
Niesert, de Velen, o vigário Roseri, de Leyden, e o professor Roeling, de Münster. Os padres pretendiam ter ordem
do vicariato de Münster para participar da Comissão, o que não era verdade. Na seqüência, Bönninghausen pediu a
Katharina Emmerick que deixasse levá-la à casa do Conselheiro Mersmann.

Nesse tempo, Brentano já estava instalado em Dülmen, junto à vidente, e pediu para ser arrolado como testemunha
do inquérito, mas, tanto Bönninghausen quanto Vincke repeliram a proposta, e Brentano, a pedido de Katharina
Emmerick, foi para Bokholt, enquanto durou o inquérito.
449
A 6 de agosto, chegou a Dülmen o Conselheiro de Medicina Borges, protestante e muito hostil a Katharina
Emmerick, que logo se integrou à comissão de inquérito. No sábado, 8 de agosto de 1819, Bönninghausen levou à
força Katharina Emmerick para a casa do conselheiro Mersmann, onde ficou vigiada e submetida a interrogatórios,
até 28 de agosto. Procurou-se separar a freira dos padres seus amigos, do Dr. Wesener e de Brentano, porque se
queria averiguar, se as suas chagas não eram feitas artificial e fraudulentamente, como também confirmar se, de
fato, ela não se alimentava às escondidas.

Estava essa comissão cheia de preconceitos racionalistas contra a religião, e os estranhos fatos que se davam com
Katharina Emmerick eram vistos como uma fraude, para sustentar a luta da fé contra o racionalismo:

"A pesquisa de 1819 se situa assim claramente no pano de fundo dos conflitos entre a Igreja Católica e os poderes
públicos protestantes da Prússia"(42), diz Erika Tunner. Mais. As violências que sofreu então Katharina Emmerick
só se explicam pela luta acirrada que havia, então, entre o racionalismo iluminista e o misticismo romântico,
especialmente na Alemanha.

Já na primeira noite do seqüestro, houve um incidente que pesou muito contra Katharina Emmerick, e que
Schmoeger cuidadosamente evita mencionar, embora o Dr. Wesener, cujo relato ele diz ser"muito fiel e muito
verídico'', o conte (43):

"Sábado, 7 de agosto, a enferma foi levada à força, acompanhada por soldados, à casa do Sr. Conselheiro
Mersmann, onde chegou sem sentidos, mas viva. Como eu não sabia se poderia visitá-la em sua prisão, enviei o
pedido anexo ao presidente da Comissão de investigação. A visita me foi permitida. Então eu tirei a enferma da
cama e a mantive sobre meus joelhos, por cerca de uma hora. Ela estava muito fraca, porém contente... Agradeço a
Deus, disse ela, que hoje me deu paciência. Ela espera gozar a dita graça por mais tempo. Depois que eu estava com
ela há cerca de três quartos de hora já, entrou no quarto o Conselheiro Médico do Governo, um homem doentio,
portador, segundo consta, de uma doença venérea. Estava escuro e a enferma não percebeu sua presença. Mas,
quando ele tomou assento a dois passos dela, ela se aconchegou a mim e disse ter um medo extraordinário. Eu lhe
perguntei em voz alta: "Você sente medo, mas o que a amedronta?" Respondeu: "Eu não sei, mas é alguma coisa que
me provoca medo. Eu não percebi nada senão um desagradável odor de cânfora". Em seguida, o médico Dr. Bush,
da Comissão de Investigação, encarregado da vigilância, comunicou-me que minhas visitas não podiam mais se
realizar. Por isso, eu me dirigi nessa mesma noite ao supremo presidente, Von Vincke, a quem apresentei e repeti as
advertências contidas na carta dirigida ao Sr. Conselheiro, afirmando que o trabalho braçal, para alívio da enferma,
não poderia ser feito convenientemente por uma mulher, etc. para a qual eu anexei a carta, que recebi do Sr.
presidente, no dia 10. Aqui devo encerrar meu diário, até que agrade ao Senhor Jesus, louvado na eternidade, me
permitir continuá-lo" (44).

(44). É sintomático que o Pe. Schmoeger tenha omitido esse incidente. Realmente, é muito estranho para uma
estigmatizada, com fama de santidade, ser encontrada, à noite, no colo do seu médico, e no primeiro processo de
canonização de Katharina Emmerick, introduzido em 1892-1894, o advogado do diabo objetou esse fato contra a
santidade da Serva de Deus. Entretanto, os defensores da causa responderam que isso nada tinha contra a castidade
e a modéstia da paciente, sendo antes preciso admirar a caridade e a paciência do médico (45).

Se assim fosse, a justiça mandaria que se admirasse também a paciência e a caridade do médico, do Pe. Limberg e de
Brentano, em cujos braços Katharina Emmerick dormia, por vezes:"Ela dorme em meus braços como uma criança
(...)"escreveu Brentano para Luise Hensel, no seu diário de Dülmen (46).

O Vigário Geral de Münster proibiu imediatamente qualquer participação de eclesiásticos na comissão de inquérito
prussiana. Os padres Roseri e Niesert, deixaram então Dülmen (47).

Enquanto Katharina Emmerick ficou à disposição da Comissão de Inquérito, permaneceu num leito colocado no
meio de uma sala, de modo que era fácil vigiá-la. Duas pessoas permaneciam de guarda, além de uma Sra. Wietner,
encarregada de servir a enferma, e de espioná-la. Durante os 20 dias que durou o inquérito, Katharina Emmerick foi
submetida várias vezes a longos interrogatórios, e seu corpo foi examinado várias vezes, sem cuidado, nem respeito.
Com efeito, diz Schmoeger:

"Na sua brutalidade selvagem, eles nem suportaram que a tímida virgem, consagrada a Deus, se cobrisse o peito:
cada vez que ela se cobria, tremendo, eles abriam brutalmente os panos, e retrucavam seus súplices lamentos com
brincadeiras cínicas " (48).

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(48). Evidentemente, a atitude brutal dos inquisidores é condenável, mas parece-nos que o Pe. Schmoeger romantiza
um tanto a situação, uma vez que"a tímida virgem"se deixava despir muitas vezes pelos padres que a assistiam, tanto
que isso constituiu uma das "Animadversiones " levantadas pelo advogado do diabo contra a sua canonização (49),
e os padres continuaram a despi-la e a vesti-la, mesmo depois que o Vigário Geral de Münster determinou que isto
só fosse feito por pessoa do sexo feminino.

No dia 13 de agosto de 1819, uma sexta feira, Katharina Emmerick teve uma leve efusão de sangue, na fronte, e os
inquisidores logo a acusaram de ter provocado isso, esfregando a testa com as mãos, num momento em que a
enfermeira havia se afastado. Outra mancha de sangue teria aparecido na sua camisola, provinda da chaga de seu
flanco, e os inquisidores afirmaram que ela havia derramado café sobre a roupa. Em suma, os membros da comissão
eram tão prevenidos, e agiam com tal preconceito, que seu relatório final não pode ser levado a sério, o que não
significa admitir que os fenômenos que se davam em Katharina Emmerick fossem de ordem sobrenatural.

De qualquer modo, a partir dessa investigação, o decano de Dülmen, Bernard Rensing, que antes era favorável a
Katharina Emmerick, tornou-se contrário a ela, pondo em dúvida a veracidade de seus estigmas, que ora ele
suspeitava que tivessem origem natural, ora artificial, ou ainda diabólica. Katharina Emmerick foi, afinal, liberada
em 28- VIII-1819, sendo levada de volta para sua casa. A investigação acabou nada provando contra ela, embora
alguns pontos tenham deixado dúvida:

1º. o fato de Katharina Emmerick ter confessado que arrancou as cascas de suas chagas;

2º. o fato de terem cessado bruscamente as hemorragias das chagas, pouco antes de se começar a investigação de
1819.

4. Os fenômenos "paranormais" de Katharina Emmerick: estigmas, êxtases, visões

0 médico de Katharina Emmerick, Dr. Franz Wilhelm Wesener (1782-1832), foi discípulo de Schelling. Estudou em
várias Universidades alemãs, entre as quais a de Halle, onde aprendeu algo de magnetismo com o Dr. Reil (50).
Conheceu Katharina Emmerick, em 1807, quando ela ainda estava no convento, e ele fora chamado para uma
consulta pelo médico das freiras, Dr. Krauthausen, e voltou a vê-la somente em 23 de Março de 1813, quando seus
estigmas já eram de conhecimento público. Nesse tempo, ele ainda era um homem sem fé.

Assim que começou a tratar da freira estigmatizada, Wesener deu inicio a um diário dos fatos que se passavam com
ela, o qual vai de 23-III-1813 até 03-XI-1819, quando cessa bruscamente. Além do diário, Wesener escreveu uma
pequena biografia de sua paciente.

O diário de Wesener é um documento de extraordinário valor para se elucidar a questão Emmerick, visto que ele é
bem mais objetivo e sincero do que Brentano. Veja-se o que ele conta da primeira visita que fez a Katharina
Emmerick:

"Depois que entrei em seu quarto, o ex dominicano Pe. Limberg a (Katharina Emmerick) levantou da cama, e a
colocou no colo de sua irmã. Ela permaneceu num estado de desfalecimento. Antes, trocaram-lhe a roupa a qual
estava molhada de suor como se tivesse sido mergulhada na água. Do mesmo modo, estavam molhados os lençóis.
Também os travesseiros, e o chão embaixo da cama estavam molhados.

"Por ordem do Pe. Limberg eu toquei os ombros dela com minhas mãos. Ela estremeceu suavemente, e depois ficou
novamente tranqüila. Então o Pe. Limberg a tocou com os dois dedos consagrados. Ela esboçou um sorriso, e seus
ombros passaram a ter um movimento convulsivo.

"Nós fizemos esta experiência, várias vezes, com o mesmo resultado. Ainda mais freqüentemente fizemos a
seguinte experiência: o Pe. Limberg movimentava os dois dedos consagrados até cerca de duas polegadas dos lábios
dela. Logo, o seu corpo rígido, como o ferro atraído por ímã, se curvava em direção aos dedos. E quando ela
alcançava os dedos com os seus lábios, ela os beijava e chupava o dedo indicador. 0 Sr. Pe. Limberg animava-a
instantemente a morder um pedaço do dedo, mas ela dizia que não podia fazer isso, e como o Sr. Limberg lhe
perguntasse por que ela chupava o dedo, dizia: 'Porque ele é tão doce'! Depois disso, por ordem do Pe. Limberg, eu
colocava meu dedo na boca dela, mas ela permanecia em seu desfalecimento, e não se movimentava mais.

"Tudo isso aconteceu estando ela rígida e desfalecida, com os olhos bem fechados.

"No meio desse desfalecimento, o Pe. Limberg curvou sua cabeça bem devagar em direção a ela. Quando estava a
451
cerca de três polegadas do seu rosto, o corpo, aparentemente morto, se ergueu para o crânio do Pe. Limberg, e ela
encostou a boca na cabeça dele. Quando o Pe. Limberg a colocou de novo sobre o travesseiro, seu corpo todo estava
duro como um pedaço de madeira, tanto que, se eu a segurasse pela cabeça, talvez pudesse endireitar todo o seu
corpo. 0 Pe. Limberg fechou a cortina da cama, o francês Lambert colocou uma dupla coberta de lã, e então o Pe.
Limberg se dirigiu ao meio do quarto, e fez uma cruz com a mão e disse bem baixinho: Abençoe te Deus o Pai, o
Filho e o Espirito Santo. Imediatamente, a mão mortalmente fraca se moveu lentamente sob o lençol, e fez o sinal da
cruz" (51).

A cena é absolutamente estranha, e, a respeito desse caso, Erika Tunner afirma:"Os padres têm um poder absoluto
sobre ela (Katharina Emmerick), sua devoção pelos dedos consagrados está no limite do patológico"(52)].

Sem pretender dar uma opinião num campo que não é absolutamente o nosso, e no qual não temos nenhuma
competência, é preciso, entretanto, frisar que a cena descrita pelo Dr. Wesener tem, mesmo para um leigo, forte
conotação sexual.

Por outro lado, as ações do Pe. Limberg sobre a paciente e suas reações, se enquadram perfeitamente no que então
praticavam os seguidores do magnetismo, o que prova que já antes do contato com o Dr. Wesener, o Pe. Limberg
aplicava seus conhecimentos de magnetismo sobre Katharina Emmerick.

No diário do Dr. Wesener se verifica que era comum o Pe. Limberg curar as dores de cabeça, ou dores de dentes de
Katharina Emmerick, dando-lhe os seus dedos consagrados a chupar (53). É claro que, cenas como essas, não
podiam aparecer nas biografias "piedosas" de Katharina Emmerick, feitas por Brentano, ou pelo Pe. Schmoeger.

A vidente sentia, aliás, atração pelos dedos consagrados de qualquer sacerdote. Quando o cônego Bernhard
Overberg, famoso pedagogo e reformador do clero da Westfália, foi visitá-la, em 1815, ao dar-lhe a mão, Katharina
Emmerick segurou apenas o polegar e o indicador do padre dizendo: "São esses que me alimentam" (54).

Antes de tratar das ações de magnetismo praticadas, sobre Katharina Emmerick, pelo Pe. Limberg, pelo Dr.
Wesener, e pelos irmãos Brentano, convém dizer algo sobre os vários tipos de êxtase ocorridos com ela.

0 Dr. Wesener distinguia nela três estados "extáticos" diferentes:

1. um estado que o médico chama de "allgemeine Tetanus", no qual o corpo da monja ficava rijo como uma estátua,
e mais pesado do que o normal. Nesse estado, ela tinha visões alegóricas, morais e religiosas, via imagens ou
quadros a respeito das relações dos homens com Deus, ou então era levada, em espírito, a lugares distantes;

2. um segundo estado, denominado por Wesener de "ausência espiritual","geistesabwesenheit", que, sob certos
aspectos, era o contrário do anterior. Parecia então que a alma da vidente estava no céu. Seu corpo se tornava mais
leve, e seus membros ficavam tão moles e flexíveis, que pareciam querer desconjuntar-se. Quando ficava assim, ela
só atendia ou ouvia o que lhe diziam os padres, em nome da obediência. Era sensível também às bênçãos
sacerdotais, pois fazia o sinal da cruz, quando o padre a abençoava;

3. sonhos: davam-se habitualmente apenas à noite.

Enquanto sonhava, ela falava desconexamente. Em geral, seus sonhos versavam exclusivamente sobre a vida de
Cristo (55).

Como dissemos, desde que recebeu os estigmas, Katharina Emmerick deixou de se alimentar, mas em 3 de Janeiro
de 1817, Wesener deu-lhe um pouco de leite e água, que ela tomou sem vomitar a seguir, como em geral acontecia
quando tomava algo. Em 17 de Outubro de 1817, tendo em vista a extrema fraqueza da doente, o Dr. Wesener
resolveu dar-lhe leite humano.

"Nós agora chegamos à idéia de alimentar a enferma com o leite de uma ama, e já que eu estava tratando do mamilo
ferido de uma senhora, conhecida e parente do Pe. Limberg, senhora que havia dado à luz há seis semanas, eu a
procurei para que, algumas vezes por dia, ela desse o peito à enferma, porque ela tinha leite em abundância, e o seu
filho não podia se amamentar no peito ferido. A senhora compreendeu isso com alegria, e assim, no dia 18 de
Outubro, sábado, começamos com o leite da ama". A doente, devido à sua fraqueza não pôde mamar muito. Ela
reteve o leite, queixando-se, contudo, à noite, de dor de barriga" (56).

Em 9 de Novembro, Wesener registra que Katharina Emmerick lhe contou que, quando ainda estava no convento,
452
muito doente, teve uma visão de uma bela mocinha que lhe oferecia o seio regorgitante de leite. De início, a vidente
sentira repugnância, mas, depois, aceitara tomar o peito (57). Na sexta feira, 28-XI-1817, o Dr. Wesener escreveu:
"A doente na semana passada, esteve na maioria das vezes melhor. Ela toma o peito três vezes por dia" (58).

Ora, mesmo que a medicina romântica daqueles tempos recomendasse o leite humano a certos doentes, fica difícil
imaginar que se recomendasse também, como necessário, que os pacientes tomassem o leite diretamente do peito da
ama. Evidentemente, o Pe. Schmoeger, como também outros biógrafos piedosos de Katharina Emmerick, não dizem
uma palavra a respeito desse estranho método terapêutico.

(Caso, um dia, Katharina Emmerick fosse canonizada, ficaria dificílimo explicar ao público, como seria possível
considerar santa, praticante de virtudes heróicas, uma freira que se amamentava, várias vezes por dia, ao seio de uma
mulher.)

5. As idéias manifestadas por Katharina Emmerick antes da chegada de Brentano

Os biógrafos apresentam-na como uma camponesa inculta e de poucas leituras. Brentano afirma que ela jamais leu
nem o Antigo, nem mesmo o Novo Testamento. Quais eram suas idéias? Compartilharia ela as opiniões expressas
nasVisõestais quais foram anotadas por Brentano?

A tese da inteira objetividade das anotações de Brentano, defendida pelo Pe. Schmoeger, fazia Katharina Emmerick
responsável por tudo o que é dito nessasVisões.Ora, como aí há muitas afirmações contrárias à Fé Católica, ela
jamais poderia ser canonizada. Quando do exame dos escritos de Katharina Emmerick, no processo de canonização
de 1817, chegou-se à conclusão de que os textos dasVisões,e o que nelas se diz, eram responsabilidade de Brentano,
e não da vidente, e, por isso, o processo pôde continuar.

Determinaram-se então novos estudos do problema, tendo sido encarregado deles o Pe. Winifrid Hümpfner que, em
1924, submeteu à Sagrada Congregação dos Ritos seu trabalhoGlaubewürdigkeit. A posição oficial da Igreja é, até
agora, como vimos anteriormente, a mesma que a do Pe. Hümpfner: as idéias expressas nos textos dasVisõessão de
Brentano e não da vidente. Joseph Adams diverge um tanto dessa tese. Para ele, embora os textos
dasVisões,anotadas por Brentano, não devam ser atribuídos de modo absoluto a Katharina Emmerick, já antes da
chegada de Brentano, ela expressava idéias semelhantes às dele, às do Dr. Wesener e às de Overberg (59).

Diz Adams:

"Do mesmo modo, é significativo que a vidente, em conversas freqüentes, às vezes de horas, com o médico sobre
problemas teológicos, bíblicos e políticos contemporâneos, manifeste uma acentuada originalidade de idéias e
autonomia de julgamento" (60).

É interessante notar que tais idéias "originais" e "autônomas'' vão se mostrar muito afins com as idéias de Brentano.
E a primeira prova disso é a questão do magnetismo.

0 tema do magnetismo é tratado muito ambiguamente por Katharina Emmerick, e por seus biógrafos. Vimos que, já
na primeira visita do Dr. Wesener à doente, o Pe. Limberg realizou uma verdadeira demonstração de magnetismo. 0
tema voltou a ser tratado pelo Dr. Wesener em 14 de Abril de 1815. Nesse dia, ele conta que conversou com o Pe.
Limberg sobre o magnetismo animal e suas semelhanças com os fenômenos que se davam em Katharina Emmerick.
Para Wesener, o que acontecia com a vidente não eram fenômenos de magnetismo, mas uma "clarividência de um
tipo completamente diferente" (61). Nessa ocasião, o Pe. Limberg disse que, certa noite, estando só com a doente,
fez várias experiências magnéticas nela, mas sem resultado (62).

Poucos dias depois, em 27-IV-1815, o médico conta que realizou experiências magnéticas em Katharina Emmerick,
enquanto ela estava em êxtase, mas sem obter resultado. Quando, porém, o Pe. Limberg disse: "Alô! Obedeça! Onde
está você?, a vidente acordou imediatamente, dizendo ter ouvido alguém chamá-la".

A 26 de Janeiro de 1816, há nova descrição de experiência magnética, feita pelo Pe. Limberg, assim descrita pelo
Dr. Wesener:

"Às nove horas ela teve um êxtase. Eu pedi, então, ao Sr. Limberg para fazer uma experiência de magnetismo
animal, ou seja, para perguntar a ela qual a sua doença, e onde se situava seu ponto central, e o lugar onde
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principalmentese situava. Ele fez isso várias vezes, e insistentemente, mas a enferma não respondeu" (63).

Em 5 de Abril de 1817, Katharina Emmerick recebeu pela primeira vez, a visita de Christian Brentano, que vinha
vê-la com a licença do Vigário Geral de Münster, Clement Auguste Von Droste-Vischering. Como vimos, Christian
era médico, e muito favorável ao magnetismo, e a monja mostrou-se muito simpática a ele, tendo feito elogios a seus
excelentes princípios morais e religiosos. As idéias de Christian a respeito do magnetismo encontraram também boa
acolhida no Pe. Limberg e no Dr. Wesener, e já no dia 16 de Abril de 1817, o diário do médico registrava uma
experiência magnética extraordinária:

"0 Pe. Limberg fê-la dormir colocando a palma da mão sobre o local do coração, e inclinou sua cabeça em direção à
cabeça dela.

"Sua pulsação era filiforme e espaçada; a respiração curta e fraca; a doente apresentava um quadro de extrema
fraqueza.

"No dia anterior, o Sr. Limberg e eu, através de uma conversa instrutiva com o Dr. Brentano, tínhamos nos tornado
mais confiantes com a essência e as visões produzidas pelo magnetismo, e acabamos por compreender que o
magnetismo não é mais que um transbordamento da plenitude da saúde e da vida que, através da religião e da
pilastra principal da mesma, vai inflamar o amor para com Deus, para com o Redentor e para com o próximo. Assim,
o Pe.Limberg, cheio de confiança, dirigiu sua boca contra a boca aberta da doente, soprando nela seu hálito vivo.
Após três ou quatro repetições desse ato, a doente respirou sempre mais profunda e sofregamente, e, finalmente,
despertou com um tal fortalecimento e sensação de bem estar, que ela mesma estava extremamente surpresa.

"Mesmo a desagradável sensação de fraqueza e de vazio na região do estômago tinha inteiramente desaparecido, e a
doente não compreendia de modo algum, de onde tinha vindo essa rápida melhora.

"Eu acho necessário manifestar-me brevemente, aqui, sobre a manipulação através da qual a doente é levada ao sono
tranqüilo. Visto que somente agora este fenômeno me é explicável pela concepção de magnetismo, que acabo de
receber. Já há muito tempo, e freqüentemente, o Pe. Limberg tem o poder de fazer a doente dormir, logo, através da
mencionada manobra, sem poder explicar esse fenômeno: ele coloca sua mão sobre aprecordiondela, e inclina a
cabeça em direção à sua. Isso deu certo, todas as vezes, tanto que o Padre queria apostar com a doente que, em dois
ou três minutos, a faria dormir" (64).

É interessante comparar este texto com a versão dos acontecimentos apresentada por Schmoeger:

"Graças às conversas instrutivas com o Sr. Doutor N...(é Christian Brentano), com o Sr. Limberg e comigo, nós nos
familiarizamos mais ainda com o magnetismo, e nós reconhecemos que ele não é outra coisa "senão o escoamento
de um espírito vital, atuando sobre o enfermo".

"Este espírito, que está espalhado em toda a natureza, é recebido pelo enfermo por meio de uma comunicação
espiritual, ou mesmo corporal; ele age, então, naquele que o recebe, conforme a natureza do seu princípio,
acendendo nele uma chama que pertence seja à terra, seja às regiões superiores, seja mesmo às inferiores, e
realizando, conforme sua origem, efeitos salutares ou perniciosos. Este espírito vital, o cristão pode e deve
inflamá-lo pela religião e pelo amor a Deus e ao próximo, de forma a torná-lo salutar para o corpo e para a alma". (65

A posição pessoal de Katharina Emmerick a respeito do magnetismo, já antes da chegada de Brentano, era hesitante
e ambígua. Em 20 de Abril de 1817 - portanto, já depois da chegada de Christian Brentano, que deu novo impulso às
experiências magnéticas, que o Pe. Limberg e o Dr. Wesener faziam com a freira - ela disse ao Dr. Wesener que
inicialmente aceitou com indiferença o que ele, o Pe. Limberg e o Dr.Christian Brentano lhe haviam dito a respeito
do magnetismo. Mas que, após refletir, teve uma visão em que se lhe revelou que o Magnetismo não era uma coisa
boa, e "que a maior parte da coisa é ilusão do demônio". Afirmou, entretanto, que ainda não estava com o assunto
totalmente resolvido. Mas que "se nós quisermos fazer o que os profetas e apóstolos faziam, precisamos ser também
como eles eram, e então não precisaremos de nenhuma manipulação artificial". E ainda: "que as pessoas se esforcem
por curar doentes através de algo que passa de uma pessoa sã para os doentes, em si não é ruim, mas toda mágica é
neste caso ridícula e ilícita. O sono magnético e a contemplação de coisas futuras, se distantes são ilusões do
demônio, sob a aparência de devoção" (66).

Ao ouvir isto, o Dr. Wesener teve um sobressalto de consciência, pois estava nessa época curando o braço de uma
camponesa, por meios magnéticos. Katharina Emmerick perguntou, então, o que ele fazia para curar a camponesa e,
tendo-o ouvido, disse:
454
"O aquecer com hálito e o aquecer o membro do doente através da mão da pessoa sadia, eu acho válido como
remédio natural, mas os passes e o puxar com as mãos são absurdos e levam a superstição (ela quis dizer
misticismo.)" (67).

A freira disse ainda que era preciso ser prudente ao tratar do tema com Christian Brentano, o qual teria boas
intenções, mas estaria equivocado. 0 médico falou, então, com Brentano, que tratou do assunto com Katharina
Emmerick:

"0 Sr. Brentano relatou-me que falou com a doente a respeito do magnetismo, e principalmente sobre as
questionadas visões do mesmo. Assegurou-me que ficou contente com as suas declarações, quando se convenceu
que ela via o magnetismo somente pelo lado negro e demoníaco. Mas a doente pareceu demonstrar um pouco de
embaraço quanto à sua declaração durante minha visita, pois confessou acreditar ter sido um pouco precipitada. Eu
a tranqüilizei sobre isso." (68).

Vê-se, pelo relato, que Katharina Emmerick, ou por receio de desagradar Christian Brentano, ou por não estar
segura, hesitava. Ela, pelo menos, admitia que no magnetismo havia um lado bom e outro ruim. Esta hesitação se
confirma pelo fato de que ela continuou a admitir que o Pe. Limberg curasse suas dores de dente e de cabeça por
magnetismo, como aconteceu seis dias depois de conversar com Brentano, a 25 e 28 de Abril (69).

Alguns dias depois (2-V-1817), Katharina Emmerick contou ao Dr. Wesener que tivera uma visão a respeito do Dr.
Brentano e do magnetismo:

"Eu recebi agora, também, a instrução correta a respeito da imposição das mãos, e da cura de minhas dores. Devo
renunciar a isso. Devo suportar com paciência minhas dores, e o Padre não pode fazer em mim, senão aquilo a que
estava acostumado."

"Eu lhe perguntei então o que ela me aconselhava em relação ao uso do magnetismo, para minha pessoa".

"Você pode, mesmo assim, utilizá-lo quando estiver seguro que não colocou a si mesmo, nem a outra pessoa, em
tentação ou em perigo." (70).

Vê-se, por esse texto, que a ambigüidade continua. De um lado, o magnetismo é condenado. De outro, o Padre pôde
continuar fazendo o que já fazia. Ora, algo do que ele estava acostumado a fazer eram ações tipicamente
magnetizadoras. E também o Dr. Wesener pôde continuar a fazer curas magnéticas, desde que não houvesse perigo.
Portanto, ela distingue um magnetismo diabólico e ilícito, e outro bom e permitido. Clemens Brentano seguirá a
mesma linha ao distinguir, com Windischman, um magnetismo animal e diabólico, de outro espiritual e divino (71).
Pelo magnetismo animal, Katharina Emmerick manifestará total repulsa, e o comparará a magia:

«A prática do magnetismo termina na magia; só que não se invoca o diabo, mas provém dele mesmo. Todos que a
isto se entregam tomam da natureza alguma coisa que não pode ser adquirida legitimamente senão dentro da Igreja
de Jesus Cristo, e que não pode se conservar com o poder de curar e de santificar, senão em seu seio; porque a
natureza, para todos os que não estão em união viva com Jesus Cristo, pela verdadeira fé e pela graça santificante,
está cheio da influência de Satã ». (...) (71)

« Eu vejo a própria essência do magnetismo como verdadeira; mas há um ladrão que é desencadeado, nessa luz
velada ».

« (...) uma das faculdades do homem antes da queda, faculdade que não está totalmente morta, é ressuscitada de uma
certa forma, para deixá-lo mais desarmado e num estado mais misterioso, exposto interiormente aos ataques do
demônio. Este estado é real, ele existe, mas ele está coberto por um véu, porque é uma fonte envenenada para todos,
exceto para os santos ».

« Eu sinto que os estado destas pessoas (magnetizadas) segue, sob certos aspectos, um caminho paralelo ao meu,
mas indo para outro lado, vindo de algum lugar, e tendo outras conseqüências » (72).

Assim, continuavam as experiências magnéticas com a vidente, possivelmente com o seu consentimento:

"À noite, as fraquezas eram maiores. Quando foi erguida, ela caiu em desfalecimento mortal. 0 Pe. Limberg colocou
sua boca sobre a boca dela, e soprou fortemente. Depois que repetiu isso três ou quatro vezes, voltaram o pulso e a
455
respiração, e a enferma voltou a si novamente" (73).

E em 1º de Novembro, Wesener registra:

"De noite, desfalecimento mortal, ao mínimo movimento. 0 Padre a faz voltar a si, de novo, pelo sopro. A doente
esclareceu que o sopro do padre, era, para ela, como um vento tépido, que ia através de todo corpo até a ponta dos
dedos e dos artelhos". (74).

(74). Nesses textos das visões de Katharina Emmerick, já do tempo em que Brentano estava a seu lado, estão
resumidas as teses do chamado "catolicismo mágico" de Brentano, isto é, um catolicismo que aceitava um
magnetismo bom, de origem divina, distinto do magnetismo animal, embora parecido com ele.

As teses de Katharina Emmerick e de Brentano sobre o magnetismo são, pois:

1. A essência do magnetismo é verdadeira.

2. Ele aproveita uma força existente na natureza.

3. 0 homem, antes da queda, tinha a capacidade de controlar e utilizar essa força.

4.Após a queda, essa capacidade foi parcialmente perdida.

5. Os que estão unidos a Cristo e a Igreja, os santos, podem utilizar essa força, sem perigo, e fazer curas.

6. Os que não estão unidos a Cristo só conseguem utilizar a força magnética com a ajuda do demônio, o que faz com
que suas práticas confinem com a magia, e tenham conseqüências graves.

7. Materialmente é difícil distinguir os fenômenos dos dois magnetismos. Eles só se distinguem formalmente. Daí a
semelhança entre as ocorrências do magnetismo animal, e o que acontecia com Katharina Emmerick.

Em coerência com essas teses, afirmavam que o poder taumatúrgico e os carismas dos santos consistiam em usar
forças naturais, unidos a Deus, o que levava a confundir o sobrenatural com o natural, a graça com a natureza. A
identificação do sobrenatural com o natural - tese cara ao romantismo - vai se tornar mais clara, quando Katharina
Emmerick narrar os milagres de Cristo. Essa identificação é heterodoxa, do ponto de vista católico, mas está
inteiramente de acordo com o pensamento esotérico e gnóstico: é no próprio homem, e na própria natureza, que se
encontram as forças capazes de redimir o homem. 0 homem é o Salvador de si mesmo, o que é uma afirmação típica
da Gnose.

Um segundo ponto interessante é a opinião de Katharina Emmerick sobre Jakob Boehme, que aparece no diário de
Wesener em 15 de Janeiro de 1818:

"Quando eu, na noite passada, li para ela um trecho do "Despertar da Aurora", de Jakob Boehme, perguntei-lhe a sua
opinião sobre esse homem notável. Ela me disse que bem pode ser verdade aquilo que ele escreveu sobre o ser de
Deus, mas que é necessário ser precavido no tocante à sua explicação das coisas naturais. Aliás, afirmou, existe uma
espécie de vida interior e uma concepção do ser das coisas que não vem do Espírito Santo, mas que resulta de outras
forças. Se eu pudesse escrever, disse ela, poderia fazer um grande livro sobre isso"(75).

De modo que, com base nesse texto, Adams pôde dizer:

"Sobre a concepção de Deus de Jakob Boehme e sua "explicação das coisas naturais", assim como a respeito da
teoria e a prática do magnetismo, ela tem sua própria opinião"(76).

A atitude que a freira demonstra face a Jakob Boehme não parece ser a de uma pessoa que entra em contato pela
primeira vez com o texto de um autor, pois ela dá sua opinião sobre o homem, Jakob Boehme, e sobre sua obra, e
não sobre o texto lido. De qualquer modo, se não ela, pelo menos seu médico lia Boehme, e comentava com ela a
obra desse teósofo, sem que ela repelisse as doutrinas de Boehme à respeito de Deus, pelo que a defesa que
Humpfner faz de Katharina Emmerick, nesse ponto, não é convincente.

Por isso, Adams pôde escrever ainda:


456
"Também o simbolismo, rico em interpretações místicas, de um Jakob Boehme, ou da "Teologia Alemã", não eram
desconhecidas em Dülmen, e não permaneceram sem influência" (77).

Um terceiro tema abordado pela vidente, ainda antes da chegada de Brentano, é o da astrologia:

"Eu pensava que cada luz, e cada estrela, fossem um corpo como a nossa terra, provavelmente habitados por seres
como nós. Ela achava que a Lua era exatamente assim, mas não as estrelas. Pois estas continham os destinos
humanos. Haveria estrelas benéficas e estrelas maléficas, tendo cada homem a sua estrela boa e sua estrela má. As
estrelas maléficas estariam atrás das boas, e não poderiam atuar tão diretamente sobre os homens. Se pudessem,
ninguém poderia viver sobre a terra" (78).

0 quarto tema, que convém lembrar, é a opinião de Katharina Emmerick a respeito do fogo do purgatório e do
inferno, expressa antes da chegada de Brentano a Dülmen. Em 9 de abril de 1814, conversando com o Dr. Wesener
acerca desse assunto, disse ela:

"De resto, não se deveria pensar que os infelizes, no inferno e no purgatório, são castigados por fogo verdadeiro; isto
seria apenas uma representação simbólica. A única e terrível fonte de castigo, para os infelizes, é a ira de Deus" (79).

0 que é uma opinião bem moderna,mas nada de acordo com a ortodoxia e, portanto, bem estranha na boca de uma
pessoa em processo de canonização.

Finalmente, um último tema: o da graça.

"Numa conversa que tive com o Sr. Limberg, sobre a obra de S. Agostinho,De Gratia, fiz a afirmação que nós todos
teríamos igual participação na graça divina, e que a única coisa realmente necessária para isso é sermos moralmente
bons. Isso bastaria para nos tornarmos participantes da graça divina.

Mas, o Padre Limberg dizia que a graça é uma dádiva voluntária do Altíssimo, a qual Ele distribui segundo a sua
santa vontade, fundamentando essa opinião na sentença de S. Paulo (II Tim I, 29), e na conversão de um dos ladrões,
na cruz. A doente interessou-se vivamente por minha afirmação, e opinou que não estaria de acordo com a justiça
infinita de Deus que um homem procurasse corretamente a graça, e não a pudesse obter. 0 Pe. Limberg permaneceu
na sua opinião, e se fundamentou na letra da Sagrada Escritura. A doente afligiu-se visivelmente com isso" (80).

Ora, embora Deus conceda a graça suficiente a todos, Ele não distribui graças iguais para todos os homens. Esse
conceito igualitário sobre a distribuição das graças, que Katharina Emmerick manifesta, é realmente contrário às
Escrituras, como bem lembrou o Pe. Limberg, mas está bem de acordo com a filosofia e o pensamento em voga na
Alemanha romântica.

Defesa de magnetismo cristão, simpatia por Böehme, idéias favoráveis à astrologia, conceito igualitário da
economia da graça, negação do fogo do inferno e do purgatório, todas essas idéias são pontos de uma estrutura de
pensamento muito comum na época do Romantismo, restando perguntar onde, ou com quem, Katharina aprendeu
tudo isso.

É bem difícil encontrar resposta para essa questão. A única pista que encontramos foi uma declaração do decano
Bernard Rensing incluído na "Positio". Segundo consta, quando ele falou da pretensa iluminação de Katharina
Emmerick com o cartuxo Padre Anselmo Kroutz, este sorriu e disse:

"Muitas coisas que ela sabe de religião e de vida espiritual, provavelmente ela apreendeu comigo, porque, nesta
matéria, ela era muito ávida de saber, e, com esta finalidade, ela vinha freqüentemente ao meu quarto, nas suas horas
livres, para conversar de coisas espirituais, e eu lhe explicava ora sobre este, ora sobre aquele ponto" (81).

Evidentemente, isso, só, não prova muito, mas é mais um indício de que a tese de que Katharina Emmerick era uma
camponesa absolutamente ignorante não se sustenta tão facilmente. Falando de suas leituras ao decano Bernard
Overberg, Katharina Emmerick teria dito que lera muito pouco na sua vida, e com dificuldade, pois logo caía em
contemplação extática, e citava, como exemplo de leitura, a Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis (82):
"Taulerus é o primeiro e o único livro com o qual eu posso entreter-me. Eu entendo todo o seu conteúdo, com ele
estou bem" (83).

Como vimos, Brentano costumava ler para ela livros de mística, para provocar êxtases nela.
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"Muitas vezes, quando eu lia para ela sermões de Tauler, ou um livro espiritual, por alguns minutos, ou tinha
conversas sobre religião com seu confessor ou com seu médico, estando ela presente, ela mergulhava em sono
extático, e parecia que sua alma tinha deixado o corpo, o qual parecia abandonado, sem sentido, como morto,
assumindo tal rigidez, que se podia pegá-la pela cabeça, como se estivesse petrificada" (84).

[Eram lidos para ela, ainda]: "Tauler, Teerstegen, antigos livros de devoção, algo do "Diálogo no Pequeno Convento
da Cruz entre Jesus e uma alma, extraído de um antigo livro de oração", vidas de santos, "A Cidade de Deus", de
Maria de Ágreda. Em 4 de maio de 1819, ele diz: "0 Peregrino Querúbico" (de Angelus Silesius) é para ela um total
e agradabilíssimo. entretenimento... A leitura da "Teologia Alemã" a alegrou extraordinariamente, e ela adormeceu.
"Não somente o peregrino (Brentano), mas também a vidente mostravam um amplo conhecimento da literatura de
visões místicas." Ela indica agora: Theresa, Catarina de Siena, Clara de Montefalco, Brígida, Hildegarda, Verônica
Giuliani, Maria de Jesus, etc. de cujas visões o peregrino observa que ela só teve um conhecimento interior" (85).

Tudo isso mostra que Katharina Emmerick não era propriamente a camponesa iletrada e absolutamente inculta, que
alguns pretendem apresentar. Note-se, que a lista de livros místicos relacionados é uma mistura de santos e de
autores, cuja doutrina e terminologia podem ser facilmente entendidas de modo gnóstico ou esotérico, como é o caso
de Angelus Silesius.

Clemens Brentano chegou a Dülmen em 24-IX-1818, a fim de conhecer Katharina Emmerick, de quem lhe haviam
falado, entre outros, Christian Stolberg, Ludwig von Gerlach, e seu irmão, Christian Brentano.

0 Conde F.L. von Stolberg, antigo Iluminado da Baviera, convertera-se ao catolicismo, e passara a ter contato com a
chamada "Sagrada Família" de Münster, grupo católico que girava em torno da família Droste Vischering. Em 1813,
pouco depois de se tornar público o fato de que havia uma freira estigmatizada em Dülmen, o Conde von Stolberg
foi vê-la com a licença de seu antigo amigo o vigário-geral Dröste Vischering, junto com o decano Bernard
Overberg. Stolberg escreveu uma carta, relatando o que viu em Dülmen, carta que foi publicada e que seu filho
Christian, mostrou a Brentano. Em 1815, Christian von Stolberg e Ludwig von Gerlach foram a Dülmen, e voltaram
a Berlim, contando o que haviam visto a Clemens Brentano e demais companheiros da "Tischgesellschaft"
[Sociedade da Mesa].

Como vimos no capítulo II deste trabalho, Christian Brentano esteve em Dülmen, em contato íntimo com Katharina
Emmerick, de 5 de abril a 4 de julho de 1817. A seguir, foi a Berlim tentar convencer seu irmão Clemens a ir ver
Katharina Emmerick. Era pelo ângulo do Magnetismo que Christian, médico e magnetizador, se interessava pelo
caso Emmerick. Clemens Brentano, entretanto, estava nesse tempo apaixonado por Luise Hensel, e por nada no
mundo queria se afastar dela.

Em 1818, Christian Brentano preparou nova visita a Dülmen, desta vez em companhia do Pe. Sailer, que tinha
grande influência sobre Clemens, e ambos rogaram ao poeta que os acompanhasse na visita a estigmatizada. Luise
Hensel, tendendo a converter-se ao catolicismo, pressionou também o seu apaixonado Clemens a fazer a viagem,
tendo nisso um duplo interesse: o religioso e o pessoal, pois queria livrar-se de Brentano, pelo menos durante certo
tempo, já que ele estava se excedendo em suas manifestações de amor por ela:

"0 peregrino [apelido para designar Clemens Brentano], se tornou para ela um horrível fardo; ele ficava sentado na
sua cama, todas as noites, enquanto ela esteve doente!... Ele a perseguia por todas as ruas, e a espionava nas
esquinas; se ela conversava com outros, ele ia atrevidamente ao seu encontro. Ele se atirou ao chão, e pediu que ela
o pisoteasse, o que ela fez realmente, com repugnância. Então ele vagueou sem direção como um louco, dizendo que
merecia isso" (86).

Em 14-IX-1818, Brentano deixou Berlim, para ir encontrar-se com Sailer, no castelo dos Stolberg, em
Sondermühlen. No dia seguinte, chegou a Münster, onde cativou a amizade de Overberg, confessor de Katharina
Emmerick. Em 24-IX-1818, estava em Dülmen, onde ficara, com pequenos intervalos, até 1824.

Brentano chegava a Dülmen em meio a uma grave crise religiosa e sentimental. Apaixonado por Luise Hensel a
ponto de querer tornar-se protestante, para casar-se com ela, - sua segunda esposa, Augustine Busman, vivia ainda -
e vendo-se recusado, em suas aspirações, por influência de Luise, acabara por converter-se, fazendo uma confissão
geral. Vivia ainda o "fervor de noviço". Além disso, há pouco se interessara sobremaneira pelosErwektenda Baviera
[Despertados da Baviera, uma espécie de seita carismática] e pelas teorias do pastor pietista Hermes, e já vimos,
458
também, que nesse tempo, recrudescera seu interesse pelos temas esotéricos e místicos, pois lia
Böehme,Swedenborg, Saint-Martin, aDeutsche Theologie, e obras sobre a Cabala. Seu irmão Christian o
aproximara do magnetismo.

Nos anos anteriores, 1815-1816, a arte fôra para Clemens Brentano uma espécie de religião:

"Pela poesia, pelo amor, ele esperava sempre poder satisfazer sua necessidade imperiosa de restabelecer uma
unidade comprometida pelo pecado original. Depois, ele compreendeu que ele aspirava a um impossível retorno a
um mundo, no qual não haveria mais divisão e ruptura, nem sexos, nem desejo, e nem pecado" (87).

Segundo J. Adams, do Diário de Brentano se conclui que ele julgou encontrar, em Dülmen, com katharina
Emmerick, três coisas que procurara durante toda a sua vida:

1. uma mulher medianeira de salvação;

2. inserir-se, através dessa mulher, num todo maior, no corpo da Igreja, na realidade viva da comunhão dos santos,
no tesouro das graças;

3. uma missão, a missão de sua vida: redigir tudo o que a estigmatizada dizia do mundo sobrenatural (88).

Todo o relato de Brentano sobre sua chegada a Dülmen, a descrição dos costumes do povo da região, e seus
primeiros contatos com Katharina Emmerick, estão eivados de uma grande distorção romântica e sonhadora. Ele
descreveu o que queria ver, e, por exemplo, ele achou Katharina Emmerick extraordinariamente parecida com Luise
Hensel, de quem ele não se esquecia (89). Escrevendo para ela um diário de tudo o que via, e do que não via;
enviando-lhe então as visões que Katharina Emmerick teria tido sobre ela, Luise, e sobre os perigos espirituais que
ela corria em Berlim, ele procura, deste modo, trazê-la também para Dülmen. Mais tarde confessou à mesma Luise,
que tais visões tinham sido invenção dele: "puros produtos da imaginação exaltada e mórbida de poeta" (90).

Em 1842, Luise pediu ao jovem Van der Meulen, que perguntasse a Clemens Brentano o que realmente Katharina
Emmerick vira a respeito dela, visto que ela pensava tornar-se religiosa, já que, numa suposta visão, Katharina a
relacionara com um convento. A esta questão, Clemens Bretano respondeu então que, sobre Luise, Katharina
Emmerick não vira nada (91).

Logo, entre Clemens Brentano e a freira estigmatizada, se estabeleceu uma grande intimidade. Ele obteve a chave de
seu quarto, e passava lá noites inteiras, o que causou uma onda de murmúrios maledicentes, em Dülmen (92) e ele
mesmo, no seu diário para Luise Hensel, contou que, em seus sonhos, a freira foi prevenida de que a caridade de
Brentano era apenas uma máscara da "paixão muito violenta que ele concebera por Katharina Emmerick" (93).

Bernard Gajek mostrou, por outro lado, através da análise das poesias que Brentano fez durante sua estadia em
Dulmen, que ele procurava, então, sublimar a atração que sentia pela vidente:

"A relação de Brentano com ela (Katharina Emmerick) tinha coloração erótica, é o que se torna evidente em seus
relatórios" (94).

Vimos [no capítulo II] que também J. Adams chegara a uma conclusão semelhante, ao dizer que, embora em níveis
diferentes,as relações de Brentano com Katharina Emmerick e com Sophie Mereau,mostram extrema semelhança
de estrutura" (95).

Para se ter uma idéia da intimidade que o poeta tinha com a freira, veja-se o seguinte texto:

"Estranho movimento no corpo.Ontem à noite, mais ou menos às 6 horas, o Peregrino [Clemens Brentano]
sentou-se ao lado da cama dela, e colocou a mão esquerda, sobre o cobertor, cerca de duas polegadas perto do meio
da coxa esquerda dela, e dialogava com ela. De repente, ouviu um som ameaçador, aproximando-se de sua mão, e,
ao mesmo tempo, entrando pelo quadril da enferma, onde ele tinha colocado a mão, e daí passou por sua mão por
baixo da colcha grossa pespontada, e desceu para o pé, sobre o corpo que se sacudia. Ele perguntou à doente o que
seria isso, e ela disse: agora está no calcanhar. Ela sente isso correr, já há alguns dias. Isso estava há pouco em sua
face esquerda, mas quando ela colocou a mão sobre a face, passou para o busto esquerdo, depois para o lado
esquerdo do ventre, a seguir correu para baixo. Freqüentemente anda sobre o corpo. Não dói. É como se fosse um
puxar. Recentemente, andou muito sobre o seu corpo, tanto que pôde então urinar. 0 Peregrino [Clemens Brentano]
molhou sua mão esquerda com água benta, e pegou o calcanhar esquerdo dela, que se achava, então, com um certo
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tremor. Cerca de dois minutos depois, ela disse: "Está de novo no corpo", no qual havia um ruído especial. 0
Peregrino sentiu como se alguém estivesse empurrando um bastão longo e forte, de mais ou menos duas polegadas,
ao longo da coxa"(96).

Nesse texto, Adams nota a preocupação de Brentano em ser objetivo, fazendo um diagnóstico frio, afirmando,
entretanto, que o ponto principal está em outro nível, totalmente diferente: um acontecimento sinistro e misterioso
que evoca uma atmosfera assustadora e demoníaca. Ora,para nós, o fato descrito com tantas minúcias parece
situar-se "totalmente noutro nível": o de um falso misticismo erótico, pois impressiona a sem-cerimônia com que
Brentano diz, que, ao conversar com a freira, pôs a mão sobre o meio de sua coxa esquerda. Não é uma atitude que
normalmente uma senhora qualquer permita, quanto mais uma freira, e ainda mais estigmatizada,o que prova a
incrível intimidade de Brentano com a vidente, assim como a liberdade com que ela permitia que ele a tocasse.

No dia 9 de outubro de 1818, Brentano registra em seu diário, que viu pela primeira vez os estigmas de Katharina
Emmerick:

"Seu confessor tinha desejado que eu visse os estigmas, para dar sobre eles um testemunho verídico. A marca da
lança no lado direito do peito dá uma impressão perturbadora. Ela parece ter duas polegadas e meia de comprimento,
e me causou a impressão de uma boca pura e silenciosa, cujos lábios estão ligeiramente separados. Além da dupla
cruz em forma de forquilha sobre o osso do peito [o esterno], ela tem na região do estômago, uma cruz latina, tendo
uma polegada de largura, que não verte sangue, mas, sim, água" (97).

(97). No Diário [de Brentano] para Luise Hensel, a descrição dos estigmas aparece, em 4-XII-1818:

"A cruz do peito, a chaga do flanco, a cruz sobre o estômago.

"Ela me mostrou esses estigmas hoje por ordem de seu confessor, sob obediência espiritual. Descreverei todos esses
estigmas na ocasião em que tiver que relatar a estigmatização. A dupla cruz grega, sobre o osso do peito [o esterno],
cujo comprimento equivale à largura de uma mão, aparecia, hoje, como uma leve irritação da pele, não tendo cor de
sangue sequer no cruzamento das linhas. Porém, em toda a sua volta, aparecia por baixo da pele uma coloração
vermelha de sangue, cujo tom ficava mais claro à medida que se afastava da cruz. Esta cruz se move junto com a
pele. Acontece muitas vezes que essa mancha de sangue passa do vermelho claro ao vermelho mais intenso. 0
derramamento de sangue da própria linha da cruz cessou há alguns anos, porém, exsuda na região dessa linha,
algumas vezes, suor tingido de vermelho. A cruz latina no peito, debaixo da região do coração, que freqüentemente
derrama água, vi-a, hoje, marrom bem claro. A região da chaga sob a quarta costela, contando a partir de baixo, do
lado direito daquele miserável corpo, causa uma impressão tão tocante, que é quase impossível vê-la sem lágrimas.
Já há algum tempo não derrama sangue vermelho forte, porém, muitas vezes, derrama soro, e outras vezes está mais
ou menos avermelhada e dolorida. Não é propriamente uma ferida com lábios separados, mas mostrava-se, hoje,
apenas, tal a cruz do peito, como uma fina fissura na pele, com bordas levemente avermelhadas e puras. Eu vi essa
chaga hoje com um comprimento de 2,5 polegadas, dando a impressão de uma boca silenciosamente pura, com os
lábios quase não separados" (98).

Nos dois textos, a comparação da chaga do peito de Katharina Emmerick com uma boca de lábios entreabertos é
reveladora: isso tem relação com a idéia de Brentano, inspirada em Boehme, de que, primitivamente, antes do
pecado original, em Eva, a geração humana se daria por meio da palavra humana, e não pelo sexo. A criança gerada
sob o coração da mãe, nasceria por meio de uma "boca", que se abriria no peito da mãe, na hora desse estranho parto.
Entre os pietistas, admiradores de Jakob Boehme, isso deu origem a um culto da chaga de Cristo, chaga essa que
Jesus recebera para restabelecer o modo de geração e de nascimento originais do homem, segundo Boehme.

É evidente que todas essas idéias de Boehme e de Brentano são de natureza gnóstica, pois manifestam uma profunda
ojeriza, e mesmo repugnância pela reprodução humana tal qual ela foi estabelecida por Deus, por via sexual.

Logo, Brentano se entusiasmou com as experiências mágico-magnéticas que o confessor fazia com a doente: como
ela chupava o dedo consagrado do padre, como ela atendia às ordens em nome da obediência, quando estava em
êxtase, etc.

Depois, ele pediu ao padre que escrevesse a ordem: "Sê obediente. Levanta-te", num papel e, quando o confessor
colocou o bilhete sobre a cabeça da vidente em êxtase, imediatamente ela se ergueu, perguntando o que se queria
dela. Retirado o bilhete, ela recaiu no êxtase. E Brentano acrescenta: "Eu guardo esse bilhete, e eu quero saber se, na
ausência do confessor, eu poderei, eu também, dele me servir, para despertá-la" (99).

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Alguns dias depois, Brentano conta:

"Esta tarde, como ela se encontrava em êxtase, durante a ausência do seu confessor e como não havia ninguém que
pudesse despertá-la, eu peguei a ordem escrita por ele e, apenas eu a havia colocado sobre o seu peito, ela voltou a si,
como de costume" (100).

0 fato narrado se encaixa perfeitamente nas experiências do magnetismo ou do "catolicismo mágico", porque dele se
pode deduzir que a força para despertar Katharina Emmerick teria passado do Padre para o bilhete, que continha a
ordem escrita. Outro fenômeno, que fascinou Brentano em Katharina Emmerick, foi a sua capacidade de reconhecer
as relíquias dos santos. Brentano colocava relíquias de santos sobre as chagas de Katharina Emmerick, e ela, caindo
em êxtase, tinha visões sobre a vida da pessoa a quem pertencia a relíquia (101).

0 passo seguinte foi colocar sobre as chagas da vidente relíquias falsas, para que ela as identificasse, ou objetos
antigos - um fóssil de um animal, ou um objeto do Império Romano - para que ela tivesse visões do passado. A
seguir, ele começou a colocar, sobre as chagas da freira, cabelos de Luise Hensel, a fim de que a vidente lhe desse
informações sobre a vida, os sentimentos, e o que ocorria com sua bem-amada. Fez o mesmo com cabelos de Sophie
Méreau. Finalmente, ele pôs unhas da própria vidente sobre as chagas, para que ela tivesse visões a respeito de si
mesma, vendo-se como se fosse outra pessoa.

Outro meio usado pelo poeta para provocar visões na freira, fazendo-a cair em êxtase, consistia em ler para ela livros
místicos, especialmente os de Tauler.

"Um meio muito eficiente é a conversa espiritual de todo tipo, e principalmente a leitura espiritual, em que ela
mostrava uma preferência declarada pelos escritos de Tauler: "Eu os leio em êxtase", dizia ela (102).

Afinal, Brentano dominou de tal modo Katharina Emmerick, que o Dr. Wesener queixava-se, dizendo que ela agora
só ficava em êxtase, tendo uma relação físico-magnética com o poeta.

"Até este ponto está tudo bem. Entretanto, preocupa de certa maneira o estranho contato pelo qual o Sr. Brentano se
aproximou da doente, e sua relação físico-magnética através da qual ele - e agora eu também - ele pode produzir por
esse meio reações e a imobilidade do êxtase, já que isto acontecia apenas - embora aconteça ainda - através de visões
interiores, obtidas pela benção da Igreja" (103).

Brentano dizia ter conseguido manter comunicações telepáticas com a freira.

"Alguns dias depois o senhor Brentano descobriu também uma linguagem de pensamentos nela: ele entretinha-se
com ela, em pensamento, e ela respondia normalmente às suas perguntas, feitas em pensamento, quando ele pegava
a sua mão" (104).

Brentano, diz Érica Tunner, encontrou em Katharina Emmerick três elementos essenciais para ele: a mulher
mediadora, com a qual ele sempre sonhara; a mulher inocente, que "dorme em seus braços, como uma criança"; a
mulher maternal, que o compreende e protege, que o guia nos caminhos da perfeição, prometendo-lhe paz, calma e
consolação.

"Eu me tornei seu filho", escreve ele a Luise Hensel, em 1-XI-1818 (105). A esses elementos acrescentaremos nós
um quarto item: ela é também a "médium", que permite ao poeta alcançar o mundo sobrenatural, o mundo do sonho,
e cujas informações alimentarão a sua fantasia, e confirmarão as suas teorias.

Nessas condições, era natural que um homem como Brentano, de pujante e dominadora personalidade, procurasse
ter Katharina Emmerick apenas para si. Tendo chegado a Dülmen em setembro, três meses depois ele já estava em
conflito com todas as pessoas que formavam a "entourage" da vidente. Ele invejava os padres pela intimidade que
Katharina Emmerick tinha com eles, revelando-lhes o interior de sua alma. Além disso, Brentano invejava a atração
que a vidente tinha pelos dedos consagrados dos padres. Logo pensou em tornar-se padre também (106). Mas sua
situação de homem casado (Agustine Busman matar-se-á em 1832) não lhe permitiu realizar esse intento.

Ele criticava todos os circunstantes, porque faziam Katharina Emmerick perder tempo: Wesener, falando-lhe de
seus doentes; os padres e os parentes dela, tratando de ninharias. Mas ele próprio, porém, esgotou a paciência da
freira, por causa de suas exigências insaciáveis de minúcias, a respeito do que ela via em êxtase.

Em Janeiro de 1819, Brentano viajou a Berlim, a pretexto de vender sua biblioteca, mas, na verdade, viajou por estar
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com ciúmes de Luise Hensel. Com efeito, Luise se convertera há pouco ao catolicismo, enquanto Katharina
Emmerick e Brentano continuavam rezando para que essa conversão viesse a se realizar. Luise entregou ao poeta o
seu diário, no qual ele pôde constatar a paixão que ela tinha por Ludwig von Gerlach, e, ao mesmo tempo - e
contraditoriamente -, o seu desejo de entrar num convento. Brentano, então, não descansou até afastar Luise de
Berlim e do seu rival, e a colocou como governanta, em Münster, na casa da princesa da Salm, Amélia Gallitzin.

A seguir, ele vendeu a sua biblioteca, rica em livros raros e manuscritos preciosos, e conservou apenas os livros de
teologia, vidas de santos, e edições raras de Basilide e de Spee, além de livros de exorcismo e de Cabala (107).

Logo que Brentano deixou Dülmen, montou-se ali uma pequena conspiração, para que ele não mais retornasse. 0
padre Lambert implorou a Katharina Emmerick que não permitisse a sua volta, e o Dr. Wesener apoiou o seu
pedido. Eles escreveram cartas a Brentano, dizendo-lhe que não retornasse a Dülmen, pois trazia mais prejuízos do
que vantagens à vidente. Após uma troca de cartas de todos com Overberg, e do arrependimento de Brentano,
consentiu-se que ele voltasse, graças especialmente ao apoio que Overberg lhe deu. É de se notar, porém, que
Hümpfner provou que as cartas de Wesener e Lambert para Brentano, publicadas por Schmoeger, foram forjadas
pelo poeta (108).

Em maio de 1819, Brentano retornou a Dülmen, onde ficara até 1824. Porém, suas relações com Katharina
Emmerick foram, pouco a pouco, se deteriorando. Logo que voltou, Brentano se queixou de que Katharina
Emmerick se esquecia de todas as profundas comunicações que recebia do além, e que quase as abandonava (109).

"Ela é mal humorada", torna-se "impaciente nas perguntas melindrosas, é "facilmente lacônica", "muito complicada
para o convívio", "muitas vezes astuciosa"; "procura causas para desgosto, ela mesma trama acusações infundadas";
"teimosa, impaciente e incompreensiva, e levando tudo a mal, como uma pessoa muito caprichosa" (110). Estas
eram as queixas de Brentano contra a freira.

E continua ele na crítica impiedosa à sua "santa":

"Ela é preguiçosa para as conversas espirituais", e, no entanto, conduz "as conversas muito agilmente, quando se
trata de bisbilhotices" (111). Brentano passa a dar-lhe importância apenas como vidente, e só se interessa pelas
informações que ela fornece em estado de êxtase, porque "às suas conversas, quando desperta, pouca importância se
dá". E ela, em geral, nesse estado, é "um ser muito débil, é muito enfadonha e sem sabedoria" (112). Indo mais
longe, acrescenta: "Sua ‘débil’ humanidade, porém, é somente o local de travessia, desinteressado e inconsciente, da
"corrente de graça", "da qual para ela mesma nenhuma sabedoria resulta", e de nenhum modo "consolação ou
entendimento" (113).

Brentano a acusa mesmo de ter pouco interesse pelas suas próprias visões, porque "com indiferença total ela esquece
completamente as mais importantes comunicações, e as põe de lado, sim, ela esquece com gosto (114). Ela parece,
aliás, não entender nada das tais imagens (que vê); pelo menos ela se porta como se fosse assim (115)... eis porque
suas palavras, quando desperta, merecem pouca ou nenhuma confiança" (116).

"São notáveis o seu mau entendimento, e seu costume de dar conselho em tudo, antes que lho peçam. Sem
compreender, ela toma as palavras totalmente às avessas, e teima em sua resposta. Ela raramente sabe o que se diz,
e diz raramente o que sabe".

Não se poderia ser mais cruel e arrasador. É bem o estilo de Brentano (117).

Ele não poupa, também, o ambiente em que ela vive, "suas companhias desesperadamente repugnantes", a
"monstruosa confusão" e "a total confusão e porcaria em torno dela" (118).

Aliás, na própria "Positio", se dá o testemunho de Rensing, de que Katharina Emmerick "usa do vocabulário
popular, palavras que ofendem o ouvido de pessoas educadas" (119).

Isto quer dizer que ela era pouco recatada nas palavras, usando palavras prosaicas e grosseiras.

Como uma pessoa como essa freira poderia ser, um dia, Serva de Deus, com processo de beatificação em Roma?

Foge ao escopo desta tese a discussão sobre a autenticidade das visões de Katharina Emmerick, e sobre a fidelidade
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de Brentano, como divulgador das mesmas. Interessa-nos apenas, como já dissemos, constatar a existência de traços
cabalísticos e esotéricos nessas visões.

Contudo, queremos ressaltar, preliminarmente, alguns pontos:

Katharina Emmerick tinha visões, sonhos extraordinários e êxtases, já antes da chegada de Brentano;
Katharina Emmerick - nós já o mostramos - compartilhava, já antes da vinda de Brentano, de muitas das idéias que
aparecerão nas anotações das visões de Brentano;
Não discutiremos, nesta tese, a natureza das visões de Katharina Emmerick, nem sua origem.
Quando Brentano chegou a Dülmen, ele ficou entusiasmado com os estranhos fenômenos que se davam na pessoa
da freira, fenômenos esses que eram, para ele, a comprovação de que suas visões do além eram autênticas. Como diz
Adams: "...aos olhos de Brentano, Katharina Emmerick é uma profetiza inspirada e escolhida por Deus, "talvez a
maior vidente alegórica e histórica que viveu, desde Ísis (Sic)" (120). Emmerick se acha também dignamente
incluída, por Brentano, entre os maiores sábios e videntes da humanidade" (121). E o poeta não hesita em
compará-la aos profetas do Antigo Testamento, a São João e a Zoroastro (Sic), dizendo que, como eles, ela recebeu
o seu livro de profecias da misteriosa "Montanha dos Profetas" de que trataremos mais adiante (que seria
identificada até com o Mont Ségur dos cátaros, ou com a Monte Alborz da gnose shiita, como mostra Henry Corbin.
Brentano não para aí, e chega a atribuir a Katharina Emmerick a missão de ser a grande intermediária entre Deus e a
natureza, e como que uma Redentora ou Messias da natureza, como esperavam os autores românticos:

"Assim, a vidente está colocada propriamente como mediadora entre Deus e a Natureza. A ela foi concedido o poder
de elevar as criaturas para Deus, e conduzi-las à sua determinação eterna nEle" (122).

As Revelações e a missão de Katharina Emmerick estariam, por isso, acima dos feitos pelos demais profetas, e
preparariam o Novo Reino de Amor, do qual Brentano seria, por vocação divina, o anunciador, já que Deus o
encarregara de anotar e publicar tais revelações.

A "poesia", que abrange as visões de Emmerick, não é mais apenas "fragmento", mas, sim, é a "totalidade" que Deus
revelou a seus escolhidos, para o restabelecimento da "unidade" perdida, para a salvação do "tempo despedaçado e
totalmente cego", e que teria sido entregue a ele (Brentano), como o porta-voz predestinado, para anunciação,
preparação e fundação de nova idade da fé que ia chegar:

"Eu recebi, foi-me entregue uma parte do Apocalipse para a qual, até agora, os homens ainda não estavam maduros,
e eles não sabiam que tinham recebido esses raios, que são de João, e toda a luz cairá sobre a Igreja. Acontece que a
Igreja não tinha, nos últimos tempos, capacidade nenhuma de receber essa luz" (123).

Como se vê, era uma espécie de novo Pentecostes, de nova revelação, de uma renovação da Igreja, que a faria mais
perfeita como jamais fôra, que inauguraria a nova era do amor.

E como são comuns, hoje, os ecos dessas palavras!...

Com o tempo, e ante a constatação dos inúmeros defeitos de Katharina Emmerick, que, segundo Brentano,
tornavam-na indigna de sua missão, o poeta passou a considerá-la apenas como um veículo de manifestação da
Divindade, que nada compreendia de suas próprias visões. Por isso, só a ele, Brentano, cabia o grande fardo de
comunicar tais revelações ao público. Daí a liberdade com que ele tratou as "visões" da freira de Dülmen.

Quando Brentano retornou a Dülmen, em maio de 1819, ele visitava a freira todas as manhãs, para anotar o que ela
dizia ter visto, em sonhos, à noite. À tarde, ele passava suas notas a limpo e, por fim, à noite, vinha lê-los para a
freira, que corrigia o que fôra mal expresso. Isto, pelo menos, é o que o poeta diz que fazia. Hoje, porém, a polêmica
sobre a autoria dasVisõesde Katharina Emmerick parece já resolvida, e a posição do padre Schmoeger de que
Brentano foi objetivo na anotação do que lhe dizia a vidente, se mostra insustentável, graças aos estudos
realizados,ea publicação dos textos originais do poeta. Bem antes, Diel e Kreiten colocaram em dúvida a fidelidade
de Brentano, na reprodução das visões de Katharina Emmerick, por causa do reconhecido caráter fantasista do
poeta, e os censores dos escritos da "vidente", no processo de canonização instaurado em 1892-1894, chegaram à
conclusão de que Brentano é que devia ser responsabilizado por eles.

0 padre Winfried Hümpfner, no trabaIho que elaborou para a Congregação dos Ritos, tendo em vista o mesmo
processo, chegou à conclusão, como vimos, de que os escritos atribuídos a Katharina Emmerick são "uma
mistificação científica, consciente e premeditada" de Brentano (124).

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Por outro lado, os novos estudos encomendados pela "Sagrada Congregação para a Causa dos Santos" aos
professores Erwin Iserloh e Ildefonz Maria Dietz vieram confirmar a opinião dos censores e a do Padre Hümpfer,
assim como os trabalhos de Hans Stahl, Cardauns e Oehl também contribuíram para a demonstração de que
Brentano não foi um relator fiel.

Para Joseph Adams, enfim, é evidente que Brentano manipulou os dados fornecidos por Katharina Emmerick, o que
se comprova pela fluidez, exatidão e habilidade do estilo (125).

A conclusão geral a que se chegou foi de que os textos das Visões de Anna Katharina Emmerick são de Clemens
Brentano, o que não exclui que ela tenha tido visões, e que algodo que ela disse esteja realmente nos textos de
Brentano, embora adornado e completado por observações desse poeta e redator infiel.

Constata-se, pelo que vimos até agora, que existia uma profunda relação do Romantismo com o esoterismo e a
Cabala.

Verificamos ainda como a vida, a mentalidade, as leituras e idéias de Brentano foram influenciadas pelas doutrinas
esotéricas e cabalistas.

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Registramos, enfim, como Anna Katharina Emmerick, e igualmente as pessoas de seu círculo mais próximo, não
estavam isentas de influências esotéricas, teosóficas, gnósticas e cabalistas.

Veremos, em seguida, como tais doutrinas e idéias, que encharcavam os ambientes religiosos e culturais da
Alemanha do tempo do Romantismo, repercutiram nos textos das Visões de Anna Katharina Emmerick, redigidas
por Clemens Brentano.

NOTAS

(1) K.E. SCHOMOEGER, Das Leben der Gottseligen Anna Kathari Emmerick, Herder, Freiburg im Brisgau, 2 vol.,
1987-1870.
(2) K.E.Scihmoeger, Vie d'Anna Catherine Emmerick, 3 vol., Téquí, Paris, reproduction offset d'après l'édition
originale de 1868 de Bray et Retaux, 1981.
(3) DIEL-KREITEN Clemens Brentano, Ein Lebensbild, 2 vol. Herder'sche Verlage Freiburg im Brísgau, 1877.
(4) T. WEGENER, Das inner und äussere Leben der Gottseligen Dienerin Gottes Anna Katharina Emmerick aus
dem Augustinerordens, Paulttloch Verlag, Aschaffenburg, 1974, 2aedição.
(5) POSITIO, p.2. Documento da SACRA CONGREGATINIS PRO CAUSA SANCTORUM.
(6) WINFRIED HÜMPFNER, Clemens Brentano Glaubewurdigkeit in seínem Emmerick Aufzeichnungen, St.
Ritua Verlag und Druckerei Wurzburg, 1923.
(7) Apud Relatio et Vota, voto V. - "Relatio et vota do Congressus peculiarís" - Roma, 10 de fevereiro de 1982,
documento da Sacra Congregationis Pro Causa Sanctorum, p.n. 1225, assinado pelo Pe. Agostino Amore O.F.M.,
Relator Geral, com o visto de Giuseppe Casoria, secretário; este documento tem por título "An causam eius
íntroducenda sit" ("Se a causa dela pode ser introduzida").
(8) Relatio et vota Voto VI.
(9) J. ADAMS - Clemens Brentanos Emmerick - Erlebnis, Verlag Herder, Freiburg, 1956.
(10) A. BRIEGER - Der Gotteskreiss, Manz Verlag, München1966, Anna Katharina Emmerick Visionem und
Leben, Erich WewelVerlag, München / Freiburg, 1974.
(11) Cfr. CB - Tgb apud "Anton BRIEGER, Anna Katharina Emmerick Visionem und Leben, Erich Wewel Verlag,
München - Freiburg -1974.
(12) Tagebuch de Clemens Brentano-apud e, ADAM S, cit., p. 176.
(13) Apud J. ADAMS, op. cit., p. 176, nota 345)
(14) Clemens BRENTANO apud SCHMOEGER Anne Catherine Emmerick, Tégui - París, 1981, 1º vol. p. 9.
(15) SCHMOEGER - op. cit. vol. 1, pp. 13 e 55.
(16) WESENER., Tagebuch Kurzedrangten Geschichte, p. 254.
(17) Cfr. ERIKA TUNNER, Clemens Brentano (1778-1842), Tese apresentada na Universidade de Paris - 10-
IV-1976, Librairie Honoré Champíon, Paris, 1977, 2 vol.
(18) Cfr. SCHMOEGER, op. Cit. vol. I. p.p. 38-40.
(19) Cfr. M.T. LOUTREL - Anne Catherine Emmerick racontée par elle-même et par ses contemporains - Tequi,
Paris, 1980, p. 28.
(20) Cfr. A. BRIEGER - Anna Katherina Emmerick, Visionen und Leben, ed. cit. p. 20.
464
(21) Cfr. LOUTREL, op. cit. p. 46.
(22) WESENER, Tagebuch, ed. cit., p. 246.
(23) C. B. Tgb. apud. A. BRIEGER, op. cit., L.
(24) Cfr. SCHMOEGER, op. cit., vol. 1, pp. 151-152.
(25) WESENER, op. cit.., p. 245.
(26) C. B.Tgb, apud A. BRIEIGER, op. p. 224.
(27)WESENER, op. cit., p. 248.
(28) Cfr. SCHMOEGER, op. cit., pp. 282-283.
(29) Cfr. C.B., Tgb. apud A. BRIEGER - op. cit., p. 224.
(30) Cfr. WESENER, op.cit., p. 251.
(31) Cfr. SCHMOEGER - op. cit., pp. 265-269.
(32) Cfr. SCHMOEGER - op. cit., p. 268.
(33) Schmoeger, op. cit., pp. 270-271.
(34) Cfr. WESENER, op. cit., p. 2b2.
(35) Cfr. SCHMOEGER - op. cit., vol. I, pp. 272-273
(36) Cfr. SCHMOEGER - op. cit., vol. I, p. 274.
(37) Cfr. SCHMOEGER - op. cit., vol. I, p. 282.
(38) Cfr. SCHMOEGER - Vol. I, PP. 309~316 - desenhos p. 641.
(39) Cfr. SCHMOEGER - op. cit., vol. I, p. 373.
(40) Cfr. SCHMOEGER - op. cít., Vol. I, pp. 382-383.
(41) Cfr. E.TUNNER, op. cit., vol. 11, p. 830.
(42).Cfr. E. TUNNER, op. cit. vol.II, p. 832.
(43) SCHMOEGER, -- op. cit. p. 69
(44) Cfr. WESENER - op. cit. p. 194
(45) POSITIO -- Documento da SACRA CONGREGATIONIS PRO CAUSA SANCTORUM 10/VI/1928.
(46) ADAMS -- op. cit. p. 81.
(47) SCHMOEGER - op. cit. Vol. II, p. 59
(48) SCHMOEGER - ob. cit., vol. II, p. 73
(49) Cfr. POSITIO - Animadversionnes
(50) Cfr. WESENER - Kurzgedrangte Geschichte-, p. 248
(51) WESENER, Tagebuch 23-111-1813 - Paul Pattloch Verlag Aschaffenburg, 1973, pp. 3 e 4
(52) E. TUNNER, op. cit., Vol. II, p. 841
(53) Cfr. WESENER, Tagebuch, pp. 159-160
(54) WESENER,Tagebuch, p. 102.
(55) Cfr. WESENER, op. cit.,256
(56)WESENER,op. cit., p. 170.
(57) Cfr. WESENER, op. cit., p. 176.
(58) WESENER, op. cit., p. 177.
(59) Cfr. J. ADAMS, op. cit., p. 157
(60) ADAMS, OP. cit., p. 158.
(61) Cfr. WESENER, op. cit., p. 286.
(62) WESENER, op. cit., p. 98.
(63) WESENER, op. cit., p. 127.
(64) WESENER, op. cit., p. 1b6.
(65) SCHMOEGER - op. cit., p. 478.
(66) Cf. WESENER - op. cit., pp. 157-158
(67) WESENER - op. cit., p. 158'
(68) WESENER op. cit., p. 159.
(69) WESENER - op. cit., p. 159
(70) WESENER op. cit. p. 161.
(71) Cfr. cap. II, supra.
(72) Cfr. SCHMOEGER, gp. cit ^ voZ. I, pp. 485-486.
(73) WESENER - op. cit., p, 175.
(74) WESENER - pp. cit., p. 173,
(75) WESENER – op. cit. p.178.
(76) J. ADAMS - op. cit. p. 158.
(77) J. ADAMS, op. cit. p. 151.
(78) WESENER, op. cit. pp. 24-25
(79) WESENER op. cit. p. 58.
(80) WESENER, op. cit. 142
465
(81)Positio, Animadversiones
(82) HÜMPFNER, op. cit. p. 122
(83) HÜMPFNER, op. cit. p. 123
(84) Apud JURG MATHES –"Ein Tagebuch Clemens Brentanos für Luise Hensel" – Jahrbuch des Freien
Deutschen Hochstifts –1971- Sonderbuch– Max Niemayer Verlag – Tübingen – pp. 213-214.
(85) J. ADAMS, op. cit. pp. 161-162.
(86) C.B.Tgb. apud ADAMS op. cit. p. 65
(87) TUNNER, op. cit. vol. II, p. 795
(88) ADAMS op. cit. p. 68
(89) CB-Tgb - apud ADAMS op. cit. p. 80
(90) Luise Hensel ao Pe. Sohnoegey, 4 Outubro 1870, apud TUNNER, op..cit. vol. II, p. 808
(91) HUMPFNERGlaubwürdigkeit,p. 55
(92) TUNNER, op. cit. vol. II p. 813
(93) C.B. -Jahrbuch- FDH 1971, p. 249 apud TUNNER op. cit., vol. II. p. 813.
(94) GAJEK,Homo Poetapp. 460-470}
(95) ADAMS, op. cit. p. 24.
(96) CB. Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 263
(97) CB – Tgb. apud SCHMOEGER, op. cit. vol. I, p. 517
(98) Apud JURG MATHES" Ein Tagebuch Clemens Brentanos füe Luise Hensel". Jahrbuch des Freien Deutschen
Hoschtifts– 1971 – Sonderdruck, Max niemayer Verlag – Tübingen, pp. 253-254
(99) SCHOEMEGER, op. cit. vol. I, p. 520.; cfr. WESENER, op. cit. pp. 184-185.
(100) SCOEMEGER, op. cit. vol. I, p. 520.
(101) J. ADAMS, op. cit. p. 84.
(102) C. B. – apud |ADAMS, op. cit. p. 90.
(103) WESENER, op. cit. p. 187.
(104)Processo, vol. Ill fol. 189 terg 190 apudPoisitio38.
(105) Cfr. C.B. GS, VIII p. 300.
(106) Cfr. DIEL-KREITEN, op. cit. vol. II, p. 156.
(107) Cfr. TUNNER, op. cit. vol. II, p. 824.
(108) Cfr. HÜMPFNER, op. cit.., p. 103.
(109) Cfr. ADAMS, op. cit. pp. 137-138.
(110) CB. Tgb., apud ADAMS, op. cit. p.139.
(111) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 141.
(112) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 143.
(113) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 144.
(114) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 145.
(115) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 149.
(116) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 150.
(117) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 163.
(118) CB. Tgb., apud ADAMS, . op. cit. p. 139
(119)Positio,pp. 48-49..
(120) ADAMS, . op. cit. p. 175
(121) ADAMS, . op. cit. p. 175.
(122) ADAMS, . op. cit. p. 229.
(123) ADAMS, . op. cit. p. 261.
(124) Cfr. HÜMPFNER. op. cit., p. 364.
(125) J. ADAMS, op. cit. pp. 289-290 e 305.

II Parte

Capítulo IV - Análise das visões de Anna Katharina Emmerick

466
1. Observações preliminares.

Para a análise das visões de Katharina Emmerick, utilizaremos os textos originais de Clemens Brentano tais quais
foram redigidos por ele e parcialmente publicados, especialmente por Anton Brieger em suas obras:

1. Anna Katharina Emmerick–Der Gotteskreis– Die Urtexte ihrer Visiones aufhezeichnet con Clemens
Brentano – Manz Verlag, Müchen-Freiburg, 1960;

2. Anna Katharina Emmerick–Visionen und LebenNach den Dülmener Aufzeichnungen von Clemens
Brentano – Erich Wewel Verlag, Müchen – Freiburg, 1974.

Utilizaremos ainda citações do Urtexte de Clemens Brentano publicados também por Joseph Adams em sua
obraClemens Brentano Emmerick-Erlebnis–Bindung und Abenteuer, Verlag Herder, Freiburg, 1956.

Somente citaremos os textos publicados pelo Padre Schomoeger quando não tivermos a mesma citação do Urtexte e
sempre quando esses mesmos textos vierem confirmar a doutrina do Urtexte.

A fim de deixar mais claros os traços cabalísticos e esotéricos dessas Visões, e, tendo em vista que Katharina
Emmerick é considerada por muitos como santa, mostraremos:

1°) Como tais elementos de suas Visões não são explicáveis pela doutrina católica;

2°) Como esses dados se encaixam no contexto das doutrinas cabalistas ou esotéricas, e, mais precisamente, naquilo
que se denominou “cabalismo cristão”.

3. “A divindade, os anjos e a criação do mundo”.

“Eu vi abrir-se primeiramente diante de mim um espaço limitado, cheio de luz, e vi, ainda, dentro do mesmo, uma
espécie de globo luminoso como um sol, e senti, que, no mesmo, estava a Unidade de Três. Eu a denomino para mim
mesma a Harmonia e eu vi sair dali como um efeito (ação), e então formaram-se sob o globo como que círculos
luminosos entrelaçados, anéis, coros de espíritos infindavelmente luminosos, vigorosos e belos”.(1)

A concepção de Deus apresentado nesse texto não se coaduna com a doutrina católica, oficialmente professada por
Katharina Emmerick e por Brentano, mas se aproxima muito dos conceitos cabalistas e esotéricos sobre a divindade.
A freira usa o advérbioprimeiramente. Ela pretendia com isso dar idéia da ordem cronológica de suas visões ou do
que existia desde o princípio? Isso não fica claro e o resultado é que se insinua um processo cronológico não só na
criação – o que é natural – mas na própria divindade. Além disso, ela afirma queprimeiramenteviu a existência de
três coisas;

1) o espaço;

2) a luz que o preenchia;

3) o globo no qual estava encerrada a Unidade de Três.

Como ela só depois falara de criação propriamente dita, o espaço, a luz e o globo no qual estaria a Unidade de Três,
pré-existiram à criação? Seriam eles co-eternos com a divindade?

Utilizando a palavraprimeiramente, Katharina Emmerick estabelece uma idéia temporal. Falando em espaço que
contém o globo no qual estava a Unidade de Três ela dá uma clara noção de lugar para Deus. É claro que se poderia
tentar justificar tudo isto dizendo que se trata de uma linguagem mística, a qual, através de imagens materiais,
expõe, em termos humanos, o que, de si, é inefável. Ver-se-á mais adiante que, aquilo que é insinuado por essas
imagens ambíguas, tornar-se-á mais explicito e coerente noutros textos, mas de qualquer modo, objetivamente
falando, o texto em foco não deixa clara a absoluta transcendência de Deus com relação ao tempo e ao espaço.

Com efeito, somente os seres materiais existem ocupando um lugar no espaço (2). Deus, ser espiritual, infinito e
eterno, não ocupa lugar no espaço e nem esta sujeito ao tempo (3) e a vidente, relacionando a divindade com o
467
espaço e o tempo, dá uma idéia material, espacial e temporal de Deus que pode ter conseqüência panteístas ou
gnósticas. Conseqüentemente, a divindade de Khatarina Emmerick não seria ato puro, incapaz de qualquer mudança
(4), mas seria ser contingente, sujeito a transformação. Ora, é exatamente neste ponto que a Gnose, a Cabala e as
doutrinas esotéricas discrepam do conceito católico de Deus que Katharina Emmerick pretende ter.

Para a Gnose, como para a Cabala e o esoterismo, a divindade não é imutável, estando, pelo contrário, sujeita a uma
perpétua evolução dialética, o que implica em sucessão temporal e em localização espacial. Daí, os sistemas
gnósticos exporem o processo divino como uma evolução. Daí também falarem no que ocorre “intra et exta”
divindade, já que ela ocuparia lugar determinado e limitado. No globo luminoso, diz ainda Katharina Emmerick
quesentia– “fuhlte ich” – a Unidade de Três– “die Einheit von Dreien”.

Por que sentia? Sente-se apenas o que é material ou o que se exprime materialmente. Sendo Deus puro espírito não
teria sido melhor utilizar verbos indicativos de intelecção, como, por exemplo, conhecer, entender, compreender?

Como bom romântico que odiava a razão e que colocava acima dela o sentimento, Brentano prefere dizer que
Katharina Emmerick sentia a “Unidade de Três” dentro do globo resplandecente. É curioso, outrossim, que o texto
não emprega a expressão tradicional “Santíssima Trindade”, ou “Deus uno e trino”. Katharina Emmerick sentiu que
lá estava a “Unidade de Três”, o que pode dar a entender a existência de uma pluralidade na divindade. Além disso,
ela denomina a “Unidade de Três” de Harmonia (“Einstimmung”), termo esse deveras estranho na boca de uma
camponesa que muitos apresentam como quase iletrada.

Não seria normal que ela, sendo freira, usasse a expressão tradicional?

A palavra “Einstimmung”, reforça a idéia de pluralidade na divindade já insinuada com a expressão “Einheit von
Dreien”. Isto porque só pode haver harmonia entre coisas diferentes. Por exemplo, pode haver entre notas musicais
diferentes, entre cores, entre classes sociais, entre pessoas etc... Sempre, porém, a harmonia implica uma unificação
de entes de qualidades diversas. Logo, chamar a Santíssima Trindade de Harmonia pode dar a idéia de que há
desigualdades reais entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, o que não está de acordo com a ortodoxia, pois, segundo
a doutrina católica, as três pessoas divinas, embora distintas, são absolutamente iguais e consubstanciais (5).

S. Tomás, por exemplo, naSuma contra Gentiles, ao discutir a tese dos que chamavam a alma de Harmonia, diz:

“Parecida a la opinión ya expuesta es la de quines dicen que el alma es ‘armonía’. No entendieron, sin embargo, que
el alma fuese armonía de sonidos, sino armonía ‘de contrarios’, pues veían que estos componen los cuerpos
animados.

Esta opinión parece atribuir-se, en el libro ‘Sobre el alma’, a Empédocles. No obstante, Gegorio Neseno atribuyela a
Dinarco. Puede refutarse como la anterior y, además, con razones apropriadas.

Todo cuerpo mixto tiene armonía y complexion. La armonía no puede mover al cuerpo, ni regirlo, ni resistir a las
pasiones; como tampoco la complexión. Además, tanto la armonía como la complexión aumentan y diminuyen.
Todo esto demuenstra que el alma ni es armonía ni complexión.

La razón de armonía conviene más a las cualidades del cuerpo que a las del alma, pues la salud es cierta armonía de
humores; la fortaleza, de nervios y huesos; la belleza, de miembros y colores. Pero no se puede determinar de qué
cosas sea la armonía del sentido y del entendimiento y de cuánto pertenece al alma. Luego, el alma no es armonía.

La armonía tiene un doble significado: o bien es ‘la composición misma’, ‘la razón de tal composición’. Pero el
alma no es composicíon, pues seria necesario que cualquier parte del alma fuese la composicíon de algumas partes
del cuerpo; lo que no cabe decír. Igualmente, tampoco es la razón de la composición, porque, como en las diversas
partes del cuerpo haya diversas razones o proporciones de composición, las distintas partes del cuerpo tendrían
distintas almas; una seria el alma del hueso, otra de la carne, otra la del nervio, porque todos estan compuestas por
diversa porporción. Esto es falso, luego el alma no es armonía” (6).

Ora, se é falso afirmar que a alma é harmonia, com muito mais razão é falso afirmá-lo da Santíssima Trindade, pois
isso implicaria em por nela desigualdade, oposição de contrário, composição e materialidade. Por outro lado, o
termo “Harmonia” era empregado na linguagem romântica como o sentido de síntese dialética de dois princípios
contrários. É o que se verifica em Novalis, que, no ensaioDer Christenthum oder die Europa, apresenta uma filosofia
da História de caráter dialético em que a Idade Média (tese) seria amonotonia; a Reforma (antítese) seria
adesarmonia, enquanto que a terceiraépoca, que estava para vir, seria a síntese dessas duas idades anteriores e por
468
isso seria a idade da “Harmonia” (7).

É interessante agora citar como oZohardescreve o início do processo divino que veio a originar a criação.

“At the outset the decision of the King made a tracing in the supernal effulgence, a lamp of scintilation, and there
issued within the impenetrable recesses of the mysterious limitless a shapelles nucleous enclosed in a ring, neither
white nor black, nor red, nor green, nor of any colour at all. When he took neasurements, he fashioned colours to
show within, and whitin the lamp there issued a certains influence from which colours were imprinted below. The
most mysterious Power enshrouded in the limitless clave, as it were, without cleaving its void, remaining wholly
unknowable until from the force of the strokes these shone forth a supernal and mysterious point. Beyon that point
there is no knowable, and therefore it is called Reshith (beginning), the creative untterance which is the
starting-point of all” (8).

Há vários semelhantes ou paralelos entre esse texto doZohare o exposto pela vidente de Dülmen:

1. OZoharfala em início (“outset”) como ela fala em “Zuerst”, primeiramente.

2. OZoharlocaliza e encerra a divindade num anel, enquanto Katharina Emmerick fala em globo de luz.

3. Desse anel, que encerrava a divindade, jorra uma chama que se torna colorida ao crescer. Katharina
Emmercik fala em círculos luminosos entrelaçados.

4. As chamas fluem da divindade para baixo. Katharina Emmerick diz que os círculos luminosos emanados da
divindade se situam abaixo dela.

Entre a divindade inicial e as suas emanações alguns cabalistas diziam existir uma espécie de Trindade. Essa idéia é
atribuída, segundo Scholem, a Hai Gaon:

“There it is stated that, above all emanated powers, there exist in ‘the root of all roots, three hidden lights which have
no beginning’ for they are tha name and essence of the root of all roots and are beyon the grasp of thought. As the
‘primeval, inner light’ spreads throughout the hidden root two other lights are kindled, called ‘or mezuhzah’ and ‘or
zah’ (‘Sparking light’). It is stressed that these three lights constitute one essence and one root which is ‘infinitely
hidden’. He lam ad le-ein Sof, forming a kind of kabbalistic trinity that precedes the emanation of the tenSefirot.
However, it is not suficiently clear whether the reference is to three lights between the Emanator and the first
emanation, or to three lights irradiating one another within the substance of the Emanator itself both possibilites can
be supported. In the terminology of the Kabbalah these three lights are calledZahzahot(‘splendors’), and they are
thought of as the roots of these three upperSefirotwhich emanate from them (see Cordovero, Pardes Rimmonis ch.
11). The need to posit this strange trinity is explained by the urge to make the ten Sefirot conform with the 13
attributes predicated of God. It is hardly suprising that Christian later found an allusion to their own doctrine of the
Trinity in this theory, althought it contains none of the personal hypostases characteristic of the Christian
Trinity”(9).

É muitíssimo provável que Brentano jamais tenha tido conhecimento da teoria dos Zahzahot, ou das três luzes com
uma só essência, pois isto não se encontra nos textos dos cabalistas que ele conhecia.

Entretanto, os cabalistas cristãos, desde o século XVI, procuraram conciliar judaísmo e cristianismo exatamente
através da doutrina trinitária, vendo nas três primeiras Sefirot uma caricatura da Santíssima Trindade (10). Ou então
vendo no nome YHWH um símbolo da trindade porque tem três letras embora escrito com quatro (11). De qualquer
forma, a descrição de Katharina Emmerick da unidade de três não é suficientemente clara para ser tida como
ortodoxa, e poderia enquadrar-se melhor na linha do cabalismo cristãs.

Em Katharina Emmerick, há várias descrições da Trindade utilizando as imagens da luz. Veja-se por exemplo, o
seguinte texto, evidentemente baseado na Visão de Ezequiel (I, 26-28):

“Eu via a Santa Trindade diante de um Trono de infinito brilho. Eu não posso dizer que tenha visto formas, também
não posso dizer que não vi nenhuma. Eu vi ou senti diante da larga superfície do trono três, como três raios, três
chamas, trêsraízesde brilho infindo que se irradiavam para cima para um único, nesse único, eu vi maisforma, e
mesmo algo de forma humana, mas era totalmente brilhante e indizível” (12).

É bastante característica a coincidência do termo “raiz” usado tanto por Katharina Emmerick quanto pelos cabalistas
469
e por Boehme ao falarem da divindade.

Seria preciso lembrar ainda que, Brentano, nosRomanzen von Rosenkranztratou do tema da divindade e da criação,
deixando inteiramente explícitas suas concepções cabalistas.

“Tu leste no primeiro livro

Como infindavelmente era derramada

A luz do Ein Sof sem sombra

Uma infinita luz de Deus” (31).

Para a Cabala, a divindade absolutamente desconhecida devia ser distinguida do Deus revelado do Antigo
Testamento. Essa divindade era chamada Ein-Sof (infinito), termo que apareceu primeiro nos escritos de Isaac, o
Cego e de Azriel de Gerona (século XIII) e só depois, noZohar.

O Ein-Sof é a divindade impessoal, na qual não há distinção nem volição, o que seria o Nada.

“More daring is the concept of the first step in the manifestation of Ein-Sof as ‘ayinorafisah’ (“nothing”,
“nothingness”). Essentialy, this nothingness is the barrier confronting the human intellectual faculty qhen it reaches
the limits of its capacity. In other words, it is a subjective statement affirming that there is a realm which no created
being can intellectualy comprehend, and which, therefore, can only be defined as ‘nothingness’“ (14).

“In all Kabbalistic systems, light-symbolism is very commonly used with regard to Ein-Sof” (15).O Ein-Sof era
chamado pelos cabalistas de Gerona de Vontade Primeva (16). Do Ein-Sof é que teriam emanado os 10Sefiroth, os
quais formariam, conjuntamente, o Deus do Antigo Testamento.

Não convém deixar esquecido que esta distinção entre a Divindade e Deus é típica da gnose (17).

Também na mística alemã, por exemplo em Eckhart: “Dio e Divinita sono differenti quanto cielo e terra, come fare
e non fare – La Divinita è l’oscuro fondo in cui tutte lê cose formano uma unità assoluta, dove nessuna distinzione è
possibile; la Divinità non fa nulla poiché in essa non v’è nulla da fare e di fatto non há mai ricercato nulla: essa abita
in uma luce a cui nessuno giunge, poichè è al di là di ogni alterità e di ogni relazione. Dio invece è attività che si
estrinseca ed opea, si svella nelle sue creature e vive in esse e, atraverso di esse, si riconosce e si ama” (18).

4. A emanação dos espíritos.

Katharina Emmerick dizendo que “via sair dela (da Harmonia) um efeito (Wirkung) e então formarem-se, sob o
globo, círculos luminosos, anéis entrelaçados, coros de espíritos infindavelmente luminosos, vigorosos e belos”
(19).

Note-se, primeiramente, que Katharina Emmerick fala deespíritose não de anjos.

Observe-se, ainda, que os tais “coros de espíritos”, não foram criados “ex-nihilo”, mas que saíram da “Enheit von
Dreien”, da “Einstimmung”. Em outras palavras, houve uma emanação.

Ora, tala não é a doutrina católica, oficialmente professada pela vidente e por Brentano.

A idéia de que em Deus houve emanações é típica de todos os sistemas gnósticos e alcançou maior desenvolvimento
em Valentino (20) e na Cabala. Segundo esta, a Divindade teria emanado dez “forças”, espíritos ou éons –
osSefiroths – através dos quais o “Deus onditus” se tornaria cognoscível. Estes dezSefiroths formariam a “árvore”
sefirótica.

Os estudiosos da Cabala divergem a respeito de terem existido emanações substanciais “ad extra” da divindade ou
não.
470
“A. Franck interpreted the Kabalah as a pure emanist system, which he considered indentical with a clearly
pantheistic approach (...) In contrast to Franck, D.H. Joel set out to prove that the Zohar and early Kabbalah in
general contained nothing of the theory of emanation” (21).Para Scholem – o maior conhecedor da Cabala – os dois
autores estariam em erro. Scholem admite as emanações, mas emDeus.“The emanation of theSefirothis a process
within God himself. The hidden God in the aspect of Ein-Sof and the God manifested in the emanation ofSefirothare
one and the same, viewed from two differents angles (…) in Kabbalah, emanation as an intermediate stage between
God and Creation was reasigned to the Divine” (22).

NoBahire noZoharse fala ambiguamente de criação do mundo e de emanação (23) e esta ambigüidade facilitou o
irenismo dos cabalistas cristãos.

Essa mesma ambigüidade se acha no texto de Katharina Emmerick. Ela não usa nem a palavra emanação, nem a
palavra criação para os “anéis espirituais” entrelaçados e luminosos quesaemda divindade.

Scholem lembra que o termo “Sefirah” vem do hebraico “Sappir” (safira) porque o brilho de Deus seria como e de
uma safira. OsSefirothseriam também designados por“’ma’ amarot” e “dibburing” (ditos) ,“shemot”(nomes)
,“orot”(luzes), “kohot”(poderes), “katarins”(coroas), “middot”(qualidades), “madregot”(estágios),
“levushim”(adornos),“ marot”(espelhos), “neti’ot”(impulsos), “mekorot”(fontes), “yamim elyonim” ou “yemei
kedem” (dias primordiais ou supremos), “sitrin”(aspectos), “ hapanin há-penimiyyot”(as faces interiores de Deus)
(24).

Os cabalistas afirmam que osSefirothsão o próprio Deus. Mas eles distinguem a Divindade de Deus. A divindade –
Ein Sof – seria absolutamente incognoscível, enquanto Deus se manifestaria nas emanações sefiróticas e seria
cognoscível por meio delas. OsSefirothse identificariam com Deus.

“He is They, and They are He” (25).

Embora “TheSefirothemanate from Ein-Sof in sucession – ‘as if one candel were lit from another without the
Emanator being diminished in any way’ – and in a specific order (…) they do not thereby leave the divine domain”
(26)

Além disso, Scholem nota que osSefiroth, individual e coletivamente “subsume the archetype of every created thing
outside the world of emanation. Just as they are contained within the Godhead, so they impregnate every being
outside it” (27).

Com base no primeiro livro das Crônicas (29,11) os cabalistas enumeram os dezSefirothna ordem seguinte:

1. Keter Elyon (suprema coroa)


2. Hokhah (sabedoria)
3. Binah (inteligência)
4. Gedulah (grandeza) ou Hesed (amor)
5. Gevurah (poder) ou Din (julgamento ou rigor)
6. Tiferet (beleza) ou Rahamin (compaixão)
7. Netzah (vitória)
8. Hod (majestade)
9. Zaddik (o reto) ou Yesod Olam (fundamento do mundo)
10. Malkult (reino) ou Atarah (diadema) ou Schekinah (morada, presença)

A compaixão dessas emanações com uma árvore provem doBahir.“All the divine powers of the Holy One, blessed
be he, rest one upon the other, and are like a tree” (28).

A respeito da árvore Sefirótica diz Scholem:

“todos os poderes divinos foram uma seqüência de camadas e são como uma árvore” – já lemos no livro de Bahir,
pelo qual, como vimos, os cabalistas do século XIII, tornaram-se herdeiros do simbolismo gnóstico. As
dezSefirothconstituem a mística árvore de Deus ou árvore do poder divino, representando cada uma um ramo cuja
raiz comum é desconhecida e desconhecível. Mas oEin-Sofé não só a oculta Raiz de todas as Raízes, como também
a seiva da árvore: todo ramo que representa um atributo, existe não por si mesmo, mas em virtude do Ein-Sof, o
Deus oculto. E esta árvore de Deus é também, por assim dizer, o esqueleto do universo: ela cresce por toda a criação
471
e espelha seus ramos por todas as suas ramificações. Todas as coisas mundanas e criadas só existem porque algo do
poder dasSefirothvive e atua nelas” (30).

Veremos, mais adiante, um paralelo deste texto em Katharina Emmerick.

Também se apresentam asSefirothna forma de um homem, o qual seria, esquematicamente, como uma árvore
invertida. Assim, a árvore sefirótica é ela também uma árvore invertida, pois que nasce no alto, em Deus, e lança
seus ramos para baixo.

“The firstSefirothrepresent the head, and in the Zohar, the three cavities of the brain the fourth and the fifth, the
arms; the sixth, the torso; the seventh and eight, the legs; the ninth the sexual organ; and the tenth refers either to the
all-embracing totality of the image, or (as in the Bahir) to the female as companion of the male, since both together
are needed to constitute a perfect man” (31).

Seguindo o modelo neo-platônico, alguns cabalistas, como por exemplo Azriel de Gerona, dividiram asSefirothem
três estágios, correspondendo as três primeiras sefirás ao intelecto, as três seguintes ao psíquico e as três últimas à
natureza (excluindo-se a 10asefirá, resumo ou síntese de todas).

Há em Katharina Emmerick alguma coisa disto tudo?

Brentano, como dissemos, só conhecia a Cabala de segunda mão, através de Rosenroth, de Eisenmeger, Van
Helmont e Galatino. Por outro lado, suas tendências irenistas – tão comuns entre os românticos – levam-no a
enquadrar-se no chamado cabalismo cristão. Mais: o temor de uma condenação eclesiástica obrigava-o a camuflar
os empréstimos que fazia à Cabala.

No texto de Katharina Emmerick que estamos analisando, Brentano refere-se a “círculos luminosos entrelaçados(na
Cabala orot ou Ketarin), anéis, cores de espíritos infindavelmente luminosos” e que fazem pensar nas descrições
cabalistas dosSefiroth.

Mas há mais.

Katharina Emmerick teria tido a 20-21 de maio de 1820 uma visão da “árvore de Deus”: “Eu vi na Jerusalém
celestial umaárvore espiritualde luz colorida. Ela não estava abaixo... mas sim em frente ao trono da Santíssima
Trindade. O solo em que ela se enraizava era uma montanha flutuante ou um penhasco de pedra preciosa colorida e
de forma cristalina. O tronco era uma torrente de luz amarela. Os galhos e hastes, até as nervuras das folhas, eram
grossas e finas fibras de luz diferentes cores e formas. As folhas eram de luz verde e amarela de diferentes cores e
formas.

A árvore tinha três coros distintos de galhos, o mais baixo com maior raio, o médio e o topo respectivamente mais
estreitos. Estas três amplitudes eram rodeadas por três coros de anjos, e no alto, acima do cume, estava de pé um
Serafim. Ele a rodeava com vôos circulares e tinha... cetro dos anjos recebia raios, luz, energia completa de Deus
através do Serafim. Havia como o espírito celestial, o espírito do crescimento, etc...

O segundo coro rodeava a coroa do meio da árvore, a qual produzia flores e todos os tipos de frutos, que este coro
governava.

Estes dois coros eram imóveis, isto é, eles agiam e atuavam, sem sair de seu lugar, e comandavam os coros de anjos
inferiores, dos quais o mais baixo rodeava a coroa de frutos da árvore.

Estes dois coros eram imóveis, isto é, eles agiam e atuavam, sem sair de seu lugar, e comandavam os coros de anjos
inferiores, dos quais o mais baixo rodeava a coroa de frutos da árvore.

Estes anjos eram móveis e levavam os frutos espirituais para incontáveis jardins de seu tipo, pois cada fruto tinha
seu jardim nos quais de novo eles se repartiam em seus tipos.

Esta árvore era a árvore geral que procede de Deus. Os jardins eram as espécies das frutas procedentes da árvore que
procedia de Deus. E mais abaixo procedentes da terra estavam os mesmos frutos estragados na natureza decaída e
estavam mais ou menos envenenados, enquanto ela estava subjugada pelo uso pecaminoso do influxo dos espíritos
planetários (...)”(32).

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Não há dúvida alguma que esta árvore que “war der allgemeine Baum aus Gott” tem relação com a Cabala.

Na doutrina católica não há nada que faça qualquer alusão a uma árvore espiritual que procede de Deus. A única
doutrina que fala de uma “árvore” que procede de Deus é a Cabala.

O conjunto dos dezSefirothé comparado a uma árvore de procedência divina, espiritual, luminosa e colorida. A
própria palavra Sefirá vem da safira, pedra preciosa de forma cristalina.

A árvore Sefirótica tem raiz em Deus e cresce em direção à terra. Para Katharina Emmerick a árvore de Deus não
está fundada na terra e sim numa montanha “flutuantes” ou penhasco que é uma pedra preciosa de forma cristalina.

Finalmente, como na Cabala, a árvore descrita por Katharina Emmerick produz reflexos na criação tal qual existe
hoje, corrompida pela culpa original.

A escola cabalista que mais influenciou o romantismo alemão através de Boehme – foi a de Isaac Luria de Safed.

Isaac Luria (1534-1572), cognominado Há-ari, o leão sagrado, foi um dos autores que maior importância teve no
desenvolvimento da Cabala. Embora tenha escrito um único trabalho – um comentário doSifra di-Zeni’uta, que é
uma das partes doZohar– Luria teve suas doutrinas propagadas por seus discípulos, especialmente Hayyim Vital.

Scholem lembra que “a forma pela qual Luria apresentou suas idéias lembra acentuadamente os mitos gnósticos da
antiguidade. A similiaridade, claro está, não é intencional; simplesmente o fato é que a estrutura de seus
pensamentos se assemelha muito de perto à dos gnósticos” (33).

O autor mostra também as similitudes de Luria com Basílides e com os maniqueus (34). Aliás, ele sublinha que elas
não se devem“às conexões históricas entre os maniqueístas e perspectiva e disposição que em seu desenvolvimento
produziram resultados preciosos” (...) “em minha opinião”, diz Scholem, “o sistema luriânico é um exemplo
perfeito do pensamento gnóstico, tanto em princípios quanto em pormenores” (35).

Lúria é responsável por várias teorias originais em matéria de Cabala. Algumas delas são:

a) A teoria dotzimtzum– ou da contração do espírito divino para produzir, dentro de si mesmo, um espaço onde
se situaria o universo. Assim a criação do espaço precederia a emanação sefirótica e a formação do universo (o que
está inteiramente de acordo com o texto da visão de Katharina Emmerick, analisada no início deste capítulo);

b) No espaço primordial assim formado, teria permanecido uma luz divina –Reshinu. (Katharina Emmerick,
como vimos diz que o espaço primordial estava cheio de luz);

c) Além doReshinu, haveria no espaço primordial o que Luria chama de Klipot, cascas ou resíduos nocivos
que a divindade teria eliminado de si mesma ao se contrair. Estes resíduos seriam essencialmente maus, o que
colocaria a origem do mal na própria essência divina;

d) O primeiro ser emanado no espaço primevo teria sidoAdam Kadmon(homem-primordial) primeira


configuração antropomórfica da luz divina. Pelos seus olhos, boca, ouvidos e nariz teria jorrado a luz dosSefiroth.

OsSefirothsão, às vezes, apresentados a modo de hipóstases, recebendo então o nome de Partzufim ou faces de
Deus. Citam-se cinco Partzufim mais importantes (36). Para que fosse possível a criação de seres e formas finitas,
teria sido preciso conter a luz infinita em vasos ou recipientes.

As primeirasSefirothcontiveram a luz em seus vasos, mas o mesmo não aconteceu com as demais. Os seus vasos se
romperam. É o que Luria chamava de “ruptura dos vasos”. Dizia ele que a causa dessa ruptura havia sido a
necessidade de que também asSefirotheliminassem o que nelas havia de “Klipot”, isto é, do mal.

Com a ruptura dos vasos, porém, parte da luz divina foi capturado pelos Klipot, dando origem ao mundo atual, no
qual bem e mal, luz e trevas estão mesclados.

e) A emissão messiânica consistiria, pois, em libertar toda a luz aprisionada atualmente nas criaturas;

f) Com base no pensamento de seu mestre Moses Cordovero (1522-1570), Luria desenvolveu a teoria dos
quatro mundos situados entre o Ein-Sof e os cosmos atual, doutrina que não aparece no Zohar:
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1.Olam há-Atzilut: mundo da emanação das dezSefirothe da divindade;

2.Olam há-Beriá: mundo da criação, do Trono de Deus e da Mercabá (carro de Deus, segundo a visão de Exequiel)
e dos anjos superiores;

3.Olam há-Ietzirá:mundo da formação, domínio dos anjos;

4.Olam há-Asiá:mundo da produção, arquétipo do mundo dos sentidos. As vezes nele se incluem tanto o mundo das
esferas, quanto o mundo terrestre (37).

Compare-se tudo isso com a Visão de Katharina Emmerick do Trono de Deus e de suas emanações: “Eu vi o trono
da divindade(...)”

“Bem lá em cima, na profundidade infinita do céu, eu vi a Santíssima Trindade rodeada dos coros de Anjos,
Virtudes e Potestades.

Provenientes do trono de Deus, caíam raios de luz em muitas outrasglóriasoucentros de luz, os quais estavam
rodeados de coros santos e formavam, algomais embaixo, um círculo externo do mundo de luz, em torno do Trono
da Divindade. A melhor imagem que se pode fazer é a de uma cúpula de cujo ponto central do Trono de Deus,
rodeado de cores de anjos, fossem emitidos raios de luz para muitos vasos de luz ou pontos centrais, rodeados de
coros de santos que, a partir da cúpula, se aprofundam sempre mais para a terra, em linhas circulares, formando
anéis conforme as dignidades.

Eu quero denominar a Divindade, afonte de luze estes coros santos depoços de luz, os quais são preenchidos pelos
raios dafonte. Mas como os raios dafonte de luzse derramam através dos coros de anjos de Poderes e Dignidades em
diferentes fontes e espécies de luz, nos poços, do mesmo modo ospoçosde novo irradiam luz para baixo, através de
cada coro de luz santa, que rodeia essespoços.

Todos estes derramamentos de luz são legítimos e livres. Legítimos pela ordem e forma de toda a criação e pela
eterna justiça da Divindade. Livres pelo amor, com o qual eles podem ser dados e recebidos, pois cada um não
coloca o seu ponto central em si ou noutra criatura, mas procura o ponto central nafontee não se derrama em si
mesmo pela sua particularidade, mas forma um vaso dos raios à fonte que se derrama diretamente ou pelospoços.

Assim cada um ama correta e inteiramente e se torna umvaso de luzpelas forças que o rodeiam e enche outros vasos
que se formam seguidamente com iluminação, formando sempre novos e novos vasos de luz” (38).

Repare-se, antes de tudo, que não se fala aí de criação e sim de emanação, já que a substância dafonte, isto é, da
divindade é emanada e enche ospoçoouvasos de luz(asSefiroth?). Observe-se ainda que, nesse texto, encontra-se
não apenas uma doutrina paralela ao emanacionismo gnóstico e cabalístico, mas que se utilizam até as mesmas
imagens da Cabala Luriânica: osvasos de luz.

Evidentemente, a prudência ordenava que Brentano fosse bem mais cauteloso ao redigir as visões de Katharina
Emmerick, destinadas a um público católico, do que o fora nosromanzen vom Rosenkranz. Nestes ele explica as
emanações da divindade e a formação dos quatro mundos intermediários:

141“Wie dem Lichte ist entsprungen (141 Assim como emanou da luz
Sich ruckziehend durch das wollen, retraindo-se através do querer,
Dunkler Raum in Mittelpunkte espaço escuro no ponto central
Worin ward die welt geboren. dentro do qual o mundo nasceu”.)

142 Wie sich in des Rückzugs Spuren (142 Assim como a luz se difundiu
Kreisend, dann das Licht ergossen girando nos vestígios da retirada,
Mannigfach dês Raumes Dunkel depois a luz cercou, de modo variado,
Licht erringend hat umschlossen, pela luta, a escuridão do espaço.)

143 Und, vie alles durchfiguret, (143 E como de tudo possuindo figuradamente
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Adam Kadmon ward geboren, Adão Kadmon nasceu
Aus sich sebtsen ausnaturend Ex-naturando fora de si
Die zehn Krafte Sefirote. As dez forças dosSefiroth.)

144 Wie vier Welten sind entsprungen (144 Emanaram os quatro mundos
Da lebending ward das Wollen quando se tornou vivo o querer
Asia, Briath, Aziluthe Asiah, Briah, Atziluth
Und Jezirah, Antliz Gottes. E Jezirah, a face de Deus.)

145 Atziluth der Gottes Brunnen, (145 Atziluth o poço de Deus


Die Quellgeister drinnen wohnen; dentro dele moravam os espíritos da fonte
Briaht ist aus ihr entsprungen; Briath nasceu dela,
Ihre Geister sind geboren. Seus espíritos nasceram”.)

1 46 Die Jezirah ist durchdrungen (146 O mundo Jezirah está penetrado


von zehn hohen Engelchören; por dez coros angélicos
In astral’schen Leibern funklend que cintilam em corpos astraus.
Sindsie alle schon personet Todos eles já estão personificados”.)

147 Die Ásia ist die untre (147 Asiah é o mundo ínfimo
Metrialisch schon geformetjá materialmente formado
Drin die bören Geist wurzlen Dentro dele estão enraizados os espíritos malignos
Die in Gottes Zorn Geboren” (39). Que nasceram na ira de Deus”.)

Encontram-se expressas nessas estrofes toda a teoria Luriânica das emanações sefiróticas, a formação do Adão
Kadmon e a dos quatro mundos intermediários. É muito provável que Brentano tenha haurido estas idéias da Cabala
luriânica através da obra de Rosenroth, aKabbala Denudata.

É interessante observar a correspondência entre estas estrofes e as visões de Katharina Emmerick. Há não apenas
um paralelo doutrinário claro, mas até a utilização do mesmo vocabulário – fonte, poços, forças - e a mesma
confusão entre asSefirothe os anjos.

5. A queda dos anjos

“Este mundo de luz ficou como um sol abaixo do sol mais alto. A princípio todos estes coros moviam-se como
movidos pelo amor proveniente do sol mais alto.

De repente, vi uma parte de todos estes coros ficar em silêncio em si mesma. Eles ficaram em silêncio na própria
beleza, eles sentiram prazer próprio vendo toda a beleza em si mesmos, contemplaram-se, eles estavam em si
mesmos. A princípio, eles todos estavam em movimento em esferas mais altas, como fora de si mesmos. Agora,
uma parte deles ficava fora de si mesmos. Agora, uma parte deles ficava quieta em si e num mesmo relance eu vi
toda esta parte dos coros luminosos precipitar-se e escurecer-se, e os outros coros lançaram-se contra eles e
preencheram os seus espaços abandonados, os quais, agora, eram menores que antes. Mas eu não vi que os outros
anjos saíssem fora do circuito da imagem para perseguir os que haviam caído.

Aqueles que ficaram silenciosos em si, precipitaram-se, e aqueles que não permaneceram em silêncio,
acumularam-se em seus antigos espaços.

E tudo isto aconteceu de repente.

Depois da queda, vi formar-se um disco sombrio, como se fosse a morada dos (anjos) caídos e soube que haviam
caído em uma foram impaciente”(40).

Nesta visão, a vidente narra a queda dos anjos e a explica como um pecado de auto-contemplação orgulhosa de sua
beleza. Esta narração é a nosso ver diretamente inspirada em Jacob Boehme. Com efeito, Boehme assim descreve a
queda de Lúcifer e dos anjos que o seguiram:

“Qui la provoqua (a queda) en lui même? Sa grande beauté. Tandie que la libre volonté se contemplait dans le miroir
475
de feu, ce rayonnement le suit en mouvement, en sorte qu’il s’agita vers les propriétés du principe central.
Lesquelles aussitôt commencèrente à produire des qualitès.

Car lê désir rude et dur , la prémière forme ou propriété, s’imprégna et éveilla l’aiguillon et lê désir d’angoisse: cette
belle étoile obscur donc as lumière et rendit son être tout à fait désagréable, rude et dur, et sa douceur et sa propriété
tout angéliques se transformèrent em une manière d’être perfaitement dure, rude et sombre: c’em fut fait de la belle
étoile du matin et come il fit, ainsi firent sés légions: telle est as chute” (41).

Essa descrição da queda de Lúcifer de Jacob Boehme é perfeitamente coincidente com o que diz Katharina
Emmerick, usando os mesmos símbolos de luz e treva, movimento e paralisação.

Convêm ainda notar que Boehme relaciona a queda de Lúcifer e dos anjos com o próprio processo emanativo da
divindade, pois ele fala das três primeiras “qualidades” de Deus: 1°) – desejo rude; 2°) – aguilhão 3°) – angústia –
como estando comprometidas na queda dos anjos. Em outras palavras, a queda de Lúcifer, segundo Boehme, teria
relação com a própria essência divina, o que é uma idéia de Cabala. Tal idéia também não era estranha aos círculos
esotéricos.

“Lúcifer, un grand prince dês anges, fit la même chute que l’homme l’y ayant précedé: se complaisant en sa beauté
dans le temps d’épreuve ou de libre choix que Dieu avait donné aux anges après lês avoir créés, il voulut subsiter par
lui-même dans cette beauté et puissance, qu’il avait reçue de Dieu, et cela causa sa chute” (42).

Voltando a Katharina Emmerick, a causa da queda então foi a fixação silenciosa dos espíritos luminosos
auto-contemplando sua beleza. A fixação representa a auto-contemplação. O silencio significa a omissão do louvor
que eles deviam prestar à divindade.

Os resultados desse pecado de orgulho foram dois:

1. a precipitação ou queda desses espíritos luminosos num globo sombrio e apertado;

2. seu escurecimento como símbolo da perda da beleza de seu estado original.

Dá-se, desse modo, uma separação de dois mundos ou esferas:

1. o globo de luz da divindade e dos anéis dos espíritos luminosos fiéis;

2. o disco sombrio dos espíritos decaídos.

Há desde então uma esfera luminosa do bem e uma esfera tenebrosa do mal, o que faz pensar no maniqueísmo,
embora se pudesse argumentar que o disco sombrio está abaixo e submetido ao globo de luz, enquanto, no
maniqueísmo, haveria igualdade metafísica entre a luz e as trevas, entre o bem e o mal. Mas esta é a concepção
vulgar e simplificada do maniqueísmo. Com efeito, nos textos maniqueus, a esfera de luz está sempre acima e é mais
poderosa que a das trevas, embora, na aparência, estas tenham vantagem (43). Igualmente estranha é a afirmação de
Katharina Emmerick de que os anjos e demônios seres espirituais – ocupem lugar e espaço, o que, entretanto, é
coerente com o restante do texto, visto que se disse que o próprio Deus estava no globo de luz.

Segundo São Tomás, em contrastes, os seres angélicos, sendo puros espíritos não têm corpo (44) e por isso não
ocupam lugar, isto é, não são contidos em lugar.

Por outro lado, as doutrinas esotéricas formadoras do Romantismo ensinavam que havia uma correlação entre
espírito e matéria, considerando que esta era uma espécie de cristalização do espírito ou aquele a sublimação da
metéria. Os esotéricos diziam então que os seres espirituais superiores possuíam um corpo espiritual e que, por isto,
ocupavam lugar. Aliás, segundo Swedenborg, a queda dos anjos teria tornado necessária a criação do mundo e dos
homens, os quais iriam preencher o vazio debaixo pelos anjos no reino celestial:

“Os anjos, são segundo estes ensinamentos, os primeiros seres espirituais que Deus criou. Também eles são criados
segundo a sua imagem. Seu ser é sem corpo material, mas eles têm um corpo espiritual. Alguns anjos abusaram de
sua liberdade e se rebelaram contra Deus, e foram expulsos do Céu, com seu chefe Lúcifer, o portador da luz, seus
companheiros na revolta contra Deus. A realidade é que a expulsão dos anjos rebeldes, tornou necessária a criação
da terra. Das fileiras dos homens deve-se completar o número dos anjos caídos, que foram precipitados no abismo.
Adão deve ser elevado ao trono do decaído Lúcifer” (45).
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Ktaharina Emmerick dá muitas informações sobre os anjos que não provém nem da Sagrada Escritura, nem da
Tradição católica. Veja-se, por exemplo, a seguinte citação:

“Os reis e príncipes têm também um anjo da guarda de uma ordem mais elevada. Os quaro anjos alados, os Elohim,
os quais distribuem as graças divinas, chamam-se Rafiel, Etofiel, Selatiel e Emanuel” (46).

Ora, segundo a Cabala, o mundo dos anjos chama-se Jetzirah e sétimo de seus coros é o dos anjos Elohim (47).
Katharina Emmerick coloca, entre os anjos que permaneceram fiéis e os que se tornaram demônios, um terceiro
grupo que não teria pecado totalmente ou que se teria arrependido:

“Eu sempre tenho visto, que quando da queda dos anjos, uma certa quantidade teve um momento de arrependimento
e não caiu tão fundo como os outros que...” (48).

Esse terceiro grupo formado de anjos semi-arrependidos não encontra base na revelação, nem na tradição, nem
está de acordo com a doutrina tomista. Com efeito, S.Tomas demonstra que os anjos, desde que tomam uma decisão,
já não podem mais mudá-la e que, portanto, jamais se podem arrepender (49), enquanto Katharina Emmerick fala
desses anjos arrependidos várias vezes:

“Eu vi já quando criança, e freqüentemente depois, que três coros de anjos, que estavam mais no alto que os
arcanjos, caíram. Vi que nem todos se precipitaram no inferno, mas uma parte, que tinha uma espécie de
arrependimento, permaneceu fora do inferno e que estes são aqueles espíritos que habitam os planetas e vêm à terra
para seduzir os homens. Mas no dia do Juízo final eles devem vir ao julgamento e à condenação. Eu sempre tenho
visto que o diabo não pode sair do inferno” (50).

E ainda:

“Eles são também espíritos caídos mas não são absolutamente demônios: são mais variados, eles sobem e descem
para a Terra. Em alguns dos corpos ’isto é Planetas’ eles são totalmente sombrios e melancólicos, em outros fogosos
e violentos, em outros leves, em outros meticulosos e precavidos. Eles atuam sobre todos os que vivem sobre a Terra
e sobre os homens na hora do nascimento” (51).

Quem ensina a existência de espíritos planetários que exercem influência sobre os homens, especialmente na hora
do nascimento, é a astrologia, da qual Katharina Emmerick – já o vimos – aceitava algumas teorias. Não é aqui o
lugar de fazer um resumo histórico dessa ciência esotérica, bastando lembrar que, desde o Renascimento, a
astrologia foi muito cultivada por círculos esotéricos. Marsílio Ficino e Lazarelli invocavam os espíritos planetários
e o mesmo fazia Agrippa de Nettesheim que recebeu influência da Cabala através de Reuchlin (52). Todos os
esotéricos dos séculos XVII e XVIII aceitaram similarmente, uns mais, outros menos, as teses da astrologia, no que
os românticos foram seus herdeiros, como Brentano o comprova no texto abaixo:

“Eu vi que cada homem, ao nascer, recebe dois espíritos, um bom e outro mau. O bom espírito é de espécie celestial,
porém de ordem inferior: o mau espírito não é ainda um demônio. Ele não está ainda no sofrimento, mas está fora da
visão de Deus. Eu vejo sempre em um certo círculo em torno da Terra, nove corpos ou espaços, esferas como
estrelas distantes e as vejo habilitadas por espíritos de diferentes naturezas e vejo órbitas de raios, nas quais pode-se
prosseguir cada linha até qualquer ponto da Terra saindo deles... Nestes mundos moram os espíritos maus que
acompanham cada homem no seu nascimento através de relação interior. Eles mesmos não produzem nenhum
pecado, nenhuma ação, mas eles separam o homem da influência de Deus (...)” (53).

6. A questão apocatastática

“Logo depois da queda eu vi, que os espíritos dos coros luminosos se humilharam diante do Círculo de Deus,
prestaram submissão e como que imploram igualmente para que o que fora precipitado pudesse de novo ser refeito
e restabelecido. Então eu vi um movimento e um agir no círculo de Deus, que até então tinha ficado imóvel, e , como
que senti, tinha esperado esse pedido. Depois desta súplica dos coros de espíritos eu soube que eles deviam
permanecer firmes e não mais poderiam cair. Deu-se-me a conhecer que a declaração de Deus e eterna sentença
foram contra os que tinha caído. Até que estes coros caídos de novo sejam reerguidos deve haver longa luta e vi essa
duração de tempo tão longa que, para minha alma, parecia infindável, e como impossível. A luta deve ser sobre a
Terra, e lá no alto não mais deve haver luta nenhuma já que Deus o havia fixado.
477
Depois deste conhecimento eu não mais pude ter qualquer compaixão pelo diabo, porque eu vi que ele se precipitou
abaixo por sua livre e má vontade com violência. Também soube que Adão não foi tão mau. Eu tenho sempre grande
compaixão dele, pois eu sempre pensei que o que lhe aconteceu estava previsto” (54).

Antes de tudo, note-se que, utilizando a expressão“logo depois”–“gleich nach”– a vidente introduz a noção de
tempo nos fatos celestiais, o que é incorreto, pois os seres angélicos, se se trata deles, não estão no tempo e sim no
evo (55). Mais adiante, insiste ela em ter visto um “movimento” e um “agir” na Divindade que até então
permanecera imóvel. Toda esta formulação pressupõe uma noção evolutiva e teosófica da natureza divina e não se
coaduna absolutamente com a idéia aristotélico-tomista de Deus como o “ato puro”. É interessante notar ainda que
ela repete o verbosentir– “Ich gefüht, mostrando que a relação que ela tem com a Divindade é sentimental e não
intelectiva. Dir-se-ia então que Deus, tornando Ele também romântico, fala ao coração de Katharina Emmerick e
não a seu intelecto, como Ele o fazia aos profetas antigos.

Além disso, convém observar que o pedido dos coros luminosos a favor dos espíritos decaídos, não está de acordo
com a ortodoxia. Segundo S.Tomás, não há, nem pode haver nos anjos ou nos bem-aventurados nenhuma
compaixão pelos demônios ou precitos. Por isso jamais eles pediram a Deus o seu restabelecimento (56) e isto por
várias razões, das quais destacamos duas:

1. os anjos bons assim como os bem–aventurados têm uma só vontade com Deus;

2. os demônios são obstinados no mal, não podem e nem querem mudar de volição (57).

O ponto mais grave, porém, é outro. O texto de Katharina Emmerick afirma que esses coros decaídos serão
restabelecidos. Embora ela afirma que isso se dará depois de um tempo quase infindável, de qualquer modo, em
conseqüência, seja o tempo de condenação tão longo quanto se queira ou se imagine, ela não será eterna.

Como se dará então este restabelecimento? Será por uma restauração dos próprios seres dos coros decaídos? Neste
caso, então, o demônio não estaria eternamente condenado. Essa interpretação parece opor-se à afirmação que ela
faz em seguida, de que sentença da divindade contra os decaídos é eterna, o que torna o texto contraditório.

Outra interpretação seria a de que os “coros dos espíritos decaídos” serão restabelecidos pela substituição dos anjos
que caíram. É esta a interpretação que o Pe. Schomoeger pretende dar, mudando oUrtextecom a seguinte versão:
“devia haver luta e guerra enquanto não sepreenchessem os coros dos anjos caídos” (58).

Esta versão, mais vaga do que ambígua, pode-se interprestar de dois modos:

1. os espíritos decaídos serão restabelecidos em seus primitivos lugares após longuíssima punição;

2. os lugares dos espíritos decaídos é que serão preenchidos por outros seres, isto é, pelos homens.

Se a primeira interpretação for exata, Katharina Emmerick está defendendo a doutrina da apocatástases, isto é, que
no final dos tempos todos os seres, até mesmo os demônios, serão salvos e que o inferno, portanto, não é eterno,
doutrina que, defendida por Origines, foi condenada pela Igreja.

Ainda recentemente Giovanni Papini a expôs no seu livroIl diavolo. Ora, na Cabala, especialmente na escola
luriânica, encontram-se doutrinas parecidas e já Isaac, o cego, ao comentar o Sefer Yetzirá, afirmará:

“Toutes choses se ramènet à la Racine de leur véritable être”, cela veut dire, à cet endroit, que toute chose ne peut
agir que dans ce qu’il est disposé em son príncipe. Mais sés disciples déjà comprenaient dês formules de ce genre
dans lê sens d’un mouvement de retour de toutes choses vers Dieu. “Tout est issu de la causa prémière, et tout
retourne à la cause prémière”. Un pareil retour peut avoir son cote ontologique et son cote eschatologique” ( 59).

Portanto, segundo Isaac, o cego, Samael – nome que os judeus medievais usavam para designar o diabo – será
redimido:

“La position de Sammael sera seulement rétablie sur lê plan messianique, et alors, lê trône de Dieu détérioré
aujourd’hui, retrouvera son état primitif, complet. Il s’ensuit qu’Isaac l’Avengle était un adepte de la doctrine qui
enseigne la“reintégration de Satan”, l’apocatastase”. (60).

478
Segundo oZohar, por outro lado, “uma centelha da vida de Deus arde até em Sammael, a personificação do mal, o
‘outro’, ou ‘lado esquerdo’ “(61). Donde se conclui também que Samael poderá ser salvo. Já vimos outrossim, que a
Cabala luriânica faz um paralelo entre a queda da divindade (quando da ruptura dos vasos) fez Deus exilar-se de si
mesmo na criação enquanto a queda de Adão e o exílio de Israel . A “ruptura dos vasos” fez Deus exilar-se de si
mesmo na criação, enquanto a queda de Adão fez com que ele fosse exilado do paraíso. Similarmente, a queda de
Israel determinou seu exílio (Galut) da Palestina e sua dispersão entre as nações: “All being is in Galut” (62).

O Galut de Deus, o Galut do homem e o Galut de Israel são paralelos e analógicos e, quando Israel retornar à terra
prometida, cessando o seu Galut, então o homem recuperará sua condição edênica e tudo será restaurado na própria
divindade. Nessa ocasião, até mesmo as centelhas das luzes divinas que foram aprisionadas no reino do mal – nas
Klipoth serão liberadas:

“Into the deep abyss of the forces of evil, the forces of darknes and impurity which the Kabbalists call ‘shelles’ or
‘offscourings’, there fell, as a result of the breaking of the vessels, forces of holiness, sparks of divine light.
Hencethere is a Galut of the divine itself, of the ‘sparks of the Shekhinah’. ‘These sparks of holiness are bound in
felters of steel in the dephts of the shells, and yearningly aspire to rise to their source but cannot to do so until they
have support’ – so says Rabbi Hayyim Vital, a disciple of Luria.

Here we have a cosmic picture of Galut, not the Galut of the people of , alone but the Galut of the Shekhinan at the
very inception of its being. All that beffals in the world is only an expression of this primal and fundamental Galut.
All existence, including “as it were”, God, substist in Galut. Such is the state of cration after the breaking of the
vessels” (63).

O exílio é visto, assim, pois como meio de uma missão redentora:

“The purpose of this mission was to raise the scatered holy sparks and to liberate the divine light and the holy souls
from the realm of thegelippah, represented on the terrestrial and historial plane by tyramny and oppresion” (64).

Como se vê, a teoria da apocatástases não era absolutamente estranha à Cabala, desde Isaac, o cego (século XIII) até
Luria e seus discípulos (século XVI).

Também entre os esotéricos era comum a idéia de que o inferno não teria duração eterna e que, portanto, os próprios
demônios seriam salvos.Para Franz Von Baader, com efeito, “l’enfer represente un châtiement, une peine (Strafe); il
n’est point la conséquence d’une “vengeance” insatiable (IV, 413). Et c’est ainsi que lê príncipe “ex infernis nulla
redemptio” signifie tout simplement que la peine que lê condamné doit purger ne peut être remise; mais lê príncipe
ne comporte pás lê désespoir éternel ni l’imposibilité d’une rédemption finale (IV, 362). Au surplus Baader tire
argument du fait qu’il n’existe pás de dogme l’éternité dês peines infernales (XII, 416)” (65).

Lavater, por sua vez, declara-se perturbado com a idéia do inferno:

“L’idee de l’enfer lui brise le coeur. Il n’ose conclure autrement que par une prière, lês pages qu’il lui consacre.
Plusieurs de sés correspondants – Klein, de Strasbourg ou Kirchberger – mandent leur persuasion qu’an jour Dieu
”soumettra tous les rebelles”, que l’holocauste du Christ profitera non seulement au genre humain, sans exception,
mais aussi aux mauvais anges” (66).

No círculo de quietistas de Lausanne se acreditava ainda que “(...) un jour, tous lês hommes seront heureux, lê
Diable se convertira, et alors arrivera la règne de Mille ans” (67).

Enquanto a famosa Mme. Krudener

“Espère fermement la transfiguration de l’homme; nous pouvons la hater individuellement par notre pitié, par
l’exercice de nos sens intimes. Satan même ne se convertira-t-il pás? Elle demande à Dieu cette redemption finale”
(68).Oberlin espera a mesma coisa e para ele “peut-être un jour satan sera-t-il racheté” (69).

Pierre Simon Ballanche que se abeberou em Joseph de Maistre, Saint Martin e Charles Bonnet (70), julgava que no
final da História:

“Dans le point le plus reculé de l’avenir, sur la limite du dernier horizon de l’humanité” (...) peut-être, enfin, – qui
sait? – Dieu jettera um regard de pitié sur ‘lês intelligences déchues’; il leur accordera d’autres épreuves qui leur
permettent ‘d’accomplir la loi définitive de leur être’; l’Abbadona de klopstock prefigure ce repentir grace au quel
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l’ange du mal lui-même rentreta dans l’unité divine”

Joseph de Maistre, considerado até hoje pelos chamados “tradicionalistas” como inteiramente ortodoxo – e ele
estava longe de sê-lo – dizia, como Baader, que a eternidade das penas infernais não fora sempre um dogma
incontestado:

“Quant à l’éternité des châtiements infernaux, bien qu’il (de Maistre) en voit des symboles dans toutes les
mythologies, il ne se soumet pás dans quelque peine et sans quelque angoisse aux définitions dogmatiques et
demande surtout qu’on ne leur fasse pás dire plus qu’elles ne signifient réellement. Bien qu’il n’y ait pás d’identité,
il y a néamoins une certaine relation entre ses idées sur l’unite et ‘l’universalisme’ d’un Origène ou d’un Martinez
de Pasqually, qui tous deux l’influencèrent fortement” (72).

Também Saint-Martin tendia a mesma direção, pois, para ele, a missão origina do homem “was to recall tho se to
life who, by na improper use os its liberty had forfeited its essesnce” (73), idéia essa que P.S. Ballanche endossou:
“L’homme avait été primitivement destine à réparer les partes produites dans la milice celeste par la rebélion d’um
certain nombre d’intelligences” (74).

Para o abbé Fournié, Deus enviou o homem para que fizesse o que os demônios haviam recusado fazer, pois, desse
modo, os demônios teriam que confessar seu erro e rogariam então a Deus, por meio do homem, sua criatura fiel,
que os perdoassem e os reunisse de novo céu. O homem também rogaria a Deus que perdoasse os espíritos decaídos
e os demônios, ainda durante o tempo, se reconciliariam com Deus, e, no final do tempo, Deus os reuniria
eternamente a si (75).

O que nos conduz à segunda interpretação citada, qual seja, a de que os vazios deixados nos coros luminosos pelos
espíritos decaídos seriam preenchidos não pela restauração desses espíritos, mas sim pelos homens, criados para
esse fim. Embora esta segunda interpretação não pareça a mais provável, vamos examiná-la, apenas para esgotar
todas as possibilidades de interpretação.

A favor dessa hipótese estaria o fato de que, imediatamente após o pedido dos coros luminosos para que Deus
restabelecesse o que fora precipitado, teriam sido criados o mundo material e o homem. Evidentemente, porém, o
fato de a criação ser “post hoc” não significa necessariamente que ela tenha sido feita “propter hoc” mas, em todo
caso, registre-se a seqüência. É verdade também que Katharina Emmerick diz várias vezes que os espíritos
planetários serão precipitados no inferno no dia do juízo final (76), mas dizer que eles serão precipitados no inferno
não é afirmar que lá ficarão eternamente. Numa nota introdutória a um dos capítulos da versão espanhola da obra do
Pe.Schomoeger “Katharina Emmerick – Visiones y Revelaciones completas”(77) lê-se o seguinte:

“(AKE) entiende que Cristo se hizo Hombre no solo por haber caido Adán: la segunda Persona se hubiera humanado
para elevar el hombre a la condición angelica”.

Do que se conclui que, quem quer que seja o autor dessa nota introdutória, ele se mostra favorável à segunda
interpretação do texto que estamos analisando. Suponhamos então que essa segundo interpretação seja a correta.
Katharina Emmerick não defenderia então a apocatástases, mas a tese de que os homens foram criados para
substituir os espíritos decaídos, ocupando os lugares que eles deixaram vazios. Isso não muda muito as coisas, pois,
como demonstraremos agora, essa tese não só destoa da doutrina católica, mas também, como a outra alternativa,
está de acordo com a Cabala:

Se a criação do universo material se fez a pedido dos coros luminosos para preencher o vazio deixado pelos
decaídos, isto significa que, a princípio, não estava nos planos de Deus a criação do universo material visível. Ora,
S. Tomás ensina doutrina diversa, afirmando que tanto os anjos como as criaturas corporais se reúnem para
constituir um único universo. Por isto, todas as criaturas são feitas umas para as outras, numa ordem sapiencial:

“... (os anjos) fazem parte do universo, não constituindo um, por si, mas concorrendo, com a criatura corpórea, para
a constituição do mesmo universo. O que bem se verá considerando a ordem de uma criatura em relação a outra.
Pois a ordem das coisas entre si é o bem do universo. Ora, nenhuma parte é perfeita separada do todo. Logo, não é
provável que Deus,cujas obras são perfeitas, como diz a Escritura, tivesse criado a criatura Angélica separadamente,
antes das outras criaturas” (78).

Note-se, de passagem, que o ensinamento de S. Tomas, contraria a idéia da vidente de que os coros luminosos foram
criados anteriormente ao mundo material, mas, voltando ao essencial, se a criação dos anjos antes do mundo
material parece improvável ao Doutor Angélico por contrariar o bem da ordem universal, com muito maior razão se
480
deve pensar que a criação apenas dos anjos não poderia ser o plano original de Deus, pois se a criação dos homens e
do universo material se deu tão só para reparar o vazio deixado pela queda dos seres dos coros luminosos, então,
caso não tivessem eles caído, os homens provavelmente não teriam sido criados e, nesse caso, a criação se teria
limitado ao mundo espiritual. Ora, se fosse assim, faltaria a essa criação o bem superior da ordem que existe no
universo, visto que embora haja hierarquia entre os anjos, ela não é tão perfeita quanto a hierarquia total do universo
atual, que inclui os seres materiais.

Por outro lado, a doutrina de que o homem foi criado para ocupar o lugar dos anjos, e que, por conseguinte, o homem
deve ser elevado à condição Angélica, não é estranha à Cabala. Na seita cabalista-sabatiana dos Dönmeh, por
exemplo, se ensinava que, quando chegasse o Reino messiânico, aqueles que tivessem conhecimento dos mistérios
mais profundos se tornariam anjos: “The they shall come under the tree of Life and all will become angels” (79).
Essa interpretação da seita sabatiana evidentemente tinha base noZoharque ensina que todos os que estudam a
Cabala, graças a ela, tornam-se iguais aos anjos (80).

Também muitos esotéricos defenderam a tese de que o homem ia ocupar o lugar dos anjos: “D’après Swedenborg,
leurs milices celestes ‘sont composés du gente humain’“ (81). O mesmo Swedenborg defende também a idéia de
que os seres que se amam aqui na terra, após a morte, confundem-se formando um só anjo (82). Em conclusão,
qualquer que seja o modo que se interprete o texto supostamente de Katharina Emmerick, quer como defendendo a
apocatástases – interpretação bem mais provável – quer como preconizando a idéia que os homens foram criados
para ocupar os lugares deixados vazios pelos espíritos decaídos, o que ela diz é de fundo esotérico e cabalístico.

O fato de que ela afirma, nesse texto, que depois de ter tido essa visão já não pode mais ter compaixão do diabo
mostra que antes ela tinha essa compaixão. Aliás, a respeito disso, em texto atribuído por Brentano a Overberg, se
mostra que Katharina Emmerick achava que as penas infernais não seriam eternas e que seus confessores
procuraram corrigi-la quanto a esse ponto. Prudentemente.

Conforme Overberg, confessor extraordinário de Katharina Emmerick, ela...

“por espacio de mucho tiempo tuvo la costumbre de tratar com Dios de por qué no convierte a los grandes pecadores
y porqué castiga eternamente a los que no se convierten. Decia a Dios, que no sabia como podia ser así, pues esto era
contro su divina naturaleza: que convirtiéndolos ejercitaría su bondad, ya que nada le costaba convertir a los
pecadores los cuales estaban bajo su mano; que debia acordarse que lo que El y su amado Hijo habían hecho por
ellos, pues su Hijo habia derramado su sangre y dando su vida em la cruz; y do que El mismo há dicho en la Sagrada
Escritura acerca de su bondad y misericórdia y de las promesas que ha hecho. Si el Señor no es fiel a su palabra
como puede pedir a los hombres que cumpran la suya?

El abate Lambert, a quien ella dijo estas cosas, le repuso diciendo: ‘Poco a poco, que vas demasiado lejos’. Después
vio ella que eso debia ser así como Dios tiene dispuesto” (83).

Nesse texto se vê Katharina Emmerick tinha dificuldade em aceitar a eternidade do inferno e como ela,
ousadamente, chegava às raias da blasfêmia, acusando Deus de não ser fiel á sua palavra. Vimos, já, no capítulo III
deste trabalho, como ela também não acreditava que no inferno e purgatório houvesse fogo real, mas apenas
simbólico (84).

De outro lado, Katharina Emmerick afirma que tinha pena de Adão, porque o que ocorreu com ele “estava previsto”.
Ter pena de Adão porque “tudo já estava previsto”só faz sentido se se entender “já previsto” como “já determinado”,
o que significaria que Adão não pecou por vontade própria, como fez o demônio. O pecado de Adão teria então sido
uma fatalidade, mas não é isto o que ensina a doutrina católica a respeito (85), enquanto, a Cabala, pelo contrário,
considera que Adão estava destinado a pecar:

“Said the King to the mother: “Did I not tell the that he(Adão)was destined to sin?” (86)

E ainda:

“Rabi, after all, Uzza and Azael were not wrong because man was really destined to sin through woman” (87).

“Why desirest tou to create man who, as thouknowest, will sin, before thee through his wife, who is darknesse to his
light, light being male and darkness female” (88).

Já vimos também que para a Cabala de Issac Luria, que Brentano conhecia através da Kabbala Denudata de Knorr
481
com Rosenroth, Adão necessariamente tinha que pecar, para repetir analogicamente o que ocorrera na “ruptura dos
vasos”. Como Deus, criando, caiu noGalut, assim também Adão tinha que pecar para ser exilado do Paraíso,
passando a viver também ele no Galut.

Voltemos ao texto da Vidente

“Logo depois da súplica do coro dos espíritos que permaneceram fiéis e depois do movimento da Divindade eu vi
aparecer perto do disco sombrio que estava abaixo, para o lado direito, não muito afastado, um globo escuro e
enrugado.

Eu devo ainda notar que o espaço no qual os caídos abaixo estavam era muito menos do que aquele que ocupavam
antes acima, tanto que eles me pareciam muito mais apertados” (89).

Neste último trecho do texto analisado confirmam-se certar idéias a respeito da Divindade e dos espíritos. Assim,
mais uma vez diz-se que hámovimentona divindade, o que, como vimos, só é possível numa conceituação gnóstica
de Deus. Volta-se também a localizar as coisas em relação ao mundo divino e espiritual usando-se expressões como
“abaixo”, “acima” e “à direita”. Confirma-se ainda que os espíritos dos anéis luminosos ocupam lugar e que, depois
que alguns caíram, foram localizados num disco sombrio, num ambiente muito mais estreito do que o anterior, onde
eles estavam apertados. Todas as imagens indicam, pois, que esses espíritos decaídos possuíram corpo.

É curioso, também a apresentação dos três mundos: o divino, o diabólico e o humano. O primeiro está localizado
num globo brilhante como sol. O segundo é um disco sombrio; o humano é um globo escuro, como se nele houvesse
uma mistura de luz e trevas, coisa aliás que será explicitada mais adiante por Katharina Emmerick.

A versão castelhana do Pe. Schomoeger fala em globo de luz (o divino), globo de trevas (o diabólico) e globo escuro
( o humano). Cremos que desta vez a versão castelhana expressou bem a idéia de Brentano. Para ele toda a
cosmogonia estava relacionada – como na cabala – às imagens da luz e das trevas. De modo que, quanto mais
sombrio um ser, tanto mais ele é diabólico, e quanto mais luminoso, mais divino. O mundo que habitamos é, em
decorrência, o mundo da mescla, da mistura, da confusão, no qual bem e mal estão emaranhados e diluídos um no
outro.

Ora, esse esquema geral dos três mundos corresponde ao maniqueísmo. Evidentemente, não concluímos que o
esquema de Katharina Emmerick seja maniqueu, mas este não deixa de ser um início a mais de tendências gnósticas.
A propósito, vimos que vários autores reconhecem o carácter dualista das idéias de toda visão de Brentano. J.
Adams o ressalta e mostra como esse dualismo leva a considerar o próprio mundo físico como o reino do mal e das
trevas, enquanto que o mundo espiritual é identificado com a luz e a divindade:

“Tudo é colocado na simetria do ‘bom e do mau’, piedoso e ímpio, ou melhor, santo e malvado”. Esta estrutura está
na poesia com nitidez exagerada. Deus e diabo, céu e inferno, Maria e Vênus: todas as formas movem-se entre esses
dois poderes. Entre o princípio mau da sensualidade (a “falsa filosofia” está a seu serviço) e o bem do espiritual, do
supra-sensível, da ascece salvadora, o combate inflama-se e deve terminar com a vitória do bem, a solução da culpa
original, herdada” (90).

Nas visões de Katharina Emmerick encontra-se a mesma cosmovisão dualista:

“Como eu vejo a benção e o abençoado, como luz e mais luminoso, curador, e socorrido, assim eu vejo a maldição e
o amaldiçoado sombrio e obscurecido, causando ruína... Eu vejo a luz, e as trevas atuarem vivamente na luz e nas
trevas” (91).

O dualismo radical de Brentano leva-o a ver a oposição entre o reino do bem e do mal, estendendo-se não só à
História, através da luta entre a Igreja e uma Anti-Igreja diabólica, mas até mesmo ao mundo físico. Assim ele acaba
com a distinção entre sobrenatural e natural, estendendo ainda o reino do mal e do preter-natural até a realidade
material. Alguns exemplos elucidarão estes pontos:

“Entre os dois mundos e suas forças atuantes existe uma simetria exata. À uma “benção” essencialmente física se
opõe igualmente uma “maldição” essencialmente física, a ‘benção contrária’” (92). Adams cita então o texto de
Katharina Emmerick em que fala da ação benéfica e luminosa das relíquias dos santos e das influências más e
sombrias dos ossos dos antigos pagãos (93).

A idéia de “comunidade”, aqui muito acentuada, “a perdição promovida por forças más”, indicam já a existência de
482
uma Anti-Igreja organizada, uma “comunidade dos ímpios”:

“Esta Igreja está cheia de lodo, nulidade, trivialidade e noite. Quase ninguém conhece as trevas em que ela trabalha.
É tudo presunção oca... É tudo mau, formando uma comunidade dos ímpios. Eu não posso dizer como toda a sua
atividade é abominável, perniciosa e fútil, a um ponto que eles próprios desconhecem. Eles querem tornar-se um
corpo em outro, como no Senhor”. Para essa Igreja, Brentano usa diferentes nomes, mas todos provando que ele a vê
como um corpo atuante, como contra-partida para a Igreja Católica: Igreja sombria, Pós-Igreja-negra, Contra-Igreja,
Igreja do diabo, Igreja do horror, Igreja das trevas” (94).

Para Katharina Emmerick similarmente, o mal não tinha apenas natureza moral, mas também existência substancial,
emanando dele eflúvios que afetavam a natureza:

“As emanações de força física-corporal de ‘maldição’ são magicamente ativas e atuantes, e elas deixam uma espécie
de veneno corrosivo ou são manipuladas por espíritos (planetários) arbitrariamente atuantes” (95). Assim, certas
frutas, como as nozes e os pêssegos, teriam influências malignas. (96). Além disso, alguns animais seriam pecados
encarnados, como, por exemplo, o grilo:

“De modo particular muitos animais são agora completamente maus, são pecados encarnados; e com isso não são
capazes de nenhuma salvação. ‘Ela não sabia se era manhã ou noite, e quando o peregrino (Brentano) lhe disse:
‘ogrilocanta, é noite’, ela disse: ‘o animal está caído também, e este animal é um pecado. É tão inquieto e grita
sempre’. Sobretudo pertencem a esta categoria os insetos e pequenos animais em geral” (97).

Cremos que não é necessário dar mais exemplos de que para Katharina Emmerick o mal era ontológico e se estendia
até o mundo físico. Veremos, mais adiante, como o bem e o mal estendiam-se também à esfera humana,
especialmente à reprodução

7. A criação do mundo segundo Kataharina Emmerick

“Então, eu fixei mais minha vista sobre esse globo escuro à direita do disco sombrio e vi um movimento encrespado
no mesmo. Vi isso crescer cada vez mais, e aparecerem na massa pontos luminosos, que, circulando, formavam
como faixas luminosas que emergiam em largas superfícies claras. Simultaneamente vi a forma das terras emersas e
limitadas pelas águas. Então vi, nos lugares luminosos, um movimento como de alguma coisa viva. E sobre as
superfícies da terra eu vi plantas aparecerem e, entre elas, formarem-se também torvelinhos vivos. Eu pensava,
quando criança, que as plantas se moviam.

Até então era tudo cinzento. Agora, tudo se tornou mais luminosos, e, com isto, vi uma espécie de aurora. Era como
quando é manhã cedo sobre a terra e como quando tudo desperta de sono.

Agora todas as outras coisas da visão dissiparam-se para mim. O céu era azul, o sol movia-se nele. Eu vi só uma
parte da Terra brilhar e ser iluminada por ele, o que era absolutamente magnífico e agradável e pensei: Isso é o
Paraíso!

Mas assim como tudo ia se transformando no globo escuro, eu via igualmente uma emanação sair daquele mais alto
círculo de Deus” (98).

No Gênesis, a descrição da criação segue as seguintes etapas:

1. Deus ordena que as coisas existam;


2. as coisas passam a existir;
3. Deus afirma que as coisas criadas são boas.

Desse modo foi criada, por exemplo, a luz.

Ou então:

1. Deus ordena que algo seja feito ou produzido por meio de uma criatura já existente;
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2. a coisa é feita ou produzida.
3. Deus elogia a coisa feita ou produzida.

É o que se dá com a criação das plantas e animais.

Quanto à criação do homem, o esquema é o seguinte;

Deus diz:

1. “Façamos o homem”;
2. Ele faz o homem do limo da terra;
3. Ele louva então o conjunto de toda a criação, já concluída.

Na descrição da criação segundo Katharina Emmerick e Brentano, Deus nunca fala nem age. Ela diz que:

1. há um movimento em Deus;
2. as coisas “entstehen” – “aparecem”, “surgem” – como que magicamente.

Nas visões de Katharina Emmerick, não há o “fiat” bíblico. Assim, a criação não é produto da Palavra de Deus, ou
seja, do Verbo ou Sabedoria de Deus (99).

Segundo a teologia católica, foi na sua sabedoria, isto é, no Verbo, que Deus fez todas as coisas, pois, assim como
um arquiteto tem na mente o que pretende construir, assim também Deus, antes de criar o universo, concebeu-o em
sua sabedoria. E é por isso que S.João diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus
(...). Todas as coisas foram feitas por Ele, e nada do que foi feito, foi feito sem Ele” (100). Portanto, Deus fez tudo
“no Princípio” (Bereshit), isto é, no Verbo. Assim também, o Antigo Testamento diz: “NoPrincípio(Bereshit) criou
Deus os Céus e a Terra” (101). E o novo testamente, começa com as mesmas palavras explicando que
essePrincípio(Bereshit) em que Deus fez os céus e a terra, era o Verbo de Deus: “No Princípio era o Verbo”.

Katharina Emmerick, como vimos, não usa a expressão “no Princípio”, mas “primeiramente” o que introduz uma
noção temporal e não sapiencial da divindade e da criação. Essa noção de tempo explica que ela afirme ter visto na
divindade um movimento e umagir. A raiz do processo criativo não estaria no Verbo divino e sim na Vontade, no
“agir”de Deus. Também noZoharse coloca o início de tudo numa decisão de Deus e não em seu Verbo: “At the
outset the decision of the King made a tracing in the supernal effulgence” (102).

Em Boehme, ainda, Deus é concebido como Vontade e Liberdade:

“Le Dieu de Jacob Boehme est essentiellement liberte. Ceci explique, croyons-nous, pourquoi il caractérise son
Dieu comme Volunté“ (103).

É por influencia de Boehme que Goethe faz o seu Dr. Fausto traduzir no primeiro versículo do evangelho de S. João
como: “No princípio era a Ação” em lugar “no Princípio era o Verbo” (104).

Dizendo que viu ou sentiu em Deus um movimento e um “agir” Katharina Emmerick se aproxima mais da
concepção cabalista e esotérica da criação, que da concepção cristã. O texto dela é mais próximo doZohar, de
Boehme e de Goethe do que de São João.

Na massa do globo escuro, Katharina Emmerick distinguiu pontos e faixas luminosas. Depois, viu o movimento de
algo vivo nos lugares luminosos. Aparecem as plantas e ela vê o sol brilhando num céu azul. Ao mesmo tempo em
que tudo se transformava no globo escuro, ela via sair uma emanação – “eine Ausströmen– do mais alto círculo de
Deus.

É interessante notar que Katharina Emmerick não concorda com o Gênesis, visto que neste se afirma que, antes de
tudo, Deus fez a luz (105), enquanto as plantas só foram feitas no terceiro dia (106). Katharina Emmerick faz as
plantas surgirem logo no primeiro dia, como se verá a seguir, de modo mais claro, no texto publicado pelo Pe.
Schomoeger, e mais importante ainda, ela volta a falar em emanação na divindade, sem explicitar o que foi
emanado.

Infelizmente, neste ponto, se interrompe oUrtextepublicado por Anton Brieger. Somos obrigados, pois, a fiar-nos no
texto tão pouco fiel publicado pelo Pe. Schomoeger:
484
“A medida que no globo escuro via tudo se mudando, eu vi uma emanação que saía do mais alto círculo de Deus. Era
como quando o sol se eleva mais alto como tudo de manhã ao despertar; mas era a primeira manhã; e entretanto
nenhum ser o sabia. As coisas eram como se sempre tivessem sido assim. Eles estavam na inocência” (107).

A seguir, o texto de Katharina Emmerick publicado pelo padre Schomoeger, faz uma romântica descrição da beleza
das plantas e da natureza no estado original e afirma que:

“As águas eram mais claras e mais santas, todas as cores eram mais puras e mais brilhantes!”(108).

Afirmar que as águas eram mais santas é fazer uma confusão entre o sobrenatural e o natural, procedimento
característico do pensamento esotérico.

8. As rosas do paraíso

“Eu vi ali rosas brancas e vermelhas e pensei comigo, elas significam a paixão de Cristo e a Redenção” (109).

E intrigante essa relação feita por Katharina Emmerick entre as rosas, a paixão de Cristo e a Redenção. Com efeito,
a rosa sempre foi um símbolo muito importante para os esotéricos como também –et pour cause– para Brentano. Ele
a utilizou largamente como símbolo noRomanzen com Rosenkranznos quais três irmãs têm o nome de Rosa –
Rosablanka, Rosarosa e Rosadora– e são filhas de Rosatristis (Schwarze Rose) irmã de Rolata.

“La rose, qui est sans doute lê symbole poétique lê plus fréquenment utilisé em Occident, tient une place
préponderante dans la plupart des écrits de Brentano (...) elle fait partie dês images-clés du romantisme et n’et donc
pás spéciale à notre poète. Fleur sans défaut, elle évoque un petar d’hamonie et de pureté absolue, cette virginité de
l’âme et du corps dont la conservation où la reconquête constitue le problème essential des “Romances” (...)
Cependat la rose est ambivalente et traduit elle aussi, la polarité de l’oeuvre et le dualisme spirituel de l’auteur. De
couleur vive exhalant um parfum voluptueux,la rose incarne aussi l’êros (...) lês roses rouges, noites, blanches,
symbolisent lê péché (...) les remords (...) et la pudeur d’une religieuse (...) Ainsi, lês roses réprèsentent le príncipe
poétique de l’oeuvre, qui traduit la dialétique du bien et du mal dont elles sont a la fois le masque et lê dévoilement”.
(110).

Quanto às cores branca e vermelha, elas têm muito significado na Cabala e na Alquimia.

Na Cabala, ensina-se que a árvore sefirótica de Deus divide-se em dois lados, o direito, de onde vem o bem, e o
esquerdo, raiz do mal:

“The truth is that this grade is indeed the reflection of all the higher grades, and was rendered possible through that
reflection; it reflects all the colours (symbolic of the divine attributes) white at the right, red at the left, and a further
colour compounded of all colours” (111).

A cor branca teria relação com a Sefirá Hesed, enquanto a vermelha teria relação com a Sefirá Din ou Geburah.

“The words “and the Lord God built the side” can also be applied to Moses, in so far as he is from the side
ofHesed(Kindness). “And he vlosed the place of it with flesh” : flesh being red, symvolizesGeburah(Force), and so
in Moses both were combined” (112).

Por isso está dito;

“As the lily among thorns is tinged with red and white, so the Community of Israel is visited now with justice, and
now with mercy” (113).

E ainda:

“Or again, as the lily is red and its juice is white, so does the Holy One, blessed be He, lead his world from the
attribute of Justice to the attribute of Mercy, as it says: “Though your sins be as scarlet, they shall be as white as
snow” (Isa. I, 18). (…)

(…) as the lily has a sweet odour, is red, and yet turns white when pressed, and its aroma never evaporates, so the
Holy One, blessed be He, guides the world. If it were not so, the world would cease to exist because of man’s sin.
485
Sin is red as it says, “though your sins be as scarlet”; (20b) man puts the sacrificial animal on fire, which is also red;
the priest sprinkled the red blood round the altar, but the smoke acending to heaven is white. Thus the red is turned
to white: the attribute of Mercy. Red is indeed the symbol of rigorous justice, and there fore priest of Baal cut then
selves… till the blood gushed out upon them (I Kings, XVIII, 28). R. Isaac said: ‘Red (blood) and white (fat) are
offered for sacrifice, and the odour ascends from both. The spices of incense are in part red and in part
white-frankincense is white, pure myrrh is red – and the odour ascend from red and white. Moreover, it is written,
“To offer unto me the flat and the blood’ (Ezek, XLIV, 15) again white and red. Hence as a substitute for this (since
the destruction of the Temple) man sacrificies his own fat and blood (by fasting) and so obtains atonement. As the
lily, which is red and white, is turned entirely into white by means of fire, so the sacrificial animal is turned entirely
into white (smoke) by means of fire. Also at the present time (when there are no sacrificies) when a man offers in his
fast his fat an his blood, the sacrificie has to go though fire if it is to be turned into white (bring down mercy)…”
(114).

Da mesma forma o rigor e a clemência (as Sefirás Din e Hesed) são relacionadas com o vinho (vermelho) e o leite
(branco).

“Il est écrit: “Venez, achetez, sans argent et sans aucun échange, le vin et le lait”. “Que signifient “vin et lait”? et
quel rapport y a-til entre ces deux liquides? Le vin et l’emblème de la crainte,c’est-à-dire de la rigueur, et le lait celui
de la Clémence” (115).

Rosas brancas e vermelhas são conhecidos símbolos alquímicos.

“Entre las flores del jardin alquimico se distinguen especialmente las rosas rojas y blancas. La rosa blanca, como el
lirio, fué relacionada con la Piedra Blanca, objetivo de la Pequeña Obra, mientras que la rosa se asocío a la Piedra
Roja, cumbre de la Gran Obra. La mayoria de estas rosas tienen siete petalas, cada uno de los cuales evoca un metal
o una operación de la Obra. Conviene saber a este respecto que los alquimistas gustaban, desde Arnau de Vilanova,
titular sus tratados.Rosales de los Filósofos(116).

Nas obras de alquimia diz-se que a seqüência das operações passa sempre, e repetidamente, por umafase brancaa
quese segueumafase vermelha. O famoso alquimista Fulcanelli descreve as operações alquímicas através das figuras
esculpidas nas catedrais góticas. Interessa-nos citar aqui a descrição que ele faz de um relevo do pórtico de Notre
Dame, no qual há (...)“un jardin clos de hayes (...) um vieil creux de chêsne, au pied duquel, à costé il y a un rosier à
feuilles d’or et deroses blanchesetrouges, qui enoure ledit chêsne jus qu’au haut, proche de ces branches. Et au pied
du dit creux de chêsne bouillone une fontaine claire comme argent…”(117).

O mesmo Fulcanelli, em outra de suas obras, torna a falar sobre asrosas brancas e vermelhas:

“Esta substância dupla, este composto perfeitamente amadurecido, aumentado e multiplicado torna-se o agente de
maravilhosa transformações que caracterizam a pedra filosofal,rosa hermética.

Conforme o fermente argentífico ou aurífico, que serve para originar a nossa primeira pedra, arosa ora é branca, ora
vermelha. São as duas flores filosóficas, desabrochadas na mesma roseira, que Flammel nos descreve noLivre dês
Figures Hierogliphiques. Elas embelezam igualmente o frontespício doMutus Líbere vemo-las florir, num cadinho,
na gravura de Gobille que ilustra a décima segunda chave de Basílio Valentim. Sabe se que a Virgem celeste tem
uma coroa derosas brancase também não se desconhece que arosa vermelhaé a assinatura reservado aos iniciados da
ordem superior, ou Rosa-Cruz” (118).

Não há dúvida pois querosas brancas e vermelhas, e postas nesta ordem, são símbolos alquímicos. Teria Katharina
Emmerick ou Brentano, - dá no mesmo – intenção de aludir à alquimia ao falar de rosas brancas e vermelhas como
símbolo dePaixão e Redenção?

Evidentemente só a citação das rosas brancas e vermelhas no primeiro dia da criação não basta para chegar à uma
resposta positiva à essa questão. Todavia, quando Katharina Emmerick fala da gruta em que Cristo nasceu em
Belém, ela dá uma série de pormenores que não constam nem das escrituras, nem da tradição e que tem uma incrível
semelhança com o que Fulcanelli descreveu nos textos que citamos. Ainda conforme Katharina Emmerick, Abrahão
teria sido, como Cristo, perseguido por um rei, escondido e amamentado por sua ama, Maraha, na mesma gruta em
que Cristo nasceu e foi amamentado por Maria sua mãe.

A gruta teria se tornado desde então um local de devoção para mãe e amas de leite. Afirma Katharina Emmerick que
o local tinha algo de profético pois que se venerava em Maraha uma figura profética da Virgem Maria:
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“Maranha tinha cooperado para a chegada do Messias através de seu leite, ao nutrir um antepassado da Virgem
Maria. O mesmo leite que a estirpe de Santa Virgem sugou. Veja, e não posso expressar claramente, mas era como
um poço profundo indo até a fonte da vida universal, e daí se tirou sempre até que Maria subiu daí como água
límpida” (119).

E continua Katharina Emmerick dizendo que havia sobre a gruta uma grande árvore – um Terebentino? – um poço
ou fonte e que tudo estava circundado por uma cerca (120). Ora, essa descrição apresenta os mesmos elementos do
pórtico de “Notre Dame”, descrito por Fulcanelli, faltando apenas a alusão à rosas brancas e vermelhas. Também J.
Van Lennep fala de árvore e de fonte como símbolos alquímicos:

“Otro arbol, este con el tronco hueco un manatial cuyas aguas regeneradoras conceden la inmortalidad a aquel que
haya logrado descubrirlas. Este Arbol Hueco que derrama las fuentes de la vida (...)” (121).

Explicando o significado da fonte ao pé do carvalho oco, Fulcalenelli diz:

“La mythologie la nomme Lybérthra et nous raconte que c’était une fonte deMagnésie, laquelle avait, dans son
voisinage, une autre source nomméela Roche. Toutes deuzsortaient d’une grosse rochedon’t la figure imitait le sein
d’une femme, de sorte que l’eau semblaitcouler de deux mamelles comme du lait. Or nous savons que les acneies
auteurs appelent la matière de l’Oeuvrenotre Magnesieet que la liqueur extraite de cette magnesie est diteLait de La
Vierge” (122).

Ora, Katharina Emmerick chama a gruta em que nasceu Cristo e em que Abraão foi aumentado deGruta do
LeiteouGruta da Ama:

“... e deram o nome de Gruta do Leite ou Gruta da Ama. Eu vi aqui algo de maravilhoso, que esqueci, e a fonte
surgiu lá”(123).

Katharina Emmerick conta ainda que, quando Herodes tentava se apoderar do menino, S.José o escondeu noutra
gruta. Ocorre que, o menino era levado para junto de sua mãe para ser amamentado, pelo que, angustiada, Nossa
Senhora fez o que costumava fazer as mulheres em tal situação: antes de amamentá-lo, fez cair leite num banco de
rocha da gruta. Um pastor que soube disso, recolheu esse leite e o levou para sua mulher que não tinha leite para
amamentar seu filhinho e logo, a mulher tornou-se capaz de amamentar seu filho. Sempre segundo Katharina
Emmerick, a pedra da gruta adquiriu desde então um poder terapêutico. A isto acrescenta Brentano uma nota
erudita, citando Fr. Quaresmius e sua História Terrae Sanctae elucidatio – Antwerpiae – 1632 – T.II, p. 678.

Segundo esse autor, que transmitiria uma antiga tradição, a terra dessa gruta é naturalmente vermelha, mas reduzida
ao pó, lavada e seca ao sol, ela se torna branca como a neve e misturada à água fica como leite. Os camponeses dão
então esse líquido à mulheres que não têm leite para que o tenham. Diz ainda Quaresimus que as relíquias que têm o
nome de “Lac beatae Virginis” – “Leite da bem-aventurada Virgem” – são a terra dessa gruta (124). Temos então
que essa gruta do Leite ou Gruta de Maraha, pode ser chamada também de Gruta do Leite da Virgem. E “Leite da
Virgem”, como vimos em Fulcanelli, é o licor extraído da Magnésia e que é simbolizada saindo da fonte junto à
gruta do carvalho oco, símbolo do laboratório alquímico.

Haveria mais que dizer sobre o assunto, mas consideramos suficientes estas citações para mostrar que nas visões de
Katharina Emmerick há alusões bastante significativas à alquimia e que uma delas é a citação das rosas – brancas e
vermelhas.

9. Rios, águas, animais do paraíso

“Eu vi de cada tipo de planta, pelo menos das maiores, apenas um exemplar e via como elas ficavam separadas,
como se pertencessem a um viveiro, plantadas conforme sua espécie.

(...) Os campos, que eu vi, eram suaves e ondulados e inteiramente cobertos de vegetação, no meio havia uma fonte
da qual saiam rios para todos os lados, dos quais alguns fluíam de novo para sua origem” (125).

Katharina Emmerick saliente que isto ocorria antes do pecado original de Adão. Significaria então que todas as
plantas, pelo menos as maiores, antes do pecado eram hermafroditas? Essa idéia vai se confirmar, mais tarde,
487
quando ela tratar da criação dos animais e mesmo do homem.

Parece-nos então que existe aí uma primeira insinuação de que antes do pecado original não havia reprodução pela
conjugação de dois seres ou de elementos fornecidos por dois seres distintos. E esta é uma doutrina muito comum
entre os gnósticos, esotéricos e cabalistas. Trataremos dela a seu tempo, quando tivermos que analisar o pecado
original e a reprodução humana no paraíso, conforme descreve Katharina Emmerick

Também a “geografia” anterior ao pecado original, segundo Katharina Emmerick, é surpreendente, pois um rio fluir
e retornar à sua própria origem é contra as leis da natureza, antes ou depois do pecado original. Com efeito,
conforme São Tomás, o pecado de Adão não acarretou mudança na essência das coisas, nem das leis naturais (126).

É evidente que nem Katharina Emmerick nem Brentano consideravam possível um rio, de per si,
retornar á sua própria origem. Isso era um símbolo, e esses rios que fluem e retornam às suas próprias origens
formam um movimento circular de um efeito que realimenta a sua causa, um ciclo eterno. Ora, este movimento de
um feito que realimenta eternamente a sua própria causa é simbolizado na famosa serpente Ourobouros dos
alquimistas e esotéricos: uma serpente que morde e come sua própria causa, alimentando-se e crescendo por si e de
si mesma. A serpente Ourobouros simboliza para os esotéricos o movimento universal, isto é, Deus que gera o
mundo retornar a Deus, realimentando sua Causa, representando o movimento perfeito original que foi rompido
pela queda (127):

“Entre los reptiles la serpiente como uno de los símbolos primordiales de la alquimia. Aparece bajo diversas formas,
de las cuales la principal es si duda alguna, la de uroboro, a la que ya nos hemos referido. La serpiente urobolos – se
lee en un antiguo manuscrito griego – es la composición que es devorada y fundida en su totalidad, disuelta y
transformada por la fermentación (...) sus cuatro pies constituem la tetrasomia (es decir los cuatro metales
imperfectos plomo, cobre, estaño y hierro)” (128).

E ainda:

“La unidad cósmica, base del pensamiento hermético, está simbolizada igualmente por la Serpiente de Uroboros,
imagen del Uno-Todo. Su forma circular, simbolo del mundo, es una alusión al ‘principio de clausura’ o al ‘secreto
hermético’. Por añadidura enuncia la eternidad concebida como ‘eterno retorno’ ho que no tiene princio ni fin”
(129).

Voltemos ao texto da vidente;

“Nessas águas notei eu primeiramente movimento e animais vivos. Depois, vi animais aqui e acolá entre as moitas e
arbustos, como que se levantando do sono e espiando. Eles não eram ariscos e eram totalmente diferentes do que são
agora. Comparados com os animais atuais eles pareciam como homens. Eles eram puros, nobres, rápidos, alegres e
suaves. É impossível exprimir como eles eram. A maioria dos animais me eram estranhos. Eu não vi nenhum como
os de agora. Eu vi elefantes, veados, camelos e especialmente o unicórnio, o qual eu vi também na Arca (de Noé).
Ali ele era particularmente amável e manso. Era mais curto do que um cavalo e tinha uma cabeça mais arredondada.

Eu não vi nenhum macaco, nenhum inseto nem animal algum repelente e feito. Sempre pensei que estes animais são
um castigo do pecado.

Vi muitos pássaros e ouvi seus cantos amáveis como numa manhã. Mas não ouvi bramido de feras nem vi aves de
rapina.

O paraíso terrestre existe ainda. Mas é totalmente impossível ao homem chegar até ele. Eu o vi, no alto acima, como
está ainda em todo o seu esplendor, separado obliquamente da Terra, como os disco escuro dos anjos caídos, está
separado do céu” (130).

Katharina Emmerick, nesse texto procura salientas as diferenças existentes entre os animais, tal qual existem hoje e
antes da queda de Adão. Afirma que, comparados com os atuais, os animais, antes da queda, pareciam-se com os
homens, e que é evidentemente incrível e totalmente contrário à doutrina católica ortodoxa.

Em outra visão Katharina Emmerick, fornece mais informações sobre os animais antes da queda:

“Não havia cães (como os de hoje). Eles eram totalmente amarelos-dourados e tinham longas jubas e com feições
quase humanas (lobos? Pergunta Brentano). Sim, havia lobos, mas eram tão mansos. Eles se agarravam uns aos
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outros pelas jubas e brincavam uns com os outros. Eu também vi ovelhas, camelos, bois e cavalos, todos brancos e
brilhantes como seda e também um maravilhosamente belo asno branco. As feras não faziam mal umas às outras,
elas se entre-ajudavam. Na maioria elas eram brancas ou amarelo-douradadas. Eu quase não vi animais escuros (...)”
(131).

Katharina Emmerick afirma que os animais ajudavam uns aos outros, mas não como alimento. Não se vê então
como poderiam ajudar-se, pois quem recebe ajuda tem alguma necessidade e os animais só necessitam de outros
seres para seu sustento, reprodução ou abrigo.

Em outra visão Anna Katharina Emmerick: “Eu não tenho visto as feras comerem. Eu creio que elas comem capim,
isso eu vi” (132).

Essas descrições de Anna Katharina Emmerick são sem dúvida, românticas, e nada realistas. Não se pode imaginar
águias comendo alpiste.

Na Suma Teológica, respondendo aos argumentos dos que afirmavam que no estado original, não haveria nem
putrefação que gerasse certos animais, nem animais venenosos ou daninhos ao homem, diz S. Tomás:

“Certos dizem que os animais atualmente ferozes e que matam os outros, eram, no primeiro estado, mansos, não só
relativamente ao homem, como também aos outros animais. Mas tal é absolutamente irracional. Pois, pelo pecado
do homem não se mudou a natureza dos animais, de modo que vivessem de ervas os que agora, naturalmente,
comem as carnes dos outros, como os leões e os falcões. Nem a glosa de Beda diz que os vegetais e as ervas fossem
dados como alimento a todos os animais, mas só a alguns; pois, do contrário, haveria discrepância natural entre
alguns deles”. (133).

Quanto á informação de que os mosquitos, insetos e macacos só “apareceram” depois do pecado, ela contraria a
doutrina da Igreja Católica segundo a qual descanso de Deus no sétimo dia significa o fim da criação. É o que diz S.
Tomás na Suma Teológica: “... o repouso pode ser tomado em dupla acepção; como cessação das obras ou como
satisfação do desejo.

Ora, de ambos os modos se diz que Deus descansou no sétimo dia. Do primeiro, por ter cessado, nesse dia de criar
novas criaturas; pois, nada fez a seguir que não estivesse incluído, de algum modo, nas primeiras obras...”(134).

Para Anna Katharina Emmerick não foi assim, pois Deus teria criado os insetos – ela diz que eles “apareceram” –
depois do dilúvio: “Eu não vi mosquitos e insetos (na arca de Noé). Eles apareceram depois para o castigo dos
homens” (135). Tudo isto mostra em Katharina Emmerick uma concepção do paraíso terrestre e do mundo original
muito mais de acordo com os sonhos milenaristas próprios das correntes esotéricas do que com a ortodoxia da
religião a que vidente pertencia.

É preciso dizer uma palavra a respeito do unicórnio.

Anna Katharina Emmerick afirma que esse animal fabuloso teria existido não só no paraíso terrestre, mas também
depois da queda, no lugar que ela chama de Montanha dos Profetas (Prophtenberg):

“Los unicórnios Duran aún y viven siempre juntos. Conozo un disco hecho con el cuerno de uno de ellos, que
produce en los animales enfermos lo que las benditas y consagradas producen en los hombre” (136).

Está aí uma das confusões, típicas do esoterismo e de Brentano, entre o sobrenatural e o natural. Afirmar que um
disco feito de chifre do unicórnio tem, sobre os animais doentes, o mesmo efeito que as coisas consagradas tem
sobre os homens, é atribuir a um objeto natural (se ele existisse realmente) um poder sobrenatural. Isto é pura magia.
Katharina Emmercik faz uma descrição romântica do unicórnio e diz:

“Los machos y las hembras van generalmente separados, y solo se juntan em determinadas épocas. Son muy
reservados y tienen poca prole” (137).

Vê-se que Katharina Emmerick atribui aos unicórnios uma atitude que Brentano atribuirá a muitas pessoas que ele
diz santas, no Antigo e no Novo Testamento. Ela conta ainda outras lendas sobre a força “secreta e maravilhosa” do
unicórnio sobre os demais animais:

“Me parece que se quire significar y simbolizar algo de santo, cuando de dice que el unicórnio reposa su cabeza
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solamente em el regazo de la más pura Virgen. Esto siginifica que la carne (de Jesus) salió pura y santa solamente
del seno de la Santissima Virgem Maria, y que la carne corrompida y contaminada renació pura por ella, o que ella
es la primeira en la cual la carne se purificó, que en ella se venció lo que era invencible, que en ella se ha dominado
toda rebeldia y bestial instinto, que en ella la humanidad rebelde o fue vencida y hecha pura, o que en su regazo se ha
desvanecido el veneno de la tierra” (138).

Contando uma velha lenda sobre o unicórnio e as virgens, Katharina Emmerick faz desse animal símbolo da
encarnação de Cristo no seio de Maria. Ora, segundo oDictionnaire des Symboles, o unicórnio simboliza “a
Revelação divina”, ou então “a penetração do divino na criatura”. Além disso, o unicórnio está ligado à simbologia
sexual e alquímica, representando assim “a fecundação espiritual”, e, concretamente, “a Virgem fecundada pelo
Espírito Santo”. Na alquimia, o unicórnio simboliza o hermafrodita, e sexualmente ele é um símbolo fálico (139):

“El unicórnio, animal fabuloso, fue también uno de los simbolos favoritos de les alquimistas. Es la imagen del
mercurio e igualmente del principio masculino y activo, por elllo le hallamos en la mayoria de las ocasiones
acompañado de una virgem, imagen de la feminilidad pasiva” (140).

Finalmente, o último ponto a observar é a respeito da localização do paraíso terrestre. Katharina Emmerick afirma
que ele existe até hoje, e ela diz que ele está tão separado da Terra quanto a esfera escura dos anjos caídos está longe
do céu. Não se vê então porque esse paraíso seja terrestre. Em outra visão ela diz:

“Eu vejo como um banco sob o sol quando ele se levanta. Quando ele aparece, ele se levanta à direita na
extremidade desse banco Ele está situado a oriente da Montanha dos Profetas, onde o sol se ergue, e parece-me
sempre como um ovo flutuando sobre águas indescritivelmente claras, as quais o separam da Terra”. (141).

Esse paraíso parecido com um ovo flutuando sobre águas claras lembra muito os símbolos do ovo alquímico que
aparece nas pinturas de Jeronimus Bosch e de Bruegel. No âmbito teológico, quanto à existência atual do paraíso
terrestre, S. Tomás se posiciona favoravelmente, à sua existência, situando-o no Oriente (142). Enquanto, os outros
autores, como por exemplo Cornélio a Lapide, opinam que ele foi destruído por Deus (143).

Embora Katharina Emmerick, nesse pormenor, tenha a seu favor – excepcionalmente – a opinião de S.Tomás, os
detalhes que ela dá o Paraíso e sua localização junto da mística e gnóstica Montanha dos Profetas, tornam sua
exposição bem mais próxima do esoterismo do que de tomismo. Trataremos dessa Montanha dos Profetas, quando
analisarmos as tendências milenaristas da vidente, no último capítulo desta tese.

Capítulo V - Adão e Eva


1. "Criação" de Adão

O modo como AKE descreve o "aparecimento" de Adão é completamente diferente do que afirma o Gênesis.

"Eu vi que Adão não foi criado no Paraíso, mas sim na região em que depois existiu Jerusalém. Eu o vi sair,
resplandecente, de uma colina de terra amarela, como saindo de uma forma, o sol brilhava e eu,quando ainda
criança,via isto e pensava que o sol parecia fazer Adão sair da colina. Ele era como que nascido da terra, a qual era
uma virgem. Deus abençoou esta terra e ela se tornou sua mãe. Ele não saiu subitamente da terra, custou algum
tempo, até que aparecesse.
Ele jazia na colina deitado sobre seu lado esquerdo, com o braço estirado sobre a cabeça e estava coberto com uma
névoa leve como fumo...
Eu vi uma figura dentro dele em seu flanco direito, que era Eva, a qual foi tirada por Deus de dentro dele, já no
Paraíso.
Deus o chamou e era como se a colina se abrisse' e Adão saísse lentamente dela. Ao redor não havia arvores, mas
apenas pequenas flores. Vi também os animais saírem da terra em uma só unidade e as fêmeas serem tiradas de
dentro deles.
Eu vi que Adão foi levado para muito longe, num jardim colocado muito alto, o Paraíso terrestre. Deus conduziu os
animais para passarem diante dele no Paraíso. Adão lhes deu nomes e eles o seguiam e brincavam com ele.
Antes do pecado, todos os animais o serviam. Eva não havia ainda sido formada fora de Adão. Todos os animais a
490
que Adão havia dado nome seguiram-no mais tarde quando ele foi para a Terra.
Eu vi Adão no Paraíso, não longe da fonte que existia no meio do jardim, como despertando de um sono entre flores
e plantas. Ele era branco brilhante; seu corpo parecia ser mais de carne do que de espírito. Ele não se admirava de
nada, nem de si mesmo, e caminhava entre as árvores e animais a seu redor como se estivesse acostumado, como
alguém que inspeciona o seu campo" (1).

2. Local da criação de Adão

Nesse texto Katharina Emmerich diz que Adão foi criado na Terra, mas fora do Paraíso. De fato, a Sagrada Escritura
diz que Adão só depois de criado é que foi conduzido ao Paraíso (2).

Mas no Urtexte lê-se:

"Adão não foi criado no Paraíso, mas sim fora da Terra e depois foi nela introduzido" (3)

O texto editado pelo Pe Schmoeger aproxima-se assim mais do que diz a Bíblia do que o Urtexte.Ver-se-á
posteriormente que o Paraíso terrestre, localizado num lugar muito alto, não estaria onde existiu depois Jerusalém e
sim junto à montanha dos profetas, no Himalaia (4).
A afirmação de que Adão foi criado fora da Terra é também completamente estranha ao que diz a Sagrada Escritura.
Ela, porém, não é estranha à Cabala, pois nela se ensina que "Adão era um ser espiritual cujo lugar estava no mundo
da Ásia" (5), que era um reino espiritual.

3. Modo da criação de Adão

No Gênesis, Deus impera à Terra que produza erva e árvores (6) e animais (7) e às águas que produzam répteis e
aves (8). Porém, quando se trata de criar o homem, Deus não utiliza nenhum ser criado como instrumento, mas cria
o homem diretamente e por isso diz: "Façamos o homem a nossa imagem e semelhança" (9). Em sua exegese,
criticando a opinião de Avicena de que os animais podiam ser gerados naturalmente, sem sêmen, por alguma
mistura dos quatro elementos, S. Tomás diz:

"(...) na instituição primeira das coisas, o princípio ativo foi o Verbo de Deus, que da matéria elementar produziu os
animais; quer em ato, segundo os outros Santos Padres, quer virtualmente, segundo Agostinho" (10).

Fiel a Escritura, o Aquinate sublinha, portanto, o papel ativo do Verbo de Deus na criação, coisa que Katharina
Emmerick omite. No texto da freira de Dülmen, Deus não impera à terra e as águas que produzam os seres
inferiores, nem reserva diretamente para Si a criação do homem. Repetimos: a criação, segundo a vidente, é sem
"fiat" e por isso, no seu texto, as coisas "aparecem".
Quanto ao homem, S. Tomás ensina que dada a sua dignidade, Deus não utilizou para criá-lo nenhum instrumento,
nem sequer os anjos (11), enquanto Katharina Emmerick dá um relato diferente do Gênesis no qual Deus fez o corpo
do homem do limo da terra e lhe infunde uma alma imortal (12). Conforme a freira, Deus simplesmente chama
Adão. – Ora, só se chama o que já existe, o que ela parece confirmar ao dizer que Adão já saiu formado do seio da
terra. Deus teria ordenado, então, o nascimento e não a criação de Adão. – Diz a vidente que Adão foi gerado pela
Terra que até então era virgem e que ela teria sido como que fecundada pelo Sol. E Adão sai do seio da terra como de
uma forma ou molde. Evidentemente, esse molde é símbolo do útero, por isso se diz que a Terra era "sua mãe". À
chamada de Deus, a terra se abre e Adão, já formado, sai lentamente, e não bruscamente, da terra, num local que é
uma colina de terra amarelada.
O que se descreve não é então a criação de Adão, mas sim o seu nascimento do seio da terra (principio feminino) que
fora fecundada pelo sol (principio masculino). Ora, esta concepção não é estranha ao Zohar que explica do seguinte
modo o insuflar do espírito no homem feito da terra:

"And He breathed into his nostrils the breath of life." The breath of life was enclosed on earth, which was made
pregnant with it like a female impregnated by the male. So the dust and the breath were joined, and the dust became
full of spirits and souls" (13).

Em outra passagem diz o Zohar:

"(...) the other is a creation, and therefore it is the earth which brought forth produces (Toldoth) being made pregnant
like a female by a male". R. Eleazar said: "Ali forces were latent in the earth from the first, but it did not bring forth
its products till the sith day, as it is written, "let the earth bring forth living soul" (14).
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Também a consideração da terra como principio feminino e do céu (ou sol) como principio masculino que a fecunda
existe na Cabala.

"When the upper world was filled and became pregnant it brought forth two children together, a male and a female,
these being heaven and earth after the supernal pattern. The earth is fed from the waters of the heaven which are
poured into it. The upper waters, however, are male, whereas the lower are female, and the lower are fed from the
male and the lower waters call to the upper, like a female that receives the male and pour out water to meet the water
of the male to produce seed. Thus the female is fed from the male, as it is written, "and the earth", with the addition
of the vau, as we have explained (...) (Zohar, Bereshit I, 29 b). Thus the heavens and the earth are united and the
earth is fed... For the heavens are male, and the male comes from the side of right, and the female from the side of the
left" (15)

4. Adão luminoso e parcialmente espiritual

O corpo de Adão antes do pecado é apresentado pela vidente de Dülmen como sendo luminoso, dizendo ainda que o
corpo dele era mais carnal do que espiritual. Ora, não há nenhuma alusão a isto no Gênesis.
A idéia de que o corpo de Adão, antes da queda, era constituído de matéria distinta da nossa é comum à Cabala e ao
esoterismo. Como vimos, conforme a Cabala, "Adão era um ser espiritual, cujo lugar estava no mundo de Ásia"
(16). No Zohar se explica que a carne, na verdade, não faz parte da essência do homem, pois que a Escritura diz que
o homem foi "vestido" por Deus com pele e carne: "De pele e de carne me vestistes" (17).

"Hence we often meet the expression "flesh of man", implying that the real man is within and the flesh which is the
body is only a vestment" (18).

Essas "roupas" de pele e carne teriam sido dadas por Deus ao homem após o pecado. Antes disso o homem, como
diz a freira alemã, seria luminoso, tendo recebido de Deus vestes de luz. Pois bem, é exatamente isto o que diz a
Cabala:

"At first they had had coats of light ("OR"), which procured them the service of the Highest of the high, for the
celestial angels used to come to enjoy that light; so it is written: "For thou hast made him but little e lower than the
angels, and crownest him with glory and honour". (Ps.VIII,6). Now, after sins they had only coats of skin ("or"),
good for the body but not for the soul" (19).

E diz ainda o Zohar:

"Then they knew that they were naked , since -they had lost the celestial lustre which had formerly enveloped them,
and of which they were now divested" (20).

Insistindo, diz o Zohar:

"Similarly, when Adam sinned, God took from him the armour of the bright and holy letters with which he had been
encompaned and then he and his wife were a f r a i d , perceiving that they had been stripped; so it says: "And they
knew -that they were naked. "At first they had been -invested with those glorius crowns which gave them protection
and exemption from death. When they sinned, they were stripped of them, and then they knew that death was calling
them, that they had been deprived of their exemption, and that they had brought death on themselves and on all the
world" (21).

Também entre os gnósticos se ensinava que Deus revestira o homem de luz:

"II Padre ha preso Ia gloria e ne ha fatto un vestito all'esterno deil'uomo..." (22).

Katharina Emmerick diz ainda, de modo muito vago e estranho, que o corpo de Adão não era só de carne, mas que
tinha também algo espiritual. Tal idéia fora exposta por Boehme e por seu seguidor, o pietista OEtinger. Boehme diz
a esse respeito:

"Então [antes do pecado] Adão e todos os homens andariam sobre a terra completamente nus, como ele fazia; sua
vestimenta era a claridade na virtude de Deus" (23).

E no questionário elaborado por Oetinger, com textos de Boehme, consta a seguinte pergunta com o número 41:
492
"Que é a imagem de Deus no homem? Resposta: Moisés diz:

"Deus criou o homem a sua imagem, a sua imagem Ele o criou". Isto significa que Ele desde a eternidade o concluiu
na Sabedoria. Neste mesmo conhecimento Deus introduziu o ser e este ser foi criado à imagem de Deus. A imagem
de Deus é um corpo espiritual, uma corporeidade celestial, na qual há fogo, luz e ar. A vida aérea acarreta as demais
e se ela não fosse nada, então as outras seriam nada" (24).

Alexandre Koyré, comentando o pensamento Boehme, diz:

"N'oublions pas qu'Adam, tel qu'il avait été crée par Dieu, ne possédait pas de corps grossièrement matériel (J.
Boehme, De tribus principiis, X, 21; XI, 9 et suiv.; XVII, 12 et suiv.). II avait bien un corps mais tout autre que celui
qui est le notre, un corps tel que nous l’aurons après Ia réssurection, un corps de même nature que celui du Christ
ressuscite et que ceux de Moïse et d'Élie au Thabor. Son corps était fait de l'element pur, qui est Ia substance ou
essence celeste (Wesenheit)" (25).

O texto da vidente dá a entender que a corporeidade de Adão não era só carnal, mas também espiritual, isto é, que a
substância de seu corpo seria de matéria espiritualizada. Para os esotéricos, matéria e espírito são conceitos
reversíveis, e, em Boehme, autor conhecido e estimado por Katharina Emmerick e por Brentano, assim como em
OEtinger, existe a tese de uma matéria espiritual componente do corpo de Adão:

"L'esprit et Ia matière ne se séparent pas. Dieu et Ia mature forment une unité compacte; c'est à cela qui font allusion
les alchimistes du Moyen Age lorsqu'il parlent du ‘monde un’ et l'on peut dire également que Ia psychanalyse et Ia
physique moderne ont decouvert cette unite. Comine le dit C. Jung, Ia matière et le psychisme apparaissent comme
les deux modes de manifestation, se référant l’un a l’autre, de l'aspect unifié transcendant Ia conscience de l'être"
(26).

Para Boehme, Adão era semelhante a Deus, porque tinha algo de espiritual:

"Le corps de l'homme original, vivant au paradis, est dès lors conçu par lui comme etant d'une merveilleuse
transparence vis-à-vis de Ia beauté et de Ia pureté; c'est en cela qui se revele sa ressemblance avec Dieu" (27).

5. Adão andrógino

No texto de Katharina Emraerick editado por Schmoeger, lê-se que Eva estava dentro de Adão e que foi retirada de
dentro dele, já no Paraíso. Logo a seguir a vidente afirma que os animais machos também safam da terra contendo as
fêmeas, que depois eram retiradas de dentro deles. Ora, há ai uma contradição com a Escritura, pois, segundo esta,
os animais foram criados antes do homem (28). Além disso, essas frases insinuam claramente sem dizê-lo
explicitamente que, antes de ser levado ao Paraíso, Adão era andrógino. Poder-se-ia argumentar que, de certo modo,
a própria Escritura afirma que Eva foi tirada de Adão, o que, porém, não é exato, pois o que diz o Gênesis é que Deus
retirou de Adão uma costela e não Eva: "E da costela que tinha tirado de Adão, formou o Senhor Deus uma mulher,
e a levou a Adão". (29).
S. Tomás, explicando esse texto, ensina que Deus, depois de retirar a costela de Adão, acrescentou-lhe matéria para
formar Eva, de modo semelhante ao que fez Cristo na multiplicação dos pães (30). Além disso, como nota
argutamente A. E. Waite, se Eva já existisse em Adão, Deus não poderia ter dito: "Não é bom que o homem esteja
só; façamos-lhe um adjutório semelhante a ele" (Gen. II, 18) (31).
Examinando, contudo, o Urtexte, verifica-se que a freira e seu secretário foram bem mais explícitos nesse ponto.
Mas, o padre Schmoeger, preocupado em apresentar uma Katharina Emmerick o quanto possível ortodoxa,
censurou os trechos mais comprometedores do Diário. De fato diz esse texto:

"Ele (Adão) não era homem como nós. Os sexos nele não estavam separados e também não estavam um ao lado do
outro. Homem e mulher eram um só nele" (32).

Também aqui se poderia tentar argumentar, como fizeram muitos, com o Gênesis onde se lê:

"E criou Deus o homem a sua imagem. Criou-o a imagem de Deus e criou-os varão e fêmea" (33).

Daí, entendem alguns que Deus criou o homem varão e fêmea conjuntamente e que, portanto, num só ser haveria os
dois sexos. Já Platão também registrará o mito do homem duplo, que poderia ser ou não andrógino (34) e o judeu
Filon de Alexandria transmitiu esse mito a Orígenes que no seu comentário ao Gênesis diz:

493
"Vejamos também por alegoria de que modo o homem foi feito varão e fêmea, a imagem de Deus" (35).

Na Idade Média, Scoto Erígena repetia essa exegese que ele recebera dos neo-platônicos.
No Renascimento,

"Pico, que había expuesto en el Commento que el hombre fue originariamente de Ia naturaleza de Juno, adoptó de
buena gana Ia interpretación de Orígenes. ‘No deja de ser un misterio (non item vacat mysterio), escribía en el
Heptatus acerca del Genesis I, 27, que El crease al hombre (el Adán celestial) macho y hembra. Porque es una
prerrogativa de Ias almas celestiales el realizar simultaneamente Ias dos funciones de Ia contemplación mental y el
cuidado corporal sin que ninguna de ellas obstruya y dificulte a Ia otra. Y los antiguos en particular, como podemos
observar en los Himnos Órficos, adoptaran Ia costumbre de designar estas dos fuerzas inherentes en Ia misma
sustancia ... con los nombres de macho y hembra" (36) .

Cornélio a Lapide, contudo, mostra que a Escritura diz primeiro que Deus criou o homem, e, depois, que os criou
varão e fêmea, e aí a palavra os designa Adão e Eva e não apenas Adão (37), explicação essa também adotada
por D. Calmet, exegeta muito consultado por Brentano (38).
A Cabala por sua vez explica esse texto do Gênesis de outra maneira: "Male and female He created them: the one
includes in the other" (39). Exatamente como se lê em Katharina Emmerick. Convém observar, entretanto, que na
CabaIa há muitas outras passagens sobre a androginia de Adão, dizendo que ele e Eva foram criados unidos mas um
ao lado do outro:

"When these three letters [o aleph, o dalet e o mim final - as três letras do nome Adão] descended below, together in
their complete form, the name Adam was found to comprise male and female. The female was attached to the side of
the male until God cast him into a deeper slumber, during which he lay on the site of the Temple. God then sawed
her off from him and adorned her like a bride and brought her to him, as it is written” (40).

Outros textos do Zohar insinuam que a separação de Adão e Eva se deu por motivo da união sexual:

"We have stated that Adam and Eve were created side by side. Why were they not created face to face? Because "the
Lord God had not yet caused it to rain upon the earth (Gen. 11,5) and the union of heaven and earth was not firmly
established. When the lower union was perfect and Adam and Eve were turned face to face, then the upper union
was consummated" (41).

E o Zohar pouco mais adiante revela o sentido sexual desse texto ao dizer:

"...Adam and Eve were not created face to face. The order of verses in the Scripture proves -this: for first we read,
"For the Lord God had not caused it to rain upon the earth" and then "there was not a man to till the ground", the
meaning being that man was still defective, and only when Eve was perfected was he also perfected " (42).

Notemos de passagem que a Cabala, como Brentano, simboliza a mulher pela terra e o ato sexual com o cavar da
terra pelo homem.

"Rabbi Abba dit: le premier hotnme etait male et femelle à Ia fois attendu que l'Écriture dit: "Et Elohim dit: 'Faisons
l’homme à notre ressemblance’ " C'est precisement pour que l'homme ressemblat a Dieu qu'il fut cree mâle et
femelle à Ia fois, et ne fut sépareé qu'ulterieurement. Mais, objetera-t-on, l'Ecriture dit pourtant ‘La terre dont il avait
été tire...’ II semble donc qu' Adam seul avait été tire de Ia terre et que, par consequent, il n'etait pas cree
primitivement mâle et femelle à Ia fois? Mais Ia vérite est que le mâle et Ia femelle avaient été unis primitivement
par le Saint, beni soit-il, et en disant que l'homme à été tire de Ia terre, Ia femelle y est comprise également" (43).

Por isso a Cabala considera que todo ser tem que ter a polaridade masculina-feminina:

"Male and female He created them." "From this we learn that every figure which does not comprise male and female
elements is not a true and proper figure, and so we have laid down in the esoteric teaching of our Mischnah" (44).

Como vimos, a idéia de que Adão era andrógino não é exclusiva nem original da Cabala:

"La notion du premier homme androgyne est vieil-le comine le monde. On Ia retrouve partout, en Orient, en Chine
aussi bien qu'en Egypte. tout le monde connait les hommes androgynes de Platon; on connait aussi Ia notion du dieu
Anthropos. - (Cfr. Reitzenstein - "Poimandrès'- Leipzig 1904, et "Die Heilenis tischen Mysterien Religionem"
Leipzig, 1920). M. Oldenberg l'avait retrouve dans les conceptions les plus primitives de l’Inde (Cfr. Oldenberg -
494
"Die Weltenschaung der Brahmanen texte.", Goettingen 1919.) M. Reitzenteins (Studien zum antiken
Syncretismus, Leipzig 1926) en trouve Ia source dans le monde iranien. Plus pres de Boehme, l'androgynit e d'Adam
est enseignée par Jean Scot Eurigène, par Ia Cabbale – (au moins dans ce qui concerne le premier adam, l'Adam
celeste, Adam Cadmon.) et – ce qui est plus important pour nous – par Paracelse" (45).

Ao objetivo de nossa tese interessa muito mais o tema da androginia de Adão em Boehme e Paracelso, na Cabala e
na alquimia do que nas obras da Antiguidade oriental e ocidental. Na Gnose como na alquimia, a androginia de
Adão era símbolo e resultado do principio dialético da igualdade dos contrários constituintes de todo ser.

"El caduceo es el cetro de Hermes dios de la alquimia. Recibido de Apolo en trueque por una lira de su invención, se
compone de una varilla de oro entrelazada por dos serpientes que representan para el alquimista los dos principios
contrarios que han de unificarse, ya sean el azufre y el mercurio, Io fijo y Io volátil, Io humedo y Io seco, Io cálido y
Io frio. Se concilian en el oro unitario de Ia cana del caduceo que aparece, pues, como Ia expresión del dualismo
fundamental que ritma todo Io puramente -hermético y que debe ser reabsorbido en Ia unidad de Ia Piedra Filosofal
.Esta armoniza todos los elementos contrarios. Es a Ia vez macho y hembra, pues puede autogenerarse y por ello fué
re presentada a menudo con Ia apariencia de un andrógino, uno de los símbolos capitales del hermetismo" (46).

Esse mesmo autor ensina que:

"La Piedra Filosofal, objetivo de Ia obra alquimica, no conocía Ia oposición sexual, sino que Ia conciliaba en su
hermafroditismo. Simbolizada frecuentemente por el andrógino, esta petra genitri encontraba en si misma todos los
elementos genitores" (47).

O famoso alquimista Basil Valentino adota a mesma doutrina:

"Very often, since the conflicting opposites we are considered as being male and female, the Stone was called an
Hermaphrodite: "This Salt, says Valentine, is an Hermaphrodite among others salts, it is white and red, even as you
will have it" (48).

Mais uma fonte confirma isto:

"Talvez debiera ser mencionado también que, en Alquimia, el hermafrodita, llamado ‘Rebis’ , representa el vértice
de Ia transmutación; Io de alquimia: en Paracelso, en "Trismosin", o en "Basil Valentine" (49) .

Ora, a Cabala e Paracelso são duas fontes de Boehme. E foi de Boehme, da Cabala e da Alquimia que os românticos
alemães, e entre eles Brentano, receberam a tese da androginia de Adão. Eis um texto de Boehme a respeito desse
tema:

"Adão era homem e também mulher, e entretanto não era nem um nem outro, mas uma virgem cheia castidade,
pudor e pureza como a imagem de Deus; ele tinha ambas as tinturas (princípios) do fogo e da luz nele, e era na sua
conjunção que residia o amor de si mesmo, como seu centrum (princípio) virginal, que era o belo jardim de diversão
plantado de rosas, no qual ele se amava a si mesmo" (50)

Em Cristo, segundo Boehme, se reconstituiu a androginia de Adão:

"[Cristo] retransformou a propriedade masculina e a propriedade feminina em uma só imagem, tal qual era Adão
antes de sua Eva, quando ele não era nem homem nem mulher, mas sim uma virgem-masculina" (51).

É preciso notar que os românticos distinguiam entre androginia e hermafroditismo. Franz Von Baader explica-nos
essa distinção:

"L'androgynéité, qui est bien l'union des deux puissances, masculine et féminine, en une seule nature, n'est pas
l’absence de sexe (IX, 211)
Elle n'est pas non plus l'hermaphroditisme, c'est-à-dire ‘Ia coexistence de deux puissances séparées en un seul
corps’. (IX, 211). Lingam, le philosophe de l’Inde, et les Grecs quand ils se répresentent une ‘Vénus barbata’, ne
saisissent qu'un hermaphroditisme, nullement l'androgynéit é , laquelle apparait comme une notion parfaitement
chrétienne (IX, 211). La meme incompréhension qui confond ‘androgynéité’ et ‘hermaphroditisme’, confond
‘absence de sexe’ et impuissance (II, 305, note). L'hermaphroditisme apparait des lors comme une caricature de
l'androgynéite" (52).

495
Eckartshausen, que foi muito ligado a Sailer, tem a mesma doutrina

"Eckartshausen, écrit qu'avant Ia chute, homme et femme ne constituaient qu'un seul être; il n'y avait pas encore eu
de séparation en deux parties distinctes; le feu et Ia lumière, Ia force et Ia faiblesse, étaient rassembles en un individu
unique; l'homme ne connaissant pas de plaisir charnel. L'auteur repete Ia meme idée , presque mot pour mot, dans un
autre livre pos-thume, Des forces magiques de Ia Nature, et ajoute que Ia raison de l'homme, ou sa lumière,
constituait l'Ève originelle". (53)

Louis Claude de St. Martin, que foi o tradutor das obras de Boehme para o francês, assim como toda a corrente
esotérica martinesista, defendiam a tese do Adão andrógino.
Para Baader o problema da androginia ultrapassa o da natureza do primeiro homem pois tem um alcance metafísico:

"Sans Ia notion d'androgynéit é, dit-il en 1834, ‘Ia notion centrale de Ia religion, à savoir cele de l'image de Dieu,
reste incomprise (III, 303-304). L'androgynéité est ‘l'union des puissan ces sexuelles en un seul corps’. (IX, 211),
ou, dit encore Baader, ‘l'androgynéité represente Ia synthese du principe actifet réactif, du centre ternaire et de Ia
péripherie en une seule essence, une seule nature, un seul organisme individuel’ (XIV, 141)" (54).

Baader via em toda separação polarizada a fonte do mal. Por isso, a separação dos sexos seria o castigo da culpa
original:

"Toute division de deux polés opposées represente pour Baader une forme de mal. II y avait primitivement une
androgyneité physique qui unissait dans l’homme les deux caracteres masculin et féminin" (55).

Desse modo, para que Adão fosse perfeito e sem mal algum, Baader teria que concebê-lo como andrógino:

"II ne fait ancune espèce de doute que, pour Baader, le premier Adam, l'Adam du premier livre de Ia Genèse,
possédait en lui Ia double possibilité, féminine et masculine.cLe premier Adam était androgyne, c'est-à-dire que Ia
‘vierge celeste’, ‘l’Idée ou l’Ideal de l’humanité’ habitait en lui, et il avait lui, le devoir de rendre cette idée concrète
(wesenhaft) (III, 302). ‘Le premier Adam étant androgyne, c'est-à-dire complet et parfait par lui-même, il était
normal qu'il demeurât tel" (56).

Se a perfeição do homem estava no seu caráter andrógino, se o mal estava na separação dos sexos, era lógico que,
para Baader, a redenção consistisse na restauração da androginia primitiva.

"L'homme , le premier Adam, était primitivement androgyne, c'est-à-dire que Ia ‘Vierge celeste’, ‘l'Idée ou l'Idéal
de l'humanité’ habitait en lui (III, 302). La rédemption pourra donc se definir entre autres comme un retour à
l'androgynéité primitivement , c'est-à-dire un homme intégral, un être androgyne" (57).

Já vimos como esta teoria existiu também em outros românticos e em Bretano (58).
Todas estas citações mostram que a tese da androginia de Adão, posta nas visões de Katharina Emmerick
enquadra-se perfeitamente no "clima" mental reinante na época do romantismo. Fica também claro que as fontes
dessa tese encontram-se na Cabala, na alquimia e nos autores adeptos das teorias esotéricas. E Brentano se abeberara
exatamente nessas fontes e em autores dessa corrente.

6 - A "criação" de Eva

"Eu vi Adão descansando deitado sobre o lado esquerdo, com a mão esquerda sob a face, na colina perto da árvore e
das águas. Deus enviou-lhe um sono e ele estava mergulhado em visões. Então Deus tirou Eva do lado direito dele,
no lugar em que o flanco de Jesus foi aberto pela lança. Eu vi Eva delicada e pequena. Ela rapidamente tornou-se
maior, até que ela se completou tornando-se grande e bela. Sem o pecado original todos os homens nasceriam em
um sono suave. A colina se dividiu separando Adão e Eva e eu vi formar-se do lado de Adão uma rocha como que de
pedras preciosas em formas cristalinas, e do lado de Eva um vale branco coberto com delicado e branco pólen" (59)
.

Como já vimos, há ai uma grave discordância com o Gênesis, pois, segundo este, Deus tirou uma costela de Adão
para fazer o corpo de Eva e no lugar da costela colocou carne (60), enquanto conforme a vidente, Deus tira Eva de
Adão já formada, embora pequena. Esta pequena Eva que sai de Adão e imediatamente cresce se assemelha ao
homúnculo descrito pelos alquimistas, pequeno ser humano criado artificialmente durante a feitura da "Obra" e que,
como Eva, logo se desenvolve (61). Afirma, então, a vidente que se não tivesse havido pecado original, os homens
nasceriam num sono suave. Adiante ela dará outros pormenores a respeito da geração e o nascimento no estado de
496
inocência. Ao mesmo tempo em que retirava a mulher do homem, dividiu-se a colina em que Adão estava, surgindo
uma rocha e um vale. Há nessa divisão um evidente símbolo da separação dos sexos: a rocha representa o princípio
masculino, enquanto o vale significa o princípio feminino.

Sobre esse vale e essa colina comenta Adams:

"Mas logo depois da extração da mulher surgem também já, embora ocultos no simbolismo e envoltos no idílico, os
sinais do sexo, perigosos para o estado paradisíaco
'A uma certa distância ã direita da árvore do conhecimento eu vi agora uma pequena colina oval suavemente
inclinada e graduada e cintilava com formas cristalinas de grãos vermelhos e de todas as outras cores como pedras
preciosas.
A uma certa distancia a esquerda da árvore do conhecimento eu vi uma cavidade, um pequeno vale. Ele era como de
delicada terra branca, ou de névoa, como se fosse coberto de florzinhas brancas ou pó de frutas... Era como se as
duas regiões tivessem relação uma com a outra, como se a colina devesse ser introduzida no vale Eles eram como
sementes e campos, como geradores e concebedores’ ‘(...) o interior do fruto era mole como se da com os figos, da
cor castanha de açúcar derretido, atravessado por veias de sangue’; ‘quando o montezinho, a colina brilhante, sobre
a qual Adão subiu e se elevou e quando o vale de pólens brancos onde eu vi Eva de pé afundou, aproximava-se já a
ruína’ " (62).

A simbologia sexual da colina e do vale são claramente evidenciadas: uma tem poder gerador, outra o de conceber;
são como semente e campo a semear; um deve ser introduzido no outro. É muito importante notar então que era a
Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, isto é, a árvore do pecado original, que separava Adão e Eva, a colina e
o vale. Daí ser interessante que Adams tenha interpolado nesse texto a frase com que a vidente descreve o fruto
proíbido, insinuando assim que esse fruto simboliza a relação sexual, como aliás a freira deixará claro mais adiante.
Finalmente, Katharina Emmerick descreve a separação da colina e do vale, isto é, a separação dos dois sexos, como
algo que aproximou o homem da ruína.

Esses textos revelam uma concepção gnóstica da questão sexual:

1. por considerar a androginia uma situação mais perfeita;


2. por julgar que a existência de indivíduos de sexos separados é algo decadente e que aproxima da ruína;
3. por insinuar que o pecado original foi a união sexual de Adão e Eva, e que, portanto, a união conjugal
seria de si um mal.

Ora, no Gênesis, logo depois de criar Adão e Eva, Deus lhes dá o mandamento de se reproduzirem:

"E criou Deus o homem a sua imagem, e criou-os varão e fêmea. E Deus os abençoou e disse: 'Crescei e
multiplicai-vos e enchei a terra e submetei-a’ " (63).

Também no capitulo II do Gênesis, após descrever a formação de Eva e antes do pecado original Deus diz:

"Por isto deixara o homem seu pai e sua mãe e se unira a sua mulher, e serão dois numa só carne" (64).

É explícita aí a ordem de que o homem devia se reproduzir e por união carnal, noção que Katharina Emmerick não
só omite como contradiz em seus textos. Para esclarecer o pensamento da vidente a respeito do pecado original e sua
relação com a procriação, convém citar suas descrições dos corpos de Adão e Eva antes da queda:

"Eu vi Adão e Eva antes da queda, rosados e transparentes, muito belos e nobres. Eu não vi neles nem umbigo nem
mamilos. Eles tinham cinco mechas de cabelos, como feixes luminosos que saiam de suas cabeças, dois das fontes,
dois da região dos ouvidos, e um de trás da cabeça. Do peito até a parte inferior do corpo eram cercados de raios de
luz, como uma corola. Eu me lembro vagamente que Adão antes da criação de Eva possuía em si o ser feminino, que
Eva foi tirada de seu lado direito pequena e logo cresceu ao lado dele. Agora eles eram como as palmeiras cujo sexo
e separado em distintos caules" (65).

De novo a freira se refere a Adão e Eva como seres luminosos, tendo os cabelos como feixes de luz. Ela nos informa
ainda que eles não tinham umbigo o que é absolutamente óbvio, pois eles não foram gerados, mas ela diz também
que eles não tinham mamilos, o que leva a conclusão que a geração humana se faria de modo diverso do atual, já que
Eva não teria então meio de amamentar. Como se daria então a geração? A vidente o esclarecera depois. Mas pelo
que foi dito e insinuado é fácil deduzir que Adão e Eva não tinham sexo. Só não fica claro porque a parte inferior do
corpo deles estava envolta e coberta por feixes de luz, como para vesti-los.
497
"Eva estava de pé diante de Adão, e este lhe deu sua mão. Eles eram como duas crianças, inexprimivelmente belas e
nobres, totalmente luminosos vestidos com raios de luz como com uma flor. Da boca de Adão eu vi que saia um
largo fluxo de luz brilhante e na sua testa havia como que uma face severa. Ao redor de sua boca havia como um sol
radioso que não existia na boca de Eva.
Eu vi o coração deles tal qual como agora nos homens, o peito era cercado de raios de luz e no meio do coração eu vi
uma glória luminosa e dentro dela uma pequena imagem com alguma coisa na mão. Eu creio que isto significa a
terceira pessoa da Santíssima Trindade. Também de suas mãos e de seus pés eu vi sair raios de luz" (66).

A descrição de Adão e Eva vestidos de luz é denovo confirmada. Acrescenta-se, porém, um detalhe: na boca de
Adão há uma espécie de sol radiante que não existe na boca de Eva. Esta seria a diferença entre o masculino e o
feminino, antes do pecado. A freira confirma isto no seguinte texto, onde explica a finalidade reprodutiva deste sol
na boca de Adão:

"O sol radiante em torno da boca de Adão tinha relação com a benção de uma santa descendência saída de Deus, a
qual, sem o pecado original, se efetuaria através da palavra" (67).

Assim, a geração humana, originariamente, não se daria por via sexual, mas pela palavra. Seria uma reprodução
espiritual e não material. O Urtexte é mais explícito do que a versão editada pelo padre Schmoeger:

"Eu creio que Adão teria gerado através da palavra. Ao redor de sua boca havia um sol radioso de luz. Em torno da
boca de Eva isso não existia. Eu vi que eles não tinham estômago e que não comiam como nós. Os frutos os nutriam
como nos nutrem o sol e a lua. Eles eram também totalmente brilhantes e luminosos. O fruto da árvore proibida
acarretou o atual modo de comer e de gerar e o totalmente decaído apa relho físico interior dos homens" (68).

O Pe. Schmoeger evitou publicar esse texto tão claro, pelo qual Adão e Eva originalmente não comeriam como nós,
e, por isso não tinham estômago e nem aparelho digestivo, é de supor, com todas as conseqüências prosaicas desse
fato, como aliás a vidente informará mais adiante. Resumindo o que a freira assevera, tudo o que se relaciona com a
manutenção da espécie e sustentação física do indivíduo é conseqüência do pecado original. Portanto, teria sido o
pecado a dar ao homem uma condição animal e então se entende porque a vidente disse antes, tão vagamente, que o
corpo de Adão era algo espiritual: Adão não teria em seu corpo nada de animal.

Como veremos adiante temos aqui o reflexo de uma concepção "espiritualista" do homem, muito afim com a
doutrina da Gnose, para a qual tudo o que é material e animal no homem significa abominação. Ora, Katharina
Emmerick conta que, ainda criança, ficara triste ao saber como se dava a reprodução humana...

7. O corpo de Eva e a reprodução humana no Paraíso

"Eu me lembro do tempo em que era criança, como fiquei triste por causa da vergonha da formação dos homens, e vi
uma imagem de Eva, e como, se nasceria se não fosse o pecado original. Vi seu corpo totalmente diverso. Não vi
intestinos e evacuação como agora. Eu me lembro que eu vi um coração e muitos recipientes saindo do mesmo, os
quais mergulhavam numa bolsa arredondada, sob a qual ficava a criança, os braços cruzados diante do peito, com a
cabeça contra o lado direito de Eva sob as costelas do peito, e que a criança crescia Ia formando uma protuberância
exata-mente no lugar onde Eva foi tirada de Adão, e onde Longinus abriu o flanco de Jesus; lá a pele se abria sem
dor e a criança saía como de uma chaga de lábios puros. Eu vi a criança alimentar-se de sua mãe, não através do
cordão umbilical, mas sim de um pequeno tubo que seus lábios protegiam. A criança também não se amamentava na
mãe, na qual eu não vi mamilos. Eu creio que a concepção era através da palavra, inconscientemente, e sem
conjunção carnal" (69).

O texto não podia ser mais explícito e é bem compreensível que o Pe. Schmoeger não o tenha publicado. Percebe-se
também porque a vidente, quando jovem, sentia aversão pelo casamento (70):

"Muito jovem eu vi uma imagem de que, sem o pecado original, a concepção e o nascimento dar-se-iam sem
vergonha e sem dor, e que através do pecado original se deu uma inversão e um rebaixamento da natureza humana,
e – eu creio – de toda a natureza, e que com o pecado e o rebaixamento da natureza humana, o ser sexual exprimiu se
corporalmente e surgiu a vergonha desta transformação como conseqüência do pecado, assim como a dor do
nascimento como castigo da inversão e transformação do homem interior" (71).

Não há, pois, dúvida alguma: o sexo e a reprodução carnal foram conseqüência do pecado original, segundo a
498
vidente. Não é preciso dizer que também essas frases do Urtexte foram censuradas pelo Pe. Schmoeger...
A respeito de outras diferenças entre o corpo atual do homem e o corpo original diz ainda a freira que, mesmo após
a retirada de Eva do corpo de Adão, eles ainda não tinham sexo como agora ("Kein Geschlecht wie jetzt"):

"Eu o vi como um homem, e ela como uma mulher, mas não tão exatamente como agora. Eu não vi seios em Eva
como também não vi nada daquilo que na constituição da mulher mais bela fica feio, como por exemplo, os quadris
largos, as pernas tortas. Não havia neles, ou relaciona do com eles, nada que pudesse significar um fim
pecaminoso". Também não havia vísceras tão desordenadas e sempre contrárias. Estas coisas somente resultaram do
rompimento com Deus e da colocação do centro em si elas são relações decaídas do homem com Deus. Sobretudo os
primeiros homens não possuíam nenhum sangue, pois sangue = sensualidade, o sangue no homem é uma
conseqüência do pecado original. As vergonhosas fraquezas da mulher são um pesado castigo do pecado" (72).

E em nota a esse texto, J. Adams apresenta a seguinte citação do Urtexte: "Nos corpos gloriosos não há nenhum
sexo... Nos homens retos, inocentes, piedosos, não se nota nada de sexo; este apareceu somente nos homens
pecadores e impuros e se tornou um horror" (73).
Não é verdade que os corpos gloriosos não tenham sexo pois o que Cristo diz é que os homens serão no céu como os
anjos de Deus, visto que, não havendo mais necessidade de reprodução, não haverá mais atividade sexual, mas os
corpos gloriosos não serão nem mutilados nem mudados. Os textos acima revelam então uma aversão pelo sexo
como se ele fosse um mal em si mesmo, na qual se pode ver uma posição caracteristicamente gnóstica e cátara.
Katharina Emmerick fornece ainda as seguintes informações sobre a concepção e o nascimento antes do pecado:

"Ao coração iam de novo fios luminosos e terminavam numa coroa brilhante sob a qual eu via a criança pequena
crescendo cada vez mais. A criança crescia na mãe tendo, desde o início, plena posse da consciência e do
entendimento e saia dormindo do flanco da mãe como Eva saiu de Adão" (74).

Como já vimos em citação anterior, a criança nasceria por uma "boca" que se abria, na hora oportuna, no flanco de
Eva, exatamente no local correspondente aquele pelo qual Eva fora retirada do corpo de Adão e àquele que foi
aberto pela lança, quando Cristo estava na cruz. A chaga do flanco de Cristo se configurava como o
restabelecimento da natureza humana como esta era antes do pecado, tornando possível um segundo nascimento.
Convém também recordar que a descrição que Brentano faz da chaga do peito de Katharina Emmerick corresponde
exatamente a descrição que ela faz da "boca" no flanco de Eva. Isso lembra ainda o culto que os pietistas alemães –
tão admirados por Brentano – prestavam a chaga de Cristo, dando-lhe, como fazia Zinzendorf, um significado
sexual (75). Assim, a vidente fala da chaga de Cristo quando explica o nascimento, antes do pecado:

"Eu sempre tive (a idéia) de que através das chagas de Jesus foram abertas as partes do corpo humano que tinham
sido fechadas pelo pecado original. Eu sempre tenho visto que Longinus abriu, no flanco de Jesus, as portas do novo
nascimento para a vida eterna, mas tudo isso é inexprimível (...) Eu sempre vi que as chagas de Jesus eram as portas
do renascimento e que ninguém entraria no céu antes que estas chagas fossem abertas. Elas são as portas do céu"
(76).

Por fim, Katharina Emmerick faz uma comparação entre o corpo de Adão e o corpo atual do homem, que convém
registrar:

"Eu via os cabelos de Adão sempre como raios brilhantes, como sua superabundância, sua gloria, sua relação com
outra irradiação, e esta gloria retornará a existir nas almas transfiguradas e nos corpos ressuscitados. Nossos cabelos
são a gloria manchada e decaída. Os nossos atuais cabelos estão para os raios de luz, assim como nossa carne atual
para a carne de Adão antes da queda" (77).

Em síntese, a vidente apresenta Adão e Eva, antes do pecado, como seres luminosos e com um corpo sé em parte
material. Nesse corpo não haveria nem aparelho digestivo (estômago, intestinos e evacuação), nem aparelho
reprodutor (sexo, útero, seios, sangue, menstruação). Assim, o homem original não comeria e se reproduziria pela
palavra.

8. A doutrina tradicional católica sobre a reprodução humana no Paraíso

Na Sagrada Escritura Deus diz expressamente a Adão e Eva que se reproduzam: "Crescei e multiplicai-vos" (78).
E por união carnal: "Serão dois numa só carne" (79). Além disso, Deus também concede expressamente a Adão,
como alimento , "todas as ervas que dão semente" e "todas as árvores que dão frutos que dêem semente: isso será
vosso alimento" (80). Logo, o que diz a freira contradiz o que está na Escritura.
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S. Tomás, na Suma Teológica, pergunta se, no estado de inocência, o homem necessitava de alimentos, e responde
que, embora eles não sejam necessários no estado glorioso, no estado de inocência a alimentação era necessária ao
homem. Isto porque "o princípio primeiro da vida nos seres inferiores e, como diz Aristóteles, a alma vegetal, cujas
operações são usar de alimento para gerar e crescer. Por onde, tais operações cabiam ao homem no primeiro estado"
(81).
E, na mesma questão, respondendo ao terceiro argumento diz o Aquinate:

"Se o homem não buscasse alimento para si, pecaria; assim como pecou tomando do alimento proibido. Pois,
simultaneamente lhe foi preceituado se abstivesse da arvore da ciência do bem e do mal e se alimentasse de todas as
outras árvores do paraíso" (82).

Pergunta ainda S. Tomás, se no estado de inocência haveria geração e responde que sim, porque:

"Como, pois, das coisas corruptíveis, nada e perpétuo e permanece sempre, salvo a espécie, o bem desta está na
intenção principal da natureza, e para a conservação dele se ordena a geração natural (...). Assim pois o homem, em
relação ao corpo corruptível por natureza, tem a geração (...) Por isso, para a multiplicação do gênero humano ele
(Deus) estabeleceu a geração, mesmo no estado de inocência" (83).

A seguir o Doutor Angélico pergunta se a geração se daria por coito. E no "sed contra" dessa questão ele diz:

"Deus, antes do pecado criou o homem e a mulher, como diz a Escritura. Ora, nada é vão, nas obras de Deus, Logo,
mesmo que o homem não pecasse, haveria coito, para o que se ordena a distinção dos sexos".

A Escritura diz que a mulher foi feita para o auxílio do homem. Ora, esse auxílio não é senão a geração por meio do
coito, pois em qualquer outra obra, melhor seria um homem ajudado, por outro do que pela mulher. Logo, no estado
de inocência haveria a geração por meio do coito".

E na resposta ã questão posta, ele diz:

"Respondeu dicendum: Alguns dos antigos Doutores, considerando a vileza da concupiscência, no coito, no estado
atual, ensinavam que no estado de inocência não se realizava deste modo a geração. Assim, Gregório Nisseno diz
que no paraíso o gênero humano se multiplicaria como se multiplicaram os anjos, sem concúbito, por operação da
divina virtude. E diz mais que Deus, antes do pecado, criou homem e mulher, prevendo o modo de geração que
havia de existir depois do pecado, de que tinha presciência.
Mas tal opinião não é racional. Pois, o pecado não subtrai nem dá ao homem aquilo que lhe é natural. Ora, é
manifesto que ao homem, assim como aos animais perfeitos, e natural gerar, pelo coito, a vida animal, que já tinha
antes do pecado, como já se disse; e isso o indicam os membros naturais para tal fim destinados. Por onde, não se
deve dizer que antes do pecado não eram esses membros naturais usados, como o eram os outros.
Ora, no coito há duas cousas a se considerarem, no estado presente. Primeira, que é natural para a geração a
conjunção do homem e da mulher, pois, em toda geração, requer-se a virtude ativa e a passiva. Donde, em todos os
seres em que há a distinção dos sexos, estando a virtude ativa no macho e a passiva, na fêmea, a ordem da natureza
exige que para gerar unam-se ambos peIo coito. Segunda, a deformidade da imoderada concupiscência, que não
havia no estado de inocência, quando as virtudes inferiores estavam absolutamente sujeitas a razão. E, por isso,
Agostinho diz: 'Longe de nós o pensar que não pudesse gerar-se a prole sem o morbo da libidinosidade; mas, os
membros carnais, como os outros , mover-se-iam pelo império da vontade, sem ardor e estimulo sedutor, com
tranqüilidade da alma e do corpo" (84).

S. Tomás vai ainda mais longe, ao responder a terceira objeção, dizendo que a continência não seria louvável no
estado de inocência:

"Por isso a continência no referido estado não seria louvável, como no tempo atual, em que o é, não por privar da
fecundação, mas pela remoção da libidinosidade desordenada" (85).

Nessa questão, S. Tomás cita o pensamento de Santo Agostinho. Eis o que ensina o bispo de Hipona, na Cidade de
Deus:

"Não temos a menor dúvida de que o crescer, multiplicar-se e povoar a terra, segundo a benção de Deus, e o dom do
matrimônio, instituído por Deus, desde o princípio, antes do pecado, ao criar o homem e a mulher. O sexo,
evidentemente, supõe algo de carnal. E a essa obra de Deus seguiu-se imediatamente sua benção. Em havendo dito
a Escritura: ‘Fê-los homem e mulher’, logo acrescentou: ‘E Deus abençoou-os dizendo: crescei e multiplicai-vos e
500
povoai a terra e dominai-a etc’. Embora a tudo isso seja possível dar se interpretação espiritual não incongruente, as
palavras homem e mulher não podem ser entendi das como algo existente em apenas um sujeito, pretextando ser
nele uma coisa a que governa e outra a governada. Como de maneira muito clara se vê nos corpos de seres de sexo
diferente, o homem e a mulher foram criados com o fim de que, pela geração da prole, crescessem, se
multiplicassem e povoassem a terra. Ser refratário a isso constituiria notável absurdo (...). Devem, isto sim,
entender-se do laço conjugal, que une entre si os dois sexos" (86).

E ainda:

"(...) a benção dada ao matrimônio, para crescerem, multiplicarem-se e povoarem a terra, embora seja verdade que
subsistiu nos delinqüentes, o foi antes de delinqüirem, dando-nos a entender com isso que a procriação dos filhos é
glória do matrimônio, não castigo do pecado" (87).

E S. Agostinho explica então que, haveria, no estado de inocência, união carnal, mas sem libido.
As teorias da freira sobre a reprodução pela palavra e a identificação do pecado original com a união carnal
(veremos isso claramente mais adiante) contrariam, portanto, frontalmente não apenas a Escritura mas também a
lógica. Em todo caso, a afirmação de Katharina Emmerick de que Adão se reproduziria por meio da palavra merece
algumas considerações.
Em primeiro lugar, essa idéia não era estranha aos pensadores esotéricos do século XVIII e XIX. A idéia de que
seria possível a reprodução pela palavra – e a concepção pelo ouvido – teve origem numa falsa e pudica
interpretação do texto do Evangelho sobre a encarnação de Cristo. Foi dito que a Virgem Maria concebera pelo
ouvido, ao ouvir a palavra do anjo Gabriel. Essa interpretação entretanto não tem base porque a encarnação não se
deu quando da saudação do anjo e sim depois que a Virgem pronunciou o seu "fiat" e por causa desse "fiat". Logo a
encarnação não se fez pelo ouvido nem pela palavra do anjo.
Nesse sentido, um estudo publicado por F. Remigereau mostra como a expressão "enfants faits par l’oreille" que
aparece na peça "L'école des femmes", de Molière, tem origem numa falsa e pudica interpretação do texto de S.
Lucas (88), acentuada no apócrifo Proto-evangelho de S. Tiago (89), feita inicialmente por S. Justino (90). Tal
interpretação foi continuada e acentuada por Tertuliano, S. Gregório Taumaturgo, S. Pedro Damião, S. André de
Creta, pelo pseudo-Atanásio, por S. João Damasceno, S. Germano de Constantinopla e outros mais. Essa idéia se
refletiu em vários hinos compostos em honra da Santíssima Virgem como, por exemplo, entre outros, no hino "Ut
Virginem foetam loquar" de Ennodius, no século VI, e no hino de Venâncio Fortunato, bispo de Poitiers, cantado
nas vésperas da purificação que dizia: "Quod aure Virgo concipit". Remigereau mostra ainda, em seu trabalho, que
a Igreja procurou depois eliminar tal expressão de seus hinos litúrgicos, visto que ela, devido a sua ambigüidade,
podia levar a erros doutrinários, assim como ao desrespeito pela Virgem Maria (91).
Se a Igreja procurou eliminar essa ambígua expressão que se introduzira, de boa fé, nos hinos em honra da Virgem
Maria, foi porque a idéia da concepção de Cristo em Maria através do ouvido foi adotada por hereges de tendência
gnóstico-maniquéia para os quais a união conjugal era uma abominação e foi deles que os cátaros herdaram essa
idéia:

"Dans Ia ‘Gene Secrète’ on trouve l'expression du même docetisme. Jesus-Christ (en tant qu'il est le Verbe) entre par
l’oreille dans le corps (spirituel) de l’Ange appelé Marie, et il en sort également par l’oreille".

E em nota lê-se o seguinte:

"Marie non fuit mulier sed angelus missus de coelo' (Somme des autorités, p. 125). - C'est l’aspect du Christ, du
Logos, de Ia Parole spirituelle, agissant comine Esprit qu'exprime l' image de son entrée et de sa sortie por l'orellie
de Marie (qui a dans ce cas le sens de Sophia, Ia Sagesse), l’action de l’Esprit Saint s'exerçant dans l'air ainsi que
l’ecrivait Fauste de Mileve (Capitula, ch. XXX). Cette idée de Ia concepcion de Marie por l’oreille, nous dit un
theologien, apparut au IVº siècle, se répandit bientôt partout et trouve meme son expression dans l'art" (Bartman),
mais il n'en est pas question datis Ia 'Vision d'lsaie' (D. Roche, ob. cit., p. 45)" (92).

9. A posição gnóstica, cabalista esotérica face ao problema da reprodução humana

Arno Borst, em seu livro sobre os cátaros mostra que essa teoria da concepção de Cristo através do ouvido da
Virgem, por meio da palavra do anjo, foi defendida pelos bogomilas e pelos cátaros, e, citando Newman (Jewish
influences in early Christian Reform Movements, p. 176), mostra que essa doutrina tinha relação com o pensamento
judaico. Para os bogomiIas, Cristo não seria então Deus e sim um anjo, um pregador, e não o salvador:

"A Byzance, probablement sous l’influence de Ia théologie ortodoxe, se crée une christologie Les radicaux
501
proclamaient que le Christ était un ange qui, contrairement aux anges dechus, n'avait aucun rapport avec le péché, à
savoir le corps charnel. Marie non plus n'est pas sa mère au sens matériel du mot. Elle est un ange par l’oreille
duquel Christ penetra pour se manifester dans ce monde, prendre une apparence de chair denuée de toute matière
terrestre et libre par consequent de toutes les faiblesses humaines" (93).

Para os gnósticos e maniqueus, a matéria foi criada pelo demiurgo para aprisionar as partículas decaídas do pleroma
divino e a geração sexual seria o meio arquitetado peIo deus do mal para perpetuar o aprisionamento das partículas
divinas nos corpos, de onde a repulsa dos maniqueus pelo ato sexual e pelo matrimônio.

"II y a, enfin, puisque Ia Matière a dans Ia ‘concupiscence’, Ia libido son expression extrême et Ia plus redoutable, le
péché capital: Ia fornication, et c'est, en premier chef, de Ia tentation et de Ia jouissance charnelles que doit se garder
qui aspire a recouvrer Ia pureté de son être ou à s'y maintenir. En soi et par ses conséquences, l’acte sexual
represente, en effet, Ia souillure majeure, l'abomination suprême. Ainsi que l'exposent, entre autres, les Acta
Archelai, le désir nait spontanément du corps, plus specialment du corps rassassié et échauffé par les nourritures
carnées; il abolit dans l'âme qu'il envahit, toute conscíence et toute sagesse (...) Les actes qu'il provoquesont abjets,
bestiaux, imitation des accoup lements démoniaques. Surtout, ils ont pour résultat Ia propagation de l'espèce, Ia
transmission du Mal original. Ils font de l'homme le complice et l'instrument de Ia Matière dont le dessein est de
maintenir les parcelles de Ia lumière asserviés dans Ia turpitude des corps et decontinuer a les dominar en en
prolongeant Ia captivité de Ia génération en genération. En bref, Ia sexualité forme le plus grave obstacle à Ia
rédemption de l’humanité qu'elle retarde ou empêche. De Ia pour le manicheen qui tend à Ia perfection ou-ce que est
ici tout un à Ia sainteté, un devoir primordial, impératif, bien resume et explique par Alexandre de Lycopolis:
travailler a cooperer à Ia ruine, à Ia dissolutionde Ia Matière décretee par Dieu (...) et, en consequence, s'abstenir non
seulement de toute nourriture animale, mais aussi, mais surtout, du mariage, de tout commerce sexual, de Ia
procréation d'enfants, afin que Ia Puissance (divine) ne continue pas plus longtemps à demeurer dans Ia Matière
selon Ia propagation du genre humain (...)" (94).

Essa posição radical do maniqueísmo – que era também a posição de algumas seitas gnósticas, assim como a dos
cátaros – é muito próxima de certos trechos já citados da vidente de Dülmen e de Brentano. Em comparação, a
doutrina da Cabala com relação à matéria e a procriação é muito mais matizada e o mesmo se pode dizer também da
posição do Boehme e dos românticos. Com efeito, como vimos, o Zohar e Katharina Emmerick dizem que Adão e
Eva eram seres luminosos e que o pecado os fez perder tal condição e não faltam textos da obra de Moisés de Leão
que apresentam o pecado original como tendo sido a união carnal. Por exemplo:

"After the man had addressed all these words to the woman, the evil inclination awoke, prompting him to seek to
unite with her in carnal desire, and to entice her to things in which the evil inclination takes delight, until at last. The
woman saw that the tree was good for food, and that it was a delight for the eyes and took of the fruit thereof and ate
– giving ready admission to the evil inclination – and gave also unto her husband with her: it was she now who
sought to awaken desire on him, so as to win his love and affection" (95).

Por essa passagem fica bem claro que o Zohar considera que o pecado original foi a união carnal de Adão e Eva e
que esta união sexual teria provocado a queda do homem na materialidade com a perda de suas vestes de luz. Nisto,
o texto da freira não se afasta da Cabala, e esta por sua vez não se opõe ao que dizem gnósticos e maniqueus.
Entretanto, a Cabala tem posição distinta da dos maniqueus e cátaros quanto à questão sexual apôs a queda de Adão,
pois enquanto gnósticos, maniqueus e cátaros condenam absolutamente o casamento e a procriação, a Cabala pelo
contrário diz que eles são necessários:

"The holy name does not rest upon anything defective. Hence a man who departs from life defective through not
having left a son behind him cannot attach himself to the holy name and is not admitted within the curtain, because
he is defective and a tree which has been uprooted must be planted over again: for the holy name is perfect on every
side, and no defect can attach to it" (96).

Ou ainda:

"(It is a sin, it may be asked, if he does not visit his wife? The answer is that it is so because he thereby derogates
from the honour of the celestial partner who was joined with him on account of his wife). The other is, that if his
wife becomes pregnant the celestial partner imports to the child a holy soul, for this convenant is called the
convenant of the Holy One, blessed be He" (97).

Na doutrina cabalista, a união sexual do homem e da mulher no matrimônio é relacionada com a união mística de
alma com a Shekinah, a última das dez sefiroth divinas, que representa a presença ou a morada de Deus e também o
502
elemento feminino da divindade:

"Hence" thou shalt know that thy tent is in peace", since the Shekinah comes with thee and abides in thy house, and
therefore "thou shalt visit thy house and not sin", by performing with gladness the religious duty of conjugal
intercourse in the presence of Shekinah" (98).

De outro lado, a Cabala considera que o corpo de alguma forma é um bem, pois afirma que a maldade dos demônios
vem do fato de que eles são espíritos sem corpo, e portanto incompletos:

"These 'plagues of the childrem of men' are the demons. They were created just at the moment when the Sabbath
was sanctified, and they were left spirit without body, these are the creatures which were not finished (...)" (99).

Quanto ao aparecimento do aparelho reprodutor em Eva, o Zohar faz referência apenas à menstruação, afirmando
que ela foi conseqüência direta do pecado: "This sin (de Eva), too, is the cause of menstruation which keeps woman
apart from her husband" (100).
Como vimos, é bem provável que Brentano conhecesse a Cabala apenas de segunda mão, pelo que julgamos que a
sua fonte mais importante na questão da criação de Adão e Eva tenha sido Boehme, o qual, seguidor da Cabala, tinha
também uma posição ambígua em face da matéria. De um lado, considerava o corpo atual como resultante da queda
de Adão, e, por isso, o desprezava chamando-o de "sac d'asticots" (101). Em contrapartida, julgava a matéria e a
natureza criadas como necessárias para revelar a divindade (102). Todavia, Boehme ensina – assim como Katharina
Emmerick – que a reprodução humana antes do pecado original era espiritual e mágica e não carnal. Adão se
reproduziria pela palavra "fiat":

"Et c'est dans cet ardent desir d'amour que résidaient Ia grossesse et Ia naissance magiques , car le príncipe
fécondant compénetrait les deux essences (de Adão) l’interieure et l’extérieure et suscitait le désir, et le desir était le
Fiat qui s'emparait du plaisir d'amour el l'introduisit en une substance; ainsi Ia similitude du fac-similé qui était dans
cette substance était saisi pour former une image spirituelle selon Ia prémière. De même que le Fiat avait saisi et
forme le prototype, Adam, de même Ia similitude avait été saisi hors du prototype pour le reproduire, et c'est dans ce
raisisse ment que résidaít donc Ia naissance magique, puisque dans Ia naissance le corps spirituel était extérieur.
Entendons par Ia que cela se serait ainsi produit si Adam avait surmonté l’épreuve: Ia naissance magique se serait
ainsi produite non par une émission speciale en provenance du corps d'Adam, comme c'est actuellement le ces, mais
de même que le soleil illumine les profondeurs de l'eau sans Ia déchirer, ainsi le corps spirituel, Ia naissance se serait
émis, et dans cette émission se serait substantialise, sans fatigue et sans peine: c'est dans un grand royaume des
delices et dans un grand agrement que tout cela se serait produit, de Ia maniere dont les deux semences de
l’hommeet de la femme reçoivent un aspect délicieux dans leur conjonction: ainsi meme Ia grossesse et Ia naissance
magiques auraient été une image virginale, tout a fait selon le prototype" (103) .

E continua Boehme:

"Car auparavant, lorsque Adam était homme et femme, il n'avait besoin d'aucun membre puisque se naissance était
magique et se grossesse se serait produite flotante dans le príncipe féminin, par un effet de l'imagination, le
"Verbum Fiat" se manifestant en lui" (104).

Boehme foi também a fonte da freira na idéia que Adão não comia como nós e nem tinha os vários elementos do
aparelho digestivo, pois para ele :

"... il Adam devait manger avec Ia bouche intérieure, non avec le désir terrestre mais avec le désir celeste: car il
poussait pour lui des fruits tels que sa bouche interieure les pouvait savourer. Certes Ia bouche extérieureen
mangeait, mais pas dans le sac d 'asticots" ( 105).

Por "sac d'asticots" Boehme entende os intestinos, os quais só teriam surgido no homem após o pecado e a separação
dos sexos:

"Mais au lieu du principe féminin c’est le sac d'asticots bestial des tripés qui fu attache à Adam, à côte d'autres
formes des membres intérieurs principaux nécessaires pour Ia vie terrestre; mais a Ia femme aussi, au lieu du
principe sacré masculin fut attaché le même sac d'asticots, a fin qu'ils puissent ensachertout un tas de vanitis et vivre
comme les bêtes, puis qu'ils avaient tant d'envie du Bien et du Mal" (106).

Esta ambigüidade da Cabala e de Boehme ante o problema da matéria e da reprodução repercutiu nos autores
românticos que ora consideravam a matéria e o casamento como maus, ora como um meio de conhecer a divindade
503
e vimos que a mesma ambigüidade está presente em Brentano.
Recuando um pouco, entre os pensadores e correntes esotéricas do século XVIII e XIX, vários tinham afirmações
bem parecidas às da vidente quanto à materialização do homem depois da queda. A corrente martinesista de que
fizeram parte Louis-Claude de Saint Martin – muito admirado por Brentano e Joseph de Maistre, dizia que:

"Dieu, l'Unité primordiale, donna une volonté propré à des êtres ‘émanés’ de Lui, mais Lucifer, ayant voullu exercer
lui même Ia puissance reatrice tomba victime de sa propre faute en entrainant certains esprits dans sa
chute; il se trouva enfermé avec eux dans une matière destine par Dieu à leur servir de prison. Puis, Ia Divinite
envoya l'homme, androgyne au corps glo rieux, doue de pouvoirs immenses, garder ces rebelles, travailler a leur
resipiscence; c'est même à cette fin que l’homme fut crée. Adam prévariqua à son tour, entraina Ia matière dans sa
chute; il s'y trouve maintenant enfermé; devenu physiquement mortel il n'a plus qu'à essayer de sauver Ia matière et
lui-même" (107).

Fizemos questão de citar esse resumo da doutrina de Martines de Pasqually feito por A. Faivre, porque quase não há
nele afirmação que não apareça nos textos de Katharina Emmerick, como a de que o homem, para se reproduzir,
antes do pecado, usava apenas essências puramente espirituais (108).Também em Joseph de Maistre se acham idéias
bem semelhantes às da freira de Dülmen. Émile Dermenghem publicou textos inéditos de J. de Maistre bem
interessantes. Veja-se, por exemplo, este:

"Saint Augustin (Cite de Dieu XI, 23-24) note Maistre a mal compris Origène quand celui-ci dit que la cause de Ia
matière est, non Ia bonté de Dieu seul, mais que les âmes, ayant péché en s'éloignant de leur créateur, on mérité
d’être enfermes en divers corps comme dans une prison selon Ia diversité de leurs crimes, et que c'est là le monde;
qu'ainsi Ia cause de Ia création n'a pas été pour faire de bonnes chosés, mais pour en empecher de mauvaises.
L'opinion dont il s'agit, ajoute Maistre, n'a rien de commun avec le manichéisme. On put observer qu'elle est encore
aujourd'hui Ia base de toutes les initiations modernes. (Mélanges B)(inédit): p. 302, 2 dec 17/97" (109).

Também a idéia de que a dualidade de sexos tem origem no pecado original é partilhada por Joseph de Maistre:

"La dualité sexuelle serait une consequence de Ia chute. Des textes inédits três curieux nous prouvent que Maistre
s'était rallié á ce point de vue. II cite des écrits patristiques quifont dire au Christ que son royaume viendra; "lorsque
deux choses n'en feront qu'une, et que ce qui est en dehors será comme ce qui est en dedans, que le mâle sere
confundu avec Ia feme lie; et qu'il n'y aura ni homme ni femme (St. Clement, contemporain des Apôtres); -
lorsque vous aurez déposé? le vêtement de honte et d'ignominie, lorsque deux deviendront un, que le mâle et Ia
femelle seront unis, et qu'il n'y aura ni homme ni femme" (Clement d'Alexandrie) - c’est-a-dire, commente Maistre,
"lorsque Ia vie ou Ia génération exterieure será devenue semblable à Ia vie intérieure ou angelique; il n'y aura qu'une
naissance. II n'y aura plus de sexe. Le mâle et Ia femelle ne feront qu'un et le royaume de Dieu arrivera". Et il ajoute:
"On a entendu dire au célébre Hunton, bon matérialiste, dit-on, et qui ne songeait guère à cas textes: "Examinant les
choses attentivement, il me semple que les parties de Ia génération chez les deux sexes sont des pièces placées aprés
coup" (110).

É interessante notar que o texto que De Maistre atribui a Clemente de Alexandria existe, quase palavra por palavra,
no apócrifo Evangelho de S. Tomé, recentemente descoberto, e que Clemente de Alexandria devia conhecer já no
seu tempo:
"Jesus leur dit: Lorsque vous ferez de deux un, et que vous ferez l'interieur comme l’extérieur et l'extérieur comme
l'intérieur, et ce qui est en haut comme ce qui est en bas, et lorsque vous ferez, le mâle avec Ia femme, une seu-le
chose, en sorte que le mâle ne soit pas mâle et que Ia femme ne soit pas femme, lorsque vous ferez des yeux au lieu
d'un oiel, et une main au lieu d'une mainet un pied au lieu d'un pied, une image au lieu d'une imagem alors vous entre
rez (dans le royaume)" (111).

Um outro martinesista repetirá a mesma doutrina:

"II montrera comment du péché naquit l'union sexuelle: "Ce qui n'était qu'un seul type a été divise pour en faire
deux: l'homme, le type de l'intelligence, et Ia femme, celui de Ia sensibilite (Dampierre, "Verites divines", I, 88)"
(112).

Zacharias Werner, o famoso maço que se tornou padre redentorista, em seu livro Croix sur Ia Baltique, defende a
mesma doutrina de tantos outros esotéricos e de Katharina Emmerick sobre o pecado original.

"Les hontes du sexe n'avilissaient point l'homme primitif: "Moitie plante, étoile à moitié", l’hôte du Paradis aimait
purement son épous e; mais, cédant à l'attrait charnel, ils déchurent, et Ia mort naquit" (113).
504
E em nota, Viatte cita o seguinte texto de Werner:

"L'émmanation Ia plus puré de Ia Divinité, c'est Ia pensée et le sentiment (le Phlogistique) dans l’homme. C'esc es
sentiellement l’homme, d'où le nom phósphoros. La masse élémentaire qui nous en toure (le corps) est seulement
notre cachot..." (114).

Também o martinista Fabre d'Olivet dizia que:

"A l’instant même" (que Adão pecou) "tout se matérialisa autour de lui" (115).

O famoso Cagliostro não dirá outra coisa:

"L'homme, expose-t-il, creé à l'image et ressem blance de Dieu est le plus parfait de ses ouvrages; tant qu'il conserva
son innocence, il commandait à tous les êtres vivants, même aux anges. Mais après Ia chute, l'harmonie de l'univers
fut corrompue et l'homme plongé dans Ia matérialité" (116).

Outros teósofos que exprimem idéias do mesmo tipó que Brentano e sua freira vidente são Dutoit-Mambrini e
Saint-Georges de Marsais. O primeiro ensinava que:

"l'homme androgyne portait le pur feu divin en lui; il tomba par les sens,se retrouva habillé de chair, entrainant toute
Ia création dans Ia chute. La matière represente donc ce qu'il y a de plus éloigné de l’être, elle n'est pour ainsi dire
que l’excrement de l’être primitif"(117).

Para St. Georges de Marsais e para os quietistas, o homem andrógino podia conceber em união divina, sem dor e
sem prazer carnal (118).
Todas estas citações comprovam que a idéia do Adão andrógino, de corpo mais espiritual do que material, ou pelo
menos de matéria espiritualizada, que só caíra na corporeidade material atual depois do pecado original, era comum
nos meios esotéricos, quietistas e pietistas do século XVIII e início do século XIX, que a extraíram da Cabala e de
Boehme. Ora, Brentano foi grande leitor de muitos desses autores e dos teósofos ligados as correntes esotéricas e
cabalistas e, desse modo, seria muito de estranhar que tais idéias não surgissem nas visões de Katharina Emmerick
que ele redigiu.
De tudo isso, concluímos que os textos de Katharina Emmerick a respeito de Adão e Eva são de natureza cabalista e
esotérica. Eles se distinguem, porém da posição clássica da Gnose e do maniqueísmo, porque consideram a matéria,
o matrimônio e o ato conjugal ambiguamente, condenando-os como resultado da queda, mas julgando-os como
possíveis fontes de revelação ou de comunicação com a divindade.

Notas

(1) AKE – Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. p. 12 e 13)


(2) Cfr. Gen. II, 8
(3) C. B. Tgb, apud A. Brieger, Der Gotteskreis, Manz Verlag, München, 1966m p. 477
(4) Cfr. Cap. IX desta tese.
(5) Eitz Haim, XXVI, l, apud G. G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da mística
judaica, Perspectiva, São Paulo, 1972, pp. 282-283; Cfr. ainda o cap. III desta tese.
(6) Gen. I, 11.
(7) Gen. I, 24.
(8) Gen. I, 20.
(9) Gen. I, 26.
(10) S. TOMÁS, Suma Teológica, I, q. 71, a. un. ad 1um.
(11) S. TOMÁS, Suma Teológica, I, q. 91, a. 2 ad 1um.
(12) Gen. II, 7
(13) Zohar, I, 49 a. – o Sublinhado é nosso.
(14) Zohar, I, 46b. - O sublinhado e nosso.
(15) Zohar, I, 30a.
(16) Eitz Eaim, XXVI, l - apud G. SCHOLEM, A mística judaica, pp. 282-283.
(17) Jo, X, 11.
(18) Zohar, I 20 a.
(19) Zohar, I 36 b.
(20) Zohar, I 36 b.
505
(23) J. BOEHME, Von den drei Principien gottlichen Wesens, X. , 21.
(24) F.C. OETINGER, Versuch einem Auflossung der 177 Fragen aus Jakob Boehme, apud E. BENZ, Adam,
der Mithus vom Urmenschen, pp. 165, 166.

(21) Zohar, I, 53 a.
(22) Gli Apocrifi dei Nuovo Testamento, Vangeli, I/1, a cura di MARIO ERBRTTA Marietti editori,Torino,
1975, texto gnóstíoo sem título, vol. I/1. p. 366.
(23) J. Boehme, Von den drei Principien gottlichen Wesens, X, 11.
(24) F. C. Oetinger, Versuch einem Auflössung der Mithus vom Urmenschen, pp. 165 - 166.
(25) A. Koyré, La philosophie de Jacob Boehme, Vrin, Paris, 1971, p. 224.
(26) G. Weher, Jakob Böhme, in Jacob Böhme, Cahiers de l'Hermétisme, Albin Michel , Paris, 1977, p. 65.
(27) G. Weher. op. cit. p. 79.
(28) Gen. I, 24.
(29) Gen. II, 22
(30) Cfr. S. TOMÁS, Suma Teológica, I., q. 92, a.3 ad 1um.
(31) A. E. WAITE. The holy Kabbalah. University Books, Secaucus, New Jersey, 1975, p. 279.
(32) C.B. Tgb. apud BRIEGER, Der Gotteskreiss , p . 477.
(33) Gen. I, 27
(34) PLATÃO, O Banquete, 189-192
(35) ORIGENES, In Genesim, I, 15. Migne, P. G. XII, 158.
(36) Los misteres paganos del Renascimiento, tradução Espanhola de Pagan mysteries in the Renaissance, Barral
editores, Barcelona, 1971. pp. 212-213.
(37) CORNELIO A LAPIDE, Commentaria in Pentateuchum Mosis-Commentaria – in Genesim, Cap. I, p.
58
(38) D. CALMET, Commentarius litteralis in omnes libros Veteris Testamenti llatinis litteris traditus a
Johanne Dominico Mansi, I.p.65.
(39) Zahar, I, 37b.
(40) Zohar I,34b.
(41) Zohar- I, 35a.
(42) Zohar I, 35a.
(43) Zohar, II, 55 a.
(44) Zohar, I , 55 b.
(45) A.KOYRÉ, op. cit , p. 225, nota 3.
(46) J. VAN LENNEP - Arte y alquimia, p. 28
(47) Idem, p. 35
(48) R. D. GRAY, Goethe, the alchemist, Cambridge University Press, London, 1952, p.34.
(49) E. WIND, op. cit p.' 214.
(50) BOEHME, Mysterium Magnum, XVIII, 2. Texto alemão apud E. BENZ, ADAM der Mythus vom
Urmenschen p. 77.
(51) BOEHME, Mysterium Magnum LVI, 20. Texto alemão apud E. BENZ, op. cit., p. 71.
(52) E. SUSINI, Franz Von Baader et le romantisme mystique, Vrim, Paris, 1942, pp. 358- 359.
(53) A. FAIVRE - Eekartshausen et la théosophie chrétienne , Klincksieak, Paris, 1969 , pp. 279-280
(54) E. SUSINI - op. cit. vol. III, p. 358
(55) E. SUSINI - op. oit. vol. II, p. 355
(56) E.SUSINI - op. cit vol. III p. 361
(57) E.SUSINI - op. oit vol. III p. 373
(58) Cfr. supra cap. I e cap. II.
(59) AKE – Die Geheimnisse des Alten Bundes, Paul Patloch Verog, Aschaffenburg, 1980, pp. 13 e 14; texto
de C.B. publicado pelo Pe. Schmoeger.
(60) Gen. II, 21-22
(61) R. D. GRAY – Goethe, the alchemist, pp. 205 a 220, especialmente p. 211.
(62) C.B., Tgb. , apud J. ADAMS, op. cit . 3 p. 213.
(63) Gen. I, 27-28.
(64) Gen. II, 24.
(73) C.B. Tgb., J. ADAMS, op. cit., p. 212, nota 7.
(74) C.B. Tgb. apud A. BRIEGER, Der Gotteskreiss, p. 475.
(75) Cfr. idem cap. I.
(76) C. B.,Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreiss, pp. 475-476.
(77) C. B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreiss, p. 476.
(78) Gen. I, 27.
506
(79) Gen. II, 24.
(80) Gen. I, 29.
(81) S, TOMÁS - Suma Teológica, I, q. 97, a. 3.
(82) S. TOMÁS - idem, I3 q. 97, a. 3 ad 3.
(82) S. TOMÁS - idem, I, q. 92 a. 2.
(84) S. TOMÁS - Suma Teológica, I, q. 98, a.2
(85) S. TOMÁS - Suma Teológica, I, q. 98, a.2 ad 3um.
(86) S. AGOSTINHO - A Cidade de Deus, Livro XIV, Cap. 21.
(87) S. AGOSTINHO – Idem, Livro XIV, cap. 22
(88) Cfr. Luc. I, 26-38 Gli Apocrifi dei Nuovo Testamento a cura ai M. ERBETTA, I/2 Marietti, casale, 1981.
(89) Cfr. Protoev. Tiago, XI., 2-3.
(90) S. JUSTINO, Diálogo com Trifon Migne, P.G. VI, 414.
(91) F. REMIGEREAU, Les enfants faits par l’oreille in Études linguistiques-Mélanges, Nº 108, pp. 115-136.
(92) R. NELLI - Le phénomène cathare, Privat, Toulouse, 1964, p.107.
(93) A. BORST - Les cathares, p. 141, Payot, Paris, 1978.
(94) E. C. PUECH – Sur le manichéisme et autres essais, Flammaicion, Paris, 1979, pp. 66 e 67.
(95) Zohar, I, 49 b. O grifo é da edição.
(96) Zohar, I, 48a.
(97) Zohar, I, 50a.
(98) Zohar, l, 50a.
(99) Zohar, I, 47b.
(100) Zohar, I, 36a.
(101) BOEHME, Mysterium Magnun, XIX, 19.
(102) Cfr. BOEHME, Sex puncta theosophica, V. 14, VI, 8 e 9.
(103) BOEHME, Mysterium Magnum, XVIII, 9-10.
(104) BOEHME., Mysterïum Magnum, XIX , 9-10
(105) BOEHME, Mysterium Magnum, XVII, 13.
(106) BOEHME, Mysterium Magnum, XIX, 19,
(107) A. FAIVRE, L 'ésotérisme au XVIIIéme siele en France et en Allemagne, Seghevs, Pariss, 1973, p. 151.
(108) Cfr. A. VIATTE, Les sources ocoultes du Romantisme Illuminisme et théosophie, Honore Champion,
Paris, 1979, Vol. I, p. 60.
(109) E. DERMENGHEM, Joseph de Maistre mystique, Ed. d'Aujourd’hui, Paris, 1983 p. 1953 nota 12.
(110) E. DERMENCHEM - op. cit. pp. 197-198.
(111) L'Évangile selon Thomas, 22 – in E. C. PUECH – En quête de Ia gnose Vol. II, pp. 14 e 15.
(112) A. VIATTE, op. Cit. Vol. II, p. 114.
(113) Z. WERNER, Croix sur Ia Baitique, OEuvres, III, p. 116, apud VIATTE, op. cit., Vol. II, p. 112.
(114) Z. WERNER a Scheffner, 29 jan. 1805, Blatter für litte rarische Unterhaltung, 9, out. 1924, apud A.
VIATTE, op. cit.. Vol. II, p.122, nota l,
(115) Apud A. VIATTE, op. cit., vol. II, pp. 180-181.
(116) Rituel de Ia maçonnerie hérmétique de Cagliostro, publié par Marc HERVEN, Cagliostro, p. 143 apud. A
VIATTE, op. cit., Vol. I, p. 205.
(117 ) A. FAIVRE L'esoterisme au. XVIIIème siecle en France et en Allemagne, p. 81.
(118) Cfr.. A. VIATTE, op. oit. 3 Vol. p. 125.

CAPÍTULO VI

O PECADO ORIGINAL

1 - PARAÍSO TERRESTRE E REINO DE DEUS

507
O romantismo pode ser conceituado como o desejo de

retornar ao paraíso. A escola romântica afirma a tese de que,

provindo de um estado de unidade, ordem e perfeição paradisíacas,

o homem caiu numa situação de divisão, individuação, desordem e

imperfeição, que o faz aspirar pelo retorno à harmonia primitiva.

Mais. O romantismo considera que essa harmonia será reencontrada

no mundo e na História. Por isso ele é um movimento quiliástico.

Essa aspiração por um reino de harmonia e a

expectativa de realizá-lo pode tomar forma religiosa - é o caso de


Brentano - ou forma secularizada, como em Hegel e Marx(1).

Para Brentano - que nessa questão se fundamentava em

Boehme(2) - a causa do estado paradisíaco primitivo era o fato do homem

ter sido criado como imagem de Deus.

(1) Cfr. J. ADAMS, Clemens Brentanos Emmerick -Erlebnis . - Bin d u n g


und Abenteuer, Verlag Herder, Freiburg, 1956, p. 210; Cfr . E .
BENZ, Les sources mystiques de la philosophie r o m a n ti q u e
a l l e m an d e , V r in , P a r i s , 1 9 68 , pp . 4 7 a 53 .
(2) Cfr. J. BOEHME, Mysterium magnum, XV, 10 a 16; XVI, 1 a 15.

508
Vimos no capítulo anterior, que a imagem de Deus no

homem se constituía dos seguintes elementos:

a. Adão era um ser mais espiritual do que corporal,

e sua carne era espiritualizada e não

grosseiramente animal como agora (3).

b. Adão era luminoso (4).

c. Adão era andrógino, refletindo assim os

elementos masculino e feminino da

divindade (5).

d. Adão se reproduziria espiritualmente por meio da

palavra (6).

O fato de Adão ser imagem de Deus faria com que ele,

pela teoria das correspondências, fosse uno como Deus.

(3) Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes,Paul Pattloch


Verlag, Aschaffenburg, 1980, p. 13.
C.B. Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, Manz Verlag , München,
1960, pp. 474-475.
J. BOEHME, Mysterium magnum XV, 10-13-15; XVI, 1 a 13.
J. BOEHME, Von den drey Prinzipien gottlichen Wesens, CX, 11
(4) Cfr. C.B. Tgb, apud A. BRIEGER, op. cit., p. 474.
Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp.14-15.
Cfr. Zohar, Bereshit, 36 b, Soncino Press, London, Jerusalem,
New York, 1970.
(5) Cfr. C.B., Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 477. Cfr.
Zohar, Bereshit, 34 b.
Cfr. J. BOEHME, Mysterium magnum, XVIII, 2; idem, XLV, 20
(6) Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes,p. 15; C.B. Tgb,
apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 476. Zohar, Bereshit, 36
a.; J. BOEHME, Mysterium magnum, XIX, 19; XVIII, 9-10; XIX, 18.

509
Visto que

"tout objet appartient à un ensemble unique et

possède avec tout autre élément de cet ensemble des


rapports necéssaires, intentionels, non temporels
et non spatiaux" (7).

Portanto segundo essa teoria, Adão, sendo a imagem de Deus,

não só era uno com a divindade, como também era o elo pelo qual toda
a criação era una com Deus. Por isso diz Katharina Emmerick: "O
primeiro homem era uma imagem de Deus, ele era como o céu" (8). Comenta
J. Adams que assim como o homem era o elo da criação com Deus, todas
as criaturas estavam unidas à divindade, e era isso que fazia o
Paraíso ser como o Reino de Deus (9).

Tudo em Adão era uno com Deus, e por isso, em tudo


havia ordem, paz e amor divinos: "Onde a terra e o homem estivessem
em semelhante harmonia, lá então estaria o paraíso"(10).

(7) ROBERT AMADOU, L'occultisme, esquisse d'un monde vivant, Julliard,


Paris, 1950, p.20.
(8) "Der erste Mensch war ein Ebenbild Gottes, er war wie der Himmel".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 26.
(9) Cfr. J. ADAMS, op. cit., p. 210.
(10) "Wo Erde und Mensch in gleiches Harmonie wären, da wäre das
Paradies".
C.B., Tgb, apud J. ADAMS, op. cit., p. 210.

510
Essa unidade, harmonia, ordem, paz e amor divinos

expressavam-se através da luminosidade de todos os seres , em seu

colorido e em sua aparência nobre:

"As águas eram mais claras e mais santas, todas as


cores eram mais puras e brilhantes", as fe ras eram
"indescritivelmente nobres e brilhantes", "na
maioria eram brancas ou amarelo-dourad a s " ; o s p r i m e i r o s
homens eram brancos e respland ecent es" , seu s
cabelos er am "am arelos" " l o u r o s " e b r i l h a n t e s : " E u
sempre vi os cabelos de A dão c omo ra ios
luminoso s, co mo uma pr of u s ã o de sua glória...
nossos cabelos são a decaída e fenecida glória de
Adão. Assim como n o s s o s atuais cabelos estão
para raios de luz, assim nossa carne atual se
(11).
r e l a c i o n a c o m a c a r ne de Adão antes da queda"

A vidente - nós já o vimos - faz uma descrição romântica

dos animais do paraíso, onde lobos com aspecto humano eram mansos
e as feras comiam capim (12).

(11) "Das Wasser war heller, und heiligeralle Farben waren reiner
und leuchtender", die Tiere waren "unbeschreiblich edel und
leuchtend"; "meistens weiss, oder goldbelb",dieersten Menschen
waren "weissund schimmernd"; ihre Haare,"gelbs" "blond",ja
leuchtend: Die Haare (Adams) sah ich immer als leuchtende
Strahlen, als seinen Überfluss seine Giore...unsre Haare sind die
gefallene verdorrte Glorie.
Wie unser jetziges Haar zum Strahl, so verhält sich unser jetziges
Fleisch zum Fleisch Adams vor dem Fall."

511
As frutas do paraíso seriam tão superiores às atuais,

como os frutos atuais dos países quentes são superiores aos dos

países europeus.

"Muitas vezes quando vejo em nossos jardins, planta s


o u f r u t o s q u e , n a s t e r r a s m e r i d i o n a i s que eu vi, sã o
comp let ame nte di f eren tes , m aio res , m a i s n o b r e s e m a i s

saborosos, - como, por exemplo , os damascos - eu penso

que assim como nossas frutas estão para os frutos dos


países meridionais, estes são ainda muito piores,
quand o c o m p a r a d o s c o m o s f r u t o s d o p a r a í s o " (13).

2 - O FRUTO PROIBIDO E A ÁRVORE DO CONHECIMENTO DO BEM E DO MAL

Brentano, seguidor das doutrinas esotéricas,

aceitava a teoria da analogia. Conforme a visão analógica da

realidade, o atual mundo decaído é um símbolo caricato do mundo da

divindade. Entretanto, antes da queda, havia uma correspondência

real entre símbolo e simbolizado, de tal modo que todo símbolo

possuía real e substancialmente o valor ou virtude que representava.

Por isto a vidente afirma que comer um fruto no paraíso era assimilar

a virtude por ele simbolizada:

(13) "Oft wenn ich in unserem Garten Pflanzen oder Früchte sah, welche
ich in südlichen Ländern ganz anders, gross, edel und
schmackhafter gesehen, wie z.B. Aprikosen, dachte ich, was
diese unsere Früchte gegen die Südfrüchte, das sind die

512
" A s f r u t a s t i n h a m , n e s s e t e m p o , a f o r m a e o s e r de
seu si gn i fi ca do, e o co m er da s m es ma s er a um
apropria r-se de sua idé ia. Nã o h avia tr ituraç ão e
d e c o m p o s i ç ã o q u í m i c a , t r a n s f o r m a ç ã o e e v a c u a ção"
(14).

A alimentação não era então a absorção das riquezas

dos frutos, mas sim uma apropriação mágica da idéia que eles

representavam.

Se assim era, então poder-se-ia entender que o pecado


original consistiu em algo que estava simbolizado no fruto proibido.

Ora, veja-se pela seguinte citação qual era o significado desse

fruto:

"O fruto proibido que eu vi numa árvore cujos ga lhos


mergulham sempre de novo na terra e de no vo lançam novos
caules, continha, do mesmo modo que a queda (...), a
i d é i a d e u m a reprodução m a i s a r b i t r á r i a e d e u m a
i m p l a n t a ç ã o s e n s u a l em s i , s e p a r a d a d e D e u s , e o c o m e r
d e s s a fruta, c o m a d e s o b e d i ê n c i a , t r o u x e a s e p a r a ç ã o e n t r e
a criatura e Deus, assim como a

(13) ( c o n t . ) S üdf rü c h te u n d n o c h v i e l s c h l e c h t e r g e g e n , d i e F r ü c h t e
des Pradieses."
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes , p. 10.
(14) "Die Früchte war e n damals noch die Form und das We sen
ihrer Bedeutung, und das Essen derselben war ein
In s ic h auf neh me n ih r es Begr if f es. Es war ke in me c h an is c hes
Z e r malmen und chemisches Zerlegen, Verwand eln und
A u s s c h e i den".
C.B., Tgb, apud A. BRIEGER, Der Go tteskre is , p. 475.

513
reprodução em si, e o desejo egoísta na natureza humana.
E, então, através do saborear o fruto proibido, a
natureza humana se apropriou da idéia dessa fruta,
s u r gindo as conseqüências da mesma idéia, a distin ç ão
f í s i c a s ex u a l , a i n v e r sã o d a na t u re z a , a d e g r a d a ç ã o ,
a p r o c r i a ç ã o , o p e c a d o e a m o r t e " (15).

Está bem clara a afirmação de que o pecado original


consistiu em um ato que visava a reprodução humana através da carne.

Isso enquadra as visões de Katharina Emmerick nos


sistemas gnósticos, que condenavam a carne e a reprodução sexual.

Não é de se estranhar, pois, que as descrições que

a vidente faz da árvore do Conhecimento - a árvore do pecado -

apresentem uma clara simbologia sexual.

(15) "Die verbotene Frucht aber, welche ich gesehen ais einen B a u m ,
d e r d i e Z w e i g e in d i e E r d e s e n k t u n d i m m e r s o wieder neue
Pflanzen auftreibt, die ebenso tun nach dem Fall, enthielt...den
Begriff eigenmächtiger Fortpflanzung und eines sinnlichen,
von Gott trennenden Einpflanzen(s) in sich, und aus dem Genuss
dieser Frucht ging mit dem Ungehorsam das Trennen der Kreatur
von Gott und das Pflanzen in sich, durch sich, und die
selbstische Begierde in die menschliche Natur, und da sie durch
den verbotenen Genuss den Begriff dieser Frucht in sich aufnahmen,
entstand die Folge desselben Begriffes, der physische

514
O "Urtexte" de Brentano diz o seguinte sobre a árvore

do pecado original:

"Eu tenho visto muito sobre esta fruta, mas tam bém
tenho esquecido. Sobre a árvore sei ainda o seguinte:
no Paraíso, ela era mais larga na base e seu topo era
pontiagudo. Após a queda, ela obteve a capacidade de
enviar seus brotos em direção à terra. Os ramos se
enfiavam na terra e se lançavam para fora em novos
caules, cujos galhos faziam o mesmo, tanto que uma
á r v o r e l o g o f o r m a v a um a f l o r e s ta de g ra n d e fo l h ag e m."

" E u t e n h o v i s t o m u i t a s p e s s o a s v i v e r e m s o b tais á r v o r e s
n o s c h a m a d o s p a í s e s m e r i d i o n a i s . O s g a l h o s d a á r v o r e não tinham ramos.
Ela tinha grandes folhas com forma de escudo. A s f r u t a s e r a m t o t a l m e n t e
e s c o n d i d a s e n t r e a s f o l h a s e g a l h o s e t inh am qu e ser p rocu rad as e en tão
eram en con tra das s empr e c in c o f r u t a s j u n t a s e m u m c a c h o . E l a s e r a m t ã o
grandes como um... Eram agridoces e não muito s a b o r o s a s . E r a m a m a r e l a s
e totalmente atravessadas por veias, como com sangue" (16).

(15) (Cont.) Geschlechtsunterschied, die Umkehrung der Natur, die


Erniedrigung der Erzeugung und Geburt und die Sünde und der
Tod.
C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 475.
(16) ... Baum des Sündenfalls:
Ich hatte auch viel von dieser Frucht, was auch vergessen
worden. Von dem Baum weiss ich noch folgendes: Im Paradies
war er unten sehr breit, und oben hatte er einen spitzen Wipfel.
Nach dem Fall aber kriegte er die Eigenschaft, nach der Erde seinen
Trieb zu nehmen. Die

515
É curioso que, nesse texto, Brentano diga que foi só
depois da queda que a árvore do pecado obteve a capacidade de enviar
brotos em direção à terra para se reproduzir. De qualquer modo, o
símbolo é o mesmo: o da reprodução humana.

Bem mais pormenorizada é a descrição da árvore no

texto editado pelo Pe. Schmoeger:

"A Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento"

"No meio daquele jardim brilhante, eu vi uma


superfície aquática, e, nela, uma ilha (Península)

que estava ligada à terra de um lado através de um

dique. Esta ilha, e também o dique, eram cheios de

belas árvores. Mas, no meio da ilha se erguia uma

árvore mais bela do que todas as outras, e que, por

assim dizer, as protegia Suas raízes estavam no solo

da ilha. Ela cobria a ilha e ia diminuindo desde a

sua maior largura até terminar em uma graciosa


ponta.

"Seus ramos estendiam-se de modo reto, para fora

(16) (Cont.) Zweige senken sich in die Erde, schiessen in einen


neuen Stamm auf, dessen Zweige ebenso tun, so dass ein Baum
bald einen Wald von lauter Lauben bildet.
Ich habe unter solchen Bäumen viele Leute in den heissen.
Morgenländern leben sehen. Die Äste des Baumes haben keine
Zweige. Es sind grosse Blätter wie ein Schild, di e Früchte
sind ganz versteckt zwischen Blättern am Zweig, man muss sie
suchen, und dann sitzen immer fünf Früchte in einer. Traube
beisammen. Sie sind etwa so gross wie eine.. Sie sind süsslich
säuerlich und nicht mehr wohlschmeckend. Sie sind gelb und ganz mit
roten Adern durchzogen, wie mit Blut.
C.B., Tgb., apud, A. BRIEGER, op. cit., pp. 477-478.

516
e deles subiam de novo ramificações semelhantes a
peque na s á rvo re s, p ar a o al to . As fol ha s e ra m
d elicadas, os frutos eram amarelos e
situavam-se em uma bainha de folhas, como em
uma rosa que se ab re. A ár vo r e t inh a al gum a
coi sa d o c ed ro . N ão me l em br o d e te r vis to
jam ai s Adã o ou Eva , ou um anim al, na ilha jun to
à árvore, mas eu ou via muitos pássaros belos,
nobres e brancos can tarem em seus ramos. Est a
árvore era a árvore da vida.

" E x a t a m ente diante do dique que conduz ia à


ilha, erguia - se a árvore do c onhecimento . Seu
caule era escamoso como o das palmeiras. As
folhas saiam diretamente do tronco, eram muito
grandes e l a r ga s , e c o m a f or m a d e s o l a s de
s a p a t o s . À frente, escondidos entre as folhas ,
h a v i a frutos que pendiam em um cacho de cinco
frutas, uma à frente, e quatro em seus pecíolos.

"A fr uta a ma re l a t in ha ma is a f orm a de um a pê r a


ou de um figo do que a de uma maçã. Ela possuía
cinco "costelas" e seu "Butzen" parecia um
umbigo.

"O interior da fruta era mol e como nos figos.


Era cor de açúcar queimado, atravessada por
veias cor de sangue. A árvore era mais larga
e m cima do que em baixo; os ramos mergulhavam
de novo profundamente na terra.

" E u v e jo e s ta es p é c i e d e á rv o re a i n d a h o j e nas

517
cha ma das ter ra s de c lim a qu e nte . El a en fi a
b r ot o s d e s e u s r a m o s d e n o v o n a t e r r a , o n de
penet r a v a m a s r a í z e s , e d e l a s b r o t a v a m n o v os
caul e s , o s q u a is d e n o v o v i cej a v a m t a n t o q ue
uma ár v o r e a s s i m c o b r i a m u i t a s v e z e s g r a n d e s
e s p a ços com espessas folhagens, sob as quais
viviam grandes famílias" (17).

(17 ) D e r B au m d e s L e b e n s u n d d e r B au m d e r E r k e n n t n is .
Mitten in dem leuchtenden Garten sah ich ein Wasser und in
demselben eine Insel, die auf einer Seite mit dem Lan de
durch einen Damm zusammenn ing. Diese Insel und auch der
D a m m w a r e n v o l t s c h ö n e r B ä u m e : a b e r i n d e r M i t t e d e r In s e l
s t a n d e in s c h ö n e r B a u m, d e r a l l e a n d e r e n Ü b e r r a g te u n d
gleichsam beschutzte: Seine Wurzel war der Boden der
Insel. Er überdeckte die Insel und nahm von grosser Brei t e
l e i s e b i s z u e i n e r f e i n e n S p i t z e a b . S e i n e Ä s t e s t r e c kten
sich gerade aus, und von diesen stiegen wieder Zwei ge wie
kle ine ähnliche Bäume in d ie Höhe. Die Blätte r wa r e n f e in , d i e
F r ü ch te wa r e n g e lb u n d s a s s e n in e in e r B l ä t ter hü lse wie e ine
auf gehende Rose. Der Baum hatte etwas wie d ie Zedern. Ich
e r i n n e r e m i c h n i c h t , j e m a l s A d a m o d e r E v a o de r e in T i e r auf
d i e s e r I n s e l b e i de m B au me geseh e n z u h ab e n , wo h l a b e r s e h r
s c h ö ne , e d 1e , we is s e Vögel , we lc h e ic h in s e in e n Z we ig e n s in g e n
h ö r t e . D ie s e r Baum warder Baum des Lebens.
Gerada vor dem Damm, der auf die Insel f ührte, stand der
Bau m der Erkenn tn is . Der S tamm war geschupp t wie be i
P a l m e n ; d i e B l ä t t e r wu c h s e n u n m i t t e l b a r v o m S t a m m e a u s ,
warr e n s e h r g r o s s u n d b r e i t u n d v o n d e r F o r m w i e
Schuhsohlen. Vorne in den Blätte rn verborgen hingen die
F r ü c h te z u f ünf in einer Traube beisammen, eine voraus und
vier um ih r e n S tie l . D ie g e l b e Fr u c h t h a t te we n ig e r d ie
G e s ta l t von einem Apf el, sie war mehr b irnen - oder
feigenartig g e bil de t, hatte f ünf R ippe n und ihr Blu tz e n
g l i c h e i n e m Nabe . Das Innere der Frucht war we ich wie be i
den Feigen, von der Farbe braunen Zuckers, mit blu troten
A d e r n d u r c h zo g e n. D er B au m wa r o b e n b r e i t e r a l s u n te n , d ie
Zweige senkte sich tief zur Erde nieder. Ich sehe die

518
A S a g r a d a E s c r i t u r a e b e m m a i s c o n c i s a d o que

K a t h a ri n a E m m er i ck n a de s c ri ç ã o d es t a s ár v o re s :

"E o Senhor Deus que tinha produzido da terra to da a


c a s t a d e á r v o r e s f o r m o s a s à v i s t a e de f r u t o s d o c e s p a r a
comer, e a árvore da vida, no meio do Paraíso, e a árvore
d a c i ê n c i a d o b e m e do mal" (18).

"E deu-lhe este preceito dizendo: come de todas as


árvores do paraíso, mas não comas do fruto da árvore
d a c i ê n c i a d o b e m e d o m a l ; p o r q u e , em q u a l q u e r d i a
q u e c o m e r e s d e l e , m o r r e r á s i n d u b i tavelmente" (19).

Assim, Adão podia comer o fruto da árvore da vida


que estava no meio do paraíso. Só lhe foi vetado o fruto da árvore
do conhecimento.

S. Tomás pergunta se o homem conseguiria a


imortalidade, no paraíso por meio da árvore da vida, e resolve

(17) (Cont.)Gattung dieses Baumes noch in den heiss Ländern.


Er senkt Schosslinge seiner Zweige zur Erde nieder, wo sie
Wurzel fassen und z u neuen Stämmen emporschieben, welche
wieder so fortwuchess, so dass ein solcher Baum oft grosse Strecken
mit dichten Lauben bedeckt, unter welchen grosse Familien leben.
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundas, pp. 16-17.
(18) Gen. II, 9.
(19) Gen. II, 16-17.

519
a questão afirmando que o fruto dessa árvore preservaria o homem

da velhice, mas que, por si, não lhe daria a imortalidade absoluta,

precisando o homem comê-lo mais de uma vez. E, para fundamentar sua

opinião, ele cita S. Agostinho: "a árvore da vida, ao modo de

remédio, impedia qualquer corrupção" (20).

Fica então claro que Adão podia comer o fruto da árvore

da vida e que, segundo S. Agostinho e S. Tomás, ele devia comê-lo.

A vidente, porém, diz que jamais viu Adão e Eva

aproximarem-se dessa árvore, dando a entender que eles não comiam

o seu fruto.

Com relação à árvore do conhecimento, é interessante

notar que Katharina Emmerick diz ter visto árvores desse tipo em

terras de clima quente e também no jardim da casa de Sant'Ana:

"Hav ia vários j ar dins a o red or; e m um del es, p er t o d a


casa, elevava-se uma grande árvore de uma espécie
p a r t i c u l a r . S e u s r a m o s m e r g u l h a v a m na t e r r a , a í s e
enraizavam e brotavam novas árvo res que faziam a mesma
c o i s a , d e m o d o q u e se f o r m av a um g r a n d e c í rc u l o d e
v e g e t aç ã o " (21).

(20) S. Agostinho, De Civitate Dei, lib. XIV, cap. XXVI, apud S. TOMÁS,
Suma Teológica, I, Q. 97, a. 4.
(21) 'Es lagen mehrere Gärten umher, und in einem solchen Gartenraum nahe
bei dem Hause stand ein grosser Baum von eigentümlicher Art.
Seine Zweige senkten sich zur Erde
nieder, wurzelten und trieben wieder Bäume empor, die

520
Ora, segundo A. E. Waite, a edição de Cremona do Zohar

afirmava que a árvore do bem e do mal teria sido expulsa do paraíso

terrestre junto com Adão e Eva:

"After the fall of man, it is said that the tree


of Trespass was banished from Paradise, which sounds
f a n t a s t i c ; b u t t h e w h o l e t r e e is a l l e g o r i c a l a n d m o v e s
w i t h m a n t h r o u g h the p l a c e s o f h i s e x i l e . S e e t h e
C r e m o n a edition, Pt. I, Fol. 126 b" (22).

A descrição do paraíso terrestre e das árvores do

bem e do mal pela vidente não tem nenhuma relação com o texto bíblico

e apresenta vários símbolos de caráter sexual.

Vimos no capítulo II supra que Brentano identificava

a idéia de mãe com a da terra, e, paralelamente, a idéia de cavar

a terra com o ato sexual(23). Isso permite compreender a simbologia

que o poeta empregou na descrição da árvore do conhecimento, isto

é, a árvore do pecado original de cujos galhos saíam brotos que

penetravam na terra, gerando novas árvores semelhantes à primeira.

É transparente, nessa simbologia, a idéia da reprodução sexual

humana.

(21) (Cont.) ebenso taten, wodurch ein ganzer Kreis von Lau ben
gebildet ward."
C.B.,A.K.E., Leben der heilige Jungfrau Maria, Paul Pattloch
Verlag, Aschaffenburg, 1980, p. 34.
(22) A.E. WAITE, The holy Kabbalah, p. 279, nota 9.
(23) Cfr. C.B. Werke, Romanzen von Rosenkranz, Carl Hanser
Verlag, München, 1965, vol. I, p. 659; Cfr. cap. II supra.

521
Além desta simbologia, Brentano utiliza palavras e
comparações relacionadas com a reprodução. Assim, por exemplo, a
comparação de uma reentrância da fruta com o umbigo, e a alusão a
veias cor de sangue no interior mole do fruto proibido.

É possível que as próprias formas que Brentano


atribuiu às árvores da vida e do conhecimento tivessem também, para
ele, um significado mágico e sexual. Com efeito, ele diz que a árvore
da vida tinha um aspecto triangular com o vértice para o alto,
enquanto a árvore do conhecimento tinha o mesmo aspecto triangular,

mas com o vértice voltado para baixo. Embora a simbologia seja vaga,
não é absurdo pensar que ele tenha querido relacionar a árvore da
vida com a mulher e a feminilidade, e a árvore do conhecimento com
o homem e a virilidade.

Neste sentido, é curiosa a descrição do fruto


proibido. Ele era produzido em cachos de cinco frutas, sendo que a
maior sobressaía no centro do cacho. Brentano não desconhecia a relação
- bem freqüente entre os esotéricos - entre o pentágono e o homem. O
cabalista Agripa de Nettesheim fez um desenho relacionando a figura
humana e o pentágono inscrito.(24) Neste caso, então, o fruto proibido
no meio de um cacho de cinco, seria

( 2 4 ) C f r. M A T IL A C. G H Y K A , Le n o m br e d ' o r - P a r is - G al l i m a rd , 1959,
p. 54, Planche XVII.

522
o sexo. Todos esses símbolos e alusões mais ou menos velados vão
preparando o leitor das visões de Katharina Emmerick para aceitar
a idéia de que o pecado original foi um ato sexual.

Logo após essa descrição das árvores da vida e do

conhecimento, a vidente fala da colina e do vale que se separaram

quando Eva foi tirada de dentro de Adão. Já analisamos a simbologia

desses acidentes topográficos no cap. V deste trabalho, mostrando

como neles há um evidente significado sexual: a colina e o vale

seriam como "saat und Acker, wie Zeugen und Empfangen" (como sementes

e campos, como geradores e concebedores), como se a colina devesse

ser introduzida no vale(25).

"Todas estas coisas, como em geral toda a naturez a e ra m co mo


t r a n s pa r e nt e s e feitas de l u z. Es t e s dois lugares
( c o l i n a e v a l e ) e r a m a s morad i a s d e n o s s o s p r i m e i r o s
pais. A árvore do co nhecimento era como uma separação
entre eles. E u p e n s o q u e , d e p o i s d a c r i a ç ã o d e E v a ,
Deus os fez depender desses lugares. Eu vi que no come ço
eles andavam menos juntos. Eu os vi sem ne nhum desejo,
e cada u m a passear

(25) Cfr. Supra cap. V.

523
em seu lugar próprio"(26).

Assim a árvore do conhecimento separava colina e vale,


geração e concepção, Adão e Eva. Portanto, comer o fruto proibido
significa unir colina e vale, o gerador e a conceptora, o homem e
a mulher. Note-se que, segundo a vidente, Adão e Eva antes do pecado
viviam separados, "sem nenhum desejo". Evidentemente sem desejo

carnal, isto e, sem desejar unir-se um ao outro.

Ora, isso contraria totalmente o que diz a Escritura,


onde se lê que Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só" (27).

Por que a falta de sociabilidade de Adão e Eva, na

narração de Katharina Emmerick? Por que não tinham eles desejo?

Evidentemente insinua-se ai que, antes do pecado, Adão e Eva não se

reproduziam no modo atual e nem queriam fazê-lo. O que tornaria

inexplicável a ordem divina: "Crescei e multiplicai-vos e enchei a

terra" (28).

(26) "Alles dieses, wie überhaupt die ganze Natur, war wie
durchsichtig und von Licht. Diese beiden Orte waren die Aufenthaltsstellen
der ersten Eltern. Der Baum der Erkenntnis war wie eine Absonderung
zwischenihnen. Ich meine, Gott hat nach der Schöpfung Evas ihnen disse
Orte angewiesen Ich sah sie anfangs auch w enig zusammen gehen. Ich
sah sie ganz ohne Begierde, und jedes an seiner Stel le sich ergehent."
AKE - Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 18.
(27) Gen. II, 18.
(28) Gen. I, 28.

524
3 - A PRIMEIRA QUEDA DE ADÃO E A 'CRIAÇÃO' DE EVA

Após descrever o Paraíso como Reino de Deus, onde

tudo era luminoso, perfeito, ordenado e santo, a ponto de as feras

comerem capim, a vidente faz uma apresentação bastan te negativa de

Eva.

"Eu vi como, pela primeira vez, Adão e Eva percorriam

o Paraíso. Os animais iam ao encont ro deles e os

escoltavam. Eles se relacionavam mais com Eva do que com

Adão. Em geral, Eva tinha mais relação com a terra

e com a criação. Ela olhava mais para baixo e a seu redor,

e se mostrava mais curiosa. Adão era mais silencioso


(29).
e mais voltado para Deus"

"(...) então eles sentiam vontade de agradecer. Adão

sentia mais (essa vontade) do que Eva, que pensava

mais na felicidade e nas coisas. Ela n ã o

(29) "Ich sah, wie Adam und Eva zum erstenmal durch das Parad i e s
w a n d e l t e n . D i e T i e r e t r a t e n i h n e n e n t g e g e n und begleiteten
sie; sie hatten mehr mit Eva zu tun als mit Adam. Eva hatte überhaupt
mehr mit der Erde und den Geschöpfen zu tun, sie schaute mehr
nieder und um sich her und schien neugieriger. Adam war stiller und
mehr zu Gott emporgerichtet".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 19.

525
estava tanto em Deus como Adão, mas estava com sua alma mais
na natureza. Penso que eles passearam três vezes pelo
(30).
Paraíso"

Nesses textos se afirma que em Eva havia mais

inclinações terrestres do que em Adão: um maior relacionamento com

os animais e com a criação do que com Deus; uma curiosidade maior

do que a de Adão; uma tendência maior para a loquacidade, o egoísmo

e a ingratidão. Esses defeitos, por menores que fossem, destoavam

da harmonia geral, e, por contraste devem ser considerados

relativamente graves. Isto impõe uma pergunta: por que, em meio a

perfeições tão altas, tinha Eva tais imperfeições em sua natureza?

A única resposta possível é que a própria Eva já fora

uma criatura resultante de uma falha anterior, falha essa que só

poderia ser de Adão. Assim como o pecado original trouxe tantos males

e tanta decadência, assim a relativa inferioridade e imperfeição de

Eva devem ter sido produtos de uma queda de Adão anterior ao pecado

original. Katharina Emmerick nada diz dessa primeira queda, mas

a descrição que ela faz de Eva a torna quase necessária.

(30) "(...) denn sie fühlten nun Dank; Adam aber mehr als Eva, w e l c h e
mehr an das Glück und die Dinge dachte, als
an den Dank. Sie war nicht so in Gott, wie Adam, sie war mehr
in der Natur mit ihrer Seele. Ich meine, sie sind dreimal durch
das Paradies gewandelt".

A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 20.

526
Isso é tanto mais plausível quando se lembra que conforme Jakob

Boehme - autor conhecido quer por Brentano como por Ka tharina

Emmerick - Adão teria tido duas quedas: a primeira, ao ter desejo

de se reproduzir carnalmente, desejo esse que lhe veio ao ver os

animais desfilarem diante dele, para que os no measse (31); a segunda,


(32)
ao comer o fruto proibido .

A primeira queda de Adão é assim descrita por J. Boehme:

"Car ce fut la faute d'Adam lorsqu'il était encore


au Paradis, de désirer la vanité, de diriger son
imagination vers la terre, vers l'être dont la
matière de son corps extérieur avait été extraite
et de vouloir essayer de sa Mère la vanité enflammée
que le Diable avait enflammé: le Fiat lui tira alors
de la féminité de la terre d'où avait été extrait
le corps d'Adam une plante telle qu'Adam avait de
quoi se repaître"(33).

Boehme descreve a primeira queda de Adão como tendo sido

uma adesão mais forte a seu componente inferior. Imaginando Eva no seu

terceiro princípio material ele a criou, fazen do separar-se o

princípio feminino do princípio masculi no do seu ser andrógino:

(31) Gen. II, 19-21.


(32) Gen. III, 6-8.
(33) J. BOEHME, Mysterium Magnun XVII, p. 39.

" D a n s s a p e r f e c t i o n A d a m s ' e s t é p r i s c o m m e un n i a i s
d e l a B ê t e . T a n d i s q u ' i l é t a i t h o m m e et f e m m e e t q u ' i l
p o s s é d a i t e n l u i - m ê m e l a gross e s s e magique, il
s'introduisit dans la concup i s c e n c e b e s t i a l e , à l a
527
f o i s d e l a nourriture e t d e l ' a c c o u c h e m e n t d e s b ê t e s :
c'est ainsi que le Fiat l'a alors saisi dans cette
concupiscence et l'a formé durant son sommeil t el
qu'était c e t t e c o n c u p i s c e n c e ; e t c h a q u e m e m b r e f u t
formé en sa place pour la conjonction de
l'accouplement bestial car tout désir a reçu sa bouche pour
s ' e x p r i m e r . C ' e s t a i n s i q u e l ' i m a g e de Dieu s ' é t a i t
formée dans le "Verbum Fiat" en l'animal que nous sommes
encore actuellement, et ceci s e p a s s a e n s o i - m ê m e ,
e n t a n t q u e p r o p r e Fiat d e l ' h o m m e , q u e p r e m i è r e f o r m e
appartenant à la nature, laquelle est le désir de la
révélation divine et personne n'en est responsable en
d e hors de lui" (34).

Assim, originada de uma inclinação má de Adão, Eva foi


c r i a d a c o m t e n d ê n c i a s m á s , v o l t a d a p a r a o i n f e r i o r e para a matéria.

" D o n c l o r sq u e A d am s e ré v e il l a d u s o m m e il i l v i t s a

(34) J. BOEHME, Mysterium Magnum, XIX, 25.

528
femme Ève debout devant lui et l'attira vers lui car
il savait qu'elle était sienne et qu'elle était son
principe féminin; et il introduisit en e ll e sa
p r o p r ié t é d e dé s ir ( . . . )

" A d a m a v a i t d o n c é g a l e m e n t i m p r i m é l e d é s i r m e n s on ge r
en son e sse nce d ont la f em m e éta it is s ue; c ' e s t p o u r q u o i
l a f e m m e e u t a u s s i t ô t e n v i e d e vanité ainsi qu'on peut
trouver encore aujourd' hui dans la plupart d'entre
e l l e s u n exclusif d é s i r d e l a c h a i r e t d e l a t e r r e . D è s
que ce s e x e prend un certain âge, son plaisir
personnel passe en orgueil et en désir de briller
m ê l é s d e d é s i r c h a r n e l e t e l l e s s o n t bientôt a v i d e s d e
l'arbre défendu, à l'encontre de la pudeur et de la
c h a s t e t é v i r g i n a l e s e t de l'humilité angélique.

L a s o u i l l u r e q u ' A d a m i n t r o d u i s i t d a n s s o n p r i n cipe
féminin est si forte en elles qu'elles sont comme
g a u c h e s d e v a n t l ' i m a g e d e D i e u q u e D i e u créa lui même
en Adam" (35).

Essa doutrina d e B o e h m e fo i aceita por muitos


pensadores esotéricos e românticos. Franz von Baader, por

(35) J. BOEHME, Mysterium Magnum, XX, 1, 3 e 4.

529
exemplo, admitiu-a plenamente. Para ele, Deus submeteu Adão a uma

prova ao fazer os animais desfilarem diante dele. Adão, ao vê-l os,

compreendeu como eles se alimentavam e se reproduziam e foi tentado

a imitar o modo de reprodução bissexuada dos animais:

"S'il avait étouffé en lui la possibilité de de v e n i r


m â l e e t f e m e l l e , Adam a u r a i t é t o u f f é l e " W e l t g e i s t " e t
s e r a i t devenu ce faisant le roi de la création (...).

C ' e s t p a r c e q u e l'homme n'a pas triomphé d e l'épreuve

qu'il perd sa nature androgyne et que D i e u d é c i d e d e lui

adjoindre une compagne. Ce rapport e n t r e l a c a u s e e t

l ' e f f e t , entre la t e nt a ti on d' Ad am et la c r éa ti on

d ' Èv e , no u s éclaire sur la nature même de cette

tentation . Pour fortifier véritablement la nature

androgyne dans le premier Adam, pour vérifier sa capacité

à se reproduire par le mode supérieur de l'androgyneité,

l'homme doit connaître le mode de reproduction animale

et être à même de lui résister.

L'homme a succombé à cette première tentation. Il ne

devait pas "pénétrer par l'imagination dans la nature

animale, s'introduire en elle avec désir, et se

"corrompant" (versehend) - pour a i n s i d i r e e n

530
elle, se laisser posséder par elle" (VII, 228). La tentation de
l'homme avait trait au mode de reproduction et à la nature
bissexuée propre à l'animal.

L a c o r r u p t i o n d u f a i t d e l a p é n é t r a t i o n dans l a n a t u r e
animale et son double aspect, corruption dont Adam
s'est rendu coupable lors de la présentation des
animaux", a été la raison de la création d'Ève
( V I I , 2 2 7 ) . O u , d i t encore B a a d e r u n p e u p l u s l o i n
d'une manière plus ex plicite, "c'est uniquement
parce que l'homme n ' a p a s r e s i s t é à l ' é p r e u v e l o r s
de la première tentation (...) parce que le désir
s ' e s t manif e s t é e n l u i p o u r l a r é p r o d u c t i o n d ' u n e
c o m p a g n e e x t é r i e u r e , c o m m e e n o n t l e s a n i m a u x , et
qu'au contraire le désir de l'aide intérieure ( de l a
femme de sa jeunesse, comme dit Salomon) s'e s t
p e r d u e n l u i , c ' e s t p o u r c e l a q u e l a f e m m e a ét é tir ée
de l ui (VI I, 22 9) " (36).

A m e s ma i dé i a s e a c h a em E ck a r ts h au s e n :

" A l o r s naquit en l'homme le premier désir conçu h o r s d e D i e u .


La raison de l'homme, c'est-à-dire sa

(36) E. SUSINI, Franz von Baader et le romantisme mystique -La


philosophie de Franz von Baader, Vrin, Paris, 1942, vol. III,
p. 365-366.

531
lumière, ou encore l'Ève originelle, éga ra Adam; il
désira et s'endormit. La raison et la volonté, Dieu
et l'homme, l'homme et la femme, constituaient
j u s q ' à l o r s u n e u n i t é ; mais m a i s c e t é g a r e m e n t d ' A d a m
provoqua la première division. Feu et lumière, force
et faiblesse, se divisèrent pour former d'un côté
l ' h o m m e , de l ' a u t r e l a f e m m e . C e t t e c h u t e a v a i t é t é
"intérieure"; une autre chute, "extérieure" celle -lá,
devait s'ensuivre, car Adam et Ève étaient maintenant
" o r g a n i s é s " p o u r g o û t e r l e s f r u i t s d e l a perdition"(37).

E ainda:

"Nous savons déjà qu'avant la chute, Adam étalt


androgyne. Une conséquence immédiate de la f a u t e
originalle fut la supression de l ' a n d r o g y néité
adamique. Ève fut crée pendant le sommeil d ' A d a m , c o m m e
énergie de son énergie corrompue, car Adam avait déjà
conçu le désir de se reproduire de façon animale.
L ' i m a g i n a t i o n d u prem i e r h o m m e p r o j e t a u n e i m a g e q u i
devint la forme d'Ève de même qu'une mère imprime sur
l'enf a n t q u ' e l l e p o r t e e n s o n s e i n l e s m a r q u e s d e c e
que conçoit son imagination sous l'influence des impressions
qu'elle reçoit" (38).

(37) A. FAIVRE, Eckartshausen et la théosophie chrétienne,


Klincksieck, Paris, 1969, p. 282.
(38) A. FAIVRE, idem, p. 286.

532
Essas mesmas idéias foram adotadas pelo esoterismo

martinista, especialmente por Louis-Claude de Saint Martin e por

Joseph de Maistre (39).

4 - A TENTAÇÃO: EVA E A SERPENTE

"Entre todas as criaturas havia uma que era mais unida


a Eva do que todas as demais. Era um ani mal
extraordinariamente amigável, adulador e insinuante.
N ã o c o n h e ç o o u t r o c o m o q u a l e l e se p o s s a c o m p a r a r . E r a
completamente liso e delgado e parecia não ter ossos.
Suas patas trasei ras eram curtas e ele corria aprumado
sobre e l a s . T i n h a u m a c a u d a p o n t u d a p e n d e n t e p a r a
a terra. No alto, perto da cabeça, havia pequenas
patas curtas. A cabeça era arredondada e
e x t r a o r d i n a r i a m e n t e e s p e r t a . E l e t i n h a u m a língua f i n a
e móvel. A cor de seu ventre, do peito e do pescoço
era branca-amarelada e as costas pa ra cima eram
totalmente marrons quase como uma enguia. Sua altura
e r a a p r o x i m a d a m e n t e a d e u m menino de dez anos.

E l e e s t a v a s e m p r e e m t o r n o d e E v a e e r a t ã o a d u lador e
gracioso, tão ágil indo daqui para lá, q ue Ev a t inh a gr and e
praz er com el e.

(39) E. DERMENGHEM, Joseph de Maistre mystique, Vieux Colombier, Paris, 1946, pp. 197-198,
facsimilada por ed. d’Ajourd’hui, Paris, 1980.

533
P o r é m , e s t e a n i m a l t i n h a p a r a m i m a l g u m a c o i s a de
terrível, e eu o tenho ainda claramente diante dos olhos.

Não sei se Adão ou Eva o tocaram. Antes da queda havia


u m a g r a n d e s e p a r a ç ã o e n t r e o s homens e o s a n i m a i s . E u
não vi os primeiros homens to carem nos animais. Mesmo
quando os animais estavam familiarizados com os
h o m e n s , e l e s s e m a n t i nham separados" (40).

N e s s e t e x to c on v ém f r i sa r do i s p o nt o s :

(40) "Unter allen Tieren aber war eines das sich mehr an Eva anschioss,
als alle; es war ein ungemein freundliches, schmeichelndes,
geschmeidiges Tier; ich kenne keines, mit dem ich es vergleichen
könnte. Es war ganz glatt und dünn und als habe es gar keine
Knochen, seine Hinterfusse waren kurz und es lief aufrecht auf
denselben. Es hatte einen spitzen Schweif an die Erde hängend;
hoch oben nah am Kopfe hatte es kurze kleine Pfoten. Der Kopf war
rund und ungemein klug; es hatte eine feine bewegliche Zunge. Die
Farbe seines Bauchess , der Brust und des Halses war weissgelb,
und den ganzen Rücken hinauf war es braun gewoikt, fast wie ein
Aal. Seine Höhe war etwa die eines zehnjährigen Kindes. Es war immer
um Eva herum so schmeichelnd und zierlich, so beweglich und hin
und her zeigend, dass Eva grosses. Vergnügen an ihm hatte. Dieses
Tier hatte aber für mich doch etwas Schreckliches, und ich
sehe es immer noch deutlich vor Augen. Ich sah nicht, dass es Adam
oder Eva berührten. Es war vor dem Falle zwischen Menschen und Tieren
ein grosser Abstand. Ich sah die ersten Menschen kein Tier
berühren; waren die Tiere auch vertrauter zu den Menschen, so waren
sie doch getrennter."

A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp. 19-20.

534
a. o relacionamento amigável de Eva com a serpente

- porque se trata exatamente da serpente

tentadora;

b. o relacionamento dos homens com os animais, no

qual se nota uma polaridade de intimidade e de

separação, polaridade típica do espírito

romântico.

Convém lembrar que Jacob Boehme também descreve a

serpente como um animal bonito, gracioso e brincalhão.

" D o n c c e s e r p e n t v e n i m e u x é t a i t d ' a p p a r e n c e un
petit-animal excessivement joli, de belle mine, coquet
e t m i g n o n , b i e n p a r é s e l o n l a v a n i t é d u Diable" (...)

Ce serpent était une allégorie vivante de l'ar bre de


t e n t a ti o n et de même q u e l ' a rb r e de t e n t a t i o n r é s i d a i t
en une force muette, de même le serpent dans une animée;

e t c ' e s t p o u r q u o i le s e r p e n t s'approcha d e c e t a r b r e ,
c o m m e d e s o n semblabl e, du sem b l ab e de sa qu ali té
(... )" ( 4 1 ) .

" V i e n t ã o A d ã o a g r a d e c e n d o e a d m i r a n d o d e novo s o b r e
a colina brilhante onde ele caíra em sono

(41) J. BOEHME, Mysterium Magnum, XX, 19 e 20.

535
quando Deus formou sua esposa, tirando -a de seu
f l a n c o, A dã o es t av a s ó s o b a s ár v or e s .

E u v i E v a a p r o x i m a r - s e d a á r v o r e d o c o n h e c i m e n to
como se qu ise ss e pass ar adi ant e.

0 animal estava de novo perto dela e ainda mais


bajulador e movediço, e ela estava completamen te
e n t u s i a s m a d a c o m a s e r p e n t e e t i n h a grande prazer com
ela.

A s e r p e n t e s u b i u t ã o a l t o n a á r v o r e q u e a sua c a b e ç a
estava à altura da de Eva. Ela se susten tava com as
p a t a s n o c a u l e , v o l t a v a a cabeça para a ca beç a de Ev a,
fala ndo :

'Se comerdes o fruto da árvore, ficareis livres e


n ã o m a i s e s c r a v o s e s a b e r e i s q u a l o m o d o de vossa
reprodução!

Eles já tinham recebido a palavra de sua


r e p r o d u ç ã o . M a s e u t i n h a c o m p r e e n d i d o q u e e l e s não
sabiam como Deus queria que ela fosse, e
que, s e o t i v e s s e m s a b i d o e a i n d a a s s i m t i v e s s e m c a í do
n o p e c a d o , a s a l v a ç ã o n ã o s e r i a m a i s possível" (42).

(42) Nuns ah ich Adam dankend und bewundernd wieder auf dem leuchtenden
Hügel, an dem er im Schafe entrückt war, als

536
O texto de Katharina Emmerick não só contraste com

a concisão da Sagrada Escritura quanto a descrição da serpente e

da tentação, como põe na boca da serpente palavras totalmente

diversas. Com efeito, conforme o Gênesis, disse a serpente para Eva:

"Vós de nenhum modo morrereis (se comerdes o fru t o ) . M a s


Deus sabe que, em qualquer dia que comerdes dele, se
a b r i r ã o v o s s o s o l h o s , e s e r e i s como deuses, conhecendo o
bem e o mal" (43).

A serpente de Katharina Emmerick é bem mais loquaz e

mais "aggiornata" ao romantismo do século XIX.

"Sereis livres e não mais escravos", é a sua primeira


promessa. Ainda mais importante, porém, é a segunda: "Sabereis o modo
de vossa reprodução". O que está na lógica de todo o contexto.

(42) (Cont.) Gott das Weib aus seiner Seite bildete. Adam stand
alliem unter den Bäumen. Eva sah ich dem Baume der Erkenntnis sich
nahen, als wolle sie vorübergehen. Das Tier war wieder bei ihr
und noch schmeichelnder und bewegter, und sie ward ganz eingenommen
von der Schlange und hatte grosse Wohlgefallen an ihr. Die
Schlange stieg nun an dem Baume so hoch dass ihr Kopf dem der Eva
gleich kam, sie hielt mit den Fussen dn dem Stamme, wendete den
Kopf gegen Evas Haupt sprechend: wenn sie von der Frucht das Baumes
essen würden sie frei und keine Sklaven mehr sei n und wissen,
welches dia Art ihrer Vermehrung sei. Sie hatten das Wort ihrer
Vermehrung schon empfangen; aber ich vernahm, dass sie noch nicht
erkannten, wie Gott es wolle, und wenn sie es gewusst hätten und
doch in dia Sünde gefallen wären, dia Erlösung nicht möglich
sein würdei."
A.K.E., Die Geheimnisse das Alten Bundes, pp. 20-21. O sublinhado nosso.
(43) Gen., II, 4 e 5.

537
Com efeito, se o comer antes da queda consistia na

assimilação da idéia simbolizada nos frutos, e se o fruto proibido

representava claramente a idéia de reprodução sexual, é claro que

comendo tal fruto Adão e Eva seriam elucidados a respeito do modo

de reprodução humana atual.

A vidente acrescenta que Deus já havia dado a Adão e


Eva a "palavra" da reprodução. O que faz supor que havia uma palavra
específica capaz de fecundar Eva, do modo como foi descrito no capítulo
V deste trabalho. Eles tinham recebido a "palavra de sua reprodução",
mas não sabiam como Deus queria que ela fosse.

"Eva estava cada v e z m a i s p e n s a t i v a e desejosa d e s a b e r o


q u e o a n i m a l d i z i a ; a c o n t e c e u a n t e s alguma coisa com
ela que a fez mais vil; isto me f e z r e c e o s a . E n t ã o e l a
olhou para Adão, que estava completamente tranqüilo
sob as árvores, e o chamou e ele veio. Eva foi ao seu
encontro e de novo voltou atrás. Havia nela indecisão;
havia inquietação nela. Ela foi de novo, como se
q u i s e s s e p a s s a r e m v o l t a d a á r v o r e ; m a s a p r o x i mou-se
pelo lado esquerdo e ficou atrás dela, coberta p o r s u a s
f o l h a s l o n g a s e p e n d e n t e s . A ár v o r e e r a m a i s l a r g a e m
cima do que em baixo e as largas folhas caiam
p e s ad a me n te p a ra a t er ra. Onde estava Eva, pendia um
f r u t o p a r t i c u l a r mente belo.

538
Quando Adão veio, Eva agarrou-o pelo braço e

apontou para o animal falador e Adão também o ouviu.


Ao agarrar-lhe o braço, ela o fazia pela

p r i m e i r a v e z ; e l e n ã o t o c o u n e l a , m a s h a v i a o b s curidade
nela" (44).

A descrição do estado psicológico de Eva, após ouvir

as palavras da serpente deixa transparecer no que consistia a

tentação. Ela fica inquieta. Olha para Adão, hesita. Aproxima-se

dele. Volta. Chama-o.

Por sua vez, Adão é apresentado como um ingênuo,

parecendo tranqüilo sob as árvores. Simbolicamente a vidente diz

que Eva se postou atrás da árvore proibida, tendo diante de si o fruto

proibido. Desse modo, quando Adão se aproximou, ela estava

semi-encoberta pela árvore do pecado, e o homem via Eva através das

folhas da árvore do fruto proibido.

(44) "Eva ward immer nachdenkender und begieriger nach dem, was das
Tier sagte; es ging in ihr etwas vor, was sie niedriger machte; es
ward mir bange. Nun schaute sie nach Adam, der noch ganz ruhig unter
den Bäumen stand, und rief ihn, und er kam. Eva ging ihm entgegen und
wieder zurück; es war ein Zögern, eine Unruhe in ihr. Sie ging wieder,
als wolle sie an dem Baume vorüber; aber sie näherte sich ihm von
der linken Seite und stand hinter ihm, von seinen langen,
niederhängenden Blättern bedeckt. Der Baum war oben breiter als unten
und die breiten Blattzweige hingen tief gegen die Erde nieder. Es
hing, wo Eva stand, eine besonders schöne Frucht. Als Adam kam, fasste
ihn Eva an dem Arme und zeigte nach dem sprechenden Tiere, und Adam hörte
auch zu. Da sie ihn am Arme fasste, berührte sie ihn zum ersten Male; er
berührte sie nicht, aber es ward finsterer um sie".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp. 21-22.

539
Esta descrição discrepa fundamentalmente do texto do

Gênesis. Conforme a Sagrada Escritura (45), a serpente falou apenas

a Eva e foi esta que comeu o fruto e depois o ofereceu a Adão. No

texto de Katharina Emmerick, Adão também ouve as palavras da

serpente.

É curioso ainda que a freira de Dülmen saliente ser

essa a primeira vez que Eva tocou no braço de Adão. Pouco antes,

porém, ao narrar a retirada de Eva do interior de Adão, ela afirmara

que Adão lhe dera a mão (46). Como explicar essa contradição senão

dando à expressão "agarrar o braço" um sentido particular?

A afirmação de que já havia então obscuridade em Eva

significa evidentemente, que nela já havia alguma culpa, embora não

plena, porque na simbologia de Brentano - como na do Zohar (47) - a

obscuridade se identifica com o mal ou com sua manifestação.

Prossegue então a vidente narrando o pecado original:

"Eu vi que o animal apontou então para o fruto (proibido)


mas não ousou arrancá-lo para Eva. Mas, quando Eva
desejou o fruto, o animal o arrancou e

(45) Gên. III, 6.


(46) Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 14.
(47) Zohar, apêndice do vol. II da edição Soncino.

540
lhe ofereceu" (48).

Também neste ponto há um pormenor discrepante da Sagrada

Escritura. Com efeito, lê-se no Gênesis:

"Viu pois a mulher que o fruto da árvore era bom para

comer, formoso aos olhos e de aspecto agra dável; e

tirou o fruto dela, e comeu e deu a seu esposo, que


(49)
também comeu" .

Conforme a vidente, não é Eva quem pega o fruto, mas

a serpente, o que coincide com o Zohar:

"She s a w t h a t i t w a s g o o d , b u t t h i s w a s not enough for


her, s o she took of its fruit, b u t not of the
tree itself; s h e t h u s attached h e r s e l f t o t h e p l a c e o f
death, and brought d e a t h u p o n t h e w o r l d , a n d
s e p a r a t e d l i f e f r o m death" (50).

Repare-se ainda que o texto do Gênesis afirma que

(48) "Ich sah, dass das Tier die Frucht zeigte, aber nicht wagte, sie
der Eva zu brechen. Als aber Eva nach der Frucht gelüstete, brach
sie das Tier und reichte sie ihr.
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 22.
(49) Gên. III, 6.
(50) Zohar, Bereshit, 36 a. . O sublinhado é nosso.

541
Eva deu o fruto para o seu marido - "viro suo", diz a Vulgata- e não
para o homem. O emprego do termo "viro" e não "homo" indica claramente
que Adão já era esposo de Eva, o que é mais uma prova que, segundo
o Gênesis, o pecado original não foi o ato conjugal.

Katharina Emmerick salienta ainda que o fruto proibido

"era o mais belo fruto do meio de um cacho pen dente


formado por cinco frutos. Eu vi q u e Eva s e
aproximou de Adão com o fruto e lho deu, e que sem o
c o n s e n t i m e n t o d e A d ã o o p e c a d o o r i g i nal n ão t e r i a s e
real iza do" (51).

O Gênesis nada diz acerca da forma do fruto

proibido, nem que ele dava em cachos de cinco frutos. O fruto comido

por Adão e Eva teria sido o do meio do cacho. Já vimos sentido dessa

simbologia.

Note-se que o texto da vidente não afirma que Eva comeu

o fruto, mas que o tomou e o deu a Adão. Ora, vimos que texto do Gênesis

afirma que Eva comeu o fruto, e só depois de comê-lo o deu a seu marido

que também o comeu (52). Ela salienta ainda que sem o consentimento

de Adão o pecado original não teria se realizado.

(51) "Es war die mittelste schönste Frucht von funf zusammen hängenden
F r ü c h t e n . Ich sah, dass Eva nun Adam mit der Frucht nahte und sie
ihm gab, und dass ohne dessen Einwilligung die Sünde nicht
geschehen sein würde".
(52) A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 22.
(53) Cfr. Gên. III, 6.

542
S. Tomás afirma que se apenas Eva tivesse comido o

fruto proibido não teria havido pecado original transmissível a

todos os homens, porque era Adão, e não Eva, a origem de toda a

humanidade (53).

Ao salientar que era necessário o consentimento de

Adão, para levar ao pecado original, a freira de Dülmen teria em

vista essa observação de S. Tomás?

É possível. Cremos, porém, ser bem mais provável

outra hipótese. Se se admite que, para ela e para Brentano, o pecado

original foi um ato sexual - e tudo tem apontado nesse sentido -

é evidente que para isso era necessário o consentimento de Adão.

Ora, para a Cabala, que tantas coincidências de

pormenores e de concepções tem com o texto de Brentano-Emmerick, o

pecado original consistiu exatamente na união sexual.

" A f t e r t h e m a n h a d a d d r e s s e d a l l t h e s e w o r d s t o the
woman, the evil inclination awoke, prompting h i m t o s e e k t o
unite with her in carnal desire, and to entice her to
t h i n g s i n w h i c h t h e evil i n c l i n a t i o n t a k e s d e l i g h t ,
until at last " the woman saw that the tree was good
for food, and that it was a delight for the eyes and
s h e t o o k o f t h e f r u i t t h e r e of a n d a t e " - g i v i n g ready
admission to the evil

(53) Cfr. S. TOMÁS, Suma Teológica, I-IIae, Q. 81, A.5.

543
i n c l i n a t i o n - " a n d gave a l s o u n t o h e r h u s b a n d w i t h
her": it was she now who sought to awaken desire in
h i m , s o a s to w i n h i s lo v e a n d a f fe c t i o n" (54).

Veja-se nesta outra citação de Katharina Emmerick

como ela diz sem dizer, isto é, como ela insinua com arte que o pecado
original tinha algo de impuro, algo relacionado com a união
sexual:

"Eu vi c o m o a f r u t a s e p a r t i a n a m ã o d e A d ã o e c o m o
e l e v i a i m a g e n s d e n t r o d e l a . P a r e c i a que h a v i a d e n t r o
o que eles não deviam saber. O in terior da fruta era
cor de sangue com veias que o atravessavam. Vi que eles
se escureciam e se degradavam em sua forma. Era como
se também o sol se retirasse. O animal desceu da árvore,
e eu vi como ele fugia com suas quatro patas. Eu não
v i c o m e r o f r u t o c o m a b o c a , c o m o ( c o m e m o s ) ag ora , ma s
a fr uta de sap ar ec eu e ntr e e les " ( 5 5 ) .

(54) Zohar, Bereshit, 49 b.


(55) "Ich sah ,als zerbreche die Frucht in der Hand Adams und als sehe
er Bilder in derselben. Es war, als würden sie inne, was sie nicht
wissen sollten. Das Innere der Frucht war blutfarben mit
Adern durchzogen. Ich sah, dass sie sich verfinsterten und in
ihrer Gestalt sanken. Es war, als weiche auch die Sonne. Das
Tier stieg von Baume nieder, ich sah es auf allen Vieren
weglaufen. Ein Essen der Frucht mit dem Munde wie jetzt, habeich
nicht gesehen; aber die Frucht verschwand zwischen ihnen".
Cfr., A.K.E., idem, p. 22.

544
Não há dúvida que o fruto proibido era deveras

estranho. Aberto, ele mostrava a Adão figuras ou imagens do que

convinha que eles ignorassem. Ora, foi dito antes que Adão e Eva

desconheciam como seria a sua reprodução(56). Não seria exatamente

isso que agora se lhes revelava?

Eles ainda não tinham comido a fruta proibida e já

se escureciam e perdiam sua forma. A retirada do sol tornava tudo

mais escuro, menos brilhante, o que na linguagem de Katharina Emmerick

significa que tudo se tornava pior.

Já vimos que Adão e Eva não tinham estômago, e, portanto

não podiam comer mastigando e engolindo os alimentos, absorvendo

matéria; também não digeriam os alimentos, pois não possuíam

aparelho digestivo(57). Comer, para eles, era apropriar-se da idéia

simbolizada pela forma ou pelo modo de ser dos frutos ou alimentos


(58).

Adão e Eva "comeram" o fruto proibido apropriando-se

da idéia por ele simbolizada. Qual era essa idéia, Katharina Emmerick

disse:

"a idéia de uma (forma de) reprodução mais


arbitrária, e de uma implantação sensual, em si,

separada de Deus, e a reprodução em si, através

(56) Cf r . A . K . E . ide m, p. 21.


(57) Cf r. cap. V, supra.
(58) Cf r. C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis , p. 475.

545
de si, e o desejo egoísta na natureza humana" ( 5 9 ) .

Quantos circunlóquios para insinuar que o pecado

original foi um ato sexual!

Há ainda outro ponto importante no qual as visões

de Katharina Emmerick se inspiram em Boehme para a descrição do pecado

original:

"Eu vi q u e E v a j á h a v i a p e c a d o q u a n d o a s e r p e n t e e s t a v a
sobre a árvore, pois a sua vontade estava com ela. Nessa
ocasião senti algo que ago ra não posso reproduzir
perfeitamente. Era como se a serpente fosse a forma e
a figura da vontade de Eva, como um ser por meio do qual
eles pudessem fazer e alcançar qualquer coisa. Ai
d e n tro entrou Satã" (60).

Nesse texto, a vidente nega o sentido literal e,

portanto, o valor histórico da narração bíblica. De suas afirmações

se depreende que, mais do que um animal realmente existente a

serpente era uma representação exterior, imaginária e mágica da

vontade de Eva, e nessa representação exterior da

(60) "Ich sah, dass Eva schon sündigte, indem die Schlange auf dem
Baume sass, denn ihr Wille war bei ihr. Ich erfuhr dabei, was ich nicht
vollkommen wiederzugeben vermag. Es war, als sei die Schlange die
Gestalt und Figur ihres Willens, wie eines Wesens, womit sie alles
machen und erreichen konnten. Hier hinein fuhr der Sa tan".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 22.

546
vontade maligna de Eva teria entrado Satã. De certo modo Satã
teria se introduzido na própria vontade de Eva, que de alguma forma,
na ocasião do pecado, estaria possessa.

Elucubrações parecidas com essa se encontram em Jacob

Boehme. Diz o sapateiro de Görlitz sobre o pecado de Eva:

"En ce point, le désir du Diable a complètement p o s s é d é l a


v o l o n t é d ' È v e e t l ' a i n t r o d u i t e en une su bst anc e
ophi die nne " ( 6 1 ) .

E prossegue:

"Alors Ève devint, selon la qualité du serpent,


monstrueuse dans sa qualité propre et le démon édifia
son château et sa forteresse dans la qua lité humaine;
et c'est ici que se place le tré pas de la qualité
céleste, en tant qu'être di vin. Ici le Saint Esprit
d e D i e u a b a n d o n n a la q u a l i t é d i v i n e d ' È v e . C ' e s t a i n s i ,
q u ' e n ce p o i n t s ' e s t e f f a c é e l a p a r t i e c é l e s t e e n
l ' h o m m e , c ' e s t - à - d i r e l a m a t i è r e s a c r é e q u i était dans
la chair.

Lorsque Ève e u t i n t r o d u i t s a v o l o n t é d a n s la malice du


serpent après avoir abandonné l'obéissance à D i e u , l a f or ce
d e l a d o u ce u r e t d e h u mi l i té divine s'effaça

( 6 1 ) J . B O E H M E , M y s te r iu m M a g n u m , X X , 2 6 .

547
dans la matière primitive céleste"(62).

É interessante notar que a vidente afirma que não


pode reproduzir perfeitamente o que entendeu a respeito da
identificação da vontade de Eva com a serpente. Algo disso ela não
tem a possibilidade de revelar. Talvez, em outras circunstâncias
pudesse dizê-lo. Fica, pois, insinuado que o seu texto não contém
todo o seu pensamento, devendo algo permanecer
subjacente ou oculto.

Katharina Emmerick prossegue em sua narração do

pecado original dizendo algo que contraria frontalmente a Bíblia:

" P e l o c o m e r d o f r u t o p r o i b i d o o p e c a d o n ã o e s t a va
consumado" (63).

Essa afirmação coincide, porém, com várias lendas

gnósticas que identificam o fruto proibido com a própria Eva, e o

pecado original com o ato sexual. É o que faz, por exemplo, a Cabala

que Brentano conhecia: 'Of the fruit of the tree (Gen. III, 3) signify

the woman" (64).

(62) J. BOEHME, Mysterium magnum, XX, 26-27.


(63) "Durch das Geniessen der verbotenen Frucht tear die Sünde nicht
vollendet". A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp.
22-23.
(64) Zohar, Bereshit, 35 b.

Em outro trecho das visões a mesma idéia é

confirmada:

548
"O comer do fruto, que tinha em si o mencionado
significado, teve como conseqüência a inversão, a
degradação da natureza, o pecado e a morte"(65).

Não estamos sós na interpretação que damos das

palavras de Katharina Emmerick e de Brentano sobre o pecado

original. Com efeito, eis o que diz Joseph Adams quanto a essa

questão:

"Brentano vê o desejo de arrebatar injuriosamente o

poder de Deus em si, em sua potência mais elevada,

na "reprodução", na "colocação e no desenvolvimento

da criança no seio materno", e, em geral, no

exercício da capacidade sexual"(66).

(65) "Der in der Niessung in sich aufgenommene Begriff der Frucht


batte als seine Folge die Umkehrung, die Erniedri gung der Natur
und die Sünde und den Tod".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 23.
(66) "Nun sieht aber Brentano das frevelhafte "Reissen Wollen der
Gottesmacht in sich" in seiner höchsten Potenz in der
"Fortpflanzung", in "Setzen und Wachsen der Kinder in d e n
Mutterleib" und überhaupt in der Betätitung der
geschlechtlichen Anlage. Der ganze Südenfall spielt sich daher
wesentlich in der Sphäre des Geschlechtlichen ab".
J. ADAMS, op. cit., p. 212.

549
É exatamente nesse sentido que o texto das visões

procura inclinar o espírito do leitor com a seguinte descrição de

Eva:

"Quando, certa vez, me foi mostrada em visão a reparação


da culpa, eu vi Eva saindo do flanco de Adão e já
estendendo o pescoço em direção ao fruto proibido e
a p r e s s a n d o - s e a c o r r e r e m d i r e ção à árvore e abraçá-la" (67).

A "gula" de Eva pelo fruto proibido, assim como o seu


desejo de abraçar a árvore são claras imagens de caráter sexual.
É esta idéia de que o pecado original foi um ato sexual que leva
a vidente a dizer que:

"nos corpos gloriosos não há nenhum sexo... Nos h omens


retos, inocentes, piedosos... não se no ta nada de sexo;
e s t e a p a r e c e a p e n a s n o s h o m e n s p eca dore s e im pur os e se
torn ou um hor ro r" ( 6 8 ) .

(67) "Als mir einmal die Heilung des Falles in Bildern gezeigt wurde,
da sah ich Eva, aus Adam Seite hervorsteigend schon den Hals
nach der verbotenen Frucht hin verlängern und schnell nach dem
Baume hineilen und ihn umfassen".

A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 24.


(68) "An den seeligen Leibern sey kein Geschlecht... In recht frommen
unschuldigen Menschen spüre man nichts vom Geschlecht, es
erscheine nur in sündigen und unreinen und werde zum Greul".
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 212 nota 7.

550
Adams conclui que

"a grande revolta do homem contra Deus e seu


" e x perimentum suae medietatis" não se constituiu para
Bren tan o n o p ec ad o de so ber ba - co mo d iz a g ran d e
t r a d i ç ã o c r i s t ã - e s i m n o c o n h e c i m e n t o da sexualidade"
(69).

Toda a tradição cristã sempre ensinou que o pecado

original foi de soberba. E a grande "tradição esotérica" que afirma

que o pecado de nossos primeiros pais foi de natureza sexual. O que

dizem Katharina Emmerick e Brentano vai contra a doutrina

tradicional católica. Já Santo Agostinho, explicando o salmo LXVIII,

5 -"Devolverei o que não roubei?" - ensina que "Adão e Eva quiseram

roubar a divindade e perderam sua própria felicidade". I s t o é , que

o pecado de Adão e Eva foi de soberba e de desobediência (70).

Também S. Tomás ensina a mesma coisa ao dizer que Adão,

no estado de inocência original, não podia ter rebelião da carne

contra o espírito, e que, portanto, o primeiro

(69) "Der grosse Abfall des Menschen von Gott und sein "experimentum suae
medietatis" besteht also für Brentano nich, wie für der grosse
christlich Tradition, in der Sünde der Superbia, sondern in
der Erfahrung der Geschlechtlichkeit". J. ADAMS, op. cit., p. 213.
(70) "Adam et Eva rapere voluerunt divinitatem et perdierunt
felicitatem". S. AGOSTINHO, Enarratio in Psalmis, Ps. LXVIII,
5, Sermo I, in Migne P. L. XXXVI, 848.

551
pecado consistiu num apetite desordenado de bens espirituais, o que

é precisamente o objeto da soberba. Assim, o primeiro pecado do homem

foi de soberba (71).

Adams afirma ainda que para Brentano e sua vidente a

origem de todo mal estava na sexualidade. Observa ele que o tema

da sexualidade está no centro dos ensinamentos até mesmo de Jesus,

tais como eles são expostos nas visões da freira de Dülmen (72). Para

fundamentar essa afirmação, Adams cita as seguintes expressões de

Katharina Emmerick anotadas por Brentano em seu diário: "Dai todo

amor terreno ter também algo de tão repugnante, afinal um degradante

animalismo", a "reprodução" é um "segredo triste e degradante"(73).

Brentano repete que "ela freqüentemente esclarece ter sentido e

visto que o pecado original foi o começo da reprodução pecaminosa"


(74).

Veja-se ainda esta outra citação de nítido sabor

cátaro:

"Eu acreditava que sem o pecado de Eva os homens

(71) Cfr. S. TOMÁS, Suma Teológica, II-II ae , Q. 163, A.1, coedição,


Livraria Sulina Editora, Porto Alegre, 1980. Trad ução de
ALEXANDRE CORRÊA.
(72) Cfr. J. ADAMS, op. cit., p. 214.
(73) "Daher hat die ganze irdische Liebe auch etwas so eckelhaftes, am
Ende erniedrigendes, Thierisches", die "Fortpflanzung" ist ein
"trauriges und erniedrigendes Geheimniss". C.B., Tgb, apud J.
ADAMS, op. cit., p. 214.
(74) "Da sie oft erklärt, sie habe empfunden und gesehen, dass der
Sündenfall die Entstehung der sündigen Fortpflanzung sei".
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 215.

552
talvez nascessem inocentemente como as plantas, o u p e l o
m e n o s n ã o t ã o a b o m i n a v e l m e n t e unidos ao pecado como agora"
(75).

Tendo esta idéia do pecado original e da sexualidade,

é natural que Katharina Emmerick manifestasse também um horror

cátaro pela mulher.

"Também os ataques tão estranhos e mordazes (de K a t h a r i n a


E m m e r i c k ) c o n t r a a s m u l h e r e s vão n e s t a d i r e ç ã o . D e v i d o
a seus "sonhos e dores tão i m p u r o s e p e n o s o s p o r
suas circunstâncias" ela "sempre teve um horror
interior, pelas mulhere s e m g era l , en qua nto se xo " ( 7 6 ) .

É, pois indubitável que para a vidente assim como para

seu secretário, o pecado original consistiu num ato sexual e que,

por isso, ambos tinham uma opinião totalmente negativa da

sexualidade e da mulher. Ora, tudo isto manifesta uma mentalidade

e um pensamento gnósticos muito afins ao catarismo.

(75) "Ich glaubte ohne Evas Sünde würden die Menschen viellei cht
unschüldig wie die Pflanzen entstanden seyen, wenig sten
nicht so abscheulich mit Sünde verbunden wie jetzt".
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 214.
(76) "Auch die s o befr emdend sc harfen Ausfälle gegen d ie Frauen
kommen aus dieser Richtung. Vor ihren "so unrei nen peinlichen
Träumen und Schmerzen bei ihren Umstünden" habe sie "immer einen
innern Abscheu" gehabt, "wie überhaupt vor Weibern,als
Geschlecht".
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 214.

553
Para os cátaros, a união carnal era condenável porque
gerava matéria e repetia o ato satânico do casal original.

" E n o u t r e l ' a c t e d e c h a i r e x p r i m a i t symboliquem ent l e


pass é, l 'or igi ne m alhe ure use de l 'ho mme, e t i l r é p e t a i t
effectivement l'opération sataniq ue primordiale: on
sait que pour les cathares l ' e n t r é e d e l ' â m e d a n s l a
prison du corps avait eu lieu, pour la première fois,
à la faveur d'un commerce sexuel, soit que, selon les
uns, L u c i f e r a i t c o m m i s l ' a d u l t è r e a v e c È v e , soit q u e ,
selon les autres, il ait forcé le premier h om me
(ang éli que ) à co n naît re la p re miè r e fe mme . L ' h o r r e u r
des cathares pour cette opération "ma t é r i a l i sa n te"
e x p li q ue m ê m e , peu t - êt r e, l a ré pulsion qu'ils avaient
pour les animaux nés par voie de génération satanique,
d o n t i l s s e r e f u saient de se nourrir" (77).

Arno Borst mostra que bogomilas e cátaros condenavam

toda relação sexual, mesmo no matrimônio, como sendo satânica (78).

Como Katharina Emmerick, sendo mulher, se posicionava

pessoalmente com relação ao matrimônio? Como vimos em

(77) R E N É N E L L Y , L e p h é n o m è n e c a t h a r e , E d . P r i v a t , T o u l o u s e , 1 9 6 4 , p.
107.
(78) ARNO BORST, Les Cathares, Payot, Paris, 1978, pp. 155.

554
capítulo anterior (79), a vidente tinha "horror ao matrimônio". Cabe

citar aqui mais um texto da freira para confirmar sua tendência

gnóstica bem marcada.

"Eu estava especialmente descontente com a reprod u ç ã o h u m a n a


de cujo triste e degradante segre do eu fora instruída
pela graça de Deus de modo sobrenatural, sadio e cheio
de mistério, e não pelos homens, não através da
c u r i o s i d a d e , não a t r a v é s d e u m a m e d i t a ç ã o i l í c i t a , m a s
s i m por m e i o d a i n s t r u ç ã o d e D e u s , e m b o r a e u n ã o s a i b a
c o m o i s s o s e d e u . E u c o n h e ç o e s t e a s s u n t o há m u i t o
t e m p o , d e s d e q u a n d o n ã o t i n h a nenhuma i d é i a d a
r e p r o d u ç ã o d o s a n i m a i s , e v i v i a e n t r e e les , n a
prox imi dad e d o es tábu lo.

Eu sempre implorava a Deus que Ele se dignasse


livrar-me dessa vergonha, e, quando algumas vezes eu
receava angustiadamente que pudesse fa zer isso
( c a s a r - m e ) , c o m o o u t r a s d e m e u sexo, c o n s o l a v a - m e c o m
a experiência de que eu ainda não podia entender nada
d a i n c l i n a ç ã o d a s out r a s m o ç a s p a r a o c a s a m e n t o e p a r a
os homens, e de que eu nunca tivera uma sensação que
p u d e s s e s e r e l a c i o n a r c o m i s s o . T a n t o m a i s q u e e u era

(79) Cfr. supra, cap. III.

555
instruída de modo espiritual sobre o significa do
interior e as conseqüências do casamento; meu
conhecimento sobre isso era ainda tão imacula do que
eu, já crescida, tive que ser consolada por minha mãe,
devido ao medo inocente de que eu pudesse ter uma
criança.

Quando eu via como as pessoas se casavam sem viva


devoção e sem temor de Deus, quando via como se dirigiam
para essa união com um desejo e com uma concupiscência
incompreensíveis para mim, e como entravam para esse
e s t a d o s e m preparação e s p i r i t u a l , c o m g u l a , e m b r i a g u ê s
e dança, como eu sabia que essa era uma missão de pesada
responsabilidade no sentido natural e moral, ficava
t r i s t e e t i n h a q u e f i c a r t r i s t e e m t o d o s o s casamentos.

D e s d e e n t ã o e u m e z a n g a v a s e m p r e c o m D e u s e m e queixava
em minha incompreensão infantil que Ele d e i x a s s e a i n d a
casar-se tal gente dissoluta que no casamento caía tão
diretamente no pecado, v i n do a t er fi lho s tã o
mise ráv eis qu an to ele s" ( 8 0 ) .

(80) Besonders unzufrieden aber war ich mit der Fortpflanzung der
Menschen, von deren traurigem und erniedrigendem Geheimnis ich
durch Gottes Gnade auf eine ubernatürliche, geheimnisvolle und
unverletzende Weise unterrichtet wurde, nicht von Menschen,
nicht durch Neugier, nicht durch unerlaubte Grübelei, sondern
durch die Belehrung Gottes, und zwar so, dab ich es nicht mehr
weiss wie. Diese Sache kannte ich längst, als ich noch gar
keinen Begriff von der Fortpflanzung der Tiere hatte, und ich
lebte doch unter den Tieren, ja in ihrer Nahe im Stall.
Ich flehte auch immer zu Gott, er möge mich doch von die ser
Schmach befrein, und wenn ich manchmall ängstlich füchtete, ich möge dazu
bestimmt sein wie andere meines Geschlechts, tröstete mich die
Erfahrung dass ich doch die Neigung zur Ehe und zu Männern in
anderen Mägden gar nicht verstehen konnte und nie eine
Empfindung hatte, welche sich auf dergleichen beziehen konnte.

556
O texto acima demonstra que Katharina Emmerick possuía

uma mentalidade que a inclinava a aceitar uma concepção

gnóstico-cátara do matrimônio. Explica-se assim que ela tenha


concebido o pecado original como um ato sexual, fonte de todo o mal.
Evidentemente as biografias "piedosas" de Katharina

Emmerick deviam ocultar quer essas tendências cátaras, quer as

descrições do pecado original que provavam as idéias heréticas da

vidente. Comparem-se, por exemplo, este texto das visões, conforme

o Pe. Schmoeger, com o texto original:

(80) (Cont.)So sehr ich auch von der inneren Bedeutung und
den Folgen der Ehe auf eine geistliche Weise unterrichtet war,
war mein Wissen doch so unbefleckt davon, dass ich, schon
erwachsen, von meiner Mutter über die unschuldige Angst mubte
getröstet werden, ich möchte ein Kind kriegen.
Wenn ich sah, wie Menschen ohne lebendige Andacht und
Gottesfurcht sich verheirateten, wenn ich sah, wie sie mit
Begierde und einer mir unverständlichen Lüsternheit nach dieser
Vorbindung strebten und wie sie ohne geistliche
Vorbereitung mit Fresserei und Rausch und Tanz in diesen Stand
übertraten, den ich als ein Amt schwerer Verantwortung in
natürlicher und sittlicher Hinsicht kannte, wurde ich gar
traurig, und ich musste es bei alle n Ehen werden.
Da zankte ich immer mit Gott und sagte in meinem kindlichen
Unverstand, wie er doch solche wüste Leute könne heiraten
lassen, die so recht in Sünden kommen wollten in der Ehe, und
was das wieder für elende Kinder werden würden!"

C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Anna Katharina Emmerick Visionen


und Leben, Erich Wewel Verlag, München, 1974, pp. 51-52.

557
"Pelo comer da fruta proibida, Adio e Eva ficaram como
q u e e m b r i a g a d o s e , c o m o c o n s e n t i m e n to no pecado, deu-se
neles uma grande mudança. A s e r p e n t e e s t a v a e n t ã o p e r t o
d e l e s , e e l e s e s t a v a m c o mo q u e pe ne t r a d os p o r s e u s er
e s e es t a be leceu então a cizânia entre o trigo" (81).

Veja-se agora essa mesma passagem no texto original:

"O comer do fruto proibido não era o cumprimen to do


pecado. Ao comê-lo eles se tornaram como que
embriagados e inflamados um pelo outro e caíram em
pecado. Mas eu creio saber que, quando tiveram vontade
de pecar, procedeu-se neles uma transformação, e se
t o r n a r a m h o m e n s animalescos que teriam que ter vergonha
de si mesmos. A s e r p e n t e e s t a v a j u n t o d e l e s e e l e s
estavam p e n e t r a d o s p e l o s e r d e l a . E n t ã o e l e s s e u n i r a m
e p r o ve i o ma l i gn id a d e e i m p ur e z a na r e p ro d u çã o . Veio
o jo io ent re o tr igo" (82).

(81) Durch den Genuss der Fruchte wurden Adam und Eva wie
berauscht, und in der Einwilligung in die Sünde ging eine grosse
Veränderung mit ihnen vor. Es war aber die Schlange bei ihnen, sie
waren von ihren Wesen durchdrungen, und es kam das Unkraut unter den
Weizen.
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 24.

(82) "Das Essen der verbotenen Frucht war nicht die Vollendung der
Sünde. Sie wurden aber durch die Frucht wie berauscht und
ineinander entzündet und fielen in Sünde. Ich glau b e aber
erkannt zu haben, als sei im Willen zur Sünde eine Veränderung
mit ihnen vorgegangen und sie seien in der Sünde tierische
Menschen geworden, die sich zu schämen haben. Es war aber die
Schlange bei ihnen, und sie waren von dem Wesen der Schlange
durchdrungen, da sie sich verbanden, und es kam Bösartiges und
Unreines in die Fortpflanzung. Es kam Unkraut unter den
Weizenk".

C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 479.

558
Como se vê, os cortes feito pelo Pe. Schmoeger foram

bem significativos. Ele manteve a informação da embriaguês de Adão

e Eva, mas eliminou a idéia de que eles estavam "inflamados um pelo

outro", isto é, que ardiam de amor e que este ardor os levou a pecar.

É também sintomática a eliminação da frase informando que o pecado

transformou Adão e Eva de seres espirituais em seres animalescos.

Finalmente o Pe. Schmoeger censurou a frase decisiva de toda essa

questão: a de que Adão e Eva "se uniram" e que desta união é que

proveio "a malignidade e a impureza na reprodução".

Tudo o que até agora fora insinuado, velado, expresso

por circunlóquios fica patente neste último texto. Nele Katharina

Emmerick explicitou claramente o seu verdadeiro pensamento

gnóstico-cátaro. Fica comprovada nossa afirmação de que para as

visões de Katharina Emmerick o pecado original foi um ato sexual.

Convém notar que o Pe. Schmoeger não censurou o texto

no ponto em que se faz referência à embriaguês de Adão e Eva. O Gênesis

não faz qualquer menção a isso. Onde Brentano se inspirou, ou onde

a vidente abeberou essa revelação?

É no Zohar que se lê o seguinte:

" A c c o r d i n g to a tradition, E v e p r e s s e d grapes and g a v e t o


Adam, and this way brought death i n t o t h e w o r l d .
F o r d e a t h i s a t t a c h e d to the tree" (83).

Para o Zohar, Adão, como Noé, tomou suco dê uvas antes

de pecar. Ora, a imagem empregada pelo Zohar é de claro fundo sexual

559
conforme salienta A. E. Waite.

" R e c c u r i n g t o t h e s u b s t i t u t i o n o f a mystical w i n e f o r
t h e a p p l e t r e e , a n o t h e r tradition c e r t i f i e s t h a t E v e
pressed grapes and gave the juice to her husband. The
o p e n i n g o f their e y e s w a s t o b e h o l d a l l t h e i l l s o f t h e
world. I s u p p o s e t h a t I n e e d n o t s p e c i f y i n w h a t s e n s e
t h e s e g r a p e s a r e t o b e u n d e r s t o o d a s a sexs y m b o l , a n d
i t f o l l o w s t h a t s h e s h e w e d Adam h o w t h e y m i g h t b e
e n j o i e d . O b v i o u s l y , a c c o r d i n g t o t h i s v er s i on -
T r a d i tu m e st g e ni ta l e s p ar t e s a d a e ex i s t e re , - i n s om e
s e n s e , a s t h at pe ri o d , t h o u g h t n e i t h e r h e n o r h i s w i f e
h a d a s yet b e e n c l o t h e d w i t h s k i n s , w h i c h a r e understood
some tim es as ma te rial bo die s" (84).

(83) Zohar, Bereehit, 36 a.

(84) A.E. WAIT1, The holy Kabbalah, Secaucus, New Jersey, 1975, p. 281.

560
Evidentemente, consideramos que e moralmente certo
que Brentano é o responsável por esse pormenor de caráter cabalista
do qual ele deve ter tido informação em alguma obra cabalista cristã
ou esotérica, mas não diretamente no Zohar.

A relação do pecado original com o ato sexual e com

a embriaguês conduz naturalmente a estabelecer um nexo simbólico

entre a circuncisão e a podagem da videira. É o que faz o texto de

Katharina Emmerick.

"Estabeleceu-se a circuncisão como castigo e reparação.


Como o primeiro galho da videira é podado afim de que
o vinho não seja agreste, aze do, e nem a planta estéril,
a s s i m t e v e - s e que a g i r d e m o d o s e m e l h a n t e c o m o h o m e m ,
p a r a que e l e d e n o v o s e t o r n a s s e e n o b r e c i d o " (85).

(85) "Es wurde die Beschneidung als Strafe und Sühne eingesetzt. Wie aus
dem Weinstock der erste Zweig geschnitten wird, auf dass
der Wein nicht wild, sauer und unfruchtbar werde, so musste es
ähnlich am Menschen geschehen, als er wieder veredelt werden
sollte".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 24.

561
5 - CONSEQUÊNCIAS DO PECADO ORIGINAL

A. O problema do homem como imagem de Deus

Segundo a vidente de Dülmen, antes do pecado, Adão era


uma imagem de Deus, enquanto o Paraíso era imagem do Reino de Deus;

" O p r i m e i r o h o m e m e r a u m a i m a g e m d e D e u s . Ele e r a c o m o
o c é u , t u d o e s t a v a c o m e l e e n e l e . S u a forma era como uma
cópia da forma divina. (...) O j a r d i m e t u d o o q u e s e
r e l a c i o n a v a c o m ele e r a u m a i m a g e m c o m p l e t a d e u m R e i n o
d e D e u s f i gurado" (86).

Isto significa que, depois do pecado, Adão deixou


de ser imagem de Deus. É o que a vidente diz expressamente em outro
trecho de suas revelações:

" D e p o is d o p e ca d o, e l e s s e t o r na r am d i f er e n te s .

Todas as formas das criaturas que foram

(86) "Der erste Mensch war ein Ebenbild Gottes. Er war der Himmel,
alles war mit ihm und ihm. Seine Form war ein Abdruck göttlicher Form
(...). Der Garten und alles, was ihn umgab, waren eine vollständige
Bildlichkeit eines ebenbildlichen Gottesreiches, (...)".
C.B. Tqb.,apud A. BRIEGER, Anna Katharina Emmerick Visionen
und Leben, p. 46.

562
criad a s e produzidas nele, a unidade de tudo
estava desunida. De um que eram, tornaram -se
muitos, e e l e s n ã o t o m a r a m m a i s ( s u b s t â n c i a ) de
Deus apenas, mas sim apenas de si m e s m o s . Na
v e r d a d e , a g o r a e l e s e r a m d o i s , e s e tornaram t r ê s ,
e finalmente uma multidão. Assim como el es
quiseram to rnar -se c omo Deus, como a un ida d e
tudo, eles se tornaram uma multidão, u ma
separação de Deus. Eles se reproduziram em
infindável separação. Imagem de Deus eles eram
e se torna ram apenas ima gem de si mesmos qu e
geravam imagens de seu pecado" ( 8 7 ) .

O conceito de imagem de Deus expresso por Katharina


Emmerick e Brentano é completamente diferente do tomista. Para S.
Tomás, há no homem uma imagem de Deus porque ele possui uma alma
racional capaz de entender e de querer. Como Deus, o homem tem
inteligência e vontade. É a alma racional que faz o homem imagem
de Deus, e não o corpo. Diz, S. Tomás:

(87) "Nach dem Fall waren sie anders. Alle Formendes Schaffens waren
erschaffen und zerstreuend in ihnen, alles Einige war uneins.
Aus Eins ward viel, und sie nahmen nicht mehr aus Gott allein,
sondern nur aus sich. Nun waren sie erst recht Zwei und wurden
Drei und endlich eine Unzahl. Als sie wie Gott werden wollten,
wie alles in Einen, wurden sie eine Unzahl, eine Trennung von
Gott, in unendlicher Trennung sich wiederholend. Ebenbilder
Gottes waren sie, und wurden nun Eigenbilder, welche Ebenbilder
ihrer Sünde hervorbrachten".

C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Anna Katharina Emmerick


Visionen und Leben, pp. 46-47.

563
"Qualquer semelhança, mesmo que seja a expressão
de outra coisa, não basta para realizar a
e s sência da imagem. Pois, se a semelhança for só
g e n é r i c a o u p o r a l g u m a c i d e n t e c o m u m , nem por isso
se dirá que uma coisa é à imagem de outra. A s s i m ,
não se pode dizer que um verme, nascido do homem,
seja a imagem deste, por semelhança g e n é r i c a .
N e m a i n d a s e p o d e d i z e r q u e s e uma c o i s a s e t o r n a
branca, à semelhança de outra, seja por isso à
semelhança desta; porque bran co é um acidente
c o m u m a v á r i a s e s p é c i e s . Por o n d e , a e s s ê n c i a d a
i m a g e m r e q u e r a s e m e l h a n ç a e s pe c i f i c a , c o m o p or
e x e m p l o , a i m a g e m d o r e i , n o fi lho ; ou , p el o m e nos
a s em el h an ça po r a l gu m acidente próprio da esp éci e
e, princ ipalm ent e, pela figur a e, assim, se di z qu e
a imagem do ho m e m e s t á n o c o b r e . P o r i s s o , H i l á r i o
d i z , a s s i naladamente que a imagem é uma espécie não
difer e n t e .

Ora, é manifesto que a semelhança específica e


relativa à última diferença. Certas criaturas
por é m s e a s s e m e l h a m a D e u s , p r i m e i r o e sobretudo
comument e, enqu a nto são; se gundo , enquant o viv e m ;
terceiro, enquanto sabem ou inteligem; e estas,
como diz S. Agostinho, são próximas de Deus, pela
semelhança, de modo que não há cria turas que o
s e j a m m a i s . A s s i m , p o i s , é claro que só as criaturas
inteligentes,

564
(88)
propriamente falando, são à imagem de Deus" .

A respeito dessa questão note-se ainda que no homem

se encontra alguma semelhança com o criador, como do exemplar ao

exemplado. Porém, sem igualdade, porque o exemplar é infinito e o

exemplado é finito.

Por isso a imagem de Deus no homem não é perfeita,

dizendo a Escritura que o homem foi feito à imagem de Deus (89).

Explica ainda o Aquinate que a imagem perfeita de Deus

só se dá no Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade, Verbo de

Deus, idéia absolutamente perfeita que Deus faz de Si mesmo:

"O Primogênito de toda criatura é a imagem de Deus


reproduzindo perfeitamente o ser de que é a imagem.
Por isso se chama Imagem e nunca, à imagem. Porém, do
homem, diz-se que é imagem por semelhança, e, à
imagem, pela imperfeição da semelhança. E como a
semelhança perfeita de Deus não pode existir senão
na identidade de natureza, a imagem de Deus está no
seu Filho

(88) S. TOMÁS. Suma Teológica, I, Q. XCIII, a.2.

(89) Cfr. S. TOMÁS, Suma Teo1ógica, I, Q. XCIII, a.I.

565
primogênito, assim como a imagem do reino fi lho
q u e l h e é c o n a t u r a l . N o h o m e m , p o r é m , c o m o num a
natureza estra nh a, do mes mo mod o que a im ag e m d o
rei, numa moeda de prata, como está c l a ro em
Agostinho" (90).

Ora, se a imagem de Deus no homem se dá pelo fato que


ele possui uma alma racional, então o homem continuou a possuir essa
imagem em si mesmo depois da queda, porque ele não deixou de ser
racional ao pecar. Portanto, Katharina Emmerick tem uma doutrina
diferente da católica para explicar que Adão, com o pecado, deixou
de ser imagem de Deus.

Por coincidência, também no Zohar se diz que, ao

pecar, Adão perdeu os traços celestiais que deviam marcar seu rosto,

passando a ter medo dos animais, quando antes se dava o oposto.

"For at first: "in the image of God created him" (Gen.


I, 27), also "in the likeness of God made h i m " ( i b i d .
V . 1 ) ; b u t w h e n t h e y s i n n e d , their f a c i a l i m p r e s s
was changed from the supernal prototyp e, and
through this tra nsformat ion they became afraid of
the beasts of the field. Whereas f o r m e r l y a l l t h e
c r e a t u r e s o f t h e w o r l d , when looking up towards man,
encountered the

(90) S. TOMÁS, Suma Teológica, I, Q. XCIII, a.1, ad 2 u m.

566
supernal s a c r e d i m p r e s s a n d t h u s w e r e f i l l e d w i t h f e a r
a n d t r e m b l i n g , n o w a f t e r t h e y s i n n e d their a p p e a r a n c e s
w e r e t r a n s f o r m e d , a n d i t w a s man w h o f e a r e d a n d d r e a d e d
t h e r e s t o f t h e animal of the world" (91).

A mesma idéia é repetida por Jacob Boehme:

"Celà nous représente qu'Adam est mort au Paradis, a i n s i q u e


Dieu le lui dit: 'Si tu manges de l'arbre, tu mourras".
I l m o u r u t e n t a n t q u ' i m a g e saint et se réveilla en tant
qu'image bestiale" (92).

Noutra passagem de suas revelações, Katharina

Emmerick contraria em cheio a doutrina católica que ela dizia

professar, ao afirmar: "Nuestro cuerpo es una imagen de Creador y

Satanás guiso destruir esa imagen" (93).

Mas, se é o corpo que torna o homem imagem de Deus,

segue-se que Deus também deve ter corpo, senão material pelo menos

"espiritual", como diziam cabalistas e esotéricos.

(91) Zohar, Noah, 72 a.


(92) J. BOEHME, Mysterium magnum, XIX, 24.
(93) A.K.E., Visiones y revelaciones completas, Ed. Guadalupe, Buenos
Aires, 1953, vol. III, p. 303.

567
Já S. Agobardo, bispo de Lion, em uma epístola sobre

os judeus, acusava-os de terem uma concepção grosseiramente

antropomórfica da divindade, atribuindo a Deus uma forma realmente

corporal, com olhos, ouvidos, língua, etc. A única diferença entre

o corpo de Deus e o corpo humano seria que Deus teria dedos

inflexíveis, porque Ele nada fez com suas mãos(94) .

De fato, a doutrina do corpo do Criador aparece

no livro Schiur Komá, (A medida do corpo). Nele se descreve o

corpo de Deus como um imenso corpo humano. No "Alfabeto de rabi

Akiva", o corpo da Schekinah é identificado com o corpo divino

descrito no Schiur Komá (95).

"Tanto em suas partes quanto em sua estrutura, a


forma humana é inteiramente modelada segundo a
forma do h omem divin o. M as, já que os memb ros
h u m a n o s s ã o f o r m a d o s d e a c o r d o c o m o s propósit o s
da criação (isto é, obedecendo à ordem cósmica),
deveriam ser uma réplica e um trono para o s m e m b r o s
c e l e s t i a i s , e n e s t e s e l e d e v e r i a a u mentar a força
e a emanação do primordial (...)" (96).

(94) S. AGOBARDO, Epistola... De judaicis superstitionibus, in


Migne, P.L. vol. CIV, col.77 a 100.
(95) Cfr. G.G. SCHOLEM, A mística judaica, As grandes correntes da
mística judaica, Perspectiva, S. Paulo, 1972, pp. 64 a 68.
(96) G.G. SCHOLEM, A Cabala e seu simbolismo, Perspectiva, S. Paulo,
1978, p.152, nota 7, citando palavras de Menahem Recanati.

568
O Talmud e a Cabala relacionam os órgãos do corpo
humano com os órgãos do demiurgo criador, através dos 613
mandamentos da Torah.

"Os antigos gnósticos judeus do segundo ou


t e r ce ir o sé c ul o h a vi a m f a la do , pa r a ho r r o r d o s
f i lósofos m e d i e va i s , d e u m " c o r p o da divindade"
(Schiur Komá), cujas partes, chegavam eles a pret e n d e r ,
eram até capazes de medir. Os cabalist as
adotaram est a co ncepção e id enti ficaram- na c o m
o A d ão K ad mo n . Os l i vr os c ab a lí st i co s de r i t u al
repetidamente acentuaram a conexão entre os
(97).
mandamentos e este corpo da divindade"

Em suma, com relação ao problema da imagem de Deus

no homem, Katharina Emmerick afirma:

1. Que o homem possuía, inicialmente, em si, uma

imagem de Deus;

2. Que esta imagem não estaria na alma racional, mas

no corpo espiritual e luminoso, mais do que

material, do homem;

3. Que, ao pecar, o homem perdera essa imagem;

4. Que o corpo atual do homem é desprezível por

(97) G.G. SHCOLEM, A Cabala e seu simbolismo, pp. 155-156.

569
se ter animalizado.

Vimos que estas idéias não correspondem aos


ensinamentos da religião oficial de Katharina Emmerick. Vimos ainda
que é na Cabala, em Boehme e em seus discípulos, como por exemplo,
em Oetinger, que se acham conceitos muito parecidos com os expostos

pela vidente (98).

B. Transformações no corpo humano após o pecado original

No capítulo V desta tese, vimos que Adão era luminoso


e andrógino, e que, mesmo após a primeira queda, com a criação de
Eva, eles não tinham aparelho digestivo (estômago, intestino), nem
aparelho reprodutor (sexo, útero, mamilos, menstruação, sangue).

A respeito das transformações sofridas por Adão e Eva

em seus corpos após o pecado, diz a vidente:

"Eu vi que eles imergiram em sua própria forma e s e


e s c u r e c e r a m . F o r m o u - s e u m e s c u r e c i m e n t o n e les.
Eles se tornaram homem e mulher animaliza dos, o que
eles não eram antes" (99).

(98) Para Oetinger, por exemplo, “... a imagem de Deus (no ho mem)
é um corpo espiritual, uma corporeidade celeste”. Cfr. Cap.
V supra.
(99) "Ich sah, dass sie senken in ihrer Gestalt und sich verfinsterten.
Es entstand eine Verfinsterung in ihnen. Sie waren tierisch.
Mann und Weib, was sie vorher nicht wa ren".
C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 26.

570
Ela diz ainda:

" A n t e s d o p e c a d o , A d ã o e E v a e r a m constituídos d e m o d o
t o t a l m e n t e d i f e r e n t e d e c o m o n ó s , hom e n s m i s e r á v e i s ,
s o m o s a g o r a . C o m o c o m e r da f r u t a p r o i b i d a , e l e s
adquiriram forma e se tornaram uma coisa concreta, e
o q u e e r a espirit u a l s e t o r n o u c a r n e , c o i s a , i n s t r u m e n t o
e r e c i p i e n t e . A t é e n t ã o e l e s e r a m u m e m D e u s , eles s e
queriam em Deus; agora, eles estavam separa dos por sua
vontade própria, e esta vontade própria é prazer
p r ó p r i o , p r a z e r d e p e c a d o e i m p u reza.

Comendo o fruto proibido, o homem voltou-se contra o


seu Criador e foi como se o homem tomasse em si mesmo
a criação. Todas as forças, efeitos e p r o p ri e da d es
e s u a s r e l a ç õ e s u m a s c o m a s o u t ra s e c o m t o d a a
n a t u r e z a t o r n a r a m - s e n o h o m e m coi s as c orp ora is de
dive rso s a spe cto s e fun çõ es. A n t e s , p o r D e u s , o h o m e m
era senhor de toda a natureza. Agora, tudo o que havia
nele tornara-se natureza, e ele se tornou como um
senhor dominado e escravizado pelo seu servo, tendo
q u e l u t a r a g o r a e g u e rr e a r c o nt r a e l e . E u nã o po s s o
expressá-lo corretamente. É como se o homem ti vesse
antes o centro e o fundamento de todas as coisas em
Deus, e agora tivesse introduzido es te centro em si

571
m e s m o , e e n t ã o t o d a s a s c o i s a s c om o q u e s e t orn ar am
senh ora s d ele .

Vi o interior do homem e todos os seus órgãos com o c a í d o s e m


c a r n e , e m c o r p o e c o m o i m a g e m da c r i a t u r a , e v i s u a s
relações mútuas com os astros e até com os menores
a n i ma i s. E to d as e s tas coisas atuam sobre ele, e ele
depende de todas elas, e tem que o fazer, lutar contra
e s o f r e r s u a i n f l u ê n c i a . E u n ã o p o s s o d i z e r isto
c l a r a m e n t e , m e s m o p o r q u e e u t a m b é m s o u u m m e m bro d a
huma nid ade de ca íd a" (100).

Há, no texto citado, uma certa obscuridade, reconhecida até pela


vidente que, por duas vezes, afirma não poder se expressar ou dizer
o que pensa mais claramente...
(100) Vor der Sünde waren Adam und Eva ganz anders beschaffen, als wir
elenden Menschen es jetzt sind. Mit der verbotenen Frucht aber
nahmen sie eine Formund Sache-Werden in sich auf, und was
geistig war, ward Fleisch, Sache, Werkzeug, Gefass Sonst waren
sie Eins in Gott, sie wollten sich in Gott; jetzt sind sie
getrennt im eigenen Willen, und dieser Eigenwille ist
Eigenlust, Sündenlust, Unreinheit. Durch den Genussder
verbotenen Frucht wendete sich der Mensch von seinem Schöpfer,
und es war, als nehme er die Schöpfung in sich selber auf. Alle
Kräfte und Wirkungen und Eigenschaften und deren Verkehr
miteinander und mit der ganzen Natur wurden im Menschen zu
körperlichen Sachen von allerlei Gestalten und Verrichtungen.
Zuvor war er aus Gott dem Herrn der ganzen Natur; jetzt war in
ihm alles zur Natur geworden, er war ein von seinen Diener
unterjochter und gefesselter Herr und muss nun mit ihm ringen
und kämpfen. Ich kann es nicht aussprechen: es war, als hätte
der Mensch den Grund und den Mittelpunkt aller Dinge vorher in
Gott gehabt und nun in sich selbst hineingebracht, und das
sei nun Meister über ihn geworden.
Ich sah das Innere, alle Organe des Menschen als in das Fleisch,
ins Körperliche und Verwesliche gefallene Ebenbilder

572
Ela afirma que, comendo o fruto proibido, Adão e Eva

passaram a ser coisas, tendo um corpo carnal, material, e se

transformaram em instrumento e recipiente. Estes dois últimos

termos têm clara significação sexual. Evidentemente foi Eva que

se tornou recipiente do elemento fecundador masculino. A designação

do sexo masculino como "instrumento" fica ainda mais evidente

quando se recorda a poesia de Brentano que afirma que após o pecado

o homem deve escavar na mãe representada pela terra (101).

Ligada à idéia de que foi o pecado original que deu


corpo material ao homem, está a idéia de que foi só então que o homem
passou a ter vontade própria, separando-se de Deus, pois essa vontade
é "desejo de prazer, prazer de pecado e impureza".

Outra observação a fazer é a de que o pecado não


corporificou materialmente apenas o homem, mas também toda a
criação, que pelo menos passou a ter uma materialidade mais bruta.

(100) (Cont.) der Geschopfe und ihres Verkehres miteinander von den
Gestirnen bis zum kleinsten Tierchen. Und alles dieses wirkte in ihm,
von allem diesem hing er ab und hatte damit zu tun und zu kämpfen und
zu leiden. Ich kann es nicht klar sagen, eben weil ich auch ein Glied
der gefallenen Menschheit bin."
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp. 25-26.
(101) Cfr. Cap. II, cupra.

573
Além disso, a natureza substituiu Deus como "centro"
interior do homem tornando-o escravo dela. Desde então, e por causa
deste "centro", o homem ficou relacionado com todos os seres criados
recebendo sua influência. É essa doutrina que justifica as idéias
astrológicas que Anna Katharina Emmerick defendia já mesmo antes

da chegada de Brentano a Dülmen.

Estas concepções de Katharina Emmerick e de Brentano

não são absolutamente originais. Pelo contrário, estavam muito

difundidas nos meios esotéricos daquele tempo. Franz von Baader, por

exemplo, ensinava o mesmo que a freira de Dülmen:

" L a c h u t e d e l ' h o m m e d a n s l a n a t u r e , autrement d i t l a


matérialisation de l'homme, apparaît en même temps que
l a c o r r u p t i o n d e c e t t e n a t u r e . T e l l e est l a d o c t r i n e d e s
É c r i t u r e s e t d e s livre s pr och es d es Écri tur es. De m êm e,
dit Baa der , il y a une relation étroite entre la libération,
la restauration de l'homme, et celle de la natu re. Il
r a p p e l l e à c e p r o p o s l e m o t d e Joseph d e M a i s t r e : ' S ' i l
n'y avait point de mal moral sur la terre, il n'y aurait
p o i n t d e m a l p h y s i que'. Ce qui veut dire, pour Baader,
que le mal m o r a l d i s p a r a i s s a n t , l e m a l p h y s i q u e , l e mal
qui corrompt la nature, disparaîtrait par la m ê m e
o c c a s i o n . B a a d e r r a p p e l l e é g a l e m e n t un m o t d e S t e f f e n s
d a n s s o n a n t h r o p o l o g i e : " L ' h o m me doit être sauvé (délivré)
avec la nature; il ne p e u t l ' ê t r e s a n s

574
elle, et moins encore en luttant contre elle" (IV, 89, note) (102).

Também Ekartshausen exprime os mesmos conceitos:

"Adam n'a pas su faire un bon usage de sa liberté, c'est


pour cela qu'il est tombé d a n s le " c o r p o r e l " . Sa
volonté lui fit perdre la place

qu'il occupait au sein de la lumière; il tomba

dans la Versinnlichung ; le fruit était sinnlich:

pour le gouter, il fallait avoir des organes sen sibles,


d e s c e nd r e d a n s l a m a t é ri a l it é " (103).

E é bem natural que Eckartshausen diga o mesmo


q u e Katharina Emmerick - mesmo sem ter visões - porque ele,
como ela, admirava Boehme:

"(...) q u a n d A d a m v o u l u t c o n n a î t r e d e s j o u i s s a n c es
matérielles, l'être divin s'éteignit en lui et il fut
r e v ê t u d ' u n c o r p s a n i m a l . ( . . . ) E c k a r t s h a u s e n ( . .. )
é c r i t q u e l ' é lé m en t é t hé r i qu e s' é t a n t c o n c e n t r é ,
devint matériel; il dit aussi que le corps organique
de lumière, celui du pur principe de lumière,
s'assombrit, ce qui obligea la matière

(102) E. SUSINI, Franz von Baader et le Romantisme mystique, Vrin,


Paris, 1942, vol. III, p. 332.
(103) A. FAIVRE, Eckartshausen et la théosophie chrétienne,
Klincksieck, Paris, 1969, p. 283.

575
à se resserrer en elle même, si bien que le corps de
l u m i è r e s e m a t é r i a l i s a e t dev i n t d i v i s i b l e ( . . . ) . L e
c o r p s c é l e s t e devint u n c o r p s d e c h a i r e t d e s a n g , l a
forte énergie adamique fut remplacée par des os.
L'homme de vint esclave du temps (...). À cette
m a t é r i a l i s a t i o n d e c e q u i e n n o u s é t a i t s p i r i t u e l et
i m m o r t e l E c k a r t s h a u s e n d o n n e l e n o m d e " m a l é d i c tion"
(104).

Para Katharina Emmerick, não só o homem, mas também


toda a natureza ficou envenenada pelo pecado original, e esta
"natureza pecaminosa", esta "natureza arruinada" ficou sob a
influência dos espíritos demoníacos que habitam os planetas (105).

Sol, Lua, cometas e estrelas cadentes são, para Katharina Emmerick,


seres animados e dominados por espíritos bons e maus (106). Veja-se,
por exemplo, o que diz a vidente sobre esse aspecto:

"As chamadas estrelas cadentes me eram odiosas. Eu


sempre vi que a atmosfera onde elas caíam ficava
t o t a l me n t e c he i a de m au s e s p í ri t o s. ( . . . ) O l u a r p a r e c e
a g r a d á v e l p o r c a u s a d o s i l ê n c i o , m a s eu senti q u e e l e
e n c o b r e muitos c r i m e s e q u e a L u a e x e r c e u m a p r e s s ã o
pesada e sensível sobre as almas e sobre os

(104) A. FAIVRE, op. cit., pp. 285-286.


(105) Cfr. J. ADAMS, op. cit., p. 243.
(106) Cfr. J. ADAMS, op. cit., p. 243.

576
corpos e os suga porque a Lua caiu mais profundamente
q u e o Sol "(107).

Estas frases, que misturam astros e fenômenos naturais


com espíritos, têm evidentemente um sentido hermético. Não se pode
entender como a Lua suga os homens, nem porque a Lua caiu mais
que o Sol. Isto tem que ter um sentido esotérico. Ora, Brentano, como
tantos outros românticos sempre teve interesse pela alquimia,
ciência esotérica na qual Sol e Lua desempenham importante papel
simbólico, conforme explica o famoso Fulcanelli:

"A maior parte (dos autores) contentou -se em descrever


alegoricamente a união do enxofre e do m e r c ú r i o ,
geradores da pedra, aos quais chamam Sol e Lua, pai
e m ã e f i l o s ó f i c o s , f i x o e volát i l , a g e n t e e p a c i e n t e ,
m a c h o e f ê m e a , águia e l e ã o , Apolo e Diana (donde
alguns formam Appo lonius de Tyana), Gabricius e Beya,
Urim e Thurim, as duas colunas do templo Jakin e Bohas,
o velho e a virgem

(107) "Die sogenannten Sternschnuppen waren mir auch verhasst, ich


habe immer, wo sie fielen die Luft ganz dicht voll böser
Geister gesehen (...) Der Mondschein schien ange nehm wegen
der Stille, aber ich fühlte die vielen Verbrechen die er deckt
und dass er schwer und sinnlich auf die Seelen Körper drückt
und an ihnen saugt, denn er ist tiefer gefallen als die Sonne".
C.B. Tgb, apud J. ADAMS, op. cit., p. 245.

577
m o ç a , e n f i m , e d e m a n e i r a m a i s ex at a , o i rmã o e a i rm ã"
(108).

Para Brentano, esses símbolos do Sol e da Lua como


macho e fêmea, irmão e irmã deviam falar muito profundamente... Além
disso, na Alquimia, o enxofre não é apenas chamado de Sol. Ele é
chamado também de segundo Adão, enquanto o mercúrio seria a Lua e
também Eva (109).

Também A. E. Waite considera o Sol e a Lua como símbolos


alquímicos de Adão e Eva: ao "Sun and Moon of the macroc os m. ..
cor re spo nd th e in ter io r Sol an d L un a o f the le ss er or
microcosmic world" (110).

Tomadas ao pé da letra, as afirmações de Katharina

Emmerick a respeito dos astros são incompreensíveis:

" O s c o m e t a s e s t ã o c h e i o s d e v e n e n o . E l e s s ã o c o mo

aves migratórias; se não estivessem no meio d e tão

grandes tormentas e outras atuações dos espíritos,

eles feririam a terra facilmente. Es píritos

coléricos habitam neles. A cauda deles é seu efeito,

como a fumaça que segue o fogo.

(108) FULCANELLI, As mansões filosofais, Ed. 70, Lisboa, 1977, p. 187.


(109) FULCANELLI, idem, p. 183.
(110) A.E. WAITE, The secret Tradition in alchemy, Samuel Weiser
Inc., N. York, 1969, p. 263.

578
A Via Láctea é formada por muitos pequenos regatos como cristais.

É como se espíritos bons se banhassem neles, e como se mergulhando

e emergindo, derramassem bênçãos e orvalho como um batismo. O Sol

caminha em órbita oval. Ele é um dos espíritos santos dos corpos

benéficos e animados" (111).

Não só os astros, mas também animais e frutas podiam

estar impregnados de espíritos maléficos ou benéficos. Vimos já que,

para Katharina Emmerick, o grilo era um pecado encarnado (112).

" E l a a d m i t e q u e a n o z , e m l i n g u a g e m c o m u m , tem r e l a ç ã o
com a luta... O bom segredo da luta que havia nesta fruta
no jardim celestial está tur vado na natureza decaída
por influências más na natureza, e abrange assim a luta
d e c a d a ó d i o , m es mo a té a m ort e" (113).

(111) "Die Kometen sind voll Gift, sie sind wie Zugvögel; wenn nicht
so grosse Stürme und andere Geisterwirkungen da zwischen,
wären, würden sie leicht die Erde sehr verletzen. Es wohnen
Zorngeister darin. Der Schweif, das ist ihre Wirkung, wie
Rauch, der dem Feuer folgt. Die Mil chstrasse sind viela
kleine Wässer, wie Krystall. Es ist als baden guten Geister
darin, als tauchen sie auf und nieder, giessen allerlei Thau und
Segen, wie eine Taufe aus. Die Sonne geht eine eirunden Bahn.
Sie ist ein von heiligen Geistern belebter, wohlthätiger
K ö r per".
C.B., Tgb, apud J. ADAMS, op. cit., p. 246.
(112) Cfr. cap. IV supra.
(113) "Sie erkannte, die Nuss habe in der allgemeinen Sprache einen
Bezug auf Streit... Das im himmlischen Garten gu te Geheimniss
des Streites in dieser Frucht sey in der gefallenen Natur unter
bösen Einflüssen getrübt, und umfasse so den Kampf fedes Hasses
selbst bis zum Morde"
C.B., Tgb, II, 9, 57, apud J. ADAMS, op. cit., p. 243.

579
Todas essas idéias a respeito da degradação da

natureza causada pelo pecado de Adão e Eva mostram que havia

em Katharina Emmerick uma identificação ou - pelo menos - uma

correspondência profunda entre o bem e uma natureza

espiritualizada, assim como entre o mal e a natureza

"corporificada" ou decaída. A freira de Dülmen e seu secretário

Clemens Brentano confundiam esfera sobrenatural e esfera

natural.

E o exemplo mais claro e mais importante disto é


aquilo que Katharina Emmerick denomina de "gérmen da benção"
(Kleim des Segens).

A perda de "gérmen da benção" teria sido o

principal efeito do pecado original e a ele Katharina Emmerick

liga toda a Redenção.

CAPÍTULO VII

O GÉRMEN DA BÊNÇÃO

1. ORIGEM DO GÉRMEN, DA BÊNÇÃO E SEU PAPEL NA GERAÇÃO HUMANA

Consideramos que o chamado gérmen da bênção - "Keim


des Segen"- é o fulcro em torno do qual gira o conjunto das revelações
de Katharina Emmerick, sua concepção da Redenção e da graça, assim
517
como a sua impostação do relacionamento entre o mundo sobrenatural
e o mundo natural, entre Deus e a criação.

A primeira ocasião em que a vidente trata desse tema


é quando relata a criação de Eva:

"Quando Eva já estava formada, vi que Deus deu alg um a co isa


a Ad ão , o u m el hor , f ez fl uir alg o d e S i m e s m o
para ele. Isto é indescritível, eu não posso dizê-lo
d e o u t r o m o d o . D a f r o n t e , b o ca, peito e mãos de Deus jorrou
uma torrente de l u z q u e s e e n r o l o u p a r a f o r m a r u m b l o c o
de luz, alguma coisa com a forma de uma fava
encurvada, e isto foi introduzido no lado
superior direito d e A d ã o . E v a n ã o r e c e b e u i s t o . E u
a i n d a m e l e m b ro obs cu ram en te q ue aq ui lo e ra u m
gér me n d iv in o.

518
A p e r g u n t a : " F o i e s s a m e s m a c o i s a , c o m o mesmo
f o r m a t o , q u e A b r a ã o r e c e b e u d o a n j o , n o l a d o d i r e i t o d e seu c o r p o ?
disse ela: "Sim, mas não tão brilhante. À noite à perg unta: "Era este
c o r p o l u m i n o s o a p e n a s u m ? D i s s e e l a : "Não, e r a m t r ê s " . " P o r t a n t o ,
Abraão também recebeu três? Disse ela: "Não, apenas um. Mas não me
p e r g u n t e m a i s . E u f a l o c o m t ã o p o u ca vont ade d ess as co i sas sa nta s". ( 1 )

O t e x t o p u b l i c a d o p e l o P e . S c h m o e g e r apresent a
p e q u e na s di f e re n ça s c o mo o q u e s e l ê a c im a :

"Quando Eva foi formada, vi que Deus deu ou dei xou


fluir alguma coisa para Adão. Apareceu como fluindo
d a t e s t a , b o c a , p e i t o e m ã o s d e Deus u m a t o r r e n t e d e
luz em forma humana, que unindo-se para formar uma
b o l a d e l u z , introduziu- s e n o l a d o d i r e i t o d e A d ã o , d e
onde Eva fora tir a d a . S ó A d ã o r e c e b e u i s t o . I s t o e r a
o gé rme n da bênção de

(1) "Als die Eva gebildet war, sah ich, dass Gott Adam etwas gab
oder vielmehr ihm zufliessen liess. Es ist dieses nicht zu
beschreiben, ich kann nicht anders sagen, als es strömten aus Gottes
Stirn, Mund und Brust und aus seinen Händen Lichtströme und
wickelten sich zum Lichtballen etwa von der Gestalt einer
gekrümmten Bohne, und dieses ging in Adams rechte Seite über.
Eva empfing dieses nicht. Ich erinnere mich auch dunkel, dans
dieses ein gottlicher Keim war. (Auf die Frage: War das, was
Abraham von dem Engel in die rechte Seite empfing, auch so
gestaltet? Sagt sie: Ja, aber nicht so leuchtend. Am Abend auf
die Frage: War die ser Lichtkörper nur einer? sagt sie : Nein,
es waren drei; hat denn Abraham auch drei empfangen? sagt sie:
Nein, nur eines. Aber fragen sie mich nicht mehr, ich rede
so ungern von diesen heiligen Dingen)."
C.B. Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreiss, Manz Verlag, München,
1960, p. 25.

519
Deus. Nesta bênção havia uma trindade. A bênção que
A b r a ã o r e c e b e u d o a n j o e r a d e um só el e m e n to de f o r ma
s e m e l ha n t e, m as nã o parecia tão brilhante" (2).

Estas citações revelam algo absolutamente novo.

Não há nada, absolutamente nada disto, ou mes -

mo de longinquamente parecido com isto, na Sagrada Escritura. Assim,

outra deve ser a fonte de tal idéia.

Há nesses textos várias afirmações que são con -

trárias à doutrina católica, que tanto a vidente como seu secretário

oficialmente professavam.

1. A idéia de que algo possa ser emanadode Deus.

2. A idéia de que esse algo tenha pelo menos

aparência de matéria, ainda que luminosa.

(2) "Als Eva begildet war, sah ich, dass Gott Adam etwas gab
oderzufsen Es war, als flassen von Gott, in
Menschenform erscheinend, aus Stirne, Mund und Brust und Händen
Lichtströme und einigten sich zu einem Lichtballen, der in die
rechte Seite Adams einging, aus welcher Eva genommen war. Adam
empfing dies allein. Es war dies der Keim des Segens Gottes.
In diesem Segen war eine Dreiheit; der Segen, den Abraham von
dem Engel empfing, war eines, das in gleicher Form, doch nicht
so Leuchtend erschien."

A.K.E. Die Geheimnisse des Aiten Bundes, p. 14.

520
(Adiante veremos as citações em que Katharina
Emmerick afirma textualmente que o gérmen da
bênção de Deus é de natureza material).

3. A idéia de uma diferença "substancial" entre

Adão e Eva, derivada da introdução de uma

substância divina apenas no homem.

4. A própria idéia desse gérmen da bênção, gérmen


divino que faria do homem um ser divino, idéia
que conduz diretamente ao antropoteísmo.

Convém notar que a freira de Dülmen freqüentemente se


declarará incapaz de expressar-se perfeitamente, ou falará de má
vontade, ao comunicar alguma coisa misteriosa ou nova, que
contrarie a doutrina católica.

Conforme já vimos, Adão e Eva, antes do pecado, eram

luminosos, e havia na boca de Adão algo como um largo feixe de luz,

uma espécie de sol, que Eva não possuía. Vimos ainda que este feixe

de luz estava relacionado com a reprodução humana, que

originariamente dar-se-ia pela palavra e não pelo sexo.

"0 sol radioso na boca de Adão tinha relação com a bênção de


uma santa descendência proveniente de Deus a qual, se não fosse
o pecado original, obter-se-ia através da palavra" (3).

(3) " Die Strahlensonne um Adams Mund hatte Beziehung auf den Segen
heiliger Nachkommenschaft aus Gott, welcher ohneden Sündenfall

521
Também o gérmen da bênção tinha relação com um modo
santo de reprodução: "Pareceu-me que (o que saía de Deus) era o
gérmen da bênção divina para uma descendência pura"(4).

Assim, o gérmen da bênção - gérmen divino emanado


de Deus e introduzido no homem - e o sol que brilhava na boca de
Adão, ambos estavam relacionados com a geração de uma descendência
proveniente de Deus, como veremos mais adiante.

2. A PERDA DO GÉRMEN DA BENÇÃO

Segundo a vidente, Adão perdeu o gérmen da bênção

antes de cair em pecado. A descrição que ela faz da cena é teatral

e um tanto ridícula.

"A bênção de uma santa e pura descendência prove niente


de Deus, e através de Deus, que Adão recebeu depois
da formação de Eva, lhe foi de novo retirada devido
ao comer da fruta proibida. Eu vi como, ao deixar Adão
a sua colina para ir em direção de Eva, o Senhor se
a p r o x i m o u dele p o r t r á s e t o m o u a l g u m a c o i s a d e d e n t r o
dele e era claro para mim que a salvação do mundo
v i ria dali.

(3) (font.) durch das Wort gewirkt haben würde."


A.K.E., idem, p. 15.
(4) "Es erschien mir als der Keim des göttlichen Segens zur reinen
Mehrung..."
A.K.E., idem, p. 33.

522
"Uma vez, na festa da Imaculada Conceição, recebi de Deus uma

visão a respeito desse mistério. Vi encerrada em Adão e Eva a

vida corporal e espiritual de todos os homens, e como, através

da queda, ela se corrompeu e se misturou ao mal, e como os anjos

decaídos adquiriram poder sobre ela."

"Eu vi a Segunda Pessoa da Divindade vir por trás de Adão com

uma faca encurvada e lhe retirar a bênção antes que ele caísse

em pecado. No mesmo instante, vi sair do lado de Adão a Virgem

como se fosse uma nuvenzinha luminosa, e subir flutuando para

Deus em sua glória" (5).

Nesse texto, grosseiramente antropomórfico, fica

ainda mais clara a idéia de que o gérmen da bênção é algo substancial,

corporal, que permitiria a Adão ter uma descendência divina. E por

ter sido retirado de Adão antes do pecado, o gérmen da benção

continuaria incontaminado.

(5) "Der Segen heiliger und reiner Mehrung aus Gott und durch Gott,
den Adam nach der Bildung Evas empfangen hatte, war wegen dieses
Genusses ihm wieder entzogen worden; denn ich sah, als Adam
seinen Hügel verlieb, um zu Eva au gehen, als greife der Herr
hinter ihm her und als nehme Er ihm etwas hinweg; und es war
mir, als werde das Heil der Welt daraus kommen.
Als ich einmal am Feste der heiligen unbefleckten Empfängnis ein
Bild dieses Geheimnisses von Gott erhielt, sah ich an Adam und
Eva das leibliche und seelische Leben aller Menschen
miteingeschlossen und wie es durch den Fall verderbt und mit Bösem
vermischt wurde, und die gefalle nen Engel darüber Gewalt
bekamen. Ich sah aber die zweite Person der Gottheit wie mit
einer krummen Schneide herabkommen und dem Adam, bevor er in
die Sünde willigte, den Segen nehmen. In demselben Augenblicke sah,
ich aus Adams Seite die Jungfrau wie ein lichtes Wölklein zu Gott
in die Herrlichkeit emporschweben".

A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp. 33-34.

Nesse mesmo instante a Virgem teria saído de Adão e


voltado para Deus.

523
Que Virgem é essa? Parece, evidentemente, que o texto

se refere à Virgem Maria, tendo em vista que a visão se deu na festa

da Imaculada Conceição.

3. O GÉRMEN DA BÊNÇÃO E A VIRGEM MARIA

Em uma outra visão, a vidente relaciona esse

misterioso gérmen da benção à criação da própria Virgem Maria e

à Redenção. O texto que narra essa visão é misterioso, e nele se

sucedem as imagens de modo estranho. A linguagem revela claros

traços emanacionistas, parecendo - a nosso ver - uma imitação

bastante artificiosa de visões gnósticas.

A vidente afirma que teve uma visão do Trono de Deus.

Ora, esta é uma visão típica do misticismo judaico, da chamada

mística da Merkabah. Veja-se o que diz Scholem a respeito desse tema

místico:

"Qual era o tema central dessas antiqüíssimas doutrinas

místicas dentro do quadro do judaísmo?

Não hã duvida possível: o mais antigo misticismo judaico

e o misticismo do Trono. Sua essência não é a contemplação

absorta da verdadeira natureza de Deus, mas a percepção

de sua aparição no trono descrita por Ezequiel, e o

conhecimento dos mistérios do mundo do trono

celestial. O mundo do Trono e para o místico

524
judeu o que o pleroma, a "plenitude", a esfera brilhante
da divi ndade com suas po tênci as, eões, a rcon t e s ,
e domínios é para os místicos cristãos e
helenísticos do período, que aparecem na
h i s t ó ria da religião com o nome de Gnósticos e
Hermét i c o s . O m í s t i c o j u d e u , e m b o r a g u i a d o p o r
motivos semelh a ntes, expressa n ão obstante sua
v i são em termo s de seu própri o f undo rel igios o.
O trono preexistente de Deus, que incorpora e
e x e m plifica to d as as forma s da criaç ão, é , ao
mesmo t e m p o , o t e m o r e o o b j e t i v o d e s u a v i s ã o
(6).
e d e s lumbramento místicos"

Novamente nessa visão do trono, Katharina Emmerick

afirma ver movimento em Deus, o que - como já dissemos - contraria

a noção de Deus como ato puro e faz a vidente resvalar para uma

concepção gnóstica ou teosófica da divindade. Além disso, ela diz

que vê a misteriosa colina de Adão no Paraíso ser levada até o Trono

de Deus, colina essa que devia preencher o vale de Eva, elementos


aos quais a vidente atribui funções tipicamente reprodutivas e

sexuais (7).

(6) G.G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da mística


judaica, p. 43.

(7) Cfr. supra, cap. V.

525
Ela vê ainda Maria em Deus, na eternidade, antes de

ter existência terrena, e a vê como um ser que saia de Deus.

Faz, então, um pequeno resumo do que aconteceu ao gérmen da bênção

através da História. Deixemos falar a vidente:

"Eu tive uma visão totalmente maravilhosa e nítida de como, após


a queda do homem, Deus mostrou aos anjos como ele desejava
restabelecer a humanidade. Na primeira vista deste quadro eu não
o entendi. Porém logo ficou bem claro para mim.

Vi o Trono de Deus, a santa Trindade e um movimento nas suas


Pessoas. Vi os nove coros de anjos e como Deus lhes anunciou de
que modo queria restabelecer a humanidade decaída. Vi que, por
causa disso, os anjos tinham júbilo e alegria totalmente
indescritíveis.

Eu vi então em todos os diversos quadros que apareciam entre os


nove coros de anjos, que eles participavam da formação,
manutenção e produção das alegorias da Redenção que se
aproximava.

Vi aparecer diante do Trono de Deus uma montanha como que de


pedras preciosas. Ela era construída em degraus. Era um Trono.
Tornou-se uma torre. Ela depois continha tudo. Vi os nove coros
de anjos em torno dela. A um lado dessa torre, como na orla de
uma nuvem dourada, vi aparecer vinho e trigo completamente
misturados e descendo. Não sei exatamente o tempo em que isso
se deu.

Vi no céu o aparecimento de uma figura como de uma virgem a qual


foi para a torre e com ela se fundiu. Não era Maria no tempo,
mas na eternidade, em Deus. Ela não saiu de Deus, mas era como
um hálito que só se formou longe da boca (de Deus). Vi sair também
da santa Trindade uma aparição e ir em direção à torre. (Ela não
contou o que aconteceu depois).

526
Vi (...) surgir, então, primeiro, uma espécie de ostensório
e n t r e o s c o r o s d o s a n jo s . Todos os a nj os a tu av a m
nel e e o co nst r uía m. E ra co mo uma torre com várias
figuras secretas. Havia lá duas figuras que do
outro lado (da torre) se da v a m a s m ã o s , e u s u p on h o .
A t o r r e c r e s c ia e se tornava cada vez mais magnífic a .

Saiu também de Deus alguma coisa que passou através de todos os coros
dos anjos, uma brilhante e santa nuvenzinha. Ela penetrava no
ostensório e se tornava cada vez mais definida à medida que se
aproximava dele. Isto me parecia que era como uma geração divina e
pura que Adão recebeu de Deus e que lhe foi tomada quando consentiu
no pecado; que Abraão recebeu de novo; que foi tomada de Jacob; que
Moisés recolocou na Arca da Aliança que finalmente Joaquim, o pai de
Maria, recebeu no mesmo local do qual Eva surgiu do flanco do homem.
Entrando no ostensório, essa coisa tinha o aspecto de uma fava. Essse
ostensório foi também para cima da torre..."(8).

(8) " I c h h a t t e e i n w u n d e r v o l l e s , d e u t l i c h e s B i l d , w i e Gott


nach dem
Falle des Menschen den Engeln zeig te, wie er das
Menschengeschlecht wiederherstellen verde. Beim
ersten Anblick dieses Bildes verstand i c h es n i c h t . Es
w a r d mir a b e r b a l d g a n z d e u t l i c h .
Ich sah den Thron Gottes, die heilige Dreifaltigkeit, eine B e w e g u n g i n i h r e n
P e r s o n e n . Ic h s a h d ie n e u n C h ö r e d e r Engel, und wie Gott ihnen
verkündete, (auf we lc he Weise) er das gefallene
Menschengeschlecht h e r s t e l l e n w o l l t e . Ich sah eine ganz
u n b e s c h r e i b l i c h e F r e u d e u n d J u b e l in den Engeln darüber.
Ich sah mun in allerei Bildern, die zwischen den neun
Chören der Engel en ts tanden, an denen sie te ils mitsch u fen,
hüteten und wirkten, Sinnbilder der heran wachsenden
Erlösung. Ich sah einen Berg wie von Edelsteinen vor dem
Thron Go ttes ersche inen. Er war ges tuf t. Er war e in Thron. Er
w u r d e e i n T u r m . E r u mf a s s t e n a c h h e r a l l e s . D i e n e u n C h ö r e d e r
Engel sah ich um ihn.
Ich sah an der einen Seite dieses Turms wie auf einem
g o l de ne n Wo lke n r än dc hen We in und W e ize n so du rc he inan der s ic h
senkend erscheinen. Ich we iss den Zeitpunkt davon nicht
genau.
Ich sah im Himmel die Erscheinung eines B il d es , wie
e i ner Jungfrau, welche in den Turn überging und wie mit
ihm

527
Não há dúvida nenhuma, pois, que para Katharina

Emmerick e para Brentano o gérmen da bênção era uma coisa que saiu

de Deus, do mesmo modo que a Virgem Maria, e que formava uma só coisa

com a colina de Adão - uma torre - símbolo do meio que Deus ia

utilizar para redimir o homem.

4. DOAÇÃO DO GÉRMEN DA BÊNÇÃO A ABRAÃO E A SEUS DESCENDENTES

Conforme Katharina Emmerick o gérmen da bênção

foi dado a Abraão por ter sido ele escolhido por Deus como fonte da
linhagem messiânica. Tal linhagem, entretanto, não era de origem
humana, porque provinha de uma matéria divina, que saíra de Deus.

(8) (Cont.) verschmolz. Es war nicht Maria in der Zeit, sie war es in
der Ewigkeit, in Gott. Sie ging nicht aus Gott aus, sondern
war wie ein Hauch, der sich erst fern von dem Mund gestaltet.
Ich sah auch aus der heiligen Dreifaltigkeit eine Erscheinung
gegen den Turm ausgehen. (Sie erzählt nicht, was daraus
folgte).
Ich sah zwischen...den Chören der Engel nun

erstens eine Art von Monstranz entstehen. Sie wirkten und

bauten alle daran. Sie war wie ein Turm mit mancherlei

Bildwerk. Es standen zwei Figuren daran, welche (einander)

auf der anderen Seite, meine ich, die Hände reichten. Sie

wuchs und ward immer herrlicher.

Es ging auch etwas aus Gott aus und durch alle

Chöre der Engel hindurch, ein leuchtendes, heiliges

Wölkchen. Es ging in die Monstranz ein und ward immer

bestimmter, je näher (es der Monstranz kam). Es erschien

mir als eine göttliche, reine Zeugung, als das, was Gott

Adam, als er in die Sünde eingewilligt, nahm, und als das, was

528
Abraham wieder erhielt, was Jakob wieder genommen, Moses in

die Bundeslade wiedergegeben wurde, was dann zuletzt Joachim,

der Vater Mariä, erhielt, dasselbe, waraus Eva aus der Seite

des Mannes entsprungen war. In die Monstranz eingehend, hatte

es etwa den Umriss einer Bohne. Diese Monstranz ging auch

(in) den Turm über..."


C.B. Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, pp. 484-485.

529
É i n t e r es s a nt e n ot a r c o m o, n a d e scr i ç ã o d e Ka t h a r i n a
E m m e r i c k , a g r a ç a e o s e l e m e n t o s s o b r e n a t u r a i s s ã o m a t e rializados.

A f rei ra co nt a qu e, qua ndo A br aão saiu d e sua terra


natal, e, por ordem de Deus, foi para a Palestina, cons truiu um altar
de pedra e fez uma tenda sobre ele, e então...

" . . . V i u m e s p l e n d o r v i n d o d o c é u d e s c e r sobre e l e , e
u m a n j o , u m m e n s a g e i r o d o c é u apareceu d i a n t e d e l e ,
falou com ele e lhe entregou um dom celestial
totalmente brilhante, com o forma to de uma pêra, mole
e liso. Dentro dele bril h a v a u ma c oi s a d u p l a , c o mo s e
e s t i v es s e v i v a.

E o a n j o f a l o u c o m e l e , e A b r a ã o r e c e b e u o s e gredo e
a santidade do céu, e, abrindo as suas v e s t e s , c o l o c o u i s s o
s o b r e o s e u p e i t o . ( E u v i u m raio deste mistério ficar sobre
Maria dur a n t e o M a g n i f i c a t ) . F o i - m e d i t o q u e e s t e era
um novo e primeiro gérmen do Redentor, o misté ri o
físico da purificação da humanidade até o nascimento
d e M a r i a , a q u a l e s t a v a p u r a para c o n c e b e r o S a l v a d o r .
Seria o Sacramento do Antig o T es t am e n to e u t in h a u ma
e x p li c aç ã o d a pa la vra testemunha, gerar ("Zeugnis" e
" z e u g e n " , j o go de palavras em alemão).

T i v e t a m b é m a e x p l i c a ç ã o d a c a u s a p o r q u e A b r a ã o recebia
isso agora tão rapidamente. Nessa ocas i ã o , ha v i a um
p e q u e n o d e f e i to n e l e , nã o sei mais qual.

Abraão não sabia o que era (aquilo que ele tinha


recebido) e também não sabia o seu conteúdo. Conheci
a razão por que ele não sabia e sei o porquê ele
mantinha tão escondido o mistério dentro de si, como
entre nós o Santíssimo Sacramento.

530
Foram dados a ele a santidade e a prova da pro m e t i d a

d e s c e n d ê n c i a . ( O g é r m e n d a bê n ç ã o ) era n e s s e

t e m p o pe q u e n o e c h a t o . M a is t ar d e eu o vi crescer

e finalmente murchar.

Quando Abraão recebeu isso vi que ele retirou de uma caixa cinco

grandes ossos e os colocou em forma de cruz sobre o altar (esboço)

acendeu fogo e o fe rec eu , e e st e f ogo q uei mo u co mo

uma es tre la sobre os cinco ossos e no meio era

branco, e por fora era vermelho.

O mistério chegou até José (do Egito). Moisés sa b i a d e l e , ma s

e l e o t e r i a a b an d o n a d o , se Deus n ã o l h o t iv e ss e

dado na ú lt im a noite et c. N i n guém sa bia

pro pr iam en te o qu e (o g ér me n da bên çã o) e r a;

sab ia - se ap en a s qu e e ra s an tís si mo e que se

r e l a c i o n a v a com ele a chegada do Messias. O volume (do gérmen)

era sempre o mesmo, tendo apenas diferentes tamanhos. A caixa foi

feita por Moisés" (9).

(9 ) "sah ich einen Glanz vom Himmel auf ihn kommen und einen Engel, einen
Boten vor ihn treten, der mit ihm sprach und ihm eine himmlische Gabe
überbrachte, durch und durch leuchtend, birnförmig, weich und glatt.
Es schimmerte aber etwas Doppeltes darin, als lebe es, und der
Engel sprach mit ihm, und Abraham empfin g das Geheimnis und
Heiligtum des Himmels und öffnete sein Gewand und legte es auf
seine Brust. (Ich sah von diesem Geheimnis einen Strahl auf
Maria im Magnifikat stehend gehen). Mir wurde aber gesagt, dieses
sei ein neuer erster Keim des Erlösers, das physische Geheimnis der
Läuterung des Menschengeschlechts bis zur Geburt Mariä, welche
rein war, um den Heiland zu empfangen. Es sei das Sakrament des
Alten Bundes, und ich hatte eine Erklärung des Wortes Zeugnis,
zeugen. Ich hatte auch die Ursache, warum Abraham es jetzt und so
schnell erhalte. Es wa rein kleiner Fehler von ihm dabei, ich
weiss es nicht mehr. Abraham wusste nicht, was es war, und wusste

531
nicht seinen Inhalt, und ich hatte auch die Ursache, wa rum er
es nicht wusste und hatte, es sei das Geheimnis, so darin
verschlossen gewesen, wie bei uns im heiligen Sakrament.

532
Katharina Emmerick deixa assim cada vez mais claro que

o mistério ou gérmen da bênção era uma substância material, pois

Abraão a colocou dentro de seu peito; que essa substância era mole,

lisa, tendo o formato de uma pêra. E, entretanto, tal matéria teria

saído de Deus.

Noutra ocasião, Katharina Emmerick narra com mais

pormenores a entrega do gérmen da bênção a Abraão, assim como a

profecia de que de sua descendência nasceria uma virgem que

conceberia, e que ele teria um filho de Sara.

Conta ela que então apareceram três anjos a Abraão:

"Eu vi que o primeiro anjo lhe disse que Deus queria

permitir que nascesse dele uma virgem, a q u a l

s e r i a c o n c e b i d a s e m p e c a d o e q u e s e m c o n curso

de homem conceberia, e da qual deveria nas c e r

a r e c o n c i l i aç ão . D i s s e - l h e ain d a q u e ele de vi a

rec eb er o q ue A dão pe rd er a a tr avé s d o pec ad o.

Em

(9) ,(Cont.) Es war ihm aber als Heiligtum und als

Zeugnis des verheissenen Samens gegeben. Es war damals nur Klein

und platt. Ich sah es später wachsen und zuletzt verdorren.

Als Abraham dieses empfagen hatte, sah ich, dasser aus einem Kasten

fünf gross. Knochen herausholte und sie auf dem Altar in eine

Kreuzform gestellt (Skizze) anzündete und opferte, und dieses

Feuer brannte wie ein Stern aus den fünf Knochen und war in der

Mitte weiss und auswendig rot. Das Geheimnis ist fort gekommen bis

auf Joseph. Moses wusste auch davon, aber er hätte es schier

zurückgelassen, wenn es ihm Gott nicht in der letzten Nacht

533
gegeben hätte, usw. Keine aber wuss eigentlich, was es war, nur

war es das Heiligste und hing mit der Ankunft des Messias zusam -

men. Der Umfang war immer derselbe, nur in verschiedener Grösse. Das

Kästchen ward von Moses gemacht".

C.B. Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, pp.

496-497.

534
seg ui da vi q ue ele l he de u pa r a c om er um b oc a do

bri lh ant e e qu e o f ez b eb er d e u m ca li cez in ho

des ta for ma ( esb oç o ) um l í qui do bra n c o e

b r i l h a n t e , c o m o q u a l e l e l h e t r a ç o u com a mão um

s i n a l d e s d e o a l t o d a ca b e ç a e desde os

omb ro s at é em b aix o, n o ve nt r e, tr aç an do e s t a s

l i n h a s ( e s b o ç o ) . A s e g u i r e l e ( o a n j o ) tir o u , c o m a m b a s

as mãos alguma coisa brilhante com uma nuvenzinha

e a e m p u r r o u p a r a o e s t ô m a g o , o u p a r a a r e g i ão

d o q u a d r i l d e A b r a ã o , e e s s a c o i s a b r i lh a n t e

e n t r o u em A b ra ão , tornou-s e m e n o r e d e u m a f o r m a

m a i s d e f i n i d a e p r e c i sa, como uma fava de luz.

Eu vi então que o segundo anjo disse a Abraão q ue ele de v i a


dar es te mis tér io , do me smo mo do que o
rec eb era , c om a s ua ben çã o, a n tes de s ua morte,
para o primogênito que teria de Sara. Vi c o m o
e l e l h e m o s t r o u q u e o s d o z e f i l h o s d e J a c ob
s e t o r n a r i a m pa i s d a s do z e tr i b o s , e que
e n t ã o e s t e mi st é r i o s e r i a t om a d o ( d e J a co b) ,
e que seria devolvido quando (sua família) se
tornasse um povo, e seria posto na Arca da
Aliança como o mistério de todo o povo, que o
receberia a t r a v é s d a o r a ç ã o . ( M o s t r o u a i n d a)
c o m o este m i s t é r i o , p o r c a u s a d a p e r d a d e D e u s
pelos homens, devia ir da Arca da Aliança para
o e s p í rito dos profetas, e, finalmente, para
um homem do qual seria gerada uma virgem.

Tudo isto era mostrado a Abraão em visão inte r i o r , e eu


t a m b é m v i q ue l h e a p ar e c e u um a virgem no c é u,
535
a cu ja d ir ei ta pai ra va u m a njo c om um galho com
o qual ele lhe tocava a boca, e de cujo manto,
a seguir, surgiu uma igreja.

536
O terceiro anjo disse a Abraão que Sara daria a luz um

filho dele, (que se chamaria) Isaac. Vi Abraão tão alegre

por causa da prometida virgem e pela visão que teve, que

e l e q u a s e n ã o p e n s o u em Isaac..." (10).

(10) Ich sah, dass der erste Engel ihm sagte, Gott wolle aus ihm eine
Jungfrau hervorgehen lassen, weiche ohne Sünde empfangen sei
und ohne Mann empfangen werde und aus der die Versöhnung solle
geboten werden. Auch sagte er ihm, er solle empfangen, was Adam
durch die Sünde verloren. Ich sah hierauf, dass er ihm einen
leuchtenden Bissen zu essen gab und aus einem so gestalteten
Becherchen (Skizze) trinken liess, eine weisse leuchtende
Flüssigkeit, dass er ihn vom Haupt und den beiden Schultern
bis zum Unterleib nieder in diesen Linien (Skizze) mit der
Hand niederfahrend segnete, und dasser hierauf aus seiner Brust
etwas Leuchtendes, wie ein Wö1kchen, herausnahm mit beiden
Händen und in die Magen - oder Hüftgegend Abrahams schob, und dass
das Leuchtende in Abraham übergehend kleiner und bestimmter
geformt, etwa wie eine Lichtbohne erschien.

Ich sah nun, dassder zweite Engel Abraham sagte, dass er dies es
Geheimnis mit seinem Segen auf dieselbe Weise, wie er es
empfangen, auf seinen Erstgeborenen aus Sarah über geben
solle vor seinem Tod. Ich sah, dass er ihm zeigte, wie Jakob
zwölf Söhne, Väter von zwölf Stämmen, zeugen (werde) und dann
ihm dieses Geheimnis solle genommen werden, und da er ein Volk
geworden, wiedergegeben, in die Bundeslade, als ein Segen des
ganzen Volks, der durch Gebet erhalten werde. Wie dann wegen
Gottlosigkeit der Menschen dieses Geheimnis aus der Arche
in den Geist der Propheten übergehen solle und zuletzt
an einen Mann, welcher jene Jungfrau erzeugen werde.
Alles dieses ward Abraham in dem Gesicht

inne, und ich sah auch, dasser eine Jungfrau am Himmel

erscheinen sah, zu deren Rechten ein Engel mit einem Zweig

schwebte, mit dem er ihren Mund berührte, und aus deren

Mantel hernach eine Kirche hervorging.

Der dritte Engel sagte Abraham, dass Sarah

ihm eine Sohn Isaak gebären werde. Ich sah Abraham so erfreut

über die verh(ei)ssene Jungfrau und das Gesicht, das er

gehabt, dass er an Isaak gar nicht... dauchte".

C.B. Tgb, apud A. BRIEGER, op. cit., pp. 501-502.

537
A materialidade do gérmen da bênção vai sendo cada vez
mais confirmada a cada nova revelação de Katharina Emmerick. A
confusão que ela faz entre graça e bênção sobrenatural de um lado,
e substância corpórea, de outro lado, torna evidente que ela possuía
uma concepção mágica da graça e da ação sobrenatural. Ora, essa
confusão é típica dos esotéricos e românticos e toda a mentalidade
de Brentano estava impregnada desta concepção. Esta confusão vai
fazer com que Katharina Emmerick identifique santidade com sangue:

"Eu creio que Abraão sempre carregou consigo o mistério.


T i v e u m a v i s ão a r e sp e i t o d e Isaac, q u a n d o
a i n d a e l e n ã o f o r a g e r ad o , e q u a n d o o c o r p o
de Sa ra a i n da e sta va f ech ad o ( qua nd o ain d a e r a
v i r g e m ) . N a q u el a é p o c a, e u vi , e m uma visão,
que Abraão tinha um raio de luz que saía de le
e qu e a tin gi a S ara , e eu v i u m men in o de i t a d o
no colo de l a. Esses ra i os que eu v ou
cham a r d e f i os s ã o re a l m e n te p a r e c i do s c om
aquele s ra ios de sol, fio s ou f aix as, q ue a par ece m,
quando o sol atravessa qualquer orifício.

Quando nesse raio, eu vi o sangue de Maria cin ti la ndo ,

bri lh ant e e ve rme lh o f oi -m e dit o: "V e j a t ã o


puro quanto essa luz vermelha deve ser o
san gu e da Vi rg em n a q ual De us dev e a ssu mi r a
humanidade" (11).

(11) Ich meine, Abraham hat das Geheimnis immer bei sich getragen.
Ich habe Isaaks Bild gesehen, als er noch nicht gezeugt war,
als Sarahs Leib noch verschlossen war. Damals sah ich in einem
Gesicht, das Abraham hatte, einen Strahl von ihm auf Sarah
ausgehen und sah einen Knaben auf ihrem Schoss liegen. Diese
538
Strahlen, welche ich Faden nenne, sind eigentlich mehr wie

539
Nas visões de Katharina Emmerick redigidas por

Brentano, em conseqüência da identificação do sobrenatural com o

natural, com a matéria e até com o sangue, nota-se uma tendência

ao racismo. O nacionalismo germânico, despertado pelas invasões

napoleônicas e fomentado pelo romantismo, tendia desde o início para

uma vertente racista.

Conforme as visões da freira, o primeiro homem era

loiro, e, para ela, essa cor dos cabelos, assim como a pele clara

eram sinais de bondade, santidade e predestinação. Pelo contrário,

a pele escura indicava povos de tendência má. Até mesmo nos animais

do paraíso se nota isto: antes do pecado eles eram ou brancos ou

de pelo dourado (12).

Também com a questão racial estaria relacionado o

costume da circuncisão. Segundo a vidente de Dülmen, a circuncisão

visava marcar os membros das raças mais nobres e santas, tendo também

relação com o gérmen da bênção e com uma reprodução santa, formadora

da linhagem do Messias. Evidentemente esse fim racista e messiânico

da circuncisão não encontra base na Sagrada Escritura. Nela se lê

que a circuncisão foi estabelecida como sinal da aliança de Deus

com Abraão e seus descendentes.

(11)(Cont.) solche Sonnenstrahlen oder Bahnen, wenn die Sonne durch


irgendeine Öffnung scheint.
Wo ich das Blut Mariä in diesem Strahl sah, rot und leuchtend schimmern,
wurde mir gesagt: sieh, so rein wie dieses rote Licht, muss das Blut
der Jungfrau sein, aus welcher Gott die Menschheit annehmen soll.
C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 499.
(12) Cfr. supra, cap. V.

540
Os filhos de Abraão eram membros de um povo preferido por razões

espirituais e não por motivos raciais. A circuncisão não tornava cada

descendente de Abraão santo. Para comprovar o que expusemos, leia-se

o seguinte texto das visões de Katharina Emmerick:

"A circuncisão e marcação de ambos os sexos teve origem nas


raças mais nobres a fim de se conservarem ou
para se enobrecerem em suas famílias, e para
não acolherem estirpes degradadas.

Quando nascia uma criança mais branca e com sina is no br es,


hav ia um a gr an de al egr ia , el a g oz a v a d e u m a
g r a n d e p r e f e r ê n c i a . U m a ú n i c a m i s t u ra com
membro de uma estirpe (má, escura) podia
destruir todo o futuro. O Messias devia
nascer, e a g r a n d e m i s s ã o d o Ve l h o T e s t a me n to
e r a uma pu ra re p rod uç ão. D eu s e sta be lec eu c om
Abr aã o o mo do da ci rcu nc is ão jud ai ca e
tra ns mit iu -l he i mediatamente um sacramento da
reprodução, o qual, ar r a n c ad o d e J a c o b p e l o
a n j o , t o rn o u - se mais tarde o mistério da Arca
da Aliança" (13).

(13) "Di e Bes chneidun gen un d Bezeic hnunge n der be ide n


Geschlechter hatten ihren Ursprung bei den edieren Rassen,
sich in ihrer Gattung zu erhalten oder zu veredein, und nicht den
niedrigen Stdmmen entgegenzukommen. Wenn ein Kind weisserund
mit edleren Zeichen geboren war, hatte es einen grosser Vorzug
und war eine grosserBreude. Eine einzige Vermischung mit einem
Stammgliede konnte eine ganze Zukunft zerst8ren. Der Messias
sollte geboren werden, und die grosseAufgabe des Alten
Testaments war reine Zeugung. Gott aber setzte bei Abraham
die Art der jüdischen Beschneidung ein und ilbergab ihm zugleich
ein Sakrament der Zeugung, welches Jakob entrissen wurde durch den
Engel und spilter unter Moses das Geheimniss der:
Bundeslade wardí:
C.B., Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, pp. 505-506

541
Da mesma forma que Isaac recebeu a benção material de

Abraão - o gérmen da benção - assim também, antes de morrer, ele a

transmitiu a seu filho Jacob.

"Eu vi co mo Is a ac ( .. .) de u a ben çã o a Ja co b,
aqu el a mes ma b enç ão q ue re ce ber a de A bra ão ,
que a recebera de um anjo. Antes de dar a
benção, I s a a c , j u n t o c o m R e b e c a , h a v i a p r e p a r a d o uma
coisa cheia de mistério que pertencia à bênção.

E r a u m a b e b i d a e m u m p e q u e n o co p o q u e l h e f o ra transmitido
por Abraão e que era entregue agora a Jacob. As crianças nada sabiam
a respeito dist o e a p e n a s r ec e b ia m a b ê n ç ão , se n d o informad a s
do mistério, do mesmo modo que nós sabemos q u e n o s a c r a m e n t o ( da
E u c a r i s t i a ) r e s i d e um mistério.

O vaso tinha esta forma (esboço), tinha o comprimento de um dedo


e era chato de um lado, e ainda meio chato do outro lado. Era
branco e brilhante como madrepérola transparente. Estava cheio
com algo vermelho, e eu tive a impressão que era sangue, era
seu sangue (de Isaac), e Rebeca participou de sua preparação.

Quando Isaac fez o sinal sobre Jacob, este estava


sozinho perto dele. Ele teve que desnudar o peito
a t é o b a i x o v e n t r e . J a c o b e s t a v a d e p é e m frente de
Isaac.

0 pai fez sua mão abençoante seguir da testa de Jacó


até a região de seu sexo, e, depois, do om bro direito
até esse mesmo ponto, e, a seguir, do ombro esquerdo,
do mesmo modo (até esse mes mo ponto) (esboço). Então
ele pousou sua mão direita sobre a cabeça do filho,
542
e a mão esquerda s obre o peito. A seguir, Jacob teve
q u e beber d o p e q u e n o c o p o . E e r a c o m o s e e l e l h e d e s s e
tudo, com toda força e toda a u t o r i d a d e . Enquant o
i s s o , ( I s a a c ) c o m o q u e t o m a v a c o m a s suas d u a s m ã o s
da região de seu próprio umbigo a l g u m a c o i s a e a e n f i a v a
no mesmo local do corpo de Jacob. Eu senti que isto
era toda a sua força e sua bênção, (que era) o gérme n
d a b ê n ção.

Enquanto fazia tudo isto, Isaac rezava palavras em voz alta.


Porém, quando terminou a bênção com a transmissão (do gérmen),
eu vi Isaac realmente acabado com o esforço, pela entrega e
esgotamento da bênção que ele tinha, de uma força totalmente
esgotada. Mas eu vi Jacob, então, florescente e forte, cheio
de vida e de poder"(14).

(14) "Ich sah, wie Isaak (...) und ihm den Segen gab, den er von Abraham
und Abraham von dem Engel empfangen hatte. Er hatte aber vorher
etwas Geheimnisvolles mit Rebekka bereitet, was zum Segen
gehörte. Es war dieses ein Getränk in einem Gläschen, was sie
dazu gebrauchten und von Abraham vererbt war und nun auf
Jakob kam. Die Kinder wussten nichts davon, und nur den
Segen hatte, erfuhr das Geheimnis, das ihm doch wie uns das
Sakrament ein Geheimnis blieb. Das Gefass war von dieser
Gestalt (Skizze)fingerlang und platt an einer Seita, doch
platter als an der anderen. Es war weisschimmernd wie
durchsichtige Perlmutter. Es war mit etwas Rotem
gefúllt, und ich hatte die Empfindung, es sei wie Blut, wie
von seinem Blut, und Rebekka war bei der Bereitung.
Als Isaak ihn segnete, war Jakob allein bei

ihm. Er muss te die Brust entblössen bis zum Unterleib.

Jakob stand vor Isaak. Der Vater führte seine segnende

Hand von seiner Stirne gerade nieder bis zur Schamgegend

das Jakob, dann von der rechten Schulter ebendahin, dann

von der linken Schulter ebenso (Skizze). Dann legte er ihm

die Rechte aufs Haupt und die Linke in die Herzgrube. Dann

musse Jakob das Gläschen austrinken, und dann war es, als

wenn er ihm alles, alle Kraft und Gewalt gebe, indem er

mit beiden Händen wie etwas aus seiner Nabelgegend nahm

und Jakob nach diesem Ort hingab. Ich fühlte, dieses sei

alle seine Kraft und der Segen, der Keim. Bei allem diesem

betete Isaak laute Worte. Als aber der Segen vollendet war
543
durch die Übergabe, sah ich Isaak vor Anstrengung oder

wirklichen Hingeben, dem Übergeben und Nichtmerhrhaben

einer Kraft ganz ohnmächtig. Jakob aber sah ich blühend,

kräftig,voll Leben und mächtig geworden.


C.B., Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, pp. 507-508.

544
A cena descrita parece uma sessão de magnetismo. Ela
repete, embora com outra finalidade, técnicas de magnetização que
o Dr. Wesener, o Pe. Limberg, Christian Brentano e o próprio Clemens
Brentano aplicavam na vidente.

Como vimos, o gérmen da bênção se relacionava com uma

forma de reprodução humana não sexual. As visões de Katharina

Emmerick deixam claro que o pecado original consistiu na união

sexual do casal original, pelo desejo que Adão teve de se reproduzir

de modo animal. Paralelamente, a Redenção deveria ser obtida através

de uma reprodução não sexual. De outro modo, segundo a mentalidade

da vidente, ela não seria suficientemente pura para gerar o Messias.

No fundo, ela devia ser uma reprodução mágica. É o que transparece

das re v e l a ç õ e s de Katharina Emmerick.

Para começar, vejamos ainda um texto no qual fica

claríssima a natureza material da bênção:

"Abraão, Isaac, Jacob e os Patriarcas eram mais f o r t e s n o l a d o


direito de seus corpos do que no lado esquerdo. Não
s e n o t a v a i s s o . E l e s u s a v a m ro up a s la rg as e am pl as .
Ha vi a ne l es , ne s se l ad o, uma plenitude, como um
i n c h a ç o . H a v ia , lá d e n tro, uma santidade, uma bênção,
um mistério. Isso tinha a forma de uma fava, com um
g é r m e n ; e r a brilhante" (15).

(15) " Abraham, Isaak und Jakob, die Altväter, waren an der rechten
Seite ihres Leibes etwas stärker als an der anderen. Man
merkte es jedoch nicht. Sie trugen ihre Kleider weit und
schützend. Es lag ihnen in dieser Seite eine Fülle wie eine
Geschwulst. Es war ein Heiligtum, ein

545
A descrição raia pelo ridículo: a "santidade" era algo
tão grosseiramente material que produzia um inchaço.

Em segundo lugar, ela afirma que os antepassados de


Cristo traziam no seu flanco direito a "santidade", ou seja, o gérmen
da bênção, elemento material e divino, como se algo do corpo de Cristo
já existisse antecipadamente neles.

"Eu sempre vi que os santos antepassados, os Pa t r i a r c a s

Abraão, Isaac e Ja c ó e todos os seus


primogênitos em linha direta, que foram os
a n tepassados de Jesus segundo a carne, traziam no
flanco direito igualmente (o gérmen da
bênção).

Era como se o futuro cordeiro do sacrifício, que de ve ria


tom ar sob re si os p ec ado s d o m und o, es t i v e s s e
brilhando an t e c i p a d am e n t e em seus
antepassados. Alguma coisa santa estava em seu
la do direito. O seu lado direito era santo. A seu lado
direito ficavam aqueles que os honravam, assim
como o Filho este sentado à direita do Pai,
no céu.

A benção que Abraão recebeu de Deus repousava em seu lado


d i r e i t o . E l a s i g n i f i c a v a a d e s c e n dência maior
e mais santa de Abraão à qual tod o s o s i s r a e l i t as e o
Salvador p e r t en c i a m p e la carne, e à qual
todos os cristãos pertencem tam bém pelo Salvador
ou pelo sacramento do batismo, renascendo como filhos
de Abraão" (16).

546
(15) (Cont.) Segen, ein Geheimnis darin. Es hatte die Gestalt
einer Bohne mit einem Keime; es war leuchtend".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 126.
(16) "Ich habe immer gesehen, dass die h(eiligen) Alväter, die
Patriarchen, Abraham, Isaak, Jakob und alle Erstgeborene

547
Por fim, citemos um texto em que se explicita a

identidade entre a transmissão do gérmen divino e a bênção de

primogenitura:

" C o m o e u v e j o t u d o m a i s e m f i g u r a s d o q u e ouço palavras,

eu também sempre via a santidade da bênção nos

ancestrais, e porque ela s i g n i f i c a va


fecundidade santa, sob a forma de um gérmen l u m i n o s o d e

p l a n t a , c o n f i g u r a d o c o m u m a f a v a d e luz, como um gérmen

de luz.

Vi esta santidade ser transmitida pela benção do

p r i m o g ê n i t o e q u e s o m e n t e p o r i s s o e l e tinha p r i m a z i a

s o b r e t o d o s o s o u t r o s . E s t a f o i a b ê n ç ã o re c e bi d a

p o r J ac o b " (17).

(16)(cont.) (n) in gerader Linie aus ihnen, weiche die Voreltern


Jesu nach dem Fleische bildeten, in ihrer rechten Seite oder
Hüfte gleichsam sein Heiligtum trugen. Es war, als leuchte
das künftige Opferlamm, das die Sünden der Welt auf sich nehmen
sollte, schon in seinen Stammeltern hervor. Heiliges war in
ihrer rechten Seite. Ihr[e] rechte Seite war heilig. Zu ihrer
Rechten (trat), wer ihnen geehrt war, wie der Sohn im Himmel
zur Rechten des Vaters sitzt.
Es war gleichsam, als sei das Heiligtum des Menschheit in ihrer
rechten Seite. Der Segen, den Abraham von Gott empfing, ruhte in
seiner rechten Seite. Er deutete auf die heiligste und auf
die grösste Nachkommenschaft, denn alle Israeliten und der
Heiland selbst nach dem Fleisch stammten aus Abraham, und durch
den Erlöser sind auch alle Christen die aus dem Sakrament der
Taufe wiedergeboren (en) Kinder Abrahams".
C.B., Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, pp. 486-487.

(17) " Ich nun alles mehr in Gestalten sehe als wörtlich höre, sah
ich auch immer das Heiligtum des Segens in den Altvätern, weil
es auf heilige Fruchtbarkeit deutete, in der Gestalt eines
leuchtenden Pflanzenkeims, gestaltet wie eine Bohne von Licht,
mit einem Lichtkeim.
Ich sah dieses Heiligtum bei dem Segen auf den Erstgeborenen
übergehen, und darem allem hatte er solchen Vor zug vor allen
anderen. Diesen Segen nun empfing Jakob.

548
Katharina Emmerick não deixa claro por que Jacob

perdeu essa benção, que lhe foi retirada pelo anjo quando lutou com

ele (18). Nem explica como Jacob continuou a ser protegido por Deus,

apesar de ter perdido a bênção.

5. O GÉRMEN DA BÊNÇÃO E A HISTÓRIA DE JOSÉ E ASEMETH, SEGUNDO A

LITERATURA APÓCRIFA.

Até aqui a história do gérmen da benção - cuja origem,

como veremos, é cabalista-cristã - é um amontoado de construções

imaginária visando a uma explicação naturalista do problema da

graça e da redenção. Parece-nos evidente que a maior

responsabilidade disto tudo cabe à imaginação delirantemente

romântica de Brentano.

A uma mentalidade como a sua não podia deixar de impressionar também


a história tão extraordinária de José do Egito, que, segundo
a Escritura, o faraó fez (19)
casar com Aseneth, filha do sacerdote
de Heliópolis, Putifar .
Esta história serviu de tema fundamental para um livro apócrifo -
José e Aseneth - de caráter gnóstico(20). Este apócrifo foi uma
das fontes - indiretas ou não -, do texto das visões da freira
de Dülmen, que ligou as informações do apócrifo com a história

do gérmen da bênção. É nesse trecho


(17) (cont.) C.B., Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 487.
(18) Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 126.

(19) Gén. XLI, 45.

(20) Cfr. Joseph et Aseneth, Introduction, text critique, traduction et


notes par MARC PHILOLENKO, Ed E.J. Brill, Leiden, 1968.

das visões de Katharina Emmerick que o caráter sexual e fáli-

co do gérmen da bênção fica mais patente.

549
A história de José e de Aseneth é completamente romantizada no
texto das visões da freira de Dülmen. Nelas aparecem
complicadas relações de parentesco muito similares às que
Brentano gostava de colocar em seus romances. Segundo Katharina
Emmerick, Aseneth era a filha que Dina tivera de Sichem. Como
José, ela teria sido vendida para o egípcio Putifar. Portanto,
era neta de Jacob e sobrinha de José. Mas este parentesco - como
nos romances de Brentano - lhes era desconhecido.
Ela cresceu no Egito e era considerada filha de Putifar, sacerdote
de Heliópolis. Katharina Emmerick diz que Aseneth foi autora
de muitos livros e que possuía muita sabedoria. Vivia ela
cercada por sete donzelas, pormenor extraído do apócrifo
citado. Evidentemente - isto era inevitável nos tempos do
romantismo - Katharina Emmerick diz que Aseneth era lindíssima.
Também era inevitável, para uma heroína de Brentano e da freira
de Dülmen, que Aseneth tivesse o dom da profecia e que,
sintomaticamente, como a Emmerick, tivesse um sinal na região
do estômago por meio do qual Jacob, mais tarde, a reconheceu
como sua neta. Aliás, José tinha o mesmo sinal sobre seu
estômago.
Katharina Emmerick relata que um anjo apareceu a Aseneth segurando
na mão uma flor de lótus e lhe pediu o mel que se encontrava
entre as imagens de seus ídolos. Todos estes pormenores se acham
também no apócrifo que a freira secretariada por Brentano não
leu, mas que talvez o poeta-secretário conhecesse.
O anjo abençoou então Aseneth e lhe disse que ela devia ser a noiva
de José e tornar-se um com ele, do mesmo modo que as f l o r e s
de lótus bóiam e se tornam um. A bênção que o anjo deu a

Aseneth era exatamente com a dos patriarcas a seus

primogênitos, isto é, sobre seu peito e seu ventre (21).

A vidente afirma que Aseneth era tão sábia que os egípcios a

veneravam como uma deusa. Lê-se, nas visões que estamos

analisando que teria sido Aseneth a introduzir a vaca no Egito,

e a ensinar ao povo desse país a arte de fazer queijo e de tecer.

Por sua vez, teria sido José quem introduziu o arado no Egito
(22).

Não é preciso dizer quanto essas afirmações são

absurdas e quanto contrariam os fatos históricos. José viveu no

Egito nos tempos da XVIII dinastia, enquanto o gado bovino já era

conhecido e criado no Egito desde os tempos mais remotos. Além disso,

afirmar que José, um pastor nômade, introduziu o arado no

Egito, pais agrícola, provoca hilariedade.

No mesmo ridículo caem Brentano e sua vidente ao

550
identificar Aseneth com Isis e José com Osíris, divindades adoradas

no Egito antigo, em tempos muito anteriores à introdução dos hebreus


no vale do Nilo.

(21) Cfr. C.B. Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, pp. 510 a 512.

(22) Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 131.

551
"(...) Isis e Osíris, dois deuses do Egito, como e u
v i , n ã o s ã o o u t r a c o i s a s e n ã o A s e n e t h e J o sé" (23).

Katharina Emmerick diz ainda que

"José e Aseneth, como o sacerdote Putifar, quand o se


m o s t r a v a m a o po v o , c a r r eg a v am n a m ã o um sinal
tido por santo, que representava o seu al t o
p o d e r . A p a r t e m a i s a l t a d e ss e s i n a l e r a um
anel; a parte mais baixa era uma cruz latina,
um T... (T) (...). Quando José desempenhava o

e x e r cício de se u cargo, deixava esse sinal, a


c r u z l i g a d a ao a ne l , s o br e u m t a p et e p e r to d e le . E le
m e p a r ec i a c o mo u m a c ó p ia d o m i s t é r i o d a Arca
da A li anç a que es ta va a in d a en ce rra do em
Jos é" (24).

Esta informação da vidente é muito curiosa. Ela


diz que a cruz ankh - a cruz ansada, muito usada na alquimia -
representava o futuro mistério da Arca da Aliança, isto é, o
gérmen da benção, então encerrado em José e em Aseneth. Ora, segundo
o grande alquimista Fulcanelli, a cruz ansada representa a vida
universal escondida nas coisas (25).

(23)"... Isis und Osiris, zwei Götter der Agypter, sind, wie ich
gesehen habe, nichts anderen als Aseneth und Joseph".
C.B., Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 512.
(24) "Joseph und Aseneth trugen wie der Götzenpriester Putiphar
ein heilig gehaltenes Zeichen der höchsten Gewalt, wenn sie dem
Volke sich zeigten, in der Hand. Der obere Tell dieses Zeichen
war ein Ring ,der untere ein lateinisches Kreuz, ein T. (...) Wenn
Joseph ein Amtsgeschäft hatte, lag das Zeichen, das Kreuz in den
Ring eingeschlagen, auf einem Teppiche neben ihm. Es schien mir
auch wie ein Abzeichen des noch in Joseph eingeschlossenen
Geheimnisses der Bundeslade".
A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 135.

552
(25) Cfr. FULCANELLI, Le mystère des cathédrales, p. 60.

553
Informa ainda a vidente de Dülmen, que José e Aseneth
foram mumificados e suas múmias sepultadas conservando em seu
interior o gérmen da bênção. Ao sair do Egito, Moisés teria se
apoderado do gérmen da bênção oculto na múmia de José e o teria posto

na Arca da Aliança. É isto que a vidente chama de sacramento do Antigo

Testamento.

" J o s é e A s e n e th f o r a m p e s s o as s a n t a s p a r a os
egípcios e para os judeus (...) assim cada relí qu ia d ele s
era pa ra os eg í pci os co isa m u i to s ag ra da. Pa r a os eg íp ci os
ele s era m de u ses , dev i do a sua sabedoria, profecias e
milagres, e,por meio de sua união, foi realmente cumprida uma etapa
de um grande segredo da religião de todos os p o vos do A nt igo
Tes ta men to : a mis sã o d e pr e parar a estirpe do Messias em
carne, na terra.

A be nç ão de D eu s tr an sm iti da aos Pa tr iar ca s , e


depois, de membro a membro, aos primogênitos, o gér me n san to
da se me nte d a m ulh er q ue de vi a pi s a r a c a b e ç a d a s e rp e n t e ,
e r a J a c ob . O gérmen l h e f o i t ir a d o q u an d o ele l u t o u c o m o
a n j o , e foi dado a José, em uma visão, quando ele esta va no
cárcere.

Depois de José, quando Israel se transformou de


uma família num povo, este segredo não foi mais entregue de
pai para filho, mas sim o povo que, com Moisés, se transformou
numa religião, e que o recebeu na Arca da Aliança, santuário no qual,
protegido pelo fogo de Deus, o segredo do matrimônio dos Patriarcas
se tornou segredo da igreja dos israelitas, pois o povo mais que antes
se tornou um corpo.

554
O mistério dos filhos de Israel, no tempo dos Patriar cas,

tinha relação com a geração de uma s a n t a


estirpe do Salvador prometido segundo a
carne.

Abraão recebeu de Deus (a capacidade de ter) uma


geração santa e ela foi selada com a
circuncisão. Deus lhe havia prometido que todos
os povos da t er r a d e v ia m ser ab e n ç o ad o s em su a

s e m e n te , e, co m i sso , em Ab ra ão a ge raç ão e se u s
ins tr u mentos se tornaram a base da bênção de
Deus e do futuro Redentor. O que era para todos os
homens, por razões indizíveis, mas por toda
p a r te se mpr e m ais se nt ido co mo u m o bj eto d e
ver go n h a , u m a v i s o c h e i o d e m i s t é r i o de s ua
d e g r a d a ção pelo pecado origina l, tornou - se um
objeto d e t e m o r m a i s sa n t o , c o m o c a s a m en t o d os
P a t r i arcas, pela promessa da bênção e pela circuncisão. E
como não havia ainda nenhum santuário, n e n h u m a A r ca
d a A l i a n ç a , o P a t r i a r c a e ra o s a n tuár io po r
cau sa d a p ro me ssa nel e r ep ou sad a, e Abraão no
juramento de Eliezer deixou-o colocar a mão em seu quadril e
o enfermo Jacob voltou-se no seu leito e adorou o santuário em
José" (26).

(26) Joseph und Assenath waren den Ägyptiern und den, juden heilige Leute
gewesen (...) so waren einzelne Überreste v o n ihnen den
Egyptiern die Grössten Heiligthümer. Sie
waren den Egyptiern Götter durch ihre Weisheit. Weissa -
gung und Wunder, und es war durch ihre Vereinigung wirk -
lich ein Zeitpunkt des einen grossen Religions
Geheimnisses aller Völker des Alten Testamentes erfüllt,
nehmlich die Aufgabe das Geschlecht des Messias nach dem
Fleische auf Erden vorzubereiten. Der an die Patriarchen
von Gott und dann von Glied zu Glied an den Erstgebohrnen (67)
übergebene Segen, der heilige Keim des Saamens des Weibes
welcher der Schlange das Haupt zertreten sollte, war
Jakob, da er mit dem Engel rang genommen worden, und Jo
seph im Kerker in einem Gesichte übergehen. Dieses Geheimniss
war nach ihm, da Israel aus einer Familie ein Volk
555
geworden, nicht mehr. Übergabe von Vater auf Sohn, son -
dern es wurde mit Moses da das Volk eine Religion, eine
Bundeslade erhielt, das Heiligthum in dieser, vom Feuer Gottes
geschültzt, das Ehegeheimniss Patriarchen wurde
Kirchengeheimniss der Israeliten, denn das Volk war schon
mehr ein Leib geworden.
Auf der Zeugung einesheiligen Stammes des

Stammes verheissnen Erlösers nach dem Fleisch, ruhte das

Mysterium der Kinder Israels in der Patriarchen Zeit.

Abraham erhielt von Gott eine heilige Zeugung und sie war

versiegelt mit der Beschneidung. Gott hatte ihm verheissen

dass in seinem Saamen alle Vö1ker der Erde sollten

gesegnet werden, und somit war in Abraham

556
Esta longa citação parece-nos capital. Nela Katharina

Emmerick pela pena de Brentano nos diz, entre muitas divagações, que

pela recepção do gérmen da bênção "a geração e seus instrumentos",

ou seja, o sexo, tornaram-se a base e o meio da bênção de Deus.

Portanto, conforme Brentano e sua vidente era através do sexo que

o gérmen da bênção atuava, sendo assim ele a causa da santidade dos

Patriarcas. De algum modo era em seu sexo "redimido" ou santificado

que era venerado o gérmen da bênção. Desse modo, conforme o texto

das visões redigidas por Brentano, haveria uma espécie de culto

fálico secreto no Antigo Testamento. Explica-se que o Pe. Schmoeger

tenha tido que fazer tantos cortes nos textos redigidos por Brenta-

no. Explicam-se os numerosos e misteriosos circunlóquios da vidente.

Convém recordar que o mistério do sexo está no centro

das teorias cabalistas e que "o Zohar faz uso proeminente de símbolos

fálicos nas especulações concernentes à Sefirá Iessod" (27).

(26) (Cont.) die Zeugung und ihre Werkzeuge zur

Grundlage des Segens Gottes und des künftigen Erlösers

geworden, was allen Menschen aus unaussprechlichen aber

überal immer gefühlten Gründen ein Gegenstand der Beschämung

ein geheimnisvolle Mahnung an ihre Erniedrigung durch den

Sündenfall war, wurde in der Ehe der Patriarchen durch die

Verheissung des Segens und die Beschneidung zu einem

Gegensland heiligster Scheu, und da noch kein Heiligthum,

keine Bundeslade, da war, war der Patriarch durch die auf

ihm ruhende Verheissung das Heiligthum, und Abraham liess

beim Schwur die Hand des Schwörenden Eleasar in seine

Hülfte legen, und der kranke Jakob wendete sich auf

seinem Lager und betete das Heiligthum in Joseph an."

557
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, Clemens Brentanos Emmerick - Erlebnis,
Bindung und Abenteuer, Verlag Herder, Freiburg, 1956, p.
344.
27) G.G. SCHOLEM, A mística judaica, pp. 228-229 e ss.

558
Outrossim, é típica da Gnose uma atitude ambígua face

ao sexo. De um lado as seitas gnósticas condenavam de modo absoluto

o sexo e tudo o que tinha relação com ele. De outro, acabavam por

divinizá-lo entregando-se a orgias e à veneração do sêmen humano,

elevando-o ao nível de sacramento divino. Foi o que aconteceu, por

exemplo, com os barbelognósticos, segundo conta S. Epifânio que

participou de cerimônias desta seita (28). Os estudiosos da Gnose

registram esta oscilação entre a ascese mais radical e a mais

absoluta libertinagem como uma nota típica do pensamento e da

mentalidade gnóstica (29).

Nas raízes esotéricas do romantismo, assim co mo

em muitos autores românticos, encontramos essa mesma

ambigüidade ante o problema do sexo: ora ele é visto como abjeto,

ora como fonte de revelação (30). É isso que explica as contradições

de Katharina Emmerick quanto à questão sexual.

(28) S. EPIFÂNIO, Adversus Haereses, Lib. I tom. II Haer.XXVI, Migne P.G.,


vol. XLI, col. 338-339.
(29)A esse respeito diz Hans Jonas: "La liberté par l'abus et la liberté
par le non usage, égales en leur indistinction, ne sont que deux traductions
différentes du même acosmisme. Le libertinage était l'expression la plus
insolente de la révolte métaphisique (...). L'ascétisme réconnaît le
pouvoir corrupteur du monde (...) et c'est peur qui l'anime plutôt que le
mépris". HANS JONAS, La réligion gnostique, Flammarion, Paris, 1978, p.
358.
Outro autor diz: "L'attitude radicale adoptée à l'égard de la chair permet,
indiférement, de pratiquer une ascèse rigoureuse ou une débauche non moins
rigourense car l'une ou l'autre de ces voies est chacune libératrice". J.
LACARRIÈRRE, Les gnostiques, Gallimard, Paris, 1973, p. 57.
Também Hans Leisegang faz a mesma ponderação: "Que
le radicalisme éthique ait conduit, au sein des sectes
gnostiques particulières, tantôt au libértinage, tantôt a
l'ascèse, cela est dans l'essence même de la dialéctique
mystique qui ne cesse de se mouvoir entre deux pôles contraires
et qui n'arrive à forcer la "coincidentia oppositorum" qu'en
faisant passer le second pôle dans celui auquel elle s'attache.
La coéxistance des opposés et le renversement de l'un dans l'autre
sont ici la règle. La courtisanne devient une Madeleine repentie
(...) Astarté se développe (...) en prototype de la chaste
madone, de l'autre, en dêesse de l'amour sensuel et de la volupté". H.
LEISEGANG, La Gnose,Payot, Paris, 1951, p. 189.
559
(30) Cfr. supra cap. I.

560
As visões redigidas por Brentano nos informam que:

"Em José e Aseneth, o mistério da geração foi

elevado ao grau mais alto de sua dignidade e entrou

na Arca da Aliança como unidade dos sexos separados

pois este mistério era a habitação de Jeová entre

os homens, (Jeová) que não é um sexo só, mas o próprio


(31).
criador"

Em que sentido "a unidade dos sexos separados" en trou

na Arca é esclarecido em outra visão narrada pela freira de Dülmen,

explicando como Moisés se apoderou do gérmen da bênção, escondido

na múmia de José, e o colocou na Arca da Alian ça, na noite em que os

israelitas saíram do Egito.

O episódio é rocambolesco e típico de Brentano. Porém,

sua maior importância está na afirmação da existência de uma nota

fálica no mistério do gérmen da bênção, naquilo que Katharina Emmerick

chama de sacramento do Antigo Testamento.

"... Ségola, a profetisa egípcia, entrega a Moisés o

"Mysterium Corporis Josephi et Assenathae".

(31) "In Joseph und Assenath erhob sich das Misterium der Zeu gung
zu einem höheren Grad seiner Würde und trat in der Bundeslade ein,
als Einheit der getrennten Geschlechter, denn dieses Mysterium
war die Wohnung Jehovas unter den Menschen der keines
einzelnen Geschleschtes ist, sondern der Schöpfer selb".
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 344.

561
"(...) A entrada do monumento era coberta pela água do canal, debaixo

da ponte. Degraus conduziam desde a ponte até o nível da água. Ségola desceu

sozinha co m Mois és. Ela jogou um bilhe te com o nome de Deus na água que retrocedeu

deixando à mostra os degraus da escada até debaixo da ponte. Eles desceram e bateram

na pedra da entrada que se abriu para dentro. Então eles bateram na ponte e vieram

também quatro outros homens para baixo. Nesse momento, Moisés atou-os com a sua estola ,

e, desse modo, el es fizeram um juramento sagrado de manter o segredo (do que vissem).

Após o juramento, ele lhes desatou as mãos e todos foram à cripta para onde eles

levaram luz. Viram-se várias passagens ainda e, dentro delas, várias imagens de mortos.

Entretanto, havia na abóboda um bezerro ou vite la de pés iguais e que brilhava

metalicamente como ouro polido, por causa do facho de luz. Ele tinha uma cabeça

pequena, pequenos chifres, e, entre este s, havia ainda uma h aste peque na so bre

a qual havia uma coroazinha (falo). A vitela tinha sinais em ambos os lados.

E l e s t i r a r a m a s c o s t a s d e s t e b e z e r r o c o m o s e fosse uma tampa. Ali jazia o c orpo

de José en volto em vários tecidos e rígidas cordas. Havia uma incisão no lado (como

uma boca na barriga,

562
disse ela em outra ocasião). Faltava um par de costelas; o
coração e v ária s veias est avam como que envol tas em fios de
algodão. Mas o m istério s a n t o q u e e s t a v a n o c o r p o e r a o ú t e r o
d e Assen e t h , c u j a c o s t u r a f o i a b e r t a , e n e l e estava i n s e r i d a a
" h e i l i g e Z e u g u n g " - s a n t a procriaç ã o d e J o s é , e t u d o f o i d e i x a d o
a s s i m . A i n t r o dução não estava na direçã o opos t a, mas os vasos
d a b ê n ç ã o d e J o s é j a z i a m n o s o v á r i o s d e Assen e t h ( d e m o d o q u e
p a r e c i a i n d i c a r m a i s u m a u n i dade do que uma associação de dois
sexos).

Exteriormente, o mistério tinha uma figura em f o r m a de pêra, era


estriado e elástico; estav a totalmente embrulhado e Ségola
r e c e b e u - o e carregou-o diant e de si em seu ve stido" (32).

(32) S e g o la d ie Ä g y p tis c h e P r o p h e t i n ü b e r l i e f e r t dem M o s e s , d a s


Mis ter ium Corpor is Josephi e t Assenathae.
. . . Der E ing ang in d as Monument war unte r der Brücked urch d as
Wasser des Kan als bedeckt. Es f ühr te n S tuf en von der B r ü c k e
zum Wasserspiegel. Segola gieng mit Mo ises alle in hinab. Sie
warf den Nahmen Gottes auf einem Zette l in das Was s er ,
w e l c h e s n u n w i c h u n d d i e S t u f e n d e r T r e p p e b i s u n te r d i e
B r ü c k e e n t h l ö s s te , S ie g ie n g e n h in a b u n d s t i e s s e n a n d e n S t e i n
des Eingangs, der nach Innen sich öff nete, n u n p o c h te n s ie
a n d i e B r ü c k e , u n d e s k a m e n a u c h d i e v ie r a n d e r n M än n e r
h e r ab . H ie r b a n d ih n e n M o s e s d i e H än d e m i t s e i n e r S t o l a
z us amme n und so s chwur e n s ie e ine n he il ig e n. E id , d as
G e h e imn is s z u be wa h r e n . N a ch d e m E id h a n d e r ih re Hände los,
u n d s ie g ie n g e n . A l l e in d a s G r a b g e wö l b e , wo s i e L i c h t
h e r v o r z o g e n . M a n s a h n o c h a l l e r l e i G a n g e i n demselben
und allerlei Todtenbilder drin stehen. Es stand aber im
G e wö lbe e in Rind o de r Kalb auf g le iche n Füs se n (? )
u n d e s s c h imme r te b e im F a c k e i s c h e i n m e t a l l i g wie abgesch e u e r t
Gold, es hatte einen kleinen Kopf, kleine

563
Afinal a questão fica esclarecida. O que era

insinuado é dito explicitamente. O gérmen da bênção, o "sacramento

do Antigo Testamento", o "mistério", o "segredo" é revelado: a

matéria que saíra de Deus e que era guardada na Arca da Aliança tinha

relação não só com a geração, mas também com os próprios órgãos

sexuais.

Já o sarcófago em forma de bezerro e que continha a

múmia de José apresentava um fálo coroado sobre a cabeça. A

descrição do que havia na múmia de José não deixa dúvida alguma:

eram os órgãos sexuais e reprodutores de José e de Asseneth,

colocados não na posição normal de cópula, mas como se constituíssem

unidade. Isto é, como se reconstituíssem a androginia original de

Adão. E o que no texto aparece eufemisticamente como a "santa geração

de José - "der heilige Zeugung" é explicado, em uma nota de Brentano,

como sendo "o

(32) (Cont.) Hörner und zwischen denselben noch einen kurzen Staab
worauf ein Krönchen (Phallus). Das Kalb hatte Zeichen an
heiden Seiten.
Sie hoben den Rücken dieses Rindes als

einen Deckel ab, da lag der Leib Josephs in allerlei

St o f f u n d s t e i f e Linnen gehüllt.
Es war ein Einschnitt an der Seite. (wie eine Bauchklappe sagt sie
ein andresmahl es fehlten ein paar Rippen, Herz und allerlei
Geäder waren wie in Baumwollfassern gehüllt. Das heilige Mysterium
aber lag in dem hohlen Leibe, es war der Uterus der Assenath, dessen
Nath geöffnet warden war, und in welchen man die Heilige
Zeugung Josephs eingelegt, und es wurde alles so gelassen.
Die Einlage war nicht in entgegengesetzter Richtung,
sondern die Gefasse des Segens Josephs lagen hei den Ovarien
der Assenath, (so dass es mehr auf eine Einheit als auf eine
Vereinigung zweier Geschlechter zu deuten schien).
Das Mysterium hatte äusserlich eine

Birnförmige Gestalt war rippich und dehubar, es war ganz

564
eingewickelt und Segola erhielt es und trug es vor sich in

ihrem Gewand".

C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 218.

565
falo de José com os testículos não serão tirados de dentro"(33).

Compreende-se muito facilmente que um texto como esse

não pudesse figurar numa biografia piedosa de Katharina Emmerick

como a publicada pelo Pe. Schmoeger, nem no texto das visões de uma

candidata aos altares...

Para a vidente de Dülmen, a redenção foi obtida pela

reconstituição da androginia primitiva, a qual permitia um modo

"santo" de procriar sem conjunção sexual.

Todas essas idéias - não é preciso dar provas - são


evidentemente estranhas à doutrina católica, oficialmente
professada pela vidente e por seu secretário. Elas estão, porém

em inteira coerência com o pensamento esotérico e gnóstico.

6. O GÉRMEN DA BÊNÇÃO - SACRAMENTO DO ANTIGO TESTAMENTO

Katharina Emmerick narra ainda que, na noite em que

Israel saiu do Egito, Moisés fez construir uma caixa de ouro em forma

de sarcófago, do tamanho de um corpo humano, para guardar lá os restos

de José e de Asseneth. No meio dessa arca se colocou uma caixinha

de ouro contendo o "mistério" ou gérmen da bênção. Mais tarde, tudo

isso foi transferido para a Arca da

(33) "(...) Phallus Josephs mit Testikeln drinn, wird nicht


herausgethan..."
C.B., Tgb., apud J. ADAMS, op. cit., p. 218, nota 20.

566
Aliança feita em forma e medidas estabelecidas por Deus na revelação

do Sinai (34).

Tudo isso não concorda com o que a Sagrada Escritura

diz a respeito da Arca da Aliança. No Êxodo se lê que a Arca devia

ter dois côvados e meio de comprimento, um côvado e meio de largura

e outro tanto de altura (35). Ora, como o côvado tinha aproximadamente

0,5m, a Arca teria cerca de 1,5m de comprimento. Para caber na Arca,

o sarcófago de José devia ser menor ainda, o que exigiria um tamanho

ridículo para a múmia do esposo de Asseneth.

Na Arca da Aliança, Moisés recebeu ordem de colocar as

tábuas da Lei (36), assim como um livro da Lei (37), um vaso com maná

e a vara de Aarão (38). Mais tarde, foram colocados na Arca pelos

filisteus alguns objetos de ouro (39). Mas, no tempo dos reis, só havia

na Arca as tábuas da Lei, conforme diz a Escritura: "Ora, na Arca

não havia senão as duas tábuas de pedra que Moisés tinha metido nela

no Horeb" (40). Como vi mos, Katharina Emmerick chama o gérmen da bênção

de "sacramento do Antigo Testamento" e precisa que na Arca havia uma

portinha que permitia ao sacerdote pegar o gérmen da bênção para

abençoar - como se fazia na Igreja Católica com o Santíssimo

Sacramento -

(34) Cfr. AKE - Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp. 144-145.
(35) Ex., XXV, 10-17; XXXVII, 1-6; XL, 18.
(36) Deut., X, 1-6.
(37) Deut., XXXI, 24-27.
(38) Heb., IX, 4.
(39) I Reis, VI, 4-8.
(40) III Reis, VIII, 9.

567
ou para profetizar (41). O padre Schmoeger não deixou de publicar esses

textos de Katharina Emmerick que apresentam o gérmen da bênção como

um simulácro da Eucaristia: as semelhanças com as cerimônias

eucarísticas podiam impressionar bem leitores de almas piedosas mas

pouco críticas.

A esse respeito diz a vidente:

"Eu sempre reconhecia e tinha a Arca como uma igreja e o


Santuário como um altar com o Santís simo
Sacramento. Eu então via o vaso com o maná como se foss e
a lâmpada diante do altar (...) O " Mi st éri o "
den tr o de la pa rec ia -me o que é p ara nós o
S a n t í s s i m o S a cr a m e n t o d o a l ta r . S ó que a q u e l e
n ã o m e p ar e c i a t ã o c h e io d e g r a ç a como este ,
porém mais severo e mais sério. Ele produ z i a
e m m i m um a i m pre s s ã o m a is o b sc u r a e terrív e l,
porém p ar e c e u - m e s e m pr e mu i t o s a nt o e
m i s terioso.

Parecia-me que estava na Arca tudo o que é sant o ; que toda


nossa s a lv a ç ã o estava nela como um novelo
enrolado, como para uma existência fu t u r a , e q u e
o sacramento da Arca era o mais misterioso d e tu d o .
P a r e c i a - me q ue a Arca era o fundamento do
s a c r a m e n t o d o a l t a r e q u e este e r a a s u a r e a l i z a ç ã o .
N ã o p o s s o e x p r i m i - l o . Este mistério estava tão oculto aos
hebreus como J es u s es tá o cul to p ar a nó s no
San tí ssi mo Sa c ra mento. Eu senti que a penas
poucos sacerdotes sa biam o que ele era, e que
os piedosos entre ele s co nh ec ia m - n o e o u sav am
por i lum in aç ão do alto (...).

568
(41) Cfr. A.K.E.,Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 146.

569
Vejo o mistério do sacrário como uma espécie de invóluc ro
com um conteúd o, um ser, uma força. Era pão
e vinho, carne e sangue. Era o gérmen da bê nç ão
ant es d o p ec ad o . E ra a ex is tê n cia s ac ra ment al
da reprodução antes do pecado e que foi
guardada para os homens na religião e que devia
tornar-se através da piedade uma estirpe o
quanto possível cada vez mais pura, ate chegar
a Maria, na qual devia completar -se, para
dar-nos o tão esperado Messias concebido pelo
Espírito San to (...).

Abraão recebeu este mistério na bênção e vi que ele


t r a n s m i t i u e s t e s a c r a m e n t o c o m o u m a coisa r e a l , c o m o
a l g o su b s ta n c ia l " (42).

(42 ) Ich erkannte die Lade des Bundes immer als eine Kirche und das
Heiligtum als den Altar mit dem heiligsten Sakrament, und so sah
ich dann das Gefäss mit Manna als die Lampe vor dem Altar
an.(...)und das Geheimnis in ihr war mir das, was bei uns das
heiligste Sakrament ist; nur war es mir nicht so gnadenvoll,
sondern streng und ernst; es machte mir einen mehr finstern,
schauerlichen Eindruck, aber doch einen sehr heiligen,
geheimnivollen. Es war mir immer als sei in der Bundeslade
alles, was heilig und all unser Heil sei in ihr wie in
einem Kräuel engewic kelt undd wie im Werden; das Heiligtum in
der Lade aber sei das Geheimste. Es schien mir die Grundlage des
heiligsten Altarsakramentes und dieses seine Erfüllung. Ich
kann es nicht aussprechen. Es war das Geheimnis so verborgen wie
Jesus bei uns im heiligsten Sakrament. Ich fühlte, dass
nur wenige Hohepriester wussten was es war, und dass nur die
Frommen aus ihnen auf höhere Erleuchtung es kannten und
gebrauchten. (...)
Ich sah das Geheimnis, das Heiligtum in einer
Form, in
einer Art Hülle als einen Inhalt, ein Wesen, eine
Kraft. Es war Brot und Wein, Fleish und Blut, es
war der Keim des Segens vor dem Sündenfall; es
war das sakramentalische Dasein der vorsündlichen
Fortpflanzung, welches den Menschen in der
Religion bewahrt wurde und ihnen durch
Frömmigkeit eine immer mehr sich reinigende
Stammlinie möglich machte, die in Maria endlich

570
vollendet wurde, um den lang ersehnten Messias
aus dem heiligen, Geiste zu empfangen.(...)
Abraham hatte es empfangen in jenen Segen, den
ich ihm als eine Sache, eine Wesenheit übergeben
sah".

A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, pp.


148-149-150.

571
Neste texto, os paralelos entre o gérmen da benção e

o sacramento da eucaristia são acentuados:

a. o "mistério" era para os judeus o que a eucaristia

e para os católicos;

b. o gérmen da bênção era, in semine, o que a hóstia

é hoje;

c. o gérmen da bênção era pão e vinho, carne e

sangue.

Porém:

a. o gérmen da bênção conteria menos graça e seria


mais atemorizador;

b. o gérmen da bênção seria a "existência sacramental


da reprodução antes do pecado".

Na Leben der heilige Jungfrau Maria, Bretano repete

as palavras de Katharina Emmerick a respeito do gérmen da bênção como

sacramento do Antigo Testamento:

"Desde minha primeira juventude, em minhas numer o s a s


contemplações do Antigo Testamento, vi
fre qü ent em en te o i nt er ior da Arc a da Ali an ç a
e experimentava então o mesmo sentimento que
t e nho numa igreja, somente mais sério e
terrível.

Eu via não só as tábuas da lei com a palavra de Deus


esc ri ta, ma s t amb ém um a e spé cie de pr es en ç a

572
s a c r a m e n t a l d o D e u s v i v o e e r a c o m o a r a i z do
fut ur o sa cr if í cio do Red en to r , fe it a de tr i g o
e v i n ho , de c ar n e e d e s a n gu e " (43).

Provavelmente aconselhado por Hanneberg - que


auxiliou Brentano na edição desse livro e que foi o responsável por
muitas das informações constantes nas notas do mesmo - o próprio
Brentano faz, em nota, uma prudente mas reveladora observação a
propósito da presença sacramental de Deus na Arca da Aliança. Diz
essa nota:

"Que (o leitor) não se espante com a expressão "presença


sacramental de D e u s " , pois pode-se p r o v a r p e l a S a g r a d a E s c r i t u r a
q u e D e u s estava pr esent e de mo do visíve l e cheio de mi s tério
sob r e a A r c a d a A l i a n ç a . E n t r e o s q u e r u b i n s c o l o cados acima do
Propiciatório que estava em cima d a A r c a , m o s t r a v a - s e s e n ã o s e m p r e ,
p e l o menos em cer tos mom entos , um esplen dor d a di vina ma jes t a d e
envolta numa nuvem.

(43) Ich habe seit meiner frühesten Jugend in meinen vielen


Betrachtungen aus dem Alten Testament gar oft in die Bundeslade
gesehen und habe dabei im er alles wie in
einer vollkommenen Kirche, nur ernster und schauerlicher, gefühlt.
Ich sah nicht nur die Gesetztafeln gleich dem geschriebenen Worte
Gottes darin, sondern auch eine sakramentalische Gegenwart des
lebendigen Gottes, und es war diese gleischsam wie die Wurzel von
Wein urd Weizen, von Fleisch und Blut des zukünftigen Opfers der
Er1ösung".
C.B. - A.K.E., Leben der heilige Jungfrau Maria, Paul
Pattloch Verlag, Aschaffenburg, 1980, p. 48.

573
"Diz a Aarão, teu irmão, que ele não entre em
q u a l q u e r m o m e n t o no S a n t u á r i o ( . . . ) a f i m d e q u e
e l e n ã o m o r r a , porque eu a pare cerei n uma nuve m
sobre o Pro picia tó r i o ( L e v . X V I , 2 ) . D e u s f a l o u
c o m M o i s é s e n t r e dois querub in s (Ex. XXV , 22) .
Quando a Arc a foi l e v a d a n o n o v o t e m p l o d e S a l o m ã o ,
Deus aí ent r o u numa nuvem, de modo que os
s a c e r d o t e s n ã o p u d e r a m m a i s f i c a r l á , e Salomão
d i s s e : "O Senhor di sse que habitaria na nuvem" (II
Paralip. V I , 1 III Reis, VIII, 10-13).

Esta presença velada de Deus sobre a antiga Arca da


Aliança era chamada em hebreu pelo nome de
Schekhinah. Segundo as visões de Emmerick e s t e
e s p l e n d o r n ã o e r a s e n ã o a i r r a d i a ç ã o do misterioso
conteúdo da Arca" (44).

(44) "Man stossen sich nicht an dem Ausdruck sakramentalische Gegenwart


Gottes; denn dass Gott auf eine geheimnisvolle, sichtbar
angekündigte Weise über der Bundeslade gegen wärtig war, bezeugt
die Heilige Schrift deutlich. Zwischen jenen Cherubsbildern nämlich,
welche auf dem Spruchthrone oder über der Bundeslade standen,
zeigte sich, ob immer oder nur zu gewissen Zeiten, ist nicht
ausgesprochen, ein Glanz der göttlichen Majestät, den eine
Wolke verhüllte."Sage zu Aaron, deinem Bruder, dass
e r nicht zu aller Zeit ins Heiligtum eingehe... auf dass er nicht
sterbe, denn in einer Wolke will ich erscheinen über dem
Spruchthron" (Lev. 16,2) Zwischen den zwei Cherubim heraus will
Gott mit Moses reden (Ex. 25,22). Als die
Bundeslade in den neuen salomonischen Tempel getragen war, zog Gott
in einer Wolke auf sie ein, dass dei Priester
nicht mehr innen bleiben konnten, da sprach Salomon:"Der Herr hat
gesagt, dass er wohnen wolle in der Wolke" (2 Chr 6, 1 und 3 Kg
8,10-13). Diese verhüllte Gegenwart Gottes auf der alten Bundeslade
führt im Hebräischen den Namen Schechinah; nach den Anschauungen der
Emmerick wäre aber dieser Glanz nur Ausstrahlung vom geheimnisvo llen
Inhalt der Lade gewesend."

C.B.- A.K.E., Leben der heilige Jung frau Maria, p.48, nota 1.

574
Nesses textos há duas coisas a discutir:

a. a possibilidade de haver sacramentos no Antigo

Testamento;

b. a questão da Schekhinah.

Segundo a doutrina católica, a que oficialmente

aderiam Emmerick e Brentano, os sacramentos foram instituídos por

Jesus Cristo como remédios espirituais, a fim de comunicar a graça

ao homem. Sem pecado original, não haveria sacramentos, diz S. Tomás.

" N o e s t a d o d e i n o c ê n c i a , a n t e s d o p e c a d o , o s s a cramentos
não eram necessários. E a razão disso po de mos descobri -la
na retidão desse estado, em que o inferior, longe
de reger o superior era governado por este;
assim como a razão estava sujeita a Deus assim
lhe estavam sujeitas as potências inferiores da
alma; e à alma, o corpo. O r a , i r i a c o n t r a e s s a
o r d e m s e a a l m a s e a p e r feiçoasse, quer quanto
a ciência, quer quanto a graça , por algum meio
m a t e r i a l , como é o caso no s s acr am ent os . Po r
ond e, no es ta do de in ocê n cia o homem não
precisava de sacramentos, consi d e r a d o s e s t e s n ã o
s ó c o m o o r d e n a d o s a s e r e m r e mé di o c ont ra o pec ad o,
mas a in da en qu ant o or de nados à perfeição da
alma" (45).

Ora, o gérmen da bênção foi dado a Adão antes do

pecado, quando Adão estava ainda em estado de inocência, e por tanto


ele não podia ser um sacramento, no sentido católico.

(45) S. TOMÁS, Suma Teológica, III, Q 61, a.2.

575
Outra consideração a fazer é que, conforme Katharina

Emmerick, só alguns sacerdotes israelitas tinham conhecimento desse

suposto sacramento do Antigo Testamento. Isto fazia com que ele

fosse, de algum modo, secreto, o que daria à Antiga Aliança um caráter

esotérico. Ora, nem a Sagrada Escritura diz nada a respeito de

elementos de revelação ou de sacramentos que devessem permanecer

secretos, nem isto teria cabimento, pois a revelação e os meios de

salvação são necessários para todos e por isso não podem ser mantidos

em segredo.

É muito interessante também que Brentano denomine


Schekhinah a presença de Deus sobre a Arca, presença que seria o
esplendor irradiado pelo gérmen da bênção.

O termo Schekhinah não aparece nos textos do Antigo


Testamento. Esse te/Tio foi usado na literatura rabínica para
explicar como Deus habitava o céu e ao mesmo tempo no Templo. Essa
é a opinião de Arnold M. Goldberg (46).

"(...) La Sekiná es la divindad pensada o sentida presente con


forma o desnuda de forma - en e l cosmos" (Goldberg,
p. 533). Es un ser real, c o n c r e t o , no una pura
abstracción. Ordinariamen te representada por luz o
f u e g o . E s e l " e s t a r d e Dios en el cielo o en la tierra, mas
sin separac i ó n o i n d e p e n d e n c i a r e a l d e D i o s . N o e s u n
ser i n t e r m e d i a r i o e n t r e l a c r i at u ra y D i o s , n i u n ser
s e p a r a d o d e D i o s " ( . . . ) " Cuando e m p e z ó a

(46) Cfr. ARNOLD M. GOLDBERG, Unterschnungen über die Vorstel lung


von der Schekhinah indder frühen Rabbinischen Litte ratur, Studia
Judaica, ed. E.L.Ehrlich, Berlin, 1964.

576
usarse esta designación de la presencia de Dios? Goldberg
dice no saberlo, y añade que la Misná n u n c a e m p l ea
e l t é r m i n o S eki n á , y q u e e s poco frecuente en
textos halákicos. Añade que el si l e n c i o d e l a
Misná n o p r u eb a q u e n o existiera e l t é r m i n o
antes de ella. Existió antes de la Misná pues los
tannaítas lo utilizaron.

E s p u r a f a n t a s i a a t r i b u i r a R . A q i b a s u i n v e n ción,

y a el, o a su Escuela, el primer uso del


tér mi no, c om o ha ce L and au , o de ci r com o
Ham bu rg e r q u e e s p o s t e r i o r a l a d e s t r u c c i ó n
d e l T e m plo del año 70" (47).

Na Cabala, o termo Schekhinah adquiriu um sentido


mais particular, pois passou a designar a décima sefirá, última
emanação da divindade, que se identifica com o Israel místico, ou
o Reino, Malkhult. Por ocasião da criação, a Schekninah teria caído
no universo material. Seu papel corresponde à Sofia dos sistemas
gnósticos.

Sobre essa questão diz Scholem:

(47) ALEJANDRO DIEZ MACHO, Targum Palestinense - Neophyti 1, Ms.


de la Biblioteca Vaticana, tomo II, Êxodo, Consejo Superior
de Investigaciones Científicas, Madrid-Barcelona, 1970, 6
volumes; Introducion IX, pp. 51-52.
A.D. MACHO, op. cit., pp. 51-52.

577
"Nas especulações gnósticas sobre os eons machos e
fêmeas, isto é, potências divinas, que constituem
o mundo do pleroma, a "plenitude" de Deus, este
pensamento assumiu uma forma nova, em que se tornou
conhecido aos cabalistas mais antigos por meio de
fragmentos dispersos. Os símiles em pregados no
livro Bahir para descrever a Schehiná são
extremamente reveladores neste aspecto.
Para alguns gnósticos a "sofia inferior", o último
eon sobre a orla do pleroma, representa a "filha da
luz" que cai no abismo da matéria. Em estreito
paralelo com esta idéia, a Schehiná, como a última
das Sefirot, torna-se a "filha" que, embora seu lar
seja a "forma da luz", deve vagar em terras
longínquas. Vários outros motivos ajudaram a
completar o quadro da Schehiná tal como esboçado no
Zohar; sobretudo, ela era agora identificada com a
"Comunidade de Israel", uma espécie de Igreja
Invisível, que representa a idéia mística de Israel
em seu vínculo com Deus em sua bem-aventurança, mas
também em seu sofrimento e exílio. Ela é não só a
Rainha, filha e noiva de Deus, mas também a mãe de
todo indivíduo em Israel" (48).

(48) G.G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da mística


judaica, p. 231.

578
Como a Sofia gnóstica, a Schekhinah teria sido

responsável pelo espalhar das centelhas divinas por toda a criação,

onde elas estariam exiladas - no Galut - aprisionadas na matéria,

juntamente com as parcelas da grande alma de Adão, sofrendo a tirania

dos elementos malignos, as "cascas", as klipot"(49).

Além disso é preciso salientar que a doutrina da

Schekhinah, na Cabala, tem forte conotação sexual. A Schekhinah era

o elemento feminino da divindade cuja separação do elemento

masculino, a sefirá Yessod, provocara o exílio da divindade no mundo,

o Galut de Deus. Não faltava a essa doutrina nem mesmo um caráter

fálico, conforme explica Scholem(50).

Muito provavelmente Brentano tinha conhecimento das

teorias cabalistas sobre a Schekhinah através da Kabbala Denudata de

Christian K. von Rosenroth que retransmitiu à Alemanha a Cabala

luriânica, na qual são acentuados os traços caráter gnóstico no que

tange à Schekhinah e à redenção.

É próprio à Gnose e à Cabala uma certa materialização das

forças espirituais, ou então, ao contrário, uma concepção

espiritualizada da matéria. Em todo caso, é típica da Gnose e da

(49) Cfr. G.G. SCHOLEM, A Cabala e seu simbolismo, p. 139. Cfr. ainda:
G.G. SCHOLEM, Kaballah, Keter Publ. House Jerusalem, Jerusalem, 1974,
p. 167.
(50) Cfr. G.G. SCHOLEM, A Cabala e seu simbolismo, pp.126-127.

579
Cabala uma concepção mágica da atuação da graça e dos sacramentos.

Em Brentano nota-se a mesma característica. Para ele,

o gérmen da bênção emanado da substância divina tem aparência e

essência materiais. Seu resplendor é a presença da divindade, a

própria Schekhinah. Quem possuía o gérmen da bênção, adquiria a

capacidade de procriar santamente, por via não sexual. O gérmen era,

ao mesmo tempo, veículo da bênção e a própria bênção. Joseph Adams

nota que nesse modo de ver a atuação da graça transparece toda

concepção mágica que Brentano tinha dos sacramentos católicos,

assim como das curas efetuadas por Jesus Cristo, como se pode

verificar examinando as visões de Katharina Emmerick relativas à

vida de Cristo.

"Segundo sua definição este 'sacramento, este ' m i s t é r i o ' é


uma 'bênção essencial', isto é, uma força física, de
atuação mágica, e com isto fi ca já expressa também sua
idéia completa do ser e da atuação dos sacramentos e
b ê n ç ã o s c a t ó l i cas" (51).

(51) "Wach seiner Definition is dieses Sakrament, dieses


"Mysterium", ein "wesentlicher Segen", d.h. eine physische,
magisch-wirkende "Kraft", und damit is dann auch bereits
seine ganze vorstellung vom Wesen und Wirken der katho lischen
Segnungen und Sakramente ausgesprenchen."

J. ADAMS, op. cit., p. 216.

580
Esse modo de atuação mágica fica bem claro quando se

consideram os poderes que a vidente atribui ao gérmen da bênção.

Segundo ela conta, era através dele que os sacerdotes israelitas

recebiam o poder de consagrar. Afirma ela também que, ao atuar, o

gérmen da bênção crescia e resplandecia com uma luz avermelhada. Sua

força podia aumentar ou diminuir, conforme a piedade do povo. Moisés

o utilizava para abençoar o povo à distância, e, no Templo, o

sacerdote tomava-o nas mãos e o movimentava de um lado para outro,

como se fosse uma força (52).

Mais curioso ainda é o que diz a vidente a respeito

de uma infusão feita com o gérmen da bênção para ser dada a certas

mulheres, especialmente àquelas que pertenciam à linhagem

messiânica ou que eram profetisas.

"Para fins santos eu vi usar o gérmen da bênção


submergindo-o em água que ficava abençoada e
se d a v a p a r a b e b e r . A p r o f e t i s a D é b o r a , H a n n a ,
a m ã e d e S a m u e l e m S i l o , e E m e r ê n c i a , a m ã e de
santa Ana, beberam dessa água. Através dessa
bebi d a sa n ta , Em e rê n ci a f o i pr e pa r ad a p a ra
co n ce b e r s a n t a A n a . S a n t a A n a n ã o b e b e u d e s t a
água porque a bênção já estava nela" ( 5 3 ) .

(52) Cfr. A.K.E., Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 151.


(53) "Das Heiligtum wurde von ihmzu heiligen Zwecken auch in Wasser
getaucht und dieses Wasser als ein Segen zum Trinken gereicht.
Die Prophetin Debbora, Hanna, die Mutter Samuels in Silo, und
Emerentia, die Mutter der hl. Anna, tranken von diesem Wasser.
Durch diesen heiligen Trank war Emerentia zur Empfängnis der
hl. Anna vorbereitet. Die hl. Anna trank nicht von diesem Wasser.
Der

581
A concepção mágica que Katharina Emmerick tem do
gérmen da bênção torna-se ainda mais patente nas visões a respeito
do orvalho que o profeta Elias teria feito cair do céu, antecipando
a vinda do Messias.

É conhecido o episódio narrado no III livro dos Reis

no qual o profeta Elias lança uma maldição sobre a terra de Israel

para que não caia mais "nem orvalho, nem chuva", por causa do pecado

de idolatria do rei Achab (54).

E durante três anos e meio houve grande seca. Todavia,

depois de vencer os profetas de Baal no monte Carmelo, Elias orou

sete vezes e veio "uma grande chuva", diz a Escritura(55).

Ora, Katharina Emmerick afirma que a oração de Elias

provocou não uma grande chuva, mas orvalho, e que nesse orvalho

estava contida a bênção - o gérmen da bênção - dado outrora aos

Patriarcas. Diz ainda que esse orvalho caiu sobre os locais em que

viviam pessoas que deviam pertencer à linhagem messiânica, e que

essas pessoas comeram os frutos sobre os quais caíra o orvalho.

Em conseqüência teria havido uma mudança orgânico-espiritual nessas

pessoas, e por isso a vinda do Messias teria sido antecipada de um

século pelo menos.

(53) (Cont.) Segen war in ihr".


A.K.E. Die Geheimnisse des Alten Bundes, p. 152.
(54) III Reis, XVII, 1.
(55) III Reis, XVIII, 45.

582
Em nota ao pé da página, Brentano cita algumas obras

judaicas como prova de que Cristo foi representado simbolicamente

por esse orvalho:

"Em sua incessante figura essa chuva é a crescent e


cooperação do Santíssimo Sacramento cuja fi gura
p r o f é t i c a e r a o m a n á . P o r i s s o o b s e r v a o velho
comentár io heb ra ico Bres chitra bb a sobre a passagem
em que Isaac promete a Jacob o orvalho d o c é u c o m o b ê n ç ã o
( P a r a s h a 6 5 n a e d i ç ã o de C o n s t a n t i n o p l a s o b
Solimão) que po r este o rvalho deve-se entender
o m a n á , a s s i m c o m o pelo t r i g o e v i n h o ( n u t r i d o s
p e l o o r v a l h o ) deve-se e n t e n d e r u m a p o s t e r i d a d e d e
moços e de moças.

Eu vi formar-se no meio do mar como que um turb i l h ã o d e


c o r b r a n c a d o qu a l s a í a u m a pequena nu vem negr a ,
como um pun ho, que se dest acav a, se abria e s e
estendia . N essa nuvenzin ha eu vi , des d e o c o m e ç o ,
uma pequena figura brilhante semelhante a uma
virgem. Vi também que Elias percebeu essa figura
na nuvem que se estendia. A ca beça dessa virgem
e r a c e r c a d a p o r r a i o s . Ela a b r i u s e u s b r a ç o s e m c r u z
e t i n h a , e m u m a de s u a s m ã o s , u m a c o r o a d e v i t ó r i a .
S u a l o n g a v e s tim enta estava co mo que p resa sob seu s
pés. Ela a p a r e c e u n a n u v e m q u e c r e s c i a e p a r e c i a
e s t e n der-se sobre toda a terra prometida.

Vi como essa nuvem se dividia e como, em certos lugares


santos e sa ntifi cados, no s quais habitava m homen s
piedosos e de sej osos da salva ção , ela d e i x a v a c a i r
b r a n c o s t u r b i l h õ e s d e o r v a l h o . V i que esse or valho
tinha as bord as irisadas, e no m e i o v i a b ê n ç ã o
se concentrar como uma pérola para formar-se em
s u a c o n c h a . R e c e b i a e x p l i c a çã o de que est a e r a
uma figur a pro fética, e q ue nesses lugares

583
abençoados em que a nuvem tinha deixado cair
branco orvalho, h o u v e realmente cooperação para a
(56)
manifestação da Santa Virgem" . (Sobre Gênesis
XXVII, 28 comparar Zacharias IX, 17). Portanto não
há de que se espantar se, em escritos judaicos
posteriores, o Messias a p a r e ce como orvalho. No
Talmud (Taanith dist, Mainat h i m a s k i r i n ) d i z R a b b i
B e r a c h i a : ( . . . ) (citaçõ es de Os éias VI, 3 e XIV ,
4) (... ). A alu sã o a o M e s s i a s é m a i s c l a r a n o T a l m u d
de Jerusalém (tract. B'rachot c.5) quando ele
r e l a c i o n a c o m essa mesma idéia (do orvalho), o salmo
sobre o sacerdó ci o do Red entor .

(56) Ich sah aber in der Mitte des Sees sich einen weissen Wirbel bilden,
aus welchem ein schwarzes Wölkchen wie eine Faust hervorstieg, welches
sich öffnete und ausbreitete. - In diesem Wölkchen sah ich gleich anfangs
eine kleine leuchtende Gestalt, gleich einer Jungfrau. Ich sah
auch, dass Elias diese Gestalt in der sich ausbreitenden. Wolke
erblickte. Das Haupt dieser Jungfrau war mit Strahlen umgeben, sie
breitete ihre Arme wie ein Kreuz aus und hatte an der einen Hand einen
Siegeskranz hängen. Ihr langes Gewand war wie zugebunden unter
ihren Füssen. Sie erschien in der sich erweiternden Wolke wie über
das ganze gelobte Land ausgestreckt.
Ich sah, wie diese Wolke sich teilte und an bestimmten heiligen und
geheiligten Gegenden, und wo fromme und nach dem Heil flehende Menschen
wohnten, sich in weissen Tauwirbeln niederliess. Ich sah diese Wirbel
regenbogenfarbige Ränder erhalten und sich in deren Mitte den Segen wie
zu einer Perle in der Muschel vereinen. - Ich erhielt eine Erklärung,
dieses sei ein Vorbild, und aus diesen gesegneten Stellen, wo sich die
Wolke in weissen Wirbeln niedergelassen, sei wirklich die Mitwirkung
zur Erscheinung der heiligen Jungfrau hervorgegangen".
A.K.E., Leben der heilige Jungfrau Maria, pp. 59-60.

584
(citações d os salmos CX e CIX, 3) (...).
Lembramo-nos de ter lido num velho escrito
rabínico que o Messias devia s ubir do mar da
G a l i l é i a , m a s n ã o p o d e m o s , n e s s e mom ento, cita r
exatamen te a pas sagem, a qua l re produzir emos em
seu lu gar , qu ando a ti verm os en c o n t r a d o .
Encontramos, entretanto, num velho co mentário
j u d a i c o s o b r e o s s a l m o s ( M i d r a s c h T h i lim, f.4.
Light foot centur. chronogr. c. 70):
"Eu criei sete mares, diz Deus, mas eu escolhi
entre todos o de Genesareth" (57).

(57) "In seiner fortdauernden Gestalt ist dieser Regen die vermehrte
Mitteilung des heiligen Sakramentes, dessen Vorbild das Manna war, daher
bemerkt der alte hebräische Kommentar Breschithrabba zu der Stelle, wo
Isaak dem Jakob Tau vom Himmel als Segen verheisst (Parascha 65 in der
Ausgabe von Konstantinopel unter Soleiman), unter diesem Tau sei das
Manna wie unter dem (durch den Tau genährten) Weizen und Wein eine
Nachkommenschaft von Jünglingen und Jungfrauen zu verstehen (zu Gen.
27,28, Vgl. Zach 9,17). Demnach befremdet es nicht; wenn auch in späteren
judischen Schriften der Messias als Tau erscheint. In Talmud (Taanith.
dist. Maimathi maskirin) sagt R. Berachia:(...) Deutlicher ist die
Beziehung auf den Messias da, wo der Talmud (hierosol), tract.
b'rachoth.c.5) den Psalm von dem Priestertum des Erlösers auf auf diese
Idee hinführt (...) schwebt uns vor, in einer alten rabbinischen Schrift
gelesen zu habben, dass der Messias aus dem Galiläischen Meer
heraussteigen müsse, können aber zur Stunde die Stelle nicht bestimmt
nachweisen, welches wir uns jedoch bei Wiederauffindung an geeignetem
Ort vorbehalten. Gegenwärtig finden wir indessen (Midrasch
Thillim f. 41. Lightfoot centur, chronogr. c. 70) in einem alten
jüdischen Kommentar über die Psalmen: Sieben Meere habe ich geschaffen,
sagt Gott, aber aus allen diesen habe ich keines erwählt als das von
Genesareth".
A.K.E., Leben der heilige Jungfrau Maria, pp. 60-61, nota 1.

585
É curioso que Brentano faça tantas citações de velhos

textos rabínitos somente para justificar a interpretação do

orvalho como símbolo do Messias prometido. É claro que para provar

isso não era preciso exibir tanta erudição rabínica. Tanto mais que

o ponto principal do texto citado é a afirmação de que o gérmen da

bênção caiu do céu com o orvalho sobre certas regiões habitadas por

pessoas que iam cooperar no advento da Virgem e do Messias.

O modo dessa cooperação a vidente o explica mais


adiante:

"Eu v i q ue, por e feito da oraçã o d e Eli as, a bên ção


(o gérmen da bênção) desceu inicia lmente sob f o r m a
de orvalho. A nuvem baixava. Dela se destacavam
flocos brancos que formavam turbilhões em cujas
bordas havia as cores do arco-íris e se
transformavam afinal em gotas que caiam so bre a
terra (...). Eu perguntava também o que
signific avam sua s bordas de co re s variad as e i s t o
me foi explicado pelo exemplo de uma concha
m a r i n h a q u e t e m t a m b é m r e b o r d o s d e c o r e s brilhantes,
e que, expondo-se ao sol, atrai para si a luz e a refrata
em cores puras até que no m e i o d e l a n a s ç a a p é r o l a e m
t o d a a s u a pureza e b r a n c u r a . F o i - m e m o s t r a d o q u e
esse orvalho e a chuva que veio depois eram alguma
c o i s a m a i s do qu e se enten de cos tumeiram ente p or
um refre scar da terra.

586
Tive a percepção distinta que, sem esse orvalho, a v i n d a
da Santa Virgem teria sido adiada pelo menos por
u m s é c u l o , e n q u an t o q u e , c o m o conseqüência da melhora
e da bênção da terra, as raças que viviam do s fruto s
da ter ra fo ram t ambém r e s t a u r a d o s e r e a n i m a d o s , e
(58)
a c a r n e , recebendo a bênção, enobreceu" .

Como se vê, o gérmen da bênção, atuando sobre os frutos


da terra através do orvalho, era capaz de produzir um enobrecimento
racial que, por sua vez, antecipou a vinda da Virgem Maria e de Jesus
Cristo. Repare-se como esse texto confirma a conotação racista da
concepção do Messias professada
pela vidente de Dülmen e por seu secretário poeta.

(58) Ich sah durch das Gebet des Elias zuerst den Segen als Tau
herabgerufen. Die Wolke senkte sich in weissen Flächen nieder, se
bildeten Wirbel, hatten regenbogenfarbige Ränder und den sich
endlich in Tropfen niederfallend auf. Ich erkannte darin auch
einen Bezug auf das Manna der Wüste, das lag aber morgens wie
Felle bröcklig und dicht, und sie konnten es aufrollen. Ich
sah diese Tauwirbel längs dem Jordan ziehen und nicht überall,
sondern nur hie und da an bedeutenden Stellen sicht niederlassen.
Besonders zu Ainon, gegenüber von Sallem, und auf den späteren
Taufstellen sah ich deutlich solche glänzende Wirbel
niedersinken. Ich fragte auch, was die bunten Ränder dieser
Tauwirbel bedeuteten, und erhielt eine Erklärung durch das
Beispiel einer Muschel im Meer, welche auch so schimmernde
Farbenränder habe und sich, der Sonne aussetzend, das Licht
an sich sauge und von Farben reinige, bis in ihrer Mitte die
weisse reine Perle entstehe. - Es wurde mir aber gezeigt, dass
dieser Tau und der nachfolgende Regen mehr sei als was man
unter einer Erfrischung der Erde zu verstehen pflegt.
Ich hatte das deutliche Verständnis, dass ohne diesen Tau die
Ankunft der heiligen Jungfrau um wohl hundert Jahre verspätet
worden wäre, indem durch die Besänftigung und Segnung der Erde,
die Geschlechter, von Früchten der Erde lebend, auch genährt und
erquickt wurden, und das Fleisch den Segen empfangend sich auch
veredelte".
C.B.-AKE-Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 63.

587
Temos conhecimento de uma concepção semelhante a

essa na doutrina shiita a respeito da humanidade do Imam. Para o

shiismo, gnose do Islam, o Imam é uma encarnação divina. Seu corpo,

não é igual ao dos demais homens.

"Lorsqu'ils parlent du nâsut ou humanité de l'Imam, le


souci des auters ismaéliens est de s u g g é r e r que le corps
de l'Imam n'est pas un corps de chair, constitué comme
celui des autres humains. Ce corps résulte de toute une
alchimie cosmique opérant sur les "corps
é t h é riques (nafs rihiya, l'âme d'éfluve) des adeptes
fidèles. Ces restes "éthériques" s'élèvent d e C i el e n
C i el , pu i s r e de sc e nd e nt p ur if i és, i n vi si b le s à l a
p e rc e pt io n op ti q ue , av e c d es i r ra d i a t i o n s
lunaires, et se déposent comme une rosée céleste
à l a s u r f a c e d ' u n e e a u p u r e o u d e s quelqu es
fruits. Ea u et fruits sont co nso més par l'Ima m du
moment et pa r s on épou se, e t l a rosée c é l e s t e
d e v i e n t l e g e r m e ( g h i l a f ) , constitue l'humanité
(nâsut) de l'Imam" ( 5 9 ) .

As coincidências de idéias e até de termos, entre o


que diz Henry Corbin e o que conta Katharina Emmerick são
impressionantes. Não só o fenômeno e os efeitos do orvalho são os
mesmos, mas fala-se até em gérmen da carne do Imam. Isto não significa
necessariamente que Brentano conhecesse a doutrina shiita.
Provavelmente não. Todavia, a teoria alquímica da "rosée de mai"
podia ter servido de ligação entre o que diz Emmerick e o que ensina
a gnose shiita (60).

(59) H. CORBIN, Histoire de la philosophie islamique, Gallimard,


Paris, 1964, vol. I, pp. 132-133. 0 sublinhado é nosso.
(60) Cfr. FULCANELLI, Le mystère des cathédrales, pp.121-139.

588
Resumindo o que vimos neste capítulo temos:

1. o gérmen da bênção resulta de uma emanação da


substância divina;

2. o gérmen da bênção é uma substância material, e,


portanto, há matéria na divindade ou, pelo menos, uma
matéria saiu dela;

3. essa matéria divina foi posta em Adão exatamente no


lugar onde Eva foi retirada;

4. essa matéria permitiria a Adão gerar outros seres


semelhantes a ele, por meio da palavra e não por via
sexual;

5. antes que Adão caísse em pecado, a Segunda Pessoa da


Santíssima Trindade retirou, com uma faca, essa
matéria do flanco de Adão;

6. esse gérmen da bênção foi depois dado a Abraão, que


o passou a Isaac, e este a Jacó;

7. mais tarde esse gérmen foi dado a José do Egito e a


sua esposa Aseneth;

8. Moisés recolheu o gérmen da bênção na múmia de José


juntamente com o útero de Aseneth e o falo de José,
o qual estava posto dentro do útero de sua esposa,
não em posição normal, mas como se fossem uma
unidade;

9. tudo isso foi posto na Arca da Aliança, e que Moisés


assim como os sacerdotes israelitas abençoavam o
povo com o gérmen da bênção, considerado por
Katharina Emmerick como o sacramento do Antigo
576
Testamento;

10. o gérmen da benção na arca produzia a presença


divina, a Schekhinah;

11. o gérmen da bênção passou depois para os profetas


e Elias o fez cair do céu como um orvalho, antecipando
o advento do Messias pelo menos de um século.

Em conclusão, tudo o que se viu neste capítulo

revela uma grande confusão entre ordem natural e ordem

sobrenatural, assim como entre matéria e espírito, ação

sobrenatural e magia. Fica patente que os textos de

Brentano-Emmerick apresentam uma concepção gnóstica, esotérica e

cabalista da matéria como sendo uma espécie de cristalização do

espírito, enquanto esse seria uma sublimação da matéria. Em

conseqüência o divino e o humano se confundem. Consideramos que

quase todas as peripécias rocambolescas do gérmen da bênção

através da história são de responsabilidade de Brentano. Na

narração da história de Aseneth ele não foi original, tendo

utilizado um apócrifo de caráter gnóstico. Julgamos ainda que se

deve atribuir a Brentano a forte conotação sexual e fálica da

atuação do gérmen da benção.

No próximo capítulo, trataremos da fonte em que


Brentano se abeberou para montar toda essa "échafaudage". Veremos
que essa fonte é cabalista-cristã.

CAPÍTULO VIII
0 GÉRMEN DA BÊNÇÃO, A IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM MARIA E A
ENCARNAÇÃO DO VERBO

577
1. INTRODUÇÃO

Este capítulo tem importância especial para a compreensão


do pensamento de Brentano. Como poeta romântico, seguidor das doutrinas esotéricas
e especialmente das idéias de Boehme e da Cabala cristã, importava-lhe muito
conciliar a Cabala que ele julgava ser a mais antiga tradição judaica - com os
dogmas do cristianismo, assim como justificar sua concepção gnóstica do pecado
original, da reprodução humana e do casamento.
Até aqui vimos como as visões de Katharina Emmerick redigidas

por Brentano expõem a criação do mundo e a do homem sempre em harmonia com as

concepções esotéricas e com pormenores que infalivelmente tem por fonte obras

de caráter cabalista: toda vez que as visões de Katharina Emmerick divergem das

Sagradas Escrituras, concordam, nesses mesmos pontos com autores cabalistas.

Constatamos ainda que, segundo a vidente, o pecado original

consistiu num ato sexual, tendo Adão renunciado à concepção pela palavra.

578
Historiamos a seguir o que a freira de Dülmen relata sobre o gérmen

da bênção. Veremos agora que essa lenda tem origem cabalista-cristã, e como, por

meio dela, Brentano pretende explicar a Imaculada Conceição da Virgem Maria e a

Encarnação do Verbo.

2. O GÉRMEN DA BÊNÇÃO E OS ESSÊNIOS

Katharina Emmerick afirma que o gérmen da bênção esteve

guardado na Arca da Aliança durante muito tempo. Sabe-se pela Bíblia que pouco

antes da tomada de Jerusalém pelos caldeus, no século VI A.C., o profeta Jeremias

ocultou a Arca da Aliança numa caverna do monte Nebo (1). Conforme a freira alemã,

nessa ocasião, o gérmen da bênção foi então miraculosamente transferido da Arca

para os Profetas, e, em particular para os essênios, como veremos mais adiante.

A vidente atribui aos essênios uma origem antiqüíssima.

Datariam do tempo de Moisés e Aarão e estariam ligados aos sacerdotes incumbidos

do transporte da Arca da Aliança. Os essênios teriam passado a viver sob uma

regra comum, como se fossem uma ordem religiosa, a partir da época de Isaías

e Jeremias (2).

(1) Cfr. II Mac., 1-8.


(2) Cfr. C.B. - A.K.E., Leben der heilige Jungfrau Maria, Paul
Pattloch Verlag Aschaffenburg, 1980, p. 13.

579
É evidente que essas afirmações carecem de qualquer valor
histórico. No século passado, as fontes históricas sobre os essênios
limitavam-se a Filo de Alexandria, Plínio, o jovem, e principalmente a Flávio
Josefo, que foi "noviço" na comunidade essênia. As descobertas dos chamados
Manuscritos do mar Morto lançou nova luz sobre esse grupo religioso judaico
(3).

As visões de Katharina Emmerick apresentam os essênios


do modo mais fantástico que se possa imaginar e sempre
confirmando os pontos de vista religiosos de Brentano. Assim,
a vidente diz que eles eram curandeiros que empregavam uma técnica
parecida à dos magnetizadores.

"Eu vi que, em geral, eles se ocupavam de curas.

Recolhiam ervas e preparavam uma bebida. Vi

também agora que as pessoas santas que eu havia

visto profeticamente eram Essênios . Vi ainda que

os Essênios curavam os doentes através da

imposição das mãos ou estendendo -se sobre eles

com os braços completamente abertos. Vi também

que eles curavam à distância, de modo prodigio so,

os doentes que, não podendo vir pessoalmen te até

eles, enviavam um substituto, no qual se fazia tudo

o que se devia fazer no próprio doente. Anotava-se

a hora, e era a mesma em que o doen te era curado

à distância" ( 4 ) .

(3) Cfr. MYLLOR BURROWS, The Dead Sea scrells, Viking Press, New York,
1956.

(4) "Ich sah überhaupt, dass sie mit Heilung beschäftigen. Sie

580
Como se vê, os essênios faziam exatamente o mesmo que o Pe.
Limberg com Katharina Emmerick, ao se deitar sobre ela para soprar em sua
boca o hálito da vida. E, como os românticos da época de Brentano, os essênios
também viviam à cata de ervas medicinais. A missão principal dos essênios
consistia então, segundo a vidente, em preparar a linhagem do Messias. Diz
ela ainda que depois que a Arca da Aliança se perdeu nas mãos dos inimigos
de Israel, os essênios tinham ficado de posse do gérmen da bênção, que eles
guardavam num altar junto com outras relíquias.

"Havia a i n d a o u t r a c o i s a s a g r a d a e m p o d e r d o s
essênios do mon te Hor eb, na gr uta de El ias, a
saber, uma parte do próprio santo Mistério da Arca
da Aliança que ficou em poder dos essênios quando,
certa vez, a Arca caiu em poder dos inimigos. (Aqui
ela falou vagamente de uma dispu ta, de uma cisão
entre os levitas). Estes, com temor de Deus,
ocultavam o Mistério sagrado na Arca da Aliança,
mistério que era conhecido

(4) (Cont.) sammelten Kräuter und bereiteten Tränke. Ich sah jetzt
auch, dass jene heiligen Leute, von welchen ich vor einiger Zeit
gesehen habe, dass sie kranke Menschen auf eine Streu von
Heilkräutern betteten, Essener waren. Ich sah auch, dass die Essener
Kranke durch Handauflegung heilten oder auch, indem sie sich mit
ausgebreiteten Armen ganz über sie hinstreckten. Auch sah ich sie in die
Entfernung auf eine wunderbare Weise heilen, indem sie Kranken,
welche nicht selbst kommem konnten, einen Stellvertreter
sendeten, an welchem alles geschah, was man an dem Kranken getan
haben würde. Man merkte sich die Stunde, und der ferne Kranke war zur selben Zeit
genesen".
C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, pp. 17-18.

581
apenas pelo mais santo dos sumos sacerdotes e por
alguns profetas. Contudo, penso que havia
conhecimento disso em pelo menos alguns conhecidos,
misteriosos, velhos e profundos livros judeus.
(Aqui Brentano põe uma nota que citaremos mais
adiante).

Na nova Arca da Aliança do templo construído por


Herodes, não havia mais essa perfeição. Não era uma
obra preparada por ação humana, era um Mysterium,
um Santíssimo Segredo da bênção de Deus para o
advento da Virgem cheia de graça, na qual o Verbo
tomou carne e Deus se tornou homem, quando ela foi
coberta pela sombra do Espírito Santo.

Vi uma parte desse mistério sagrado, que antes do


cativeiro de Babilônia estava todo na Arca,
guardado agora aqui, com os essênios, em um cá lice
marrom resplandecente, que me parecia ser uma pedra
preciosa. Eles também profetizavam por meio deste
mistério santo. Às vezes ele parecia mover-se como
se fosse um pouco de sangue" (5).

------------------------

(5) Es war aber auch noch ein anderes Heiligtum im Besitze der Essener auf
Horeb in der Höhle des Elias, and zwar ein Teil des eigentlichen heiligsten
Geheimnisses der Bundeslade, das in den Besitz der Essener gekommen, als
die Lade einmal in die Hände der Feinde fiel. (Sie sprach hierbei
unbestimmt von einem Streit, einer Spaltung unter den Leviten).Dieses mit
dem Schrecken Gottes in der Bundeslade verüllte Heiligtum kannten nur die
Heiligsten der: Hohenprister und einige Propheten. Ich meine jedoch, er-
kannt zu haben, es sei einiges davon in nur wenig bekannten geheimnisvollen
Büchern alter tiefsinniger Juden erwähnt.

582
E, na nota a que nos referimos, Brentano diz:

"Em julho de 1840, cerca de vinte anos após esta


comunicação, quando ela estava para ser impressa, o
escritor (Brentano) foi informado por um filologista que
o livro cabalístico, Zohar, contém várias referências a
(6)
respeito disso ".

Eis aí uma primeira pista das fontes de Brentano sobre a

existência do gérmen da bênção na Arca da Aliança. Porém, a nota é muito imprecisa.

E cremos que isso é intencional. Brentano não dá o nome do filólogo que lhe
falou do

(5) (Cont.) - Es war nicht mehr vollkommen in der neuen Bundeslade des
von Herodes hergestellten Tempels. Es war kein Werk von
Menschenhänden bereitet, es war ein Mysterium, ein heiligstes
Geheimnis des göttlichen Segens zur Ankunft der heiligen Jungfrau voll
der Gnade, aus welcher durch Überschattung des heiligen Geistes das
Wort Fleich angenommen hat und Gott Mensch geworden ist. – ich sah einen
Teil dieses Heiligtums, das vor der Babylonischen Gefangenschaft ganz
in der Bundeslade gewesen, jetzt hier bei den Essenern in einem braunen
glänzenden Kelch, der mir wie aus einem Edelstein schien, bewahrt.
Auch aus diesem Heiligtume weissagten sie. Es schien manchmal wie
kleine Blüten zu treiben.
C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 24.

(6) Im Juli 1840, etwa 20 Jahre nach dieser Mitteilung, als sie zum Druck
geordnet ward, erfuhr der Schreiber von einem Sprechkundigen, das
kabbalistische Buch Sohar enthalte manches hierauf Bezügliche.
C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 24, nota 1.

583
Zohar, mas é praticamente certo que tenha sido. Daniel Bonifaz Hanne-
berg, futuro Bispo de Speier, monge beneditino, grande conhecedor de
questões exegéticas e de literatura judaica, a quem Brentano, ao
morrer, confiou seus documentos manuscritos. Com essa informação o
poeta nos informa também que, pelo menos nesse tempo, ele dizia não
conhecer o Zohar. Brentano não dá a indicação do ponto em que o
Zohar trataria do gérmen da bênção, o que é lamentável. Como já
dissemos, não encontramos no Zohar qualquer passagem que direta ou
indiretamente possa se referir ao gérmen da bênção. Outras citações
que serão feitas sobre esse tema serão igualmente imprecisas. Não
existe no rol dos livros da biblioteca de Brentano nenhum exemplar do
Zohar. Mas, considerando a mentalidade do poeta, cremos que, se ele
tivesse conhecimento direto do Zohar, ele não deixaria de dizê-lo,
embora fosse também próprio de seu caráter psicológico o despistamento
das suas fontes. De qualquer modo, pela primeira vez, temos uma
indicação do poeta sobre a origem do mito do gérmen da bênção: a fonte
de Brentano era cabalista, e ele julgava, ou queria que se pensasse,
que essa fonte era o Zohar.

Katharina Emmerick afirma que os essênios tinham uma

missão religiosa especial ligada ao gérmen da bênção: eles deviam

preparar a estirpe que daria ao mundo a Virgem e o Redentor. Por isso

profetizavam sempre a respeito de mulheres, aconselhando-as a casar

com este ou aquele pretendente, de acordo com o que viam

profeticamente sobre a linhagem do Messias(7). Para isto, dispunham

de um objeto extraordinário: uma

(7) Cfr. C.B.- A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 21.

584
árvore genealógica do Messias - uma árvore de Jessé - não em forma gráfica, mas em
forma viva! Uma árvore genealógica que crescia por ter raízes na terra, e que, como
frutos, produzia pequenas figuras humanas, pelas quais os essênios viam quais eram
as pessoas que deviam se casar para formar a linhagem messiânica.

"No meio dessas pequenas plantinhas, vi algo co mo

um arbusto mais alto, cujas folhas me pareceram

amareladas e recortadas como conchas de ca racóis.

Apareceram-me sobre essa arvorezinha como que

pequenas figurinhas. Eu agora não saberia dizer se

essa pequena árvore era viva ou se era uma obra

artificial, tal como uma árvore de Jessé.

Em outro dia ela disse: "Entre esses arbustos com

folhas recortadas via-se uma raiz de Jessé, uma

árvore genealógica que permitia ver quanto já

estava próximo o nascimento da Virgem santa. Isso me

pareceu um ser vivo e ainda também uma espécie de

recipiente, pois vi um ramo florido. Creio que era

a verga de Aarão, que vi outrora guardada dentro da


(8) .
Arca da Aliança"

(8) "In der Mitte zwischen diesen kleinen Kräuterbuschen sah ich etwas
wie ein höheres Bäumchen, die Blätter kamen mir gelblich and wie ein
Schneckenhäuschen gedreht vor. Es erschienen mir auf diesem Bäumchen wie
kleine Figürchen. Ich vermag jetzt nicht gewiss zu sagen, ob dies Bäumchen
lebendig oder ein gemachtes Kunstwerk gleich einer Wurzel Jesse
war. - (Am folgenden Tage sagte sie): An diesem Bäumchen mit den
gedrehten Blättern war gleichwie an einer Wurzel Jesse oder einem
Stammbaume zu sehen, wie weit die Herannahung der heiligen Jungfrau
schon fortgeschriten war. Es erschien mir wie lebendig und doch auch
wie ein Behälter, denn ich sah einen blühenden Zweig, ich glaube, den
Stab Aarons darin bewahrt, der ehemals in der Bundeslade gewesen".
C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, ed.cit., p. 23.

585
3. SANT'ANA S. JOAQUIM E O GÉRMEN DA BÊNÇÃO

Katharina Emmerick diz que os antepassados de Sta. Anna, mãe da


Virgem Maria, carregavam a Arca da Aliança por isso, recebiam raios que saiam do gérmen
da bênção. Esses raios não só atingiam e eles, enquanto carregavam a Arca, mas
alcançavam também sua posteridade como, por exemplo, Sta. Anna e a Virgem Maria (9). Sta.
Anna nasceu marcada com um sinal sobre o estômago, exatamente no local em que Katharina
Emmerick, ao nascer, tinha uma espiga de milho - a espiga da Sabedoria. Tal sinal era
uma letra M (10). Diz ainda a vidente de Dülmen que Sta. Ana se casou com S. Joaquim e
que eles costumavam dividir seus rebanhos em três partes: o primeiro terço era dado
ao Templo; o segundo era dado aos pobres; o terceiro terço para eles próprios. Mas
Deus os recompensava, fazendo que o terço que lhes restava dobrasse (11).

(9) Cfr. C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 29.
(10)Cfr. CB – AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 27.
(11) Cfr. CB - AKE - Leben der heiliqe Jungfrau Maria, p. 30-31.

586
Ora, ocorre que esse relato repete de modo praticamente textual o
que se lê no apócrifo Evangelho do Pseudo Mateus (I , 1-2), no Evangelho da Natividade de
Maria (I-2), no Proto Evangelho de S. Tiago (I-1) (12).

Retornemos, porém as visões. Ela conta que no jardim da casa de Sta.


Ana, havia uma árvore cujos ramos enviavam brotos para a terra, produzindo novas
árvores, formando assim um grande maciço de vegetação. A descrição dessa árvore é exa-
tamente igual à da árvore do conhecimento do bem e do mal, no paraíso terrestre(13).
Sempre segundo a vidente, Sta. Ana teve duas filhas antes de nascer a Virgem Maria,
mas nenhuma delas possuía o sinal que indicava a criança prometida para gerar o Messias
(14). Todavia, contraditoriamente, Katharina Emmerick conta que um dia no Templo um
sacerdote insultou S. Joaquim por causa da esterilidade de Sta. Ana (15), o qual teria
ficado tão magoado, que durante longos meses foi viver sozinho, com seus rebanhos,
sem avisar sua esposa (16).

Encontram-se esses fatos anedóticos sobre São Joaquim no Proto


Evangelho de S. Tiago (I-4), assim como no Evangelho do Pseudo Mateus II-1(17). É no
apócrifo Livro da Natividade de Maria (II,1), que se conta o ultraje feito contra S.
Joaquim, só que nessa obra o sacerdote ofensor se chama Issacar e não Rubens, como no
relato da vidente (18). Outros pormenores dos apócrifos são repetidos fielmente por
Katharina Emmerick. Por exemplo, o tempo que S. Joaquim passou separado de Sta. Ana foi
de cinco meses, conforme Katharina Emmerick e segundo o Evangelho do Pseudo Mateus (II,1)
(19).

(12) Cfr. Mario Erbett - "Gli apocrifi del Nuovo Testamento" Marietti
Casale, 1981, Vol. I/2.
(13) Cfr. C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 34-39.
(14) C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, pp.31-32.
(15) C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 38.
(16) C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 38.
(17) Cfr. M. ERBETTA, o p . c i t . , pp. 20-48.
(18) Cfr. M. ERBETTA, op. cit., p. 73.
(19) Cfr. M . ER BETT A , op. cit. , p. 48.

587
São idênticos também os relatos de como Sta. Ana se vestiu de modo especial e foi
rezar sob a árvore que havia em seu jardim, onde lhe apareceu um anjo ordenando-lhe
que fosse ao Templo encontrar - se com seu marido na porta dourada, avisando-a de
que deles is nascer uma criança(20), e de como o anjo apareceu também a S. Joaquim
dando-lhe a mesma ordem, tudo exatamente como se encontra no Proto Evangelho de S.
Tiago (IV, 2), no Evangelho do Pseudo-Mateus (III, 2), e no livro da Natividade de
Maria (III 1 e 111-4) (21).

Verifica-se pois que Katharina Emmerick via exatamente o que Brentano


lia.

Partiu então, continua a vidente, S. Joaquim para o Templo e lá


ofereceu a terra parte de seus rebanhos em sacrifício. Os sacerdotes o conduziram para
perto do altar dos perfumes. Enquanto ele rezava, apareceu-lhe um anjo que lhe
anunciou que dele e de Sta. Ana, nasceria um fruto imaculado (22).

"O anjo lhe disse que sua esterilidade não era uma
vergonha para ele, mas uma honra, pois o que sua mulher
ia conceber através dele deveria ser o fruto
imaculado da bênção de Deus, devia ser o coroamento
(23) .
da bênção de Abraão" Então, o anjo retirou da Arca
da Aliança um globo luminoso e ordenou que Joaquim
soprasse e olhasse para dentro dele. Quando ele
(24) :
soprou apareceram imagens no globo

(20) C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria,


pp.39-40; Proto Evangelho de S. Tiago IV, 2; Evangelho do Pseudo Mateus III,
3; Livro da Natividade de Maria IV, 1-Apud M. Erbetta, op. cit., pp.
21-48-74.
(21) Cfr. M. ERBETTA, op. cit., pp. 21-48-73.
(22) C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, pp.42-43.
(23) C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 44.
(24) "(...) and der Engel sage ihm, ebenso rein wie diese Kugel von
seinem Hauche geblieben, werde das Kind Annas empfangen werden". C.B. -
AKE- Leben der heilige Jungfrau Maria" - ed. cit., p. 44.

588
"(...) e o anjo lhe disse que do mesmo modo que o globo permaneceu

puro ao ser tocado por seu

hálito, assim também seria a concepção da criança de Anna".

Joaquim olhou então o globo, tendo uma visão do gérmen da bênção


através da História. Era, pois, uma visão dentro da visão, o que é típico de Brentano.
Frequentemente ele insere em seus romances, um sonho dentro de um sonho, uma visão
dentro da outra. Ao contemplar as imagens que lhe apareciam no globo luminoso - que
também se parece com uma bola de cristal - Joaquim viu toda a História do pecado até
a Redenção; viu a Santíssima Trindade; a Criação; o pecado de Adão e Eva ; a promessa
da Redenção; a bênção dada a Abraão; sua transmissão aos patriarcas hebreus e "como
estas coisas nasciam umas das outras" (25).

Viu ainda
"(...) como a bênção passou para José quando ele foi para
o Egito e nele e em sua mulher chegou a um mais alto grau
de dignidade. Depois como por meio de Moisés, o Santuário
da bênção foi levado do Egito com as relíquias de José e
de Aseneth, sua esposa, e se tornou o Santíssimo da Arca
(26)
da Aliança, a sede do Deus vivo em meio a seu povo ;
para o desenvolvimento da santa linhagem, a estirpe da
Santa Virgem e de todos os seus e do Salvador profetizado
e simbolizado na História e nos profetas".

(25) Cfr. C.B. – A.K.E. – Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 44-45.
(26) "(...) hierauf wie der segen an Joseph in Ägypten kam und in ihm
und seinem Weibe in einen höheren Grad der Würde trat, dann wie mit
Reliquien Josephs und Asnaths, seines Weibes durch Moses das Heiligtum des
Segens aus Ägypten entführt, das Allerheiligste der Bundeslade, der Sitz des
lebendigen Gottes unter seinem Volke ward; dann den Dienst und Wandel des Volkes
Gottes um das Heiligtum, die Führungen und Verbindungen zur Entwicklung des
heiligen Geschlechtes, des Stammes der heiligen Jungfrau

589
A visão prossegue dando o histórico do gérmen da bênção por meio de
figuras simbólicas e mostrando uma luta entre o bem e o mal, entre anjos e demônios.
Nesse ponto, Katharina Emmerick faz certas afirmações sobre os efeitos do gérmen da
bênção que têm forte conotação gnóstica e racista. Assim, por efeito do gérmen da
bênção, os homens ficavam divididos em dois grupos ou raças, os divinizados e os
impuros, sendo que, pouco a pouco, os elementos dispersos do sangue puro iam se
reunindo até formar a Virgem Maria:

"Parecia que uma carne pura, um sangue mais puro


tinham sido posto pela misericórdia de Deus na
humanidade como um rio de água turva e que, com muita
dificuldade e muito trabalho, devia reunir de novo,
em si, seus elementos dispersos, enquanto o rio todo
se esforçava para atrair esses elementos a si e
turvá-los. Finalmente, por meio das inumeráveis
graças de Deus e a fiel cooperação dos homens, após
muitos obscurecimentos e purificações nessa
corrente de água sempre renovada (essa carne mais
pura) se encontrou enfim fora desse rio como a Santa
Virgem, na qual o Verbo tomaria carne e habitaria
(27) .
entre nós"

(26) (cont.) und alle ihre und des Heilands orbilder und Sinnbilder in der Geschichte
und den Propheten.
C.B.- A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria - p. 45.
(27) "Es war, als sei ein reines Fieisch, ein reinstes Blut durch das Erbarmen
Gottes in die Menschheit wie in einen getrübten Strom gegeben und müsse mit
grosser Mühseligkeit und Arbeit sich aus seinen zerstreuten Elementen
wiederfinden, während der ganze Strom es an sich zu reissen und zu trüben
strebte, und endlich habe es sich durch unzählige Gnaden Gottes und treue
Mitwirkungen der Menschen nach vielen Trübungen und Reinigungen in dem sich
immer neu ergiessenden Strome gefunden und steige nun als die heilige Jungfrau
aus dem Strome hervor, aus welcher das Wort Fleisch geworden ist und unter uns
gewohnt hat". C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, pp. 45-46.

590
É impossível não ver nessa citação a prova de uma concepção
naturalista da Graça, que acabaria se manifestando de um modo praticamente biológico.
Racismo e Gnose se deduziriam fácil e diretamente dessa concepção.

Finalmente o anjo fez Joaquim ingerir um alimento e uma bebida


que o purificariam, fazendo com que saíssem dele a concupiscência desordenada e a
impureza, frutos do pecado original. Como se estas más tendências existentes no homem
pudessem ser tiradas dele, assim como se tira um objeto de um recipiente:

"Vi então que o anjo marcou ou ungiu com as pontas de

seu polegar e de seu dedo indicador a fronte de

Joaquim, e fez com que ele comesse um alimento

luminoso e que bebesse um líquido lumin o s o c o n t i d o

num cálice cintilante que segurava com dois

dedos. Esse cálice tinha a forma do cálice

da Santa Ceia, mas sem pé. Pareceu -me também

que esse alimento que lhe era dado na boca

era como uma pequena espiga de trigo luminosa

e um baguinho de uva luminoso, e eu

compreendi que em seguida a isso, e por isso,

toda volúpia pecaminosa e impureza saíram de


(28).
Joaquim"

(28) "Ich sah nun, dass der Engel die Stirne Joachims mit der Spitze
seines Daumens und Zeigefingers bezeichnete oder salbte, und dass
er ihm einen leuchtenden Bissen zu essen und eine lichte Flüssigkeit
aus einen schimmernden Becherchen zu trinken gab, das er mit zwei
Fingern fasste. Es war von der Gestalt des Abendmahlkelches,
jedoch ohne Fuss. Diese Speisung erschien mir auch, als gebe er ihm
eine kleine lichte Weizenähre und ein Lichtträubchen in den Mund, und ich
erkanntem dass hierauf alle
É preciso notar que Katharina Emmerick, usando os símbolos do trigo

e do vinho, relaciona mais uma vez, o gérmen da bênção com a eucaristia. Além disso,

como já vimos, a espiga luminosa que daria uma fecundidade santa e pura a Joaquim,

é claramente um símbolo fálico, relacionado com a fecundidade de Osiris(29). Tudo

isso, segundo Katharina Emmerick, preparava Joaquim para receber o gérmen da bênção,

591
tornando-o capaz de gerar imaculadamente a Virgem Maria. O anjo entrega então a Joaquim

o gérmen da bênção:

"Eu vi em seguida que o anjo fazia Joaquim participar

do mais alto dom, o santíssimo sangue dessa bênção

que Deus dera a Abraão e que finalmente, tirado de

José, tornara-se o Santíssimo da Arca da Aliança,

a sede de Deus no meio de seu povo. Ele deu a Joaquim

essa bênção do mesmo modo que, em outra ocasião, vi

Abraão recebê-la de um anjo, mas com a diferença de

que para dá-la a Abraão, parecia que o anjo abençoador

a retirara de si mesmo, enquanto que para dá-la a

Joaquim, o anjo pegou-a no Santo dos Santos" (30) .

(28) (cont.) sündliche Lust und Unreinheit von Joachim verschwunden sei". C.B. AKE -
Leben der heilige Jungfrau Maria, p.47.
(29) Cfr. W. HÜMPFNER, op. cit., p. 245.
(30) "Ich sah hierauf, dass der Engel den Joachim des höchsten Gipfels, der
heiligsten Blüte jenes Segens teilhafting machte, den Gott dem Abraham
gegeben and der endlich aus Joseph das Heiligtum der Bundeslade, der Sitz
Gottes unter seinem Volke geworden war; er gab dem Joachim diesen Segen,
in derselben Weise, wie mir bei anderer Gelegenheit gezeigt ward, dass
Abraham durch einen Engel den Segen empfing, nur mit der Abweichung, dass der segnende
Engel bei Abraham den Segen aus sich selbst, gleichsam aus seiner Brust, bei Joachim aber
aus dem Allerheiligsten zu nehmen schien" .
C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 47.

592
Nesse ponto de novo, Katharina Emmerick descreve o gérmen da
bênção como sendo algo material, com nítida simbologia sexual, e que lembra o
conhecido símbolo gnóstico oriental do Ying e Yang, que se movem dentro de um
círculo como que buscando interpenetrar-se:

"Eu vi este Santíssimo da Antiga Aliança permanecer na Arca

da Aliança de Moisés, no Tabernáculo e no Templo de

Salomão, sob a forma dois pequenos corpos luminosos

interpenetrando-se, dentro de uma circunferência

luminosa. Mas agora que o anjo fez Joaquim participar

desta bênção, eu a vi como algo luminoso, tal como um

brilhante germe vegetal, com a forma de uma fava

luminosa posta no peito de Joaquim, cujas roupas

estavam abertas (...)

Foi-me revelado que Joaquim recebeu, nessa bênção, o

mais elevado fruto e o próprio cumpri mento da bênção

de Abraão, a bênção para a imaculada concepção da

santíssima Virgem, a qual esmagaria a cabeça da


(31) .
serpente"

Para Katharina Emmerick, portanto, a recepção da bênção, tornou


Joaquim capaz de gerar de modo imaculado e nisso teria consistido a imaculada conceição
de Maria. Ora, se assim

(31) "In der Bundeslade Moses, die in der Stiftshütte und im Tempel
Salomons gestanden, sah ich dieses Heiligste des Alten Bundes unter der Form
zweier rich durchdringenden, kleineren Lichgestalten innerhalb eines
leuchtenden Umfanges; jetz aber, als der Engel den Joachim dieses Segens
teilhaftig machte, sah ich diesen Segen, als gebe der Engel etwas Leuchtendes,
gleich einem leuchtenden Pflanzenkeim, von der Form einer leuchtenden Bohne
in das vor der Brust geöffnete Gewand Joachims. (...)
Mir ward eröffnet, dass Joachim in diesen Segen die höchste Frucht un die
eigentliche Erfüllung des Segens Abrahams, den Segen zur unbefleckten
Empfängnis der allerseligsten Jungfrau empfing, welche der Schlange das Haupt
zertrat".
C.B - A.K.E. Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 49.

593
fosse, imaculada não seria a Virgem, mas o ato gerador de Joaquim e Ana. Vejamos

então como foi esse ato. Aqui, Katharina Emmerick urde toda uma série de episódios

até fazer Joaquim e Ana se encontrarem nos subterrâneos do Templo, junto à Porta

Durada. Joaquim deteve-se junto a uma coluna feita como uma palmeira da qual

pendiam ramos e frutos e Ana foi ao seu encontro:


"Eles se abraçaram em santa alegria e se comunicaram sua felicidade. Eles
estavam arrebatados e envolvidos por uma nuvem brilhante.

Eu vi esta luz sair de um grande exército de anjos, os quais, trazendo a


visão de uma alta e brilhante torre, pairavam sobre Ana e Joaquim.

Esta torre era, como eu vi em figuras tiradas das


ladainhas, a torre de Davi a torre de marfim, etc.
Eu vi essa torre desaparecer entre Ana e Joa quim e eles foram cercados
por um grande esplendor.

Eu soube então que, em conseqüência desta graça


concedida, a concepção de Maria foi tão pura como
seriam todas as concepções, se não tivesse

594
havido o pecado original" (32).

O texto insinua que S. Joaquim e Sta. Ana não

conceberam Maria por meio de um ato normal. Como Katharina Emmerick diz que essa
concepção se deu como seria senão tivesse havido pecado original, e como ela afirmou
que sem o pecado a concepção seria por meio da palavra, deve-se concluir que a geração
de Maria foi obtida pela palavra. Assim se explica que o anjo tenha dito a Joaquim
que como seu hálito não embaçara o globo de luz, também a concepção da Virgem não
"embaçaria" Sta. Ana.

É nessa ocasião que Katharina Emmerick relata a visão que citamos


no capitulo VII desta tese, onde ele vê sair da Santíssima Trindade uma bênção substancial
que ia formar uma linhagem pura (33).

(32) "Sie umarmten sich in heiliger Freude und teilten sich ihr Glück mit.
Sie waren entzückt und von einer Lichtwolke umgeben. - Ich sah dieses Licht von einer
grossen Schar von Elgeln ausgehen, welche die Erscheinung eines hohen
leuchtenden Turmes tragend, über Anna und Joachim niederschwebten. -
Dieser Turm war, wie ich in Bildern aus der lauretanischen Litanei den
Turm Davide, den elfenbeinernen Turm usw gestaltet sehe.

Ich sah, als verschwinde dieser Turm zwischen Anna und Joachim, und es umgab sie

eine Glorie von Licht.

Ich erkannte hierauf, infolge der hier gegebenen Gnade sei die Empfängnis Maria
so rein geworden, wie alle Empfängnis ohne den Sündenfall gewesen sein würde ".

CB - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 51.


(33) Cfr. CB - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, 54-55.

595
4. UMA NOTA IMPORTANTÍSSIMA

Nesse ponto da narrativa, Brentano coloca a nota mais importante


de todas as que formula a respeito das visões de Katharina Emmerick, pois nela ele
revela a fonte de seu conhecimento sobre o gérmen da bênção:

"A vidente, no curso de suas numerosas manifestações

de suas contemplações em parte históricas, em parte

simbólicas, sobre o Velho e o Novo Testamento, fez

sobre esta bênção várias comunicações das quais

apresentamos aqui algumas em seqüência

cronológica":

"Foi com esta e por esta bênção que Eva foi tirada
do flanco direito de Adão. Uma bênção que pe la
misericordiosa providência de Deus foi retirada de
Adão na hora em que ele estava para consentir no
pecado.

Eu vi Abraão recebê-la de novo dos anjos após a

instituição da circuncisão e da promessa do nascimento

de Isaac. Em seguida, ela foi transmitida a seu

primogênito Isaac por meio de uma cerimônia solene e

sacramental, e deste foi transmitida a Jacob. Essa

bênção foi tirada de Jacob pelo anjo com o qual ele

lutou e passou logo a José, no Egito. Finalmente, ela

foi retomada por Moisés, na noite anterior à saída do

Egito, junto com os ossos de José, e foi colocada em

seguida, na Arca da Aliança como o Mistério Sagra do

do Povo".

596
Não fora sem escrúpulo e sem inquietação que redigíramos
estas explicações da serva de Deus, com o fim de imprimí-las,
quando soubemos que no livro Zohar (redigido por Simon Bar
Jochai no segundo século da era cristã mas que contém partes
mais antigas) se acha, quase que palavra por palavra,o que ela
diz aqui e em outras numerosas comunicações sobre este Mistério
da Antiga Aliança. Um leitor familiarizado com a antiga língua
caldaica pode se convencer disso lendo as seguintes
passagens: Zohar Par Told ' oth, p. 340; ibid. 345 (Ausg.
(34)
Salzbach) B'reschit, p.135, T'rumah, p. 251, etc." .
Brentano afirma ter tido escrúpulos de publicar as comunicações
da freira de Dülmen sobre o "gérmen da bênção", pois se o gérmen da bênção tivesse
realmente existido, dele teria se formado o corpo da Virgem assim como o de Cristo, o
que teria gravíssimas conseqüências teológicas. Por exemplo, a matéria dos corpos da
Virgem Maria e de Cristo saíra de Deus, e teria estado na Arca da Aliança. Daí Brentano
afirmar prudentemente que as contemplações de Katharina Emmerick são parcialmente
históricas, parcialmente simbólicas, sem precisar os limites entre o

(34) "Die Erzählerin erwähnte im Verlauf ihrer mannigfaltiger, teils


historischen, teils sinnbildichen Betrachtungen aus dem Alten und Neuen
Testament dieses Segens in Vielfachen Beziehungen, deren wir einige in
geschichtlicher Folge hier zusammenstellen. - Es war jener Segen, mit
und aus welchem Eva aus der rechten Seite Adams hervorgenommen worden
ist. Ein Segen, den ich durch Gottes barmherzige Vorsehung dem Adam, als
er im Begriff stand. In die Sünde einzuwilligen, entziehen sah, den aber Abraham nach
Einsetzung der Beschneidung mit der Verheissung Isaaks durch die Engel wieder
empfing, und der hierauf von ihm in feierlicher sakramentalischer
Handlung auf seinen erstgeborenen Isaak und von diesem auf Jakob übertragen wúrde. Dem
Jakob aber ward dieser Segen durch den mit ihm ringenden Engel entzogen und ging auf Joseph in
Ägypten über. Endlich ward er durch Moses in der Nacht vor dem Zuge aus Ägypten wieder
genommen, mit den Gebeinen Josephs entführt und war sodann das Heiligtum des Volkes in der
Bundeslade. - Diese Aufschlüsse der Gottseligen hatten wir eben nicht ohne Zögern und Bedenken
für den Druck hingeschrieben, als wir hörten, dass im Buch Sohar (welches
dem Simon Bar Jochai im 2. Jahrhundert, n. Chr. zugeschrieben wird, aber
viel ältere Bestandteile enthält) diese und ähnliche im Verlauf
vorkommende Mitteilungen über dieses Mysterium des Alten Bundes
sich fast wörtlich wiederfinden. Ein des späteren Chaldäischen kundiger
Leser kann sich hiervon überzeugen, wenn er zum Beispiel folgende Stellen
nachsieht: Sohar Par. Told'oth. p. 340 ibid 345 (Ausg. Sulzbach).
B'reschit p. 135. Trumah p. 25 . etc. "C.B. AKE- Leben der heilige
Jungfrau Maria, p. 55. nota 1.

597
histórico e o simbólico.
Para dar sustentação às afirmações de Katharina Emmerick, Brentano
se socorre então de um texto a que atribui grande antiguidade e autoridade:o
Sefer-ha-Zohar, do qual cita as páginas do volume que tinha à mão, sem mencionar os
capítulos e páginas, como é costume fazer, do Toldot, Bereshit, Trumah. Além disso,
percorremos o Zohar atentamente e nada encontramos que lembre sequer vagamente o que
se diz nas visões de Katharina Emmerick sobre o gérmen da bênção.

Concluímos dai:

1. que Brentano deve ter lido algum comentário do Zohar e


não esse livro mesmo;

2. que, de qualquer modo, ele considerava o Zohar, e portanto


a Cabala, como fontes autorizadas da doutrina judaica e mesmo da
doutrina cristã. No Zohar e no gérmen da bênção, ele quer fundamentar
a doutrina da Imaculada Conceição da Virgem Maria e da Encarnação
do Verbo, que são dogmas neo-testamentários do credo católico;

3. Brentano se coloca assim na linha tradicio nal do


cabalismo cristão que via a Cabala como a antiga
revelação feita por Deus a Adão e tronco original de todas
as religiões. Nesse sentido, Brentano se filia às correntes
esotéricas boehmistas e martinistas que tanta influência tiveram
no romantismo.
Seria necessário procurar entre os cabalistas cristãos a verdadeira
fonte de Brentano na questão do gérmen da bênção. Em outra nota da obra Leben der
heilige Jungfrau Maria, Brentano, tratando da festa da Imaculada Conceição, cita a obra
do cabalista cristão Petrus Galatinus, De Arcanis Catholicae Veritatis(35).
Brentano possuia essa obra, visto que ela aparece no rol dos
livros de sua biblioteca (36).

Entretanto, segundo Hümpfner, Brentano teria utilizado para essa


nota não o próprio texto de Galatino, mas uma citação que dele teria encontrado em
Fabricius (Cod.Pseudepigr Vet. Testam. Band IX S. 77):

”... que os patriarcas receberam de Deus, e de pois


transmitiram de membro a membro a seus primogênitos,
a benção, o santo gérmen da semente da mulher, que

598
devia esmagar a cabeça da serpente..."

Brentano transcreve a seguinte observação:

"Raramente se faz referência a esta história da


transmissão de uma bênção corporal aos patriarcas,
depois depositada na Arca da Aliança, so bre a qual
Galatinus I, VII - "De arcanis catholicae veritatis"
- diz:

"A matéria da mãe de Deus desde o início foi


transmitida". Outros afirmaram: "em Adão
transgressor da lei de Deus, assim como a divina
providência determinou, foi separada uma massa,pa ra
ser preservada do contágio do

(35) Cfr. C.B. – A.K.E. – Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 83,
nota 1.

(36) Cfr. B. GAJEK "Clemens and Cristian Brentanos Bibliotheken" Carl Winter
Universitäts Verlag, Heidelberg 1974, nº 122.

599
pecado, da qual, levada por geração até Maria,
nasceria Jesus. (Fabrici Cod. Pseudepigr. Vet.
Testans, p. 77).
Brentano tinha porem a própria obra de Galatino em sua biblioteca.
Lá se lê no livro 7, cap. 3:

"Na opinião de certos antigos judeus, a mãe do Messias foi criada desde o início e antes
dos séculos, não apenas na mente de Deus, mas até mesmo a matéria dela foi
produzida na matéria de Adão e, quando o mundo foi criado pelo
amor dele, a pr im itiva mã e do gl o rioso Me ssias já
existia. Pois quando Deus plasmou Adão, fez co mo que
uma massa, de cuja parte mais nobre fez a matéria da
intemerata mãe do Messias, e, de seu resíduo e de sua
superfluidade, formou Adão. Desta matéria, pois, da
imaculada mãe do Messias foi feita uma virtude que foi
conservada num membro corpóreo de Adão, no mais nobre
local. Posteriormente essa virtude foi emanada para
Seth, depois para Enos, e depois em ordem sucessiva para
os outros até S. Joaquim. Finalm e n t e , d e s t a v i r t u d e f o i
f o r m a d a a b e a t í s s i m a mãe do Messias..." Galatino
prossegue: "desta opinião se conclui certa e
claramente que a carne da gloriosa mãe do Messias não
foi infectada pelo pecado original..."

Em nota, Hümpfner informa que tirou esse texto da Positio, p.


771 (37).

600
Galatino trata em todo o livro VII do De Arcanis da mãe do
Messias. Procura demonstrar que o texto de Isaías que diz: "antes que fosse feito
o tempo eu já existia" (38), prova não só a eternidade da natureza do Messias, como
se afirma normalmente, mas também a eternidade da matéria de que foram formados
os corpos de Cristo e de sua Mãe. Galatino utiliza textos hebraicos antigos para
fundamentar a crença na Imaculada Conceição:

(37) "... Der an die Patriarchen von Gott und dann von zu Glied an den
Erstgeborenen übergebene Segen, der heilige Keim des Samens des
Weibes, welcher der Schlange das Haupt zertreten sollte..." die folgende
Bemerkung: "Seltsam bezieht sich auf ihre Gesichte von Überlieferung eines
körperlichen Segens an die Patriarchen und dessen Niederlegen in
die Bundeslade, was Galatinus I, VII de arcanis Cath. Verit. sagt:
Materiam tes Theotokos ab initio fuisse translatam. Andre sollen
behauptet haben: in Adamo legem Dei transgresso divina sic
dirigente providerstia segregem a contagio massam esse
conservatam, ex qua ad Mariam usque propagine traducta, natus sit
Jesus. Fabrici Cod. Pseudepigr. Vet. Testam. p. 77". Br. hatte a-
ber das Werk des Galatinus selbst in seiner Bibliothek. Da heisst
es lib. 7, cap. 3: "Opinio quorundam veterum Judaeorum fuit matrem
Messiae non solum in mente Dei ab initio et ante saecula creatam
fuisse, verum etiam materiam eius in materia Adae fuisse
productam., ipsam que gloriosae Messiae matrem pricipalem
extitisse cum eius amore mundus creatus sit. Nam cum Deus Adam
plasmaret, fecit quasi massam, ex cuius parte nobibiore accepit
intemeratae matris Messiae materiam, ex residuo vero eius et
superfluitate Adam formavit. Ex materia autem immaculatae matris
Messiae facta est virtus, quae in nobiliore loco et membro
corporeo Adae conservata fuit. Quae postea emanavit ad Seth,
deinde ad Enos, deinde succedaneo ordine ad reliquos usque ad
Sanctum Ichoiakim (Joachim). Ex hac demum virtute beatissima mater
Messiae formata fuit..." Galatinus folgert: "Ex qua quidem
opinione aperte concluditur, carnem gloriosae matris Messiae non
fuisse peccato originali infectam...".
W. HUMPFNER - Glauwürdigkeit, pp. 242-243.

(38) I s . X L V I I I , 1 6 .

601
"Nós, porém, seguindo a verdade hebraica aceitamos

(essa interpretação) em parte como se referindo à

divindade, em parte como se referindo à humanidade

das quais Cristo é constituído, por que mais se

coaduna com a verdade. Pois que a letra hebraica não

diz "antes que" (antequam), mas sim "desde a hora da

mesma existir", utilizando (forma) feminina, como

é patente para os que conhecem as letras hebraicas.

Portanto o texto deve ser explicado deste modo.

Desde a hora de seu ser, isto é, desde a hora da

criação da carne de minha mãe, na formação do corpo


(39) .
de Adão"

Galatino conta a seguir que, segundo uma velha lenda judaica,


Deus ao plasmar o corpo de Adão colocou no coração dele uma parte de matéria que
utilizara para que ela permanecesse pura e dela fosse feito o corpo do Messias.
A essa lenda, Galatino liga o texto do Evangelho de S. João,
onde João Batista diz "Este é de quem eu disse, após mim vem um homem que foi feito
antes de mim porque existia antes de mim" (40).

(39) "nos auteur hebraicam veritatem sequentes, partim pro divinitate,


partim pro humanitate ex quibus Christus constat, accipimus. Quod
magis veritati congruit. Tum quia hebraica litera non dicit
antequam, sed ab hora qua fuit ipsa, demonstratione foeminina, ut
patet hebraicas literas scienti. Quare sic textus exponendus est. Ab
hora sui esse, id est, ab hora creationis carnis matri meae in
formatione corporis Adae".
Petrus GALATINUS - De arcanis catholicae veritatis, Fol XXV, r. apud
Anna MORISI - "Galatino et la Kabbale Chrétienne", in Kabbalistes
chrétiens - Cahiers de l'Hermétisme, Albin Michel, Paris, 1979, p.
225.
(40) Hic est de quo dixi, post me venit vir, qui ante me factus est"
(Jo I 27).

602
Galatino argumenta dizendo que a expressão "factus est" (foi
feito) não se pode referir a divindade de Cristo, que não foi feita nem criada. Também
não se pode referir à humanidade de Cristo, que começou a existir após a de João
Batista. Portanto, diz ele, só pode ser aplicada à Virgem Maria.

E prossegue:

"Disto segue, portanto, necessariamente ser


verdadeira a opinião predita aos antigos judeus que
diziam que a mãe do Messias foi criada da parte mais
nobre de Adão e portanto foi concebida sem pecado
original. E embora a matéria dela fosse criada
juntamente com a matéria de Adão, no entanto pela
excelência e pela dignidade ela foi a primeira em
intenção. Pelo que, os antigos judeus chamavam a mesma
mãe do Messias de primeira pedra, e a primeira das
(41).
criaturas do gênero humano, e o primeiro homem"

Para comprovar sua conclusão Galatino cita um comentário de Rabi


Simeão no Bereschitt Rabba segundo o qual, quando vier o dia do juízo, Deus fará
misericórdia aos bons para atender ao primeiro homem, como se lê nos Provérbios XVIII.

Segundo Galatino, este "primeiro homem" não pode ser Adão, causa da
desgraça de todos, mas ê Maria, que não teve pecado original" (42).

(41) "Ex his igitur necessarie consequitur, praedictam veterum


hebraeorum opinionem veram esse, dicentium matrem
Messiae ex nobiliori parte Adae factam fuisse,at que ideo absque
originali peccato consepta. Et licet eius materia simul cum materia
Adae creata fuerit, prima tamen fuit in causa excellentia et
dignitate. Propter quod prisci quidem Judaeorum ipsam matrem
Messiae petram primarium, ac primam creaturarum in genere humano
primumque hominem vocaverunt".
Petrus GALATINUS, ibidem VII, 4 f CCI recto et verso apud Anna
MORISI, op. cit., p. 226.
(42)Cfr. GALATINUS, ibidem VII, 4 f CCI recto et verso apud Anna MORISI,
op. cit., p. 226.

603
Galatino prossegue sua demonstração narrando o comentário de
Rabi Moisés Hadasan sobre o Gênesis:

"Lê-se também nos comentários de Rabi Moisés ao livro


do Gênesis, sobre o texto do mesmo livro (V cap.
dictum): Foi (feito) todo o tempo que viveu Adão...
(Gen. V, 5). Assim teria dito Rabi Jehosuam, filho
de Levi ao pé da letra. Quando Deus viu a Adão formado
chamou todos os anjos e lhes disse: Humilhai-vos e
sede obedientes a este homem.

Grande parte deles acatou esta ordem e se


dobrou conforme a vontade de Deus. Satanás porém,
isto é, Lúcifer,o mais excelente de todos, com sua
seita, disse a Deus santo e bendito; "Ó Se nhor do
universo, tu nos criastes da claridade de tua glória,
e agora nos ordenas que nos inclinemos diante do homem
que formaste da terra?"

Respondeu Deus, o santo e bendito: "Neste homem, que


foi criado do pó da terra, há mais sabedoria e
inteligência do que em ti".

Vendo, porém Deus santo e bendito que Satanás com sua


seita não queria dobrar-se, nem queria obedecer a este
homem, expulsou-o do céu e ele se tornou diabo. E por
isso disse Isaias no capítulo XIV (12): "Como caíste
do céu, Lúcifer, que ao nasc er d o dia surgi stes?
Esta é a trad ição" (43) .

(43) "Legitur quoque in commentariis Rabbi Mosis hadasan, in librum


Genesos, super illud eiusdem libri. (V. cap. dictum). Factum est omne
tempus quo vixit Adam. Ita ad verbum Rabbi Iehosuam filium Levi dixisse.
Cum vidisset Deus Adam formatum, vocavit omnes angelos, eisque dixit.
Humiliamini et escote obedientes huic homini. Magna eorum pars imperium recepit, et illi
sele flexit, iuxta
Dei voluntatem. Sathanas vero hoc est Lucifer omnium excellentissumus cum sua secta
dixit Deo sancto et benedicto. O

604
Galatino comenta que o homem, de que fala esse texto, não pode
ser Adão, de fato inferior aos anjos. Segundo ele, trata-se certamente da matéria
que estava em Adão e da qual seriam feitos os corpos de Maria e de Jesus.

Eis aí pois a verdadeira fonte utilizada por Brentano para


fundamentar sua teoria do gérmen da bênção: Galatino e não o Zohar propriamente dito. A fonte
é cabalista-cristã, o que está muito mais de acordo com a mentalidade e as idéias de Brentano
do que a utilização de uma fonte diretamente judaica. Com efeito, Brentano era bastante
anti-semita, como se vê em seu ensaio sobre o espírito filisteu (44) e ele não aceitaria de
bom grado uma teoria puramente semita. O cabalismo cristão, pelo contrário, podia ser visto
simpaticamente até por um anti-semita, pois com ele se justificava não o judaismo e sim
o cristianismo, com o argumento que a verdadeira tradição (cabala) judaica fora revelada
a Adão e continha, pelo menos em gérmen, os dogmas do cristianismo.

Por outro lado, a mentalidade sexualmente mórbida de Brentano


devia conduzi-lo a interpretar o pecado original como um ato sexual.

Daí, ele buscar uma explicação mais "pura" para a geração dos
santos do Antigo Testamento e, principalmente, para a concepção Imaculada de Maria
e de Cristo.

(43) (Cont.) Domine mundi tu creasti nos ex claritate gloriae tuae, et nunc
imperas nobis ut inclinemur homini quem ex terra formasti? Respondit
et Deus sanctus et benedictus. In hoc homine qui ex pulvere terrae
creatus est, plus sapientiae et intelligentiae est quam in te. Videns autem
Deus sanctus et benedictus sathanam cum sua secta nolle flecti, nec obedire
huic homini, illum et coelo expulit, et effectus est diabolus. Et idcirco
dixit Isaias quarto decimo cap. Quomodo cecidisti lucifer de coelo, quae
mane oriebaris? Haec tradition."

Petrus Galatinus op. cit., VII 4 ff CCI verso CCII verso -CCII
recto, apud Anna MORISI, op. cit., p. 226.
(44) Cfr. cap. II d e st a t e s e .

605
A lenda judaica da matéria preservada em Adão, narrada por Galatino,

associada às lendas de concepção pela palavra, assim como o mistério que

envolvia a Arca da Aliança no Antigo Testamento levaram Brentano a montar

toda essa construção complexa de teorias a respeito do suposto gérmen

da bênção. Evidentemente tudo isto podia se coadunar perfeitamente com

as teorias esotéricas e teosóficas de Boehme, de Saint Martin, de

Swedenborg, de Eckartshausen, de Baader e de tantos autores

românticos que influíram em Brentano. Mas não podia se harmonizar de

modo algum com o catolicismo oficialmente professado por Katharina

Emmerick e por Brentano. Daí os circunlóquios misteriosos da vidente.

Daí suas reiteradas afirmações de não poder expressar corretamente o que

via. Daí as censuras e os cortes praticados pelo padre Schmoeger no

texto original de Brentano.

Dissemos que a teoria do gérmen da bênção não podia ser conciliada

com os dogmas católicos mais fundamentais, pois, com efeito, ela os contraria nos

seguintes pontos:

1. afirma que em Deus há matéria, ou alguma forma de matéria;

2. afirma que de Deus foi emanada uma matéria;

3. afirma que o corpo de Cristo foi feito dessa matéria e


que, portanto, ele não nasceu propriamente da Virgem,
contrariando o dogma da maternidade de Maria, proclamado pelo
concílio de Éfeso em 451, assim como o credo que afirma que Cristo
nasceu "ex Maria Virgine";

4. afirma que já em Adão havia algo da matéria de Cristo e


que essa matéria foi transferida aos patriarcas, estando
presente na Arca da Aliança, constituindo o Mistério ou
Sacramento do Antigo Testamento;

5. considera que a imaculada conceição da Virgem Maria


consistiu no fato de que S. Joaquim e Sta. Ana a geraram por um
ato não sexual e que portanto, o ato gerador é que foi imaculado
e não propriamente a Virgem Maria.

Consideremos mais de perto apenas os dois últimos pontos desta

606
série, já que os três primeiros são tão evidentemente contrários à doutrina

católica que não julgamos necessário deles tratar.

5. O gérmen da bénção e a Imaculada Conceição


O papa Bento XIV no documento "De Festis" de 1677 condenou o
erro de Jacob Imperial, que afirmava que a concepção de Maria por S. Joaquim
e Sta. Ana não se dera segundo a natureza.
Mais recentemente Leão XIII condenou como erro a afirmação de
Antonio de Rosmini de que

"para preservar a Bem-aventurada Virgem Maria do


pecado original, era suficiente que uma mínima parte
do sêmen permanecesse incorrupta no ho mem, talvez
negligenciada pelo próprio demônio, e que es te sême n
incorrup to foss e transmit ido de geração em
geração, e a seu tempo n ascesse dele a Virgem Maria"
(45) .

(45) "Ad praeservenda B.V. Mariam a labe originis, satis erat ut


incorruptam maneret minimum semen in homine, negletum forte ab ipso
daemone, et quo incorrupto semine de generatione in generatione
transfuso suo tempore orietur Virgo Maria".
Denziger – B.1924 - Errores Antonii de Rosmini - Serbati - Anno 1887
- Leão XIII.

Após a nota de Brentano que aponta o cabalista Petrus Galatinus como


fonte da lenda do gérmen da bênção, a Vida da Santa Virgem Maria apresenta muitos outros
textos que confirmam o que já havia dito sobre a relação entre o gérmen da bênção
e a Imaculada Conceição da Virgem Maria. Nesses textos fica sempre insinuado que o
ato conjugal é, em si mesmo, impuro, e que a Virgem Maria só foi imaculada por não ter
sido gerada por uma relação carnal. E o que se deduz por exemplo da seguinte citação:

"Eu ouvi frequentemente como a Santíssima Virgem


contava a mulheres que eram suas amigas ínti mas,
por exemplo, Joana Chusa e Susana de Jerusalém,
vários mistérios a respeito dela mesma e de Nosso
Senhor que ela conhecia por comunica ção interior
ou pelo que lhe havia dito sua santa mãe Ana. (...)
Ela lhes contava também que Joaquim e Ana tinham se
encontrado na galeria, sob a Porta Dourada, em uma hora
dourada, e que ali cada um deles recebera a plenitude
da graça divina, em conseqüência da qual somente ela
ha via recebido o ser, sob o coração de sua mãe, sem nenhuma impureza de seus pais,
através da pura obediência e do puro amor de Deus. A
Vir gem fazia com que elas entendessem que, sem o pecado original, a concepção dos
homens teria sido igualmente pura" (46) .

607
Ora, Katharina Emmerick já havia dito que, se não fosse o pecado
original, a concepção humana se daria através da palavra e não sexualmente.
Conclui-se, portanto, que a Virgem Maria teria sido concebida através da palavra
"sem impureza”,

(46) "Ich höre oft, wie die heilige Jungfrau den vertrauten Frauen, zum
Beispiel der Johanna Chusa und der Susanna von Jerusalem, allerlei Geheimnisse
von sich und unserem Herrn erzählt, die sie teils aus innerer Erkenntnis, teils
aus den Mitteilungen der heiligen Mutter Anna Weiss (...) Sie erzählte ihn en auch,
dass Joachim und Anna sich in der Halle unter der goldenen Pforte in einer
goldenen Stunde begegnet seien; und hier sei jene Fülle der göttlichen Gnade
zu ihnen gelangt, in deren Folge sie allein durch heiligen Gehorsam und reine
Gottesliebe ohne alle Unlauterkeit ihrer Eltern das Dasein unter dem Herzen
ihrer Mutter empfangen habe. Sie gab ihnen auch zu erkennen, dass ohne den
Sündenfall die Empfägnis aller Menschen ebenso rein gewesen sein würde".

C.B. – A.K.E. – Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 76.

608
isto é, não por via sexual. Para a vidente de Dülmen a união sexual era
intrinsecamente má. E isto a caracteriza como gnóstica.

Poucas linhas depois do texto citado, Katharina Emmerick afirma


equivocadamente que, quando Joaquim e Ana se encontraram sob a Porta Dourada, ela
os viu

"cercados por uma multidão de anjos e que eles mesmos


brilhavam com luz celestial e estavam puros como
espíritos, em uma situação sobrenatural, como nenhum
(47) .
casal humano esteve antes deles"

A respeito da alma da Virgem Maria, a vidente diz mais duas coisas


importantes:

1. que ela só foi criada por Deus cerca de quatro meses após
a concepção;

2. que essa alma foi mais emanada por Deus de sua própria
substância do que criada por
Ele, confirmando-se assim a concepção gnóstica da vidente
quanto às relações entre o criador e as criaturas:

(47)"... sah ich Joachim und Anna von einer Menge von Engeln mit himmlischem
Lichte umgeben, sie selbst leuchteten und waren rein wie Geister in einem
übernatürlichen Zustande, wie nie vor ihnen ein Menschenpaar gewesen"

CB - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 76.

609
"Eu tive uma visão da criação da santíssima
alma de Maria e de sua união com o seu puríssimo
corpo.

Eu vi, na imagem de luz sob a qual habitualmente


em minhas contemplações se me afigura a Santíssima Trindade, um
movimento como uma grande montanha luminosa e também com a forma
de um homem e vi ainda sair algo do meio dessa forma humana indo em
direção à boca (dessa forma) e desta sair um resplendor.

Vi que então esse resplendor permanecia aparta do


diante da face de Deus, movia-se, formava, ou melhor, recebia forma
humana. Vi como, pela vontade de Deus, esse resplendor tomava forma
inexprimivelmente bela.

Vi também que Deus mostrou aos anjos a beleza dessa alma, e que eles
experimentaram uma alegria inexprimível por causa de sua
beleza. Não posso descrever com palavras tudo o que vi e
entendi.

Quando haviam transcorrido 17 semanas e dois dias (121 dias ou 4 meses)


após a concepção da Santa Virgem, portanto na metade da
gravidez de Ana menos cinco dias, vi essa santa mãe em sua casa de
Nazareth, dormindo em sua cama para repousar. Veio então uma
luminosidade sobre ela e um raio dessa luminosidade foi até um
pouco abaixo do meio de seu flanco, e o resplendor sob a forma de
uma figura humana pequena e brilhante entrou nela.

No mesmo instante vi a santa mãe Ana envolta em


luz erguer-se de sua cama. Ela estava como que
em êxtase e viu abrir-se seu interior como um
tabernáculo dentro do qual ela percebeu uma
brilhante virgenzinha da qual viria a salvação
de todos os homens.

610
Eu vi que foi nesse momento que a criancinha, pela primeira vez, se moveu sob
o coração dela.

Ana levantou-se de sua cama, vestiu-se e


anunciou sua alegria a São Joaquim e ambos
agradeceram a Deus. Eu a vi orar sob a árvore
do jardim (a árvore do Conhecimento do Bem e do
Mal) onde o anjo havia consolado a mãe de Ana.

Fui informada que a alma da santa Virgem ani mou o seu corpo cinco
dias antes que as outras crianças e que ele nasceu 12
dias antes que o normal".( 4 8 )

-----------------------------

(48) “Ich hatte eine Betrachtung von der Schöpfung der heigsten
Seele Mariä u n d d e r e n V e r e i n i g u n g m i t i h rem
reinsten Leibe.
Ich sah in dem Lichtbilde, unter welchem mir
gewöhnlich die allerheiligste Dreifaltigkeit in
meinen Betrachtungen vorgestellt wird, ein
Bewegung gleich einem grossen leuchtenden Berg und
doch auch wie die Gestalt eines Menschen, und ich
sah etwas aus der Mitte dieser Menschengestalt gegen
d e r e n M u n d a u f s t e i g e n u n d w i e e i n e n Glanz a u s d i e s e m
a u s g e h e n - D i e s e n G l a n z s a h i c h n u n ausges o n d e r t v o r
dem Angesichte Gottes stehen und sich drehen und
bilden oder vielmehr gebildet werden, denn,

611
Não trataremos do que é hoje sabidamente falso nesse
texto, como julgar que o primeiro movimento sensível do feto aos quatro
meses de gestação seja também o seu primeiro movimento real. Ho j e ,
há fotos, comprovando que, já: na oitava semana

(48) (Cont.)indem dieser Glanz eine menschliche


Gestalt annahm, sah ich, als werde er durch den
Willen Gottes so unaussprechlich schön gebildet.-
Ich sah auch, dass Gott die Schönheit dieser Seele
den Engeln zeigte, und dass diese eine
unaussprechliche Freude an ihrer Schönheit
hatten. Ich vermag nicht alles, was ich sah und
e r k a n n t e , m i t W o r ten zu beschreiben.
Als 17 Wochen und zwei Tage nach der Empfängnis der
heilige n Ju ng fra u ve rf lo ss en w are n, als o in d er
Mit te de r Schwangerschaft Annas weniger 5 Tage, sah
ich diese heilige Mutter nachts auf ihrem Lager in
i h r e m H a u s e b e i Naz a r e t h s c h l a f e n d r u h e n . E s k a m
a b e r e i n L e u c h t e n üb e r s i e , u n d e i n S t r a h l a u s
diesem kam auf die Mitte ihrer Seite nieder, und
es ging der Glanz in Gestalt einer kleinen
leuchtenden menschlichen Figur in sie über. - In
demselben Augenblick sah ich die heilige Mutter Anna
von Glanz umgeben, sich auf ihrem Lager aufrichten.
Sie war e n t z ü c k t u n d s a h , a l s ö f f n e s i c h i h r
I n n e r e s w i e e i n Tabernakel, in welchem sie ein
leuchtendes Jungfräulein erblickte, von der alles
H e i l d e r M e n s c h e n a u s g e h e n w ü r de.
I c h s a h , dans d i e s e r d e r M o m e n t w a r , i n w e l c h e m s i c h
das Kindlein Maria zum ersten Male unter ihrem Herzen
hewegte. - Anna aber erhob sich von ihrem Lager,
k l e i d e t e sich an und verkündete ihre Freude dem
heiligen Joachim, und sie dankten beide Gott. Ich
sah sie unter dem Baume in Garten beten, wo der Engel
d i e M u t t e r A n n a g e t r ö s t e t hatte.
Ich ward aber unterrichtet, dass die heilige
J u n g f r a u 5 T a g e f r ü h e r als a n d e r e K i n d e r b e s e e l t u n d
1 2 T a g e e h e r geboren ward".
C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria,
pp.87-88.

612
de gestação, o feto é capaz de segurar um objeto posto na palma de sua mão, e sabe-se

que ele nada livremente no líquido amniótico. Parece-nos bem mais importante a

afirmação de que a criança só recebe a alma quatro meses após a concepção, pelas

conseqüências doutrinárias que isto teria no que tange à Imaculada Conceição.

Com efeito, os teólogos discutem em que momento a alma criada por Deus se une

ao corpo gerado. Para os escolásticos isso não ocorria no próprio momento da

concepção, como em geral era admitido pelos Padres da Igreja, mas posteriormente,

quando a matéria fetal já tivesse alcançado uma organização capaz de receber

alma, isto é, a forma, no sentido metafísico do corpo. S. Tomás julgava que a

infusão da alma se desse aos quarenta dias de gestação para os meninos, e aos

três meses para as meninas (49).

O Código de Direito Canônico ordena que "os fetos abortivos,

se estiverem vivos, sejam batizados, enquanto possível" (50). Em todo o caso, a

tendência é para afirmar que, sendo o feto um ser vivo capaz de substituir suas

células degeneradas por outras, e totalmente distinto dos pais, tendo bagagem

cromossômica própria a tendência é, dizíamos, aceitar que a infusão da alma se

dá no momento da fecundação.

Por outro lado, do ponto de vista teológico, devido ao dogmada

Imaculada Conceição. a afirmação da vidente

(49) Cfr. Introdução às questões 118/119 da I da Suma Teologica de S.


Tomás, BAC, MADRID, 1959, vol. III (2a.)P.1043.
(50) Código de Direito Canônico, canon 871.

613
de que alma da Virgem só foi criada quatro meses após sua concepção, é dificilmente

sustentável. Com efeito, o dogma proclamado por Pio IX afirma que "a Bem-aventurada,

Virgem Maria, no primeiro instante de sua concepção, foi preservada de toda mancha
de pecado original..." (51).

Da fórmula dogmática se conclui:

1. que o sujeito que recebeu o favor de Deus foi a Virgem Maria.


É ela a imaculada e não o ato conjugal que a gerou.

2. que ela foi imaculada desde o primeiro instante da


concepção.

Se ela tivesse recebido alma apenas quatro meses após a sua

geração, que tipo de ser era aquele, matéria humana sem alma? Não tendo alma, aquele
feto era apenas uma matéria vivificada por Sta. Ana, uma excrescência de seu

corpo. Ora, como Sta. Ana tinha pecado original, de alguma forma a matéria

componente da Virgem Maria teria estado sob o efeito do pecado. Isto contraria

o dogma como foi expresso, mais tarde, por Pio IX. É mais uma discordância entre
as visões da estigmatizada de Dülmen e a religião que ela professava oficialmente.

(51) PIO IX, Bula Ineffabilis Deus, 8/XII/1854, coleção Documentos


Pontifícios nº 48, Vozes de Petrópolis, 1947, pp.19-20.

614
Em certo sentido, porém, isso é secundário. Para nossa tese importa mais

o fato de que na concepção de Brentano e de sua vidente o que foi imaculado foi o ato gerador

praticado pelos pais da Virgem Maria. A preocupação de Brentano em afirmar a pureza

imaculada do ato gerador de Maria, mãe de Jesus, é conseqüência de sua concepção sexual

do pecado original que o levava a considerar culposa toda relação sexual, mesmo a conjugal

e isto é gnose e catarismo.

No texto que agora focalizamos, mais uma vez, Katharina Emmerick, ao

falar de criação, diz que vê um movimento em Deus e que da divindade saía algo que ia

constituir a alma da Virgem Maria. Portanto, essa alma foi emanada e não cria da por Deus.

Isto tornaria divina a alma da Virgem, o que contraria chapadamente a doutrina católica,

mas está inteiramente de acordo com as concepções gnóstica, esotéricas e cabalistas

do "Peregrine".

Ao narrar o nascimento de Maria, conta a freira de Dülmen que Sta.

Ana estava em êxtase e que teria exclamado:

"O gérmen que Deus deu a Abraão, amadureceu em mim"


(52) .

(52) "Der Keim, den Gott dem Abraham gegeben, ist bei mir gereifet".
C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 89.

615
Conta ela ainda que nessa ocasião, Ana abriu um armário na parede

de seu quarto, onde várias relíquias estavam guardadas - as relíquias, tão ao gosto
de Brentano - cabelos de Sara, mulher de Abraão; ossos de José do Egito; um pedaço

de roupa de Tobias e o pequeno vaso brilhante em formato de pêra do qual Abraão


bebera ao receber o gérmen e que depois foi dado a Joaquim pelo anjo.

Diz a freira:

"Eu sei agora que essa bênção se tornara vinho e


(53)
pão, um alimento sacramental e fortalecedor" .

Mais uma vez, é evidente aí a relação do gérmen da bênção com


a Eucaristia. Emanado da substância divina, gérmen da bênção era uma matéria
que depois de muitas peripécias, que o relacionaram até com os órgãos sexuais de
José do Egito e de sua esposa Aseneth, tornou-se carne e sangue da Virgem e de
Cristo e, ela o diz agora, também vinho e pão.

Quando nasceu a Virgem Maria, seu pai, num "plágio" antecipado

do que faria realmente mais tarde Zacarias ao nascer S. João Batista, cantou um
hino no qual proclama que em Maria desabrochou o gérmen da bênção dado a Abraão.

(53)"Ich weiss jetzt, dass dieser Segen Wein and Brot, eine
sakramentalische Nahrung und Stärkung gewesen ist."
C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 90.

616
"Então as mulheres chamaram o pai Joaquim. Ele foi até
a cama de Ana, caiu de joelhos e chorou em torrentes
sobre a criança e, então, tomando-a nos braços, disse
um hino de louvor tal como Zacarias no nascimento de
João. Ele citou nesse salmo o santo gérmen que Deus
colocou em Abraão e que, através da circuncisão, selou
a aliança do povo de Deus e que alcançava agora essa
criança o seu mais alto florescimento, e por fim se
(54) .
tornava carne"

A vidente volta a falar de Maria como receptáculo vivo do gérmen


da bênção, qual fosse ela a realização pessoal do que simbolizara a Arca da Aliança,
ao descrever uma vi são que teve sobre a bênção que Maria recebeu dos sacerdotes, quando
foi apresentada ao Templo.

"Nessa ocasião eu tive uma visão maravilhosa do

interior da santa menina. Eu a vi totalmente

transparente pela bênção dos sacerdotes, e sob o

(54) "Num riefen die Frauen den Vater Joachim. Er kam zu Annas Lager, kniete
nieder und weinte in Strömen auf das Kind; dann hob er es auf den
Armen empor und sprach einen Lobgesang, gleich Zacharias bei
Johannes Geburt. Er erwähnte in diesem Psalm des heiligen Keimes,
den Gott in Abraham gelegt und der in dem durch die Beschneidung
versiegelten Bunde bei dem Volke Gottes fortgelegt, jetzt aber seine
höchste Blüte in diesem Kinde erreicht habe und nach dem Fleische
vollendet sei."

C.B. – A.K.E. – Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 91.

617
seu coração, numa inefável glória, vi na mesma
visão, o que vira nas visões que tive sobre o
Santíssimo na Arca da Aliança.

Em uma brilhante esfera com a forma do cálice de Melquisedec eu vi a


indizível forma de luz da bênção. Era tal como trigo
e vinho, tal como carne e sangue que se esforçavam
Para tornarse uma s6 coisa. Ao mesmo tempo eu vi sobre
essa aparição que seu coração como que se abria tal como uma porta de
um templo e vi como o mistério, em torno do qual se
formara uma espécie de trono celestial de varias pedras preciosas cheias de
significado, entrou em seu coração aberto. E era como quando a Arca
(55).
da Aliança entrava no Santo dos Santos do Templo"
Desde então, o mistério, sacramento ou segredo da Arca da Aliança
passou a ser o segredo de Maria, nova Arca da Aliança viva e pessoal.
No texto citado, as alusões eucarísticas são
transparentes. Trigo e vinho, carne e sangue aspiravam tornar-se um -
o corpo de Cristo - como se houvesse em sua própria natureza uma força ou
tendência que os impelisse a realizar essa unidade e essa transformação.
Fica-se com a impressão, ao ler Katharina Emmerick, que esses elementos
tendiam a formar o corpo de Cristo tal qual um gérmen ou uma semente tende
a desabrochar em seu fruto. Ou ainda, tal qual na operação alquímica a
matéria bruta tende a formar a Pedra Filosofal, o Corpo, que também é
chamado o Cristo. Há qualquer coisa

(55) "Es ward mir bei dieser Gelegenheit ein wundervoller Blick in das
Innere des heiligen Kindes Maria gewährt. Ich sah sie von dem Segen des
Priesters wie ganz durchleuchtet, und unter ihrem Herzen in einer
unaussprechlichen Glorie hatte ich denselben Anblick, den ich bei
Betrachtung des Heiligsten in der Bundeslade habe. In einem leuchtenden Umfang
von der Form des Kelches Meichisedeks sah ich unaussprechliche Lichtgestalten
des Segens. Es war gleich Weizen und Wein, gleich Fleisch und Blut, die eins
zu werden streben - Ich sah zugleich, wie sich über dieser Erscheinung ihr
Herz gleich der Türe eines Tempels öffnete, und wie das Geheimnis, um
welches sich eine Art Thronhimmel von vierlei bedeutungsvollen Edelsteinen
gebildet hatte, in ihr geöffnetes Herz einzog, und es war, als sehe ich
die Bundeslade in das Allerheiligste des Tempels eingehen."
C.B. - A.K.E. - Leben der heilige Jungfrau Maria , pp. 109-110.

618
de naturalismo mágico e alquímico na descrição do gérmen da bênção que discrepa
totalmente da doutrina sacramental católica que se devia esperar encontrar nos textos
de uma freira em processo da canonização.

O gérmen da bênção era de natureza mágica, pois, apesar de ter


matéria, era capaz de produzir efeitos sobrenaturais e, embora tivesse sido emanado
da substância divina, tinha qualidades materiais, num exemplo típico da confusão,
comum nos escritos de Brentano e de Katharina Emmerick, entre a ordem natural e a
ordem sobrenatural. Nos textos das visões, o natural e o sobrenatural se identificam
magicamente.

Vejam-se estes dois exemplos:

1. Segundo a tradição, apócrifa ou não, pouco importa no caso,

Sta. Ana teve apenas uma filha: a Virgem Maria. Conforme vimos,

Katharina Emmerick diz que ela teve antes duas outras filhas. Mais

surpreendentemente, porém, é o que a vidente põe na boca do próprio

Cristo a respeito de Sta. Ana. Ele teria dito que com a concepção

de Maria não se completara o número da estirpe do Messias.

"Ele (Jesus) falou a respeito de Joaquim e de Ana

e narrou algo da vida e da morte de Ana. Jesus disse

que nenhuma mulher fora tão pura como ela e que depois

da morte de Joaquim ela se casou duas vezes mais, o

que aconteceu por ordem de Deus. Devia-se completar


(56) .
o número determinado dos frutos dessa estirpe"

Essas informações de Katharina Emmerick não se encaixam nem na

sua teoria do gérmen da bênção nem no conceito histórico de estirpe messiânica.

Ela afirma várias vezes que o gérmen da bênção era transmitido de geração em geração,

de primogênito a primogênito, visando à formação da estirpe do Messias, a qual

culminaria na concepção imaculada de Maria e na geração do corpo de Cristo.

Agora, porém, ela diz que Santa Ana teve que se casar duas vezes mais, por ordem

de Deus, para completar o número de membros da estirpe do Messias. Era um número


619
que se devia atingir? Para que seriam necessários elementos colaterais à estirpe

messiânica, se Maria ia ser mãe de Jesus Cristo? Fica-se então com a impressão

de que Sta. Ana teve que se casar outras duas vezes para esgotar a matéria do

gérmen que restava nela. Os seus novos filhos só poderiam pertencer à linhagem

messiânica, não por serem antepassados do Messias, mas por terem participação

na matéria mágica do gérmen da bênção.

Alias, é essa a interpretação dada pela versão castelhana das

Visões da freira de Dülmen:

(56) "Er erzählte von Joachim und Anna und sprach von Annas Leben und Tod.
Jesus sagte, keine Frau se keuschergewesen als Anna, und dass sie
nach Joachims Tod noch zweimal geheiratet, das sei auf Gottes Befehl
geschehen. Es hätte die bestimmte Zahl der Früchte dieses Stammes
erfüllt werden müssen."
CB - Tgb., apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 51.

620
"Jesus añdió en esta ocasión que ninguna mujer hasta entonces habia
sido más pura que Ana, que después de la muerte de Joaquin casó dos
veces más por voluntad del cielo. Debia cumplir y llenar el número
e establecido de frutos de
la bendición recebida" (57).

Haveria, pois em Israel uma linhagem, com um número definido


de pessoas, que teria em si uma parte ou elemento de origem divina. Seria uma casta

de predestinados não por seus méritos ou santidade, mas sim por sua substância. Ora,

esse conceito de eleitos é semelhante ao que existia entre os gnósticos.

2. Conforme o relato de Katharina Emmerick, também S. João


Batista teria sido gerado de modo mágico, isto é, através
do gérmen da bênção e não por via sexual. É o que se infere
das seguintes palavras da vidente:

"Eu vi o céu aberto acima de Zacarias e dois an jos

numa escada pareciam subir e descer sobre ele. O

cinturão dele (Zacarias) estava solto e suas vestes

abertas. Vi um dos anjos pegar alguma coisa dele e

o outro colocar em seu flanco como um pequeno corpo

brilhante. Este fato era como o ocorrido com

Joaquim, quando

(57) A.K.E., Visiones y revelaciones completas, ed. Guadalupe,


Buenos Aires, 1953, vol II, p.363.

este recebeu a bênção do anjo para a concepção da Santa


(58).
Virgem"

621
Como vimos, nessa ocasião saíram de Joaquim "toda a volúpia
pecaminosa e impureza" (59). Agora, com Zacarias, ocorre algo análogo: tira-se-lhe
alguma coisa do flanco e lá se coloca o gérmen da bênção. É como se o pecado
original fosse retirado dele. Como se esse pecado fosse uma substância material.
Confirma-se, pois, a tendência de Brentano de materializar o espiritual, e de
espiritualizar ou sobrenaturalizar a matéria.

6. A Encarnação do Verbo

Katharina Emmerick descreve a anunciação do anjo à Virgem Maria

de modo diferente do Evangelho. Ela apresenta o anjo Gabriel como um moço loiro

e resplandecente que desce dos ares. Quando o anjo falava com Maria, saíam de sua

boca letras de fogo que a vidente lia. Mas ela não cita nenhuma palavra do

(58) Ich sah über Zacharias den Himmel offen und zwei Engel wie, auf einer
Leiter zu ihm auf-und niedersteigen. Sein Gürtel war gelöst und sein Gewand
offen, und ich sah, als nehme einer der Engel etwas von ihm und der andere
gebe ihm wie einen kleinen leuchtenden Körper in seine Seite. - Es war
dieses Ereignis wie bei Joachim, da dieser den Segen des Engels zur
Empfängnis der heiligen Jungfrau erhielt.
CB - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 146.

(59) Cfr. nota 28 deste capítulo.

622
anjo. Esse modo de comunicação lítero-espiritual, que seria impossível para os

analfabetos, e que lembra a iconografia ingênua dos pintores primitivos do

renascimento, não corresponde, de modo algum, às explicações de S. Tomás sobre

a iluminação angélica (60).

Explica a vidente que Maria ao pronunciar o seu Fiat estava em

profundo enlevamento e que viu então no alto uma figura da Santíssima Trindade,

como uma luz triangular. Foi então que o Espírito Santo, que lhe aparecia sob uma

forma humana alada, emanou três raios de luz fundidos que penetraram no flanco direito

da Virgem.

"A Santa Virgem, com a entrada dessa luz no seu flanco


direito, a partir desse lado, tornou-se totalmente
luminosa e como transparente. Parecia que toda a
opacidade que havia nela desapa recia como a noite diante da
luz. Ela estava nesse momento como que penetrada e atravessada
pela luz a tal ponto que nela não aparecia mais nada de escuro,
nada de oculto. Ela era brilhante e transparente em toda
a sua figura" (61).

Como já tivemos a oportunidade de ver, na linguagem de


Brentano, a luz se identifica com o bem, e o obscuro,o sombrio, com o mal. Isso não

era para Brentano uma

(60) Cfr. S. TOMÁS, Suma Teológica, I, Q. 111, a.1, I-IIae, Q. 112, a.1 ad
3.

(61) Die heilige Jungfrau ward nit dem Eindringen die ses Lichtes zu ihrer
Rechtén, von dieser Seite aus gant durchleuchtet und wie durchsichtig, und es
war, ais zSge sich die Undurchsichtigkeit wie Nacht von diesem Lichte zurilck.
Sie, war in diesem Augenblicke so von Licht durchgossen, lass nichts Finsteres,
nichts Verhüllendes mehr in ihr erscllien, sie war leúchtend und dürëhteuchtet
in ihrer ganzen Gestalt".
C.B. - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p. 164.

623
relação simbólica apenas. Para ele essa relação era real, metafísica. Assim

como para ele a graça tem algo de corporal, físico, assim como a concupiscência
é uma coisa que pode ser retirada do corpo de S. Joaquim e de Zacarias, assim também a luz

e as trevas se identificam com o bem e o mal, respectivamente. Sendo assim, a

declaração de Katharina Emmerick de que havia opacidade e obscuridade na

Virgem antes da encarnação do Verbo, se opõe ao dogma da Imaculada Conceição. A

coerência nunca foi o ponto forte do pensamento de Brentano.

Ainda a respeito da encarnação, há que citar uma visão de

Katharina Emmerick para confirmar a doutrina de fundo gnóstico da vidente:

"Foi-me ensinado porque o Redentor quis permanecer


no seio de sua mãe durante nove meses e nascer como
uma criança, não querendo aparecer, como Adão, como
homem formado, nem tão belo como Adão ao ser recém
criado. Mas eu já não posso explicar isso mais
claramente. Entretanto, ainda me lembro que ele queria
santificar de novo a concepção e o nascimento dos
homens, coisas que tinham se degredado tanto por causa
(62) .
do pecado original"

(62) "Ich ward unterrichtet, warum der Erlöser neun Monate im


Mutterleibe verweilen und als Kind geboren werden wollte warum er nicht wie Adam
vollendet auftreten, nicht so schön wie der neugeschaffene Adam hatte erscheinen
wollen. Aber ich vermag dieses nicht mehr klar mitzuteilen. Doch soveil
ist mir noch bewusst geblieben, dass er die Empfängnis und die Geburt der
Menschen, welche durch den Sundenfall so sehr erniedrigt worden waren, wieder
heiligen wollte." CB - AKE - Leben der heilige Jungfrau Maria, p.166.

624
Segundo a doutrina oficialmente professada pela vidente,
Cristo, nascendo como um homem comum, santificou o nascimento. Porém, não
a concepção humana, porque ela não se deu por intervenção de homem. Para santificar
totalmente a concepção teria sido preciso que a sua concepção tivesse sido
resultante de união conjugal. Entretanto, analisado à luz do conceito que Brentano
tem do pecado original e da geração, esse texto se esclarece. Muito mais claramente
contra a doutrina que normalmente se atribui a Katharina Emmerick é sua revelação
de que Cristo tomou carne do gérmen da bênção e não de Maria Virgem, conforme diz
o Credo católico: "ex Maria virgine".

"Eu vi muito mais coisas que Jesus ensinou a

Eliud, em imagem, e das quais ouvi parcialmen te as palavras. Porém, não posso

reproduzir isso tudo. Ele disse também que ele tomou carne do gérmen que fora

retirado de Adão e como este gérmen devia se transmitir através de tantas ge rações ... e

como ele tantas vezes de novo foi retirado e os recipientes se tornaram obscuros.

Eu vi realmente tudo isso e vi todos os antepassados de Jesus e como os Patriarcas

transmitiam essa força a seus primogênitos em uma bênção sacramental, e como o bocado

e a bebida do pequeno cálice que Abraão recebeu do anjo eram uma pré-figura do

Sacramento... era o fortalecimento para a futura carne e sangue do Messias. Eu vi

como a linhagem de Jesus foi concebida para a

humanização de Deus, e que Jesus estabeleceu a união do


(63) .
homem com Deus"

A contradição com o Credo é explícita. Afirma-se aí que Jesus


não tomou carne de Maria. Se de fato o corpo de Cristo tivesse sido formado do
gérmen da bênção, de algum modo sua carne já teria existido no corpo dos Patriarcas

e até no de Adão. Ora, é interessante saber que S. Tomás, já no século XIII, havia
discutido a questão de "se o corpo de Cristo existira em forma determinada em Adão
e nos outros Patriarcas" (64). E ele resolve a questão do seguinte modo:

"Como dissemos a matéria do corpo de Cristo não foi a

625
carne nem os ossos da Santa Virgem, nem nenhuma parte

atual do corpo dela, mas o sangue que é a carne em

potência. Ora, tudo o que a Santa Virgem recebeu de

seus pais existia atualmente como parte de seu corpo.

Logo, o que a Santa Virgem recebeu de seus pais não

foi matéria do corpo de Cristo. Donde devemos concluir,

que o corpo de Cristo não existiu em Adão e nos outros

Patriarcas

(63) "Ich sah sehr viele Dige, welche Jesus dem Eliud auslegte, in
Bildern, teils hörte ich die Worte. Ich kann aber das alles nicht
wiederbringen. Er sprach auch, wie er aus dem Keime Fleisch angenommen,
der Adam genommen worden, und wie dieses durch so viele Geschlechter habe
laufen müssen und wie er so oft wieder zurückgehalten und die Gefässe verfinstert worden
seien.
Ich sah alles dieses wirklich und sah alle Vorfahren Jesu, und wie die
Alväter bei dem Tode in einem sakramentalischen Segen diese Kraft den
Erst geborenen übergeben, und wie der Bissen und das Getränk aus dem
Becherchen, welches Abraham vom Engel empfangen, ein Vorbild des
Sakraments ..., die Kräftigung zu dem künftigen Fleisch und Blut des Messias
war. Ich sah, wie die Geschlechtslinie Jesu es empfing zu der Menschwerdung
Gottes, und dass Jesus es einsetzte zur Vereinigung der Menschen mit Gott
... " C.B. Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis, p. 50.

626
de nenhuma determinada maneira, de modo que alguma
parte do corpo de Adão ou de algum outro pudesse ser
designada determinadamente, a ponto de dizer-se que
determinadamente dessa matéria seria formado o corpo
de Cristo; mas aí existiu só pela origem, como o cor-
po dos outros homens. Pois, o corpo de Cristo se
relaciona com o de Adão e dos outros Patriarcas
mediante o corpo de sua mãe. Por onde, de nenhum outro
modo existiu nos Patriarcas o corpo de Cristo, senão
do que pelo qual aí existiu o corpo de sua mãe; e esse
não existiu nos Patriarcas com nenhuma determinada
matéria, como assim não existiram, os corpos dos
outros homens segundo se demonstrou na Primeira
Parte"(64).
Até parece que S. Tomas já conhecia os textos de Katharina Emmerick

e que pretendia contestá-los!

Se alguma coisa do corpo de Cristo tivesse existido atualmente em


Adão, então a carne e o sangue de Cristo teriam realmente estado presentes na Arca

da Aliança, como hoje na eucaristia. É aliás o que a vidente deixa entender no

texto que citamos na nota 63 deste capítulo e o que ela afirma, de algum modo, também

no seguinte texto:

(64) S. TOMÁS, Suma Teológica, III, Q. 31, a.6.

627
"Vi muitas coisas desde Abraão até Isaias, e, deste

até a santa Virgem Maria e vi sempre em tudo a

aproximação do Santíssimo Sacramento para a Igreja

de Jesus Cristo, o qual repousava ainda sob o

coração de sua mãe... Quando eu puder estar alguma

vez totalmente tranqüila, poderei conhecer e contar

também o mistério da Arca da Aliança, o santo


(65)
sacramento da antiga aliança" .

Em outra passagem publicada pelo Pe. Schmoeger, Jesus afirma

taxativamente que o gérmen da bênção se tornou o seu corpo:

"Jesus habló del misterio del Arca de la Alianza


declarando que ese misterio era ahora su cuerpo y su sangre
que les habia dejado en el Santísimo Sacramento" (66).

Os textos de Katharina Emmerick analisados neste capítulo

comprovam:

1. a origem cabalista, ou mais precisamente, cabalista-cristã da


lenda do gérmen da bênção. Foi na obra de Galatino que Brentano

se inspirou para montar depois todas as peripécias do gérmen da


bênção através da história dos Patriarcas e da Arca da Aliança até

a concepção da Virgem Maria e


(65) "Ich sah sehr vieles von Abraham bis auf Isaias und von diesem bis auf dies heilige
Jungfrau Maria und sah in allem immer die Annäherung des heiligen Sakraments zu der Kirche
Jesu Christi, der selbst n o c h u n t e r d e m H e r z e n s e i n e r M u t t e r r u h t e
( . . . ) Wenn ich einmal ganz Ruhe haben werde, soll ich auch das Heiligtum der Bundeslade, das
heilige Sakrament des Alten Bundes erkennen und erzählen können."
CB - AKE, Leben der heilige Jungfrau Maria, pp. 178-179.
(66) CB - AKE - Visionen y revelaciones completas, vol. IV, p. 217.

628
a encarnação do Verbo;

2. a tentativa de Brentano de construir um sistema

cabalista-cristão mais completo que os do passado a fim de

conciliar a Cabala e o catolicismo.

Para essa conciliação, Brentano não hesitava em aplainar as

saliências dos dogmas católicos que não se adaptavam às lendas cabalistas, como

também em se socorrer de sua imaginação poética - por vezes capaz de chegar ao

delírio - para completar os dados que a Sagrada Escritura, a Cabala, Boehme

e outras fontes não lhe proporcionavam.

Essa tentativa de irenismo cristão-judaico está inteiramente de

acordo com as doutrinas esotéricas e românticas professadas por Brentano, as

quais tendiam a realizar uma síntese religiosa universal com base na Cabala

e no esoterismo.

3. a mentalidade romântica de Brentano que se fundamentava

mais na imaginação do que na fé. Era nos apócrifos - muitos

dos quais com traços gnósticos - que Brentano procurava os

dados para completar o que a Sagrada Escritura não dizia, ou que,

para o seu gosto, não teria dito de modo completo ou conveniente.

CAPÍTULO IX

OUTROS TEMAS ESOTÉRICOS NAS VISÕES DE ANNA KATHARINA EMMERICK

1. GNOSE E MILENARISMO

Pode-se definir a Gnose como uma revolta metafísica. É a revolta


do homem contra os males que o atormentam morte, pecado, pobreza, dor, doenças,
ignorância - bem como contra tudo o que evidencia, mais que as limitações, a própria
contingência do ser humano - materialidade, individuação, temporalidade. Enfim, é o

628
problema do mal e o desejo de obter um estado de absoluta felicidade, livre de
qualquer contingência, que geram a mentalidade gnóstica.

"Le gnostique lie toujours à l'interrogation 'Qu' e s t

c e q u e l e m a l ? ' c e t t e a u t r e : ' D ' o ù v i e n t le mal?


(1)
Pourquoi le mal?" .

A essas perguntas o gnóstico procura responder atribuindo a origem


do mal que há no mundo a um princípio do mal, ao qual dá valor metafísico e divino.
Esse princípio do mal teria sido o responsável pela criação do universo tal como
o vemos, essencialmente oposto à divindade, princípio do bem.

(1) HENRI CHARLES PUECH, En quête de la Gnose, Gallimard, Paris, 1978,


vol. I, La Gnose et le temps, p. 193.

629
O princípio do mal seria ser, enquanto o princípio do bem seria puro nada (2).

Daí o gnóstico conceber o ser e o existir como intrinsecamente


maus:

"Exister ici-bas est donc une catastrophe"

déclareront certains textes; un tourment infernal,

diront en substance tels autres, qui n'hésitent pas

à identifier le monde et l'Enfer... parce que le

mal, au premier chef, c'est d'exister, et d'exister


(3)
dans le monde" .

(2) Sobre os temas gnósticos reportamo-nos aos textos seguintes principalmente:


S. IRINEU, Contra haereses, Migne, P.G., vol. VII.
S. EPIFÂNIO, Adversus haereses, Migne, P.G., Vol. XLI e XLII. S.
HIPÓLITO, Philosophumena, Migne, P.G., XVI-3.
CLEMENTE de ALEXANDRIA, Extraits de Théodote, texte grec, introduction et
notes de F. SAGNARD O.P., Ed. du Cerf, Paris, 1948.
Consultamos ainda, entre outras, as seguintes obras que versam sobre
esse tema:
HANS JONAS, La religion gnostique, Flammarion, Paris, 1978. HENRI
CHARLES PUECH, En quête de La Gnose, vol. I. La Gnose et le temps,vol.
II Sur l’Evangile selon Thomas, Gallimard, Paris, 1978.
HANS LEISEGANG, La Gnose, Payot, Paris, 1951.
HENRI CHARLES PUECH, Sur Le manichéisme et autres essais, Flammarion,
Paris, 1979.
ROBERT M. GRANT, La Gnose et les origines chrétiennes,Ed. du Seuil,
Paris, 1964.
JEAN DORESSE, Les Livres secrets des gnostiques d'Égypte. Introduction aux
écrits gnostiques coptes découverts à Khénoboskion, Plon, Paris, 1958.
ANTONIO ORBE, S.J., Cristologia gnóstica, B.A.C., Madrid, 1976, 2
vol.
R.P. FESTUGIÈRE O.P., La révélation d'Hermés trismegiste, 4 vol.,
J. Gabalda, Paris, 1954.
Ainda outros autores que tratam da Gnose serão indicados na
bibliografia, no final da tese.

630
O gnóstico considera que o homem decaiu da divindade - nada absoluto
- no mundo material criado, no ser, onde existe na materialidade, na individuação e na
temporalidade Por isso ele odeia a ordem ontológica.

Na Gnose podem ser notadas duas tendências opostas:

a. um pessimismo radical que a faz ver o universo como

intrinsecamente mau;

b. um otimismo radical, baseado na crença de que o homem possui

em si um espírito divino que se salvará necessariamente por

meio do conhecimento absoluto (gnosis), tornando-se o homem

redentor de si mesmo.

De uma parte, o pessimismo leva o gnóstico a condenar o mundo e a


matéria, a História e o tempo, a mulher e o matrimônio, a individuação e a contingência,
e a se ver como exilado e estrangeiro no aqui e no agora. Por isso ele sofre e sonha
com a libertação absoluta de todo mal e de toda a contingência. Por outro lado, porém,
o otimismo o leva a crer que ele tem em si mesmo as energias capazes de transformá-lo
de ser contingente em absoluto, de criatura em divindade.

(3) H E N R I - CHARLES PUECH, En quête de la Gnose,vol.I, pp. 199-200.

631
Essa dicotomia é levada ao paroxismo quando o gnóstico trata
do que tem relação com a existência e com a vida, isto é, com o problema do sexo,
que é visto ora como fonte de todo mal, ora como símbolo da vida eterna e como fonte
de revelação e até de divinização. O problema sexual angustia o gnóstico e ele procura
compensar essa angústia por meio de um orgulho sexual que chega às aberrações
do culto fálico ou do culto espermático como narra S. Epifânio (4).

"Angoisse: l'instinct sexuel est ressenti co mme un

destin cruel, une tyrannie; orgueil, cette

tyrannie sera conçue comme une force divinisan te

- c'est-à-dire dressant l'homme contre Dieu sitôt

qu'on aura décidé de lui céder" (5).

Neste mundo, o homem está como estrangeiro, como peregrino no


caminho do retorno a sua pátria verdadeira que é o pleroma divino (6).

O estado original perfeito tem como símbolo o


Éden onde não havia mal nenhum. É no passado que está a perfeição. O gnóstico,
ao contrário do utópico, não olha para o futuro histórico com esperança. Ele não
sonha com uma ordenação racional e científica do mundo. Não crê no progresso
material porque não crê na ordem aparente do cosmos. Considera que essa ordem
é uma ilusão gerada pelo demiurgo criador do universo para enganar o homem. Ele
desconfia da razão, instrumento dado pelo demiurgo ao homem para que ele creia
na bondade ilusória do universo e o aceite tal qual é, sem jamais querer sair
dele. Por isso

(4) Cfr.S.EPIFÂNIO, Adversus Haereses, Migne, P.G.,Vol.XLI, col.


338-339.
(5) DENIS DE ROUGEMONT, L'amour et l'Occident,Plon, Paris, 1939, pp
.120-121.
(6) Cfr. H. JONAS, La religion gnostique, p. 72 e ss.

632
também o gnóstico não crê na ciência e em suas leis. Ele crê na magia.

O gnóstico olha para o passado, para o paraíso original, ao


qual espera retornar de modo mágico. Se ele tem alguma expectativa, é a de que
o espírito divino irrompa um dia na História pondo fim ao mal e à sucessão dos
eventos, instaurando uma nova ordem do ser em que tudo será, mais do que perfeito,
divino. Por isso, é característica de todo movimento gnóstico uma expectativa
milenarista (7).

2. CABALA E MILENARISMO

A Cabala não está isenta dessa característica. Duas razões a

impelem ao milenarismo: o messianismo judaico e o fato de ela ser a Gnose do

judaísmo. A tendência ao milenarismo, tão típica da religião israelita, acentuou-se

ainda mais entre os cabalistas após a expulsão dos judeus da Espanha, em 1492. O

centro mais dinâmico do cabalismo milenarista e messiânico foi a escola de Safed,

na Galiléia, cujo principal mestre foi o famoso Rabi Isaac Luria (8).

(7) Cfr. NORMAN CORN, Les fanatiques de l'Apocalypse, Julliard, Paris,


1962; MARJORIE REEVES, The influence of prophecy in the latter Middle
Ages - A study on Joachimism, Oxford, at Clarendon Press, 1969.
M.I. PEREIRA DE QUEIROZ - 0 messianismo no Brasile no mundo, Ed. Alfa
Omega, S. Paulo, 1977.

(8) Cfr. G.G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da


mística judaica, ed. Perspectiva, S. Paulo, 1972, p. 248 e ss.

633
Segundo a Cabala, a redenção messiânica deve ser coletiva e não
pessoal, deve ser cósmica e não apenas humana. Ela se dará por meio de uma intrusão

divina na História que provocará inicialmente um retorno ao Paraíso, com a


abolição da lei e a criação de uma situação absolutamente revolucionária.

A. O messianismo coletivo

Este é um ponto em que o messianismo judaico discrepa totalmente

do conceito cristão de redenção. Enquanto no cristianismo a redenção tem caráter

pessoal e exige uma cooperação da vontade do redimido para que ele se possa

realmente salvar, para a Cabala a redenção será coletiva e independente da

cooperação da vontade pessoal do redimido (9). É exatamente esse ponto que conduz
o messianismo judaico para a identificação da redenção com a revolução.

B. Messianismo cósmico

Para muitos pensadores israelitas, o Messias é o próprio povo


de Israel cuja missão coletiva é a de redimir toda a humanidade, e até mesmo toda
a criação, que caiu no Galut (exílio) ao se separar da divindade:

(9) Cfr. G.G. SCHOLEM, The messianic idea in Judaism, Schoken Books, New
York, 1971, p. 194.

634
... o próprio conceito de Galut (exílio) adquire aqui novo

significado. Anteriormente fora considerado - em Saadia,

por exemplo - quer um castigo pelos pecados de Israel,

quer uma provação para a Fé de Israel. Agora ainda é tudo

isso, mas intrinsecamente é uma missão: seu propósito é

o de reerguer as centelhas caídas de todas as suas

variadas localizações. E este é o segredo por que Israel

está fadado a ser escravizado por todos os gentios do

mundo: a fim de que possa elevar aquelas centelhas que

também caíram entre eles... E por isso era necessário

que Israel se espalhasse pelos quatro ventos a fim de

levantar tudo" (10) .

É claríssima a nota gnóstica desse conceito de redenção das


centelhas divinas caídas no universo material. Assim, pois a redenção deverá ser
cósmica e não apenas humana ou coletiva.

"The cosmic redemption of the raising of the Sparks merges


with national redemption of Israel, and the symbol of the
(11).
'in gathering of the exiles' comprises both"

(10) G.C. SCHOLEM, A mística judaica – As grandes correntes da mística


judaica, pp. 286-287.

(11) G.C. SCHOLEM, Sabbatai Sevi the mystical Messiah, Princeton


University Press, 1973, p. 26.

C. Retorno ao Paraíso

A redenção do cosmos consistiria na restauração de todas as

coisas em seu estado original, anterior à queda de Adão. Voltar-se-ia ao estado


paradisíaco, não significando isto um retorno ao Éden propriamente dito, mas sim

uma amplificação do Éden a toda a Terra e a todo o cosmos.

Para os cabalistas a era messiânica "contained all the qualities


of a golden age including miraculous manifestations and a radical transformation
of the natural order"(12).

635
O messianismo cabalista

... regard the redemption itself as a return home

to Paradise where all things will again be in their

true place. Although it is not a matter of a physical

return to a geographical Paradise, it is in any case

life in a state of the world which corresponds to

that of Paradise, or in which Paradise, for its


(13).
part, expands into the world"

(12) G.G. SCHOLEM, Sabbatai Sevi, the mystical Messiah,p. 10.


(13) G.G. SCHOLEM, The messianic idea in Judaism, p. 70.

Alguns vão mais além ao dizer que com a redenção o homem

será angelizado, obtendo uma natureza totalmente espiritual que lhe dará

a oportunidade de substituir os anjos decaídos dos coros celestiais. É

o que dizem, por exemplo, os Donmeh, seita cripto-sabatiana da Grécia e

da Turquia do século XVII (14).

Algo que tem relação com isso é dito por Katharina Emmerick

ao afirmar que os homens foram criados para ocupar os lugares vazios

deixados pelos anjos caídos (15).

D. Intervenção divina na história

Para os místicos judeus, o retorno a uma situação de felicidade


absoluta não se dará por meio do progresso técnico e científico, como pretendem

636
os racionalistas que sonham com a utopia. A restauração da felicidade não se dará
pela obediência às leis postas pelo demiurgo, e sim por sua superação mágica. Os
milenaristas esperam uma crise apocalíptica que purificará a terra e preparará
o Reino de Deus. Dar-se-ia então uma transformação mágica do homem e do universo.

(14). G.G. SCHOLEM, idem, p. 149.


(15) Cfr. cap. IV desta tese.

637
"The Bible and the apocalyptic writers know of no
progress in history leading to the redemption is not
the product of immanent developments such as we find
it in modern Western reinterpretations of Messianism
since the Enlightenment where, secularized as the
belief in progress. Messianism still displayed
unbroken and immense vigor. It is rather
transcendence breaking in upon history, an intrusion
in which history itself perishes, transformed in its
ruin because it is struck by a beam of light shining
into it from an outside source" (16) .

Esta perspectiva coincide com as esperanças quiliásticas dos

movimentos heterodoxos cristãos, embora possam representar provavelmente apenas

o resultado de um mesmo tipo de mentalidade, sem que haja necessariamente uma

ligação direta entre as seitas quiliásticas e o messianismo judaico.

"The political and chiliastic Messianism of


important religious movements within Christianity
often appears as a reflection of what is really
Jewish Messianism. It is well know how vigorously
such tendencies were decried as judaizing heresies
by their orthodox opponents in Catholicism and
Protestantism alike. From a purely
phenomenological point of view there is doubtless
some truth to these reproaches, even if in historical
reality these tendencies also arise

(16) G.G. SCHO LE M , T h e M e s s i a n i c I d e a i n J u d a i s m , p . 1 0 .

638
spontaneously from attempts to take Messianism

seriously and from a feeling of dissatisfaction with

a Kingdom of God which is to lie within us and not


(17)
about us" .

E. Antinomismo

Para os cabalistas, a Torah, antes do pecado de Adão, teria sido

puramente espiritual, como o próprio Adão, e não teria mandamentos nem proibições
materiais. Estas só teriam surgido com o pecado original e com a materialização

do homem, ao ser ele encerrado num corpo físico.

A redenção messiânica teria que reconduzir o homem ao estado


puramente espiritual que ele possuía antes do pecado, e então a lei mosaica se
tornaria inútil, já que ela teria sido dada para regular a vida humana no Galut
da matéria.

"All kabbalists were agreed that the Torah, being the

supreme expression of the hidden divine power, was

essentially non material. The Torah is the law of the

Cosmos, and if the latter had preserved its original

spiritual character, the Torah, too, would never have

been "materialized", even as Adam's body nor have

become material. The mystery of supernal Torah is

that of the "Tree of Life", its commandments are

essentially and

(17) G.G. SCHOLEM, idem, p. 16.

639
basically spiritual lights, shining forth in

various combinations in the pure spirituali ty of


(18)
the Torah" .

Os cabalistas julgavam que no Reino Messiânico tudo se tornaria

espiritual:

"In the messianic age, with the tiqqun accomplished

and the effects of sin undone, all things will be

restored to their pristine spirituality, and the

traditional type of "material" practice and

observance of the commandments will automatically pass


(19) .
away"

É por isso que os líderes do movimento cabalista que consideraram

Sabbatai Sevi o Messias prometido, diziam que as leis estabelecendo o puro e o impuro

estavam abolidas. A aplicação da Torah espiritual acarretaria... "The abolition

of the norms of permited and forbidden, pure and impure" (20).

A expectativa de um período messiânico histórico em que a lei

seria abolida foi largamente exposta no Seferha-Temunah. Com base no Talmud

(Sanhedrin 97 a) Rabi Qatina considerava que a história do mundo duraria 6.000 anos,

correspondentes aos seis dias da criação, e que ao Sabbath do descanso divino

corresponderia um milênio de felicidade absoluta(21).

(18) G.G. SCHOLEM, Sabbatai Sevi, the mystical Messiah, p.319.


(19) G. G. SCHOLEM, idem, p. 320.
(20) G. G. SCHOLEM, idem, p. 321.
(21) G.G. SCHOLEM, Les origines de La Kabbale, p. 490.

640
A expectativa de um período messiânico histórico em que a lei

seria abolida foi largamente exposta no Seferha-Temunah. Com base no Talmud

(Sanhedrin 97 a) Rabi Qatina considerava que a história do mundo duraria 6.000 anos,

correspondentes aos seis dias da criação, e que ao Sabbath do descanso divino

corresponderia um milênio de felicidade absoluta (21).

Os cabalistas diziam ainda que haviam existido outros mundos ou


ciclos cósmicos anteriores ao nosso, cada um deles correspondendo a uma das 7 últimas
Sefiroth do Ein Sof.(22) O universo atual corresponderia à Sefirá Din, isto é, ao juízo
de Deus, daí o nosso mundo se constituir como reino da Lei e do rigor. A próxima
Shemitah, entretanto, corresponderia à Sefirá Hessed, o amor, misericórdia ou
graça. Nesse futuro reino do amor, a Lei seria abolida, e tudo seria permitido.

"La shemitta suivante apparaît, en comparaison de la


nôtre, comme un retour en Utopie. Au lieu des
différences de classe qui régnent aujourd'hui, ce
sera l'égalité complète. La Tora ne traitera que des
choses saintes et pures et les sacrifices seront non
pas des sacrifices d' animaux, mais des offrandes de
gratitude et d' amour. Pas de migration d'âmes, pas
de souillure, ni du corps, ni de l'âme. Le monde
entier est comme un paradis. Il n'existe ni mauvais
(23) .
penchant, ni péché"

(22) A doutrina dos Shemittot ou ciclos cósmicos foi desenvolvida


principalmente no Sefer-ha-Temunah, escrito por volta de 1250.
Cfr. G.G. SCHOLEM, Kabbalah, p. 120-121.

(23) G.G. SCHOLEM, Les origines de la Kabbale, pp. 494-495.

641
F. Messianismo revolucionário

É impossível não ver a semelhança desse messianismo judaico com

o milenarismo cristão, condenado em 431 pelo Concílio de Éfeso, e com o milenarismo


revolucionário das seitas medievais.

Embora não acreditando que haja ligação histórica direta entre

o messianismo judaico e as doutrinas milenaristas do abade Joaquim de Fiore, Scholem

considera que as doutrinas cabalistas a respeito dos vários universos governados

pelas diversas Shemitahs tem muita semelhança estrutural com o sistema joaquimita

das idades da História.

De acordo com o célebre abade de S. Giovanni in Fiore, a História

se divide em três grandes idades: a Idade do Pai ou da Lei; a Idade do Filho ou

da Graça; a Idade do Espírito Santo ou do Amor, em que haveria uma pura Igreja

espiritual, monacal e pobre, governada pelo "Evangelho Eterno"(24).

(24) Cfr. G.G. SCHOLEM, idem, pp. 488 -489.


G.G. SCHOLEM, Sabbatai Sevi, the mystical Messiah, pp.98-99.
G.G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da Mística judaica, p.
181.

642
É bem conhecida a influência do milenarismo joaqimita nos

movimentos dos Espirituais franciscanos (25) e nas seitas do fim da Idade Média
(26). Scnolem mostra que houve também "paralelos marcantes" entre as idéias dos

Espirituais franciscanos e as crenças da ala radical do movimento cabalista

sabatiano, nos séculos XVII e XVIII.

"O que os 'Evangelhos Eternos' queriam dizer pa ra

Joaquim é essencialmente o mesmo que a Torá

de-Atzilut para os cabalistas. Joaquim acreditava

que nesse Evangelium Aeternum o significado místico

do Livro seria revelado numa nova era espiritual e

substituiria o sentido literal. É exatamente isto,

mutatis mutandis, que a Torá-de-Atzilut queria

dizer para os cabalistas anteriormente ao movimento

sabbataísta. Mas alguns dentre os seguidores

franciscanos de Joaquim identificaram os escritos de

seu mestre com o 'Evangelho Eterno', considerando-o

uma nova revelação do Espírito Santo. Isto é boa

parte do que aconteceu com a Tora-de-Atzilut, entre

os sabataístas " (27) .

(25)Cfr. NACHMAN FALBEL, A luta dos espirituais franciscanos e sua


contribuição_para a reformulação da teoria tradicional acerca do poder
papal, USP, F.F.L. e CH, boletim nº 3, São Paulo, 1976.
(26) Cfr. NORMAN COHN, Les fanatiques de L'Apocalypse.
(27) G.G. SCHOLEM, A Cabala e seu simbolismo, pp. 101-102.

643
Com os Espirituais, os Fraticelli, os Irmãos do Livre Espírito,
os Taboritas, os Adamitas do fim da Idade Média e do começo da Idade Moderna,

são introduzidos no processo da História ocidental muitas idéias milenaristas

que se aparentam ao joaquimismo e ao messianismo judaico. A Reforma luterana abriu

ainda mais as portas para tais idéias, que se manifestaram em todo o seu fermento

revolucionário nos movimentos anabatistas. O caso de João de Leyde, ao instaurar

o Reino de Deus, a Nova Jerusalém antinomista em Münster, no século XVI, é bem

característico(28). Do mesmo modo, fortes tendências milenaristas podem ser

detectadas nas seitas puritanas inglesas do século XVII, algumas das quais, como

os quakers, colonizaram os Estados Unidos (29).

Ainda no século XVII, o movimento sabbatiano, após a

espetacular apostasia do Messias Sabbatai Sevi diante do sultão, refugiou-se no

radicalismo mais extremo através das seitas esotéricas que giravam em torno de

Jakob Frank. O messianismo cabalista dessa seita pretendia construir uma

sociedade totalmente revolucionária a fim de preparar a chegada do Messias e

seu Reino. Scholem mostra como o

(28) Cfr. JACQUES BOLLE, Les séductions du communisme de la Bible


à nos jours, Morgan, Paris, 1957.
(29) CHRISTOPHER. HILL - O mundo de ponta cabeça. Idéias radicais
durante a Revolução Inglesa de 1640 – Tradução do original inglês The
world turned upside down. Radical ideas during the English Revolution
(1972)
Editora São Paulo, 1987, especialmente as páginas 237 - 242; 108,33,
34,44 etc.

644
messianismo sabatiano do tipo franquista repercutiu na própria Revolução Francesa

através da ação dos irmãos Frey que ajudaram o partido Dantonista (30). Esse mesmo

autor mostra a influência que elementos da seita Donmeh tiveram na revolução dos

Jovens Turcos de Kemal Ataturk (31).

3. O MILENARISMO EM BOEHME E NOS CÍCULOS MÍSTICOS

E ESOTÉRICOS ILUMINADOS

Jacob Boehme acreditava que haveria na história uma época superior, um período

de maior perfeição a que chama Tempo dos lírios - Lilienzeit. Em sua obra Mysterium

magnum ele faz correspondência entre os tempos dos primeiros descendentes de Adão

e os vários períodos da História. Acreditava que a época em que ele vivia estava

relacionada com o tempo do sexto patriarca da humanidade, Jared, e que o sétimo

período, correspondente a Henoch, seria o "tempo dos lírios". A passagem para

esse último período da História seria dramática. Deus castigaria os homens de modo

terrível, a fim de purificar a Terra para o tempo do milênio. Aliás essa promessa

de castigos apocalípticos é uma constante em todas as profecias milenaristas.

Quiliastas judeus e cristãos concordam nesse ponto: cataclismas e castigos

precederão o advento do Reino de Deus na Terra.

(30) Cfr. G.G. SCHOLEM, The messianic idea in Judaism, p. 137.


(31) Cfr. G.G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da
mística judaica, p. 322.
(31) Cfr. G.G. SCHOLEM, The messianic idea in Judaism, p. 155.

645
"Et maintenant que l'époque de Jared touche à sa fin,

laquelle a été recouverte par Babel, le Verbe se

repent de notre grande vanité et veut exterminer la

souillure dans le gouffre du corroux avec le glaive,

la faim, le feu et la mort; et de son repentir et

de sa pénitence il fait sortir de la bouche d'Hénoch


(32)
un lys germant dans la douceur divine" .

Segundo Boehme, o Tempo dos Lírios teria sido indicado por


Deus, de modo profético, através das medidas que Ele determinou para a Arca de Noé.
Assim como na Arca se salvaram apenas alguns escolhidos e alguns exemplares das
espécies de animais, assim também para o Tempo dos Lírios passariam apenas os
eleitos. Todos os demais homens seriam eliminados nos castigos que precederiam
o milênio, e com eles cessaria o reino de Babel, a confusão das línguas. No Tempo
dos Lírios a humanidade voltaria a ser unificada não só no culto a Deus, mas também
na língua original primitiva.

(32) JACOB BOEHME, Mysterium magnum, XXXI, 44; traduçao de N. BERDIAEFF, ed.
D'Aujourd'hui, Aubier-Montaigne, Paris, 1978, 4 volumes.

646
"Nous avons un très grand Mystère dans l'Arche de Noé
que le Seigneur ordonna de construire ainsi en lui
indiquant quelle hauteur, quelle longueur et quelle
largeur elle devait avoir, en spécifiant également
trois ponts différents; et il lui indiqua également
les créatures qui devaient y entrer, ce qui
représente un tel Mystère que l'homme pervers est
indigne de le connaître et que nous ne pouvons de
notre côté le ré véler de fond en comble: ar il y a un temps
lequel il devra se révéler, c'est-à-dire le temps des lys,
lorsque le régne de Babel aura pris fin. Cependant, pour donner
une idée et montrer à notre rameau qui surgira et grandi ra de
notre être lilial en son temps quelle rose fleurira
à cette époque liliale, nous voulons lui dessiner ce
(33).
mystère avec un sous-entendu plein de réserves"

Vê-se, pelo texto, como Boehme fala misteriosamente desse Tempo

dos Lírios, que segundo o "filósofo teutônico" "se manifestera dans les derniers

temps, où la fin sera ramenée dans son commencement, et que le cercle sera fermé"(34).

(33) JACOB BOEHME, Misterium magnum, XXXII, 10.


(34) ABRAHAM VON FRANKENBERG, De la vie et de la mort de Jacob Boehme in
JACOB BOEHME, Confessions, Fayard, Paris, 1973, p. 224.

647
O Tempo dos Lírios seria então um retorno ao paraíso

terrestre. A História se concluiria onde se iniciara, fechando-se o círculo

dos períodos históricos com a reintegração da humanidade no seu estado

de perfeição original (35).

A profecia escatalógica de Boehme sobre o Tempo dos Lírios teve uma

repercussão imensa nos meios esotéricos. Através de J.A. Comenius e de sua


obra Prodomus Pansophiae, a idéia da língua universal natural original
passou para Herder, e, deste, para os românticos F. Schlegel, Novalis, Tieck

e outros (36).

As doutrinas de Boehme vieram a dar novo vir às seitas e pequenos cenáculos


místicos nascidos da Reforma. Nos séculos XVI, XVII e XVIII pulularam os
grupos místicos mais ou menos esotéricos que mantinham uma expectativa

quiliástica do próximo advento de uma era messiânica. É o que demonstra a


obra de Kolakowsky(37). A famosa quietista Madame Guyon adotou o esquema
Joaquimita da divisão da História em três idades ou Reinos do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, e se julgava a profetisa do Reino do Amor que

ia desabrochar em breve, pondo fim à História (38). Antoinnette Bourignon

"profetizava" o advento do Reino milenarista para logo. Os discípulos


de Jean

(35) Sobre o Tempo dos Lírios ver ainda JACOB BOEHME, De tribus
principiis, XVII, 105 e XIX, 66.
(36) Cfr., A. KOYRÉ, La philosophie de Jacob Boehme, Vrin, Paris, 1971,
p. 458 nota 3.
(37) Cfr. LESZEK KOLAKOWSKI, Chrétiens sans Église, Gallimard, Paris,
1969.
(38) Cfr. KOLAKOWSKI, idem, p. 529.

648
Labadie, que foi jesuíta e jansenista, consideravam-se os iniciadores
do terceiro Reino do Espírito Santo, no qual se daria uma terceira e
derradeira revelação de Deus .
(39)

Entre os esotéricos iluminados do século XVIII e XIX a crença


num futuro Reino quiliástico era comum. Praticamente todos os autores
esotéricos tratam desse assunto. Os martinistas, especialmente, foram muito
impressionados pela profecia de Jacob Boehme sobre o Tempo dos Lírios, a ponto de

Joseph de Maistre afirmar que é preciso contar com a realização de "l'époque des
lys (Lilienzeit) comme la nommait, il y a bien des anées, un
illuminé allemand" . Pudicamente, De Maistre se refere a Boehme
(40)

apenas como "un illuminé allemand " sem ousar dizer seu nome: no prefácio
de um livro que se apresentava como ultramontano não era nada conveniente expor
sua admiração por um autor como Boehme. Compreende-se também que efeitos produzia
a expressão "Tempo dos Lírios" entre os emigrados franceses que sonhavam com o
restabelecimento dos Bourbons. Não se pense, porém que Joseph de Maistre dava à
expressão Tempo dos Lírios uma interpretação política apenas. Ele admitia que
haveria uma terceira revelação e estava de acordo com as doutrinas dos iluminados (41).

(39) Cfr. L. KOLAKOWSKI, op. cit., pp. 657 e 769.


(40) JOSEPH DE MAISTRE, Du Pape, J.B. Pelagand, Lyon-Paris, 1860, p.
XXXIX.
(41) Cfr. E. DERMENGHEM, Joseph de Maistre mystique, Ed. d'Aujourd'hui,
1980, p. 275.

649
Joseph de Maistre era discípulo de Saint-Martin que adotara
a teoria das Shemitás cabalistas e esperava o advento do Reino messiânico.

O chamado "filósofo desconhecido", seguindo Boehme, reforçou a tendência


messiânica do místico alemão, mas pensava que o milênio não aconteceria
antes do ano 6.000, quando se estabeleceria um governo profético (42).

Lavater, Court de Gebelin, Mesmer, Dom Pernety, Bergasse,


Jung-Stilling, Divonne, Sénancourt, Oberlin, são alguns dos iluminados

esotéricos que previam e esperavam a realização do Milênio ou da Idade de


Ouro no qual se daria o triunfo da Igreja Espiritual e ecumênica (43).

Kirchberger era mais otimista: baseado em Boehme, afirmava que

o Milênio ia começar em 1.800 e atingiria o seu clímax em 1.832 (44). Seu amigo

Eckartshausen também esperava o Milénio no século XIX. Tendo adotado o esquema

joaquimita da História, acreditava no retorno de Cristo à Terra e no

restabelecimento da Idade de Ouro e do Reino de Deus. Babilônia perderia o

domínio sobre o mundo que voltaria a ter a úni ca língua natural


original. Deus elegeria um homem vivo, um novo Adão que seria o educador

da humanidade e lançaria as bases de um novo Paraíso terrestre moral (45).

(42) Cfr. A. VIATTE, Les sources occultes du Romantisme, Lib.


Honoré Champion, Paris, 1979, vol. I, pp. 41-43-61-66-70-271-281.
(43) Cfr. A. VIATTE, op. cit., vol. I, pp. 160-187-188-224-
232-233-234-247-271-281-300; vol. II, pp. 16-56-118-144-200-201-241.
(44) Cfr. A. VIATTE, op. cit., vol. II, p. 17.

(45) Cfr. A. FAIVRE, Eckartshausen et la théosophie chrétienne,


Klincksieck, Paris, 1969, pp. 514 a 520.

650
Eckartshausen se entregou a inúmeros cálculos aritmético-cabalistas para

determinar a data do início do Reino, e concluiu que ele se daria no século XIX
(46).

Para Franz Von Baader também haveria uma futura regeneração que

consistiria no retorno do homem a seu estado original pela recuperação da

androginia (47).

4. O MILENARISMO ENTRE OS ROMÂNTICOS

Vimos, no primeiro capítulo, como o Romantismo recebeu

contribuições de três veios distintos: o esotérico, o religioso e o filosófico. Vimos

ainda que era tese dos meios esotéricos e iluminados que haveria no futuro o

restabelecimento da Idade de Ouro inicial, Verificamos que uma esperança análoga

animava os círculos pietistas formadores do Romantismo. Benguel e Oetinger

esperavam a realização do Reino de Deus, que, por uma nova efusão do Espírito

Santo, seria o Reino do Amor, a nova Idade de Ouro. Nele haveria igualdade completa

entre os homens pela abolição da propriedade privada. Também não haveria mais

governo, nem autoridade. O amor, e não a autoridade, regularia todas as relações

sociais. Ordem e obediência seriam inúteis. Na esfera religiosa, o Reino do Amor

acarretaria a extinção da hierarquia eclesiástica, pelo estabelecimento do

sacerdócio universal. A Igreja não teria

(46) Cfr. A. FAIVRE, op. cit., p. 519.


(47) Cfr. E. SUSINI, Franz Von Baader et le romantisme
mystique, Vrin, Paris, 1942, vol. III, p. 373.

651
mais estruturas e seria totalmente pobre, tornando-se puramente espiritual.

Constatamos ainda que foram as concepções de Oetinger sobre a futura Idade de Ouro

que informaram as concepções dos filósofos idealistas sobre o futuro da História.

Nesse sentido, o estágio final da História, assim como é previsto por Schelling,

Hegel, e mesmo por Marx, tem raiz nas idéias pietistas (48).

Em muitos dos românticos essas idéias quiliásticas aparecem, e,


em primeiro lugar, em Novalis. Na obra Os discípulos em Saís, ele mostra que a Natureza
é a face da divindade e que ela pode voltar a ser amiga do homem, assim como era
no princípio, na Idade de Ouro original, quando o homem era imortal. Ele afirma
que atualmente as estrelas e o Sol estão irritados com a Terra e a governam de
modo severo, mas que, no futuro, haverá uma união geral das raças, graças ao triunfo
do amor sobre a severidade (49).

É transparente, nessas idéias, a relação com as teorias

cabalistas de que nosso mundo é governado pela Sefiráh Din ou Geburah-rigor,

severidade, juízo, isto é, está sob o governo da Lei, mas que a próxima Shemitah

será a da Sefirah Hessed, isto é, a Graça, o Amor, conforme diz o Sefer-ha-Temunah


(50).

(48) Cfr. cap. I desta tese.


( 4 9 ) Cfr. NOVALIS, Les disciples à Sais, II, La Nature, in
Romantiques allemands, Gallimard, Paris, 1963, vol. I, p. 356.

(50) Cfr. G.G. SCHOLEM, A mística judaica - As grandes correntes da


mística judaica, p. 181.

652
Também na obra Heinrich Ofterdingen, tão importante para se

entender o pensamento mágico de Novalis, se fala dessa futura idade de Ouro em que

haveria um rejuvenescimento da natureza e o fim de todas as calamidades. E

então:...

"Le temps avait perdu sa puissance"

(Haverá) ... un seul être dans tout-et tout dans un seul


être ...
... L'empire de l'amour s'est ouvert ...

Ainsi la grande âme du monde

se ranime en tout lieu et fleurit éternelle. Que

chacun chez l'autre se cherche.

Que chacun par autrui s'augmente et se mûrisse Que

l'un, en tous, soit reflécté

Alors qu'il se confond à eux

Et plonge avidement jusqu'à leur profondeur.

Le monde se fait rêve, et le songe, Univers" (51) .

Esse texto é bem significativo por suas relações com a Gnose: condenação do tempo, monismo, alusão à

alma do mundo, valorização do sonho acima da razão, antipatia para com o mundo real...

Novalis não se limitou à teoria. Estabeleceu um programa tendo em vista a união de


todas as religiões e sociedades iluminadas, juntamente com a Maçonaria e a Companhia

(51) Cfr. NOVALIS, Heinrich Ofterdingen, in Romantiques allemands,


Gallimard ,Paris, 1963, vol. I, pp. 501-502.

653
de Jesus, a fim de preparar o grande Concílio futuro, que, estabelecendo a união da humanidade, prepararia

o advento do Reino de Deus:

"Do seio sagrado de um venerável concílio europeu,

a cristandade renascerá e a tarefa que consistirá no

despertar da religião será conduzida conforme um

vasto plano divino no qual nada será negligenciado"


(52) .

Haveria então uma nova humanidade, uma jovem igreja e um novo

Messias nos mil membros dessa nova igreja. Seria a idade de ouro, era do amor e

era profética, com o Salvador reinando na Terra (53).

Em síntese são traços típicos do Reino milenarista de Deus na

Terra:

1. A transformação de toda a terra num paraíso graças à


eliminação de todos os efeitos do pecado original sobre

o homem e a natureza. Alguns milenaristas restringem a

salvação apenas aos bons, que seriam conduzidos a um


lugar paradisíaco existente na Terra.

(52) "Aus dem heiligen Schosse eines ehrwürdigen europäischen Konziliums wird
die Christenheit aufstehn, und das Geschäft der Religionserweckung
nach einem allumfassenden, göttlichen Plane betrieben werden".
NOVALIS, Die Christenheit oder Europa, in Novalis, Petits écrits,
Aubies-Montaigne, Paris, ed. Bilingue, s.d. p. 174.
(53) Cfr. NOVALIS, op. cit., pp. 162 a 164.

654
2. A instauração do Reino de Deus na Terra após uma terrível

crise, uma catástrofe apocalíptica com que Deus puniria

e purificaria a humanidade.

3. Uma nova revelação que daria ao homem um conhecimento pleno

da divindade e do próprio ser, assim como a compreensão de

todo o processo histórico. Nisso o profeta Elias teria um

papel primordial.

4. O fim das lutas e dissensões religiosas, graças, à nova

revelação que realizaria a fusão de todas as religiões

numa única Igreja pneumática.

5. A união de todos os homens numa única Igreja Espiritual

e pobre estabelecendo-se o Reino do Amor ou do Espírito

Santo.

6. Com o Reino do Amor, o fim do domínio da Lei, o

estabelecimento da nudez e do amor livre.

6. Abolição do meu e do teu. Tudo seria de todos. Graças ao

triunfo da caridade não haveria mais propriedade

particular.

8. A transformação da natureza humana e a abolição da Lei

permitiriam um novo modo de reprodução não sexual.

655
Veremos como muitas dessas notas existem nos textos de Katharina

Emmerick e que, assim, suas visões tem claro pendor quiliástico.

5. O PARAÍSO TERRESTRE E A MONTANHA DOS PROFETAS NAS VISÕES DE KATHARINA EMMERICK

Em Clemens Brentano as espectativas de uma Idade de Ouro ou

de um Reino de Deus na Terra encontraram grande ressonância. Vimos como desde

a infância ele sonhava com um lugar paradisíaco que ele chamava de Vadutz (54).

Vimos também que mesmo antes de conhecer Katharina Emmerick, Brentano relacionava

o fantástico Vadutz de seus sonhos com todos os lugares paradisíacos e santos

de todas as religiões e mitos, com o país de Thulé, com o monte Ida, com o monte

Olimpo, com a mística montanha Kuen-Lun dos chineses, etc. (55).

Adulto, Brentano se interessou por todos os


autores esotéricos que tratam do tema milenarista. Em sua
biblioteca havia obras de Madame Guyon, do padre Poiret-o amigo
de Antoinette Bourignon de quem Brentano tinha uma biografia,
a obra de Spee sobre Comenius e as de muitos outros místicos
(56).

Quando ele se tornou católico, Brentano não


renunciou a seu sonho infantil e romântico do Vadutz, que passou a
identificar com o Paraíso terrestre.
Nas visões de Katharina Emmerick, há relatos sobre
o Éden e sobre uma misteriosa Montanha dos Profetas

( 54) Cfr. cap. II desta tese

(55) Cfr. CB., Werke, Gockel, Hinkel und Gackeleia(Zueignung),


vol.III, p. 619.

656
(Prophetenberg) que Brentano relaciona, como fizera com o Vadutz, a todas
as montanhas sagradas de todas as religiões.
Examinaremos agora esses textos, que comprovam que há nas visões de Katharina

Emmerick uma idéia romântica e mágica de um lugar na Terra em que não haveria

mal algum. Ora, essa é uma concepção típica de certas Gnoses e que prepara o

espírito para uma outra pergunta e para um outro desejo: se existe Vadutz, por
que toda Terra não é como ele? Não poderia se estender por toda a Terra? Se

a Terra inteira já foi um Vadutz, se pelo menos o primeiro casal viveu em Vadutz,

se houve uma Idade de Ouro inicial, não seria possível o restabelecimento dessa

idade paradisíaca? Não pregou Cristo o Reino de Deus, afirmando que esse Reino
estava próximo? Não se reza no Pai-Nosso: "Venha a nós o vosso Reino?”

Vimos já que, para Katharina Emmerick,

"o jardim do Éden e tudo o que o cercava eram uma


( 57) .
imagem perfeita de um reino de Deus imaginário...
Ela afirma ainda que o Paraíso

(56) C f r . B . G A J E K , C l e m e n s und C h r i s t i a n B r e n t a n o s
B i b l i o t e k e n , Car l W i nt er Un iv er s it ä ts V e rl ag ,
H e id e lb er g , 19 72 .

(57) "Der Garten und alles, was ihn umgab, waren eine vollständige
Bildlichkeit eines ebenbildlichen Gottesreiches,..." - CB - Tgb.,
apud A. BRIEGER - AKE Visionen und Leben, p. 46.

657
Terrestre continua existindo. Mas é totalmente
impossível para os homens chegar até ele. Há cerca
de 40 anos, eu o tenho visto em todo o seu esplendor,
separado obliquamente da Terra, colocado muito alto,
tão afastado como a esfera escura dos anjos caídos está
separada do céu" (58) .

Em outra passagem, ela diz que o Éden se situa no Oriente, perto


de um lugar misterioso, a Montanha dos Profetas, a qual estaria na região mais
montanhosa da Terra, na Ásia Central.

"Aún ahora veo el Paraiso Terrenal, a los lejos, como

un banco debajo del sol cuando este se levanta. El

sol, al parecer, se levanta a derecha, al extremo

de ese banco. Está situado al Oriente del Monte de

los Profetas, alli donde el sol se levanta y me

parece siempre como un huevo flotando entre unas

águas admiravelmente claras y limpias que lo separan

de la tierra. El Monte de los Profetas parece una

montanha colocada delante del Paraiso. En el Monte

de los Profetas se ven lugares verdes, y entre

ellos

(58) "Mir ist auch, als bestehe das Paradies noch immer. Es sei aber
den Menschen ganz unmöglich, hinzugelangen. Es sint etwa vierzehn Jahre,
da habe ich es noch in seinem Glanz gesehen, schräg von der Erde ab, hoch
droben erschien es mir abgesondert, wie die finstere Scheibe des
Engelssturzes vom Himmel". C.B. - Tgb, apud A. BRIEGER, Der Gotteskreis,
p. 486.

658
profundos barrancos llenos de água. He visto
gentes subir al Monte de los Profetas, pero no
(59)
llegaron muy alto" .

Na Leben der Hl. Jungfrau Maria, Brentano dá algumas informações


mais precisas sobre a localização dessa misteriosa Montanha dos
Profetas, à qual a vidente teria sido conduzida várias vezes,
em visões extáticas. Contava ela que vira lá, numa ilha
verdejante, uma tenda onde estavam guardados os livros
proféticos contendo as Revelações de Deus em todos os tempos
para todos os povos do mundo. Tais livros eram guardados e
examinados por uma pessoa que lembrava um tanto S. João
Evangelista e um tanto Elias. Mas Katharina Emmerick
acreditava que essa pessoa era S. Elias porque vira, na ilha,
o carro em que esse profeta fora arrebatado da Terra.
O suposto Elias comparava os livros de revelação com o conteúdo de um
grande livro que possuía. Tudo o que fora deturpado e que estava em
contradição com esse grande livro, o profeta apagava ou destruía num
fogo ardente. Esse livro de Elias era um grande dom de Deus aos homens.
Porém estes ainda não estavam aptos para recebê-lo. "Era preciso que
antes viesse outro"...

(59) AKE, Visiones y revelaciones completas, vol II, p. 28.

659
Havia lá ainda torres que serviam de câmaras de tesouro ou então poços de
sabedoria e do conhecimento de diferentes povos da terra. Sob a ilha,
uma fonte de águas santas e conservadoras que, correndo para baixo
em direção à terra, iam dar nascimento ao Ganges(60). Brentano
acrescenta então que lhe foi lembrado por um leitor das comunicações
feitas por Katharina Emmerick que, nos sistemas religiosos de vários
povos asiáticos, há tradições a respeito de um lugar parecido a esse,
onde habitaria uma pessoa como a descrita por Katharina Emmerick:

"O profeta Elias que é conhecido entre os muçulmanos


pelo nome Chiser, isto é o verdejante, e que é considerado
como um ser maravilhoso, semi-angélico, habita no norte, na
montanha Kaf, celebrada em muitos escritos religiosos e
poéticos, e lá, nas fontes da vida , vigia sobre os segredos..."

"Os indianos situam sua santa montanha Meru, os chineses a sua


Kuen-Lun, ambas possuindo o conceito de uma situação paradisíaca,
igualmente na alta Ásia Central, onde a bem aventurada Emmerick
achou a Montanha dos Profetas. Também os antigos persas
acreditavam em um lugar parecido que eles veneravam como E-bors
ou Albordsh. Os babilônios pareciam ter uma fé semelhante
(61).
(Conforme Isaías XIV,13)"

Evidentemente, nesse texto, confluem os sonhos de Clemens Brentano


menino a respeito de Vadutz, suas leituras esotéricas e místicas, com as aspirações
milenaristas tão em voga entre os românticos.

(60) Cfr. CB. – Leben, pp. 78-79, nota 1.

(61) Cfr. CB "Leben...", p. 79, nota 1.

660
Em primeiro lugar, é preciso registrar que de fato, os muçulmanos chamam

Elias, Chiser, o verdejante(62). Quanto à montanha Qaf, ela é uma montanha mística da tradição shiita.

Ora, o shiismo é a gnose do Islam(63). Segundo a gnose Shiita, a montanha Qaf seria totalmente de

esmeralda e era chamada de outrora de Alborz(64). Ela é o Sinai místico que os "peregrinos do espírito"

devem subir e que estaria entre o mundo visível e o invisível.(65)

Corbin identifica tal montanha com várias outras montanhas místicas

como o Mont Serrat, o Mont-Salvat dos cavaleiros do Graal, e até com o Mont Ségur dos

cátaros (66).

Assim coma diz Katharina Emmerick, também os shiitas crêem que no


Monte Qaf estão a fonte das águas da vida e o misterioso profeta Kherz (Khadir, o
verdejante), o próprio profeta Elias ou um seu companheiro:

(62) "Il convenait éminemment à l'Islam arabe, issu d'Ismael l'exclu, que même le nom propre d'Élie lui soit
rétiré, et c'est sous une simples épithéte "al-Khadir", le Verdoyant, voile coloré d'un Sage anonyme,
que la fonction propre d'Élie dans l'histoire du Monde est manifestée par la Sourate XVIII". LOUIS
MASSIGNON, "Élie et son rôle en Islam", in Elie, le prophête, Les études Carmelitaines, vol. II, p. 270
- Desclée de Brouwer, Paris, 1956.
(63) "La doctrine shiite est par excellence la gnose de l'Islam; le shiisme est lui-même la
succession, la tradition ininterrompue de la gnose". - HENRY CORBIN,
En Islam iranien - Gallimard, Paris, 1971, vol. I, p. 128.
(64) Cfr. H. CORBIN, Corps spirituel et terre céleste - De l'Iran masdéen
à l'Iran shiite - Buchet-Charstel - Paris, 1979, p. 100.
(65) CORBIN - idem, pp. 101 e 128, nota 16 - En Islam iranien, vol. II, p. 189.
(66) Cfr. CORBIN - E n I s l a m I r a n i e n , v o l . II, pp.182 e 154,
vol.IV, p.406.

661
"Alors, l'ultime et septième merveille est bien

celle-là: la "Source de la Vie" dans les tenèbres -

celle qu'a atteinte le mystérieux prophète Kherz

(Khadir), compagnon du prophéte Élie voire identique


(67)
à lui" .

Katharina Emmerick localiza o Prophetenberg na Ásia Central. Os

Shiitas acreditam que a montanha Qaf é um não lugar-"Na-kojâ-âbâd"- âbâ significa

"país" e nâ-kojâ significa "não-onde", exatamente o mesmo sentido da palavra utopia

de Morus(68). Para Katharina Emmerick, o Prophetenberg exercia uma influência benéfica

sobre toda a terra e sobre os homens através das águas que desciam dessa Montanha e que

provinham da "fonte da vida", das "águas superiores" que Deus tinha separado das

inferiores nos primeiros dias da criação. Diz a vidente de Dülmen que de Prophetenberg

desce o rio Ganges, cujas águas seriam de fato santas:

(67) C f r . C O R B I N - E n I s l a m I r a n i e n , v o l . I I , p . 2 3 4 .
(68) C f r . C O R B I N – E n I s l a m I r a n i e n , v o l . I V ,
p. 378.

662
"Aquel rio que de arriba desciende y cujas aguas tanto

veneran los pueblos, tiene realmente una fuerza em

si mismo y vigoriza a los hombres. Por eso es que lo

tienen en mayor precio que su vino" (69) .

Além disso, as águas que caiam do alto da Montanha

dos Profetas respingavam sobre toda a terra sob forma de orvalho ou

de chuva, produzindo efeitos sobrenaturais nas almas:

"He visto a muchos hombres iluminados y refrigerados

por estas águas, em casas, en chozas, en la ciudad,

en muchas partes del mundo. Vi tambien a algunos

protestantes los más convencidos en sus creencias,

ser iluminados por aquellas gotas. Principia cierto

movimiento en sus corazones y germina cierto

fermento que después de graves tempestades se


(70) .
desarrollará en todo su esplendor"

Estas gotas das águas superiores que caíam sobre a montanha dos profetas e dela desciam ou se
esparziam pela terra tinham, assim, o poder de tornar certos homens iluminados. - O termo é
bem revelador. - Brentano não hesita em contar entre esses iluminados certos protestantes
de seu tempo, numa evidente

(69) AKE - Visiones, vol. I, p. 593.


(70) AKE - Visiones, vol. I, p. 584.

663
alusão aos pietistas protestantes que faziam parte dos grupos esotéricos iluminados
e entre os quais figuravam os grandes líderes do movimento romântico, que se
converteram ou que tendiam ao catolicismo, como por exemplo Stolberg e Novalis.

Tudo isto demonstra uma concepção mágica da graça e da natureza


muito própria das idéias milenaristas dos românticos:

"Yo estaba a la vista del globo terrestre, en la


proximidad del Monte de los Profetas. He visto las
aguas que desde allá descienden como una tienda o
defensa de velo candido, semejante a la leche, por
sobre la tierra (...) Y produce varios efectos, y
se aquel velo llega a ser perfurado entonces cae la
lluvia. Estas efusiones estan coligadas a ciertas
épocas fijas y van precedidas de los santos con sus
solemnidades y la celebracion de sus triunfos. La
fiesta de un sancto es su verdadero dia fructifero,
en el cual se recogen aquellos dones que el
produce y lleva como a manera de arbol frutal. Lo
que las almas no reciben como efusiones de los dones
del Espiritu Sancto, lo recibe la naturaleza, como
rocio de lluvia. Asi la demasia y
superabundancia de la lluvia puede ser
castigo de Di ós " ( 7 1 ) .

(71) AKE - V i si o n e s , v ol. I, p. 584 .

664
Nesse texto se faz uma confusão entre os fenômenos naturais, como
a chuva e o orvalho, e graças sobrenaturais, evidenciando uma concepção naturalista e
mágica das relações do homem com Deus. A seguir, aprofundando o mesmo veio, Katharina
Emmerick mostra um pensamento totalmente afim com as idéias do romantismo alemão. Este
afirmava que o homem alcançaria a auto redenção caso se mantivesse numa relação
perfeitamente harmoniosa com a Natureza. Fazendo isso o homem não apenas se divinizaria,
mas redimiria a própria natureza, reestabelecendo-se o paraíso terrenal. Katharina
Emmerick diz exatamente isso:

"Alli donde el hombre y la tierra estuvieran en


perfecta harmonia, alli seria un paraiso. La
oración domina las estaciones (...) si los dones del
Espiritu Sanctu, que en el dia de Pentecostes son
distribuidos a los hombres, son recibidos solo en
pequeña cantidad, se resuelven en lluvia no propicia
que cae a torrentes y como castigo. Veo la vida de
la naturaleza estrechamente unida a la vida de las
(72)
almas" .

A montanha dos Profetas, tal qual foi imaginada por Brentano como
Vadutz e tal qual foi descrita nas Visões de Katharina Emmerick, é inteiramente
conatural com os paraísos descritos pelas utopias. O conhecido romance "Lost
Horizon" de James Hilton, que narra a vida de um grupo humano segregado num

(72) AKE - Visiones, vol. I, pp. 584-585.

665
misterioso e edênico vale, no Tibet - o Shangri-lá – inspirou-se se exatamente
no Prophetenberg e no paraíso descritos por Katharina Emmerick (73).

A montanha dos Profetas e o paraíso terrestre, existente ainda

hoje em suas encostas, numa região da Ásia Central não são os únicos traços de

tendência quiliástica encontrados em Katharina Emmerick. A identificação dessa


montanha com o monte Qaf da gnose muçulmana confirma o caráter milenarista dos
relatos da vidente de Dülmen. Com efeito, os shiitas esperam uma redenção de tipo

gnóstico a ser realizada com o advento do XII Imam, o qual estaria atualmente

escondido ou oculto num lugar misterioso - o monte Qaf, a terra de Hurqalia- no mundo

imaginal (74).

(73) Cfr. JUAN CARLOS MORENO - Estudio Critico das Visões de AKE in AKE
Visiones, vol. I, p. 73; JAMES HILTON - Horizonte Perdido,
(74) Cfr. as obras já citas de Henry Corbin.

666
6. O PROFETA ELIAS E SUA MISSÃO DE FUNDAR O REINO DE DEUS NOVA REVELAÇÃO.

Segundo a tradição esotérica oriental, nesse local estaria também


o profeta Elias, o Verdejante, o qual voltaria à terra para restaurar o mundo na sua
perfeição original . O Imam futuro descerraria todos os véus da revelação escrita e
redimiria o homem da morte e de todos os males.

Na esfera do esoterismo ocidental existe a mesma crença.

"Si cette réintegration Universelle n'est autre que la


restituition de l'univers matériel imparfait,
grossier, en ce "plérome" cher aux platoniciens,
monde parfait, subtil, parce que constitué d'éléments
eux-mêmes revenus à une perfection primitive, elle
doit s'accompagner d'une véritable reversibilité
preliminaire, d'une amélioration de la cité terrestre.
Tel est l'ambitieux plan de la Rose + Croix (...) On
sait que cet Elie Artiste prédestiné à accomplir la
plus heureuse comme la plus radicale de toutes les
Révolutions nous dit Louis Figuier en son livre
"L'Alchimie et les Alchimistes", non seulement dans
le monde hérmétique, mais pour toute la Nature, morale et
matérielle, était, selon la prétention des Rose-Croix, un
Messie collectif qui avait pris pour corps mystique
(75) .
leur confrérie elle-même"

(75) R. AMBELAIN - Scala Philosophorum ou la symbolique des outils dans


l'art Royal, Ed. Niclaus, Paris, 1965, pp. 173 a 175.

667
No século XVIII, muitos movimentos de caráter quiliástico
aguardavam a próxima vinda de Elias, desde os jansenistas até os círculos esotéricos
maçônicos (76).

Ainda no tempo de Brentano as expectativas eliáticas provocaram o


aparecimento de visionários que se declaravam a encarnação de Elias que teria voltado
para fundar o milênio, o Terceiro Reino, a vinda do Paráclito e do Cristo Glorioso. Foi
o caso de Pierre-Eugène Michel Vintras que se afirmava Elias e que proclamou o início
do Reino do Amor no ano de 1839 (77).

Katharina Emmerick dá uma grande importância a Elias. Ela afirma que


esse profeta, depois de ter sido arrebatado, foi levado à Montanha dos
Profetas onde aguardaria o momento histórico de seu retorno.
Mas o grande livro que servia de base para Elias examinar, os livros
de revelação de todos os povos, conforme o relato da vidente, qual
seria?

(76) Cfr. L. COGNET - Le jansénisme - Que sais-je? nº 960 - PUF 1961, p.


118.
(77) Cfr. PIERRE AMBERT - Herésies éliaques in "Elie le prophéte du
Carmel, dans le judaisme et l'Islam.
Études Carmelitaines, Desclée, Paris, 1956, vol.II, pp. 293-294.

668
Segundo a doutrina esotérica, que nisto seguia a Cabala, Deus teria
concedido a Adão uma revelação perfeita, completa, que ele transmitira
oralmente a seus descendentes. Todas as religiões pagãs conteriam
restos dessa revelação primeva, a qual teria se conservado melhor no
judaísmo. Segundo os cabalistas, martinistas e esotéricos tal
revelação seria a Cabala. Repercussões desta crença se acham nas
doutrinas dos seguidores de Joseph de Maistre no século XIX.

Importante é salientar que, para Katharina Emmerick, a revelação


contida no grande livro utilizado por Elias seria dada aos homens no
futuro.
Assim, como vimos, "era preciso que antes viesse outro", pois a
humanidade ainda não se achava preparada para receber esse dom.

Quem seria esse misterioso "outro", um outro livro de revelações? Ou


outro personagem que deveria vir para preparar a recepção da grande
revelação?

De qualquer modo que se interprete, é certo que Katharina Emmerick


afirma que haverá uma futura revelação mais completa.

É certo ainda que ela acreditava que em todas as religiões ou

revelações pagãs havia pelo menos restos da revelação primeva, o que deveria

facilitar uma futura reunião ecumênica de todas as crenças numa Igreja espiritual

superior a todas as igrejas positivas.

669
7. A NOVA IGREJA ESPIRITUAL

"He visto la fiesta de Pentecostes como una solemnidad

en el seno de la Iglesia Católica, como también

muchos cuadrosde la difusion del Espiritu Sancto

en el mundo entero. He visto doce nuevos apóstoles

y sus relaciones con la Iglesia.

He visto también formarse una iglesia espiritual,


recogida de todas las comunidades de los fieles y
como esta recibia al Espiritu Santo. Era un
renacimiento de la Iglesia Católica. He visto a
muchos recibir el Espiritu Santo" (78) .
Ora, a formação de uma igreja espiritual superior a todas as igrejas organizadas

e possuidora de uma nova revelação e efusão do Espírito Santo, era crença muito difundida

nos círculos esotéricos e entre as seitas dos séculos XVII e XVIII (79). Mais ainda, a formação

dessa igreja pneumática era condição "sine qua non" para a instauração do reino de

Deus na terra e teria efeitos até sobre a natureza:

"He visto asimismo un cuadro del Espiritu Santo, de


una superficie triangular, donde aparecia como una

forma alada en medio de una division de septiformes

luces. He visto como se difundia en la iglesia

espiritual que estaba en el aire

(78) AKE - V i s i o n e s , vol. I, pp. 583-584.


(79) Cfr. L. KOLAKOWSKY - " C h r é t i e n s s a n s É g l i s e ".

670
y en aquellos que con ella están en relación. En esta

visión de la difusión del Espiritu Santo senti como

la difusión tenia influencia también sobre la


(80)
naturaleza" .

Brentano compartilhava das idéias ecumênicas em vigor nos

círculos iluminados do século XVIII e XIX. Para ele a Igreja não era o conjunto

dos batizados que crêem e obedecem ao Papa. A ortodoxia não era para Brentano

condição necessária para se pertencer à Igreja. Eis o que ele diz:

"Ahora compreendo lo que es la Iglesia. La Iglesia

es infinitamente más que un conjunto de hombres que

piensan de la misma manera: es el cuerpo de Cristo

que, como su cabeza, está esencialmente unido y se

comunica constantemente con ella" (81) .

Katharina Emmerick tem a mesma visão da Igreja. Para ela, o corpo

místico de Cristo, a Igreja, se identificaria com a humanidade, incluindo,

portanto, os hereges.

Eis o que ela diz:

(80) AKE - Visiones, ed. cit., vol. I, p. 584. O sublinhado é nosso. (81) AKE
- Visiones, vol. I, pp. 113-114.

671
"Entonces vi el campo de las mieses junto a la
mansion de bodas y he visto en ese campo un corpo
levantado y dirigido havia el cielo. Estaba horriblemente
mutilado: ciertas partes de las manos y de los piés
estaban cortadas, y en otros lugares se veían
anchas feridas y aberturas. Algunas de estas
eran recientes y sangraban aún, otras estaban
rellenadas de carne mal crecida y pudrida; otras
como cicatrizadas y osificadas; un lado del cuerpo
aparecia negro y gangrenoso, como consumido.

Mi guia me indicó que aquel era el corpo de la Iglesia

y tambien el de todos los hombres. Y al señalarme toda

herida y toda mutilación, me indicó como estaban en

dirección a todas las partes del mundo (...)

(...) He visto, por otra parte, que el lado negro y

gangrenoso del cuerpo será muy pronto cu rado. Aquella

carne mal crecida que cubre las heridas, representa a los

herejes, los que ya no tienen sentimiento religioso se

encuentran en estado de gangrena. He visto cada

miembro, cada herida, con su significación. Ese

cuerpo llegaba haste el cielo. Era también el cuerpo

de Cristo"(82).

(82) AKE - Visiones, ed. cit., vol. I, p. 431 - O sublinhado é nosso

Nesse texto, Katharina Emmerick afirma uma noção não ortodoxa

do corpo místico de Cristo, pois nele se incluiriam os herejes e até os que já

não tem "sentimento religioso", expressão que na linguagem romântica significaria

672
fé. Ora, isto vai totalmente contra o que a Igreja sempre ensinou sobre a

necessidade de fé para pertencer à Igreja, confirmado ainda em nosso século por

Pio XII(83). Mais ainda. Ela faz coincidir o corpo místico de Cristo com a

Humanidade. Se esta idéia contradiz o ensinamento ortodoxo, está, entretanto, em

inteiro acordo com as doutrinas esotéricas e iluminadas largamente difundidas nos

tempos do Romantismo. Com efeito, os românticos não queriam excluir ninguém nem

do céu nem do Reino do Amor que aguardavam para breve.

8. O REINO DE DEUS

A. O REINO DE DEUS

Para os românticos assim como para Katharina Emmerick, os tempos

estavam completos e o Reino de Deus estaria em vias de ser alcançado. Antes, porém
haveria uma crise catastrófica que castigaria terrivelmente a humanidade e

depuraria a Igreja. Seria longo demais citar os inúmeros textos de Katharina

Emmerick que tratam desse castigo. Interessam-nos mais suas afirmações

a respeito da proximidade da instauração do Reino de Deus:

(83) Pio XII - Mystici Corporis Christi, ed.Vozes, Petrópolis, 19.

673
"Ví a obispos y pastores acercarse y cambiar sus

libros. Las sestas reconocieran a la Iglesia por

su admirable victoria y por la luz de la revelación

que habian visto resplandecer en ella. Cuando ví esa

unión, sentí profundamente la proximidad del Reino

de Dios. Ví un resplendor y una vida superior en toda

la naturaleza y un santo impulso en todos los

hombres, como cuando se aproximaba el nacimiento

de Jesús, y de tal manera senti la proximidad del

Reino de Dios, que me vi obligada a salir a su

encuentro (...).

Dela venida de Maria tuve un vivísimo


presentimiento. Ví a su estirpe ennoblecerse a
medida que se iba acercando a esta flor. Ví venir
a Maria: como la vi no puedo decirlo. De la misma
manera siento la proximidad del Reino de Dios. Solo
puedo comparar aquel sentir con este modo de ver.
El Reino de Dios lo vi acercarse cumpliendose el
anhelo de muchos fieles atraídos por la fé
humilde y ardentísimo amor (...) Ví que un amor
infinito y una virtud divina reinaban entre los
hombres" (84) .
Como se vê, no Reino prestes a se realizar, protestantes e católicos
trocariam seus livros e todos estariam unidos no amor e na virtude divinas. Katharina
Emmerick considera que o Reino de Deus significa não só a Igreja e a obra messiânica,
mas também a sociedade cristã e o futuro Reino anunciado por Daniel. É pelo menos isto
que se lê em nota - muito provavelmente de Brentano - a um texto da vidente:

(84) AKE - Visiones , vol. I, pp. 621-622.

"La frase reino de Dios que San Marcos y San Lucas

emplean más de 50 veces, como el reino de los cielos,

674
segun San Mateo, significa la obra del Mesias, la

sociedad cristiana, la Iglesiay también, como

coronación, el reino anunciado por Daniel" (85) .

Em várias passagens das Visiones, Katharina Emmerick mostra que


Jesus tinha uma concepção igualitária do reino de Deus. Assim ao enviar os apóstolos
e discípulos em missão:

"Les dijo que ahora nadie era más que el otro, que

en los lugares se albergasen con gentes piedosas y

viviesen pobres, no siendo peso para vadie"(86).

Noutra ocasião Jesus teria ensinado aos samaritanos que todos são
iguais perante Deus!

"Jesus los llamó diciendoles que su Padre celestial

los llamaba a todos por meio de El, hablando de la

igualdad de todo ante Dios, de los que hacen

penitencia e se bantizan" (87) .

(85) AKE - V i s i on e s, vol. II, p. 654, nota


(86) AKE - V i s i on e s, vol. III, p. 156.
( 8 7 ) AKE - V i s i o n e s , ed. cit., vol. II, pp. 422-423. O
sublinhado é nosso.

675
Embora se posa ver nesta afirmação apenas a doutrina ortodoxa
da igualdade fundamental dos homens diante de Deus, em outros textos essa
igualdade chega a um tal ponto que praticamente elimina o direito de propriedade.
Com efeito, conta Katharina Emmerick que um dia um homem se queixou a Cristo de
que um vizinho lhe roubara grande parte de suas terras. Jesus então lhe teria
perguntado se ele poderia manter sua família com o que lhe sobrara. E diante da
resposta afirmativa do queixoso, Jesus lhe teria dito:

"... que nada habia perdido, que nada nos aprovecha, mientres
se tiene para pasar la vida eso basta; que aún diese más a quel
hombre insaciable para que contentase su hambre de bienes
terrenos"(88).

Bem significativa da posição "socialista" do Cristo de Katharina


Emmerick é o que ela teria dito aos ricos. Quando Ele afirmou que é mais fácil
um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no céu, "estos
ricos pretendieron defenderse diciendo que ellos daban limosnas de sus ganancias.
Jesus los contestó que las lismonas que exprimiam del sudor de los pobres no les
podia tracer benedición alguna"(89). E em nota Brentano explica que "el rico deberá
despojarse de lo supérfluo para entrar en el cielo"(90).

Evidentemente a afirmação de que a esmola dos ricos é o suor dos


pobres e por isto lhes é inútil não existe nos Evangelhos. Mas ela dá bem um dos
matizes que Katharina Emmerick e Brentano quiseram acrescentar aos textos
canônicos. O reino de Deus devia ser totalmente igualitário. Daí, Katharina
Emmerick fazer Cristo elogiar a comunidade coletivista dos pastores de Belém e
a comunidade coletivista das Caraitas de Jogbeha. Desta, ela diz:

(88) AKE - Visiones, p. 653.


( 8 9 ) AKE - Visiones, ed. cit., vol. II, p. 509 - 0 sublinhado é nosso.
(90) AKE - Visiones, vol. II, p. 509, nota

676
"(os Caraitas) ... vivian en mucha sencillez y
pobreza y tenian sus bienes en comun (...) No habia
e n t r e e l l o s n i n g u n o pobre o n e c e s i t a do (...) no
padecian ninguna vanidad ni lujo y se mantenian de
su trabajo (...) Los que hé visto trabajavan en comun
en largas habitaciones " (91).

Em outros trechos Katharina Emmerick faz Cristo elogiar os

costumes igualitários de alguns ricos judeus, que se reuniam em Betulia,

vestindo-se todos igualmente, e pela amizade e igualdade que reinava entre eles(92).

Por outro lado ela diz que Cristo critica asperamente o chefe de uma cidade que

veio a seu encontro com grande aparato e traje de cerimônia dizendo-lhe que

viesse "como os demais homens"(93). Enfim, Cristo afirma: "que los hombres se

acordasen de que no eram dueños de las cosas de la tierra, sino que solo las
tenian en uso" (94).

Nesses textos Katharina Emmerick apresenta um Cristo


igualitário que bem reflete as simpatias que Brentano teve pelo modo de vida dos
grupos pietistas do tipo Hernhutter e dos Erweckten.
(91) AKE - V i s i o n e s , vol. II, pp. 722-723.
(92) Cfr. AKE - V i s i o n e s , vol. II, p. 646.
(93) Cfr. AKE - V i s i o n e s , vol. II, pp. 553-554.
(94) AKE - V i s i o n e s , vol. II, p. 611.

677
Como última característica do futuro Reino de Cristo é
preciso indicar o ressurgimento dos carismas. Brentano e Katharina Emmerick
possuíam uma noção mágica ou naturalista dos carismas cristãos. Assim, o poder
taumatúrgico de Cristo, dos Apóstolos e dos primeiros cristãos não seria uma
manifestação de poder sobrenatural e sim um aproveitamento de qualidades naturais
do ser humano, através de uma técnica magnética. No futuro Reino de Deus os sacerdotes
saberiam de novo empregar as técnicas utilizadas por Cristo, que Ele teria transmitido
à Igreja, especialmente o modo correto de impor as mãos. Assim a vidente de
Dülmen afirma que Jesus curava de modo humano:
"Como Hombre-Dios (Cristo) sanaba de modo humano (...) En
estos milagros no quebrantaba las leyes de la
(95).
naturaleza..."

Ele aplicava vários métodos diferentes de cura e, com o tempo,


foi adquirindo mais pratica de modo que
"ahora hace más rápido de lo que solia hacer al
principio " (96).
Essas técnicas de cura foram aprendidas pelos apóstolos:

(95) AKE - Visiones, vol. III, p. 34.


(96) AKE - Visiones, vol. III, p. 34.

678
"(Cristo) Habló con los discipulos diciendoles que
usasen de estas diversas maneras de sanar" (97) .

"Jesus (...) les dió normas de conducta y del modo de


imponer las manos y de echar demonios(...) (98) .

Confirmaram esta noção de que o poder de curar era mais uma técnica
do que um carisma sobrenatural os textos em que Katharina Emmerick afirma -
contrariando os Evangelhos - que as curas feitas por Cristo não eram imediatas:

(Os enfermos) "en general no se sentian de repente

sanos, frescos y fuertes, sino que mejoraban como

uma planta reseca con el água de la lluvia" (99) .

Entretanto, essa técnica de curar não excluía algo de mágico. Um


certo poder, que só os apóstolos receberam, lhes permitia utilizar a técnica de cura.
Cristo teria transmitido a Pedro, em primeiro lugar, esse poder que Katharina Emmerick
chama de força, poder, mas que era algo substancial: um alimento brilhante que Pedro
recebeu na boca. Além disso - como nas cerimônias de magnetismo bem conhecidas
de Brentano - Cristo transmitiu esse poder a Pedro colocando sua boca sobre a de

(97) AKE - V i s i o n e s , vol. III, p. 164.


(98) AKE - V i s i o n e s , vol. III, p. 180. (99)
AKE - V i s i o n e s , vol. II, pp. 636-637.

679
Pedro, soprando dentro dele:

"Ahora veo Pedro hincado delante del Señor que le

da un bocado redondo, como un panecillo; no ví que

lo haya sacado de ningun plato o lugar de allí; el

bocado brillaba. Tengo la persuasión de que Pedro

recibe en este momento una fuerza extraordinária. Veo

que sopla sobre el y le dá con eso una fuerza, un

poder infundindole una potestad. No era en realidad

un soplar sobre el, era algo real, existente,

palabras y fuerza que pasaban de Jesús a Pedro por

medio de las palabras. Veo que Jesús acerca su boca

a la de Pedro y derrama en la boca y en los oídos de

Pedro una fuerza, una potencia que veo passar del

Señor a Pedro. No era todavia el Espiritu Santo, que

vino sobre el en Pentecostes: era algo que pasaba

a Pedro y seria vivificado el dia de Pentecostes.

Jesús le impuso tambien sus manos y le comunicó un

poder sobre los demás. El mismo Señor le cubrió

luego con el manto que sostenió Juan en sus

brazos y le entregó el báculo. Dijo en esta

ocasión que ese manto debia mantener toda la fuerza

que El le habia comunicado y que debia llevarlo todas

las veces que convenia hacer uso de la potestad que

le habia comunicado. Jesús les habló de otro gran

bautismo, cuando El les mandase el Espiritu Santo:

y anadió que Pedro daria a los demás ocho dias

depués, la potestad que El le habia dado ahora a Pedro

solo" (100) .

Vê-se por aí que o modo de transmitir o poder de cura a Pedro

681
parecia-se bastante com as técnicas magnéticas empregadas pelo padre Limberg para

dar novas forças a Katharina Emmerick. Não só os apóstolos e discípulos podiam

se deitar sobre os outros, e boca a boca, transmitir-lhes poder e espírito de

vida. Os magnetizadores dos tempos de Brentano faziam o mesmo. Os tempos mágicos

do Romantismo eram o precônio do Reino de Deus - Reino do Amor ecumênico e

igualitário - que se aproximava.

(100) AKE, Visiones, vol. IV, p. 224.

x. CONCLUSÕES

Os textos das visões de Katharina Emmerick ocupam vários grossos

volumes. A fonte extra-natural de suas revelações - se existiu essa fonte - foi

tão prolixa quanto a pena de Brentano. Mais ainda: tal fonte se mostrou em larga

extensão coincidente com os conhecimentos cabalísticos e esotéricos do

poeta-secretário da vidente de Dülmen.

Apesar de ter sido publicada apenas uma pequena parte dos

manuscritos originais, o que foi dado a luz e o que o Pe. Schmoeger deixou passar

por sua censura intelectualmente anti-ética, é inteiramente suficiente para

comprovar nossa tese. Bastou-nos analisar apenas os capítulos referentes à criação,

ao pecado original e as páginas relativas àquilo que a vidente chama de gérmen da

bênção para ter os elementos comprovatórios que precisávamos. É claro que os textos

completos das revelações quando editados, devem fornecer muito mais material no

mesmo sentido. Todavia, uma análise exaustiva teria o inconveniente de ser

repetitiva além de dar uma amplitude desnecessária para a confirmação de nossa

tese. De qualquer forma, de tudo o que pesquisamos e analisamos, concluimos o

seguinte:

I. É indubitável que os textos das visões e revelações de Anna

Katharina Emmerick, tais quais as apresentou a redação de Brentano, contém

elementos de natureza cabalista e esotérica.

682
Em numerosos pontos, em que as visões se diferenciam do que diz
a Sagrada Escritura a respeito da criação, do pecado original, há
coincidência com o que diz o Zohar. Por outro lado, as idéias
expressas na narrativa da vidente sobre a criação e o pecado
original, coincidem com uma visão gnóstica da divindade, do
universo e do homem, tais como a entenderam a Cabala e o esoterismo.

II. O mito do gérmen da bênção e seu papel na

formação da linhagem messiânica, na concepção imaculada da Virgem

Maria e na encarnação do filho de Deus, isto é, no advento do

Messias, tem origem cabalista cristã. Como vimos, Brentano

confirma que esse mito provém do De Arcanis Catholicae Veritatis

do cabalista-cristão do século XVI, Petrus Galatinus. Isto nos

leva à classificar os textos das visões de Katharina Emmerick como

uma obra cabalista-cristã, pois que nelas se busca fazer uma

conciliação entre os dogmas fundamentais de cristianismo e uma visão

cabalista da divindade, da criação, do pecado original e da

Redenção.

III. Como na Cabala e na Gnose, os textos das visões estudadas


em nossa tese expressam fortemente uma mentalidade dualista com relação ao problema
do bem e do mal, representados simbolicamente pela Luz e pelas Trevas.

Como na Cabala, na Gnose e no esoterismo, a questão sexual ocupa


um ponto central nos textos das visões da freira de Dülmen.

683
Assim como a Cabala, os sistemas gnósticos e o pensamento
esotérico, os textos das visões de Katharina Emmerick concluiram que o pecado
original foi a conjunção carnal de Adão e Eva. Cremos que o horror doentio que
Katharina Emmerick teve, desde a sua mais terna juventude, pelo ato conjugal e pelo
estado matrimonial levou-a a aceitar de bom grado essa interpretação gnóstica,
cabalista e esotérica do pecado original. É por isto que ela afirma que a reprodução
humana, antes do pecado original, seria espiritual, obtida através da palavra e não
do sexo.

IV. Os textos das visões de Katharina Emmerick redigidos por


Brentano se encaixam perfeitamente no quadro do Romantismo alemão. Eles apresentam
a mesma cosmovisão, as mesmas idéias, a mesma mentalidade do misticismo esotérico que
gerou o Romantismo.

V. Não há dúvida alguma que Brentano introduziu nos textos das


visões suas idéias, concepções, sua visão do mundo. Mais ainda, ele introduziu lá
- como se fossem textos revelados -, parágrafos de obras existentes em sua biblioteca.
Como demonstrou o Pe. Hümpfner, Brentano não fez apenas isso, ele manipulou de tal
modo o que a freira lhe disse que ele deve ser considerado o verdadeiro autor dos
textos das visões.

VI. O Pe. Hümpfner procurou lançar toda a responsabilidade dos


textos sobre Brentano, de modo a inocentar completamente a vidente. Nós não
excluímos, porém a conivência da freira e, portanto, consideramo-la pelo menos em parte,
co-responsável pelo sistema exposto por Brentano nos textos das visões.

Em primeiro lugar, porque as suas posições mórbidas, face ao


problema sexual e ao matrimônio, a inclinavam para a aceitação de uma cosmovisão
gnóstica e cabalista.

Em segundo lugar, porque mesmo antes da chegada de Brentano,


Katharina Emmerick já defendera o sistema de Jacob Boehme, que é cabalista e gnóstico
e que dá uma interpretação gnóstica-sexual do pecado original.

Em terceiro lugar, seu ecumenismo, sua negação do fogo do


inferno, a sua defesa da tese da igualdade da graça, a aceitação do magnetismo e de
suas práticas, suas crenças astrológicas - idéias e práticas essas que ela tinha já
antes da chegada de Brentano - provam que ela não só não condenava o que Brentano
684
colocou nos textos das visões, mas que aprovava tudo isso. Se ela não disse tudo o que
Brentano escreveu, ela devia concordar com muito ou com quase tudo o que ele disse,
porque sua mentalidade era inteiramente afim com o que Brentano expôs.

Em quarto lugar, se não houvesse harmonia de idéias e de


mentalidade entre a vidente e o seu secretário, seria normal que eles rompessem ou
que ela não mantivesse a confiança completa que lhe manifestava.
Devemos ressaltar, porém, que não acreditamos que Katharina
Emmerick conhecesse pessoalmente, o que aparece de cabalismo nos textos de suas
visões. Não tivemos conhecimento de que jamais ela tenha feito menção ou aludido
a qualquer tema diretamente cabalista. Por isso, cremos que Brentano é o único
responsável pelos dados e textos cabalistas que aparecem nos manuscritos das visões.
Todavia, repetimos, julgamos improvável que Anna Katharina Emmerick discordasse das
idéias expressas por esses dados e por esses textos.

Em quinto lugar, o círculo das pessoas que gravitavam


em torno da vidente tinha idéias semelhantes às de Brentano. Sailer,
como vimos, que incentivou Brentano em suas especulações teosóficas,
inspiradas nos escritos de Boehme, tinha simpatia pelas idéias
esotéricas e pietistas. Os padres que cuidaram diretamente da
vidente, assim como seu médico e o irmão do poeta aceitavam o
magnetismo e submetiam a freira a experiências magnéticas.

Portanto, não vemos, por tudo isso como se possa eximir


totalmente Katharina Emmerick pelas idéias e mentalidade expressas no
texto de suas visões.

VII. Muitas das visses de Katharina Emmerick foram


provocadas pelas experiências magnéticas que lhe aplicavam. Em
numerosos casos, é possível que a freira tenha sido "induzida a
expressar certas idéias ou declarar que "viu" certas imagens ou quadros
sugeridos pelo poeta. Noutras vezes - como Brentano o confessou a
Luise Hensel - ele não viu nada. Ele simplesmente tudo inventou.
VIII. O relacionamento de Katharina Emmerick com o Pe.
Limberg, com seu médico, o Dr. Wesener, e muito especialmente com
Brentano, era de fundo erótico, disfarçado sob a capa do misticismo.

685
Embora não esteja absolutamente no âmbito da nossa tese discutir
a santidade da vidente, do que já pesquisamos parece-nos claro que ela era uma pessoa
com distúrbios neuróticos de natureza sexual.

IX. Os textos das visões de Anna Katharina Emmerick tais quais


se nos apresentam, se enquadram – dentro do
contexto histórico do Romantismo Alemão - na campanha das sociedades secretas místicas
contra o iluminismo racionalista. Daí o seu combate à Revolução Francesa, a Napoleão
e a aspiração por um estado de felicidade milenarista trazido por um futuro novo
Pentecostes que faria nascer o Reino do Amor, reino ecumênico e sem propriedade
particular e, possivelmente, com a reprodução humana através da palavra.

X. A enorme aceitação das chamadas visões de


Katharina Emmerick nos meios católicos, no século passado e ainda
em nossos dias, (o processo de canonização foi: reaberto por Paulo VI)
permitiu que se introduzisse, sobretudo nos meios conservadores do
catolicismo, toda uma série de idéias e de esperanças milenaristas.
Segundo Alain Besançon, quando a Igreja católica aceitou o Romantismo,
nela se introduziu a Gnose. Julgamos que nesse fato, se deve atribuir
uma considerável influência às visões de Katharina Emmerick tais como
foram expressas por Brentano.

686
BIBLIOGRAFIA
IFontes primárias
IIFontes secundárias
III Bibliografia geral consultada

687
BIBLIOGRAFIA

FONTES PRIMÁRIAS

Não existe, infelizmente, nenhuma edição integral dos textos

originais de Clemens BRENTANO, relatando as visões de Katharina Emmerick.

Utilizamos as publicações parciais feitas por ANTON BRIEGER e as

citações dos textos originais que aparecem na obra de J. ADAMS.


Somente em último recurso recorremos às obras do Pe. K.E. SCHMOEGER,

tão deturpadas e tão pouco dignas de crédito. Fizemos isso apenas quando os
textos de SCHMOEGER eram harmônicos com os textos de BRIEGER e ADAMS, pois,

nesse caso, eles têm valor de uma confissão.

1. BRIEGER, Anton
Anna Katharina Emmerick - Der Gotteskreis. Die urtexte ihrer Visionem
aufgezeichnet von Clemens Brentano - Manz Verlag, München, 1960.

2. BRIEGER, Anton
Anna Katharina Emmerick Visionen und Leben. Erich Wewel Verlag -
München, Freiburg im Brisgau, 1974.

3.ADAMS, Joseph
Clemens Brentano Emmerick - Erlebnis Bindung und Abenteuer - Verlag
Herder, Freiburg, 1956.

688
4. B RE N T A N O, C l e me n s

Anna Katharina Emmerick - Das bittere Leiden unseres Herrn


Jesu christi. Nach den Gesichten der Dienerin Gottes
Anna Katharina Emmerick aufgezeichnet von Clemens
Brentano. Nach der 4 Auflage des von P. Schmöger
herausgegebenen Lebens und Leidens Jesu Christi von
P.C. Niggermann. Druct und Verlag von Friedrich
Pustet Regensburg, 1894. (O texto desta edição foi
revista pelo Pe. K. E. Schmöger)

5. BRENTANO, Clemens
Anna Katharina Emmerick - Leben der Heilige Jungfrau Maria.
Nach den Betrachtungen der gottseligen Anna Katharina
Emmerick. Augustinerin des Klosters Agnetenberg zu
Dülmen (+ 9 februar 1824). Aufgeschrieben von Clemens

Brentano 6 auflage. Paul Pattloch Verlag


Aschaffenburg 1980.

6.BRENTANO, Clemens
(texto editado com censuras pelo Pe. Schmoeger). Anna Katharina
Emmerick - Das Leben unseres Herrn und Heilands Jesu Christi. Nach

den Gesichten der gottseligen Anna Katharina Emmerick


ausgeschrieben von Clemens Brentano. Papier, Druct und Verlag von
Friedrich Pustet, Regensburg - 1858.

7. BRENTANO, Clemens

689
(texto editado com censuras do Pe. Schmoeger). Anna Katharina
Emmerick - Die Geheimnisse des Alten Bundes. Nach den Gesichten der
gottseligen Anna Katharina Emmerick. Aus den Tagebüchern der Clemens
Brentano. Herausgegeben von Pe. K.E. Schmoeger
Paul Pattloch Verlag - Aschaffenburg, 1980.

8. BRENTANO, Clemens

(texto editado com censuras do Pe. Schmoeger). Anna

Katharina Emmerick - Visionen über die Engel, die Armen

Seelen im Fegfeuer die streitende Kirche u.a auf den

Tagebüchern Clemens Brentano. Herausgegeben von P.

Karl Erhard Schmoeger - 7 auflage. Paul Pattloch

Verlag - Aschaffenburg, 1980.

9. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto editado com censuras


do Pe. Schmoeger).
Ana Catarina Emmerich. Visiones y relaciones completas. Segun

las anotaciones de Clemente Brentano, Bernardo E. Overberg y


Guillermo Wesener. Juicios de eminentes autoridades eclesiásticas

y civiles de Europa y America. Versión castellana por el Pe.

José Fuchs S.J. Prólogo por el embajador Daniel Garcial Maurilla.

Estúdio critico por Juan Carlos Moreno. 4 vol, 2a. ed.

Citaremos esta obra: A.K.E. Editorial Guadalupe -

Buenos Aires, 1953. "Visiones".

690
10. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura
pelo Pe.Schmoeger).

Jesus mitten unter den seinen. Aufgezeichnet von Clemens

Brentano. Ausgewählt und herausgegeben von Marie Therèse Loutrel

und Grote Schött. Mit einer studie von Jean Guitton. Verlag

Butzon & Berker, Kevelaer, 1981.


11. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura
pelo Pe. Schmoegerl)
Visions d'Anne Catherine Emmerich sur la vie de Notre Seigneur Jésus
Christ et de la très Sainte Vierge, la doulourense passion et l'
établissement de l'Église par les Apôtres.

Coordonées in un seul tout, selon l'ordre des faits jar


le R.P. Fr. Joseph-Alvares Duley des frères précheurs.
Traduction entièrement nouvelle du texte allemand par M.
Charles d'Ébeling 3 vol. 4ème édition.

Pierre Téqui, libraire, éditeur. Paris, 1921.

12. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura
pelo Pe. Schmoeger).

Anna Catherine Emmerich: Vie de la Sainte Vierge. d'Après les

médidations d'Anne Catherine Emmerich 18ème édition. Traduction de

l'Abbé Cazalès. Libraille P. Téqui, éditeur. Paris (sem data).

13. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura pelo
Pe. Schmoeger).

Anne Catherine Emmerich: Vie de la Sainte Vierge.

d'après les méditations de la Soeur Anne Catherine


Emmerich religieuse Augustine du Couvent de Dülmen.
Recueillies par Clément Brentano. Traduction nouvelle
mise en harmonie avec la "Vie de Notre Seigneur" 11ème
édition. Établissements Casterman, Ste Ame éditeurs

pontificaux. Paris (sem data).

691
14. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura pelo
Pe. Schmoeger).
Ana Catalina Emmerich: Vida de la Santíssima Virgen. Versión
segundo las meditaciones recogidas por C. Brentano. Versión
castelhana de Carlos y Simone Rodriguez Pinto y Maria Luisa
Costabarria. Prologada y editada por J. B. Levillier. Espasa
Calpe, Argentina. Buenos Aires, 1944.

15. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura

pelo Pe. Schmoeger).

Ana Catarina Emmerich: Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de


Deus. Segundo as visões da piedosa freira Ana Catarina Emmerich
e as anotações de Clemente Brentano. Pelo Pe. H. Auf der Heide S. V.
D., Livraria Editora Lar Católico. Juiz de Fora, Minas, 1960.

16. WESENER, Franz Wilhelm.

Tagebuch des Dr. Med. Franz Wilhelm Wesener über die


Augustienerin Anna Katharina Emmerick, Band I, Mit
einer Kurzbiographie über Dr. Med F. W. Wesener, einem
Bericht über die Statliche Untersuchung des
Stigmatisierten sowie einer kurzgedrängten Geschichte
des Anna Katharine Emmerick. Herausgegeben von P.
Winfried Hümpfner, O.E.S.A. 2 auflage, Paul Pattloch
Verlag - Aschaffenburg, 1973.
17. Das notas de BRENTANO, Clemens (texto proveniente do editado com censura pelo
Pe. Schmoeger).
Anne Catharine Emmerick - racontée par elle même et par ses
contemporains. Textes présentés par M. T. Loutrel. Téqui, Paris,
1980.

18. B RE N T A N O, C l e me n s
Clemens Brentanos Sämtliche Werke herausgegeben von Karl Schüddkopf
bei Georg Müller Munich und Leipzig, 1909-1917 (9 vol. editados).

19. B RE N T A N O, C l e me n s
692
Clemens Brentanos Gesammelte Schriften. F.D.
Sauerländer's Verlag. Frankfurt am Main, 1855, 9. vol.

20. BRENTANO, Clemens


Clemens Brentano - Werke. Carl Hanser Verlag, 4 vol.
München, 1965-1978.

21. B RE N T A N O, C l e me n s

Briefwechsel zwischen Clemens Brentano und Sophie Mereau. Im Insel


Verlag zu Leipzig - 1908.

22. B RE N T A N O, C l e me n s

Briefwechsel zwischen Clemens Brentano und Sophie Mereau.


Herausgegeben von Heinz Amelung Rutten & Loening Verlag, Potsdam,
1939.

23. B RE N T A N O, C l e me n s

Gedichte von Clemens Brentano. In neuer Auswahl - zweite auflage. J.D.


Sauerländer's Verlag. Frankfurt am Main - 1861.

24. Positio - Documento da Sacra Congregations Pro Causa Sanctorum contendo:

1. Informatio - resumo da vida do Serva de Deus Anna


Katharina Emmerick

2. Relatio - de 134 testemunhas, das quais 4 apenas são


"de visu"
3. Littere postulatoriae - pedindo a introdução de causa
4. Animadversiones - objeções do Advocatus S. Fidei
Promotor generalis Carolus Salloti
5. Responsio ad animadversiones assinada por Johannes della Cioppa,
Ad , e Stanislaus Caterini e revista por Salvator Natuci S.R.C.,
Adssessor S. Fidei, Subpromotor generalis - 10-VI-1928.

25. Relatio et vota. Congressus Peculiaris, die 10 februarii anno


1981 habiti super dubio: "An eius causam introducenda
693
sit"
Documento da Sacra Congregationis Pro Causa Sanctorum p.n 1225.
Monasterien Beatificationis et Canonizationis Servae Dei Anna
Catharina Emmerick, monialis professae Ordinis Eremitarun S. Augustini
(1774-1824).

BIBLIOGRAFIA

FONTES SECUNDÁRIAS

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Clemens Brentano und Edward von Steinle, Dichtungen und
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Lieb, Leid und Zeit über Clemens Brentano.


Hg-Wolfgang Böhme, 1979.

CARDAUNS, Hermann
Clemens Brentano Beiträge, namentlich zur Emmerick
Frage. Verlag und Druck von J.P. Bachem. Köln,1915.
CLEMENS BRENTANO - Ausstellung
Freiss Deut.Hochstift - Frankfurter Goethes Museum,
1978.
DIEL, J.B. - KREITEN, W.S.J.
Clemens Brentano, Ein Lebensbild. Herder'sche
Verlagshandlung, Freiburg im Brisgau, 1877.
694
DIRHEIMER, G.
Anne Catherine Emmerich, la visionnaire stigmatisée de Dülmen et
Clément Brentano son secrétaire. Étude sur l'anthenticité des
Visions d'A.C. Emmerich. Pierre Tequi Libraire éd. Paris, 1923.
FETZER, John, F.
Romantic Orpheus - Profiles of Clemens Brentano.

695
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1974.

FRÜHWALD, Wolfgang
Das Spätwerk Clemens Brentano (1815-1842). Romantik im Zeitalter
der Metternich'schen Restauration.Max Niemeyer Verlag - Tübingen,
1977.
GAJEK, Bernhard
Clemens und Christian Brentanos Bibliotheken, Die
Versteigerungskatalogue von 1819 und 1853 - Carl Winter
Universitäts Verlag, Heidelberg, 1974.
GAJEK, Bernhard
"Beitrag zu Forchunsproblemen - Die Brentano Literatur (1973-1978)" in
Euphorion, vol. 72, Regensburg, 1978.
GAJEK, Bernhard
Homo Poeta - zur Kontinuitat der Problematik bei Clemens
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GARREAU, Albert
Clément Brentano. Desclée de Brouwer, Paris, s/d.

GUIGNARD, René
Un poète romantique allemand: Clemens Brentano -(1778-1842) - Les
Belles Lettres, Paris, 1933.

HÜMPFNER, Pe. Winfried


Clemens Brentano Glaubwürdigkeit in seinem Emmerick
Aufzeichnungen. Untersuchung über die Brentano Emmerick Frage.
Sta. Rita Verlag - Wurzburg, 1913.

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Anne Katherine Emmerick racontée pair elle-même et parses
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Deutschen Hochstifts herausgegeben von Detlev Lüders. Max
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Herausgeber. Mircea Eliade - Ernst Jünger. Ernst Klett.
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Die Romanze.n vom Rosenkranz und ihr Beziehung zur Kabbala - Tese de
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Ul problema critico delle opere di A.C. Emmerick. In La Scuola
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SCHIEL, Hubert
Clemens Brentano und Luise Hensel. Paul Pattloch Verlag.
Aschaffenburg, 1956.

SELLER, P.H.J., OESA; et DIETZ, P.I.M., OESA


Im Banne des Kreuzes. Lebensbild der stigmatisierten Augustinerin
A.K. Emmerick. Paul Pattloch Verlag, Aschaffenburg, 1974.
SYMPOSIONS der Bishöflichen Kommission
"Anna Katharina Emmerick" - Munster. Emmerick und
Brentano Dokumentation - 1982. Laumann Verlag, Dülmen,
Westfallen, 1983.
TUNNER, Erika
Clemens Brentano (1778-1842) - Tese apresentada na Universidade
de Paris X em 10.04.76. Honoré Champion, Paris, 1977.

VINCENTE, Leonello
Brentano, contributo alla caratteristica del Romanticismo
germanico. Fratelli Bocca editori. Torino, 1928.

WEGENER, P. Thomas
Das innere und äussere Leben der gottseligen Dienerin Gottes
Anna Katharina Emmerick aus den Augustinerordens. Paul Pattloch
Verlag, Aschaffenburg, 1974.

698
OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

ABÉCASSIS, Armand
Le sens et le message de l'Apocalyptique juive in
Cahiers de d'Université Saint Jean de Jerusalém nº 9.
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