Preocupado com os problemas sociais e com a denúncia das
desigualdades, Portinari fez do horror da miséria os principais temas de sua obra, que constitui um valioso panorama da realidade brasileira. Cândido Torquato Portinari, filho de modestos imigrantes italianos, nasceu em 29 de dezembro de 1903 em Brodósqui SP. Estudou na Escola Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro RJ, onde foi orientado por Lucílio de Albuquerque e Rodolfo Amoedo, e começou a se destacar por seus retratos, como o do poeta Olegário Mariano, que lhe valeu o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Belas-Artes de 1928. Transferiu-se então para Paris, onde desprendeu-se dos laços acadêmicos e travou conhecimento com as realizações de vanguarda artística européia. De volta ao Rio de Janeiro em 1930, deu início a uma produção abundante e definiu seu estilo, baseado no abandono da linha clássica e na deformação das figuras. Com o tempo, passou a usar grandes contrastes de massas e a realçar nos corpos a expressão de sofrimento - com mãos ossudas e pés abrutalhados que aludem ao contato com a terra - para sugerir a profundidade, não pela perspectiva, mas pelo sutil entrosamento de uma série de planos abstratos. Em 1935, com a tela "Café", que corresponde à fase dita marrom, na qual essa cor predomina com matizes avermelhados, Portinari foi premiado em Nova York e começou a ser conhecido no exterior. No ano seguinte executou seu primeiro mural, para o monumento rodoviário da estrada Rio-São Paulo. De 1936 a 1945 datam os painéis de azulejos, na fachada, e os murais sobre temas do trabalho braçal, no gabinete do ministro, para o edifício do então Ministério da Educação e Saúde, hoje palácio Gustavo Capanema. A preocupação do artista com a temática social acentuou-se em 1939, quando criou três grandes painéis para o pavilhão brasileiro na exposição internacional de Nova York. Em 1940 expôs com sucesso nessa cidade e em Detroit. Em 1942, a convite do governo americano, pintou afrescos na biblioteca do Congresso em Washington. A influência dos muralistas mexicanos Rivera, Orozco e Siqueiros, que também se voltaram para o povo e tentaram fazer de suas obras um apelo à tomada de consciência nacional, foi considerada importante nessa fase em que o realismo de Portinari passou a tender para o monumental. Antes de concluída a década de 1940, sua arte, com concepções dramáticas expressas em cores fortes, já demonstrava estar comprometida com uma visão neo-expressionista. É dessa época a série dos "Retirantes", com personagens esquálidos, famélicos e maltrapilhos e na qual se destacam quadros como "Enterro na rede" e "Menino morto" (1944). São obras de grande força dramática, acentuada pela distorção das figuras. Seus retirantes são esqueletos barrigudos, cada rosto uma máscara de sofrimento. Como pintor de temas religiosos e históricos, Portinari tentou uma síntese entre o antigo e o moderno, com a recriação do passado heróico em formas geométricas amplas e luminosas. Para a igreja da Pampulha, em Belo Horizonte MG, executou entre 1944 e 1946 um painel de azulejos sobre a vida de São Francisco, bem como cenas da Via Sacra em óleo sobre madeira. Outros importantes murais, com a composição cada vez mais sóbria, as cores exuberantes e o uso de transparências cubistas para delimitar grupos de figuras, datam do período compreendido entre os anos de 1948 e 1949: a "Primeira missa no Brasil", para a matriz do Banco Boavista, no Rio de Janeiro, e "Tiradentes", para um colégio de Cataguases MG. Em 1950 Portinari expôs na Bienal de Veneza. Em 1952 pintou o painel "Chegada de D. João VI ao Brasil", para a matriz do Banco da Bahia, em Salvador. No ano seguinte criou uma Via Sacra para a igreja de Batatais SP, que suscitou críticas por apresentar um Cristo louro, e entre 1953 e 1956 executou os painéis "Guerra" e "Paz" para o edifício-sede da Organização das Nações Unidas em Nova York. Com a obra já exposta em várias partes do mundo, o artista conquistou expressivos prêmios, como o Guggenheim e o Hallmark. A partir de 1958, Portinari realizou e expôs uma série de desenhos inspirada por uma viagem a Israel e ilustrou diversas obras literárias. Para a editora Gallimard ilustrou com gravuras a tradução francesa de The Power and the Glory (1959; O poder e a glória), de Graham Greene, e dois romances de André Maurois. Com águas-fortes ilustrou Menino de engenho, de José Lins do Rego, e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Na pintura, com domínio absoluto da técnica, seu estilo chegou à simplificação total. Em quadros como "Meninos de Brodósqui" foram vistas influências do cubismo e de Picasso. Suas últimas exposições individuais foram realizadas em Praga (1960), Rio de Janeiro (1960 e 1961) e São Paulo SP (Casa do Artista Plástico, 1961). Cândido Portinari morreu no Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1962