Niterói
2018
INTRODUÇÃO
Com alguma ousadia afirmo que hoje me encontro no mesmo percurso feito por
Victor Turner: fui dos estudos antropológicos aos estudos de teatrologia em meu
percursso acadêmico na Universidade Federal Fluminense, embora em todos os meus
trabalhos elaborados no decorrer do curso até a entrega desse trabalho de conclusão de
tenham dialogado, de certa forma, com a Antropologia da Arte, área essa ainda pouco
explorada na graduação em Antropologia da Universidade.
Recorrer a Turner é recorrer a um autor clássico da Antropologia, que,
tardiamente, faz uma virada em sua Antropologia e recorre a experiência englobando a
performance como a base de seus estudos.
Como antropólogo não consigo pensar em iniciar esse trabalho sem recorrer a
própria vida de Victor Turner, algo que ele faz no seu já citado “Do Ritual Ao Teatro”.
Filho de uma das fundadoras e atriz do Teatro Nacional Escocês, em Glasgow, Violet
Witter e de um engenheiro eletricista interessado pelos romances de H. G. Wells (autor
conhecido por inventar uma série de temas que mais tarde seriam aprofundados pela
ficção científica). Turner dedica quase um parágrafo inteiro para narrar a vida
profissional de sua mãe, que pretendia fazer do Teatro Nacional Escocês tão grande
quanto o Teatro Abbey, de Dublin, segundo o autor. Mesmo com a tentatia falha Turner
afirma que sua mãe permaneceu uma “mulher do teatro” (TURNER, 2015, p. 07) até o
fim. Elucida uma série de montagens da mesma onde a mesma construia um repertório
rebelde, para a época, a mesma nascera no ano de 1893 e assim podemos considerar
que, em sua carreira teatral encenar Ibsen e Strindeberg (talvez falar um pouco da
dramaturgia de ambos e de como eles eram lidos como rebeldes para a época) era um
ato de rebeldia.
Recorro a vida de Turner para iniciar esse trabalho pois é isso que ele faz, de
certa forma, para relacionar seus estudos com a área de Antropologia da Arte, mais
especificamente com a chamada “arte do homem”, o teatro. Após a separação dos pais e
isolado em uma cidade “no mais longuínquo sul da Inglaterra” (TURNER, 2015, p. 08)
e frequentador de um balneário que amplamente homenageava Verlaine e Rimbauld,
Victor Turner começa a tecer sua relação com a arte, que de certa forma é interrompida
quando o mesmo recebe um prêmio por um poema sobre Salamis (provavelmente um
poema sobre a batalha naval de Salamis) e é massivamente escarniado por seus colegas
de turma na escola, fazendo com que o mesmo tenha tornado-se um “jogador de futebol
e de críquete um tanto violento” (TURNER, 2015, p.08), para perder o estigma de
sensível.
O “drama social” para Turner advém para ele como uma espécie de “herança” de
seus pais. O trabalho de campo despertou o cientista que havia nele, tal qual o seu pai e
sua experiência no campo revitalizou seu dom materno para com o teatro. Drama social.
Um homem inglês, nascido em 1920, na virada do século, onde os artistas afastavam-se
das obras clássicas, década dos movimentos de vanguarda europeu que fazem-se
presentes até os dias de hoje, pulverizados na arte contemporânea. Esse homem, inglês,
filho de uma atriz e um engenheiro, vive por três anos em aldeias africanas –
posteriormente citaremos a relação de Turner com a aldeia Ndembu, habitando
choupanas de palha. Tudo para ele, era parecido com um “drama”, como se emergisse,
irrompendo no que “de outro modo seriam as superfícies relativamente lisas da vida
social” (TURNER, 2015, p. 09). Para o seu lado cientista os drama sociais revelavam
relações “taxonômicas” (o uso das aspas é do próprio autor) entre os atores sociais. Para
o seu lado artista o drama revelava “o caráter individual, o estilo pessoal, a capacidade
retórica, as diferenças morais e estéticas e as escolhas apresentadas e levadas a cabo” de
cada indivíduo.
Essa curta narração é o que nos é apresentado por Turner como uma maneira de
justificar sua formação em antropólogo. Utilizo aqui do mesmo subterfúgio de Turner
para de, nessas páginas inicias, refletir sobre o meu decorrer acadêmico e minha
inclinação às artes. Fazendo uma síntese e para utilizar as palavras de Turner sempre fui
um “homem das artes”. Desde o fim do ensino médio sabia que era Artes que gostaria
de cursar, seja ela dentro da área de Literatura ou Visuais e etc. Meu interesse era
estudar História da Arte, algo que nunca chegou a acontecer. Acabou que antes de
chegar ao curso de Antropologia estudei Letras e Filosofia, sempre de olho na relação
de ambas com o mundo artístico. No terceiro período de Filosofia me vi apaixonado
pelos estudos de “Ritual e Simbolismo”, cursei a disciplina como optativa que na época
estava sendo ofertada pelo professor Daniel Bitter. No semestre seguinte rumei para a
Antropologia visando estudar Antropologia Visual, narrativas etnográficas por meio de
fotografias, o diálogo da câmera com povos nativos e etc, cheguei até iniciar pesquisas
nesse campo de estudos, mas voltei amplamente minhas atenções para a Antropologia
da Arte quando me deparei com o termo “Antropologia da Performance”.
Esse trabalho surge como uma interaçã entre minha área de formação
acadêmica, a Antropologia e as Artes da Cena, aqui colocadas por meio da minha
participação como performer e pesquisador do Laboratório de Criação e Investigação da
Cena Contemporânea, vinculado ao programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Federal Fluminense (LCICC-UFF) , coordenado pela professora, artista e
diretora teatral Martha Ribeiro. Junto com a professora Martha Ribeiro realizei uma
pesquisa de iniciação científica sobre os mestres pedagogos dos anos sessenta e de
como os mesmos contaminam antropofagicamente o LCICC-UFF . Dentro da iniciação
científica iniciei uma aproximação do ritual e do teatro pela teoria antropológica com a
ajuda do antropólogo inglês Victor Turner e seu “Do Ritual ao Teatro. A pesquisa
teóricada iniciação científica também foi por um trabalho de campo ainda em
andamento com o grupo de pesquisa da professora Martha Ribeiro, o já citado LCICC-
UF), sendo ela feita por meio da observação participante.
Nesse trabalho de conclusão de curso a ideia é iniciar no ponto em que parei no
primeiro ano da pesquisa de iniciação científica com a professora Martha Ribeiro, ou
seja, a relação de ritual e teatro elaborada nos estudos de Victor Turner. Esse é o ponto
de partida e que pretende justificar o motivo de tomar um grupo de teatro performativo,
suas peças teatrais, os sintomas da arte contemporânea presentes em seus laboratórios e
suas montagens como meu campo de análise.
CAPÍTULO I: DO RITUAL AO TEATRO; DO LIMINAR AO
LIMINÓIDE.