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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Manuela da Silva Muniz

Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos


trabalhadores feirenses (1977-1991)

Feira de Santana
2011
Manuela da Silva Muniz

Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos


trabalhadores feirenses (1977-1991)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História, da Universidade
Estadual de Feira de Santana, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre em
História.
Orientador: Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho
Neto

Feira de Santana
2011
TERMO DE APROVAÇÃO

Manuela da Silva Muniz

Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos


trabalhadores feirenses (1977-1991)

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título


de Mestre em História Social do Programa de Pós-Graduação em
História da UEFS, pela seguinte banca examinadora:

_____________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto – UEFS (orientador)

_____________________________________
Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci – UNEB

_____________________________________
Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos – UFF

Feira de Santana, 13 de junho de 2011


Dedicatória
A Etiê, mãe, e outras tantas mulheres que têm feito da
vida de filhos e maridos a sua própria, deixando na
mesa seu sobrenome, na cama as noites de sono, nas
ruas as horas vagas, no corpo as marcas dos seus e,
muitas vezes, sua beleza e criatividade em lugar
ignorado. Na defesa cotidiana de ser mulher, aprendo
com elas sobre o que aceitar e o que negar.
Essas mulheres não aparecem nas páginas à frente,
muitas parecem nem ter existido. Mas estiveram em
constante atividade enquanto seus maridos, filhos, pais
– e umas poucas gauche – eram registrados para a
história.
Agradecimentos

E aprendi que se depende sempre


De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é a marca
Das lições diárias de outras tantas pessoas
Caminhos do coração (pessoa=pessoas)
Gonzaguinha

Eu cantarolava essa música quando era criança, mas ela ainda não tinha o sentido que
ganhou depois que eu a redescobri, na adolescência. Gonzaguinha dá o tom aos meus longos
agradecimentos.
Minha família merece destaque não apenas pelas relações de sangue. Meus pais e
minhas irmãs souberam respeitar minha decisão em não mais compartilhar o caminho
religioso deles. As nossas diferenças de pensamento são guardadas no lugar necessário
quando se habita o mesmo teto. A minha mãe, Etiê, agradeço o imenso esforço em ter me
criado, após quatro filhos e sete anos de distância entre o penúltimo e eu. Fico orgulhosa
quando ela fala “essa ponta de rama tinha que nascer!” e quando reconheço a influência dela
no meu lado artístico. A meu pai, José, agradeço a preocupação constante com a formação
enquanto ser humano e por ter me escolhido um nome de uma poesia de Castro Alves.
Minha irmã primogênita Marília (ela odeia ser chamada de “mais velha”) me ensinou
a ler livros e relógios e também a brigar na escola. A participação especial dela nessa
dissertação, com as siglas, a bibliografia e algumas fotos, me poupou de boa parte do
desespero final em montar esta bendita. Em Marilda, mulé arretada, admiro a força e o bom
humor em enfrentar os desafios de ser trabalhadora, mãe e esposa. A meiguice de Mariza
esconde uma determinação que me faz confiar no que ela diz e faz. A Gorgônio, de quem
roubei o título de caçula, agradeço a preocupação com os rumos de minha vida, apesar da
distância que se interpõe entre nós.
Para que minha pesquisa ganhasse a dimensão que tem hoje, ser membro do LABELU
foi essencial. Não sei dizer onde começa nem termina a contribuição desse grupo de pesquisa,
talvez porque não seja possível estabelecer metáforas espaciais para traduzir os anos de
participação ali. Acho melhor dizer que provamos de um processo de coletivização da
pesquisa. Por isso, o uso corrente da terceira pessoa do plural nesta dissertação é mais
imperativo por conta do compartilhar de idéias do que de formalidades acadêmicas. De todo
modo, cabe a mim a responsabilidade do que for afirmado ou negado.
Alguns dos historiadores por quem tenho respeito e amizade também são do
LABELU. Devo muito da minha formação a Rogério Fátima, professor-artesão, de mira
certeira e língua ferina, que ouvia Clube da Esquina e lia Maurice Dobb. Concluo essa
dissertação com pouco mais de três anos que ele se despediu, mas posso reconhecê-lo como
um dos colaboradores do texto.
Igor Gomes aparece em muitas partes do texto, mas nosso diálogo sobre a história de
Feira de Santana é parte de uma trajetória no curso de história e no movimento estudantil que
me orgulho de ter dividido com ele. O carinho que tenho por ele é daqueles que a gente sabe
que vai durar, mesmo que os desencontros não deixem a gente papear sobre a vida. Coelho eu
conheci por uma carta que ele mandou pros estudantes na greve de 2003, depois que fomos
expulsos da reitoria pela polícia. Naquele momento, achei que ele era um historiador com
alma de artista. Quando voltou pra Feira, vi que sua alma de artista compunha o historiador
que ele é. Essa dissertação e outras tantas coisas que pensei sobre história tem seu traço (ele ia
preferir “o tom”).
Larissa Pacheco tem muito a ensinar com seus conflitos. Eles dizem muito sobre seu
empenho de historiadora em tudo que faz, desde os tempos de militância no História Para
Todos (HPT). A austeridade dos conselhos de Aruã Lima nos meus momentos mais
dramáticos foi importante pra que eu botasse os pés no chão, apesar da vontade de esganar ele
por achar que não estava sendo compreendida.
Durante a graduação e o mestrado, muitos professores foram importantes. André
Uzêda pelo companheirismo, Lucilene Reginaldo pelas belas aulas, Elói Barreto por ter
ensinado sobre os caminhos da metodologia e da vida. A insistência de Clovis Ramaiana em
me chamar de “fresca” fez com que eu tentasse lidar melhor com os problemas da pesquisa.
As conversas com Valter Guimarães foram importantes para repensar minha relação com a
vida acadêmica e, de resto, comigo mesma. Emilia Silva, com quem também fiz o tirocínio
docente, foi uma grande companheira ao longo do semestre, me mostrando que as angústias
não se acabam e, por isso mesmo, repensamos todo o tempo a prática docente. Ela foi muito
importante na minha busca pelo equilíbrio entre ensino e pesquisa.
Agradeço a pessoas que me auxiliaram no processo de coleta das fontes. Julival,
Arlene, Jucelho, Uzêda e Maslowa viabilizaram meu acesso à documentação da ADUFS.
Elizete abriu as portas de sua casa para que eu fotografasse a documentação pessoal sobre o
movimento docente. Anna Kaufmann se disponibilizou a ceder informações e documentos do
seu acervo pessoal sobre os comerciários. Antonio Balbino e Pery Falcon oportunizaram meu
acesso ao Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador. Nei Rios, além de ter sido um dos
depoentes, me indicou pessoas para que eu pudesse seguir com a pesquisa documental. A
Carlos Melo, Gerinaldo Costa, Marialvo Barreto e Maslowa Freitas, agradeço por aceitarem
contar parte de suas vidas. Ainda, agradeço a Rose, da Secretaria de Planejamento da
Prefeitura de Feira, pelas informações oficiais sobre os bairros da cidade. A bolsa de estudos
da FAPESB foi importante tanto para a busca das fontes, como para dar tranqüilidade
financeira durante os anos do mestrado.
Aos amigos que me acompanham desde há pouco, ou desde tempos imemoriais, devo
minha formação para a vida adulta. Lorena Aguiar, por compartilhar comigo as idéias que ela
emaranha nos cabelos. Edson Mascarenhas, por ter sido companheiro de luta e pela
preocupação comigo. Luana Oliveira, pela alegria de menina e fidelidade nos sentimentos.
Alécio Gama, que leva a vida no seu ritmo mais tranqüilo, foi um grande companheiro na
época em que ensinamos em Terra Nova e se tornou um amigo do peito. A Milena Assis, pela
força que tem como mulher, pelo dengo de menina e pelo apoio constante durantes os meses
de escrita. Jamile Amaral, com seu espírito calmo, me ajudou muito nos meses de escrita, me
confortando com sua experiência recente de fim de mestrado, com seu otimismo e sensatez
nos momentos de dificuldade. Davi Lara, pelas músicas, filmes, livros e bate-papos
madrugadores. A Enia Ramos, pela serenidade nas conversas e pela amplitude dos seus
sonhos. Deise Souza, mulher de força que, nas idas e vindas da vida, não desistiu de buscar
sua liberdade. Brisa Morena, moça de gestos leves e afagos confortadores é daquelas pessoas
iluminadas que a gente quer ter como amiga sempre.
Os meninos do Fundo do Mar, com quem convivi por anos, foram parte importante do
meu aprendizado com os homens: Ginaldo Farias Kiko, Otton Santana Tucano, Paulo Moraes
Paulão e os que passavam por lá pra dizer “oi”, tomar café, ouvir música ou assistir a novela
da tarde. A Jhonatas Monteiro Jon, meu muito obrigado por momentos bons que passamos
juntos, além da sobriedade com que analisava minha pesquisa.
Outros amigos, que descobri e me descobriram ao longo do mestrado, me fizeram
viver levemente por muitas vezes. David Rehem, que me conquistou com seu peito aberto
para o mundo e sua coragem em defender suas idéias e seus amigos. Já não consigo ser feliz
sem ele. Rodrigo Borges, magricela, com quem dividi boa parte de minhas angústias de
mestrado, enquanto ele mesmo passava pelas angústias dos primeiros semestres da graduação
em História. Rirmos juntos disso certamente nos ajudou a levar o cotidiano com mais alegria.
Diego Correa sempre me ajudou nos momentos de aperto e compartilhou comigo felicidades e
brigas nas mesas de bar. Yuri Atanazio, meu parceiro de arrocha, me conquistou com seu
sorriso de jacaré e aprendi a chamá-lo de amigo assim, facinho, facinho. Eduardo Quintela,
retratista da beleza e amigo de todas as horas. Thiago Dórea pelo bom humor constante.
Diêgo “Galo” pela troca de idéias malucas. Matheuzão Barros, pela amizade do tamanho do
mundo. Ludimila Barros pelo apoio e preocupação constantes e pelo carinho. Bernardo Lima,
o sete cordas mais rápido do velho oeste, reconheço em muitas partes desta dissertação,
mesmo sem ele ter lido sequer uma linha. Seu sorriso encantador, sua bela música e a
paciência diante de minha interminável chatice durante a escrita já fazem parte do que levo na
bagagem de minha vida.
Aos amigos de sempre, todo o amor que houver nessa vida. Luciane Almeida
Ludstock já e tão parte de mim que poderíamos ser xifópagas de coração. Sua presença se fez
mais forte durante o mestrado, quando compartilhamos todas as angústias de pensar, escrever
e terminar a dissertação. Elaboramos muitos planos de fuga e de mudança radical de vida, mas
terminamos as benditas. Sua agilidade de hiperativa e o bom humor, mesmo nos momentos
mais terríveis, fazem eu admirá-la cada vez mais.
Marco Aurélio Marcola é companheiro de todas as horas. Em todos os momentos,
sempre disposto a ouvir e ser ouvido. Com ele aprendi que as pessoas têm mais coisas em
comum do que imaginamos. Confio na amizade de Jamile Amaral Jamilona de olhos fechados
e devo muito a seu apoio, ora incondicional, ora crítico, nas minhas decisões. Ela me fez rever
os lugares destinados a homens e a mulheres e me mostrou a importância do lado pragmático
da vida.
Verena Paim Grandona sempre me confortou com sua frase clássica “todo mundo
sofre” e outras tantas formulações sobre o viver no mundo. Esta filósofa-historiadora-
psicanalista se refaz a cada passo dado, pra frente ou pra trás. Sua coragem em encarar a si e
aos outros com todo bom humor que lhe cabe me faz pensar que ela é mais incomum do que
pensamos. A Livia Rodrigues, pela amizade que começou na infância, foi imprescindível
durante as “turbulências adolescentais”, e ainda hoje se mantém com uma confiança mútua
que espero atingir o tempo das bengalas e anáguas.
Como o que é sabido e desconhecido, acolhido e negado, nos forma, deixo para os
senões, que se apresentam desde a escrita desta bendita, a relação que estabelecerei com o
mundo.
Epígrafe

Hoje, a cidade cresce tão rapidamente que deixa


para trás, sem remédio, as infâncias. Quando a
criança se prepara para descobrir as terras, elas já
estão longe, e é uma cidade inteira que se interpõe,
áspera, ameaçadora. Os paraísos vão-se afastando
cada vez mais. Adeus, fraternidade. Cada um por si.
Mas é sina dos homens, ao que parece, contrariar
as forças dispersivas que eles próprios põem em
movimento ou dentro deles se insurgem. A cidade
torna-se oca onde antes era o núcleo, na semente do
que seria a sua continuidade. E então descobre-se
que as terras estão no interior da cidade e que todas
as descobertas e invenções são outra vez possíveis. E
que a fraternidade renasce. E que os homens, filhos
das crianças que foram, recomeçam a aprendizagem
dos nomes das pessoas e lugares e outra vez se
sentam em redor da fogueira, falando do futuro e do
que a todos importa.
José Saramago
Resumo

Esta dissertação apresenta os resultados de uma pesquisa sobre mobilizações coletivas dos
trabalhadores rurais e urbanos de Feira de Santana. Entre 1977 e 1991 a classe trabalhadora
dessa cidade realizou diversas manifestações que englobaram reivindicações sobre suas lutas
específicas e também sobre lutas travadas nacionalmente. Dentre essas lutas, analisamos a
atuação de dois grupos de trabalhadores: os petistas-cutistas, identificados por suas constantes
tentativas de realizar os objetivos do novo sindicalismo, e os tradicionais, reconhecidos por
uma prática política que primava pela manutenção dos laços com setores da classe dominante
da cidade. (Esta investigação tem como objetivo central as maneiras...) O objetivo central da
investigação é: as maneiras pelas quais as disputas entre petistas-cutistas e tradicionais ao
longo do período estudado deixam ver os contornos da experiência da classe trabalhadora
feirense. Para isso, tratamos: do terreno onde as lutas aconteceram e em quais condições, bem
como da nossa abordagem sobre o objeto; dos sujeitos e as lutas implementadas por eles; das
disputas pela direção política da classe. Essa três dimensões das lutas da classe trabalhadora
feirense compõem aspectos relevantes dessa classe no contexto pesquisado.

Palavras-chave: classe trabalhadora – experiência – luta de classes – novo sindicalismo –


Feira de Santana (1977-1991)
Abstract

This thesis presents the results of a survey of collective mobilizations of urban and rural
workers of Feira de Santana. Between 1977 and 1991 the working class held several
demonstrations have included claims about their struggles and also about specific struggles
nationally. Among these struggles, we analyze the performance of two groups of workers: the
PT-CUT, identified by their constant attempts to achieve the goals of the new unionism, and
the traditional, recognized by a political practice that excel in maintaining links with sectors
of the class dominant city. The central objective of research is: the ways in which disputes
between the PT and CUT-traditional throughout the study period no longer see the contours of
the experience of the working class feirense. For this, we treat: the terrain where the fighting
took place and under what conditions, as well as our approach to the object, the subjects and
the struggles they implement, the competition for political leadership class. This three
dimensions of working class struggles feirense constitute important aspects of this class in the
context studied.

Keywords: working class - experience - class struggle - the new unionism - Feira de Santana
(1977-1991)
Lista de siglas e abreviaturas

35º BI Trigésimo-quinto Batalhão de Infantaria


ABC Designação dada à região formada pelos municípios de Santo André, São
Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, região metropolitana de São
Paulo
ACFS Associação Comercial de Feira de Santana
ACM Antonio Carlos Magalhães
ACOMAQ Associação Comunitária de Maria Quitéria
ADEFS Associação das Entidades de Feira de Santana
ADs Associações dos Docentes
ADUERJ Associação dos Diplomados da UERJ
ADUFEPE Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco
ADUFF Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense
ADUFG Associação dos Docentes da Universidade Federal de Goiás
ADUFOP Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto
ADUFRJ Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
ADUFFRJ Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
ADUFEMS Associação dos Docentes da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
ADUFS Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana
ADUFSC Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos
ADURN Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
AEABA Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia
AFAS Associação Feirense de Assistência Social
AMBACLA Associação de Moradores do Bairro Campo Limpo e Adjacências
AMONHO Associação de Moradores do Novo Horizonte
AMORUN Associação de Moradores da Rua Nova
AMOSAP Associação de Moradores de Santo Antonio dos Prazeres
AMPB Associação de Moradores do Parque Brasil
ANDES Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior
APAEB Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região
Sisaleira
APROFS Associação dos Professores de Feira de Santana
APROPUC Associação dos Professores da PUC de Campinas
ARENA Aliança Renovadora Nacional
ASPA Assessoria, Pesquisa e Avaliação
ASSOFS Associação dos Oleiros de Feira de Santana
ASSUEFS Associação dos Servidores da UEFS
ASTA Associação dos Técnicos Agrícolas
BNH Banco Nacional da Habitação
CAF Centro de Abastecimento de Feira de Santana
CDDH-FS Comitê de Defesa dos Direitos Humanos em Feira de Santana
CEB Comunidade Eclesial de Base
CEDITER Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra
CSU Centro Social Urbano
CGC Cadastro Geral de Contribuinte
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CIFS Centro das Indústrias de Feira de Santana
CIS Centro Industrial do Subaé
CLT Consolidaçãodas Leis do Trabalho
CNSS Conselho Nacional de Serviço Social
COHAB Companhia de Habitação Popular
COHABAFE Cooperativa Habitacional dos Bancários Feirenses
COHATAFE Cooperativa Habitacional do Trabalhador Feirense
CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
CPT Comissão Pastoral da Terra
CPT-NE-III Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste III
CRA Centro de Recursos Ambientais
CUT Central Única dos Trabalhadores
DCE Comissão Pró-Diretório Central dos Estudantes
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
DLP Departamento de Limpeza Pública (Prefeitura Municipal de Feira de
Santana)
DNTE-CUT Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação – CUT
DRT Delegacia Regional do Trabalho
EMATER-BA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A
ENCLAT-FSA Encontro das Classes Trabalhadoras de Feira de Santana
EPI Escritório de Planejamento Integrado (Prefeitura Municipal de Feira de
Santana)
FAMFS Federação das Associações de Moradores de Feira de Santana
FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FETAG Federação dos Trabalhadores na Agricultura
FITEE Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino
FMI Fundo Monetário Internacional
FNT Frente Nacional dos Trabalhadores
FRENEFE Frente Negra Feirense
FTC Feira Tênis Clube
FUFS Fundação da Universidade de Feira de Santana
FUNRURAL Assistência e Previdência do Trabalhador Rural
ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias
IES-BA Instituições de Ensino Superior da Bahia
IHGFS Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INOCOOP Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais
INTERBA Instituto de Terras da Bahia
JAC Juventude Agrária Católica
JOMAFA João Marinho Falcão (abreviação utilizada para nomear um dos bairros de
Feira de Santana)
LABELU Laboratório de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais
MAP Mercado de Arte Popular
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MEC Ministério da Educação
MOC Movimento de Organização Comunitária
PAE Plano de Ajuste Estrutural
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PDLI Plano de Desenvolvimento Local e Integrado
PDS Partido Democrático Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PFL Partido da Frente Liberal
PL Partido Liberal
PLANOLAR Plano Municipal de Habitação Popular
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PPS Partido Popular Socialista
Pró-CUT Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana
PROSINDI Programa Nacional de Habitação para o Trabalhador Sindicalizado
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSD Partido Social Democrático
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
RBC Rede Baiana de Comunicação
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SESI Serviço Social da Indústria
SIM Serviço de Integração do Migrante
SINCAVER Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários
SINDIPETRO Sindicato dos Químicos e Petroleiros da Bahia
SINJOR-BA Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia
SINPRO Sindicato dos Professores no Estado da Bahia – Seção Feira de Santana
STR-FSA Sindicato de Trabalhadores Rurais de Feira de Santana
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SURFEIRA Superintendência de Urbanização de Feira de Santana
TRT Tribunal Regional do Trabalho
UDN União Democrática Nacional
UDR União Democrática Ruralista
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
UESC Universidade Estadual de Santa Cruz
UFBA Universidade Federal da Bahia
UNEB Universidade do Estado da Bahia
URBIS Habitação e Urbanização da Bahia S.A.
Sumário

Introdução 18

Capítulo 1 – Feira de Santana: terra de lutas, lugares de experiência 27

1.1 – A historiografia e o distante reino do “nacional” 28

1.2 – “Novo sindicalismo”: trabalhadores entre aspas 35

1.3 – Experiência da classe trabalhadora 42

1.4 – Bibliografia sobre grupos subalternos 44

1.5 – Migrações e conflitos urbanos (projetos, sujeitos, resistências) 49

1.5.1 – O PLANOLAR e as disputas em torno dos bairros 56

1.5.2 – Ocupações 65

Capítulo 2 – Os lutadores e as formas de lutar 76

2.1 – O Feira Hoje e as lutas na cidade 73

2.2 – Tradicionais 83

2.3 – Paternalismo na Feira 88

2.3.1 – MOC 95

2.4 – STR-FSA 100

2.5 – Passado de/sem lutas 105

2.6 – O Dia do Trabalho pertence ao trabalhador? 113

2.7 – Greves setoriais 119

2.7.1 – Os tradicionais e as greves 120

2.7.2 – Primeiras manifestações no fim da ditadura 123

2.7.3 – ADUFS 128

2.7.4 – Metalúrgicos 134


Capítulo 3 – Lutas pela classe 137

3.1 – Oposições sindicais 137

3.2 – Pró-CUT 144

3.2.1 – A Pró-CUT nas greves gerais 146

3.2.2 – Caminhos da Pró-CUT 154

3.3 – O Grito da Terra 157

3.3.1 – ADEFS 160

3.3.2 – Jornal popular? 162

3.3.3 – Dois gritos 165

Conclusão 171

Referências Bibliográficas 177

Anexos 183

Lista de Fontes 190


19

Introdução

Durante mais de dois anos persegui sujeitos, atores, processos, autores, fontes,
depoentes, contexto, coerência e outras tantas coisas que parecem, aí sim, nos perseguir. Fugi
delas muitas vezes também. Agora é hora da despedida, pois deixei por último a escrita da
parte do texto reservada a evitar que o leitor caminhe às cegas.
Entretanto, a escolha do tema, do período e da forma de investigá-lo e mesmo da
forma de apresentá-lo vem de muitos anos antes. Em primeiro lugar, a sensação de
turbulência na infância, por ter morado em três cidades diferentes em cinco anos, na corda-
bamba da pobreza e dos sonhos dos pais em acharem um lugar para se assentar, marcaram os
anos 1980 em minha vida. A década seguinte foi de início da estabilidade da família, mas da
minha saudade de brincar em ruas sem carros, de estudar em uma escola pequena, de não
saber o que era transporte coletivo. Em segundo lugar, na universidade, a década de 1980 me
chamou à atenção pelas muitas proposições sobre o Brasil pós-ditadura. Opiniões, de políticos
a artistas, que variaram ao longo da década, experimentações na música, na moda, nas
novelas. Todos se dizendo democráticos – de parlamentaristas a comunistas. Essa década,
considerada “perdida” para os ministros da fazenda, foi também a década do aprendizado
político para os que queriam ter o poder de decidir. Em terceiro lugar, no movimento
estudantil, a vontade de saber onde estiveram os trabalhadores feirenses, quando os de São
Paulo eram o centro das atenções para qualquer leitura sobre trabalhadores brasileiros na
década de 1980. Ainda, manifestações contra o aumento da passagem apenas com estudantes,
tendo muitos trabalhadores contra nós.
Esses três aspectos se uniram confusamente no desejo de saber onde e quando
trabalhadores feirenses foram às ruas. Ao longo do processo de construção do projeto de
pesquisa deixei de ser estudante e militante do movimento estudantil, mais estudos sobre
trabalhadores foram lidos e muito do “como foi isso?” foi deixando de ser uma curiosidade
para se tornar constatações. Parte disso descobri ao longo do mestrado. Por isso, as
motivações foram se diferenciando, para o que hoje se revela como um texto enviesado pelas
mudanças vividas e desejadas, pelas suposições que aqui estão postas e por dúvidas que
ficaram no caminho.
Sendo conflituoso o próprio processo de pesquisa e escrita, faz-se necessário
esclarecer o que está posto, o que não está posto e o porquê das escolhas. A questão central da
20

pesquisa parte do pressuposto de que as lutas da classe trabalhadora feirense na década de


1980 não foram exceção, ainda que, diante da história dessa mesma classe, possam ser
consideradas extraordinárias. As lutas dos trabalhadores foram o que sua experiência
determinou que fosse, entre limites e possibilidades. Ainda que parte dos trabalhadores
feirenses, identificados inicialmente como “novos” sindicalistas, negasse o que eles
caracterizavam como o “velho” sindicalismo, este compunha as formas de lutar da classe
trabalhadora. Procuramos saber de que maneira o embate entre “velhos” e “novos” deixa ver
os contornos da experiência da classe trabalhadora feirense.
A nossa referência para pensar a classe trabalhadora no seu processo histórico e em
relação à classe dominante é o historiador inglês Edward Palmer Thompson. A leitura de
Thompson acabou por servir de referência também para pensar a própria História e sua
construção, enquanto processo e enquanto ciência. Sobre essa última, a teoria se refere a um
conjunto de procedimentos historiográficos em aberto – os conceitos, problematizações,
argumentos e teses são, eles próprios, históricos.1
Essa interpretação relacional da história, da qual Thompson não é a única referência, é
a base do argumento de que o “novo sindicalismo” não era necessariamente antagônico ao
denominado “velho sindicalismo”. Servia mais como uma caracterização para distinguir do
que para explicar a oposição de um a outro. Em Feira de Santana, escolhemos seis sindicatos
para focarmos nosso olhar sobre as disputas entre os chamados “velhos” e “novos”
sindicalistas: Sindicato dos Bancários, Sindicato dos Comerciários, Sindicato dos Condutores
Autônomos de Veículos Rodoviários (SINCAVER), Associação dos Docentes da
Universidade Estadual de Feira de Santana (ADUFS), Sindicato dos Metalúrgicos e Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (STR-FSA).
A quantidade de sindicatos não implicou em um número ostensivo de fontes, por dois
motivos. Os três primeiros sindicatos, existentes na cidade desde, pelo menos, a década de
1960, tinham por prática conduzir os assuntos dos trabalhadores sob a observação de setores
da classe dominante da cidade. A ADUFS tinha uma prática organizativa fortemente
influenciada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Central Única dos Trabalhadores
(CUT): decisões mais importantes votadas em assembléias, diretorias com poderes limitados
pela base, combatividade e desligamento de governos e das forças políticas da Nova
República. O Sindicato dos Metalúrgicos foi escolhido para que se pudesse traçar um paralelo
com o modelo de trabalhador combativo do “novo sindicalismo”, onde figurava o trabalhador

1
Não podemos deixar de reconhecer que a obra de E. P. Thompson é tributária do pensamento marxista e, no
caso da interpretação científica sobre o mundo, da Introdução à Crítica da Economia Política, de Karl Marx.
21

metalúrgico. Os trabalhadores rurais destoam do referido modelo e foram escolhidos por isso
e porque foram disputados por “novos” e “velhos” ao longo da década de 1980.
Apesar de esses seis sindicatos terem destaque em nosso texto, outros sindicatos
também figuram aqui, pelo caráter de lutas de trabalhadores que escolhemos: as que
envolviam mais de uma categoria, através das quais era tentada a unidade de classe, e aquelas
em que se tentava a solidariedade de classe. Essa escolha também se deu por dois motivos. O
primeiro é que nossa intenção não foi traçar a trajetória de cada sindicato e seu processo
organizativo, mas sim como cada um deles se posicionou diante da intensificação das lutas em
Feira de Santana. Segundo, o número de fontes nos sindicatos buscados foi mesmo muito
pequeno. A justificativa comum para isso foi o medo da invasão dos sindicatos pela repressão
ditatorial, o que levou membros da diretoria a dispersar os documentos entre os militantes,
causando a perda de boa parte deles.
Estabelecemos outra nomenclatura para “velhos” e “novos”, por pensarmos que essa
distinção estabelece uma dicotomia atrasados/avançados que nasce, aliás, da própria luta dos
“novos” contra os “velhos”.2 Mesmo deixando claro que não concordamos com a referida
caracterização, optamos por dois termos que sintetizam as opções políticas de ambos. Os
“velhos” são chamados aqui de tradicionais porque mantinham e defendiam, na época
estudada, uma prática organizativa que havia se estabelecido nos períodos anteriores. Ainda
que tivessem filiação partidária, não se auto-declaravam como representantes partidários. Essa
era uma posição típica da política feita anteriormente na cidade, estando entre a prática
organizativa desse grupo. Portanto, decidimos não nomeá-los a partir de sua filiação
partidária.
Ao contrário disso, chamamos os “novos” de petistas-cutistas, pois faziam questão de
destacar sua filiação partidária, encarando o PT e a CUT como integrantes de um único
projeto, cujo objetivo principal era a autonomia política da classe trabalhadora. A dificuldade
desse termo é homogeneização, desconsiderando os embates dentro do PT e da CUT, que
também estavam presentes em Feira de Santana. Ainda assim, as duas instituições se
permutaram na luta dos trabalhadores feirenses: a representação da CUT era mais forte que o
PT, ao mesmo tempo em que aquela é formada por militantes desse partido.
Para estudar esses grupos e saber sobre quais bases se assentava a experiência da
classe trabalhadora feirense, utilizamos fontes que nos deram a dimensão dos limites nos

2
MATTOS, Marcelo Badaró. Novos e velhos sindicalismos. Rio de Janeiro (1955-1988). Rio de Janeiro: Vício
de Leitura, 1998. Esta obra investiga as práticas dos grupos estabelecidos por essas nomenclaturas, construídas
pelo novo sindicalismo, no Rio de Janeiro. Ela será retomada no primeiro capítulo.
22

quais os trabalhadores agiam, em relação com seus pares e com seus oponentes. Os jornais
locais, os documentos produzidos por algumas entidades de trabalhadores e os depoimentos
constituem nossa base documental. Ao mesmo tempo em que ela é volumosa, é também
esparsa e lacunar, respondendo apenas por parte da questão estudada, trazendo à baila mais a
fala dos petistas-cutistas do que a dos tradicionais. Devido a isso, decidimos contrastar as
fontes entre si, estudando quem as produzia e suas relações com grupos políticos. Duas dessas
fontes mereceram uma discussão própria, que está posta no texto: os jornais Feira Hoje e O
Grito da Terra.
Utilizamo-nos também da bibliografia existente sobre a classe trabalhadora de Feira de
Santana no século XX, tanto para conhecer as interpretações existentes sobre ela, quanto para
acompanhar outras tentativas de conhecer a experiência da referida classe. Isso se deu por
conta dos marcos temporais escolhidos por nós – 1977-1991 – que dão conta apenas das
transformações e embates, de onde se pode ver os contornos da experiência. Para o período
anterior a esse, apenas pudemos interpretar indícios encontrados na bibliografia e também no
contraste entre as fontes.
O período da história de Feira de Santana estudado por nós se inicia na crise da
ditadura, quando as classe se reorganizavam em tornos de seus projetos para os rumos do país.
Na cidade, estudamos como toda essa turbulência testou os limites da experiência da classe
trabalhadora, pelos conflitos dos trabalhadores entre si e com os dominantes, recorrendo, para
isso, a tradições de luta distintas. Para tanto, começamos com a assunção à prefeitura por
Colbert Martins (MDB), em 1977, por ter sido uma tentativa de retomar as relações com a
classe trabalhadora nos termos da gestão de Francisco Pinto (PSD), interrompida pelo golpe
de 1964. Acompanhamos a reaproximação institucional entre Colbert, como era conhecido, e
os sindicalistas tradicionais, assim como a formação do PT e da CUT em oposição a esses.
Esse embate se estendeu ao longo de toda a década de 1980, se arrefecendo no final da
mesma. Concluímos em 1991, quando as mobilizações coletivas tinham assumido um caráter
muito mais defensivo, frente à recomposição do poder hegemônico da classe dominante no
país e na Bahia, com Antonio Carlos Magalhães como governador da Bahia e Fernando
Collor de Melo como presidente do país. Também, esse foi o ano do último grande embate
entre tradicionais e petistas-cutistas: as eleições para o Sindicato dos Comerciários, o maior
da cidade.
Para que fosse possível falar da experiência da classe trabalhadora feirense com os
obstáculos da pesquisa aqui postos, decidimos pela ordem temática, em vez da ordem
cronológica. As dimensões da experiência buscada se fazem mais evidentes quando
23

mostramos os conflitos de classes e os rumos da classe trabalhadora, na trajetória de cada


mobilização coletiva aqui tratada. A ordem cronológica está presente apenas na Conclusão,
para o arremate das constatações e suposições apontadas ao longo do texto.
Dessa maneira, no capítulo 1, tratamos do território da pesquisa, ao apresentarmos a
luta de classes no período estudado e as premissas que sustentam esse estudo. As disputas
pelo solo urbano se intensificaram após um fluxo migratório para a cidade, iniciado na década
de 1970. Essa dimensão da luta de classes na cidade atravessa todo o período estudado e nos
ajuda a ver por onde se movimentavam dominantes e dominados na reorganização da
dominação de classe pós-ditadura.
Antes, porém, iniciamos o capítulo com uma discussão sobre a história e a
historiografia nacionais, do ponto de vista dos modelos que induzem interpretações sem que
antes se recorra às fontes, ou mesmo à formulação de questões sobre o objeto de pesquisa.
Para continuar, a segunda seção mostra esses modelos em nosso tema de pesquisa, através da
crítica à sociologia do trabalho, que defende o novo sindicalismo como modelo de trabalhador
“com consciência de classe”. A terceira seção explicita a referência teórico-metodológica para
pensar as mobilizações da classe trabalhadora feirense à luz de sua experiência. Divide-se em
experiência (conceito central) e tradição (através da qual falaremos da experiência). A quarta
seção mostra os vestígios, através da bibliografia, da experiência, já que não trabalhamos com
fontes suficientes para compor a experiência da classe trabalhadora antes de fins da ditadura.
A quinta e última seção do capítulo inicia a discussão do objeto mostrando como as lutas dos
migrantes em Feira de Santana foram importantes para o impulso do novo sindicalismo na
cidade. Ou seja, o novo sindicalismo na cidade nada tem de avançado para os padrões da
referida sociologia do trabalho, mas, ainda assim, se reivindicou como novo e orientou suas
ações a partir do mesmo modelo de trabalhador criado no ABC paulista (trabalhador
metalúrgico, integrado à avançada indústria capitalista, combativo, grevista, autônomo frente
ao patrão e ao Estado e, por tudo isso, dotado de consciência de classe).
O segundo capítulo discute as mobilizações coletivas da classe trabalhadora feirense
através das disputas dentro da própria classe e de parte desta com os dominantes.
Demarcamos a tradição no padrão organizativo da classe para perceber as tensões na sua
experiência. Iniciamos com uma visão geral das lutas no período estudado, através do jornal
Feira Hoje, que também é alvo de análise como um dos conjuntos de fontes mais importantes
da pesquisa. Em seguida, apresentamos os três sindicatos tradicionais, a partir de suas
relações com o executivo municipal e alguns partidos. A terceira seção discute o paternalismo
a partir das relações construídas entre dominantes e dominados durante a gestão de Chico
24

Pinto no pré-ditadura. Essas relações permaneceram de alguma maneira, atravessando a época


da ditadura, e tentaram ser retomadas na gestão de Colbert Martins (1977-1982). Ainda nesta
seção, apresentamos o Movimento de Organização Comunitária (MOC), por ter cumprido um
importante papel na permanência das relações paternalistas na cidade a partir do início da
década de 1970.
Na quarta seção, apresentamos o STR-FSA a partir de sua tomada pelos trabalhadores
rurais das mãos de fazendeiros (ligados ao PDS), com a ajuda do MOC, e indicamos que isso
teve relação com as disputas, dentro da classe dominante, sobre o lugar determinado para a
disputa de classe na cidade e no campo. A quinta seção mostra os embates entre tradicionais e
petistas-cutistas a partir da memória: para os primeiros, os outros eram “elementos estranhos”
à classe e, por isso, não tinham legitimidade para dirigi-la. Para os petistas-cutistas – que se
reconheciam nas lutas de oposição à ditadura e recentemente também nas lutas do ABC
paulista – os tradicionais se subordinavam a forças políticas que tutelavam os trabalhadores.
A penúltima seção fala da retomada do Dia do Trabalhador (1º de maio) como data de “luto e
luta”, tentando substituir seu caráter cívico pelo caráter de classe, bem como as lutas contra a
prefeitura, pela coincidência da data com a Micareta. Por último, falamos das greves setoriais,
apresentando a ADUFS, o Sindicato dos Metalúrgicos e falando da intensificação das greves
na cidade. Primeiro, a recusa dos tradicionais em participar. Depois, seu envolvimento
moderado. Os petistas-cutistas, que viam na greve um dos pilares da independência de classe,
tiveram de lidar com a resistência dos trabalhadores, cuja experiência não tinha na greve um
instrumento de luta.
O terceiro e último capítulo fala sobre as disputas pela direção da classe trabalhadora
feirense entre tradicionais, petistas-cutistas e MOC. Vemos como a experiência de classe se
interpunha nessas disputas através das Oposições Sindicais, da Comissão Pró-CUT Regional
de Feira de Santana (Pró-CUT) e do jornal O Grito da Terra. Na primeira seção, falamos das
tentativas de formação de oposições em alguns sindicatos e das oposições bancária e
comerciária, as duas mais fortes à época. Podemos ver como as propostas do “novo
sindicalismo” eram apresentadas pelas oposições e como estas dialogavam com o
assistencialismo, presente enquanto prática sindical. Na segunda seção, mostramos a Pró-CUT
no apoio e organização da luta dos trabalhadores, através do projeto de autonomia de classe
defendido pela Central. Sua atuação mais organizada em Feira de Santana, nas greves gerais e
na disputa pelo STR-FSA, será tratada nessa seção. Ainda, daremos destaque a um aspecto
curioso da Pró-CUT: em que pese sua atuação durante anos, ela nunca saiu do estado de
Comissão e a CUT Regional jamais chegou a ser criada. Por último, mostramos como o jornal
25

O Grito da Terra foi, concomitantemente, campo de consenso e disputa entre o MOC e os


petistas-cutistas. Ambos pareciam estar de acordo que os trabalhadores deveriam ter
autonomia para trilhar seu próprio caminho, mas divergiam nas formas de atuação para que
isso fosse possível. A prioridade de cada um desses grupos é percebida através das notícias
que, mesmo não assinadas, deixam ver, muitas vezes, quem as escrevia.
Estudamos a experiência da classe trabalhadora feirense não no período de formação
da mesma, mas em um período em que a crise de hegemonia abriu espaço para a disputa de
projetos. Nesse momento, também a classe trabalhadora foi disputada por projetos
protagonizados por grupos que buscavam hegemonizá-la. Esta última precisou negociar
soluções para a saída da ditadura. A referida crise tinha que ver não apenas com o
esgotamento do planejamento autoritário, onde o Estado era, ao mesmo tempo, investidor
produtivo direto e viabilizador do financiamento da expansão privada. Foi provocada também
pelo cerceamento de participação política formal e manifestações contra as condições de vida
e trabalho. Os trabalhadores organizaram lutas – dentro e fora dos espaços de trabalho –
reivindicando o que a superexploração causada pelo modelo econômico autoritário, travestido
de “milagre econômico”, havia sufocado através do aparato repressivo. A transição não seria
tão lenta quanto declarou Ernesto Geisel.3
Assim, pensamos que o confronto de classes na década de 1980 pode ser visto como
provocador de uma tensão na experiência da classe trabalhadora. E é também pela
generalidade que uma crise de hegemonia pode causar que tratamos de diferentes categorias
de trabalhadores. Tentando não desconsiderar as especificidades de cada grupo de
trabalhadores, analisamos as inúmeras tentativas de unificação da classe em tornos de projetos
que entravam em choque.
Muitas das lutas específicas de cada categoria são faces de uma mesma moeda,
referindo-se à classe trabalhadora e não classes trabalhadoras. Os professores da UEFS
lutaram para serem reconhecidos como trabalhadores em educação e, simultaneamente, para
evitar sua pauperização. Os trabalhadores rurais lutavam pelo direito à previdência e pela
isenção de impostos nos alimentos produzidos por eles. Essas pautas atravessaram a crise de
direção política do Estado e constituíam os problemas em comum, identificados nas bandeiras
nacionais de luta enquanto combates à dívida externa, à política econômica, ao arrocho
salarial. As reivindicações mais corporativas não fugiam à condição de subalternização,

3
Eurelino Coelho problematiza o termo transição para designar os conflitos de classes da década de 1980. Cf.
COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda para o capital. Crise do marxismo e mudanças nos projetos
políticos dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Niterói: (Tese de Doutorado em História), 2005, p.35 et seq.
26

mesmo entre os não assalariados. Considerando a dominação de classe na clivagem entre


proprietários e não proprietários, entendemos o que tornou viável a proposta de organização
da classe trabalhadora em sua unidade.
27

CAPÍTULO 1
Feira de Santana: terra de lutas, lugares de experiência

A história de Feira de Santana, na interpretação da maioria dos depoentes que serão


apresentados neste texto, varia entre a ausência de conflitos como característica formativa das
classes na cidade e a exaltação de alguns personagens que são emblema da refutação desse
argumento. Um deles é Lucas da Feira. Escravo rebelado, Lucas Evangelista dos Santos fugiu
da fazenda Saco de Limão, situada na Vila de Sant’anna da Feira, no início do século XIX, e
formou um bando de salteadores acusado de homicídios e violência sexual. Em 1849, Lucas
da Feira foi preso e enforcado. Seu nome é pouco encontrado nos homens da cidade,
sugerindo o “sinal de Caim” posto em sua imagem. Volta e meia é posto à baila, em
divergências sobre seu reconhecimento enquanto bandido ou herói. Uma revista em
quadrinhos lançada recentemente mostra um Lucas da Feira alto e musculoso, como os heróis
dos quadrinhos norte-americanos, recupera sua infância enquanto escravo e também o apoio
de alguns fazendeiros da região nos roubos que praticava.4
Do lado oposto, temos uma caracterização feita por Oscar Damião Almeida, membro
fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS): “era um jovem
muito irrequieto, agitado, canhoto, zarolho, cabelos desgrenhados, olhos avermelhados,
estatura média, peito cabeludo, revoltado com os maus tratos aplicados aos negros, nas
senzalas.”5 Entre as caracterizações que polarizam Lucas da Feira entre o bem e o mal, o setor
dominante da cidade o vê como um detrator da ordem, enquanto pessoas que, nos anos 1980,
participavam das lutas dos trabalhadores o defendem enquanto lutador contra a opressão.
Durante décadas Feira de Santana foi chamada “terra de Lucas”, embora a história do escravo
fugido fosse (como ainda é hoje) cercada de mistério e silêncio. O silêncio também cerca a
história das lutas nessa mesma terra, especialmente das lutas dos trabalhadores escravizados e
livres.
A memória sobre Feira de Santana que pessoas e instituições querem preservar, como
Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS), choca-se com as lutas de classe
nessa mesma cidade durante a década de 1980. O conteúdo deste texto é conhecido de muitos,

4
FRANCO, Marcos, LIMA, Marcelo, e ROGÉRIO, Hélcio. Lucas da Vila de Sant’anna da Feira. Feira de
Santana. Independente. 2010.
5
ALMEIDA, Oscar D. Dicionário de Feira de Santana. Feira de Santana: Santa Rita, 2006, p.233.
28

é parte importante da trajetória de vida de outros tantos, mas ainda não figura na história
oficial da cidade, assim como todos os outros períodos de conflito na cidade.
Este capítulo fala dos terrenos em que foi construído o projeto e a pesquisa sobre as
lutas sociais recentes em Feira de Santana, a começar por relacioná-las aos territórios
historiográficos e ao terreno conceitual que referencia o estuda da experiência da classe
trabalhadora da cidade. Continuaremos a caminhar pelo terreno da historiografia sobre
trabalhadores feirenses, buscando elementos para o estudo da experiência desse grupo. Por
fim, vamos ao solo urbano da cidade, analisando as disputas sobre ele, que também foram
lugares onde as tradições vigentes para os sujeitos nos falam da experiência dos mesmos.

1.1 – A historiografia e o distante reino do “nacional”

A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a


regional lida com as diferenças, a multiplicidade. A
historiografia regional tem ainda a capacidade de
apresentar o concreto e o cotidiano, o ser humano
historicamente determinado, de fazer a ponte entre o
individual e o social.6

Está-se, então, a reafirmar que existe uma histografia nacional e outra local? E que
cada uma delas contribui com sua parte? Ora, o que chamamos de história nacional é uma
história local que se nacionalizou por motivos políticos que, inclusive, podem ser objeto de
análise histórica. Perguntamos-nos se a história nacional comumente conhecida anula
qualquer possibilidade de se produzir uma história nacional. Nas linhas que se seguem,
recolocaremos a história nacional em outro termo que não o da segmentação entre
generalidade e particularidade.
Para os objetivos deste estudo, podemos nos perguntar por quais razões sabemos tanto
sobre as greves em certa parte do país e tão pouco sobre outros processos grevistas durante o
mesmo período: fins da década de 1970 e década de 1980. Certamente isto se deve ao fato de
que, à época, São Paulo já havia se constituído como centro sócio-econômico do país, antes
mesmo de acontecerem os eventos que influenciaram trabalhadores de outros estados. Dito de
outra forma, deve-se prestar atenção para o que precede os fenômenos e não somente para o

6
AMADO, Janaína. Historia e Região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA, Marco (coord.).
República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero / CNPq, 1990, p. 13.
29

seu impacto – ou mesmo para o momento, que tende a se tornar modelo de análise dos
diversos processos históricos em outros lugares.
A própria constatação de que as lutas do “novo sindicalismo” paulista tiveram
destaque dentro e fora da academia nos leva a pensar sobre qual é o lugar reservado para
outras lutas na historiografia. Lygia Sigaud, ao falar da greve dos trabalhadores das plantações
de cana-de-açúcar na Zona da Mata de Pernambuco em 1979, destaca sua importância como a
primeira greve depois da desarticulação das Ligas Camponesas pós-1964 e fala sobre seu
status de ignorada

[...] por ter sido uma dentre as 68 greves ocorridas no


país de janeiro a outubro de 1979 e por ter coincidido
com a volta ao país de um número expressivo de
militantes que puderam abandonar o exílio graças às
pressões populares que culminaram na anistia, a greve
vitoriosa dos trabalhadores de Pernambuco não teve um
destaque privilegiado na imprensa. Por outro lado,
incompreensões decorrentes em parte do desconhecimento
do movimento camponês no Brasil e preconceitos políticos
de setores que se surpreenderam com a greve e não
conseguiram enquadrá-la de imediato nos seus quadros
de referência impediram também que o movimento tivesse
uma repercussão maior.7

Não à toa o livro é dedicado a fazer saber sobre a referida greve. A intenção de Sigaud
foi de que o livro servisse também de documento, já que o leitor estaria desinformado sobre a
greve em Pernambuco, apesar de ter informações de diversas fontes sobre as greves ocorridas
no mesmo período em São Paulo. Também, ao longo do livro, a autora contrapõe os que “se
surpreenderam”, mostrando como a organização dos trabalhadores rurais para a greve e a
própria greve contestam o modelo paulistocêntrico, fazendo ver: relações estreitas de
solidariedade entre sindicatos; comunicação entre os grevistas baseada na cultura iletrada;
literatura de cordel no auxílio à memória sobre lutas anteriores; articulação grevista com
sindicatos rurais de outros estados do Nordeste.8
Para continuarmos puxando o fio que nos leva à constituição da preponderância da
história nacional do modo como a conhecemos, destacamos em Elegia para uma re(li)gião,
de Francisco de Oliveira. O autor discute como a intervenção estatal planejada, através da
SUDENE (1959), abriu espaço para que o capital monopolista do Centro-Sul se reproduzisse

7
SIGAUD, Lygia. Greve nos engenhos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 10.
8
Idem, passim.
30

e se tornasse hegemônico no Nordeste. Oliveira defende que houve uma reorganização do


espaço brasileiro e tentativas de atenuar os conflitos de classe – nas palavras da SUDENE,
“desigualdades entre regiões ricas e pobres” – implicando na derrubada das barreiras para a
expansão do capital no país. Assim, região se fundamenta na especificidade da reprodução do
capital, como uma formação dialética, porque esta existe em relação a outras regiões, todas
atravessadas pelas formas de dominação de classe.9
Embora seja possível questionar sua previsão de que se homogeneizariam as regiões,
pois o autor faz um recorte metodológico que privilegia a esfera de reprodução do capital, o
texto põe esta em relação a outras esferas da vida humana. Vejamos sua advertência sobre
análises a respeito da economia capitalista brasileira:

Não implica em se dizer que, se na “região” industrial


que tenta impor sua hegemonia [...] começa a aparecer de
um lado uma burguesia industrial e de outro um
proletariado urbano, nas outras “regiões”, e
especificamente no Nordeste, o conflito de classes tomará
a mesma forma [...] A história política e social do Brasil
foi exageradamente “homogeneizada”, uniformizada, do
ponto de vista teórico, da chamada “interpretação” do
Brasil, para além do que a própria tendência de
homogeneização da reprodução do capital em escala
nacional conduzia.10

A nacionalização da história no Brasil se deu pela escolha de um processo histórico


específico como modelo para os diversos lugares do país, reduzidos a ser parte da regra ou da
exceção deste mesmo modelo. Isso pode ser percebido no que chamamos aqui de “metáfora
do espelho” quando, em nossos próprios textos (mas não só nós, historiadores) falamos que
um determinado processo é reflexo de outro. Não apenas a palavra é característica de tal modo
de pensar, mas também o uso da historiografia nacional para confirmar hipóteses que
levantamos sobre nossas pesquisas. Em muitos de nossos produtos finais é possível ler trechos
em que, para confirmar alguma hipótese sobre nosso objeto, nos valemos das conclusões de
pesquisadores que estudaram processos correlatos aos nossos, mas não equivalentes.
Compreendemos que a historiografia nacional e seu produto, a história nacional, são
parte de um processo histórico de dominação e determinação de saberes, não só entre os
acadêmicos, mas no ensino de história nas escolas. A própria historiografia se revela através

9
OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma re(li)gião. Sudene, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. 3ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, passim.
10
Idem, p. 81-82.
31

da sua história. Tendo se formado concentradamente no Sudeste, os estudos de lá foram lidos


nos cursos que posteriormente surgiram aqui na Bahia. O uso recorrente desses estudos em
diversos estados aguardaria até que novos estudos fossem produzidos sobre a realidade daqui
– sem esquecer que pesquisadores baianos tenham feito suas pós-graduações nos cursos do
Sudeste. Mas o processo histórico sedimenta modos de ver e agir no mundo, e essa história
por tanto tempo estudada ficou mesmo sendo a história nacional. Para que se possa saber do
que estamos falando, somente em 2007 entraram em funcionamento dois outros mestrados na
Bahia, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), pois até então existia somente o da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ainda hoje, a UFBA é a única pós-graduação em história que oferece doutorado. Assim como
somente em 2008 foram defendidos os primeiros trabalhos monográficos da graduação em
Licenciatura em História da UEFS, já que o currículo anterior não exigia trabalho de
conclusão de curso.
Por outro lado, reações em contrário a essa nacionalização de estudos locais se
mostram em diversos programas de pós-graduação no Nordeste, que contém “História
Regional”, “História Local”, ou “História Regional e Local” nos seus nomes e nas suas linhas
de pesquisa. Entretanto, as discussões nesses programas ou mesmo fora deles permitem se
perguntar acerca dos usos dessas adjetivações, qual a função política de se fazer uma história
do local, quais os desdobramentos desta ou daquela tomada de posição frente à historiografia
ainda chamada de nacional.11
Contra a já referida homogeneização, parece ter sido criado um pólo oposto. A
valorização que se faz da história regional/local em alguns estudos é muito focada no papel de
contestar os modelos generalizantes, negando também a possibilidade de estudos que possam
ser reconhecidos como história nacional. Novamente, Amado nos fala a respeito do tema.
Desta vez, sobre as razões do crescimento das pesquisas nesse tipo de história
particularizante, entre os quais o “esgotamento das ‘macro-abordagens’, das grandes sínteses
até então predominantes, as quais, embora necessárias e capazes de apontar parâmetros,

11
Cf. OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos e REIS, Isabel Cristina Ferreira dos (orgs.). História
Regional e Local. Discussões e práticas. Salvador: Quarteto, 2010. Neste livro foram publicados artigos
produzidos para o I Simpósio de História Regional e Local, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em
História Regional de Local da UNEB, Campus V – Santo Antonio de Jesus. Para uma defesa da História
Regional como campo historiográfico, com fontes e métodos próprios, ver NEVES, Erivaldo Fagundes. História
Regional e Local. Fragmentação e recomposição da história na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS;
Salvador: Arcádia, 2002.
32

mostravam-se claramente insuficientes quando cotejadas com estudos mais


12
particularizados.”
A análise de Janaína Amado, comentada aqui duas vezes, está no livro República em
migalhas, um dos primeiros a discutir a questão. Ele data de 1990. Por toda década anterior
historiadores brasileiros discutiram o papel da história no que diz respeito às fontes utilizadas
até então, mas também questionaram o alcance das sínteses que abarcavam todo o país. Já a
partir dos anos 1970, o repensar as fontes fez com que se revissem as dimensões da história.
Exemplo disso é o livro Domínios da História, onde quase todos os artigos apontam a década
de 1970, especificamente no Brasil, como marco para que todo o processo de produção em
história fosse repensado, da escolha das fontes à forma de narrativa adotada para os textos
finais.13 Isso está ligado a processos que ocorreram concomitantemente: crescimento das pós-
graduações em história; criação de graduações em história, substituindo licenciaturas que
abarcavam história, sociologia, geografia; ensino de história e geografia, separadamente, nas
escolas de primeiro e segundo graus.
Para a história do movimento operário, Claudio Batalha aponta o mesmo período, e
mais fortemente os anos 1980, como retomada da interpretação das lutas dos trabalhadores
sob outros enfoques que não o da estrutura, a exemplo das “sínteses sociológicas.”14 Hebe
Castro também fala sobre questionamentos dos historiadores, no campo da história social,
sobre o uso excessivo de dados quantitativos, que punham as ações humanas amarradas em
modelos genéricos e estruturantes.15
A forte influência do estruturalismo no país é comumente apontada como uma das
causas para que a historiografia brasileira estivesse presa, durante anos, a explicações que
previam como deveriam se dar as relações humanas, definindo inclusive que tipos de fontes
deveriam ser utilizadas para isso. As fontes estavam subordinadas, assim como o processo
histórico a determinações já conhecidas, pois que se reproduziam. Essa relação entre modelo e
fontes dificultou que fossem pensados o movimento e transformação históricos.
Diante disso, operou-se uma inversão a partir do período citado. Os sujeitos, que antes
praticavam ações subordinadas à estrutura, passaram a ter sua subjetividade destacada, para
mostrar não só que suas ações não estavam pré-determinadas, como também para que sua
subjetividade se tornasse o objeto de estudo. Essa primazia do campo da cultura fez produzir

12
AMADO, op. cit, p. 11.
13
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia.
Rio de Janeiro: CAMPUS, 1997.
14
BATALHA, Claudio. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências. In: FREITAS,
Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2003, p. 145-158.
15
CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO e VAINFAS, op cit.
33

estudos históricos que enfocam, também nos estudos sobre trabalhadores, o cotidiano, a vida e
as lutas fora das fábricas, a mulher trabalhadora, a dona-de-casa, discussões sobre a cultura
entre os trabalhadores.
Nesse sentido, as fontes e o espaço geográfico tiveram destaque, como parte
importante das modificações na produção historiográfica. A negação das “grandes sínteses”
partiu do reforço da afirmação de que os sujeitos são localizados e se fazem presentes por
outros meios através de documentos das mais diversas naturezas, importando menos julgar
sua origem do que entendê-los metodologicamente. Essa movimentação entre os historiadores
em torno da valorização das fontes para a pesquisa fez com que se construísse uma
metodologia específica, por exemplo, em história oral, para casos abundantes de comunidades
sem registro escrito e também para questionar verdades construídas nos discursos oficiais,
predominantemente encontrados nos documentos escritos.16
Ao se negar os estudos de tipo generalizante, as “particularidades” e o “concreto”
parecem ter assumido a história regional/local como abrigo para se diferenciarem como
estudos que privilegiam as fontes. Desse modo, a história nacional ficou conhecida como
aquele conjunto de compêndios ensaísticos, ao qual se recorre, quando em vez, para se falar
da historiografia brasileira. Parece mesmo ter se tornado extremamente difícil dissertar sobre
lugares dos quais não dispomos de fontes. As fontes passaram a determinar não só os limites
territoriais, mas metodológicos e, vez ou outra, temos a impressão que nos dividimos entre os
historiadores de antigamente, os ensaístas, “os sem fonte”, e os de hoje, que têm através das
fontes uma história com sujeitos, os fontistas.
A intenção, assim, não é desconsiderar o que já foi produzido – porque é produto da
dominação ou porque diz respeito a um processo histórico diferente do nosso. Tentamos
entender porque foi produzido daquela maneira e dar um salto qualitativo a partir da crítica
que se faz a esse tipo de produção. De que maneira? Nas tentativas de equilibrar, de um lado,
a compreensão de que, se há dominação de uma região sobre outra, há também uma relação
entre essas partes, o que faz de ambas objeto de estudo inseparável entre si. De outro lado,
entender que os processos históricos são feitos por sujeitos que vivem neste local aqui e não
lá, no “nacional”; o que faz com que não seja possível saber, de antemão, como se
comportarão, por exemplo, trabalhadores que montam carros para a mesma empresa, no

16
Este parágrafo e os dois anteriores estão referenciados em BATALHA, op cit; CASTRO; op cit, inclusive com
visão mais matizada sobra a negação do estruturalismo e a primazia da cultura nos estudos históricos. Para uma
discussão sobre o estruturalismo e sua negação na proposição de um método para a história, cf. COELHO
NETO, Eurelino Teixeira. A dialética na oficina do historiador: idéias arriscadas sobre algumas questões de
método. Revista História e Luta de Classes, ano 6, nº 9, jun. 2010, p. 7-16.
34

mesmo mês, em cidades diferentes. Dito de outro modo, não se fala de sujeitos históricos sem
enraizamento, sem códigos culturais, sem postura política. Nesse sentido, a onipresença do
nacional, nos termos aqui criticados, em sua generalidade determinante, não só esfumaça
hierarquizações e conflitos, como boicota o próprio processo de produção histórica.
Pensamos que a construção de uma história que dê conta do “todo” e do “específico”
não passa, necessariamente, pelo nacional/local, ou seja, uma transposição da metodologia
para a cartografia. Se, por exemplo, a configuração do Estado nacional, bem como a
articulação das classes dominantes, aconteceu em diferentes lugares do país, os estudos sobre
elas devem ser parte do tipo de análise onde as lutas sociais ocorrem simultaneamente, mas
são parte de processos históricos diferenciados entre si.17
A história nacional pode deixar de ser encarada como soma de pedaços de terra para
ser possível através das relações. Nelas é possível entender como sujeitos se identificam com
outros, com os quais nunca tiveram contato; é possível entender também que a própria fonte é
fruto de relações, que revela e também esconde processos que são explicáveis, muitas vezes,
ao se entender como se produziu a própria fonte. Nesse sentido, há que se reconhecer as
determinações sem, contudo, fazer delas a camisa de força das “certezas nacionais”. Nosso
objeto de estudo não se explica por si só, está em relações com o que o determina, assim
como o próprio processo histórico não permite que as determinações apareçam em forma de
teleologia – a história natimorta.18
Tal constatação nos remete ao célebre ensaio de E. P. Thompson, As peculiaridades
dos ingleses, onde ele analisa as interpretações de Perry Anderson de Tom Nairn sobre a
história britânica. Durante todo o texto Thompson argumenta contra modelos previamente
estabelecidos e suas implicações para o estudo da história, partindo da análise da Revolução
Inglesa que tinha a Revolução Francesa como modelo: “Quase se pode ouvir o estiramento
das texturas históricas quando a vestimenta dos eventos ingleses [...] é forçada a cobrir o
peitudo modelo de La Révolution Française.”19

17
Ao longo dessa dissertação será encontrada a palavra nacional quando nos referirmos à divisão político-
administrativa do país, a políticas executadas e/ou propostas por governos federais, a articulações políticas que
envolvam grupos sociais de expressão em diferentes lugares do país.
18
Para o desenvolvimento desta seção, as discussões realizadas no LABELU foram de fundamental importância,
bem como a apreciação, nesse mesmo grupo de pesquisa, do texto de COELHO NETO, op cit.
19
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses. In: NEGRO, Antonio Luigi e SILVA, Sergio (orgs.). As
peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: EDUNICAMP, 2001, p. 155-156.
35

1.2 – “Novo sindicalismo”: trabalhadores entre aspas

Há um considerável número de livros dedicados a estudar o “novo sindicalismo”.


Antes de tudo, é importante notar que tal nomenclatura aparece com força naqueles que se
propuseram a avaliar esse movimento anos depois. Nos livros escritos durante a ascensão
desse movimento de trabalhadores, a preocupação gira em torno de, simultaneamente,
explicá-lo e reconhecê-lo como legítimo. Portanto, o “novo sindicalismo” e suas aspas foram
se constituindo à medida que esse movimento foi se expandindo, expondo sua força e suas
contradições. Aqui, falaremos das interpretações acadêmicas sobre o “novo sindicalismo” no
que diz respeito à construção de um modelo de trabalhador, bem como de suas lutas.
A busca de uma nomenclatura para se distinguir dos demais diz muito sobre a força
que esse movimento buscava ter. Diz também sobre como esses trabalhadores definiam sua
luta. Expliquemo-nos através das palavras de Badaró Mattos:

Dizer “novo sindicalismo” é opor as atitudes dos


dirigentes sindicais considerados mais combativos às
atitudes de seus contemporâneos ditos pelegos. Mas é
opor também novas práticas às consideradas tradicionais
no sindicalismo brasileiro de antes do golpe militar. E
como a categoria constrói-se em meio à erupção do
fenômeno, os analistas acadêmicos precisam atualizar, ou
rejeitar, teses e interpretações tradicionais, que não
comportavam este fato novo.20

O “novo sindicalismo” se construiu (como movimento e como nomenclatura) em sua


negação a outros grupos de trabalhadores. Destacando-se a construção de uma auto-imagem
combativa que agregou muitos trabalhadores da geração dos anos 1970 e 1980, a proposta do
“novo sindicalismo” tinha como núcleo a defesa da autonomia frente ao Estado (negociar
direto com o patrão), orientação classista (trabalhador confia em trabalhador) e ênfase na
organização por locais de trabalho (sindicatos com organização de base). Aquela nova
geração de trabalhadores e também acadêmicos contrapunham este “novo” ao “velho”
sindicalismo, pós-Vargas e pré-64, que representaria, na conjuntura de fins da ditadura: falta
de autonomia frente ao Estado, prática sindical “cupulista” (não participação das bases) e
atrelamento político a partidos e chefes de Estado, dentre outras caracterizações que levaram
este “velho” sindicalismo a ser definido também como “sindicalismo populista”.

20
MATTOS, 1998, op cit, p.55. Este estudo é guia para a compreensão do novo sindicalismo, pois retoma o
processo de construção do conceito pelos acadêmicos, bem como o compara à realidade carioca.
36

Sendo assim, o “novo sindicalismo” se auto-proclamou, e foi proclamado, como uma


ruptura com um passado de colaboração de classes. Porém, para muitos analistas e alguns
militantes, aqueles trabalhadores poderiam ser o proletariado revolucionário, cuja consciência
de classe permitia dizer isso. Se não, vejamos.
Celso Frederico, ao estudar a consciência de classe dos operários de uma indústria
automobilística de São Bernardo do Campo, diz não trabalhar com definições a priori e se
pergunta sobre quais trabalhadores poderiam ser acompanhados de perto para se chegar ao
objetivo da pesquisa:

- o migrante recém-chegado do campo, que trabalha há


poucos dias na fábrica?
- a mocinha que vai casar e arrumou um emprego durante
alguns meses, a fim de conseguir dinheiro para o enxoval,
e que, em seguida, irá apenas cuidar do lar?
- os participantes de seitas religiosas do tipo Testemunhas
de Jeová que, embora trabalhem na fábrica, têm todas as
atenções voltadas para fora dela?21

Ao tentar aplicar um questionário para entrevista de 100 trabalhadores, o autor notou


que não havia relação de confiança entre os entrevistados e o pesquisador. Após convivência
com o cotidiano operário, Frederico fez sua escolha:

Os operários avançados exprimem, de modo mais


desenvolvido e mais rico, as possibilidades da consciência
operária. Eles não são operários comuns, detectados
através de regularidades apreendidas estatisticamente
pelos sociólogos que se limitam a privilegiar o que há de
mais freqüente, os elementos que mais assiduamente se
repetem na consciência empírica da maioria dos
operários. Eles não são também operários médios,
construídos arbitrariamente por um processo de
abstração que nivela, num hipotético ponto intermediário,
as tendências mais avançadas e mais atrasadas da
consciência dos trabalhadores. Os operários avançados
são – para o estudo da consciência de classe – operários
típicos.22

21
FREDERICO, Celso. A vanguarda operária. São Paulo: Símbolo, 1979. p.17.
22
Idem, p.20.
37

E segue diferenciando “a ponta de lança” dos “setores mais atrasados da classe”, dos
que “estão fora de sua história” e outros adjetivos que hierarquizam setores da classe
trabalhadora a partir do seu envolvimento com organizações de classe.
Diferente de outros sociólogos, Frederico foi a campo para realizar entrevistas e
acompanhar o cotidiano dos operários dentro das fábricas, construindo seu texto com as falas
dos trabalhadores. Ainda assim, o vemos dividir os trabalhadores em grupos, tendo como
parâmetro a consciência de classe (horizonte de luta, fala sistematizada, visão não-linear de
história) e elegendo os possuidores dessa como os já comentados “operários avançados”.23
Ricardo Antunes, que tem diversos livros publicados sobre manifestações de
trabalhadores, usou tipologias para caracterizar internamente as greves de 1978/1980 em A
rebeldia do trabalho. Com o objetivo de compreender o significado das greves e seus
desdobramentos no plano da consciência operária, cria esquemas explicativos que chama de
“dialética das formas de greve”: espontâneas/não-espontâneas, estritamente
econômicas/políticas, ofensivas/defensivas, parciais/gerais. Defende que um processo grevista
pode fazer avançar ou retroceder a consciência de classe

Numa greve, é evidência elementar que sua positividade


se efetiva quando ocorrem avanços qualitativos no plano
da consciência operária. Isto, porém, se realiza de
maneira tanto mais sólida quanto mais as reivindicações
fundantes, motivadoras, são conquistadas como resultado
da ação e, o que é decisivo, quanto mais os objetivos
imediatos são inseridos numa luta mais global contra os
fundamentos da ordem do capital, quanto mais se
consegue transcender os limites dados pela
imediatidade.24

Antunes reproduz uma análise sociológica do tipo que “mede o grau” de


combatividade nos movimentos de trabalhadores a partir de uma série de parâmetros
previamente escolhidos para estudar a consciência de classe dos trabalhadores.
Um modo de pensar que, previamente, estabelece comparativos em níveis de
consciência operária é indicativo de uma interpretação onde, certamente, será colocado em
“nível mais baixo” ações que se destacam pela negociação (aqui temos outro binômio
combatividade/conciliação), criando um modelo de trabalhador combativo.

23
Para mais detalhes, cf. FREDERICO, Celso. Consciência operária no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1979.
Este livro foi resultado de pesquisa de campo realizada nos primeiros anos da década de 1970.
24
ANTUNES, Ricardo. A rebeldia do trabalho. O confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978/80. 2ª
ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1992. p.176.
38

Esse modelo não foi construído somente nas discussões e produções acadêmicas.
Houve mútua influência entre os autores que escreviam sobre aquele movimento e os que
militavam nele – que eram não só operários, mas também estudantes e mesmo alguns desses
autores. Como poderá ser visto nos capítulos que se seguem, havia a defesa de que o
“fortalecimento” da classe e sua consciência dependiam de instituições controladas por
trabalhadores e de confrontos abertos com o patronato.
Tendo em vista a grande expectativa política gerada pelo “novo sindicalismo”, não é
de causar espanto que tenham sido escritos muitos textos que fazem um balanço acerca de sua
eficácia. Escolhemos dois tipos de avaliação sobre o “novo sindicalismo”. A primeira é
sintetizada por Badaró Mattos, quando ele analisa obras de Leôncio Martins Rodrigues,
Ricardo Antunes, Armando Boito Jr e observa que estes, apesar de muitas diferenças
interpretativas, continuam caracterizando negativamente o movimento sindical pré-64, bem
como a questão de fundo continua sendo o “destino de classe”.25 A segunda avaliação parte da
crítica à dicotomia velhos/novos sindicalistas, na qual o estudo de Badaró Mattos está incluso.
Em coletânea de fins da década de 1990, sociólogos e historiadores discutiram o novo
sindicalismo sob diferentes enfoques. Destacamos aqui três artigos. O de Leila Blass se baseia
nas continuidades da tão criticada estrutura sindical, mesmo com sua apropriação pelo novo
sindicalismo. Subjaz nos argumentos da autora a idéia de que os sindicatos não seriam mais
espaços legítimos de luta dos trabalhadores, pois se afastam do seu cotidiano. A tensão que
ela vê entres “velhos” e “novos” assume a forma de institucionalidade versus cotidiano. Este
último grupo de trabalhadores não conseguiu destruir a supremacia institucional que o
antecedeu.26
Antonio Negro defende que as greves de 1978 não “explodiram”, tampouco foram
frutos apenas das greves de Contagem e Osasco, dez anos antes. Negro retorna aos anos 1950
para mostrar como os operários da Willys (posteriormente comprada pela Ford e situada no
ABC paulista) faziam confronto aberto com os patrões e, décadas depois, os operários da Ford
eram vistos como os mais “combativos”. Dessa maneira, o “novo sindicalismo” não poderia
negar o “velho”, pois seria herança deste último.27
Por último, Marco Aurélio Santana fala da idéia de ruptura com o passado, tentada
pelo “novo sindicalismo”, e dos apoiadores dentro da academia que trataram de reduzir esse

25
MATTOS, op cit, p.68-81. Cf. capítulo 2 para esse tipo de interpretação em autores que produziram nas
décadas de 1960 e 1970.
26
BLASS, Leila Maria da Silva. Novo sindicalismo: persistência e descontinuidade. In: RODRIGUES, Iram
Jácome (org.). O novo sindicalismo. Vinte anos depois. Petrópolis: Vozes, 1999. P. 33-49.
27
NEGRO, Antonio Luigi. Nas origens do “novo sindicalismo”: o maio de 59, 68 e 78 na indústria
automobilística. In: idem. p. 9-31.
39

passado a poucos artigos que caracterizavam os trabalhadores de então como “velhos”, no


sentido dito anteriormente. Santana diz que o “novo sindicalismo” apenas atualizou práticas
existentes anteriormente e que a não derrubada da estrutura sindical se deu porque os novos
sindicalistas se tornaram status quo e, com isso, enfraqueceram o movimento. Essa
incorporação do movimento sindical ao aparato estatal teria sido uma escolha dos dirigentes
sindicais.28
A escolha destes artigos, dentre um número considerável de obras que avaliam o
“novo sindicalismo”, se deu para representar as linhas interpretativas mais comuns. Na
concepção defendida por Blass, o problema estava em persistir na idéia de que os sindicatos –
e a representação política institucional – não se sustentavam em uma sociedade que
caminhava para a construção de identidades em grupos cada vez mais específicos. O sindicato
homogeneizaria as identidades plurais sob uma única, genérica e insuficiente a partir de então:
a de trabalhador. A avaliação de Santana põe nas mãos dos dirigentes sindicais os rumos da
classe trabalhadora. O enfraquecimento do “novo sindicalismo” se deu por opção destes
sujeitos, pondo suas avaliações individuais à frente de outros motivos e, por isso mesmo, do
próprio processo histórico. A análise de Negro considera a história da própria classe como
fundamento para explicar os limites do “novo sindicalismo”. Baseia-se comumente na
avaliação de que as lutas do pré-64 não só existiram, como não se perderam ao longo dos
anos, contestando a fratura que existiria entre “velhos” e “novos”.
A linha de interpretação desse último nos interessa por permitir pôr em questão o
“novo sindicalismo” como modelo. Badaró Mattos, já citado aqui, é nossa referência principal
entre os que discutem novo sindicalismo, por ser um dos poucos historiadores a tratar da
comparação entre “velhos” e “novos” e por ter feito essa escolha ancorado no conceito de
experiência. Relativiza as análises extremadas sobre o pré-64 e fala do que o novo
sindicalismo não levou em conta ao avaliar esse período. Ainda, não culpa os novos
sindicalistas pelas acusações desmedidas ao “velho”, chamando à atenção para o processo
histórico, onde se pode ver o fosso cavado pelo período ditatorial. Deslocando a discussão
para as condições históricas – que permitiram a explosão do novo sindicalismo e, anos depois,
sua retração – Mattos faz uma análise que critica o propalado modelo de trabalhador do ABC
paulista ao estudar os trabalhadores cariocas. Para o Rio de Janeiro da década de 1970, analisa

28
SANTANA, Marco Aurélio. Política e história em disputa: o “novo sindicalismo” e a idéia da ruptura com o
passado. In: op cit, p. 73-94.
40

o movimento da classe trabalhadora em relação com a prefeitura, o governo estadual e com


outros movimentos onde estavam também trabalhadores.29
Tomar o “novo sindicalismo” enquanto modelo impede tanto que outras histórias
sobre esse mesmo movimento, em outras partes do país, sejam contadas, quanto que se leve
em conta a experiência da classe trabalhadora. Sobre o primeiro empecilho, já pudemos
observar seus desdobramentos na seção anterior. Acerca do segundo destacamos, novamente,
o livro A rebeldia do trabalho, de Ricardo Antunes, por termos visto nele um tipo de
interpretação que nega a experiência de classe.
Ao discutir as particularidades do operariado daquele local – “pólo avançado da
classe” e também onde se agudizou o arrocho da política econômica da ditadura – Antunes
diz:

O florescimento desse novo segmento dá, também,


qualidade nova àquele que o originou: o migrante,
egresso das regiões mais atrasadas e que, ao inserir-se
nos marcos da fábrica monopolizada, assume sua face
autenticamente proletária, de ser socialmente moldado
pelo mundo industrial. Por isso torna-se inútil – porque
insuficiente – querer diagnosticar a ação do operariado
da indústria automobilística pela sua dimensão
individual, de migrante que visualiza e vislumbra sua
trajetória rural-urbana como realização de sua ascensão
social.30

O próprio autor diz serem essas afirmações uma crítica ao argumento que relaciona a
origem rural a uma perspectiva de ascensão individual do operário e, por isso, impedimento
para a formação da consciência de classe.31 Ainda assim, vemos problemas de duas ordens no
pensamento de Antunes. A primeira é a “dimensão individual”. Ao negá-la in totum, como
conseqüência da negação do argumento de que ela estaria implicada no processo de migração
dos camponeses, ou mesmo seria objetivo incontornável destes, ao partirem para as cidades
(centros industriais), Antunes faz uma caracterização preconceituosa onde o camponês é
individualista e, por isso mesmo, não tem consciência de classe. Aqui, as formas de

29
MATTOS, op cit, passim. Antes desta obra, podemos destacar o trabalho de duas autoras em apontar para a
continuidade entre “velhos” e “novos” sindicalistas, ao discutirem nos termos de geração e identidade coletiva:
PESSANHA, Elina e MOREL, Regina. Gerações operárias: rupturas e continuidades na experiência de
metalúrgicos do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 17, ano 6, out. 1991.
30
ANTUNES, Ricardo. A rebeldia do trabalho. O confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978/80. 2ª
ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1992.p. 161. Grifos nossos.
31
ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. Da Revolução de 30 até a Aliança
Nacional Libertadora. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1988. p. 57-61.
41

sociabilidade, solidariedade e coletivismo são ofuscadas em nome de um padrão de


comportamento que, sendo urbano, é considerado o mais avançado. Também, ao dizer
“inútil” e “insuficiente”, joga fora a oportunidade de se perguntar de que maneira a trajetória
dos migrantes – mesmo com a expectativa de ascensão social – influenciou na formação do
operariado do ABC. O que o autor desconsidera não é a dimensão individual, como ele
mesmo diz. E sim uma experiência coletiva de desenraizamento e deslocamento frente a uma
nova realidade32 – até porque a ascensão individual é um fenômeno coletivo.
A segunda ordem do problema é a dicotomia atrasado/moderno, que faz com que
Antunes hierarquize os trabalhadores pelo nível da sua consciência de classe. O migrante,
“egresso das regiões mais atrasadas”, ganha “qualidade nova” quando se torna operário: se
torna “autenticamente” proletário e é “socialmente moldado” pelo moderno. Ora, o que vemos
aqui nos parece ser a interdição do que há de rural, camponês, e dito “atrasado” no migrante-
operário.33
Ao dizer que o migrante assume uma face autêntica distinta da sua face migrante, o
autor esvazia o sentido do processo de tornar-se operário sem deixar de ser migrante e cria um
hiato por caracterizar, de um lado um trabalhador rural, atrasado, sem consciência e, de outro
um trabalhador urbano, moderno, que constrói sua consciência de classe no ato de fazer
greves contra o capital monopolista “autenticamente urbano”.
Diante disso, o “novo sindicalismo” nos interessa como movimento, que impulsionou
as lutas de trabalhadores em todo o país. Ainda que esse movimento tenha se espraiado como
um modelo, foi ele quem deu sustentação para parte da classe trabalhadora feirense que se
reivindicava combativa, usando os preceitos desse mesmo modelo.
Não se pode negar a importância da criação da CUT e sua expansão pelo país, nem da
fundação do PT e suas disputas com a então fragmentada classe dominante. Tampouco se
pode fechar os olhos para a expansão das greves – forte marca do “novo sindicalismo”. A
agitação que se seguiu às greves de 1978-1980 está na memória de militantes feirenses,
também como um modelo, a exemplo de José Rocha: “como é que lá o povo luta e aqui, que

32
No documentário Peões Zacarias, que trabalhou décadas nas fábricas de Diadema, relembra do frio que
passava em São Paulo: como tinha vindo do Ceará, não tinha nenhum casaco e passou um bom tempo sem tal
vestimenta porque não tinha dinheiro pra comprar e porque tinha vergonha de admitir que sentia frio. Isso
demonstra a dificuldade do migrante se identificar com o lugar e as pessoas com as quais convive: quer manter a
imagem de nordestino (forte) e não quer ser inferiorizado frente aos colegas de trabalho paulistas, acostumados
com o frio.
33
Em artigo, Luigi Negro discute a origem rural de trabalhadores do ABC paulista e a construção da identidade
operária, em meio ao discurso de progresso nacional, que tinha como um de seus pilares a constituição de uma
indústria automobilística brasileira. Cf. NEGRO, Antonio Luigi. Zé Brasil foi ser peão. Sobre a dignidade do
trabalhador não qualificado na fábrica automobilística. In: BATALHA, SILVA e FORTES. Culturas de classe.
Identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: EdUnicamp, 2004, p.403-435.
42

tem a mesma exploração, tá tudo parado?”.34 Aqui em Feira, o novo sindicalismo marcou as
disputas de trabalhadores a ponto de os chamados “pelegos” terem que assumir aqueles como
sujeitos que disputavam um projeto de organização da classe trabalhadora.
Diante disso, pretendemos contribuir com uma análise que se preocupe em entender de
quais maneiras o novo sindicalismo – agora sem aspas – atravessou a experiência dos
trabalhadores feirenses, e não se ele levou a cabo suas propostas.

1.3 – Experiência da classe trabalhadora

As experiências de trabalhadores de diferentes locais, em uma mesma época, podem


ser comunicadas, partilhadas, mas não se confundem entre si e tampouco se pode deduzir uma
pela outra. Esse pressuposto, que orientou nossa pesquisa, tem como base o conceito de
experiência, desenvolvido por E. P. Thompson. A experiência é singular, porque histórica – o
que não impede de haver padrões, já que estamos falando de ações humanas e relacionadas a
processos que, muitas vezes, ultrapassam barreiras locais e regionais.
Não se pode falar em experiência sem deixar claro sua dupla dimensão para a análise
histórica: totalidade e processualidade. Na primeira, considera-se que nenhuma ação humana
é só econômica, ou cultural, ou política; assim como não há determinação unilateral de um
desses níveis sobre outros. A experiência não pode ser encontrada somente em dados
estatísticos sobre trabalho em moradia, mas somente se for considerado também como a
classe trabalhadora interpretava sua própria condição de trabalhar e morar. O estudo da
experiência indica os nichos que relacionam luta de classes, classe e sua consciência. Essa
mesma experiência tem, na sua dimensão processual, as ligações da classe com seu passado.
Importa saber em quais condições se constituiu a classe tal como a vemos no período
estudado, para que seja possível ver o que suas ações dizem não somente sobre o tempo em
que atuam, mas também sobre o porquê escolhem atuar daquela maneira. Aqui temos uma
determinação, mas de outro tipo. A história do grupo estudado nos diz sobre quais são seus
limites e possibilidades, e não o contexto, de onde geralmente se extrai as conclusões sobre o
que determina as opções da classe.35

34
Depoimento de José Rocha. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
35
Para essa formulação, nos baseamos em “Exploração” e “Padrões e experiências”, capítulos de THOMPSON,
E.P. A formação da classe operária inglesa. Vol. II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
43

Dessa maneira, tentamos explicar o movimento de trabalhadores nos anos 1980 em


Feira de Santana menos como derivação linear da conjuntura do que como um processo que
pode dizer sobre como eles lidaram com transformações que se iniciaram (ou se
aprofundaram) no período da ditadura, tendo como base as determinações de sua própria
experiência, também ela alvo de mudanças. Nesse sentido a noção de experiência traz à luz
uma trajetória coletiva que não pode ser desprezada, nem tomada como obstáculo, já que das
condições estão dadas e, por isso mesmo, influenciam nas opções políticas da classe.
É no momento de crise da ditadura – frente às determinações locais que balizam esse
marco nacional – que podemos perceber, pela própria fala dos trabalhadores, com qual
experiência tinham de lidar os que defendiam diferentes propostas para a participação da
classe na “volta da democracia” ao país. Isso pode indicar que há uma continuidade entre os
períodos destacados pela historiografia (populismo, intervalo democrático, ditadura, nova
república/redemocratização) quando se trata de investigar com quais argumentos e contra
quem parte dos trabalhadores em mobilização nos anos 1980 justificavam sua luta. Os
trabalhadores que tiveram de lidar com a CLT não o fizeram sem que antes houvesse outros
trabalhadores em luta; assim como suas ações não se perderam para as gerações posteriores.
As continuidades e rupturas nas práticas formam, conjuntamente, a experiência dos
trabalhadores.
Na dinâmica histórica que estudamos neste trabalho, a própria experiência da classe
trabalhadora feirense foi tensionada pelos confrontos da tomada de rédeas dos rumos do país.
A crise de direção do país tem momentos em que se revelam a força de tradições. É através
das disputas políticas na própria classe que percebemos, articuladamente, as lutas por
melhores condições de vida perpassadas por defesas de como estas deveriam se dar.
Para uma síntese disso, usamos uma afirmação de Thompson sobre sua investigação
acerca das influências na mudança da noção de tempo, durante o século XVIII, entre os
trabalhadores ingleses. O cotidiano modificou-se em função de um “novo tempo”, onde
predominava, por exemplo, a defesa do trabalho incessante, em oposição à ociosidade, ligada
aos prazeres mundanos – impulsionado pela ética puritana. Thompson mostra como tais
modificações não se deram somente na técnica da manufatura, mas também em instituições
não industriais, como a família e a escola, e inclusive forjou a significação do relógio como
sinônimo de prestígio.

A primeira geração de trabalhadores nas fábricas


aprendeu com seus mestres a importância do tempo; a
44

segunda geração formou os seus comitês em prol de


menos tempo de trabalho no movimento pela jornada de
dez horas; a terceira geração fez greves pelas horas
extras ou pelo pagamento de um percentual adicional
pelas horas trabalhadas fora do expediente. Eles tinham
aceito as categorias de seus empregadores e aprendido a
revidar os golpes dentro desses preceitos.36

Nas práticas organizativas da classe trabalhadora feirense ao longo do período


estudado podemos perceber, através da tradição, as modificações na experiência dessa mesma
classe.
As duas últimas seções deste capítulo se complementam com esta, nos seguintes
termos: a próxima aponta para elementos reveladores da experiência dos trabalhadores
feirenses até a ditadura, através da leitura da bibliografia sobre trabalhadores em Feira de
Santana; a última seção inaugura a análise do objeto, tentando responder quando (não
necessariamente a data, mas as condições) e através de quais sujeitos começaram as tentativas
de enfrentamento da tradição de luta dos trabalhadores feirenses, bem como as modificações
na sua experiência.

1.4 – Bibliografia sobre grupos subalternos

Existem, ainda hoje, poucos estudos sobre a classe trabalhadora feirense. Dos que
existem, serão aqui destacados os que têm objeto próximo à data onde começa nossa pesquisa.
Serão também comentados alguns estudos que tratam, tangencialmente, da classe
trabalhadora.
Partimos da primeira metade do século XX, quando Feira de Santana era
predominantemente rural, não apenas nos costumes, mas também no próprio traçado
urbanístico. Reginilde Santa Bárbara refaz o caminho das lavadeiras do Tanque da Nação em
direção ao trabalho nas fontes de água, bem como nos muitos contatos sociais que a profissão
propiciava.37 Tentando entender o processo de construção da autonomia e dignidade destas
mulheres, entre as décadas de 1930 e 1960, Santa Bárbara descobre redes de solidariedade –

36
THOMPSON, Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial. In: Costumes em comum. Estudos
sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 294.
37
SANTA BÁRBARA, Reginilde. O caminho da autonomia na conquista da dignidade: sociabilidades e
conflitos entre lavadeiras de Feira de Santana, Bahia (1929-1964). Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA,
2002. Este e os próximos três parágrafos são um resumo dos elementos que interessam a esta seção. Manteremos
esse padrão de notas até o fim da mesma.
45

que não dispensavam conflitos – tanto no cotidiano das lavadeiras, quanto no bloco
carnavalesco “Melindrosas”. Reunindo também outros subalternos, o bloco era animado por
suas marchinhas, com letras que faziam afirmação da identidade negra.
As lavadeiras tinham de lidar ainda com o preconceito de serem, elas também,
provedoras do lar. Mulheres que saíam de casa para trabalhar e circulavam a cidade, passando
pelas casas dos ricos, pelos bordéis, pelos hotéis e pequenas pousadas espalhadas pela cidade
– que aumentavam de acordo com o fluxo migratório. Essas mulheres se movimentavam em
busca de meios de sobrevivência e tinham com os dominantes um tipo de relação em que o
apadrinhamento de seus filhos por parte destes não era incomum.
A leitura deste trabalho nos indica, naquele período, posições sociais bastante
marcadas pela cor: brancos ricos no espaço urbano feirense, negros pobres no espaço que
circundava o que então era a cidade – ainda que o cotidiano fosse, como dissemos no início,
predominantemente rural. Os jornais deixam claro o temor da classe dominante com os pretos
que se misturavam na feira livre que invadia a cidade, trazendo desordem e a percepção, por
parte destes, da origem rural e, por isto mesmo, “incivilizada” desta parcela majoritária da
população feirense. Exemplo disso é a visão do jornal Folha do Norte a respeito das
“Melindrosas”, usando em suas matérias sobre o bloco adjetivos como “ignorância” e
“desordem”.
A criação, na gestão de Francisco Pinto (PSD, 1963-1964), de um tanque público para
as lavadeiras, deixou ver as tentativas de “modernização” da cidade: a roupa que antes se
lavava na água que brotava da terra em vários pontos da cidade, passou para poucos tanques
de cimento com “inspetores” para cuidar do patrimônio público. As melhorias estruturais
trouxeram consigo uma disciplina do trabalho não acordada com aquelas mulheres e que
ordenava espaços marcadamente negros e populares, impondo uma modificação na
organização do trabalho construída pelas próprias lavadeiras.
Esses conflitos estão postos na pesquisa de Santa Bárbara, seja através da imposição,
pela classe dominante, de uma “civilidade”, seja das próprias modificações nos costumes dos
dominantes e dominados, pois estavam em conflito cotidianamente. Este estudo nos mostra a
complexidade de uma parte classe trabalhadora feirense, através das estratégias de resistência
de um grupo de trabalhadoras que não batiam cartão nem tinham quem as vigiasse de perto e,
nem por isso, estavam livres da relação de dominação, de classe, raça e de gênero.
46

Ainda sobre clivagens de gênero, classe e raça, temos o estudo de Kleber Simões.38 Ao
analisar as mudanças no padrão de comportamento do homem feirense entre 1918 e 1938, o
autor mostra como o Código de Posturas do Município de 1937, cerceia os espaços onde antes
era permitida a circulação de animais e carroças. Isso foi emblema de um processo mais
amplo de modificar o comportamento da população feirense, atravessada pela dicotomia entre
espaço público e privado: práticas populares como os festejos ou mesmo o passeio de animais
pelas ruas vieram junto com o aumento das críticas aos “moleques” que circulavam nas ruas
sem a atenção dos pais.
Esse controle da sociabilidade mais espontânea, transformando-a em “perigo” e
“violência”, foi parte da tentativa de cercear as práticas dos subalternos no espaço urbano de
Feira de Santana. Simões também destaca o aumento das notícias que criticavam o candomblé
ou quaisquer manifestações religiosas de matriz africana. Ao tentar cercear a masculinidade
costumeira dos que estava cotidianamente nas ruas – através também do elogio aos homens
elegantes, que circulavam de automóveis e eram gentis com as damas – a “elite feirense”
atingiu não só o modo como se relacionavam os gêneros, mas também a participação popular
na construção do espaço urbano.
Essa circunscrição dos espaços populares e de gênero ganha outros contornos na
dissertação de Eronize Souza. Ela estudou o discurso da “modernidade”, entre 1930 e 1950,
que tinha forte sustentáculo na condenação da violência, vista como obstáculo à ordem
pública.39 Ainda que a autora não tenha estudado subalternos, concentrando-se na constituição
do poder policial e judiciário nesse período, interessa-nos suas observações sobre brigas
envolvendo trabalhadores.
A autora identifica, durante a década de 1940, um aumento no fluxo migratório para
Feira de Santana e a relação que a imprensa local fazia deste movimento migratório com o
aumento da violência. Ao investigar essa relação, Souza descobriu que as brigas envolvendo
migrantes não superavam as que envolviam os “feirenses natos”, mostrando como parte dos
dominantes tentava caracterizar os que chegavam na cidade.
Interessa-nos também neste trabalho os lugares onde estavam a maioria desses
migrantes: nos bairros periféricos e, alguns deles, proprietários de pequenos comércios no
centro da cidade. Eles são encontrados pela autora através das páginas policiais dos jornais e
dos processos criminais, indicando qual lugar lhes coube nos conflitos pela Feira de Santana

38
SIMÕES, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade masculina em
Feira de Santana (1918-1938). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em História), 2007.
39
SOUZA, Eronize Lima. Prosas da valentia: violência e modernidade na Princesa do Sertão (1930-1950).
Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em História), 2008.
47

almejada como “moderna” por grupos que nela também moravam. Ao dizer que a valentia, e
as brigas como sua expressão mais comum, era um dos componentes do “macho nordestino”,
a autora aponta para os conflitos entre os trabalhadores recém-chegados na cidade e a ordem
que parte dos dominantes tentava estabelecer.
Os trabalhadores do campo, também parte da classe trabalhadora feirense, foram
objeto de estudo de duas outras autoras. Uma delas, Larissa Pacheco, trata das práticas,
comportamentos e costumes dos pequenos comerciantes de alimentos que trabalhavam nas
feiras livres da cidade entre 1960 e 1990. Esses sujeitos transitavam entre o espaço rural e o
urbano e isso era determinado pela própria condição de feirante. Nesse trabalho, as relações
entre rural e urbano estão presentes todo o tempo. A própria feira livre nas ruas da cidade era
uma junção entre práticas rurais e urbanas. Enquanto ponto de controvérsia entre os
dominantes, a feira livre passou por processos de modificação, tanto no que diz respeito a
políticas públicas, quanto nas formas de resistência dos feirantes.
Destacamos aqui as transformações ocorridas entre as décadas de 1960 e 1970.
Mesmo antes da ditadura militar, os dominantes reagiram às práticas populares – vide as
feiras livres como forma de popular de mercar – tentando impor disciplina. A transferência da
Feira, em 1977, para as instalações do atual Centro de Abastecimento de Feira de Santana
(CAF), vinha em um ambiente de pressão para as modificações necessárias nas formas de
gerar lucro, do qual faziam parte a crescente industrialização e a instalação do Centro de
Industrial do Subaé (CIS).
A reorganização urbana de Feira de Santana interferiu na circulação de produtos
oriundos do campo, como é o caso da transferência da feira livre, que ocupava as principais
ruas do centro da cidade. Em seu lugar, foi construído o CAF, numa tentativa de “agrupar” os
feirantes “espalhados” pelas ruas da agora “moderna” cidade. Aquele local de trabalho, e
também de identidade e sociabilidade de uma parte significativa da classe trabalhadora
feirense, foi transferido para outro local, construído sob os brados de “modernidade” e
“progresso” desejados pelos grupos sociais dominantes de Feira de Santana. Ainda assim,
muitos feirantes voltaram para as ruas da cidade e outros nem mesmo saíram delas. Foram
constantes as negociações destes com os comerciantes, com quem dividiam parte do espaço
público, e com a própria prefeitura, nas tentativas de convivência do mercado formal e
informal.
Essa acusação da feira ser desorganizadora do espaço urbano era antiga, mas ganhou
força em uma época de propalado discurso do progresso do país – “Pra frente, Brasil!” – que,
em Feira de Santana, já tinha modificado o comércio de gado. As práticas tradicionais dos
48

populares se chocaram também, a certa altura, com novas maneiras de lucrar, através da vinda
de grandes redes de supermercado para a cidade. Tal processo pode ser interpretado como
uma tentativa de remover as características rurais do centro urbano e deslocá-las para lugares
periféricos da cidade. O CAF, destinado às vendas em atacado, foi construído com estrutura
que não permitia mais a antiga “algazarra” da feira livre.40
A segunda autora, Andréa Silva, estudou as modificações nas relações familiares e de
trabalho entre os camponeses de Humildes, entre 1948 e 1960, a partir da reconstrução da
estrada Bahia-Feira. Esse distrito de Feira de Santana, cortado pelo que se chama hoje de BR-
324, era um dos produtores de farinha da região. Na época estudada, a posse da terra
determinava se a vida dos camponeses seria mais ou menos estável.
Ainda se produzia farinha no forno a lenha, com água da fonte e sem energia elétrica.
A chegada da estrada modificou o cenário rural: fazendas e roças foram substituídas por
indústrias e postos de combustível. Também, houve demanda por mão-de-obra, suprida, em
sua maioria, pelos camponeses de Humildes que não tinham posse da terra nem da casa de
farinha. Porém, esses empregos, além de não registrados e mal remunerados, tinham
pagamento incerto. Isso significou o distanciamento de alguns membros do núcleo familiar
das atividades tradicionais de subsistência, basicamente a produção da farinha e atividade
agropecuária.
Com isso, a quantidade de famílias no trabalho rural diminuiu, pois boa parte dos
empregados nos postos de combustível permaneceu lá depois do término da construção da
estrada. As relações de trabalho no processo de produção da farinha estavam ligadas à
manutenção dos laços familiares. E os empregos disponíveis, tanto durante a construção da
estrada quanto depois desta, estavam nos moldes de compra e venda da força de trabalho
individual. Além do que, tais ocupações eram predominantemente masculinas: motorista,
pedreiro e frentista, dentre outros. Assim, a resistência de muitas famílias contra a
desapropriação das terras (suas ou de outrem) foi também uma resistência contra as
modificações drásticas de todo um modo de vida e trabalho.41
Todos os trabalhos comentados aqui deixam ver uma Feira de Santana perpassada
pelos binômios urbano/rural-atrasado/moderno que, no discurso dominante, eram sinônimos.
Os autores mostram que a constituição do espaço urbano da cidade não se deu por sobre o

40
PACHECO, Larissa P. B. Trabalho e costume de feirantes de alimentos: pequenos comerciantes e
regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Dissertação de Mestrado. Feira de Santana:
UEFS, 2009.
41
SILVA, Andréa Santos Teixeira. Entre a casa de farinha e a estrada Bahia-Feira: experiências camponesas
de conflito e sociabilidade na garantia da sobrevivência, Feira de Santana (1948-1960). Dissertação de Mestrado.
Salvador: UFBA, 2008.
49

campo, mas em relação com ele. Na tentativa de pôr Feira de Santana como cidade do
progresso, a divisão entre atrasado e moderno foi mais um recurso discursivo do que uma
clivagem que se impunha nas relações sociais – como, de resto, são as visões que estabelecem
etapas de desenvolvimento nos processos históricos.
À exceção dos trabalhos de Kleber Simões e Eronize Souza – certamente porque não
versam sobre trabalhadores – os outros autores deixam ver conflitos de classe que, em certos
momentos, não se ampliaram a ponto de ocuparem o espaço público, e, em outros momentos,
eram levados a instâncias formais, quando é possível perceber relações de confiança entre
dominantes e dominados. Isso indica um padrão nas práticas organizativas da classe
trabalhadora feirense, que persiste no período estudado por nós. Veremos como esse padrão é
posto à prova com as lutas pelo solo urbano de Feira de Santana.

1.5 – Migrações e conflitos urbanos (projetos, sujeitos, resistências)

Feira de Santana é conhecida como “cidade-entroncamento”. Na linguagem cotidiana,


pode-se ouvir falar em “terra de Exu”, “lugar de passagem”, “chega-e-sai” e outras definições
que remetem a uma cidade com grande população pendular, além de ser composta por muitas
pessoas nascidas em outros locais. Essa forte característica da cidade pode ser percebida tanto
nos dias de segunda-feira, quando a cidade se enche de compradores, quanto nos muitos
moradores nascidos aqui, cujos pais são naturais de outros lugares.
Na política feirense também estão os migrantes. Segundo uma edição do jornal Feira
Hoje de 1987, desde 1973 não havia um prefeito nascido na cidade, bem como 12 dos 19
vereadores eram de outras cidades, em sua maioria do Nordeste.42 De lá para cá, apenas
Tarcisio Pimenta, o atual prefeito, e João Durval Carneiro são feirenses.
O fluxo migratório em terras feirenses é constante desde sua formação enquanto local
que abrigava vaqueiros e tropeiros que vinham para a feira de gado. Posteriormente, o
desenvolvimento de atividades comerciais e clima tido como favorável à cura de doenças
respiratórias, foram fortes motivos da vinda de outras pessoas.43 Porém, a intensificação da
migração nas décadas de 1960 e 1970 inaugurou a vinda de famílias que haviam sido expulsas

42
“Constelação de migrantes”. Jornal Feira Hoje, 05 de setembro de 1987, Caderno Especial 17 anos do Feira
Hoje, p.5
43
MORAIS, ALDO José. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana. Elementos para o estudo da
construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1927). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em
História), 2000. O autor estuda a construção do discurso de Feira de Santana como “cidade saudável”.
50

do campo por diversos motivos articulados entre si: as secas nas regiões próximas a Feira de
Santana, o aumento da concentração de terras para atividades agropecuárias, a conseqüente
tomada de pequenas propriedades familiares, a falta de emprego pela mecanização das
atividades no campo. Larissa Pacheco nos fala sobre avaliação de técnicos da SUDENE, em
1985, acerca das transformações no campo na região de Feira de Santana devido ao projeto de
industrialização articulado nacionalmente:

As áreas de pastagens na chamada micro-região


(subsistema urbano regional de Feira de Santana), na
qual Feira de Santana ocupava lugar de núcleo, tenderam
a crescer a partir da década de 1960 e a população rural
decresceu. Vários são os fatores apontados como
causadores destas mudanças, mas o principal deles,
segundo a avaliação da SUDENE, é a extensão de
práticas mais modernas nas atividades rurais de toda a
região, indo desde a mineração, cultura de café,
agricultura de cereais à pecuária melhorada. 44

Feira de Santana, também chamada de “Princesa do Sertão”45, é passagem obrigatória


de quem vem de outros estados do Nordeste e de cidades do norte da Bahia para o Sudeste.
Muitas famílias que tinham como destino capitais de outros estados, ficaram em Feira de
Santana pela dificuldade financeira de continuar a viagem.46
No processo de industrialização planejada da cidade a partir dos anos 1960, com os
investimentos estatais de “desconcentração industrial” a que se integrou, sua característica de
entroncamento de importância nacional foi incrementada com as rodovias asfaltadas que
cruzaram a cidade, inclusive a BR-324, que a liga à capital do estado, Salvador. O
crescimento de Feira de Santana acompanhou o curso das estradas, nas direções norte, sul,
oeste e sudoeste. A localização da cidade propiciou, por exemplo, a distribuição da energia
elétrica vinda de Paulo Afonso em direção a Salvador, permitindo a instalação de fábricas de
maior porte.47

44
PACHECO, op. Cit. P.32, sobre: MELO E SILVA, Sylvio C. Bandeira. SILVA, Bárbara. LEÂO, Sônia de
Oliveira. O subsistema Urbano-regional de Feira de Santana. SUDENE, 1985.p. 84.
45
Nome que foi destacado de um discurso de Ruy Barbosa em visita à cidade, em 1919.
46
Muitos dos migrantes entrevistados pelo Jornal Feira Hoje diziam ter ficado na cidade por não terem
conseguido chegar a seu destino, São Paulo, ou mesmo voltar ao seu local de origem. Indicativo disso era a
concentração de migrantes próximo à Rodoviária, abrigando-se debaixo de árvores.
47
Todo o parágrafo foi baseado em FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana: influência
da industrialização, 1970 - 1996. Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), 1998
e CRUZ, Rossine Cerqueira da. A inserção de Feira de Santana (BA) nos processos de integração produtiva e
de desconcentração econômica nacional. Campinas: Unicamp (Tese de Doutorado em Economia), 1999.
51

Apesar de intensificado nos anos 1970, esse processo não começou nessa década. A
partir de fins dos anos 1950, a média de crescimento populacional em Feira de Santana é de
aproximadamente 21% por década (1960, 1970, 1980) – número que indica a acorrida de
moradores que vieram de outros lugares. Simultaneamente, a população rural dos estados
brasileiros com crescimento industrial significativo caiu progressivamente. Feira de Santana
superou as médias estadual e nacional de taxa de urbanização, de crescimento populacional e
também de densidade demográfica, chegando ao início da década de 1980 com a média de 89
habitantes por km2 e, dez anos depois, com 301,97 hab/km2. 48
Tais transformações extrapolaram os limites estruturais da cidade. A área circunscrita
pelo “anel de contorno” – prevista pelo Plano de Desenvolvimento Local e Integrado (PDLI)
para ser o núcleo urbano da cidade – não foi suficiente para o número de ocupações feitas
pelos desabrigados e para os planos habitacionais promovidos pelo Estado. Além das
dificuldades em encontrar moradia em Feira de Santana, era também difícil conseguir
emprego. Vemos como isso se estende até a década seguinte em uma curta frase que Oyama
Figueiredo, dono de uma construtora e hoje nome de um dos conjuntos habitacionais da
cidade, disse em 1985, ao ser questionado sobre investimentos em construções de imóveis na
cidade: “O mercado de Feira [...] é barato devido à mão-de-obra disponível”.49
Nos anos de 1970 e 1980, cresceu o número de empregados na indústria, comércio,
serviços e transporte, sendo que, na agricultura, o número caiu para menos da metade. Essa
condição indica tanto a diversificação da classe trabalhadora, como uma maior
complexificação das tensões sociais na história recente da cidade. O espaço urbano se
modificou intensamente: com recursos públicos, abriu-se espaço para o tráfego de carros, com
novas avenidas e conjuntos habitacionais “populares”, bem como se ampliaram os problemas
com esgoto e lixo nas ruas. Percebe-se inclusive uma concentração de trabalhadores do
Centro Industrial do Subaé (CIS) e do serviço público, desde fins da década de 1960 até fins
dos anos 1980, nesses bairros planejados de norte a sul da cidade, cujas casas eram
financiadas tanto pelo Estado quanto por iniciativa privada com o apoio daquele. Na década
de 1980, já era consolidada a posição de Feira de Santana como segundo pólo urbano do
estado da Bahia.50
Se essa apresentação genérica das modificações na cidade a partir da década de 1960
diz algo sobre a vinda de migrantes, não nos permite saber em quais condições estes sobre-

48
Todo o parágrafo foi baseado em FREITAS, 1998, p.120 et seq.
49
“Mais de 600 casas para os trabalhadores do CIS”. Jornal Feira Hoje, 13 de dezembro de 1985, p. 2.
50
CRUZ, 1999 e FREITAS 1998, passim.
52

viveram em Feira de Santana. O planejamento da industrialização não pretendeu lidar com o


número de pessoas que chegavam, nem com seu assentamento aqui. A luta pelo solo urbano
opôs a institucionalidade privada e pública àqueles genericamente chamados “forasteiros”.
Em balanço sobre a década de 1970, o Feira Hoje diz: “Dos moradores da cidade de
Feira, 42,06 por cento são feirenses natos, 49,3 por cento nasceram em outras cidades da
Bahia e 8,63 por cento vieram de outros Estados.”51 Esta curta matéria, ao tratar de três
pesquisas diferentes sobre o crescimento populacional da cidade, indica as tentativas de
interesses distintos em entender tal fenômeno e o resultado dele, este sim consensual: o fluxo
migratório modificara drasticamente a cidade.52 Entretanto, a migração não modificou, por si
só, a história de Feira de Santana. Diferente disso, ela fez parte de um processo articulado
nacionalmente, viabilizado aqui por empresários locais e pelo executivo municipal, e posto no
rol do projeto de reordenamento da cidade para o genérico “progresso”.
Vejamos, em linhas gerais, como a migração guarda relações com as modificações
projetadas para Feira de Santana. Em primeiro lugar, a classe dominante (ou parte dela) se
articulou, dentre outras maneiras, em associações, para garantir que houvesse um pólo
industrial na cidade. De início havia reivindicação de um “bairro industrial” e, posteriormente,
tomou corpo o CIS, que foi autarquia municipal até início da década de 1980, bem como as
tentativas dos industriais de estabilizar a política de industrialização e fortalecer o CIS se
davam diretamente com a prefeitura.53
Para tanto, as mudanças estruturais se estenderam não somente à área do CIS. Medidas
de racionalização para a cidade criaram o PDLI, o Plano Diretor, o Código de Posturas e o
Projeto Cabana, a fim de reordenar o espaço urbano e controlar as manifestações populares,
que tinham a feira como espaço privilegiado.54 A extinção desse espaço cumpria a dupla
tarefa de reordenar o mercado de alimentos e “limpar” a cidade. O projeto urbanístico para
Feira de Santana se chocava com o modo organizativo da feira livre.

51
“Três versões para a população”. Jornal Feira Hoje, 30 de dezembro de 1979, Edição Especial Anos 70, p.2.
52
As três fontes são: o BNH, “pesquisadores independentes” e Paulo Brandão, “especialista em mercados
baianos”. Este último dividiu a população feirense em classes A, B1, B2, C1, C2 e D, que abarca 57,8% da
população e vivia com, no máximo, 3 salários mínimos. “Três versões”... idem.
53
MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses hegemônicos na margem da periferia. Ação política de dirigentes
industriais em Feira de Santana (1963-1983). Feira de Santana: UEFS, (Dissertação de Mestrado em História),
2009, passim.
54
A intensificação de ações para racionalizar o espaço urbano se deu na gestão de João Durval (ARENA, 1967-
1971), – precedida e sucedida por gestões da ARENA – cujo prestígio político aumentou com o CIS enquanto
autarquia municipal. Sobre as disputas dentro da classe dominante acerca dos rumos do planejamento estatal da
cidade, cf. LOPES, Guilherme A. S. Pequenas disputas, grandes desdobramentos: um debate sobre as
particularidades da hegemonia. In: I SEMINÁRIO DE PESQUISA DO LABELU. Feira de Santana: UEFS, 2006
(Sem publicação); VALENTE, Andrei B. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o período de
industrialização em Feira de Santana. In: I SEMINÁRIO DE PESQUISA DO LABELU. Feira de Santana:
UEFS, 2006 (Sem publicação); MONTEIRO, Jhonatas, op cit.
53

À medida que ocorrem mudanças na legislação, as


relações sociais dos feirantes com a classe dominante vão
se alterando e o comportamento frente à organização da
feira livre também. Muitas destas pessoas sentiram-se
cada vez mais lesadas, pois obviamente recai sobre os
pequenos comerciantes a maior parte das posturas
municipais. Ainda, o estreitamento das oportunidades no
mercado de trabalho e o crescimento do dito trabalho
informal construíram novas experimentações de
disposição da feira nas ruas entre os comerciantes
tradicionais e os chamados forasteiros. Como os próprios
feirantes disseram nas entrevistas, a facilidade em
comprar os produtos com atacadistas para vender nas
ruas trouxe cada vez mais migrantes para o trabalho na
feira, oportunidade que parecia mais possível no mercado
de trabalho. Por entre estas contradições, os governos
locais foram construindo lentamente a mudança mais
radical na feira.55

Era lugar-comum a imprensa local, e alguns políticos através dela, porem a culpa da
sujeira, “ladroagem” e “mau comportamento” na feira livre, que se espalhava entre as duas
mais importantes ruas da cidade, e seguia seu curso anti-civilizatório debaixo dos olhos da
sede da prefeitura e da Igreja Senhor dos Passos. Importante lembrar o viés racista dos
defensores do progresso, já que os que o “obstaculizaram” foram negros/mestiços/migrantes
com suas práticas populares de relacionar o público, o privado e, entre eles, a política.
Ainda hoje, em Feira de Santana, a “urbanização” é o carro-chefe dos governos
municipais. As duas gestões de José Ronaldo de Carvalho (PFL/DEM, 2000 - 2008) ficaram
marcadas pelo asfaltamento de ruas, prolongamento de duas das principais avenidas e, por
fim, a construção de viadutos. O prefeito atual, Tarcísio Pimenta (DEM), continua a linha
sucessória do anterior, tendo como assunto único nas entrevistas em rádios a construção de
um Centro Administrativo56, abertura de novas ruas/artérias, construção de condomínios e
casas, deixando de fora as necessidades básicas pelas quais os subalternos não podem pagar.
Os jornais locais, Folha do Norte e Feira Hoje, compartilhavam o incômodo com a
população, a fim de haver base social para realizar a urbanização de tipo brasiliense em Feira

55
PACHECO, 2009, op. cit., p. 116.
56
Interessante notar que em 1987 essa proposta já havia sido feita pelo prefeito José Falcão que, além disso,
intencionava transformar a sede da prefeitura em Museu Histórico de Feira de Santana. “O antigo pouso dos
tropeiros e vaqueiros é hoje um importante centro urbano com grandes problemas”. Jornal Feira Hoje, 16 de
junho de 1987, Caderno Especial 114 anos, p. 6 e 7.
54

de Santana. Impressões gerais na análise do Folha do Norte57 mostram: queixas de crimes,


transporte coletivo e esgoto sempre nos bairros periféricos, a exemplo da Queimadinha,
Brasília, Rua Nova, Tanque da Nação, Mangabeira. Entre as muitas notícias acerca dos
malefícios trazidos pelo “surto” de migração, destacamos uma que reclama das autoridades
um lugar para abrigar a grande quantidade de “loucos” nas ruas do centro da cidade. No fim
da notícia, “constata-se que maioria vem de cidades vizinhas”.58
Pode-se acompanhar a defesa da industrialização por parte dos setores dominantes e
intelectuais de Feira de Santana também através do jornal Feira Hoje:

os que lutam pela industrialização, os que querem a


universidade feirense e os que desejam o progresso social
podem contar com o nosso apoio entusiástico e integral. [...]
Temos a quase certeza de que surgirão uns poucos “inimigos”.
Os mesmos inimigos da tranqüilidade, do desenvolvimento, da
ordem e da justiça. Com êsses não transigiremos.59

Tanto no Feira Hoje quanto no Folha do Norte, é comum encontrarmos à exaustão


termos técnicos tais como “planejamento” e “integração”, que denunciam a incorporação do
projeto de racionalização da vida humana de maneira conservadora, tendo o centro urbano
como altar. Assim, tanto os que saíam do campo para comerciar, quanto os que vinham à
cidade por não ter alternativa, eram tratados como uma sujeira que persistia.
Entrementes, se os jornais tratavam de “situar” os migrantes e suas atividades na Feira
de Santana, outro órgão foi criado com a tarefa de educá-los para a vida na cidade: o Serviço
de Integração do Migrante (SIM).60 Seu diretor, Josué Mello, foi pró-reitor acadêmico da

57
Jornal udenista e, posteriormente, defensor da ditadura, cujo diretor, Hugo Navarro, foi vereador pela ARENA
entre 1967 e 1971. Fundado em 1909, o jornal pertenceu à família Navarro Silva por muito tempo. Esse
periódico é analisado por SANTOS, Grazyelle Reis dos. Literatura e cultura em Feira de Santana: práticas, usos
e tendências em impressos da Folha do Norte (1951-1969). Feira de Santana: UEFS (Dissertação de Mestrado
em Literatura), 2008. Esse jornal teve menos peso no nosso estudo porque, pelo seu caráter mais conservador
que o Feira Hoje não quase não noticiou as muitas mobilizações de trabalhadores no período pesquisado. O
Feira Hoje, ao contrário, permitiu traçar um panorama das lutas em Feira de Santana e será tratado em seção
específica do próximo capítulo.
58
“Feira paraíso dos loucos”. Jornal Folha do Norte, 11 de março de 1977, p.3.
59
“Chegamos” (Editorial da edição inaugural). Jornal Feira Hoje, 05 de setembro de 1970, p.2. Durante a
década de 1970 o jornal defende entusiasticamente a industrialização e a modernização, em que pese
discordâncias acerca de como se deu o processo. Cf. PACHECO, op. cit., capítulo 3; MONTEIRO, op. cit.
capítulo 3.
60
Charlene Brito estudou o SIM e outra entidade criada antes dele, a AFAS. Ambas tiveram apoio do poder
público e de empresas privadas. A primeira realizou trabalhos com migrantes por mais de duas décadas. Ela
estuda a influência da ética protestante na prática de capacitação do migrante enquanto profissional, ao oferecer
ensino secular, profissional e religioso, defendendo o trabalho como vocação humana e transformador da vida.
Brito vê as duas entidades como aparelhos de conformação dos trabalhadores na disciplina capitalista do
trabalho. Cf. BRITO, Charlene José. Presença Protestante Progressista em Feira de Santana: um Trabalho
55

UEFS na década de 1980 e reitor da mesma na década seguinte. No aniversário da cidade em


1984 proferiu um discurso na Câmara dos Vereadores intitulado “Cidade do futuro”.
Presbiteriano e ecumenista, Josué Mello era articulado também com outras denominações
religiosas, com o Movimento de Organização Comunitária (MOC)61 e com organizações
estrangeiras, que apoiaram o SIM. Das últimas, tinha apoio financeiro, com as primeiras
reforçava seu empreendimento cristão a favor dos pobres. Além do que, este órgão tirava
esses sujeitos das ruas, ajudando o executivo municipal e os comerciantes, cujas portas de
lojas eram ponto de mendicância.
É possível que a “ética protestante” do SIM, ao justificar os cursos profissionalizantes
para migrantes sob o ditado bíblico “o trabalho dignifica o homem” (até os forasteiros tinham
vez na Princesa que a todos abrigava e dava oportunidades de crescer), tenha ajudado a
individualizar o problema da mendicância e da falta de habitação, reforçada pelos jornais
locais. Grosso modo: o governo ofereceu habitações populares, fez sua parte; os que se
esforçaram através do trabalho conseguiram comprar uma. Tal individualização do problema
pode ter sido resultado (ou justificativa) para os conjuntos habitacionais “populares” terem
como moradores quem possuía renda fixa. As casas foram construídas para garantir moradia à
classe média que, potencialmente, poderia se insurgir através de manifestações públicas em
defesa de habitações.
Das casas construídas pela empresa Habitação e Urbanização da Bahia S.A. (URBIS),
apenas as do Feira III (hoje JOMAFA) e Feira V não tinham reboco e as demais tinham
acabamento grosseiro. As primeiras casas financiadas por esse agente estadual foram as dos
conjuntos Feira I e Feira II62 (posteriormente fundidas sob o nome Cidade Nova), cujas
construções foram iniciadas na gestão de Joselito Amorim (ARENA, 1964-1967), que havia
sido Diretor Presidente da URBIS e da Companhia de Habitação Popular (COHAB) em
Salvador.63 Com critérios de localização que não obedeceram ao Plano Diretor da cidade e
sim o mercado imobiliário, a URBIS exigia renda fixa de dois a dez salários mínimos, a
depender da área do imóvel. Sobre essa exigência, Roberto Lima diz:

Ecumênico de Ação Social (1970 -1990). Feira de Santana: UEFS (Monografia de Graduação em História),
2008.
61
Ao longo da pesquisa documental encontramos o SIM como local de diversas reuniões do STR-FSA –
sindicato tomado das mãos dos fazendeiros pelos trabalhadores rurais com forte apoio do MOC.
62
Inaugurados em 1968 e 1970, respectivamente, na gestão de João Durval são denominados em alguns textos
como Trabalhador I e Trabalhador II.
63
ALMEIDA, 2006, op. cit., p. 165. Joselito Amorim, presidente da Câmara de Vereadores em 1964, assumiu a
prefeitura no lugar de Chico Pinto, prefeito deposto pela ditadura militar no mês de maio.
56

Em 1989 havia 5.063 unidades de conjuntos habitacionais,


financiados com recursos da Caixa Econômica Federal, que
não estavam sendo ocupadas por falta de candidatos com renda
compatível com o empreendimento64

O INOCOOP, também empresa estatal, exigia renda fixa a partir de dez salários
mínimos. Não à toa, a maioria dos conjuntos construídos por ele estão situados próximos ao
centro da cidade.65 Além de também ter construído apartamentos, as unidades do INOCOOP
eram mais bem acabadas que as da URBIS.
Até aqui havia intervenção do Estado na estrutura habitacional de Feira de Santana,
que privilegiava em sua maioria, funcionários públicos do estado da Bahia e suas famílias. Foi
a inclusão de parte da sociedade que podia pagar, através do parcelamento mensal, habitações.
Simultaneamente, dos espaços urbanos foram excluídos os que não poderiam pagar as
habitações, nem mesmo através do crédito. Mike Davis, que traça um quadro global do
processo de favelização a partir da segunda metade do século XX, nos fala: “A ‘usurpação’
pela classe média de moradias públicas ou subsidiadas pelo Estado, como dizem os
especialistas em habitação, tornou-se um fenômeno quase universal.”66
Ao fim e ao cabo, as habitações chamadas “populares” parecem ter sido uma ofensiva
contra os pobres. Aos que não tinham renda fixa mínima, ficou a pecha de invasores, culpados
pelo crescimento da periferia e da fealdade de Feira de Santana. Assim como a culpa do lixo
espalhado em todos os bairros era dos mal-educados e não do conjunto de ações do Estado
que pretendia fazer crescer a economia e seus lucros, sem pensar nas habitações para os que a
sustentariam. Estes últimos fizeram crescer o mercado informal (primo pobre do mercado
formal) e ocuparam as faixas de terras que julgaram habitáveis.

1.5.1 – O PLANOLAR e as disputas em torno dos bairros

Quase dez anos depois da primeira intervenção estatal no espaço habitacional feirense,
em 1977 foi criado o PLANOLAR, órgão municipal com o objetivo de suprir a demanda de
habitação dos que não possuíam renda fixa através da doação de lotes e, em alguns casos,

64
LIMA, Roberto Luiz de Cerqueira. A ocupação da periferia em Feira de Santana. O perfil sócio-econômico
do bairro George Américo. Monografia de conclusão de graduação em Bacharelado em Ciências Econômicas.
Feira de Santana: UEFS, 1994, p.58.
65
Dois desses conjuntos – Centenário e Milton Gomes – mais o Condomínio José Falcão foram construídos
sobre o aterramento da Lagoa do Prato raso, uma das maiores existentes na cidade.
66
DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006, p.73.
57

empréstimo de material básico para a construção das casas.67 Mesmo sendo o PLANOLAR
quem avaliava e propunha quais áreas da cidade seriam destinadas a conjuntos habitacionais
para os de baixa renda, em alguns casos órgão agia de acordo com a demanda da população.68
Fundado no primeiro ano da primeira gestão de Colbert Martins (MDB, 1977-1982), o
PLANOLAR fazia parte do tipo de gestão pela qual Colbert Martins ainda hoje é lembrado.
Colbert Martins tinha conhecimento técnico sobre urbanização, bem como já conhecia
as áreas de Feira de Santana: no governo de Francisco Pinto – comumente conhecido como
Chico Pinto, que governou entre 1963 e 1964 –, do qual era herdeiro político, dirigiu a
Secretaria de Viação e Obras Públicas; no primeiro governo de José Falcão (MDB, 1973-
1977), outro herdeiro político de Chico Pinto, dirigiu a Superintendência de Urbanização de
Feira de Santana (SURFEIRA).69 Podemos perceber que a criação do PLANOLAR pertence a
um certo modo de pensar o planejamento urbano da cidade, aliado à relação com a classe
trabalhadora, que certamente foi iniciado ainda na gestão de Chico Pinto.
Logo após assumir o cargo de prefeito, Colbert Martins: estabeleceu as terças-feiras
como dias de atendimento ao público, desde trabalhadores com problemas nos locais de
moradia ou no trabalho, até empresários;70 anunciou que, sem “obstaculizar” a
industrialização, ia criar “melhorias” para os trabalhadores: ciclovias que ligassem o Centro
ao CIS e conjuntos habitacionais próximos a este último.71
A relação dos industriais com o então prefeito era atravessada pela oposição entre
ARENA e MDB, visto que aquela foi mediadora do processo de industrialização e
reordenamento urbano de Feira de Santana. Indicativo disso foram as tentativas de
estadualização do CIS após Colbert Martins ter assumido o cargo. Sobre a gestão do território
municipal, houve uma contenda entre Centro das Indústrias de Feira de Santana (CIFS) e
prefeitura acerca da construção de um conjunto do PLANOLAR entre duas indústrias, às

67
Temos informações acerca dos critérios de recebimento de terreno e material apenas na segunda gestão de
Colbert Martins (1989-1992): para material, era necessário ter renda de um salário mínimo; para terreno, era
necessário não possuir imóvel em Feira de Santana. Para ambos, quem tivesse mais filhos, tinha prioridade. Cf.
“Eu tento corrigir um pouco o mar de lama”. Entrevista de Ildes Ferreira. Jornal Feira Hoje, 26 de agosto de
1990, p.2.
68
A exemplo do transbordamento da Lagoa da Pindoba, causado por fortes chuvas de verão, cuja consequência
foi o alagamento de parte das casas do Novo Horizonte. O PLANOLAR doou uma área no mesmo bairro, mais
afastada da lagoa, onde os moradores construíram barracos de lona por não terem condições de construir. Colbert
Martins alegou que a prefeitura não tinha condições de doar material de construção. “Desabrigados recebem
lotes da prefeitura”. Jornal Feira Hoje, 12 de março de 1980, p.3.
69
“‘Acabou a eleição, vamos administrar!’”. Entrevista com Colbert Martins. Revista Panorama, ano 6, nº 113,
30 de nov. 1988, p.3.
70
“Audiências”. Jornal Folha do Norte, 02 de março de 1977, p.1. No início da década de 80 ainda encontramos
esse tipo de “encontro público”, assim como na sua segunda gestão, como veremos ainda nesta seção, cf.
“Audiências”, Jornal Feira Hoje, 15 de janeiro de 1980, p.2.
71
“Colbert planeja ciclovias”. Jornal Folha do Norte, 11 de março de 1977, p.1.
58

margens da BR-324. Os lotes já haviam sido distribuídos e muitos moradores já construíam


casas de madeira, enquanto não chegavam os materiais prometidos pela prefeitura. O CIFS
alegava que um núcleo residencial próximo às empresas e às margens da BR traria problemas
sociais relacionados a saúde e segurança. A prefeitura dizia que moradores do conjunto
poderiam trabalhar nas indústrias e não precisariam pagar transporte para chegarem até lá.72
O conflito de interesses se deu: pelos industriais, no medo do possível pagamento de
indenizações por conseqüência da poluição das indústrias, além, certamente, da recusa em ter
“invasores” como vizinhos; pela prefeitura, tentando política de conciliação entre capital e
trabalhadores habitantes da cidade, além de tentar contornar o problema do já caótico sistema
de transporte coletivo da cidade. Tudo isso fazia parte do conjunto de medidas de
conformação dos trabalhadores à exploração, nos moldes como se deram outros conflitos
durante as duas gestões de Colbert Martins: patrão “morde”, prefeito “assopra”. Um dos
moradores do local, Mário Santos disse que “se houvesse algum perigo, o prefeito não iria
colocar tanta gente aqui.”73
A gestão de Colbert Martins se deu em um contexto de mudanças importante no país –
recuo da ditadura com anistia e greves operárias no ABC paulista, fundação do PT – e ela
mesma se apresentava como novidade, por querer fazer um governo popular. Em 1979 a
Comissão Provisória de Fundação do PT se reuniu com Colbert Martins e declarou apoio a
sua gestão, desde que se mantivessem “seus compromissos com os interesses populares e o
avanço das lutas dos trabalhadores.”74 Reconhecida pelo núcleo do PT como popular e de
oposição, a gestão ganhava mais um aliado. Posteriormente, o PT romperia com o MDB e
denominaria a política de Colbert Martins e seus aliados como “populismo de esquerda”.75
Ainda assim, havia reconhecimento da capacidade de articulação política de Colbert Martins.
José Rocha, então militante do PT, ao contar sobre o compromisso cumprido por Colbert
Martins de não renovar o contrato de uma indústria que funcionava próxima a moradias do
bairro Campo Limpo, diz: “o cara podia ter lá os seus defeitos, mas era retado”.76
Colbert Martins não estava sozinho na sua maneira de lidar com os
trabalhadores/migrantes mais pobres. O primeiro diretor do PLANOLAR foi Albertino

72
“Prefeito diz que construção de residências não será problema”. Jornal Feira Hoje, 16 de abril de 1980, p.3
73
“Prefeito diz”... Idem, ibidem.
74
“Núcleo local do PT firma compromisso com Colbert”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de 1979, p.2.
Ainda, ciclo de debates do PT, em conjunto com eleição da coordenação provisória, tinha entre as propostas de
palestrantes o nome de Chico Pinto. Cf “Coordenação”. Jornal Feira Hoje, 15 de janeiro de 1980, p.2.
75
SANTOS, 2007, op. cit., capítulo 3.
76
Depoimento de José Rocha, op cit.
59

Carneiro, fundador do MOC e liderança influente em Feira de Santana.77 Em fins da década


de 1980, na segunda gestão de Colbert Martins, Ildes Ferreira, que também era diretor do
MOC, assumiu o a diretoria do PLANOLAR.78
O prestígio de ambos não era só político. Melhor seria dizer que o prestígio político
tinha fundamento também na capacidade de, através dos contatos realizados pelo MOC,
angariar recursos de instituições de fomento, bem como de terem próximos a si movimentos
sociais.79 Sobre a condução do PLANOLAR por Ildes Ferreira, Igor Santos diz que ele

[...] se destacou por ter conseguido baratear os custos de


construção de casas populares. Seu plano tinha influência
direta da visão de mundo do MOC: o desenvolvimento
comunitário. Em “parcerias” com movimentos sociais de
luta pela moradia, Ildes Ferreira conseguiu, através de
organizações internacionais, com o apoio do MOC,
crédito para construção de olarias, com as quais os sem-
teto poderiam produzir os tijolos e outros materiais para a
construção da casa própria.80

Apesar de todos os esforços para minorar o problema da falta de moradia em Feira de


Santana – que se traduziam em minorar as conseqüências funestas da expansão industrial e
comercial na cidade – os conjuntos habitacionais do PLANOLAR foram construídos na
periferia da cidade: seja conformando antigas ocupações, seja em terrenos próximos ao CIS,
prejudicando a saúde dos moradores. Uma interpretação para esse fato é encontrada na
bibliografia sobre Feira de Santana, que fala da institucionalização das favelas e aponta que
isso ocorreu nas cidades brasileiras cujo núcleo urbano se espraiou rapidamente, processo

77
Albertino Carneiro foi o presidente do SIM e do MOC, tendo atuado constantemente neste último. Durante a
ditadura, quando ainda era padre, abrigou alguns militantes que precisavam se esconder da repressão. Em
entrevista, ele diz que militância na JAC o marcou. Em 1982, seu nome foi apontado para ser candidato a
prefeito de Feira de Santana por moradores do Campo Limpo. A razão para isso, além de sua reconhecida
atuação no MOC, provavelmente foi a forte presença de uma Comunidade Eclesial de Base (CEB) no bairro. Cf.
Depoimento de Albertino Carneiro concedido a Elizete Silva e Luciane Almeida em 25 de fevereiro de 2007.
78
Ildes Ferreira, que também começou sua trajetória militante na Igreja católica, foi candidato a vice-prefeito em
1992 pelo PPS (com Luciano Ribeiro, PMDB, candidato a prefeito); foi vereador pelo PMDB de 1997 a 2000.
No primeiro governo Wagner (2007-2010), foi secretário de ciência e tecnologia, propondo a incorporação pelo
Estado da “tecnologia alternativa”, realizada por pequenos produtores rurais. As ações realizadas na secretaria
vieram de um longo período de aprendizagem com os trabalhadores rurais e formulações teóricas sobre suas
formas de subsistência.
79
O MOC, que desde seus primeiros anos apoiou movimentos de trabalhadores rurais, resolveu se voltar para os
movimentos citadinos, como veremos no próximo capítulo.
80
SANTOS, Igor Gomes. Na contramão do sentido: origens e trajetória do PT de Feira de Santana (BA) – 1979-
2000. Niterói: UFF (Dissertação de Mestrado em História), 2007, p. 285-286. No próximo capítulo falaremos
das influências do MOC em ações de trabalhadores.
60

articulado pela expansão do capitalismo para outros estados além do Sudeste.81 Sem
discordarmos desses autores, achamos que a colaboração estatal na expansão da periferia, no
caso do PLANOLAR, guarda relações com a política paternalista, desenvolvida em Feira de
Santana antes do golpe militar.
Entre abril de 1963 e o golpe de 1964, Chico Pinto foi prefeito de Feira de Santana.
Apesar do pouco tempo, sua gestão empreendeu mudanças significativas que envolviam
principalmente os subalternos, mas que não deixava de fora suas relações com os dominantes,
vide projetos que foram encaminhados pelo executivo e vetados pela Câmara Municipal.82
Dentre algumas mudanças durante sua gestão, podemos citar a construção do “tanque de
lavagem” para as lavadeiras que antes usavam lagoas/córregos;83 tentativa de construir um
local fixo de abastecimento de alimentos; tentativa de criação da “Farmácia do Povo” e do
orçamento municipal; regulamentação de oficinas que funcionavam em diferentes pontos da
cidade e/ou no meio da rua, além de criação de um lugar para agrupar todas elas. Entretanto, o
projeto que mais nos interessa aqui diz respeito à regulamentação e reformulação do mercado
de alimentos. Na intenção de diminuir os preços de alimentos e excluir do processo de
compra-e-venda os atravessadores, o executivo municipal criou um “centro de abastecimento
volante”, que levava aos bairros, em caminhões, os produtos básicos para serem vendidos
mais baratos – apenas aos filiados às associações de bairro.84
Note-se que, para esse novo modelo de mercado alimentício funcionar, era preciso
alguma ligação direta entre a prefeitura e os bairros, tanto para organizar o “centro de
abastecimento volante”, quanto para legitimar tal proposta entre os moradores. Quem fazia
esse trabalho era o administrador de bairro, além de viabilizar discussões com os moradores
sobre os projetos que a prefeitura proporia.
Portanto, os filiados à associação – que tinham o direito de comprar os alimentos nos
caminhões85 – tinham contato direto com essa liderança: as associações de bairros e seus
administradores estavam articulados com o projeto de mercado de alimentos. O

81
CALDAS Gessiene Oliveira. Espaços urbanos: uma produção popular. Salvador: UFBA, (Dissertação de
Mestrado em Arquitetura) 1998; CRUZ 1999, FREITAS, 1998, LIMA, 1994. Para uma visão mais ampliada do
problema, cf. DAVIS, Mike, op cit, p.71: “O papel minimalista dos governos nacionais na oferta de moradias foi
reforçado pela atual ortodoxia econômica neoliberal definida pelo FMI e pelo Banco Mundial. Os Planos de
Ajuste Estrutural (PAEs) impostos às nações endividadas no final dos anos 1970 e na década de 1980 exigiram a
redução dos programas governamentais e, muitas vezes, a privatização do mercado habitacional. Entretanto, o
Estado do bem-estar social do Terceiro Mundo já vinha fenecendo mesmo antes que os PAEs fizessem soar o
seu dobre fúnebre.”
82
Cf. PACHECO, op cit, capítulo 2.
83
SANTA BARBÁRA, op cit, capítulo 3.
84
Entrevista de Chico Pinto em NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia. História
oral e de vida política. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
85
Idem, p.142 et seq.
61

estabelecimento desse tipo de relação fazia com que o executivo municipal se “multiplicasse”
na cidade, ao mesmo tempo em que havia uma relação de proximidade sem a presença direta
e constante de Chico Pinto.

Inicialmente, organizamos a população em Associações


de Bairro, ainda inexistentes no município e criamos uma
Federação das Associações nascentes; nenhuma obra era
realizada na cidade sem uma discussão em cada bairro e
em praça pública, onde falavam, no início dos trabalhos,
o prefeito e alguns secretários, a fim de defender as
reformas de Base, programadas pelo governo de João
Goulart [...] com os acréscimos por nossa conta. Depois
saíamos de cena e era a vez dos moradores apresentarem
suas propostas sem nossa interferência e, depois, eram
votadas.86

Podemos ver que, além da mediação constante do administrador de bairro, havia


momento em que o executivo municipal se fazia presente nas discussões dos moradores.
Também, devemos notar que, ao contrário do que Chico Pinto afirma, havia sim a
interferência, pois a prerrogativa da pauta era do prefeito e seus secretários. Eles falavam
primeiro, indicando o rumo das discussões.
Ovídio Gonçalves87, publicou em 1982 um texto n’O Grito da Terra, criticando a
permanência dos administradores de bairro e denunciou que a gestão de José Falcão (MDB,
1973-1977) contratou, com pagamento de salário, administradores de bairros, escolhidos nas
manifestações públicas de moradores os que “mais se destacam”. A gestão Colbert Martins,
vigente quando da publicação do texto, não havia extinguido esse “cargo”, perpetuando o
atrelamento das lutas à vontade do poder público. O texto de Ovídio Gonçalves também era
uma crítica à substituição da associação de bairro, enquanto espaço de discussão coletiva, pela
figura do administrador de bairro que, comumente, não dividia problemas e decisões sobre o
bairro com os próprios moradores.88

86
NADER, op cit, p.145.
87
Ovídio Gonçalves era soldador, morador da Mangabeira e candidato a vice-prefeito pelo PT em 1982 (com
Antonio Ozzetti como candidato a prefeito, também pelo PT). Ele foi um dos poucos trabalhadores que existiam
no PT à época, tendo intermediado o processo de filiação do partido nos bairros. Cf. SANTOS, op cit, capítulo 2.
88
“Associações de moradores ou administradores de bairros”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1982, p.5. Esse
texto faz parte do combate que os petistas feirenses faziam à forma como se organizavam os moradores de bairro
da cidade, especificamente ao MDB/PMDB e ao MOC.
62

Mesmo com a ditadura e as posteriores gestões dos seus opositores,89 o MDB feirense,
com a presença e influência de Chico Pinto, conseguiu manter a confiança de parte
significativa da população dos bairros, bem como eleger José Falcão, em 1973, e Colbert
Martins na gestão seguinte.
Ainda que houvesse uma óbvia linha sucessória entre Chico Pinto e seus “filhos
políticos”, não seria possível para Colbert Martins retomar a relação com a classe
trabalhadora exatamente nos mesmos moldes. A ditadura e suas políticas de conformação
capitalista eram visíveis em Feira de Santana – através do CAF, CIS e políticas habitacionais
para a classe média – bem como uma de suas conseqüências, a migração. Ainda assim, a
relação construída com os trabalhadores durante a trajetória política de Chico Pinto,90 além do
trabalho político do MDB na cidade, parece ter sido forte o suficiente para que aqueles não
abrissem mão da confiança nesse grupo de opositores da ditadura.
A fundação de associações, para além da própria constituição do administrador de
bairro, diz algo sobre o trabalho do MDB nos bairros mesmo depois do golpe de 1964. A
Associação de Moradores da Rua Nova (AMORUN) foi fundada em 1968. Seu presidente em
fins da década de 1970 era Edvaldo Rios, do MDB. Ele se filiou ao PT entre início e meados
da década seguinte. A Associação Comunitária de Maria Quitéria (ACOMAQ) data do ano de
1973: começaram no ano seguinte com discussões sobre trabalho comunitário no Círculo
Bíblico, aprenderam a utilizar a “roça comunitária”. Depois, começaram a participar do
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (STR-FSA).91 Essa trajetória da
ACOMAQ se parece com a de outros grupos de trabalhadores rurais que tiveram
acompanhamento do MOC: a aproximação com as lutas e outras ações coletivas através dos
relatos bíblicos, o trabalho comunitário na lavoura, a filiação ao STR-FSA.

Note-se a complexa rede de relações sociais em que os


trabalhadores de Feira estavam envolvidos: contingente
populacional predominantemente migrado, com efeito,
desenraizamento cultural e territorial, dependência
política, substituição de suas lideranças sindicais e de

89
Quando Chico Pinto foi deposto, assumiu o cargo o então presidente da Câmara de Vereadores, Joselito Falcão
de Amorin (UDN, 1964-1967). Posteriormente foi eleito João Durval Carneiro (1967-1971) e, em seguida,
Newton da Costa Falcão (1971-1973). Cabe destacar que José Falcão, nascido em São Gonçalo dos Campos, não
pertencia à família Falcão feirense. Tradicionalmente ligado ao comércio e aliada à UDN, esse núcleo familiar
investiu, posteriormente, na industrialização feirense.
90
Antes de ser prefeito, Chico Pinto havia sido vereador de 1955 a 1959, também pelo PSD. Além disso,
trabalhou como advogado de alguns pequenos sindicatos e associações de moradores, tendo conhecido e mantido
relações políticas com a classe trabalhadora mesmo antes de se candidatar ao executivo municipal. Cf. NADER,
op cit.
91
“Uma experiência comunitária”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.3.
63

bairros no pós-golpe, falta de espaços de sociabilidade,


com exceção das feiras livres – que só sobreviveram com
a força que tinham até 1976 –, super-exploração da força
de trabalho, principalmente comercial, além de um
funcionalismo não concursado e dependente de
apadrinhamentos. Estes são aspectos que não podem ser
desconsiderados ao falarmos da classe trabalhadora
urbana de Feira de Santana.92

Ao tentar mapear o que seria o “peleguismo”, apontado pelo PT feirense contra


sindicatos de trabalhadores existentes durante a ditadura, Santos indica relações com as quais
os migrantes tiveram de lidar, na condição de trabalhadores-moradores – trabalhar e morar,
viver onde se mora, são níveis inseparáveis da vida humana. Ainda que, posteriormente,
migrantes tenham se enredado nessas relações sociais, tanto através do espaço de trabalho,
quanto nas barganhas por melhorias nos bairros, o que nos interessa aqui são os momentos
que podem revelar o choque na experiência dos trabalhadores durante o processo migratório
para a cidade, tomando a migração como elemento de desestabilização de práticas
consolidadas.
O PT foi aos bairros feirenses justamente por notar que ali estavam constituídas as
relações mais sólidas com o “populismo de esquerda” de Chico Pinto e Colbert Martins. Em
agosto de 1983 O Grito da Terra, cujos editores disputavam espaço na organização dos
trabalhadores-moradoes, destaca em um canto de página:

Aos amigos da Associação Livre de Moradores da Mangabeira:


Recebemos o “Jornal da Mangueira” n. 20
Parabéns, vão em frente. Continuem mandando notícias.
A turma do “O Grito da Terra”.93

O bairro Mangabeira era um dos que mantinha, ainda na década de 1980, o


administrador de bairro como mediador. O termo livre, no nome da associação elogiada pela
“turma” d’O Grito da Terra, era forma de marcar distinção entre a “nova” e a “velha” forma
de organizar a luta no bairro. Gerinaldo Costa94, à época no PT, nos fala sobre as disputas
políticas do partido acerca das associações de moradores e, em específico, sobre a associação

92
SANTOS, op. cit. p. 159-160
93
Sem título. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.3, grifo nosso. O papel deste jornal na organização dos
trabalhadores feirenses será tratado no capítulo 3.
94
Um dos fundadores do PT feirense e, ainda hoje, filiado ao partido. Guardou documentos, fotos, fitas cassete e
VHS que ajudam a contar da atuação do PT em Feira de Santana, bem como de mobilizações de trabalhadores
onde esteve envolvido. Gerinaldo Costa doou sua documentação pessoal ao LABELU. Julgamos importante
destacar que, em depoimento, Gerinaldo Costa diz que entrou na luta política influenciado pelo MDB feirense, a
partir das eleições para prefeito de 1976, quando foi eleito Colbert Martins.
64

da Mangabeira:

As associações de bairro que existiam na época eram ligadas


ao MOC e nós criamos uma corrente política de movimento de
bairro pra disputar espaço político com o pessoal do MOC [...]
Nós achávamos que o MOC fazia um trabalho mais...
paternalista. A campanha do filtro, por exemplo. O MOC doava
filtro às pessoas. A visão que a gente tinha era que se tirava
proveito político de uma ação daquela, sem conscientizar
politicamente as pessoas. Essa era a nossa visão. Por isso que
a gente, por exemplo, ia no bairro da Mangabeira... Criamos
uma associação de bairro. Lá já existia uma associação do
MOC. Criamos uma associação, independente da do MOC com
esse discurso de que a associação era pros moradores se
mobilizar, lutar, ir à rua pra conseguir melhorias. Não era pra
ficar esperando a doação de filtro.95

Além do Grito da Terra, encontramos os petistas feirenses em exibições de filmes e


organizações de diversos debates nos bairros, a exemplo de temas polêmicos como o aborto e
a condição feminina na sociedade.
Os petistas disputaram também com a Igreja católica, através das CEBs. No bairro
Campo Limpo existia a CEB São José Operário, que entrou em conflito diversas vezes com o
um dos fundadores e, por alguns anos, presidente da Associação de Moradores do Bairro
Campo Limpo e Adjacências (AMBACLA), José Rocha. Este diz que tinha problemas com a
referida CEB, pois discordava do posicionamento desta de que partidos e seus militantes não
deviam fazer parte de sindicatos e associações. Uma das entrevistadas de Rita Evejania diz
que a CEB do Campo Limpo tinha problemas com José Rocha enquanto direção da
AMBACLA, pois ele era “oportunista”, já que envolvia a AMBACLA em “interesses
políticos”.96
Ainda assim, petistas e católicos estavam presentes em diversas lutas do bairro, a
exemplo das manifestações, uma delas com ocupação da BR-116 Norte, contra o
funcionamento de uma refinaria de óleo no bairro, a Decaoil, em 1991. Tanto José Rocha

95
Depoimento de Gerinaldo Costa. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS. No acervo doado
pelo mesmo ao LABELU, há duas listas com nomes e endereços (a lista mais recente tem números de telefones)
de dezenas de associações e agremiações, desde grupos de mães, a associações recreativas. Mas a vasta maioria é
mesmo de associações de bairros, demonstrando a preocupação dos petistas com a disputa e organização dos
trabalhadores nos seus locais de moradia. Ainda, Jamile Silveira fala da participação de estudantes da UEFS,
petistas, na fundação de associações de bairro. Cf. SILVEIRA, Jamile Silva. Lutas populares e movimento
estudantil: trajetória política dos estudantes da UEFS (1976-1988). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado
em História), 2010, p.124 et seq.
96
Entrevista com José Rocha, op cit; SANTOS, Rita Evejânia dos. Interação, fé e vida: a “caminhada” das
Comunidades Eclesiais de Base em Feira de Santana (1980-2000). Feira de Santana: UEFS (Monografia de
Graduação em História), 2010, p.74-76.
65

quanto as irmãs que compunham a CEB São José Operário se pronunciaram no microfone e
dialogaram com a prefeitura no sentido de embargar a licença de funcionamento da fábrica.97

1.5.2 – Ocupações

A relação dos protestos populares com a reorganização da economia urbano-industrial


em Feira de Santana nos faz ver que os movimentos ditos espontâneos não são atípicos, mas o
contrário: típicos de certas modificações, pois não há transformações sem resistências.
Em se tratando de migração de trabalhadores expulsos do campo, o primeiro grande
problema enfrentado gira em torno da fixação – onde e em quais condições morar, processo
de reconstrução da sociabilidade, relação com a cidade a partir do processo de fixação em
determinado lugar. Em Feira de Santana, o próprio ato de ocupar terras no espaço urbano era
algo com que partidos, sindicatos e poder público não haviam lidado antes. Era um ato
reivindicatório, que não fazia parte do código político da relação entre dominantes e
dominados na cidade. Os “desgarrados” da sua terra não poderiam respeitar acordos políticos
consuetudinários, anteriores à sua chegada forçada na cidade. Nesse sentido, o PLANOLAR
seria uma política da contenção da generalização da revolta, assim como também se
estabeleceria contato direto com os “novos moradores”. Esses dois objetivos se constituiriam
em educação política para os migrantes.
Para além disso, denúncias de muitos cadastrados que nunca receberam seus lotes,
confirmam o uso do PLANOLAR para barganha política, tanto na segunda gestão de José
Falcão quanto nas duas gestões de Colbert Martins. Em uma das edições d’O Grito da Terra
há um texto que faz avaliação positiva da primeira gestão deste último, pelos gastos públicos
voltados para os pobres e diz ser marca dessa gestão o PLANOLAR. Porém, critica por não
ter “contribuído de fato para a organização popular e diminuído o ‘clientelismo’.”98 Em outra
edição, temos a notícia de que Colbert Martins usava isenção do “imposto predial” para
habitações simples com o fim de conseguir votos para o candidato a prefeito apoiado por ele.
A população só ficou sabendo da isenção pelas cartas entregues por funcionários da
prefeitura, pessoalmente, mediante conversa sobre a eleição com cada um dos que recebeu a
carta.99

97
SANTOS, idem.
98
“Governo para o povo”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2.
99
“Isto você deve saber”. Jornal O Grito da Terra, novembro de 1982, p.3.
66

Entretanto, projetos políticos lidam com sujeitos; neste caso, sujeitos com
necessidades que extrapolavam a garantia do local de moradia. O próprio caráter/pauta das
lutas dos migrantes denunciava sua exclusão: coleta de lixo periódica, novas linhas de ônibus
e horários fixos para estes, construção de escolas, fornecimento de água encanada, calçamento
de ruas, sistema de esgoto.
As áreas de Feira de Santana que se expandiram foram constituídas por conflitos,
oriundos da ocupação de terrenos por pessoas “invisíveis” até então. Era comum que as
ocupações começassem com poucas pessoas e, logo em seguida, chegassem muitas outras que
tinham aluguéis atrasados ou moravam na rua. Sendo assim, as ocupações antecediam a
constituição da sociabilidade; esta se dava ao longo das reivindicações acerca das
necessidades básicas de moradia. Tais reivindicações se relacionavam também às
manifestações de moradores aparentemente já acomodados em seus bairros. Nesses, eram
constantes as reclamações relacionadas à falta de esgotamento, transporte coletivo, coleta de
lixo e calçamento de ruas. Para se ter um exemplo, no ano de 1980 a principal avenida da
cidade, a Getúlio Vargas, ainda estava sendo calçada no trecho leste, mais afastado do centro
comercial.
No entanto, para os recém-chegados, os conflitos diziam respeito não somente às
condições de sobrevivência, mas também de vivência. Os incômodos com a complexidade da
“cidade grande” envolviam o tráfego, a necessidade de transporte motorizado para se chegar
ao trabalho e à escola, a falta de auxílio institucionalizado à saúde em vez (ou mesmo
simultaneamente) do tratamento popular às doenças, com plantas. Tudo isso gerou um
“estranhamento” não só por parte dos trabalhadores, mas também do poder público, que
planejava bairros de casas padronizadas, conhecidas como “casas de pombo” e ruas que eram
estreitas o suficiente para não caberem dois carros lado a lado. Podemos notar como a
constituição dos bairros planejados foi pensada para moradores sem carros, visto que os
caminhos eram muito estreitos e havia apenas pequenos espaços a céu aberto, reservados a
quem possuísse automóvel.
As lutas em torno da moradia geraram conflitos entre os próprios trabalhadores e
destes com os dominantes. O processo de adaptação à vida na cidade se deu desde a ocupação
e à resistência para permanecer no local, passando pela construção das casas e os meios de se
conseguir dinheiro, até a luta para que seu bairro fosse reconhecido pelo poder público.
Portanto, a luta para que se coletasse lixo fazia parte do processo de reivindicar a cidade para
si, reconhecê-la como sua e se reconhecer nela. Esse processo foi coletivo, tanto porque não
há reconhecimento sem que se esteja em relação com outros, quanto pela partilha dos
67

problemas cotidianos que se faziam presentes nas reivindicações, a coletivização de perdas e


ganhos.
Isso se estendeu para as lutas acerca do trabalho, visto que, boa parte das lideranças
“novas” eram migrantes. O novo sindicalismo em Feira de Santana teve as portas abertas
pelos migrantes que lutaram por melhores condições de moradia, fossem eles militantes ou
não. As trajetórias individuais de alguns deles nos fazem ver como a exploração impregnada
na experiência do trabalhador pode ser alavancada em direção ao rompimento dela própria.
A trajetória de José Rocha100 traduz a ambivalência na trajetória de quem migra:
aprender o hoje com o que se tem do ontem. Também, ele foi um dos sujeitos que transitaram
entre os múltiplos espaços de vivência dos trabalhadores de Feira de Santana.
Nascido em Tucano (cidade a 163 km ao norte de Feira de Santana), em 1953, filho de
trabalhadores rurais, seguiu com a família para Candeias em fins da década de 1960 e, logo
depois, após a separação dos pais, mudou-se com a mãe e os irmãos para Feira de Santana.
Rocha trabalhou como lavador de carros, vendedor de picolé, de temperos, repositor de
mercadorias em supermercado, motorista de padaria, borracheiro, taxista, comerciário,
proprietário de bar, de locadora de vídeo-games e, por fim, de uma pequena fábrica de bonés.
Entre um emprego e outro, foi um dos fundadores da AMBACLA e do Sindicato dos
Borracheiros; participou das oposições sindicais dos comerciários e condutores autônomos;
ainda hoje é membro do PT.
Ele foi, por cerca de duas décadas, morador do Campo Limpo. Bairro “cheio de mato”
e muito violento; tinha fábricas cuja poluição causava doenças; faltava transporte público e
saneamento básico precário; havia alto número de atropelamentos, já que o Campo Limpo
tem como um dos seus limites territoriais a BR-116 Norte.
O Campo Limpo se tornou um bairro grande e populoso a partir da década de 1970.
Anos antes, em 1966, o prefeito Joselito Amorim anunciou que havia adquirido terreno neste
bairro, para a construção de novas indústrias.101 Ainda em gestação a idéia de um “Bairro
Industrial”, o Campo Limpo, como o próprio nome sugere, é uma vasta área de terra plana e,
naquele ano, tinha poucos moradores e ficava distante do centro da cidade. A idéia não se
concretizou, mas foram construídas ao menos duas indústrias: uma que fabricava sabão, da
qual quase não temos informações, e a Decaoil, que refinava óleo lubrificante.
A Decaoil vinha provocando problemas respiratórios em pessoas que moravam
próximas a ela, bem como seu forte odor incomodava mesmo os que moravam mais longe.

100
Entrevista de José Rocha, op cit.
101
MONTEIRO, op cit, p.89.
68

Depois de longa correspondência com autoridades municipais, em 1993 os moradores fizeram


manifestação que fechou a BR-116 Norte, exigindo postura do prefeito, que revogou a licença
de funcionamento da indústria no Campo Limpo.102 No mesmo ano, houve nova manifestação
pela construção de uma passarela, por conta o alto número de mortes por atropelamento, e que
deveria ter o nome da primeira criança morta por ali. A passarela foi inaugurada com o nome
de Conceição Lobo, contrariando a reivindicação dos moradores.103
A AMBACLA participou das duas manifestações acima, mas era uma entidade
recente, tendo sido fundada em fins da década de 1980. Antes disso, outras lutas se fizeram
por repetidas reclamações, pela revolta de alguns moradores, iniciativas individuais ou mesmo
pequenos grupos que, dentro de um bairro grande, sofriam com determinados problemas. A
primeira manifestação coletiva, segundo Rocha, foi na extremidade norte do bairro, região
conhecida pelo nome de Pau de Légua, a respeito do acúmulo de lixo. A prefeitura não fazia a
coleta a fim de instalar o lixão da cidade nos limites do bairro – note-se que o local é próximo
a uma das lagoas da cidade.104
“Eu ali, desempregado, me virando... Aí a gente foi fazendo um trabalhozinho, foi
lutando[...] Eu sei que, depois de muito tempo, a gente fundou a AMBACLA”.105 Assim
Rocha resume sua aproximação com os problemas do bairro e a fundação da associação. Sem
contar grandes feitos em seu nome, fala da importância desta para a união dos moradores e
também para sua conscientização da luta, pois sua atuação no bairro se desdobrou em sua
atuação no PT.106
A chegada de novos moradores, que foram trabalhar em diversos lugares (formais e
informais) fez com que os diretores sindicais tivessem de lidar com essa nova demanda. A
luta travada nos bairros, pouco a pouco, se estendia para as lutas por melhorias nas condições
de trabalho, ou mesmo o inverso. Dessa maneira, a luta dos migrantes possibilitou a defesa da
combatividade do trabalhador e outras características defendidas pelo novo sindicalismo.
Nesse sentido, as associações de moradores foram importantes focos de resistência,
por abrigarem pessoas que compartilhavam de certo cotidiano, assim como os sindicatos
abrigavam insatisfações diretamente ligadas ao cotidiano do trabalho, por sujeitos de
diferentes bairros da cidade. Tanto no local de trabalho quanto no bairro em que se mora, a
“sociabilidade citadina” se dá no processo de relação mais orgânica com a cidade.

102
SANTOS, Rita Evejânia. p. 73.
103
Entrevista de José Rocha, op cit. Segundo o depoente, Conceição Lobo era jornalista e trabalhava em rádios
claramente a serviço da direita na cidade.
104
Entrevista de José Rocha, op cit. Depoente não soube especificar o ano nem a gestão municipal.
105
Entrevista de José Rocha, op cit.
106
As disputas em torno da AMBACLA terão vez no próximo capítulo.
69

Encontramos em jornais locais a participação das associações de moradores em


questões que dizem respeito à gestão pública do espaço urbano. No ano de 1982,
provavelmente por ser ano eleitoral, encontramos maior participação dos moradores. Algumas
associações de moradores, junto com outras entidades, participaram das negociações com
empresários e prefeitos a respeito do aumento da passagem em junho do mesmo ano. Ainda,
aconteceu um “encontro intercomunitário” na sede do PLANOLAR e, posteriormente, o I
Encontro Estadual de Associações de Bairros para discutir problemas comuns aos bairros e
trocar informações sobre atuação dos políticos nos mesmos.107
Em 1990 encontramos as associações de moradores em uma atividade que dizia
respeito ao planejamento de Feira de Santana, através do debate a respeito da Lei Orgânica do
Município. Discutiram, em reunião que durou um dia inteiro, propostas sobre saúde,
educação, transporte, segurança, bem como a participação das próprias associações no
governo municipal. Desta vez, as associações estavam reunidas sob a Federação das
Associações de Moradores de Feira de Santana (FAMFS). Não encontramos relato sobre
qualquer manifestação dos moradores na criação dessa Federação. Porém, sabemos que o
debate foi promovido pela prefeitura, com a ajuda do MOC, ambos justificando o evento
como reconhecimento da “participação cidadã” nos rumos da cidade.108
Todo esse processo de ocupações e constituição de associações começou nos anos
1970, mas se estendeu até perto do fim do século, integrando-se no cotidiano da cidade
através das tentativas de relação entre um novo e outro novo: os da urbe viam os novos
moradores, os migrantes viam a nova cidade. Ambos encontraram meios de dialogar entre si,
assim como parecia ter se constatado que a “Princesa do Sertão” teria favelas, como qualquer
cidade “moderna”.
Ocupação planejada, grupos sociais dispostos a colaborar. Esse foi o caso da ocupação
do Campo de Aviação, onde hoje é o bairro George Américo. A mais conhecida ocupação de
terras em Feira de Santana ocorreu em 28 de novembro de 1987. A grande faixa de terra
(entre 798.200 e 800.000m2) que fazia limite com o Campo Limpo foi ocupada por cerca de
5.000 pessoas antes do raiar de um sábado – o horário impediu a ação imediata da polícia e o
dia, a ação da prefeitura. Gessiene Caldas diz:

107
“Trabalhador sufocado com aumento de tarifas de ônibus”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.4;
“Encontro intercomunitário”, idem, abril de 1982, p.7;
108
“Associações de moradores debatem a Lei Orgânica”. Jornal Feira Hoje, 28 de janeiro de 1990, p.2;
“Exercício da cidadania passa pela participação”. Idem, 30 de janeiro de 1990, p.2.
70

O líder do movimento, George Américo, ex-funcionário da


prefeitura, demitido por ocasião de uma das vinte e uma
invasões por ele organizadas, esteve à frente da
coordenação do movimento, num intenso trabalho de
organização e mobilização, programada estrategicamente
durante cinco meses, na qual, George Américo tinha o
controle de tudo: ficha cadastral, fotografia dos inscritos,
origem de todas as pessoas, etc.109

A prefeitura reagiu, inicialmente, com o envio de um carro de som solicitando aos


ocupantes que deixassem o terreno e fizessem uma fila para se cadastrarem no PLANOLAR,
a fim de receberem seu lote posteriormente. A fila pequena se deu pela recusa de muitos
ocupantes, que exibiam suas fichas de inscrição na URBIS e no PLANOLAR, datadas de anos
antes e até de 1978 e 1979. George Américo ao afirmar que, em ocupação anterior, houve
acordo com a prefeitura, que derrubou todos os barracos, disse: “não podemos permitir que o
prefeito reboque todo mundo para o Aviário, o grande favelão oficial”. Depois desse
insucesso, a prefeitura pediu reintegração de posse dia 01 de dezembro, alegando que o
terreno pertencia ao município e seria destinado à construção de um conjunto habitacional
popular.110
Os dias que se seguiram até a desapropriação do terreno a favor dos ocupantes, em 17
do mesmo mês, foram de embates não só destes com o poder público, mas entre forças
políticas que disputavam o poder institucionalizado em Feira de Santana. O então prefeito,
José Falcão, que saiu do MDB para o PDS em 1980, venceu as eleições em 1982 contra o
PMDB. No ano da ocupação, fim de sua gestão, Waldir Pires era governador e Colbert
Martins, deputado estadual, ambos pelo PMDB. Em meio às trocas de acusações – quando um
chamava o outro de eleitoreiro, incompetente e autoritário, atribuindo a pecha de apoiador da
ditadura – os ocupantes iam seguindo confiantes na figura de George Américo, e este
confiante no “Governo da Mudança”, denominação de campanha de Waldir Pires, na sua
candidatura a governador da Bahia.111
Enquanto as autoridades disputavam sua relação com os pobres, o movimento foi
ganhando apoiadores. Em princípio, a população vizinha, que dizia ser o Campo de Aviação
local de desova de cadáveres e comércio de drogas ilícitas. Depois, o Feira Hoje publicou

109
CALDAS, op cit, p. 114-115. Não encontramos registro das outras ocupações lideradas por George Américo,
exceto duas: uma em Santo Antônio dos Prazeres, declarada por ele mesmo em entrevista para o Jornal Feira
Hoje de 01 de dezembro de 1987: “Prefeitura entra na Justiça para retomar área invadida”, p.3; outra no CAF,
relatada por PACHECO, op cit, p.64-65.
110
Edições do Jornal Feira Hoje de 29 de novembro a 01 de dezembro de 1987.
111
SANTOS, op cit, p.246, diz que, após a morte de George Américo, seu irmão declarou que ele era do PMDB.
71

pequenas entrevistas de pessoas que diziam ser o “movimento justo” e criticando os planos
habitacionais e o prefeito.112 A reintegração de posse tentada só desgastou a figura do prefeito
e aumentou o apoio da população à ocupação.
Muitas entidades apoiaram o movimento de diferentes maneiras: as associações de
moradores na organização política;113 Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja do Evangelho
Quadrangular; CEBs – só depois houve reconhecimento oficial da Igreja católica. Entre os
petistas, Marialvo Barreto e Gerinaldo Costa ajudaram, respectivamente, na articulação entre
o movimento e a política institucional e na topografia e planta – o que deu à ocupação, desde
cedo o caráter de “bairro”, bem como ajudou na divisão equânime dos lotes. Outro petista,
Reinaldo Santana, atuou como advogado no referido pedido de reintegração, na prisão de
George Américo e em pequenos conflitos internos. O MOC doou 16.000 tijolos e contratou os
serviços de Gerinaldo Costa.
Depois de uma prisão e dois atentados, George Américo foi assassinado em 05 de
maio de 1988, com dois tiros de escopeta. Até hoje não é sabido quem o matou. No seu
enterro, milhares de pessoas compareceram e os ocupantes prometeram continuar a luta.
Quase um ano depois, na gestão de Colbert Martins, o bairro recebeu o nome de Conjunto
Habitacional George Américo Mascarenhas dos Santos.114 A trajetória do conhecido “rei das
invasões” não está bem clara, mas sua postura autoritária é destaque em alguns depoimentos.
Ilustrativo disso é um ocorrido na segunda semana de invasão, quando uma das ocupantes
quase foi linchada pela população, após George Américo exigir que a população decidisse
entre ela ou ele. A mulher declarou ao Jornal Feira Hoje que George Américo estaria
manipulando o movimento para fins eleitorais.
Passados sete anos da ocupação, uma pesquisa feita no George Américo revelou que a
maioria dos moradores ainda trabalhava como ambulantes e comerciários em pequenas lojas,
recebiam menos de um salário mínimo e tinham jornada de trabalho igual ou superior a 44
horas. O autor da pesquisa aponta como um dos problemas do PLANOLAR a venda dos lotes
doados pela prefeitura, pela incapacidade financeira dos ocupantes de construírem as casas ou

112
“Comunidade apóia as invasões e critica política habitacional”. Jornal Feira Hoje, 06 de dezembro de 1987,
p.3.
113
Registramos a presença das seguintes: Associação de Moradores da Rua Nova (AMORUN), Associação de
Moradores de Santo Antonio dos Prazeres (AMOSAP), Associação de Moradores do Novo Horizonte
(AMONHO) e Associação de Moradores do Parque Brasil (AMPB).
114
“Atos do executivo”, Jornal Feira Hoje, 11 de abril de 1989, p.5. Para reconstituir a história da ocupação do
George Américo foram utilizados os estudos de CALDAS, 1998, LIMA, 1994 e SANTOS, 2007.
72

mesmo para compra alimentos. 57% dos imóveis do George Américo no ano da pesquisa
eram comprados.115
Deste pequeno relato, é importante observar o aprendizado em realizar ocupações e
também em como lidar com o poder público. A relação confiança/desconfiança – ao longo do
processo de migrações, construção de conjuntos habitacionais, ocupações de terrenos – se deu
em termos para os quais temos alguns indícios.
Sabe-se que a política não se constrói sem alguma relação de lealdade. Mesmo entre
os que se dizem objetivos, há relações que ultrapassam a decisão “racional” de compor um
partido ou outra agremiação. Em Feira de Santana, a retomada de relações políticas entre
dominantes e dominados à moda do grupo político emedebista chefiado por Chico Pinto se
deu, a partir de fins da década de 1970, através de disputas com outros grupos políticos
progressistas, seja dentro do PMDB ou no PT, seu opositor mais à esquerda.
Através de uma tomada de posição extremada de um vereador da cidade, envolvendo
os moradores do bairro Novo Horizonte, podemos perceber quais eram os limites, para estes,
da relação de confiança que estabeleciam com a figura de Colbert Martins. Otaviano
Campos116 era vereador pelo PMDB na primeira gestão de Colbert Martins e gerou
indignação, em 1982, ao tentar tomar para si o controle da Associação de Moradores do Novo
Horizonte (AMONHO), chegando a pintar nos muros de algumas casas o que seria o novo
nome do bairro: Otavianópolis. Alguns moradores afirmaram que a maioria dos que moravam
no Novo Horizonte eram da oposição, se referindo ao PMDB, mesmo tendo à época Colbert
Martins como prefeito. Os mesmos afirmaram também que, depois de terem visto o nome
Otavianópolis espalhado pelo bairro, muitos partiram para a ofensiva, pintando a sigla PDS
(partido ao qual o prefeito anterior, José Falcão, havia se filiado recentemente) nas suas
casas.117
As reclamações sobre Otaviano Campos e a prefeitura continuaram através das
denúncias de corte de luz elétrica em algumas casas após o ocorrido, bem como a invasão da
sede da AMONHO por Zé Corre Dentro118, conhecido por ser o administrador nomeado pela
prefeitura para o bairro, mas rejeitado pela população, que havia reconhecido a AMONHO

115
LIMA, 1994, cap. 3.
116
Era comerciante e depois, tornou-se agropecuarista. Foi vereador da cidade de 1973 a 1994 e presidente da
Câmara Municipal de 1975-1977 e de 1989-1991. Cf. ALMEIDA, op cit, passim.
117
“Vamos fazer uma comparação”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.4; “Moradores não são donos de
seu bairro”. Idem, março de 1982,p.6.
118
Em uma das notícias, tem seu nome revelado: José Telles. Se for o mesmo José Olegário Telles que
encontramos na diretoria do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários (SINCAVER), ele
também era do PMDB.
73

como sua representante.119


Vemos como era delicada a relação que se estabelecia entre o bloco dominante em
torno MDB/PMDB e parte dos trabalhadores da cidade. As relações de troca entre
equipamento urbano e também na confiança que as decisões políticas dos moradores seriam
respeitadas, deveria passar pelo reconhecimento por parte do bloco dominante de que os
subalternos tinham uma margem de autonomia e não aceitavam o uso da força política para
abrir espaços não permitidos anteriormente.
Porém, os problemas causados pelo autoritarismo de Otaviano Campos não se
converteram em uma ida dos descontentes do Novo Horizonte para o bloco do PDS,
representado por José Falcão. Na segunda gestão deste, em sequência à de Colbert Martins, os
problemas entre a prefeitura e aqueles moradores persistiram, também nos termos de “quem
dava as cartas”. Registramos outra queixa da AMONHO após uma reunião com José Falcão, a
respeito das condições do bairro em 1984. A associação se queixou uso eleitoreiro da reunião,
tendo o prefeito exigido o controle da gestão da creche, a ser instalada no bairro, bem como o
desdém com que tratou da proposta de continuação de obras feitas na gestão anterior.120
Anos depois, mais precisamente em 1990, houve uma série de medidas do poder
público municipal acerca da vida nos bairros. O PLANOLAR ainda tinha algum destaque, e
as ocupações continuavam a acontecer, mas já o foco já não era a criação de conjuntos
habitacionais. As relações sociais na cidade haviam se complexificado o suficiente para exigir
planejamento estatal sobre as demandas postas por toda década anterior, a exemplo do “déficit
habitacional” comentado pelo executivo municipal quase sempre que se falava dos problemas
nos bairros.
Naquele ano, um decreto expandiu a sede de Feira de Santana foi ampliada nos
sentidos Norte e Oeste, incluindo a UEFS, o bairro Novo Horizonte, Pau de Légua,
Pitombeiras, Santa Luzia e parte da Asa Branca, que só então foram consideradas zona
urbana.121 Meses depois dessa decisão, o bairro Cidade Nova, próximo à UEFS, foi sede do
governo municipal por um dia, com todas as secretarias e apresentação da banda da Polícia
Militar para iniciar os trabalhos pela manhã. Colbert Martins e os secretários receberam
pedidos diversos, de calçamentos de ruas, regularização de quebra-molas, empregos, e até
pessoas que apenas queriam conhecer o prefeito. À noite, Colbert Martins e sua equipe
voltaram ao bairro para anunciar as obras prioritárias, dentre as demandas apresentadas pelos

119
“Confusão em Novo Horizonte”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.3; “Bairro tem sede comunitária
invadida”. Idem, junho de 1982, p.5.
120
“A AMONHO e o prefeito”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.4.
121
“Decreto vai redefinir zona urbana de Feira”. Jornal Feira Hoje, 17 de janeiro de 1990, p.5.
74

moradores durante todo o dia. Aquela havia sido a oitava transferência do governo para os
bairros desde o início da gestão, no ano anterior.122
Houve ainda duas tentativas, nesse mesmo ano, de institucionalizar a participação dos
moradores de bairros e suas associações na política local. Foi criado o Centro de Recursos
Ambientais (CRA), para encaminhar as demandas referentes à poluição nos bairros. Durante a
década de 1980, foram construídos muitos conjuntos habitacionais pelo PLANOLAR em
áreas próximas ao CIS, que resultou em diversos problemas, tanto na estrutura sanitária dos
bairros, quanto no ar, causando diversas doenças. O CRA, então, inspecionaria o local
denunciado como causador de problemas e, posteriormente, comunicaria o resultado ao
“cidadão” que havia feito a denúncia. A Secretaria de Serviços Urbanos estava estudando a
possibilidade de também criar um ramal específico em sua linha telefônica para receber
informações referentes ao transporte e limpeza públicos.123
A intenção do bloco dominante reunido no executivo municipal fica mais clara durante
a solenidade de criação da Cooperativa Habitacional de Feira de Santana, ocorrida na Câmara
de Vereadores. Formada por diversas associações de moradores – notadamente aquelas em
que o MDB/PMDB tinha maior inserção – a Cooperativa tinha como principal objetivo
reduzir o “déficit habitacional”. Nesse mesmo evento, Colbert Martins defendeu o
cooperativismo como forma de organização “das pessoas de menos posses”. Ildes Ferreira
destacou uma das principais propostas dessa Cooperativa, que era a implantação de um
depósito de materiais para que os associados comprassem a preço menor o equipamento
necessário para a construção das suas casas.124
Essas medidas lembram, em muito, o conjunto de ações propostas por Chico Pinto em
1963 e 1964 – a maioria delas vetada pela Câmara dos Vereadores, como já dissemos. Porém,
se sabia que os tempos eram outros. A tutela sobre os movimentos de trabalhadores ainda
tinha como foco os bairros, mas boa parte destes passou a existir pelas mãos dos que
ocuparam terrenos e forçaram os limites da cidade, bem como seu reconhecimento perante o
poder de Estado. Assim como a racionalização capitalista também havia modificado as
relações de trabalho e, certamente, diminuído o espaço para relações paternalistas nos locais
de trabalho.

122
“Transferência de governo muda rotina na Cidade Nova”. Jornal Feira Hoje, 16 de junho de 1990, p.3.
Colbert Martins também manteve o hábito de despachar nas secretarias, em vez do seu gabinete. Segundo ele,
isso tornaria a administração “mais dinâmica”, além de conhecer em detalhes o funcionamento e os problemas de
cada seção do seu governo. Cf. “Colbert atende numa Secretaria”. Jornal Feira Hoje, 09 de fevereiro de 1990,
p.3.
123
“Exercício da cidadania passa pela participação”. Jornal Feira Hoje, 30 de janeiro de 1990, p.2.
124
“Instalada Cooperativa Habitacional de Feira”. Jornal Feira Hoje, 18 de setembro de 1990, p.4.
75

O processo migratório e as ocupações das décadas de 1970 e 1980 nos fazem ver o que
há de não-institucional na formação dos movimentos institucionais: sindicatos, oposições
sindicais, partidos. É importante dizer que um não se fundiu a outro. Os movimentos de
bairros foram criando suas associações e dialogando politicamente com quem julgassem
melhor aliado. O novo sindicalismo, por sua vez, pleiteou se esse aliado. A passagem de um a
outro, ou sua intersecção, está no nível da experiência e não dos acordos políticos – ainda que
estes façam parte dela.
Os “levantados do chão” também nos fazem ver o quanto a historiografia deve àqueles
que lutaram sem sindicato ou outra organização formal, ou mesmo para que esta última se
constituísse. Ao lutar por moradia, transporte público, e outras tantas necessidades básicas,
estavam indo de encontro a um modelo de reprodução da vida social que os expulsou do
campo, mas não os queria na cidade. Lutaram contra a invisibilidade.
76

CAPÍTULO 2
Os lutadores e as formas de lutar

2.1 – O Feira Hoje e as lutas na cidade

Em abril de 1980, o jornal Feira Hoje entrevistou cinco pessoas, de diferentes


profissões, sobre os sucessivos aumentos de preços dos derivados de petróleo e o impacto
disso no bolso do trabalhador. Nenhuma delas estava satisfeita, mas também nenhuma tinha
qualquer esperança de que, por quaisquer meios, a vida dos assalariados mudasse, frente às
constatações de que “é natural” e “será sempre assim”.125 Nove anos depois, o mesmo jornal
pergunta a outras pessoas o que elas acham do grande número de greves que estavam
acontecendo nos últimos meses e, especialmente, naquela semana, devido a quase uma dezena
de greves em categorias do funcionalismo público. Todas elas responderam que concordavam
com a greve como instrumento de conquista de direitos por parte dos trabalhadores.126
O mesmo jornal permite o acompanhamento das modificações na cidade e seus
conflitos no referido espaço de tempo, ainda que não seja suficiente para explicá-las. De
qualquer maneira, comecemos com essa fonte de pesquisa para fazer uma rápida viagem ao
longo da década de 1980, ao mesmo tempo em que situamos o Feira Hoje como interlocutor
na pesquisa.
De circulação diária, o jornal Feira Hoje pertencia à família Falcão até fevereiro de
1983, quando foi vendido a Modezil Cerqueira que, junto com seu pai, Modesto, e seu irmão,
Felisberto Cerqueira, possuíam revendedoras de carros. Os Cerqueira se integraram nas
comunicações não só com a propriedade do Feira Hoje, mas também com a TV Subaé e com
a Rádio Subaé, que integravam a Rede Baiana de Comunicação (RBC). Esse grupo
empresarial tinha laços estreitos com grupos políticos locais, a exemplo de uma denúncia
sobre a falta de caráter público das transações financeiras da prefeitura, quando o jornal O
Grito da Terra fala que “um grupo nada modesto” estava fiscalizado as contas da mesma, na
segunda gestão de José Falcão.127

125
“Custo de vida já não causa surpresa aos consumidores”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1980, p.5.
126
“Feirenses apóiam greve como medida para enfrentar crise”. Seção Na boca do povo. Jornal Feira Hoje, 26
de novembro de 1989, p.5.
127
ALMEIDA, 2006, op. cit., p.240. “Administração das contas”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.9.
77

Note-se que, apesar de José Falcão ter sido prefeito pelo PDS nessa época, as relações
entre as atividades financeiras e políticas da família Cerqueira com o MDB/PMDB, não se
dissolveram. O terceiro filho de Modesto Cerqueira, Nóide Cerqueira, assumiu cargos no
executivo municipal nas duas gestões de José Falcão, tendo se filiado ao PFL a partir de
meados da década de 1980. Anteriormente, foi vereador em Feira de Santana pelo MDB de
1967 a 1974, quando foi eleito deputado federal com o apoio de Chico Pinto. Em 1990, o
encontramos enquanto coordenador do Escritório de Planejamento Integrado (EPI), na gestão
de Colbert Martins.128
Em novembro de 1989, o Feira Hoje foi vendido a Pedro Irujo, empresário de origem
basca que já controlava a Rádio e a TV Itapoan em Salvador. Esse controle da mídia feirense
por parte de empresários e políticos nos ajuda a recompor qual o tratamento dispensado aos
trabalhadores mobilizados da cidade. Como veremos, a posição do Feira Hoje sobre as
mobilizações de trabalhadores no período aqui tratado não é estática. Os trabalhadores
feirenses ocupam boa parte do espaço público na década de 1980, envolvidos na dinâmica
nacional de ascenso da luta sindical e popular. Uma das maneiras de identificar essa
afirmativa e a intensidade com que essas lutas se davam em solo feirense é a quantidade de
notícias sobre diferentes lutas dos trabalhadores feirenses nas páginas do jornal.
São recorrentes as notícias sobre mobilizações de trabalhadores que reivindicavam
principalmente melhores condições de trabalho, salários maiores, estabelecimento de outras
regras na relação patrão-empregado que não as de humilhação. Em tais notícias são
apresentados os argumentos dos “dois lados”, ou seja, patrões e empregados e é “dada” a voz
a ambos. Porém, isso não acontece de modo “imparcial”, como tanto dizia (e ainda diz) a
imprensa. Qualquer documento é uma interpretação sobre o tema que este trata. Portanto, são
falas mediadas por um viver/estar no mundo, constituídas de juízos sobre pessoas e seus atos.
No caso aqui discutido, os jornais são a fala oficial de uma organização que cumpre
determinado papel nas relações sociais.
Ao longo da década de 1980 as movimentações dos trabalhadores em diversos
aspectos são mostradas pelo Feira Hoje. No início dessa década, são comuns referências às
greves do ABC paulista e como estas impactaram no cotidiano feirense.129 O Dia do Trabalho
é noticiado a partir dos protestos de trabalhadores porque a Micareta coincidiu, em alguns

128
ALMEIDA, 2006, op cit, p.166 e 242; “Seminário discute nova visão de planejamento para Feira”. Jornal
Feira Hoje, 06 de janeiro de 1990, p.2.
129
Vide a criação de um comitê em Feira de Santana, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a greve em São
Paulo: “Metalúrgicos grevistas de SP vão receber ajuda de comitê”. Jornal Feira Hoje, 15 de abril de 1980, p.3.
Ver também: “Revendedoras sem carros devido à greve paulista”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1980, p.3 e
“Greve dos metalúrgicos em São Paulo atinge comércio”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1980, p.3.
78

anos, com a data. Quando não havia coincidência entre as datas, as notícias analisam o
primeiro de maio pela quantidade de entidades envolvidas na organização deste e quantas
pessoas participaram, além de outras questões relativas ao envolvimento do poder público
municipal e locais onde aconteceu o evento. As reivindicações de bancários, metalúrgicos,
motoristas, professores, servidores de saúde, garis e outros por melhores salários e/ou
condições de trabalho também são noticiadas.
As greves ganharam destaque no Feira Hoje na década de 1980. Há cobertura
recorrente destas e, quando duram muitos dias, quase diariamente é mostrado algo sobre o
processo de negociação, ou a falta deste, bem como sobre o comportamento dos trabalhadores
durante tais greves. No caso específico dessas manifestações de paralisação do trabalho, há
uma espécie de regra geral do Feira Hoje. Quando a preparação de uma greve é noticiada, há
entrevistas de diretores das entidades e, no caso de greves gerais, quais entidades estão
dirigindo a greve, local onde acontecem as reuniões, além de sempre mostrar as
reivindicações que motivaram a greve.
No caso das greves gerais, nos dias que antecedem, raramente o Feira Hoje explicita
algum juízo de valor sobre a condução para a deflagração das greves e as fotos que aparecem
são apenas as dos envolvidos no processo. Porém, quando as greves finalmente acontecem,
aparecem os patrões, a polícia e, explicitamente, a opinião do jornal. Exemplo forte disso é a
greve geral de 1987. Na primeira página do Feira Hoje de 21 de agosto de 1987, toda
dedicada à greve de 48 horas, estampa-se o “infortúnio” de tal manifestação: “só o centro da
cidade parou”; “fracassou em todo o país”; “bancos e indústrias funcionaram”; “empresários
criticaram”. Nas páginas do Feira Hoje de 21 e 22 do mesmo mês as falas dos trabalhadores
são mais raras. O jornal caracteriza a greve como “carnaval”, “baderna”, “ineficaz”, “sem
objetivos”. Tais julgamentos, muitas vezes, são mediados pela fala dos empresários e, tanto
estes quanto o próprio Feira Hoje, criticam a “precariedade do funcionamento” da Polícia
Militar, que, segundo aqueles, estavam em pouco número para conter a fúria dos grevistas. As
fotos das greves mostram a PM fazendo cordão para impedir suposto quebra-quebra das lojas
e pessoas aglomeradas, direcionando o olhar do leitor para um movimento confuso e violento.
Apesar de haver muitas notícias relacionadas a greves e outras formas de manifestação
dos trabalhadores, não deixa de haver omissão por parte do Feira Hoje. Uma delas é a
localização das notícias nas folhas dos jornais. Quase sempre noticiadas na página 3, elas
podem ganhar a primeira página do jornal, outras páginas além da terceira, ou serem apenas
79

citadas numa nota no canto desta mesma página.130 Isso indica a avaliação do jornal sobre o
“impacto social” que as greves tinham e/ou a intenção do próprio Feira Hoje em explicitar ou
esconder as contradições postas na cidade de Feira de Santana.
Outro exemplo diz respeito às pautas de reivindicações das greves gerais. O jornal
discute pouco os problemas relacionados à pauta de reivindicações dos trabalhadores. Houve
mobilização em cinco greves gerais em Feira de Santana – dezembro de 1986, agosto de
1987, março de 1989, junho de 1990 e maio de 1991 – que tiveram em comum, além de
outras coisas, serem contra os pacotes econômicos dos governos Sarney e Collor. O Feira
Hoje apenas pontua, vez ou outra, o impacto que isso tinha na vida dos trabalhadores
feirenses. Então, quando acontece uma greve com essa reivindicação, temos a impressão que
a pauta foi inventada para justificar a greve, deixando entrever a acusação, recorrente, de que
as greves eram “políticas”, porque “comandadas” por partidos políticos, como veremos logo
mais.
A articulação nacional-local, feita pelos trabalhadores feirenses dos anos 1980,
também era feita pelo Feira Hoje, que estava integrado ao discurso dos jornais de expressão
nacional. O próprio editorial do jornal mostra que sua principal fonte de notícia era o Jornal
do Brasil.131 Bethania Mariani mostra como alguns jornais (O Globo, Jornal do Brasil, O Dia,
entre outros), ao longo da década de 1980 vão amenizando o discurso a respeito do
comunismo – “perigo da esquerda” – e também como criticam o PT, dizendo ser este
“inimigo da democracia”.132 Podemos citar dois exemplos, respectivamente, desse
alinhamento do Feira Hoje com os jornais de circulação nacional.
O primeiro é uma matéria intitulada “A igreja marxista”, de 1980, onde o jornal:
critica um processo de redemocratização que não inclua os setores da população; apóia a
participação da Igreja nos conflitos do ABC paulista; opina que o governo negocie com os
operários, “nunca fechando-lhes as portas e prendendo seus líderes”. Outro exemplo, a
respeito do olhar sobre o PT, é uma nota de 1985 que diz ser esse partido “contra as

130
A única exceção vista foi uma greve da Polícia Civil, noticiada na última página, reservada a “casos policiais”
como assaltos, assassinatos e outros: “Situação na Polícia Civil está ficando insustentável”. Jornal Feira Hoje, 28
de agosto de 1987, p.8.
131
Francisco Fonseca faz uma avaliação deste e de outros jornais no seu O conservadorismo patronal da grande
imprensa brasileira. Opinião Pública, Campinas, vol. 9, nº 2, out. 2003. O artigo analisa os editoriais dos jornais
O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, mostrando os posicionamentos
conservadores destes em relação à Constituinte de 1987/88, inclusive direito à greve e direitos sociais como a
redução da carga horária semanal de trabalho.
132
MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa. Os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de
Janeiro: Revan; Campinas: Unicamp, 1998, p.218 et seq.
80

aspirações de mudança do povo do Brasil”.133 O Feira Hoje criticou a não participação do PT


no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves, mais um motivo para o jornal mostrar como
o PT era “anti-democrático”, já que não concordava com a maioria dos brasileiros, que
acreditavam ser a eleição do novo presidente o caminho para a redemocratização no país.134 A
crítica do jornal era compartilhada pelo PMDB, PCdoB e PCB que, também em Feira de
Santana, estavam unidos em muitas opiniões.135
Essa visão sobre o PT nacional e também sobre o PT feirense tendeu a se intensificar.
Vemos isso principalmente nas eleições para presidente em 1989. As matérias de primeira
página – “Collor promete lutar por um Brasil novo (oitenta mil pessoas aplaudem o
candidato)” e “Lula se considera o melhor candidato” – são expressivas do trato que o Feira
Hoje tem com cada um dos candidatos.136
Citamos outro aspecto do jornal estudado que julgamos interessante: as falas dos
trabalhadores aparecem sempre aspeadas, são transcritas, e as dos setores dominantes, maior
parte, são postas como uma fala do jornal, com poucas transcrições. O Feira Hoje parece se
sentir mais à vontade em incorporar nas suas linhas as falas dos patrões, ao mesmo tempo em
que o que os trabalhadores pensam não se aproxima do que o jornal defende.
A análise do Feira Hoje não permite uniformizar o trato deste com as mobilizações de
trabalhadores. O que pode ser dito é que o trato, de fato, mudou ao longo da década de 1980,
tornando-se mais agressivo e que tal agressividade também varia de acordo com as mudanças
de proprietário e com a intensificação dos processos grevistas. No caso das greves gerais
(1986, 1987, 1989, 1990, 1991), apenas a primeira é noticiada com amenidade e é citada
como parâmetro na greve geral de 1987 para dizer que esta última não teve efetividade.
Porém, as greves que se seguem ocupam mais espaço no jornal – seja porque duraram mais de
um dia, seja por conta do aumento da repressão policial – sendo retratadas como
“fracassadas”. De modo geral, a tolerância com respeito às greves diminui ao longo da
referida década.137 A hipótese que traçamos sobre isso é que a rearticulação dos setores

133
“A igreja marxista”. Jornal Feira Hoje, 13 de maio de 1980, p.2 e “PT”. Jornal Feira Hoje, 22 de janeiro
1985, p.2.
134
“PT não acredita em Tancredo”. Jornal Feira Hoje, 20 de janeiro de 1985, p.2.
135
O MDB/PMDB feirense teve ampla inserção nas organizações de trabalhadores de Feira de Santana com o
apoio do PCB, desde a aliança para a eleição de Chico Pinto em 1963, e do PCdoB, destacado neste estudo pela
presença do Sindicato dos Bancários entre os sindicalistas tradicionais.
136
“Collor promete lutar por um Brasil novo (oitenta mil pessoas aplaudem o candidato)”. Jornal Feira Hoje, 10
de outubro de1989, p.1; “Lula se considera o melhor candidato”. Jornal Feira Hoje, 13 de outubro de 1989, p.1.
137
Essa constatação também está posta também num artigo do Nadya Castro, que trata do registro de greves e
mobilizações de trabalhadores na década de 1980 na Bahia, através do jornal soteropolitano A Tarde. Cf.
CASTRO, Nadya A. Imagens do sindicalismo baiano nos anos 80. In: GUIMARÃES, Antonio Sergio et. al.
81

dominantes, ao longo da década de 1980, em torno de um projeto conservador, implica em


estreitar o reconhecimento das greves, pois elas eram forte expressão do crescimento
organizativo dos trabalhadores. Assim, a mídia, aliada a esses setores, cumpria o papel de
desmoralizar as greves.
Com relação a quem faz a greve, algumas categorias sofrem certa intolerância por
parte do jornal, que são os trabalhadores da saúde, metalurgia e professores. O jornal diz ser
estes “setores essenciais da sociedade”, mesmo quando se dizem a favor das reivindicações
dessas categorias. Deve-se atentar que esse aspecto da tolerância com respeito a quem faz a
greve está ligado à questão da posição do jornal em relação ao recrudescimento do
conservadorismo da ainda fragmentada classe dominante do país. Por exemplo, as três
categorias acima citadas já eram tratadas pelo Feira Hoje com certa intolerância desde o
início da década, mas essa posição vai se intensificando ao longo dos 1980.
Ainda, há outro fator a se levar em conta: o apoio da população, a exemplo das
pequenas entrevistas de apoiadores das greves de 1989, citada no início. Isso demonstra que
há mais um aspecto a ser observado quando se pergunta qual posição o jornal Feira Hoje tem
em relação às greves. A opinião da população é um dos fatores de influência de um jornal, já
que este atua em sistematizar o senso comum, reforçando também preconceitos, e abre espaço
para outras manifestações daquele. Como vimos, ainda que o jornal tenha endurecido sua
opinião acerca das greves e outras mobilizações de trabalhadores, esta precisava ser mediada
na correlação de forças políticas, sempre que a população – ela própria composta, em sua
maioria, por trabalhadores – tendia a ser favorável às mobilizações.
Feitas essas considerações sobre a posição do referido jornal ao longo da década de
1980, dissemos que o trato com as greves oscila, influenciado por alguns fatores. Mas, em
linhas gerais, constatamos que há afirmações sempre presentes nas notícias em torno dessas
manifestações. Um delas é a ligação que o jornal faz entre as greves gerais e os partidos
políticos. Em alguns casos, o Feira Hoje até entrevista o representante de algum partido, em
vez de um sindicalista. De qualquer forma, os partidos estão sempre presentes nas notícias,
apoiando as greves, como era costume dos mais apresentados pelo jornal: PT, PMDB, PCB,
PCdoB.
A interpretação que temos a respeito disso é que, com sutileza, o jornal dá a perceber,
nas notícias ao longo da década, que os partidos estão sempre no “comando” da greve. Têm
destaque as fotos em que as siglas de partido aparecem em faixas e cartazes, tentando

Repensando uma década: a construção da CUT na Bahia dos anos oitenta. Salvador: CEPAS; CEAS; UFBA,
1994.
82

convencer o leitor de um argumento que tentava deslegitimar as greves gerais àquela época:
elas eram organizadas pelos partidos políticos e não pelos trabalhadores. Essa tentativa de
desvinculação entre trabalhadores organizados em sindicatos e trabalhadores organizados
em partidos certamente tinha a ver com a crescente representação política do PT enquanto o
partido que se propunha a levar a classe trabalhadora ao poder de Estado.
Também, esse argumento marca uma distinção das greves gerais com as greves
setoriais, pois estas últimas são sempre tomadas como uma greve dos trabalhadores,
geralmente porque o jornal reconhece a pauta como legítima. De todo modo, ainda que o
jornal se posicione explicitamente contrário a algumas greves setoriais, ele se posiciona contra
uma greve reconhecidamente dos trabalhadores, o que não acontece no caso das greves gerais,
como vimos.
O Feira Hoje se concentra em produzir a notícia não em torno da pauta da greve, mas
sim da condução desta, ou seja, como os grevistas se comportaram, se esta fugiu do controle,
se foi “vitoriosa”, omitindo as motivações para a realização da greve e exibindo “erros” nos
momentos imediatos desta. A preocupação é com o momento e não com as condições o
fizeram possível.
Tendo dito isso, é possível afirmar que o jornal tem uma espécie de duplo registro:
produz um discurso sobre o momento e, simultaneamente, é parte desse momento, enquanto
sujeito coletivo. É expectador privilegiado do momento em que estudamos, temos acesso à
informação através dele, mas ele não é isento do que acontece; tem posições que muitas vezes
não são explicitadas, pelo próprio caráter de um jornal, e que exigem certa acuidade nas
interpretações. Por exemplo, o Feira Hoje fornece uma série de informações de quem são os
sujeitos e os localiza socialmente, naquele momento. Por isso mesmo é preciso ter cuidado
com a caracterização que o jornal faz deles, muitas vezes de forma velada.
As ações relatadas nas páginas do jornal são perpassadas também pela interpretação
dos entrevistados. Isso faz com que nos perguntemos do porque certos sujeitos são escolhidos
para emitir suas opiniões acerca de assuntos que dizem respeito à classe trabalhadora. Em tais
notícias – assim como nas situações em que as entidades representativas dos trabalhadores se
posicionavam a respeito de mobilizações e deliberações articuladas nacionalmente pelas
centrais sindicais – vemos a presença constante e privilegiada das opiniões dos presidentes de
três sindicatos: Bancários, Comerciários e, em algumas delas, Condutores Autônomos. O
Grito da Terra faz uma reclamação sobre isso e fala do pouco espaço que outros sindicalistas
tinham para emitir suas opiniões sobre manifestações de trabalhadores e pacotes do governo.
Segundo esse mesmo jornal, na leitura das opiniões dos referidos sindicalistas, “não se
83

identifica se os autores são respectivamente bancários e comerciários ou banqueiros e


comerciantes.”138
Os três sindicatos e seus presidentes terão atenção especial na seção que se segue, para
esclarecimentos sobre suas posições políticas nas lutas da classe trabalhadora no período
estudado.

2.2 – Tradicionais

A apresentação dos sindicatos tradicionais envolve seus respectivos diretores e


situações que digam tanto sobre suas consolidações enquanto tais, quanto sobre suas relações
com poder público e privado na cidade. Os três presidentes de então, ainda hoje, continuam na
presidência dos sindicatos.139

Délcio Mendes, presidente do Sindicato dos Comerciários, e Liomar Ferreira,


presidente do SINCAVER, eram do MDB/PMDB e a posição de cada um dentro do partido
pode se referenciar na eleição de ambos para vereador: o primeiro, de 1983 a 1988 na segunda
gestão de José Falcão (já PDS), e o segundo, de 1989 a 1992, na segunda gestão de Colbert
Martins. Igor Santos diz que Délcio Mendes era vinculado à “facção mais conservadora do
partido”, enquanto Liomar Ferreira compunha a “ala de centro-esquerda” com Chico Pinto e
Colbert.140 Eliezer Ferreira, presidente do Sindicato dos Bancários, nunca assumiu cargos no
poder público de Feira de Santana, assim como não parece não ter se envolvido publicamente
na política institucional da cidade.

Uma ação que envolveu os três sindicatos durante anos foi a construção de um
conjunto habitacional que contemplasse certo número de trabalhadores de cada categoria,
tendo começado as discussões em 1977. A prefeitura de Feira de Santana doaria o terreno e o
INOCOOP mediaria o processo de financiamento, através do BNH. Os sindicatos criaram
instâncias específicas para a construção das casas: dos comerciários, a COHATAFE –
Cooperativa Habitacional do Trabalhador Feirense, que teria 400 casas próprias

138
“Pelegadas”. Seção “Pinga Fogo”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.7.
139
Délcio Mendes foi o primeiro e único presidente, tendo assumido o cargo em 1972, quando a categoria se
desvinculou da Associação dos Empregados no Comércio, que abrigava também os bancários. Liomar Ferreira
assumiu em 1979 e também nunca deixou o cargo. Eliezer Ferreira assumiu em 1974 e deixou de ser presidente
entre os anos de 1989-1992, 1995-1998 e 2004-2007. Entretanto, nunca deixou de assumir algum cargo na
diretoria.
140
SANTOS, 2007, op cit, p.164.
84

provavelmente onde hoje é o Parque Ipê; dos bancários, COHABAFE – Cooperativa


Habitacional dos Bancários Feirenses, 150 apartamentos no conjunto Centenário. Sobre os
taxistas, não temos informações, sobre a construção dos conjuntos, apenas a presença do
SINCAVER nas notícias referentes às negociações com o INOCOOP.
Em 1980, o Ministério do Trabalho criou o Programa Nacional de Habitação para o
Trabalhador Sindicalizado (PROSINDI) que, através do apoio financeiro do BNH e da
administração dos sindicatos, construiria casas para trabalhadores com renda familiar de até
seis salários mínimos. Os três sindicatos feirenses se integraram ao PROSINDI, mas este foi
suspenso pelo BNH no mesmo ano, sob o argumento de que não haveria dinheiro suficiente
para o financiamento previsto.141
Toda essa movimentação acerca de da construção de conjuntos habitacionais para os
trabalhadores representados nesses três sindicatos começou logo após a assunção de Colbert
Martins à prefeitura, pari passu com a criação do PLANOLAR. A estreiteza dessas relações
sugere que os sindicatos tratados aqui participavam da tentativa de reorganização da classe
trabalhadora feirense por parte do MDB.
Vamos acompanhar agora parte da movimentação de cada um dos três sindicatos antes
de se acirrar a disputa entre estes e os petistas-cutistas. Eles voltarão a ter destaque no
próximo capítulo, quando trataremos das oposições sindicais.
O Sindicato dos Bancários foi fundado em Feira de Santana pouco antes do golpe de
1964. O estreitamento nas relações com o MDB, porém, se deu a partir de 1974, quando
venceu as eleições para presidente o funcionário do Baneb Eliezer Ferreira, do PCdoB. Essa
eleição foi viabilizada com o apoio do interventor nomeado pela DRT, José Edson de Lima
Coelho. As ações dessa direção apontam para o forte caráter assistencialista na prática
organizativa do sindicato: instalação de barbearia, consultório dentário e médico, clube
recreativo dos bancários.142
A atuação da diretoria em relação a outras organizações da cidade reforçam o referido
caráter. O Sindicato dos Bancários participou, junto com o Sindicato dos Comerciários, CIFS,
radialistas e outras categorias, do “torneio futebolístico” da Semana da Pátria, realizada pelo
35º BI.143 O jornal Feira Hoje noticia algumas movimentações comuns dos membros da
diretoria, a exemplo da que se segue. Luiz Gonzaga Ferreira foi a Salvador para “participar da

141
“Sindicato discute dissídio coletivo”. Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1977, p.1; “Bancários vão criar uma
nova cooperativa”. Jornal Feira Hoje, 18 de agosto de 1978, p.3. “Criado um programa habitacional para o
trabalhador sindicalizado de baixa renda”. Jornal Feira Hoje, 13 de janeiro de 1980, p.3. “Inocoop explica
paralisação do Prosindi e líderes não aceitam”. Jornal Feira Hoje, 28 de outubro de 1980, p.4.
142
40 Anos de Luta. Produção do Sindicato dos Bancários de Feira de Santana. 2003. DVD.
143
“Bancários vão criar uma nova cooperativa”. Jornal Feira Hoje, 18 de agosto de 1978, p.3.
85

reunião do conselho fiscal da Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários dos


Estados da Bahia e Sergipe”, da qual era membro.144 Essa veiculação de notícias demonstra
uma relação próxima entre o sindicato e setores da classe dominante. O mesmo membro da
diretoria, Luiz Gonzaga Ferreira, em fins da década de 1970, assinava a Coluna Sindical do
jornal conservador de maior expressão na cidade, o Folha do Norte.
Nas eleições de 1980, Luiz Gonzaga Ferreira montou uma chapa pra disputar com o
candidato à reeleição, Eliezer Ferreira. Nas acusações entre as chapas, podemos perceber uma
possível divisão dentro do PMDB feirense no apoio às chapas, quando encontramos relações
entre a chapa de oposição e José Falcão que, naquele ano, já negociava sua ida para o PDS.145
Alguns meses após ter vencido as eleições, Eliezer Ferreira disse que o aumento
anunciado pelo governo federal no Dia do Trabalho havia amenizado a situação dos
trabalhadores do país, apesar do aumento no custo de vida.146
Sobre o SINCAVER, temos a publicação do orçamento previsto para o ano de 1978:
pouco mais de 60% da receita vinha do imposto sindical. Em seguida, as mensalidades dos
sindicalizados. Parte ínfima da receita advinha das multas por atraso na contribuição sindical
e “reembolso de despesas da oficina com taxímetros”. As despesas do sindicato são com:
administração, contribuição com o “Governo Federal, c/ emprego e salário”, federação e
salários, assistência social (médica, dentária, jurídica), serviços sociais (esporte, auxílio
viagem), assistência técnica, aplicação de capitais (mobiliário, biblioteca), “despesa com
distribuição de fiscalização de guias da contribuição sindical.” Assinam esse orçamento: José
Olegário Teles da Silva (presidente), Albérico ilegível Souza (tesoureiro), Walter Rodrigues
ilegível (contador).147
Em novembro de 1979, Liomar Ferreira ganhou as eleições para Edson Perrone,
candidato apoiado pelo então presidente, José Olegário Telles da Silva. Porém, o início da
gestão não foi tranqüilo por conta da proposta de extinguir os pontos fixos – rechaçada pelos
motoristas do ponto da Estação Rodoviária, que apoiaram Edson Perrone – e regularizar os
táxis-lotação. Esta última foi mais polêmica porque a maioria dos motoristas apoiavam a
proposta, mas concretizá-la seria entrar em disputa com os motoristas de ônibus.148 Duas

144
“Líder sindical vai participar de reunião”. Jornal Feira Hoje, 15 de março de 1978 p.3.
145
“Sindicato dos Bancários tem primeiro candidato às eleições”. Jornal Feira Hoje, 17 de fevereiro de 1980,
p.5. “Bancário faz denúncias contra o atual presidente do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 09 de maio de 1980, p.5.
146
“Líderes sindicais dizem que aumento salarial do governo não satisfaz as necessidades”. Jornal Feira Hoje,
03 de maio de 1980, p.3.
147
“Sindicato dos condutores autônomos”. Jornal Feira Hoje, 29 de dezembro de 1977. p.11. Olegário era do
MDB, provavelmente aliado a José Falcão, pois apoiou o candidato deste para a chapa do SINCAVER na eleição
de 1979, contra Liomar Ferreira, candidato apoiado por Colbert Martins.
148
“Modificações geram polêmica”. Jornal Feira Hoje, 05 de dezembro de 1979, p.3.
86

semanas depois, prefeito assinou decreto que extinguiu pontos fixos e garantiu que os órgãos
de trânsito cuidariam para que não houvesse problemas com a liberdade de qualquer taxista
parar em qualquer ponto de taxi.149 No início de janeiro, Colbert Martins declarou que
implantação dos táxis-lotação só dependia da mudança no regulamento municipal que versava
sobre táxis servirem ao transporte individual. Liomar Ferreira garantiu que muitos motoristas
procuraram o sindicato para saber quando a medida entraria em vigor e defendeu que Kombis
não fizessem tal serviço, para não prejudicar os taxistas.150
O Sindicato dos Comerciários, não à toa, é o que mais aparece nas notícias do Feira
Hoje. Essa categoria era a maior da cidade numericamente e o sindicato que a representava
era cuidadosamente preservado pela classe dominante, inclusive os industriais, da cidade, que
já se chamou Cidade Comercial de Feira de Santana entre fins do século XIX e início do
século XX. O caráter comercial como definição da atividade econômica prioritária da cidade
já foi alvo de disputas dentro da própria classe dominante, notadamente quando das
articulações para se construir o CIS, em fins da década de 1960. A fundação do Sindicato dos
Comerciários no ano de 1972 e indicação de um nome da ala do MDB que mantinha relações
com a ARENA para o cargo de presidente diz muito sobre essas disputas.
Nas páginas do Feira Hoje, vemos Délcio Mendes falando sobre dissídios coletivos,
relações entre comerciários e comerciantes, opinando sobre a política nacional e escrevendo
numa seção chamada Coluna Sindical. Em agosto de 1980, nessa mesma Coluna, ele denuncia
o desrespeito aos sindicatos da cidade e reivindica criação de uma lei de estabilidade e outra
“que justifique sua participação no progresso da empresa”, referindo-se ao respeito para com
o trabalhador.151
Um ano antes, ele se põe a favor da proposta do governo federal de unificação dos
salários mínimos, desde que “seja obtida pelos trabalhadores através do diálogo, sem que se
dêem movimentos não permitidos por lei”.152 Nessas duas falas, podemos notar o
posicionamento de Délcio Mendes frente à ditadura, pondo suas leis acima da vontade política
dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que concorda com a permanência da estrutura
sindical.
Anos antes, o diretor do referido sindicato prestou contas das despesas com os serviços
para os associados: “Gastamos mensalmente quase Cr$ 20 mil com os serviços médico,

149
“Táxis podem parar em todos os pontos”, Jornal Feira Hoje, 21 de dezembro de1979, p.3.
150
“Prefeito diz que táxi-lotação só depende de novo regulamento”. Jornal Feira Hoje, 08 de janeiro de1980, p.3.
151
“Coluna Sindical”. Jornal Feira Hoje, 08 de agosto 1980, p.10
152
“Délcio cauteloso: unificação salarial”. Jornal Feira Hoje, 02 de fevereiro de 1979, p.5.
87

odontológico, pediátrico e jurídico”.153 Posteriormente, Délcio Mendes reclamou de empresas


locais que exerciam dupla atividade e destinavam imposto sindical apenas à indústria,
deixando o Sindicato dos Comerciários sem condições de ampliar os benefícios aos seus
associados além de perder estes, já que trabalhadores desse tipo de empresa se associavam a
outros sindicatos.154 Vemos aqui a mútua dependência entre imposto sindical e
assistencialismo, cuja justificativa é o bem-estar do associado (designação mais recorrente
que trabalhador). Essa dependência sofreu forte crítica por parte dos petistas-cutistas, tanto
por estreitar a capacidade de mobilização dos trabalhadores, quanto por dividir com o Estado
o peso da assistência social.
Ainda, não devemos perder de vista os laços deste sindicato com o patronato. Em fins
de 1977, firmas do comércio procuraram o sindicato, a fim de pegarem formulários para o
Acordo Coletivo de Prorrogação de Horário de Trabalho no período de vendas para o natal,
devido ao grande número de atestados médicos. Délcio Mendes disse que o ocorrido era bom,
pois, de um lado, os comerciários desempenhariam um bom trabalho e, de outro, a saúde deles
não seria prejudicada, satisfazendo “aos empregadores e ao mesmo tempo aos
empregados.”155 O acordo só foi posto em prática depois de boa quantidade de atestados
emitidos. A resistência à exaustiva jornada de trabalho se dava individualmente, pela
recorrente estratégia de entregar atestados médicos para faltar e não ter seu salário diminuído.
Délcio Mendes escolheu, em nome da satisfação geral, se manter do lado dos comerciantes.
Mas essas relações de colaboração do Sindicato dos Comerciários também se deram
diretamente com o governo ditatorial. Foi anunciada a abertura da escola de datilografia, que
iria funcionar nos três turnos, na própria sede, situada à Av. Senhor dos Passos, inicialmente
com dez máquinas, “adquiridas através de uma substancial ajuda dada pelo Ministério do
Trabalho”. Este liberou 40.000 cruzeiros e o sindicato desembolsou 5.200. Em parceria com o
SENAC, o sindicato oferecia ainda cursos de Datilografia, Auxiliar de Escritório, Relações
Humanas e Cálculos Comerciais.156
Meses depois desse anúncio, houve eleição com chapa única, cujo slogan de campanha
foi “Sindicato é Civilização. Participe do mesmo.” Na posse estiveram presentes o delegado
regional do trabalho, Ivanilson Trindade, presidente da Federação dos Empregados no

153
“Sindicato discute dissídio coletivo”. Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1977, p.1.
154
“Imposto sindical só vai para a indústria”. Jornal Feira Hoje, 24 de setembro de1978, p.1.
155
“Comerciários mais conscientes procuram informação no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 15 de dezembro de
1977, p.3.
156
“Sindicato vai ensinar comerciários a escrever”. Jornal Feira Hoje, 08 de janeiro de 1978, p.3.
88

Comércio dos Estados da Bahia e Sergipe, Osvaldo Gonçalves Ferreira e presidentes de


outros sindicatos dos comerciários, a exemplo de Vitória da Conquista e Jequié.157
O presidente candidato à reeleição não explicou a razão do slogan, mas não é difícil
notar, pelo que já foi mostrado dos seus esforços em ampliar os serviços assistenciais para os
comerciários, que foi uma tentativa de convencimento do tipo de prática sindical que Délcio
Mendes e os outros tradicionais tinham. As relações dominantes e dominados já estavam
postas, cabia aos associados se integrarem à civilidade, própria do aparente consenso de
classe, que se travestia de uma relação entre colaboradores.
A presença de sindicalistas e lideranças populares em colaboração nos espaços das
sociedades civil e política, como acabamos de ver, e até em cargos da prefeitura, a exemplo
dos administradores de bairro, caracteriza a presença orgânica do bloco MDB/aliados no
movimento sindical e popular.158 O apoio e a presença do Estado nos sindicatos e associações,
bem como a ligação orgânica com lideranças populares, se consolidaram enquanto prática
política das organizações de trabalhadores mais antigas da cidade. Indícios de como isso se
deu serão encadeados na seção que se segue.

2.3 – Paternalismo na Feira

Durante todo o período estudado por nós, Feira de Santana teve apenas dois prefeitos.
Entre 1973 e 1992, se revezaram no poder Colbert Martins e José Falcão, com duas gestões
cada um.159 Ainda que este último tenha sido eleito na segunda vez pelo PDS, partido aliado
ao carlismo160, ambos foram frutos da aliança política vitoriosa com Chico Pinto, mantida em
pleno vigor nos anos 1970 e 1980. Essa aliança política envolvia setores organizados dos
trabalhadores. A luta pela organização e direção política dos trabalhadores na cidade a partir

157
“Délcio toma posse de novo no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 29 de junho de 1978, p.3. “Sindicato tem
eleição dia 29”. Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1978, p.1.
158
Outro exemplo é a diretoria do Centro Social Urbano (CSU) ter sido ocupada por Délcio Mendes a partir de
1989.
159
José Falcão (MDB, 1973-1977); Colbert Martins (MDB, 1977-1982); José Falcão (PDS, 1983-1988); Colbert
Martins (PMDB, 1989-1992). José Falcão voltou a ser prefeito pela terceira vez em 1997, pelo PFL, mas faleceu
seis meses depois de assumir o cargo.
160
Carlismo foi o movimento político em torno de Antonio Carlos Magalhães, comumente chamado de ACM e,
ironicamente, de cacique e coronel. ACM era da UDN e, após o golpe de 1964, foi para a ARENA. Foi prefeito
de Salvador ainda na década de 1960 e, na década posterior, foi governador da Bahia. Foi eleito governador
desse mesmo estado em 1991, sendo sucedido por outros governadores da sua área de influência até 2007,
quando Jaques Wagner, do PT, assumiu o cargo. Importante lembrar que, na eleição em que José Falcão ganhou
pelo PDS, o PMDB se dividiu, concorrendo com dois candidatos.
89

de meados do século XX teve de se deparar com a presença robusta da política do


PSD/MDB/PMDB e seus aliados no meio dos trabalhadores.
Assim, voltamos o nosso olhar para como se constituiu essa aliança com os
trabalhadores feirenses. Larissa Pacheco, ao discutir as relações entre a prefeitura e a feira
livre, durante a gestão de Chico Pinto, recolheu depoimentos que registram a memória de uma
relação bastante característica: “Ele [Chico Pinto] fazia muita coisa pela feira [...] Ele fazia
muita coisa pelo pessoal pequeno. Ele ajudava em qualquer setor, se fosse um emprego, ele
conseguia, fazia muita coisa pelo povo. Era um cara que deixava o povo trabalhar, não
perseguia ninguém, sempre ajudava.”161
O contato pessoal era muito importante, pois marcava uma figura política importante
como o prefeito enquanto “amigo”, “chegado”. A necessidade da presença para se estabelecer
a confiança, de encontro à idéia do prefeito que faz seu trabalho para todos, indistintamente,
para uma população sem rosto, sem necessidade de contato direto. O bate-papo, o “como é
que vai a vida?”, eram importantes na relação de lealdade, que parecia se dar pela não
interrupção das formas tradicionais de trabalho e, com ele, também a sociabilidade. Isso em
relação aos feirantes, para os quais os laços de solidariedade eram imprescindíveis à
realização do seu trabalho, a exemplo das caminhadas desde os distritos para se chegar ao
centro da cidade, que eram feitas conjuntamente, pois eram longas e iniciadas na madrugada.
A tentativa de Chico Pinto fazer da classe trabalhadora aliada da sua gestão ficou
explícita em seu título de campanha para prefeito em 1963: “Chico Pinto no poder é o povo
governando”. Porém, durante o processo eleitoral, o candidato já contava com boa parte dos
trabalhadores, pois havia se tornado advogado de alguns sindicatos desde 1955, mesmo ano
em que começou seu mandato de vereador pelo PSD.162
Os caminhos que o levaram a escolher opor-se ao bloco dominante à época,
representado pela UDN, pode ser sintetizada em suas próprias palavras: “[...] sou um produto
do populismo (sem aspas) do Getulismo, da rígida ética que a UDN pelo menos externava e,
mais tarde, dos ideais socialistas absorvidos na universidade”. Esse ethos político de Chico
Pinto pode ser percebido nos critérios para o estabelecimento de relações pessoais, a exemplo
do cumprimento da palavra, bem como na austeridade com que conduzia os projetos de sua

161
Entrevista com o feirante José Carlos em PACHECO, op. cit, 2009, p.104. Ele foi um dos que não ficou no
CAF e contou à autora sobre como era a feira antes da inauguração do mesmo.
162
Os sindicatos eram: Construção Civil, Fumageiros, Feirantes, Metalúrgicos e Comerciários. Cf. NADER,
1998, op cit, p.144.
90

gestão, na tentativa de fazer uma reforma administrativa.163 Fazem parte disso a condenação
da figura do atravessador no mercado de alimentos e também proposta de elaboração de um
Código Tributário, inexistente à época, para barrar a sonegação de impostos e regularizar as
contribuições com a prefeitura.
A popularidade de Chico Pinto ainda enquanto vereador ajudou a esvaziar a aliança
local UDN-PTB durante as eleições para prefeito, tendo também o apoio extra oficial do PCB.
Ainda assim, ele ganhou com pouco mais de 60 votos para João Durval, que pretendia ser o
terceiro prefeito consecutivo pela UDN. Isso implicou em uma difícil correlação de forças
entre executivo e legislativo. Larissa Pacheco encontrou alguns dos projetos encaminhados à
Câmara marcados com a inscrição “cemitério”, certamente pela não aprovação deles.164

É possível que isso tenha impelido Chico Pinto a assumir uma postura política típica
de quem é oposição, ao partir para o embate – com o apoio dos trabalhadores – para que os
projetos do executivo fossem aprovados. Temos dois episódios que marcaram a sua gestão.
Um foi o ato que ficou conhecido como “Quebra-quebra da Câmara”. Tendo a discussão
sobre as prioridades para o Orçamento Municipal de 1964 corrido a cidade nos debates em
que estavam sempre presentes o prefeito e os secretários municipais, o projeto foi submetido à
aprovação da Câmara de Vereadores nos últimos meses de 1963. Sua discussão foi adiada por
várias seções e, na última do ano, as associações de moradores e a Associação dos Estudantes
Secundaristas de Feira de Santana (AFES) compareceram para garantir a aprovação. Os
vereadores usaram essa presença para suspender a seção, sob a justificativa de “algazarra” e
as insatisfações causaram a destruição do espaço físico da Câmara dos Vereadores. Após o
golpe, Chico Pinto foi indiciado como responsável pelo ocorrido.165
O outro episódio, no mesmo ano, foi “A guerra dos currais”. À época as prefeituras
ainda dependiam dos governos estaduais para a cobrança de alguns impostos, bem como a
disponibilização por partes dos últimos de um secretário de finanças. O governador Lomanto
Júnior, eleito pela coligação PL/PTB/UDN, havia retirado João Torres do cargo de secretário
de finanças, não tendo posto outro no lugar. Em reação, quase todo executivo municipal e os
trabalhadores dos currais ocuparam o Campo do Gado, pertencente ao município, no dia em

163
Há ainda um forte tom personalista no trato com a gestão de Chico Pinto, mesmo por parte dos historiadores
da cidade. Ele próprio reforça a identificação entre governante e Estado no depoimento que concedeu a Ana
Beatriz Nader. Ainda não temos um estudo que analise, por exemplo, o papel dos secretários municipais e
também dos administradores de bairros na construção dessa gestão.
164
PACHECO, 2009, op cit, p.100.
165
CAMPOS, Ricardo. O putsh na Feira: sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-
1967. Feira de Santana: UEFS (Monografia de Graduação em História), 2010, p.38 et seq. NADER, 1998, op cit,
p.145-146.
91

que a fiscalização estadual foi realizar a cobrança de impostos. O próprio Chico Pinto
elaborou um habeas corpus preventivo, mas não houve conflito armado. Depois disso, João
Torres voltou ao cargo.166
Ainda que Chico Pinto se auto-proclamasse “produto do populismo”, essa forte
influência não implica, de antemão, em um tipo de relação com os trabalhadores que possa ser
definida como populismo. Igor Santos fala em populismo quando se refere à gestão de Chico
Pinto, mas diz que o conceito não dá conta e aponta para paternalismo, pelas “efetivas
conquistas organizativas populares”.167 Larissa Pacheco diz que o “legado populista getulista”
faz parte do processo de formação política dos trabalhadores feirenses nessa mesma época.168
A nós interessa saber de onde vem a recusa dos tradicionais em participar das
mobilizações coletivas, onde os conflitos de classe eram exacerbados. Sua justificativa de que
tais mobilizações eram organizadas por pessoas “alheias à classe” diz sobre o lugar em que
eles mesmos se colocavam para falar em nome dos trabalhadores, como veremos na próxima
seção. Porém, o discurso de autoridade dos tradicionais estava balizado por práticas que,
segundo os poucos estudos ainda existentes sobre trabalhadores feirenses, parecem ter
começado a se constituir na gestão de Chico Pinto, com a institucionalização de uma certa
relação entre dominantes e subalternos.
A gestão de Chico Pinto, mesmo interrompida, agregou grupos que, posteriormente,
convergiram para o bloco do MDB feirense chamado “progressista” ou “populista de
esquerda”, segundo os petistas-cutistas. Diante da investigação acerca experiência dos
trabalhadores feirenses nas mobilizações coletivas da década de 1980, achamos importante
arriscarmos uma interpretação sobre a relação entre classes em Feira de Santana que se deu
nos seguintes termos: a constituição de um bloco dominante na cidade – em oposição a outro
bloco dominante, constituído por fazendeiros-comerciantes em geral representados pela UDN
– que exerceu sua hegemonia a partir do fortalecimento da oposição à ditadura, em meados da
década de 1970, até início da década de 1990, incluiu a construção de outra relação com a
classe trabalhadora feirense.
Essa relação de dominação de tipo novo na cidade é vista por nós como paternalismo,
tendo como base a avaliação de E. P. Thompson sobre o conceito.169 Não podemos afirmar se

166
Idem, p.34 et seq. Idem, p.147.
167
SANTOS, 2007, op cit, p.312.
168
PACHECO, 2009, op cit. p.97-98.
169
THOMPSON, E.P. Patrícios e plebeus. In: ________ Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Neste artigo, o autor lança críticas ao conceito, mas o aceita
pra tratar das relações entre dominantes e dominados na Inglaterra do século XVIII. Ainda que estejamos
tratando de um processo histórico distinto, algumas premissas compõem nossa defesa do conceito para Feira de
92

antes da década de 1960 havia relações paternalistas na cidade, nem defendemos que houve,
em algum período uma “sociedade paternalista”. Apenas indicamos a institucionalização de
relações paternalistas ou, de outra maneira, a constituição de relações paternalistas através do
Estado. Sem nos importarmos, neste estudo, com a precedência de uma das duas, achamos
que as relações paternalistas hegemonizaram a classe trabalhadora, inclusive na constituição
de suas entidades.
Pelo que já foi dito até aqui sobre a gestão de Chico Pinto, as duas gestões de Colbert
Martins e as lutas nos bairros, o aprendizado político da classe trabalhadora foi tutelado, em
uma relação de confiança que, ainda assim, não deixava de ser conflituosa. Vimos como a
figura do administrador de bairro, criada na gestão daquele primeiro, que durou décadas, foi
rejeitada quando a relação de confiança era quebrada.
Os projetos feitos, e alguns implementados, na gestão de Chico Pinto, levaram à baila
do espaço público demandas dos trabalhadores acrescidas de mecanismos de controle sobre os
mesmos. Relembramos a construção do tanque público de lavagem e o “centro de
abastecimento volante”. Em ambos, havia o reconhecimento por parte dos subalternos de que
a figura política agia em seu favor, mas isso não se dava em uma observação da mudança em
sua rotina, no cerceamento de regras no ritmo e tempo, de regras na compra-e-venda de
alimentos que haviam sido estabelecidas pelos eles mesmos.
Se, por um lado, havia o incentivo do referido bloco dominante à organização dos
trabalhadores, havia também a necessidade de que as figuras proeminentes desse bloco
estivessem presentes (inclusive fisicamente) nesse processo. Isso implicou em uma relação
em que o dominante também era o pater, por acompanhar os passos dos subalternos que, por
sua vez, impunham limites na interferência em seus espaços de convivência. Nesse sentido,
não havia propriamente consenso. Parece que, o que importava não era a ausência de
conflitos, mas a garantia de que eles não se tornassem uma ameaça à sua hegemonia sobre a
classe e de que essa não estabelecesse relações de confiança com outro bloco dominante. De
alguma maneira, dominantes e subalternos “moderavam o comportamento político uns dos
outros”.170 Dessa maneira, nos parece que em Feira de Santana não houve “doação” nem

Santana: trata-se de uma relação de classes que, apesar de atravessar o Estado, não se traduz em uma relação
entre Estado e classe trabalhadora; situa uma época onde o racionalismo nas relações capitalistas ainda não se
constituiu como um forte componente nas relações entre as classes; pressupõe uma relação onde dominantes e
dominados movimentam-se medindo os passos uns dos outros. Contudo, não deixava de ser uma relação de
dominação, onde os dominados tinham um horizonte de reivindicações dialogável e recorriam a um repertório de
tradições vistas como legítimas e empregadas nas lutas.
170
Idem, p.68.
93

“roubo da fala” por parte dos dominantes, tampouco o esfumaçamento das classes sob o
discurso da “nação” ou da “cidadania”.171
Voltemos nossas atenções para a tentativa de continuidade desse tipo de relação por
parte de Colbert Martins, cuja vitória para prefeito nas eleições de 1976 teve forte apoio de
Chico Pinto.172 Sua habilidade para isso é comentada por alguns que conviviam com ele, bem
como é perceptível em uma matéria do Feira Hoje. Funcionários do Departamento de
Limpeza Pública (DLP), comumente conhecidos como garis, foram à sede do jornal denunciar
que ainda não tinham recebido o aumento decretado pelo governo federal desde novembro do
ano anterior e fariam greve caso não recebessem. Estavam ainda mais revoltados porque no
dia anterior foram chamados ao DLP para receber apenas uma percentagem ínfima,
comparada ao que deveriam receber.
Pouco tempo depois, o prefeito chegou à sede do jornal e estabeleceu diálogo com os
garis nos seguintes termos: primeiro, reconheceu que o executivo municipal não havia
repassado o reajuste e disse que nenhum outro órgão público do país havia feito isso ainda;
segundo, perguntou se algum dos garis estava com a Carteira de Trabalho irregular e com
salário ou quaisquer vantagens atrasados, recebendo como resposta uma negativa; por fim,
“autorizou que fossem à prefeitura, hoje, a fim de discutir o problema e lamentou ainda não
ter sido procurado pelos garis para discutir o problema.”173 Colbert Martins, certamente
avisado pelo jornal, foi à procura dos garis e discutiu pessoalmente com eles, além de ter se
utilizado de relação de confiança entre prefeitura e eles, através do pagamento certo e
demonstrando descontentamento porque os garis procuraram outras pessoas e não ele.
Já no início de sua gestão, Colbert Martins foi convocado para arbitrar um conflito
entre patrões e empregados. Em fevereiro de 1977, sindicalistas pediram ajuda àquele para
interceder junto aos patrões para que não houvesse trabalho no feriado de carnaval. Na carta, a
justificativa forte foi que o carnaval “é sem sombra de dúvidas uma tradição Nacional,

171
Este é o núcleo central da tese de Angela de Castro Gomes, que usa o conceito de populismo para estudar as
relações entre classe trabalhadora e o Estado Novo: os trabalhadores tiveram suas reivindicações incorporadas
pelo Estado e devolvidas a eles em forma de “doação”, na construção da idelologia do “Estado-Providência” e
no culto a Getúlio Vargas, o que bloqueou a “emissão de qualquer outro discurso concorrente”. Cf. GOMES,
Angela Maria de Castro. A invenção do trabalhismo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p.25. Adalberto
Paranhos questiona parte da tese, mostrando que havia “discursos dissonantes”. Porém, mantém a idéia de pacto.
Cf. PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala. Origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São Paulo:
Boitempo, 1999.
172
O documentário Pinto vem aí, de Olney São Paulo, mostra a visita de Chico Pinto à cidade no processo
eleitoral para prefeito, onde concorreram Angelo Mário de Carvalho, pela ARENA e Colbert Martins, pelo
MDB.
173
“Garis protestam e ameaçam fazer greve”. Jornal Feira Hoje, 31 de janeiro de 1980, p.5.
94

reconhecida pelo Govêrno Federal”. 174 Note-se que o CIFS e a ACFS já haviam feito reunião
apenas com o prefeito, onde ficou decretado que não haveria feriado de carnaval na cidade.
Até o CIS foi envolvido na aproximação com os trabalhadores. Em 1982, este órgão
promoveu um curso de Legislação Trabalhista e Sindical, do qual participaram apenas os
diretores das seguintes entidades: Sindicato dos Bancários, dos Comerciários, dos
Trabalhadores Rurais, dos Motoristas, dos Jornalistas, Sindicato Hoteleiro e Turismo,
SINCAVER, Sindicato dos Professores – Seção Feira de Santana (SINPRO), APROFS e
Associação dos Gráficos.175 Nessa oportunidade, o superintentende do CIS era Humberto
Cerqueira Mascarenhas, que havia sido vereador pelo PSD na gestão de Francisco Pinto, e é
um dos militantes mais conhecidos PCB feirense.
A prefeitura esteve envolvida até em um importante momento da tentativa de
unificação nacional dos trabalhadores, quando doou Cr$ 60 mil para que participassem da I
Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT): Délcio Mendes, do Sindicato dos
Comerciários, Acácio, da Associação dos Técnicos Agrícolas (ASTA), representantes do
Sindiquímica, Sindipetro e Associação de Assistentes Sociais.176 A I CONCLAT reuniu
diferentes setores do sindicalismo brasileiro e deliberou a criação da comissão Pró-CUT
Nacional e a convocação da II CONCLAT, para a fundação da CUT Nacional. Dessa I
CONCLAT saiu a caracterização da divisão do movimento sindical em blocos: “autênticos”,
“reformistas” e “pelegos”.
Por fim, gostaríamos de destacar que a recusa do embate não estava restrita ao
movimento sindical feirense, em sua relação com o Estado. No mesmo mês em que a
prefeitura contribuiu financeiramente com a viagem de sindicalistas à I CONCLAT, Luiz
Assis, ao inaugurar sua nova casa, convidou os operários que a construíram para um almoço.
Nessa mesma oportunidade, o Monsenhor Renato Galvão também foi convidado, para
abençoar o espaço. Na época, Luiz Assis era presidente do Banco Econômico e,
anteriormente, havia sido diretor da AFAS, da Sociedade Montepio dos Artistas Feirenses, do
Rotary Club e do Sindicato dos Bancários.177
Em uma projeção de como seria Feira de Santana na virada do milênio, o jornalista e
escritor Juarez Bahia disse:

174
“Coluna Sindical”. Jornal Folha do Norte, 19 de fevereiro de 1977, p.3. Esta coluna era assinada por Luiz
Gonzaga Ferreira, diretor do Sindicato dos Bancários.
175
“Curso de Legislação Trabalhista”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1982, p.4.
176
“Prefeito contribuirá para que sindicatos participem da CONCLAT”. Jornal Feira Hoje, 02 de agosto de
1981, p.4.
177
“Almoço com operários”. Jornal Feira Hoje, 02 de agosto de 1981, p.11. Biografia de Luiz Fernando da
Silva Assis em ALMEIDA, 2006, op. cit., p.235.
95

Não se esqueça, no debate em torno de Feira para os anos


2000, que sua sociedade exprime uma das maiores
epopéias da civilização pastoril brasileira. Basta observar
a sua humanidade cordial, a sua pujança de cidade de
porte médio, a sua geografia alternada de planícies e
planaltos, e a sua arquitetura urbana dominantemente
horizontal, distributiva, solidária, interativa.178

Esse texto foi publicado em 1991, o que nos mostra a persistência na interpretação de
Feira de Santana como terra que dispensa conflitos.

2.3.1 - MOC

Igor Santos, ao falar da avaliação petista, no início da década de 1980, que os


trabalhadores feirenses tinham medo, pois não partiam para o confronto aberto, retrata locais
de associação dos trabalhadores criados décadas antes de o partido ser fundado na cidade:

Sociedades mutualistas de espaço de lazer, como algumas


sociedades filarmônicas, entidades de socorro e
instituições filantrópicas, de caridade e abrigo, voltadas
para a “plebe” feirense, construídos, sobretudo, pelos
grupos dominantes, geralmente através das iniciativas da
Igreja Católica. Além da própria feira livre, espaço
pluriclassista, onde a relação de freguesia, que de certa
forma é uma relação de confiança, pôde estabelecer
vínculos fraternos entre grupos sociais diferenciados.
Mais próximo do nosso período de estudo, a AFAS e o
SIM, entidades de filantropia, também desenvolveram
atividades junto aos trabalhadores de Feira de Santana.
[...] MOC e CEDTER realizaram atividades sociais junto
aos trabalhadores da cidade, para prestar serviço ou
amparo aos trabalhadores, apesar de organizadas por
não trabalhadores.179

É importante perceber que entidades de trabalhadores organizadas por local de


trabalho não tinham tanto destaque quanto aquelas voltadas para assistências de diversos
tipos. Uma delas atravessou o turbilhão de transformações na cidade durante as décadas de
1970 e 1980 atuando na formação política de trabalhadores e disputando espaço entre partidos

178
“Pensar os anos 2000”. Jornal Desafio, maio de 1991, p.1 [Documentação ADUFS]. Esse foi o primeiro
número do jornal, que pertencia a Humberto Mascarenhas, o mesmo que era do PCB e superintendente do CIS.
179
SANTOS, 2007, op. cit. p.179.
96

e sindicatos. Sem querer traçar a trajetória do MOC, apontaremos apenas aspectos que dizem
respeito: i) ao seu poder de articulação, que viabilizou financeiramente atividades de
formação dos trabalhadores rurais; ii) à sua concepção de luta camponesa para que, no
próximo capítulo, possamos explicar a disputa pela influência sobre o STR-FSA.
O MOC foi fundado em 1968 através da Diocese de Feira de Santana, tendo apoio
financeiro da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), com o
objetivo de atuar em comunidades carentes para formar seus integrantes a fim de que
viabilizassem a resolução de seus próprios problemas. O padre escolhido pela Diocese para
dirigir o MOC foi Antonio Albertino Carneiro, um dos que trabalharam para viabilizar sua
fundação. Em 1971 o MOC se desligou formalmente da Igreja Católica, mediante registro
jurídico no Conselho Nacional de Serviço Social, do Ministério da Educação (CNSS/MEC),
registro próprio para entidades não governamentais que prestavam serviços sociais.180 A
concepção cristã permaneceu como guia das práticas, como veremos, mas o MOC ganhou
autonomia perante a instituição religiosa.
Em entrevista recente, o ex-padre Albertino Carneiro diferenciou os trabalhos feitos
pelo MOC e pelo SIM. Este último era adepto da “onda de industrialização” na cidade e
queria formar mão de obra para ver a cidade de Feira de Santana cumprir os objetivos que eles
esperavam alcançar. O MOC queria formar politicamente a população rural, para que eles se
desenvolvessem pelas próprias mãos.181
Ainda que a atuação do MOC estivesse concentrada no campo, figuras proeminentes
do MOC foram diretores do PLANOLAR nas duas gestões de Colbert Martins, como vimos
no capítulo anterior. À primeira vista, pode-se deduzir que o MOC quis acompanhar os
trabalhadores expulsos do campo que iam morar na periferia de Feira de Santana. Isso é
confirmado no seu Relatório Anual de 1984, onde existe um Programa Urbano de Ação.
Porém, em nenhuma parte se fala do envolvimento da entidade na política habitacional do
município. Há apenas referência a trabalhos de formação de associações de bairro e
constituição de pauta de reivindicações relacionadas à moradia, assim como a promoção de
cursos profissionalizantes para jovens.182
Por trás dessa aparente homogeneidade da linha de ação do MOC é possível que
tivesse havido disputas acerca da condução da entidade. Primeiramente, destacamos que

180
PARISSE, Tandja Andréa. A sociedade civil no contexto da ditadura: a experiência do MOC na região de
Feira de Santana no período de 1968 a 1979. Feira de Santana: UEFS (Monografia de Especialização em
História), 2001.
181
Depoimento de Albertino Carneiro, op cit.
182
Relatório Anual. MOC, 1984. [Acervo ADEFS]
97

Albertino Carneiro quase não aparece nas movimentações dos moradores de bairros, ao
contrário de Ildes Ferreira. Também, o PLANOLAR construiu mais conjuntos quando aquele
último era diretor do órgão. No capítulo anterior, vimos a constatação feita por Igor Gomes
que as articulações para financiamentos eram mais viáveis na segunda gestão de Colbert
Martins do que na primeira, quando Albertino Carneiro era diretor do PLANOLAR. Ainda
assim, temos que considerar a vontade política para articular financiamentos a fim de
construir casas populares.
O próprio Igor Santos sugere que havia uma disputa entre Ildes Ferreira e Albertino
Carneiro acerca das prioridades do MOC, quando fala da filiação de Caciano, diretor do STR-
FSA, ao PT em 1988. Santos mostra a defesa de Ildes Ferreira pela priorização da cidade, que
era o lugar das decisões políticas, das disputas sobre o espaço urbano e também o rural. Essa
divergência de opiniões pode ser percebida nas opções partidárias de cada um na década de
1990. Albertino Carneiro se filiou ao PT, após a filiação do STR-FSA à CUT, e junto com a
filiação de muitos trabalhadores rurais no mesmo partido. Ildes Ferreira se filiou ao PPS,
junto com boa parte da ala do PMDB que apoiou as gestões de Colbert Martins.183 Ainda, a
recusa de Albertino Carneiro em deslocar as prioridades do MOC para a cidade talvez fosse
uma resistência à expulsão dos trabalhadores rurais do campo. Buscar o que já haviam sido
expulsos era, em alguma medida, remediar o problema.
Por conta da proeminência de Ildes Ferreira nas disputas pela organização dos
trabalhadores, em colaboração com o MDB/PMDB, seguiremos seus passos para falar sobre a
atuação do MOC no reforço às relações paternalistas em Feira de Santana.
Em entrevista à Revista Panorama da Bahia de maio de 1988, Ildes Ferreira, então
secretário do MOC falou de projetos ligados ao desenvolvimento sustentável entre os
pequenos produtores rurais: sistema de irrigação simplificado, discussões de concepção de
saúde ligada à “saúde da terra” e substituição de agrotóxicos por adubo orgânico, aliando
economia e a proteção do ecossistema. A entrevista nos ajudará a entender sobre quais
premissas se assentava a militância do MOC.
Ainda segundo Ildes, 60% do orçamento do MOC vinha das agências de fomento
(“agências de ajuda ao desenvolvimento”). No balanço patrimonial de 1981, cujo resumo foi
publicado n’O Grito da Terra, dos Cr$ 27.583.278,85 em receitas, apenas Cr$ 2.457.188,72
foi de recursos próprios.

183
SANTOS, 2007, op cit, p.287-288.
98

Atuando em 18 municípios entre Feira de Santana de Serrinha, somando 140


núcleos/comunidades, o MOC, apartidário, tinha definição de projeto de sociedade que não é
socialista nem capitalista, tanto que MOC “é queimado pelos partidos de esquerda e de
direita”, por não terem se beneficiado com o trabalho da entidade. Diferença entre programas
do governo e os do MOC era que os primeiros têm “interesse político”: “Nós, pelo contrário,
investimos apenas com o interesse de beneficiarmos as comunidades rurais [...] o respaldo que
o MOC tem na região é por causa desta prática.” A autodenominação enquanto movimento é
indicativa dessa posição política.
Ildes usou como exemplo do “desagrado” que o MOC gerou entre os partidos a pecha
de comunista dada pela prefeitura, tendo, inclusive, negado o auditório da Biblioteca
Municipal para realização de palestra dessa entidade. 184 Porém, não devemos esquecer que,
naquele momento, o prefeito era José Falcão (PDS, ex-MDB), aliado a Antonio Carlos
Magalhães, e inimigo político de Colbert Martins, que ganhou as eleições meses depois e
nomeou o próprio Ildes Ferreira como diretor do PLANOLAR.
Ao ser questionado sobre o avanço da UDR na Bahia, ele disse que o sindicalismo
baiano “é muito frágil” e são poucos os que entendiam a importância da reforma agrária.
Sobre o sindicalismo rural: “a história tem demonstrado que o sindicalismo rural vem se
fortalecendo porque nós estamos lutando para que ele fique cada vez mais forte e possa ter
voz.”185 Com essa fala, Ildes nos deixa saber que, para ele, na Bahia, o movimento de
trabalhadores urbanos não tinha a ver com as conquistas dos trabalhadores rurais, além de
nem ter força suficiente para encampar suas próprias lutas. O papel de articulação entre os
rurais coube ao MOC – entidade apartidária e alternativa à polarização entre socialismo e
capitalismo – através dos seus intelectuais, comprometidos com as lutas dos trabalhadores,
descomprometidos com partidos e governos.
Ironicamente, essa interpretação sobre a condução das lutas sociais teve espaço no PT
anos depois e, em 1995, venceu através de tese da Articulação, encabeçada por Albertino
Carneiro, com elogios às parcerias entre associações e Estado durante a gestão de Ildes
Ferreira no PLANOLAR.186
Na última parte da entrevista Ildes Ferreira foi questionado sobre as “conquistas
palpáveis” do MOC nos seus 20 anos de existência, elenca três, e a primeira foi: “a gente

184
“Entrevista, Ildes Ferreira”, Revista Panorama da Bahia, Ano 5, nº 101, maio de 1988, p. 3-5.
185
Idem, p.5.
186
SANTOS, 2007, op. cit. No último capítulo, o autor se dedica a explicar como o “transformismo” no PT
feirense aproximou-o do antes tão criticado “populismo de esquerda” através do MOC, que há muito lutava a
favor de “cidadania” e dos “excluídos”, em vez da velha “classe” e dos “trabalhadores”.
99

conseguiu formar uma consciência importante no seio dos trabalhadores. Hoje eles já sabem
reivindicar dos governantes Estadual e Municipal os seus direitos.” As outras duas foram a
implantação de serviços de saúde e a defesa da safra pelo seu produtor. O MOC
instrumentalizava tecnicamente e formava politicamente: a capacitação de pessoas da
comunidade para serviços em saúde, bem como a reorganização no modo de plantar e colher,
não era somente o ato de melhorar a vida dos que trabalhavam e moravam no campo. Era a
prática de quem construía relacionamentos políticos através da interferência consentida no
cotidiano desses trabalhadores.
A participação do MOC na retomada do STR-FSA por parte dos trabalhadores está
registrada na dissertação de mestrado do próprio Ildes Ferreira. No capítulo sobre
mobilizações, ele lembra que era recorrente sindicatos de trabalhadores rurais serem fundados
por fazendeiros e comerciantes, utilizando-se do nome de trabalhadores para registrar os
sindicatos. Para Ildes, o processo de conquista do sindicato pelos trabalhadores rurais precisou
da ajuda de “forças externas”. Para entendermos melhor essa interpretação, vamos ao capítulo
intitulado “As mobilizações camponesas e o apoio externo”: partindo do questionamento de
quando os camponeses se rebelam, faz revisão bibliográfica sobre lutas camponesas em outros
países, para achar pontos em comum que podem ter levado a sublevações. Ao analisar o os
camponeses no Brasil, “vistos dentro de um contexto mais amplo”, o autor localiza o capital
como força exterior que, “ao penetrar no campo altera as condições materiais de vida e,
consequentemente, alteram-se também as formas como os homens se organizam, pensam e
agem.”187 Entretanto, as modificações geradas pelo capital, por si só, não são suficientes para
gerar revolta. Ildes Ferreira usa como argumento o processo de organização para soluções
sobre a expulsão de camponeses das terras onde seria construída a Barragem de Pedra do
Cavalo, na altura do rio Paraguaçu onde estão as cidades de Cachoeira e São Félix, entre 1982
e 1984. Para o autor, é certo que os camponeses não seriam capazes de enfrentar a “força
externa” capital sem outra “força externa”:

as entidades e a equipe de técnicos que se colocaram a serviço


deles e lhes ajudaram a conquistar o direito de falar, de
reivindicar, de ser cidadão, de sobreviver. Esses técnicos,
assessores, efetivamente criaram um espaço para que a
cidadania dos camponeses fosse de fato conquistada, no caso
específico que estamos tratando.188

187
OLIVEIRA, Ildes Ferreira. A luta pela autonomia e a participação política dos camponeses: um estudo nas
micro-regiões de Feira de Santana e Serrinha, no Estado da Bahia. Dissertação de Mestrado em Sociologia.
Campina Grande: UFPB, 1987. p.180.
188
Idem, p.185, grifos nossos.
100

Esse conjunto de pessoas atuava através da Diocese de Feira de Santana, CPT-NE-III,


FETAG e MOC, constituídas na Comissão de Apoio, sob coordenação desta última. Uma
concepção de formação política informada pela relação católica pastor-rebanho nos parece ser
o que conduzia o MOC. Isso não só porque as entidades acima são parte da Igreja Católica ou
têm com ela colaboração mútua, mas também porque Albertino Carneiro, mesmo não sendo
mais padre, continuou se guiando pela referida concepção, bem como o próprio Ildes Ferreira,
que se deixa revelar em trecho da já citada entrevista, quando chamou os camponeses de
“pequeninos”.
Ainda assim, não devemos pensar que a influência cristã-católica no MOC impedia
qualquer defesa de manifestações de insubordinação, como vimos na caracterização do
paternalismo. Se está claro que o MOC não se identificava com qualquer proposta de ruptura
com o capitalismo, não podemos dizer que eles se constituíram em obstáculo para as lutas dos
trabalhadores rurais. Ao contrário, acolhia e apoiava as lutas, até certo ponto, e dava-lhes uma
direção.
A relação que estabelecida com o MDB/PMDB parece ter se dado, grosso modo, nos
seguintes termos: vocês não têm influência no meio rural, nós temos; vocês têm o poder
político, que fica no núcleo urbano, nós não. Vamos dialogar? Ainda sobre as relações com
partidos, há uma questão de viabilidade histórica: o PT surgiu depois que o MOC já tinha
aceitado atuar com o setor mais progressista do MDB na cidade à época. Pensamos que o
MOC esteve mais próximo da atuação das CEBs do que das forças que se opunham
ferrenhamente na década de 1980, na condução das lutas dos trabalhadores: PT e CUT contra
PMDB. Defendemos esse não alinhamento automático do MOC ao MDB/PMDB por dois
motivos. O primeiro diz respeito ao processo eleitoral para prefeito de Feira de Santana em
1982. O nome de Albertino Carneiro, levantado como possível candidato dos moradores de
bairros, inclusive nos que não eram reduto do PMDB, sequer foi considerado pelo partido.
Em segundo lugar, o MOC fez aliança tática com petistas-cutistas na construção do jornal O
Grito da Terra por alguns anos, como veremos no próximo capítulo.

2.4 – STR-FSA

O STR-FSA foi criado em 1971, servindo inicialmente aos interesses de fazendeiros


locais. Esse foi um processo comum na maioria desse tipo de sindicato no Brasil. As lutas dos
101

trabalhadores rurais começaram a ser organizadas sem o sindicato, mas através de associações
comunitárias, sob orientação do MOC. Durante toda a década foram registrados conflitos de
terra em Feira de Santana e regiões próximas, envolvendo prisões e torturas de trabalhadores
rurais. Um livro produzido pelo STR-FSA, sob a coordenação de Ildes Ferreira, destaca o
conflito da Fazenda Candeal, a partir de 1975, como “ponto de partida para que os
trabalhadores começassem a entender a função do Sindicato.”189
Situada no distrito de Maria Quitéria, onde também já havia uma associação desde
1973, a ACOMAQ, a fazenda era local de trabalho de muitos camponeses do distrito. Com a
ameaça de expulsão e a presença de grileiros, intensificando a violência, os trabalhadores
exigiram a titulação das terras, com o apoio institucional do MOC e da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura (FETAG). O assassinato do lavrador Joaquim Pereira dos
Santos pela milícia dos fazendeiros fez o caso tomar proporções maiores. Em 1978 o Instituto
de Terras da Bahia (INTERBA) passou a expedir os títulos para os lavradores.190
Outra luta travada pelos trabalhadores rurais se deu entre seus próprios pares. Desde a
primeira gestão sob o poder da categoria, as trabalhadoras rurais começaram a se organizar
para terem garantidos os seus direitos, a exemplo do voto e da aposentadoria. Até então havia
se convencionado que o homem, como chefe da família, teria acesso a benefícios, que seriam
estendidos à sua família, desconsiderando assim a mulher como colaboradora na renda
familiar. Além disso, durante toda a década as mulheres travaram uma luta dentro da própria
categoria pelo reconhecimento de sua capacidade enquanto dirigentes políticas. Em 1989
tomou posse Maria das Virgens Almeida, conhecida como Ninha, e foi criado o Departamento
de Mulheres do STR-FSA.
A partir da conquista da direção do STR-FSA pelas mulheres, foi iniciado um trabalho
de institucionalização das questões referentes ao gênero feminino: criação da Secretaria de
Mulheres, discussões sobre as especificidades da trabalhadora rural, além da nova experiência
da inserção feminina na gestão sindical – algo não visto entre os principais sindicatos de Feira
de Santana. As trabalhadoras rurais sabiam que, conquistando os cargos de direção estariam
em outro patamar de discussões acerca da luta feminina entre os rurais. Essa luta foi
articulada nacionalmente, tendo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

189
OLIVEIRA, Ildes Ferreira (coord.). Resistir para sobreviver: o trabalhador rural do município de Feira de
Santana. Feira de Santana: Sindicato dos Trabalhadores Rurais, 1997, p.16. O livro é resultado de uma pesquisa
de campo solicitada pelo próprio sindicato, a fim de conhecer a realidade dos pequenos produtores dos 7 distritos
de Feira de Santana: Maria Quiteira, Tiquaruçu, Jaíba, João Durval Carneiro (antiga Ipuaçu), Bonfim, Humildes
e Jaguara. Parte do financiamento para a realização do trabalho veio da instituição de fomento alemã
MISEREOR, parceira do MOC desde, pelo menos, a década de 1980, quando encontramos registros sobre ela.
190
Idem, loc cit.
102

(CONTAG) deliberado a obrigatoriedade de uma porcentagem de mulheres nos órgão de


decisão dos sindicatos.191
Entretanto, esse processo se iniciou a partir da tomada do STR-FSA das mãos dos
fazendeiros pelas mãos dos trabalhadores. O processo foi iniciado em 1978. Demétrio, José
Caciano, José da Mota de Sá, Pedro Pio da Silva, Filinto Moreira da Cruz, Pantaleão, Donato,
Nozinho e Nelson, que formavam a comissão de associados dos STR-FSA foram à Federação
dos Trabalhadores, em Salvador, para serem esclarecidos a respeito: da inoperância do
sindicato frente ao não pagamento de sua cota pelo Incra (através do Funrural), segundo os
diretores do STR; da suspensão das atividades de dois dos três médicos que atendem pelo
sindicato, sendo que continuavam recebendo pelo serviço.192 Devido às constantes cobranças
sobre a condução do sindicato e às irregularidades financeiras, Wilson Moreira foi destituído
do cargo, que foi assumido por Nelson Araújo, vice-presidente.193
No ano seguinte, realizaram-se as eleições para a diretoria do sindicato, que teve
inscrição de duas chapas. A primeira, vencedora, foi composta por José Roberto Ferreira de
Sá, José Barbosa de Sá, Dionísio Pereira Fonseca, José Caciano Pereira da Silva, Pedro Pio da
Silva e Afonso Purificação, tendo sido apoiada pelo então presidente, Nelson Araújo. A
segunda tinha Edésio de Oliveira Silva, que foi presidente de 1973 a 1976, Laurêncio dos
Santos Almeida e Osvaldo de Almeida Santos.194
Em fins de 1982 aconteceu novo processo eleitoral, marcado pelas eleições para o
executivo municipal. Três chapas se inscreveram e tiveram o apoio dos três partidos que
disputavam as eleições. A chapa 2, encabeçada por Edézio de Oliveira, que não era
trabalhador rural, foi apoiada abertamente pelo prefeito eleito um mês antes, José Falcão,
tendo sido denunciada ameaças contra os votantes. As outras chapas não tiveram apoio tão
explícito. A chapa 3 tinha José Roberto Sá como candidato à reeleição, apoiado, pelo que
indica o jornal Feira Hoje, pela ala do PMDB cuja influência era de Colbert Martins e Chico

191
JESUS, Tatiana Farias de. As lutas das trabalhadoras rurais e as relações de gênero no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (1989-2002). Artigo apresentado no Simpósio Internacional Fazendo
Gênero 8: Corpo, Violência e Poder. Florianópolis: UFSC, de 25 a 28 de agosto de 2008.
192
“Trabalhadores não gostam do atendimento do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 11 de julho de 1978, p.1. O
jornal não informa o sobrenome de Nelson, para que pudéssemos saber se era Nelson Araújo, então vice-
presidente do sindicato.
193
OLIVEIRA, 1997, op. cit, p.17.
194
“Trabalhadores rurais: marcaram a data das eleições”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de 1979, p.3.
“Trabalhadores rurais escolhem nova diretoria para o sindicato”. Jornal Feira Hoje, 18 de dezembro de 1979,
p.3.
103

Pinto. A chapa 1 teve apoio do PT e de outra ala do PMDB.195 O candidato a presidente foi
Dionísio Fonseca, juntamente com Pedro Pio e José Caciano da Silva, todos diretores da
gestão que se encerrava. A chapa 1 foi vencedora com mais da metade dos votos.196
A conquista do STR-FSA e as posteriores lutas encampadas por essa entidade fazem
parte de um feixe de relações que abarca estrutura fundiária, comércio de alimentos e lutas
dentro da classe dominante. Para que tenhamos uma noção disso, utilizaremos uma declaração
da ACFS à prefeitura em 1976, analisada por Guilherme Lopes. Esse documento justificava a
construção do CAF como prioridade para viabilizar o “desenvolvimento econômico regional”.
Dos motivos elencados resumidamente, destacamos os seguintes: “[...] Oferta de trabalho
durante todo o período do ano a uma larga faixa de produtores [...] Elevação do nível de renda
real do trabalhador urbano [...] Estimular a fixação do homem no campo [...] Higiene da
comercialização, estética da cidade”.197 Anos após a implantação do CIS, os comerciantes
exigiam seu quinhão no referido “desenvolvimento” e viam nisso a recolocação dos lugares
de dominação em Feira de Santana, através da reorganização do mercado de alimentos na
cidade.
Dez anos depois dessa reivindicação por parte dos comerciantes, foi a vez dos
latifundiários tentarem abrir seu flanco nas relações de classe. A União Democrática Ruralista
(UDR) anunciou a instalação de uma de suas unidades em Feira de Santana. A cidade foi
escolhida por ser, historicamente, pólo da microrregião agropecuária da Bahia. A notícia
causou reboliço: o presidente do Sindicato Rural, Luiz Alberto Falcão, declarou não ter
participação na vinda da UDR para a cidade; o vereador Messias Gonzaga propôs uma moção
de repúdio ao ato, o que forçou todos os outros vereadores a se posicionarem; o STR-FSA
convocou uma manifestação.198
Cerca de 40 entidades se reuniram dias antes da manifestação, na sede da Associação
dos Trabalhadores em Construção Civil, para decidir sobre o roteiro e a publicização da
manifestação.199 A solenidade de fundação da UDR havia sido marcada para o meio-dia de

195
Nessa eleição o PMDB se dividiu. Chico Pinto e Colbert Martins se negaram a aceitar Luciano Ribeiro que,
por sua vez, não aceitou abrir mão da candidatura. Concorreram PMDB I, com Gerson Gomes e PMDB II, com
Luciano Ribeiro.
196
“A influência partidária”. Jornal Feira Hoje, 22 de dezembro de 1982, p.3. “Sindicato de trabalhadores rurais
faz eleição”. Jornal O Grito da Terra, novembro de 1982, p.5. “Sindicato dos trabalhadores rurais de Feira
escolhe nova diretoria”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1983, p.5.
197
Associação Comercial de Feira de Santana, 24 de julho de 1976. Citado por LOPES, 2006, op cit, p.12.
198
“Presidente do Sindicato Rural nega envolvimento”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986, p.3. “UDR
polemiza na última sessão da Câmara Municipal”. Jornal Feira Hoje, 03 de julho de 1986, p.2. “Entidades farão
passeata de protesto contra a UDR”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986, p.3.
199
Além do STR-FSA e da entidade que sediou a reunião, algumas dessas entidades foram: CUT, CGT,
Sindicato dos Bancários, dos Comerciários, Metalúrgicos, Condutores Rodoviários, SINCAVER, ASTA-BA,
104

uma segunda-feira, dia em que a população dos distritos e de outras cidades ia ao CAF fazer
compras. Na véspera, o Feira Palace Hotel, lugar reservado para o evento, desistiu de ser sede.
Câmara Municipal e Feira Tênis Clube (FTC) também se recusaram a abrigar os
latifundiários. Por fim, a casa noturna Cabaret aceitou abrigá-los e a solenidade foi transferida
para a noite, driblando a manifestação. No final da manhã de 07 de julho, a manifestação saiu
do CAF com centenas de pessoas, a maioria trabalhadores rurais, em direção à prefeitura,
onde falaram diretores de entidades mais o vereador Messias Gonzaga. Todos se colocaram
contra a instalação da UDR na cidade, tendo como justificativa principal seu caráter de
entidade para-militar.200
À noite, instalou-se a comissão provisória da UDR na cidade, com a presença do
presidente nacional, Ronaldo Caiado, e líderes de outros estados. Os fazendeiros presentes
doaram, ao todo, 382 animais para o fundo de manutenção da entidade.201 Em entrevista ao
Feira Hoje, Ronaldo Caiado disse que, enquanto cristão, repudiava o “casamento do
cristianismo com o marxismo”, tentado pela fração da Igreja católica que punha os
trabalhadores rurais contra os fazendeiros.202
O STR-FSA foi um dos tantos sindicatos de trabalhadores rurais que guardaram
estreitas relações com os católicos progressistas, presentes em entidades diversas, como o
MOC. Porém, como a formação não determina a trajetória, os trabalhadores rurais, ao longo
da década de 1980, foram se posicionando frente às disputas pela direção da classe
trabalhadora feirense.
A participação dos trabalhadores rurais nas mobilizações coletivas, principamente no
dia do trabalho, se intensificou ao longo da década de 1980, pelos seguintes motivos: i) eles
buscavam outras formas de se manifestar, fora as greves, já que nas suas relações de trabalho
(muitos eram pequenos proprietários) não estavam diretamente subordinados a patrões ou
Estado através dos salários; ii) as comemorações do Dia do Trabalho aconteciam no distrito
de Maria Quitéria, aproximando essa categoria do processo de organização para a data; iii) a
luta dos trabalhadores rurais estava em ascenso no país, vide a criação do MST; iv) o PT
feirense os tentava conquistar desde antes da criação da CUT. Veremos como esses fatores

ADUFS, DA de Estudos Sociais, DCE, Associação dos Professores, Unimed, Associação dos Arquitetos,
Delegacia dos Engenheiros de Feira, STR de Anguera e Santa Bárbara, PT, PCB, PCdoB e PMDB. Cf.
“Trabalhadores contra a instalação da UDR aqui”. Jornal Feira Hoje, 07 de julho de 1986, p.3.
200
“Protesto nas ruas contra a presença da UDR em Feira”. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de 1986, p.3.
201
“Fazendeiros doam animais para a organização da UDR”. Jornal Feira Hoje, 09 de julho de 1986, p.3. O PT
reagiu, enviando ao Ministério da Justiça uma solicitação de confisco dos animais. “Partido pede à Justiça que
confisque doações à UDR”. Jornal Feira Hoje, 09 de julho de 1986, p.3.
202
“Ronaldo Caiado. A UDR não tem medo da esquerda”. Jornal Feira Hoje, 10 de julho de 1986, p.4 e 5.
105

estão implicados quando examinarmos o Dia do Trabalho, a Pró-CUT e o jornal O Grito da


Terra.

2.5 – Passado de/sem lutas

Sabemos que o discurso do novo sindicalismo se constituiu em oposição a um passado


em que, na sua interpretação, as lutas de trabalhadores eram feitas apenas pelos que se diziam
seus líderes, com pouco ou nenhum contato com as demandas da classe. Esse “cupulismo”,
que teria levado ao “imobilismo” dos trabalhadores no pré-64, deveria ser superado.
Deveriam ser combatidos os “pelegos” – que então se faziam presentes nas diretorias dos
sindicatos, mas que se utilizavam do espaço para servir a interesses opostos aos dos
trabalhadores – até que o sindicato fosse conquistado para servir à classe trabalhadora.
Em Feira de Santana, os que defendiam a retomada dos sindicatos como etapa
necessária para a autonomia de classe, identificaram nos sindicatos dos comerciários,
bancários e condutores autônomos aqueles contra os quais se deveria travar uma luta ferrenha.
Na luta contra os “pelegos” estavam, em sua maioria, os petistas-cutistas, dispostos a
organizar um movimento de trabalhadores sem, e mesmo contra, a participação dessas antigas
lideranças.
Entretanto, os sindicalistas tradicionais não estavam dispostos a aderir a essa nova
força política, tampouco aceitavam os adjetivos que depreciavam suas relações com os
trabalhadores feirenses. Em uma polêmica criada pela recusa do PT em participar de um
seminário organizado pelo PMDB, em apoio ao governador eleito Waldir Pires, Liomar
Ferreira disparou:

Esse PT que toma posições como essa não é aquele que se


conhece em São Paulo, atuando junto do trabalhador. [...] Eles
se dizem representantes dos trabalhadores, como se apenas o
PT tivesse compromisso com a classe trabalhadora.203

Essa disputa pela representação política dos trabalhadores, que na fala de Liomar
Ferreira se expressou político-institucionalmente, foi além das disputas entre os partidos de
oposição e entre as diretorias de sindicatos e suas oposições. O que esteve em jogo foi

203
“Críticas do PT aos seminários do PMDB aborrecem membro da executiva.” Jornal Feira Hoje, 08 de
fevereiro de 1987, p.2. Naquela oportunidade, além de presidente do SINCAVER, Liomar Ferreira, era também
suplente de vereador e membro da executiva do PMDB.
106

também um “passado quer se quer salvaguardar” e “sentimentos de pertencimento”, nas


palavras de Michael Pollak.204 Nesses momentos de disputa, impasse, ou mesmo de crise, o
recurso a um certo passado se fez necessário aos sindicalistas tradicionais, para que a
evocação servisse como prova de que não é necessária qualquer modificação nas relações
entre os trabalhadores e seus representantes.
Isso é flagrante nos processos eleitorais para diretoria do sindicato dos comerciários, o
maior e mais disputado durante a década de 1980. No ano de 1984, após brigas na justiça
porque a inscrição da chapa de oposição foi rejeitada pela diretoria vigente, a DRT suspendeu
as eleições. Diante disso, Délcio Mendes disse: “podem inscrever até 10 chapas que eu não
tenho medo. Não sou invencível, mas a classe comerciária sabe do meu trabalho e conhece o
serviço que tenho prestado ao sindicato.”205
Nas eleições de 1987, as especulações para saber quem se candidataria começaram
desde o mês de janeiro, no jornal Feira Hoje. Em fevereiro, Délcio Mendes achava que ia
vencer, pois as metas de trabalho para o sindicato que dirigia por 15 anos permaneciam
“inalteradas”, assim como seu objetivo, desde a primeira gestão, havia sido “estimular o
sindicalismo dentro da categoria [...] tendo sempre em mente a necessidade de se lutar
constantemente pela valorização do comerciário.”206
Meses depois, já tendo sido articulada uma chapa de oposição, de maioria cutista,
declara: “Eu confio na classe comerciária, sobretudo nos mais conscientes do trabalho que
realizo à frente da categoria, onde trato a todos num clima de diálogo, respeito, sem procurar
atingir nem mesmo aqueles que me atiram pedras.” Ao ser perguntado sobre as críticas que
lhe fazem, diz que aquela oposição não poderia conduzir o sindicato, pois “falta-lhes
conhecimento de causa.”207
Sempre que perguntado sobre diferentes tipos de acusação que diziam respeito a sua
função no sindicato, Délcio Mendes negava sem mais explicações, apenas dizendo que eram
tentativas dos opositores – às vezes nomeados como PT e CUT – de desestabilizarem o
sindicato. As falas transcritas acima demonstram como o presidente do sindicato dos
comerciários sempre usava argumentos relacionados ao tempo que permanecia no sindicato e
de como sua trajetória enquanto sindicalista lhe autorizava permanecer lá.
204
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, vol.2, nº3, 1989, p.3-15.
205
“Délcio diz que não tem medo da oposição sindical”. Jornal Feira Hoje, 11 de março de 1984, p.3.
206
“Délcio Mendes quer ser reeleito mais uma vez”. Jornal Feira Hoje, 28 de fevereiro de 1987, p.3. Grifo
nosso.
207
“Délcio pretende renovar mandato no Sindicato dos Comerciários”. Jornal Feira Hoje, 17 de maio de 1987,
p.5. Grifo nosso. Em 1981, Liomar volta a rebater o PT depois de este ter acusado os dirigentes sindicais de
estarem a serviço dos patrões: “nunca tiveram experiência prática no setor”. Cf. “Liomar Ferreira: ‘O PT é um
fiasco em termos de oposição”. Jornal Feira Hoje, 05 de agosto de 1981, p.2.
107

Exceto em momentos mais tensos, os sindicalistas tradicionais não se pronunciavam


quando acusados de estarem impedindo o avanço da luta dos trabalhadores em Feira de
Santana. Ainda assim, é possível sabermos como eles pensavam sua função e a do sindicato
nos movimentos das categorias que representavam. Uma nota no jornal do sindicato dos
bancários, O Bancário, denuncia o banco América do Sul por não ter homologado demissões
de bancários junto ao sindicato, como mandava a lei, e com isso o banco ganharia tempo até
que o demitido fosse à justiça para então pagar os direitos rescisórios. Finaliza defendendo
que a Justiça do Trabalho forçaria o América do Sul a pagar a correção monetária dos
demitidos e a frase final é: “não acreditamos que a direção do banco esteja conivente com tal
situação.”208
Em fevereiro de 1980, SINCAVER e prefeitura promoveram curso de relações
humanas para os taxistas, com aulas de turismo, legislação de trânsito, conhecimentos gerais e
relações humanas. Com poucos inscritos na antevéspera do início do curso, Liomar Ferreira
falou da importância do curso para o relacionamento entre motoristas e passageiros e
arrematou: “a maioria dos meus colegas não tem conhecimento sobre os seus direitos e os do
passageiro.”209
Críticas às relações que os sindicalistas estabeleciam com seus pares, com patrões e
governo foram constantes por parte dos novos sindicalistas, principalmente no jornal O Grito
da Terra, onde tinham espaço para escrever. Dois artigos merecem nossa atenção aqui. O
primeiro é uma avaliação sobre o movimento sindical em Feira de Santana, onde “a falta de
uma tradição de luta” e “o atraso político gritante das chamadas ‘lideranças sindicais’”
contribuíam para o desprezo pelo assunto na cidade. Para que se pudesse retomar o tema, era
necessário atentar para as greves de trabalhadores que estavam acontecendo em todo o país,
além da criação do PT e realização do CONCLAT. Esses movimentos teriam “um papel
importantíssimo na avaliação do movimento sindical de Feira.”210
O segundo artigo, assinado por Antonio Ozzetti,211 é uma explicação de porque o PT
não se aliou ao PMDB para derrotar a situação nas eleições para prefeito de Feira de Santana,
sabendo que dificilmente ganharia as eleições. Em linhas gerais, disse que o PT era composto

208
“Vingança”. Jornal O Bancário, março de 1982, nº 39, p.2.
209
“Poucos motoristas inscritos no curso de Relações Humanas”. Jornal Feira Hoje, 22 de fevereiro de 1980,
p.5.
210
“O movimento sindical em Feira de Santana”. Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.7. Os textos não
assinados eram de responsabilidade do Corpo de Opinião do jornal.
211
Um dos fundadores do PT feirense, médico e candidato a prefeito no mesmo ano em que teve o texto, cujo
trecho vem a seguir, publicado.
108

por trabalhadores que não aceitam se aliar com patrões, que estavam em outros partidos.212
Vejamos seu argumento para defender o PT como um partido de trabalhadores:

O Partido dos Trabalhadores tem hoje a tarefa de educar


politicamente os trabalhadores, relembrar as lições da história,
mostrar como as lutas que seus companheiros travaram no
início do século e que teve seu auge, seu ponto forte em 1917
em São Paulo, começou a ser traída e destruída quando em
1929 suas lideranças passaram a colocar o movimento
operário a reboque da burguesia nacional, fazendo com essas
uma grande frente, e qual foi a resposta que esses aliados
deram em 1937? Se juntaram ao Estado Novo contra os
trabalhadores. Em 1945 repetiu-se a mesma história,
novamente lá ia a classe operária se aliar a burguesia,
achando que dessa vez não seria traída. E novamente conheceu
a traição no governo Dutra quando a burguesia se colocou ao
lado dos imperialistas e contra os trabalhadores. A partir de
1954 imaginem que vem a procura dos trabalhadores, para
fazer uma nova frente, um novo acordo, nada mais nada menos
que a mesma burguesia nacional. Em 1964 quando os
trabalhadores que apoiavam o governo burguês de Jango (João
Goulart), e suas exigências começaram a ameaçar os interesses
dos patrões o que os seus “amigos” burgueses fizeram? Se
uniram novamente contra os trabalhadores e deram o golpe
que persiste até hoje. Isso não é lição demais para aprender,
quantas vezes precisaremos levar na cabeça? 213

Em ambos os artigos podemos perceber a preocupação em organizar em Feira de


Santana um movimento de trabalhadores que resgatasse a importância da luta e, sobretudo, da
independência política perante a classe dominante e seus representantes. O primeiro chama à
atenção para lutas que estavam acontecendo há anos, contrastando com a realidade feirense. O
segundo se utiliza de um resumo histórico das vezes em que os trabalhadores foram
enganados por não optarem pelo confronto.214 Porém, essas avaliações desconsideram a
história dos trabalhadores feirenses e passam ao largo da experiência desses mesmos
trabalhadores. O exemplo de luta está fora de Feira de Santana, o passado que não se deve
repetir não é o passado de Feira de Santana.
Na apropriação do passado para justificarem suas opções de luta, novos e tradicionais
argumentavam de lugares distintos não apenas porque fizeram opções políticas distintas.
Achamos que os sindicalistas tradicionais se referenciavam em um tempo quando, segundo
212
Discurso compartilhado pelos petistas, desde a fundação do seu partido e se estendeu durante toda a década
de 1980. A influência do “mito fundador” do PT entre os petistas feirenses é debatida por SANTOS, 2007, op
cit.
213
“O PT e as oposições”. Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.4.
214
Essa avaliação de Ozzetti faz parte do tipo de interpretação sobre as lutas pré-64, discutida no capítulo
anterior.
109

eles, não seriam necessários confrontos para se conseguir os direitos dos trabalhadores – isso
pode ser exemplificado com a gestão de Francisco Pinto, nos anos 1960 e sua influência
política nas décadas posteriores, bem como as gestões de Colbert Martins, o que ajudou
bastante o PMDB da década de 1980. Também, apelavam para a manutenção da convivência
pacífica, que essa nova geração veio tentar “estragar”. Justificavam suas ações com base no
“sempre foi desse jeito”, ou a “memória costumeira”, parafraseando Thompson.
Já os novos defendiam a superação de um passado, um tempo em que os trabalhadores
eram submetidos a vontades alheias às suas. Traziam os relatos das lutas dos operários no
ABC paulista enquanto referência de como a classe lutava pela sua independência e de que
era possível, em Feira de Santana, uma luta de trabalhadores que superasse as amarras que
persistiam.
Supomos que a memória dos sindicalistas tradicionais sobre o passado era bem mais
calcada no cotidiano feirense – sem que, com isso, se queira dizer que sua legitimidade
autorizasse a maneira como lidavam com as demandas dos trabalhadores – , enquanto que a
dos novos sindicalistas tinha como referência as lutas dos metalúrgicos do ABC. Isso parece
ter a ver, primeiro, com o fato de que a maioria dos novos, além de serem novos em idade,
eram migrantes e, por conta disso, não vivenciaram tal cotidiano, tampouco seus pais, que
poderiam ter lhes dito algo sobre (uma das maneiras de perpetuação da memória). Isso – e não
a “falta de uma tradição de luta” – explica, em parte, a referência de lutas fora de Feira de
Santana: os novos sindicalistas daqui não possuíam uma referência local das lutas. Quando
crianças/adolescentes, parte deles estava na roça, espalhados entre si e, quando adultos, em
Feira de Santana, sem a referência concreta das lutas que agitaram essa terra de Feira desde os
tempos de Lucas.215 Eles próprios as construíram acreditando que a inexistência de lutas no
passado feirense e a existência de lutas no presente, fora daqui, eram, respectivamente, razão
de revolta e criação de uma referência nova para lutar.
Para exemplificar como tal referência era construída pelos novos, incorporada na sua
militância, temos duas tarefas de petistas em datas próximas. A primeira foi a organização,
através do Comitê de Apoio à Greve dos Metalúrgicos, de pedágios para o fundo de greve dos
operários do ABC.216 No mês seguinte, o partido e outras entidades, como as associações de
moradores da Rua Nova e Jardim Cruzeiro, lançaram nota sobre o 13 de maio: relacionaram
escravidão com os dias de hoje, dizendo que esta persistia, mas através do assalariamento.

215
Aqui não dá pra desconsiderar as relações de conflito dos trabalhadores rurais e/ou pequenos proprietários
rurais no seu próprio espaço de convivência, ainda que isso difira dos conflitos em solo urbano.
216
“Metalúrgicos grevistas de SP vão receber ajuda de Comitê”. Jornal Feira Hoje, 15 de abril de 1980, p.3.
110

Finalizaram convidando os trabalhadores a “aprender com o exemplo de São Paulo” e


engrossar fileira com os trabalhadores de lá.217
Em que pese o choque de gerações e concepções de luta, que dividimos entre
tradicionais e petistas-cutistas, há que se considerar a trajetória de outros militantes que não
aderiram a nenhum dos dois grupos, para matizar essa rápida incursão pela memória coletiva
de trabalhadores na década de 1980. A crise da ditadura não propiciou apenas a formação do
novo sindicalismo, assim como os que o compunham não eram os únicos contra a ditadura.
Para tanto, usamos o depoimento de Carlos Mello.218
Nascido na década de 1940, disse que a forma de iniciação dos jovens pobres ao
trabalho era através dos pais, que escolhiam a profissão do filho e o apresentavam nas
empresas que tinham o ofício escolhido. Por falta de uma escola técnica em Feira de Santana,
os jovens que tinham condições financeiras iam estudar em Salvador.
Carlos Mello começou a trabalhar em uma gráfica na rua Marechal Deodoro, em 1962
ou 1963, cuja estrutura havia sido modificada por um financiamento e o cotidiano de trabalho
passou a seguir o padrão de algumas empresas multinacionais, o que mudou o
“comportamento da classe patronal, à qual estávamos vinculados”: qualquer um que quisesse
conversar com o diretor da empresa teria que agendar com antecedência; o empregado tinha
que chegar antes das 8:00h da manhã para pôr a farda e estar a postos no horário exato e o
atraso acarretaria no desconto do dia inteiro de trabalho.
Insatisfeitos, os trabalhadores se reuniram e resolveram não ir trabalhar em uma
segunda-feira, optando por fazer um “baba” no horário do expediente. Fizeram isso três vezes
em uma mesma semana. A partir disso, o patrão resolveu suspender a punição, solicitando que
ninguém se atrasasse ou faltasse, apenas em caso que se pudesse comprovar. Esse foi o
pontapé para o movimento dentro da empresa. A primeira ação foi fazer um caixa de
contribuição mensal para que, no final do ano, fizessem uma festa dos trabalhadores. “Com
essa união, nós resolvemos discutir com o patrão que ele deveria dividir um pouco do lucro
com a gente, recebendo por produção.”
Os gráficos daquela empresa começaram a receber comissão e não foi mais necessário
marcar horário para conversar com o diretor da empresa. Mello atribui essa cessão ao fato de
que não havia na cidade outros trabalhadores que soubessem o ofício – já que, como vimos
acima, o aprendizado para a profissão ocorria dentro das fábricas e não em escolas, de onde
sairia a mão de obra que disputaria vagas nas empresas.

217
“Oprimidos”. Jornal Feira Hoje, 13 de maio de 1980, p.2.
218
Depoimento de Carlos Mello. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
111

Com a ditadura, eles passaram a ser monitorados por conta das atividades políticas e
se viram “sozinhos contra três: o patrão, o governo e os sindicatos pelegos.” Porém, Mello
nunca ficou sem trabalhar e jamais foi demitido, segundo ele porque se empenhava em estar
entre os melhores trabalhadores. Diante disso, conseguiu emprego em outra gráfica, em
Salvador. Quando voltou a Feira de Santana, ele integrava a executiva nacional da Federação
Nacional dos Trabalhadores (FNT) que, segundo ele, se parecia com as Centrais Sindicais
criadas na década de 1980.
Entre as décadas de 1960 e 1970 a Gráfica Subaé, de propriedade de José Raimundo
Aras, abriu um concurso para “chefe”, onde Mello concorreu com mais quatro e conseguiu a
vaga. A militância não foi problema na relação com Aras, que também era contra a ditadura e
o incentivou a montar uma associação dos trabalhadores gráficos enquanto ele, como patrão,
criaria para Feira de Santana uma delegacia do SINJOR-BA, para “organizar a classe
patronal”. Através do SESI de São Paulo, Aras trouxe para sua gráfica maquinário e técnicas,
“tudo que existia de avançado no Sul para nos orientar, dar uma qualificação melhor para
todos nós” – não somente os trabalhadores, mas também para os patrões, que ainda não
aceitavam a organização de trabalhadores.
Mello se emocionou ao falar de Raimundo Aras, citando diálogos entre os dois, para
explicar porque ele foi importante.

“Na medida que você vai forçar, vai cobrar seu direito,
vai fazer com que a classe patronal também se organize e
procure evitar o confronto que existe entre a classe
patronal”, como existe ainda hoje, aquela competitividade
de preços [...] “Então nós vamos fazer o seguinte: funde
sua associação, você vai ter todas as condições de
fundar... Você foi concursado, eu reconheço a sua
atividade, assim como eu também penso nesses termos de
lutas.” Isso ele me orientando como patrão, pra você ver
que ele já tinha uma visão de que era necessária a união
patrão-empregado no sentido de crescerem juntos. Ele era
uma pessoa socialista. Tanto é que o lucro da empresa
dele, ele dividia com todos nós, trabalhadores. O lazer
dele também dividia conosco: ele tinha um jipe, botava a
gente em cima do jipe nos domingos e levava a gente pra
algum lugar pra pegar um baba, fazer uma
confraternização... ele sempre fazia isso. Ele foi um tipo
de patrão que era como se fosse um companheiro, junto
daquela empresa, pra que crescesse junto. Ele disse: “a
minha empresa crescendo, vocês também vão crescer.”
112

Essa formação “associativa” marcou Mello, como podemos perceber nas ações para a
criação da Associação dos Gráficos. Em uma reunião para discutir a Associação, foram
discutidos passos para aproximar os gráficos, a exemplo de um curso de relações humanas.
“Depois vamos tentar realizar outros cursos que tragam benefícios à classe, uma vez que
nosso trabalho será por etapa. Um campeonato de futebol de salão, contando com o apoio do
Serviço Social da Indústria foi a única maneira que encontrei para congregar os operários de
gráficas e fundar a nossa associação.”219
Nos anos 1980, encontramos Mello: como representante das entidades de
trabalhadores na luta pela a mudança da data da micareta (que coincidia com o 1º de maio);
organizando o I ENCLAT; assinando a Coluna Sindical d’O Grito da Terra onde criticava os
“pelegos”, que não participavam das manifestações de combate dos trabalhadores, e se
posiciona contrário ao imposto sindical, assumindo uma das bandeiras de luta do “novo
sindicalismo”.220
Mesmo depois que Carlos Mello assumiu uma prática sindical considerada combativa
pela nova geração de militantes do país, continuou afirmando a necessidade de agregar os
trabalhadores “pelegos” às lutas, pela necessidade de mostrar a estes que a combatividade era
o melhor caminho para as conquistas dos trabalhadores. Seja por isso, ou por outros motivos
que não conseguimos identificar, em 1980 os gráficos se reuniram na sede do sindicato dos
comerciários para discutir o processo eleitoral para a primeira diretoria da Associação dos
Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Feira de Santana.221
Melo também foi presidente da Sociedade Montepio dos Artistas Feirenses de 1988 a
1991, que para ele é “como se fosse um guardião desses movimentos”. Abriu espaço para
entidades que não tinham sede própria: além dos próprios gráficos, sede dos movimentos
grevistas da polícia, padeiros, jornalistas e radialistas, assim como algumas associações de
bairro (não sabe dizer quais), Frente Negra Feirense (FRENEFE) e PCB.
No aniversário de 113 anos do Montepio, em 1989, foi celebrada uma missa na Igreja
Senhor dos Passos, sem que houvesse nenhuma outra comemoração, por conta das
dificuldades financeiras. Devido a isso, Mello cobrou do prefeito Colbert Martins a
recuperação do prédio e seus móveis, assim como a isenção do Imposto Predial – a sede do
Montepio continua sendo um sobrado centenário, um dos prédios mais antigos da cidade, na

219
“Gráficos se reuniram ontem para discutir criação da associação.” Jornal Feira Hoje, 21 de março de 1979,
p.5.
220
Respectivamente: “Sindicalistas não querem a micareta no 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 21 de janeiro de
1984, p.3; Resoluções do 1º Encontro das Classes Trabalhadoras de Feira de Santana. Agosto de 1983. [Acervo
ADEFS]; “Imposto sindical”. Coluna Sindical. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
221
“Gráficos discutem as eleições: associação”. Jornal Feira Hoje, 18 de janeiro de 1980, p.13.
113

antiga Rua Direita, atual Conselheiro Franco. Também, Mello anunciou que pretendia reativar
a assistência médica e odontológica, mediante convocação aos associados para que
regularizassem suas mensalidades.222 Ainda sobre o Montepio, disse na entrevista que o
estatuto é a mesma coisa do sistema presidenciário atual. Padre Ovídio criou essa sociedade
com finalidade de atender os carentes e pensou: no trabalhador; no músico, tanto que criou a
Filarmônica Vitória; nos desvalidos, abandonados, asilo Nossa Senhora de Lourdes; central
de indústrias, para que as pessoas aprendessem uma profissão; nas mães solteiras; nas
prostitutas.
Ao longo do depoimento, notamos que Melo se preocupou em prestar contas do que o
Sindicato dos Gráficos estava fazendo durante o período relatado. Também, tem ligação
muito forte com leis, direitos, na mediação entre esses e a vontade popular sem, contudo,
defender uma proposta de rompimento. Na parte final da entrevista, ao ser perguntado sobre
as lutas em Feira de Santana, inicia dizendo que “todo tempo tem sua lei” e é o confronto
entre legalidade e legitimidade o fio condutor da sua fala. Por fim, as leis de hoje são como no
período de Lucas: existem, mas não são cumpridas, “porque estamos contrariando quem está
no poder”.
A avaliação da presença de Mello no sindicalismo feirense nos mostra uma tipo de
militância que destoa da polarização recorrentemente encontrada nos grupos de trabalhadores
que se opuseram ao longo da década de 1980. A tentativa do “novo sindicalismo” negar o
“velho sindicalismo” não se apresentou como tentativa de apagar da memória as lutas
passadas, mas de construir um “novo capítulo” na historia de luta dos trabalhadores.

2.6 – O Dia do Trabalho pertence ao trabalhador?

O 1º de Maio foi disputado não só por sindicalistas tradicionais e petistas-cutistas, mas


também pela prefeitura, na primeira gestão de Colbert Martins e na segunda de José Falcão. A
partir do ano de 1978, a Micareta223 passou a ser realizada entre os últimos dias de abril e
primeiros dias de maio, mas não em todos os anos.

222
“Missa marca os 113 anos de fundação do Montepio”. Jornal Feira Hoje, 07 de setembro de 1989, p.5.
223
Conhecida como “carnaval fora de época”, é uma festa que ocorre nos mesmos moldes do Carnaval de
Salvador, em cidades do interior. A Micareta de Feira de Santana é conhecida por ter sido a primeira realizada no
país, ainda na década de 1930.
114

Em 1978, sindicato dos comerciários fez uma festa de São João, mas não registramos
nenhuma organização de qualquer sindicato a respeito do 1º de maio.224 Em 1979, o
presidente do mesmo sindicato declarou que as comemorações seriam adiadas para dia 5, por
causa da micareta. Na programação, constou que haveria uma “palestra de conscientização da
classe trabalhista” e um torneio de futebol no Jóia da Princesa com a participação dos
sindicatos dos bancários, telecomunicações e serviço social do comércio, terminando com
coquetel à noite.225
Os protestos contra a interdição do 1º de Maio pela Micareta começaram em 1982,
com um trabalho de organização que foi iniciado tão logo a prefeitura divulgou a data da
festa. Já em janeiro, Eliezer Ferreira, Carlos Mello, João Vieira (delegado do Sindicato dos
Motoristas de Ônibus) e Délcio Mendes se pronunciaram. Apenas este último tentou
conciliação, dizendo que soube que a intenção da Secretaria de Turismo era fazer o
trabalhador se distrair, atuando como um porta-voz oficioso da Prefeitura.226
Em abril foi divulgada uma nota que gira em torno da relação que o poder público
estabelecia há tempos com a população – “abusar de sua ignorância” – exigindo que os
trabalhadores e seus sindicatos fossem ouvidos em assuntos que diziam respeito a eles
próprios. No caso em questão, a Micareta se constituía em empecilho para “manter viva a
memória de todos que, durante a história, morrem em consequência da luta que assumem pela
defesa da libertação da nossa classe.” Assinaram a nota: STR-FSA, APROFS, Associações
dos Funcionários Públicos, dos Gráficos, Sindicatos dos Motoristas de Ônibus, Bancários,
Comerciários, SINCAVER, SINDIPETRO.227
Depois de lançada a nota, as entidades se reuniram com secretário de turismo, Luciano
Cunha, quando ficou decidido que às 15h do dia 1º de maio seria feita uma pausa nos trios
elétricos para a leitura de outra nota, de responsabilidade das entidades. Porém, no dia, o
secretário não autorizou que os trios elétricos silenciassem para a leitura da nota As entidades
solicitaram que fosse encaminhado um projeto de lei que proibisse a coincidência das datas à
Câmara de Vereadores pelo secretário, que não firmou palavra.228 Essa nova nota incluiu uma

224
“Sindicato prepara a festa junina”. Jornal Feira Hoje, 20 de junho de 1978, p.3.
225
“Festa do trabalhador foi adiada para o dia cinco”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril de 1979, p.5. Note-se que o
termo “festa”, anos depois, não seria mais utilizado pelo jornal. Também, o termo “classe trabalhista” seria foi
substituído por “classe trabalhadora”, provavelmente pela incorporação do PT na política local.
226
“Política sindical: não ao micareta no dia do trabalho”. Jornal Feira Hoje, 07 de fevereiro, p.2.
227
“Trabalhadores fazem severas críticas ao governo municipal”. Jornal Feira Hoje, 18 de abril de 1982, p.3.
“Sindicatos comemoram o 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1982, p.5.
228
“Protestos em meio a folia para comemorar Dia do Trabalhador”. Jornal Feira Hoje, 24 de abril, p.3.
“Trabalhadores”. Jornal Feira Hoje, 24 de abril, p.2.
115

lista de “dificuldades” enfrentadas pelos trabalhadores no ano anterior, que vão do


desemprego e inflação a torturas, prisões e assassinatos de trabalhadores.229
As comemorações ocorreram desde o dia 28 de abril, com missa de padre Félix e dom
Silvério Albuquerque, bispo diocesano, na Igreja Senhor dos Passos. Dia 29 com
apresentação teatral, exibição de filme e ato público, nas imediações do Mercado de Arte
Popular (MAP). No dia 1º, as atividades ocorreram no distrito de Maria Quitéria, para onde os
trabalhadores se deslocaram com ônibus viabilizado pela Prefeitura, com leitura de manifesto
sobre a situação do trabalhador, passeata com instrumentos de trabalho, além de outra missa,
mas esta em louvação a São José Operário.230
No ano seguinte, trabalhadores rurais e urbanos não conseguiram fazer mobilização
unificada. Na sede, alguns sindicatos se reuniram na Rua Nova para denunciar ameaça de
expulsão dos moradores de lá. O STR-FSA se manifestou em Ipuaçu, para discutir os
problemas dos que seriam atingidos com a Barragem de Pedra do Cavalo, com a presença de
outros trabalhadores rurais atingidos por construção de barragem.231 Em 1984, Edivaldo Rios,
da AMORUN, disse que em 1983 não houve coincidência da micareta com 1º de maio e,
ainda assim, sindicatos não se mobilizaram para a data, “apenas os movimentos sociais”, se
referindo, provavelmente, às associações de bairros.232 De fato, nenhuma entidade divulgou
nota. Délcio Mendes disse que estava tentando manter contatos, mas não havia nada de
concreto, enquanto o PT declarou que nada foi elaborado para o dia que, naquele ano, não
coincidiu com a micareta.233
Em janeiro de 1984, o secretário de turismo do município, Itaracy Pedra Branca,
recebeu carta dos sindicatos feirenses, representadas por Carlos Melo, presidente da
Associação dos Trabalhadores Gráficos, na qual o Dia do Trabalho é reivindicado como uma
data de significação histórica para os trabalhadores.234 Pedra Branca disse que o choque das
datas era uma infeliz coincidência e escolha que levou em conta a melhor data para comércio
e indústria não paralisarem as atividades com tantos feriados juntos. Ainda, declarou que, para
ele, a micareta nesta data representa uma homenagem da prefeitura para os trabalhadores e
que os sindicatos deveriam propor uma data ou local alternativo para o dia do trabalho. Na
referida data, os trabalhadores organizados em torno dela divulgaram um manifesto que

229
“Sindicalistas divulgam manifesto”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril, p.3.
230
“A comemoração do 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1982, p.7; “Muita comemoração no dia
do trabalho”. Jornal O Bancário, nº 40, abril de 1982, p.3.
231
“Trabalhadores comemoram o 1º de maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1983, p.7.
232
“Trabalhadores desrespeitados”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.4.
233
“Falta programação”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril de 1983, p.3.
234
“Gráficos”. Coluna Sindical. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
116

repudiou a atitude do secretário de turismo da cidade, pois a data da micareta é móvel, o que
não acontece com o 1º de maio, que é data para celebrar a memória dos trabalhadores que
lutaram.235
Como é possível notar, tentou-se retomar a articulação conseguida em 1982. Porém, o
evento não foi organizado conjuntamente. Apenas o STR-FSA montou programação no
distrito de Maria Quitéria, com a presença de sindicatos mais ligados a essa categoria (ASTA
e AEABA): de manhã, passeata e missa; à tarde, cânticos, declarações de poemas, encenações
teatrais e pronunciamentos dos sindicatos. Estes últimos criticaram as frentes de trabalho e a
falta de sementes para os trabalhadores rurais.236
Em 1985, a CUT Estadual, que havia deliberado pela construção da data em toda a
Bahia naquele ano, lançou nota falando que o fim do choque de datas entre a micareta e o Dia
do Trabalhador iria unificar os trabalhadores em torno dessa data, sendo que, anos antes, as
comemorações aconteciam por iniciativas isoladas de sindicatos.237 A Pró-CUT de Feira
marcou reunião, com sindicatos e outras entidades, para 30 de março, na Associação dos
Trabalhadores da Construção Civil, a fim de que se realizasse um 1º de maio unificado.
Assim, desde o dia 25, houve debates localizados sobre o movimento sindical e o primeiro de
maio.238
No dia 01 de maio, realizou-se passeata pelo trecho central da Av. Getúlio Vargas, a
mais importante da cidade. Nos pontos inicial e final da passeata, houve apresentações
artísticas e falas de representantes sindicais. Foram distribuídos panfletos afirmando a
necessidade de se organizar e lutar, exemplificando com manifestações locais ocorridas
anteriormente: greves de operários, motoristas e lutas por sementes, dos rurais atingidos pela
barragem de Pedra do Cavalo, lutas dos petroquímicos de Camaçari e metalúrgicos de São
Paulo. Segundo o Feira Hoje, compareceram em massa apenas os trabalhadores rurais, sendo
o restante apenas representantes das entidades organizadoras e alguns políticos do PMDB. As
entidades expuseram diversas reivindicações e/ou apoios em cartazes e faixas, a exemplo da
Associação de Moradores do Jardim Cruzeiro que se manifestou a favor da mulher.239
Naquele ano, as bandeiras de luta tiveram o peso da pauta nacional: redução da
jornada de trabalho para 40h, reajuste salarial nos parâmetros do DIEESE, reforma agrária
235
“Sindicalistas não querem a micareta no 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 21 de janeiro de 1984, p.4;
“Sindicatos divulgam nota sobre o Primeiro de Maio”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1984, p.4.
236
“1º de Maio dia dos Trabalhadores”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.2.
237
“CUT-Ba lança seu plano de trabalho”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1985, p.6.
238
“Pelo 1º de Maio”. Jornal Feira Hoje, 26 de março de 1985, p.2.
239
SILVEIRA, 2010, op cit, p.148, mostra uma foto onde trabalhadores carregam uma faixa em homenagem a
Beto Folha (Alberto Campos Boaventura), militante petista e cutista que havia falecido precocemente em um
acidente de carro.
117

que atenda os interesses dos trabalhadores, modificações na estrutura sindical brasileira,


direito à greve. Contudo, não se deixou de fora as reivindicações locais: garantia de moradia,
escola, saúde, transporte, lazer e sementes. Participaram da organização desse 1º de maio a
Pró-CUT, Asta-BA, Sindicato dos Bancários, Comerciários, STR-FSA, Delegacia dos
Metalúrgicos, Associação dos Trabalhadores da Construção Civil, das Indústrias
Alimentícias, APAEB, Comissão Pró-delegacia dos Engenheiros, Associação de Moradores
da Rua Nova, João Paulo II, Cidade Nova, Novo Horizonte, jornais Voz da Unidade, do PCB,
e Tribuna da Luta Operária, do PCdoB, DCE-UEFS, PT e PMDB.240
Entre fins de abril e início de maio de 1987, houve greve de professores de rede
particular, campanha eleitoral para o Sindicato dos Comerciários, com chapa de oposição,
mobilização dos moradores do Campo Limpo contra a falta de atendimento ao bairro pelo
transporte coletivo municipal. Certamente por conta da quantidade de lutas em que os
trabalhadores estavam envolvidos, não houve atos do Dia do Trabalhador. Em 1988, a Pró-
CUT convocou para a organização de “um 1º de maio digno da história da classe operária”,
em reunião na noite do dia 14 de abril, no “Espaço Democrático”.241 Em 1989, o Movimento
Comerciários em Luta, que era a oposição comerciária, lanço panfleto com paródia da música
Olê mulher rendeira, falando da situação de trabalho, criticando o Sindicato dos Comerciários
e os patrões. No fim, convocaram para a assembléia que ocorria mensalmente, na sede do
SINPRO.242
Em 1990 não encontramos mais um Dia do Trabalhador unificado. O STR-FSA se
uniu à prefeitura no distrito de São José: foram disponibilizados cinco ônibus para o
transporte dos trabalhadores rurais ao local, onde estiveram presentes Colbert Martins e Ildes
Ferreira. A pauta, obviamente, girou em torno dos problemas enfrentados com falta de terras,
sementes e chuva. Outra comemoração aconteceu no bairro Parque Ipê, organizada pela
Comissão Pró-CUT, com pauta contra as perdas salariais e a recessão, provocada por um
plano econômico do governo Collor. O Feira Hoje questionou a razão pela qual essa
manifestação não foi feita no centro da cidade, visto que a gestão de Colbert Martins havia se
comprometido em não realizar a Micareta nessa data. Orlando Abreu, técnico agrícola
membro da Pró-CUT, disse que a escolha pelo Parque Ipê foi pela proximidade deste bairro
com o Campo Limpo e a Cidade Nova, o que permitiria o deslocamento de um grande número

240
“Poucos trabalhadores participam de comemoração ao dia 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de
1985, p.3.
241
Comissão Pró-CUT da Região de Feira de Santana. 1º de Maio. [Acervo Gerinaldo Costa]
242
Comerciários em Luta. Oposição Sindical Comerciária de Feira de Santana. 1º de Maio. Maio de 1989.
[Doação de Anna Kaufman]
118

de trabalhadores. Orlando Abreu disse também que houve dificuldade em unificação dos
trabalhadores em torno de uma pauta única, além do STR-FSA ter alegado dificuldades
financeiras se integrar a um ato unificado, mesmo com a Pró-CUT se comprometendo em
imprimir 10 mil panfletos.243
STR-FSA e Pró-CUT voltaram a se encontrar no ano seguinte. Foi distribuído panfleto
dias antes – assinado pelo STR, DCE, PT, PCdoB e Comissão Pró-CUT. Nesse ano, tentou-se
uma comemoração nos moldes das que ocorreram em São Paulo em alguns anos da década
anterior, com apresentação de artistas feirenses na Praça da Matriz. As reivindicações se
voltaram para os governos Collor e ACM, com a inclusão de combate à privatização de
empresas estatais. No evento, foi anunciada a organização da Greve Geral para o mesmo ano.
Porém, o Sindicato dos Comerciários organizou data em separado, na sua sede de campo,
promovendo campeonato de futebol, palestra sobre a data e apresentação de um conjunto
musical.244 Vemos aqui que Délcio Mendes, ao contrário de anos antes, já não tentava mais
nenhum consenso com os petistas-cutistas. Isso se deu, certamente, pela ameaça crescente da
oposição sindical comerciária.
A reapropriação do 1º de Maio se deu, inicialmente, sem a participação organizada dos
petistas-cutistas, ainda que houvesse participação individual. Eles só começaram a disputar a
data a partir de 1985, quando a CUT Estadual traçou um plano de ação na Bahia e quando a
Pró-CUT da Região de Feira de Santana começou a figurar como organizadora ou apoiadora
de mobilizações da classe trabalhadora da cidade.
Quanto aos sindicalistas tradicionais, eles não viam no Dia dos Trabalhadores uma
data principal no calendário de feriados, pois quaisquer outras entidades que não fossem de
trabalhadores ficariam deslocada se participassem. Por isso, as comemorações se davam em
torno de datas “interclassistas” como Natal e São João. Desde 1977 até 1982, a data tinha
caráter recreativo, vista como dia de descanso merecido para quem trabalhava todo ano. Esse
tom de civilidade escondia o caráter de “luto e luta” da data, expressando as relações de classe
na cidade. Só nos primeiros anos da década de 1980 o enfrentamento e a unidade de classe
foram postos como alternativa, sendo aceitos algumas vezes, como no ano de 1985, e
rejeitados em outras, como em 1990.

243
“Manifestações no Parque Ipê e São José durante o 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 01 de maio de 1990, p.3.
“1º de maio é comemorado fora do centro da cidade”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1990, p.3.
244
Panfleto – Comissão Organizadora do 1º de Maio de 1991. [Acervo Gerinaldo Costa]. “Trabalhadores
preocupados”/ “Comerciários”. Jornal Desafio, Ano I, nº 0, maio de 1991, p.1.
119

Para além da tomada de posição política a respeito do Dia do Trabalhador, a presença


dos petistas-cutistas marca o primeiro de maio pela observação constante de que a data é de
solidariedade não só entre os trabalhadores de Feira de Santana, mas de todo o mundo

Celebrar o primeiro de maio é de grande significado para


os trabalhadores, por se constituir esse dia em sinal de
protesto e sinal de vitória dos trabalhadores. Em todo o
mundo, assim, o primeiro de maio é considerado. Os
trabalhadores se congraçam, fazem suas denúncias,
exigências, trocam suas experiências de lutas, anunciam o
mundo que querem construir.245

A apropriação do dia do trabalhador como protesto não excluiu a dimensão recreativa


de anos antes, mas lhe deu outro caráter: as festas eram organizadas em torno do protesto, a
exemplo de peças teatrais, cânticos, leituras de poemas e cordéis que tinham como tema,
invariavelmente, a luta dos trabalhadores. Claro, não dá pra dizer que esse novo caráter da
data era autenticamente dos trabalhadores, nos termos dos petistas-cutistas, pois algumas
categorias, como os rurais, sempre faziam missa. Porém, isso se torna possível do ponto de
vista da experiência da classe trabalhadora feirense.

2.7 – Greves setoriais

Como vimos no capítulo anterior, para boa parte dos estudos sociologia do trabalho
produzidos na década de 1980 através da greve era possível medir o “avanço” da consciência
classe trabalhadora e sua disposição para a luta contra o capitalismo. Não muito diferente
disso, para os petistas-cutistas da mesma década, em Feira de Santana, fazer e apoiar greves
era passo importante para superar o “imobilismo” da classe trabalhadora feirense. De todo
modo, as greves foram momentos de explicitação dos conflitos de classe e revelam a
experiência dos trabalhadores, na sua relação com os processos grevistas.
Para nós, interessa saber como as greves serviam a petistas-cutistas e a tradicionais,
seja como marca de distinção, seja como modo de construção ou reconstrução das relações
entre lideranças sindicais e os outros trabalhadores. Nesta seção trataremos apenas de greves
por categoria, por terem um caráter localizado, tanto pela pauta, quanto pelo grupo de
trabalhadores que as levaram a cabo.

245
“Trabalhadores comemoram seu Dia”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.1.
120

2.7.1 – Os tradicionais e as greves

Em Feira de Santana houve mobilizações dos tradicionais antes da explosão de greves


na segunda metade da década de 1980. Os bancários, anualmente, se reuniam em assembléia
para deliberar pautas de reivindicações acerca de perdas salariais, estabilidade no emprego,
manutenção da carga horária diária de 6h, fixação de salário mínimo. Eliezer declarou:

o trabalhador quer apenas recuperar o que lhe tiraram


nesses 14 anos. E para isto a arma que dispõe é a greve e
o direito de greve assegurado. [...] Os trabalhadores hoje
não tem uma representação efetiva no Congresso
Nacional. Somente com a criação de um partido
ideologicamente definido, representando a considerável
parcela da população brasileira que trabalha –
poderemos defender legitimamente nossos interesses.246

Os bancários destoam da caracterização dos tradicionais já a partir de fins da década


de 1970, pois é uma das categorias que mais faz greves em Feira de Santana. Sua articulação a
nível nacional e estadual, através da Federação dos Bancários, os colocou em contato com o
PCdoB, que dirigia a Federação.
Porém, ainda que o Sindicato dos Bancários de Feira de Santana tenha aderido a
quase todas as greves organizadas nacionalmente pela categoria, a forma como era conduzida
e a aceitação dos acordos propostos pelos patrões diz sobre seu pertencimento aos
tradicionais. Ao analisarmos seu periódico, O Bancário, percebemos que a maneira como as
greves eram organizadas e conduzidas mostra que a deflagração dos movimentos era
precedida pela deliberação da Federação, e não por assembléias com os bancários da cidade,
que eram convocadas uma única vez, para a votação sobre a greve. Segundo Igor Santos a
oposição bancária apelou para a participação da categoria na greve geral de 1987, tendo em
vista as poucas conquistas das greves setoriais.247
Era comum que a Federação dos Bancários fizesse acordos com os banqueiros sem o
diálogo com os grevistas dos estados. Há que se notar a dificuldade dessa categoria em fazer
greves por local de trabalho. Os bancos tinham agências em diversas partes do país e, ainda
que uma greve local atrapalhasse a condução dos trabalhos, o movimento não teria muita
força. Ainda assim, era perceptível o não envolvimento dos bancários nas mobilizações
gerais, envolvendo outras categorias em Feira de Santana, mesmo quando o nome do
246
“Bancário critica medidas contra o direito de greve”. Jornal Feira Hoje, 13 de março de 1979, p.3.
247
SANTOS, op cit, p.209.
121

sindicato aparecia entre os organizadores dessas. A presença de bancários nas diversas


mobilizações era através da Oposição Bancária.
Na greve de 1985, vemos esse processo grevista pelo alto ser questionado. A Oposição
Bancária, com maioria do PCdoB, mas com participação de petistas-cutistas, começava a se
formar e seu primeiro grande embate com o Sindicato dos Bancários foi durante a referida
greve. Quando a Federação dos Bancários anunciou a preparação para a greve da categoria, a
Oposição Bancária exigiu a realização de uma assembléia para a discussão da pauta e a
deliberação do processo organizativo com toda a categoria. O sindicato não respondeu à
exigência e a oposição optou por fazer o trabalho de passar nas agências e organizar algumas
reuniões depois do expediente.248 A assembléia de deflagração da greve foi uma das maiores e
mais agitadas da categoria naquela década. A presença em cada dia da greve era de cerca de
700 bancários e o piquete se concentrava na porta da única agência do Banco do Brasil, por
dois motivos: i) esse Banco concentrava a compensação de cheques, transação que era feita
diariamente por todas as outras agências da cidade; ii) os funcionários desse banco tinham
uma relativa estabilidade por serem enquadrados na CLT, já que o Banco do Brasil era de
economia mista.249 Após essa greve, a Oposição Bancária ganhou força e o Sindicato dos
Bancários teve que se pronunciar em diversos momentos, apresentando mais claramente seus
posicionamentos sobre as mobilizações coletivas, como veremos no próximo capítulo.
Os taxistas se diferenciam dos demais por não serem trabalhadores assalariados. Por
isso, suas mobilizações estavam restritas a questões relacionadas às mudanças nas regras do
seu trabalho, que eram arbitradas pela prefeitura. O SINCAVER esteve na intermediação
entre o aumento das tarifas das corridas e a estagnação do preço da gasolina, variando para
alternativas que minorassem os prejuízos dos taxistas: implantação do gás como combustível
dos carros e cessão dos mesmos para propagandas, uso irrestrito da bandeira 2. Também,
havia conflitos dos atos diretoria do sindicato com a prefeitura e com a própria categoria, no
que dizia respeito ao aumento do custo para os passageiros dos táxis.
A única paralisação que registramos aconteceu por conta do grande número de assaltos
a taxistas entre outubro e novembro de 1980 e o assassinato, dias antes, do taxista Carlos
Batista de Souza. Ao saber da prisão de João Fernando de Souza, “Coleiro”, suspeito de
muitos desses assaltos, Liomar Ferreira convocou todos os taxistas a fazerem uma passeata
pelas ruas mais movimentadas da cidade e depois se dirigirem à Central de Polícia, na Av.

248
Depoimento de Antonio Carlos Lima Rios (Nei Rios). Acervo Áudio-visual Memória das Lutas.
LABELU/UEFS.
249
Depoimento de Antonio Carlos Lima Rios (Nei Rios), idem.
122

Senhor dos Passos, para exigirem segurança e verem “o ladrão”. Cerca de 600 taxistas (80%,
da categoria, segundo o Feira Hoje) fizeram o trajeto e tencionaram para que os policiais
apresentassem “Coleiro” e prendessem “Gordo”, suspeito da morte do taxista. O delegado
João Veloso pediu a Liomar Ferreira que evitasse outra manifestação por conta da visita do
governador Antonio Carlos Magalhães à cidade naquela mesma noite, para o lançamento do
PDS local. O presidente do SINCAVER respondeu que não poderia garantir nada enquanto as
reivindicações não fossem atendidas.
Depois da dispersão, parte dos motoristas foi ao enterro de Carlos Souza, na cidade de
Serra Preta, e a maioria dos carros tinha em suas antenas uma fita preta amarrada. Dois dias
depois, alguns motoristas desistiram de trabalhar à noite, tanto pelo perigo, quanto para
mostrar à população a situação da categoria. Salviano Valadares Chaves disse que
manifestação serviu para a categoria se conscientizar da necessidade de protestar. O Feira
Hoje declarou que movimento tão grande, repentino e violento não havia acontecido na
cidade. Isso pode ser percebido nas 9 fotos que ocupam quase todo o espaço na página inteira
do jornal sobre a manifestação, registrada por Reginaldo Pereira (da Associação dos
Fotógrafos Profissionais de Feira de Santana) e Antonio Magalhães (que fotografou a cidade
durante décadas, principalmente as feiras livres e os feirantes).250
Ainda houve outra manifestação em 1983, no início da gestão de José Falcão, que
tomou proporções inesperadas. A prefeitura exigia vistoriar os veículos com mais de 6 anos
de fabricação, determinou o comparecimento imediato de 9 táxis na Secretaria de Serviços
Urbanos, sob pena de cassação da licença e o uso de farda por todos os taxistas em serviço.
Diante das medidas, consideras inesperadas pelo SINCAVER, alguns taxistas e a diretoria do
sindicato compareceram à prefeitura para pedir esclarecimentos. Segundo Liomar Ferreira, o
prefeito não os recebeu e chamou a polícia.
Para agravar ainda mais a situação, o Feira Hoje disse que os taxistas haviam
“invadido” a prefeitura. Liomar Ferreira escreveu uma carta para o jornal dizendo que esse
estava tentando criar uma imagem de “mau comportamento” para a categoria, concluindo com
defesa do SINCAVER como “legítimo e único representante da categoria”, contra decisões
tomadas sem consulta.
O Grito da Terra, que era impresso na gráfica do Feira Hoje, teve a edição de abril
atrasada de tal maneira que a Associação das Entidade de Feira de Santana (ADEFS) cancelou

250
“Motoristas deixam a cidade sem táxi”. Jornal Feira Hoje, 08 de novembro de 1980, p.4; “Flagrantes de uma
(tensa) manifestação”. Jornal Feira Hoje, p.5. “Motoristas de táxi não querem trabalhar à noite”. Jornal Feira
Hoje, 09 de novembro de 1980, p.3.
123

a edição e os serviços da gráfica. Somente em junho a edição subseqüente a março foi


lançada, tendo no editorial a denúncia que o atraso da gráfica do jornal foi por causa de uma
matéria, que contava a versão do SINCAVER, onde Liomar Ferreira acusa o José Falcão de
retaliar a atual gestão, que ganhou as eleições contra o candidato apoiado por ele.251
Os comerciários não fizeram nenhuma greve ou paralisação. Em 1987 a Oposição
Comerciária tentou incluir na pauta de uma assembléia da categoria a discussão sobre a
adesão à greve geral daquele ano e foi expulsa do local, sob agressões verbais.252
O sindicato dos comerciários se restringiu a ações na justiça para intermediar conflitos
surgidos em função de práticas irregulares dos comerciantes, tais como: não pagamento de
13º salário e outras vantagens, ampliação do horário de trabalho, funcionamento do comércio
em feriados ou datas comemorativas, como o Dia do Comerciário. Nenhuma mobilização
coletiva foi articulada por este sindicato e as convocações aos “associados” estavam
relacionadas ao oferecimento de cursos e outros benefícios, tais como os vistos na segunda
seção deste capítulo.
José Rocha tem uma explicação para a não mobilização dos comerciários que não
ataca o “peleguismo” de Délcio: diferente da indústria, onde os lugares de patrão e operário
são demarcardos hierarquicamente até no espaço que ocupavam dentro do local de trabalho,
os comerciários estavam em contato direto e constante com os donos das lojas, que
geralmente as dirigiam e/ou ficavam no caixa. Esse compartilhamento do cotidiano, próprio
das relações paternalistas, permitia aos patrões exercer controle direto que passava também
pela ilusão que o comerciário também tinha alguma participação nos lucros, quase como um
sócio.

2.7.2 – Primeiras manifestações no fim da Ditadura

Funcionários da Câmara Municipal, motoristas de ônibus, policiais militares e médicos


também fizeram greves entre fins de 1980 e primeiro semestre de 1981, com reivindicações
que diziam respeito, principalmente, aos baixos salários e péssimas condições de trabalho. No
final de 1981, professores de escolas particulares em Feira de Santana entraram na justiça
contra irregularidades nos salários.

251
“Censura no passado e no presente”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1983, p.2. A referida entrevista com
Liomar Ferreira foi publicada na edição de janeiro do ano seguinte, p.7, sob o título “Prefeito contra os taxeiros”.
252
“Comerciários criticam atuação de Délcio Mendes no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 04 de outubro de 1987,
p.6.
124

Os professores estaduais e municipais de Feira de Santana, cuja expressão sindical era


a APROFS, ensaiaram greve desde 1978. Seu presidente, Manoel Fausto, filiado ao MDB, em
declarações ao Feira Hoje, falava sobre a possibilidade de uma greve da categoria apenas
quando havia mobilização estadual, partindo de Salvador, e atrelava a deflagração da greve a
fatores diversos: mudança de governador entre 1978 e 1979 (de Roberto Santos para ACM),
reuniões com outros sindicatos da categoria e mesmo à atitude política dos professores. Ao
reclamar do número de filiados (cerca de 2%) e da falta de condições para fazer a entidade
representar os professores, Manoel Fausto disse: “professores de um modo geral não têm
sequer consciência do que seja uma entidade de classe, pois os sindicatos existentes são
dirigidos por aproveitadores e os professores que deveriam conquistá-los não o fazem.”253
No mês seguinte a APROFS realizou o I Seminário de Professores, para discutir
educação: Manoel Fausto se surpreendeu com o grande número de professores e seu “bom
nível de debate”. Frei Felix de Pacatuba fez uma “retrospectiva da educação”, Josué Melo,
diretor do SIM e professor da UEFS, palestrou sobre “educação e desenvolvimento” e José
Jerônimo Moraes, professor da UEFS, sobre “educação como fator de transformação social.”
Por fim, Rogério Mendes da Cruz, falo sobre as atividades da APROFS nos seus cinco anos
de existência. Manoel Fausto disse que APROFS só deflagaria greve em última instância:
“Nós queremos paz e a satisfação de todos. Não nos interessa prejudicar os alunos ou quem
quer que seja, queremos apenas o que nos é de direito.” Enquanto isso, aguardariam o período
inicial de atuação de ACM enquanto governador e enviariam a ele documento de
conscientização da realidade da educação na Bahia.254
Quando da preparação da greve dos professores da rede estadual, Manoel Fausto disse
que era “justa” e que o governo do estado fazia da educação “cabide de emprego”. Deflagrada
no início de maio de 1982 em Salvador e alguns municípios do interior, os professores
estaduais daqui não aderiram. Manoel Fausto, novamente, culpou a falta de consciência da
categoria e a data inadequada para a cidade, logo após o Micareta. Por conta dessa greve, O
Grito da Terra compôs uma edição especial no mês de maio, para tratar da educação no Brasil
e em Feira de Santana, que foi distribuída gratuitamente. Nela há um texto criticando, sem
citar nomes nem entidades, o presidente da APROFS por não ter mobilizado os professores da
cidade. A edição especial contou com a colaboração de: CIS, Prefeitura Municipal de Feira de

253
“APROFS desconhece FITEE mas apóia reivindicações”. Jornal Feira Hoje, 02 de fevereiro de 1979, p.4.
254
“Foi surpresa o seminário”. Jornal Feira Hoje, 07 de março de 1979, p.3. “Relatório da APROFS critica a
desvalorização do homem”. Jornal Feira Hoje, 10 de março de 1979, p.4.
125

Santana, SINCAVER, ADUFS, SINPRO e “pessoas físicas sensíveis ao problema da


educação hoje no Brasil”.255
Diferente dessa, a greve dos professores municipais, que durou de agosto a setembro
do mesmo ano, não contou com o apoio da prefeitura, do SINCAVER nem do CIS, tampouco
tinha na presidência da APROFS Manoel Fausto. O presidente era José Coutinho Estrella,
filiado ao PMDB, que havia participado da diretoria na gestão anterior. Coutinho Estrella
criticou Colbert Martins por ser autoritário nas escolhas para o candidato a prefeito do
PMDB.256
Porém, o embate dos grevistas não foi com Colbert Martins, que deixou esse cargo
para assumir o de deputado estadual, e sim com José Raimundo Azevedo, vice-prefeito que
assumiu o cargo. Há meses os salários dos professores atrasavam muito, pois não havia data
fixa de pagamento e os de julho e agosto ainda não haviam sido pagos. Além da resolução
desses dois problemas, os professores reivindicaram pagamento do 13º salário e aprovação do
Estatuto do Magistério.
Aos poucos, as escolas da sede e dos distritos aderiram à greve, entre promessas do
prefeito de não punir nenhum dos grevistas, sendo ele também professor e reconhecendo a
“caótica” situação financeira do município. Com quase um mês de greve, os professores
voltaram às escolas com a promessa de salários pagos até dia 25 de setembro e formação de
comissão para discutir Estatuto do Magistério. Em dezembro estava pronto um anteprojeto –
redigido por José Coutinho Estrela, Manoel Fausto e Erasmo Lima de Souza, secretário
municipal de educação – que classificava a profissão em níveis, com salários diferentes, e
contratação através de concurso público. Ficou a promessa do prefeito de encaminhar para a
Câmara de Vereadores antes do recesso de fim de ano.
Em 1987, nova discussão na Câmara de Vereadores sobre o Estatuto do Magistério,
que ainda não havia sido aprovado. O projeto foi retomado pela gestão de José Falcão por
conta da exigência do governo federal de liberação de verbas específicas para a educação
mediante aprovação de Estatuto do Magistério em cada município. Porém, o projeto foi
reformulado sem que se consultasse os professores de Feira de Santana. Apenas na sessão da
Câmara que discutiu o projeto foi ouvido Manoel Fausto, de volta à presidência da APROFS,
retomando pontos do projeto elaborado em 1982.257

255
Jornal O Grito da Terra. Edição Especial. Maio de 1982, p.4. O CIS ainda estava sob a direção de Humberto
Mascarenhas.
256
“Abortos e personalismos”. Jornal Feira Hoje, 13 de junho de 1982, p.2.
257
“Estatuto do Magistério desagrada professores”. Jornal Feira Hoje, 18 de março de 1987, p.2.
126

O enfrentamento foi se constituindo enquanto opção entre os trabalhadores de Feira de


Santana sem que, necessariamente, o alvo fosse o “inimigo da classe” ou o objetivo a ruptura
com o capitalismo. Ao passo que a retomada das lutas pode ser percebida, houve tentativas de
unificação destas. O Grito da Terra é parte desse processo, reivindicando o poder da palavra
pelos populares. Foram criadas também as seguintes entidades: Associação dos Gráficos
(1980), Associação de Barraqueiros do MAP (1980), Associação dos Serventuários do
Interior do Estado (1980), ADUFS (1981), Associação dos Funcionários Públicos Municipais
(1980).
“Nós entendemos que se um sindicato ou associação inicia uma luta em prol da classe,
todas as entidades devem dar o apoio para que as reivindicações tenham mais respaldo.” Essa
foi a justificativa de Carlos Mello para a convocação das entidades de trabalhadores da cidade
para discutir a unificação das mesmas, na sede do Sindicato dos Comerciários. O ponto de
partida seria uma avaliação do 1º de maio, realizado conjuntamente semanas antes.258
Entretanto, o 1º de maio de 1982 e a posterior reunião para levar à frente unificação da
classe trabalhadora feirense não foram as primeiras tentativas. No ano anterior, a tentativa de
tornar público o Dia Nacional de Luta contra o Desemprego, deliberado pela CONCLAT no
mês de agosto, reuniu as seguintes entidades: Sindicato dos Bancários, SINDIPETRO,
Delegacia Sindical dos Professores (?), Associação dos Técnicos Agrícolas, Associações de
Moradores da Rua Nova, Cidade Nova, Mangabeira, Novo Horizonte, Pampalona, Jardim
Cruzeiro, PMDB, PT, CDDH-FSA, Comissão Pró-DCE da UEFS. O ato, divulgado por um
panfleto explicando a situação financeira dos trabalhadores brasileiros, foi programado para
ter apresentação teatral e musical, um pedágio nas ruas para ajuda com despesas e buzinaço
dos taxistas para chamar à atenção a população feirense.259
No mês anterior foi organizado o I Seminário Feirense da Classe Trabalhadora, com
palestras em três noites sobre direitos do trabalhador, políticas salarial e econômica. Apesar
de não ter divulgado quem organizou o seminário, o Feira Hoje destacou uma discussão entre
APROFS e PT, após este último ter exigido explicações em público do por que a entidade não
fez parte da organização do evento.260
Quase dois anos depois, uma nova tentativa de congregar categorias gerou um
documento de 8 páginas, discutindo conjuntura e sindicalismo. O I Encontro das Classes
Trabalhadoras de Feira de Santana (ENCLAT-FSA) foi realizado de 8 a 10 de julho de 1983,

258
“Entidades sindicais se reúnem para discutir unificação de luta”. Jornal Feira Hoje, 19 de maio de 1982, p.3.
259
“Feira lembra o dia contra o desemprego”. Jornal Feira Hoje, 30 de setembro de 1981, p.3.
260
“Seminário não repete o êxito da abertura”. Jornal Feira Hoje, 06 de agosto de 1981, p.3.
127

definindo o sindicato como “instrumento para a união e luta dos trabalhadores”, que diz
respeito a interesses econômicos, mas também à organização política. O encontro foi
anunciado n’O Grito da Terra do mesmo mês e fez parte do processo de fundação da Pró-
CUT na cidade. Ainda na parte que discute sindicalismo, a resolução do I ENCLAT-FSA diz
qual a maneira escolhida para a luta dos trabalhadores na cidade

O momento político exige ações combativas. A hora é de


luta e de grandes mobilizações de massas para
conquistarmos vitórias contra a exploração e a opressão.
Está colocada a necessidade dos trabalhadores
recorrerem cada vez mais à greve e às demonstrações
políticas. [...] Portanto, os sindicatos precisam unir-se
mais, apoiando-se na democracia sindical com relação ao
direito de manifestação das diversas opiniões e, também,
com relação à presença das bases nas discussões e
deliberações constituindo, assim, organismos
intersindicais que têm o objetivo de coordenar as ações
comuns, tratar dos movimentos de solidariedade e buscar
a elevação do nível do conjunto da luta operária e
sindical.261

No final do encontro foram indicadas as entidades que formaram a Executiva


Intersindical de Feira de Santana: ASTA, Associação dos Gráficos, dos Funcionários Públicos
Municipais, ADUFS, STR-FSA, Delegacia Sindical dos Metalúrgicos, dos Professores e
representantes dos Bancários, Taxistas e Comerciários. Estes últimos deveriam escolher
representantes em assembléia da categoria, mesmo com quorum baixo, já que nenhum diretor
desses sindicatos compareceu ao encontro.262
Em Feira de Santana, como em todo o Brasil, I ENCLAT-FSA foi uma demarcação
política. Tomaram posição os sindicatos tradicionais, se eximindo da participação, e os
petistas-cutistas, formulando diretrizes para a atuação no sindicalismo em Feira de Santana.
Para estes últimos, construir a unificação dos trabalhadores feirenses passava por combater os
pelegos, que tinham por princípio atuar na fragmentação das lutas.
Só a partir de 1985 as greves aumentaram em número e adquirem um caráter classista,
com acusações abertas contra os patrões e maior resistência às interferências dos prefeitos. As
poucas greves ocorridas anteriormente pareciam estar restritas à letra da lei, tendo como
limite a DRT ou a mesa de negociação do patrão ou governo, além de outras categorias não se

261
Resoluções do I ENCLAT, p.6. [Acervo ADEFS/LABELU].
262
Resoluções... idem; “Trabalhadores de Feira de Santana fazem encontro”. Jornal O Grito da Terra, agosto de
1983, p.4.
128

solidarizarem. Elas estavam inscritas, de um lado, no respeito às leis, bem nos termos de
reverência de Délcio Mendes, e, de outro lado, no medo da repressão, garantida por esse
mesmo conjunto de leis.
A Pró-CUT lançou, em 1985, carta de apoio a diversas categorias que, por conta de
greves, tiveram seus colegas demitidos: trabalhadores de duas empresas metalúrgicas,
Metalomecânica e Jossan, e de um órgão estadual de extensão rural, EMATER-BA. Apóiam
também a greve dos professores da UEFS. Mineiros de Jacobina e metalúrgicos do ABC
também recebem apoio. No fim da carta há quatro reivindicações, que dizem respeito a todas
as categorias citadas: estabilidade no emprego, liberdade de organização política e sindical,
salário desemprego.263
Em uma carta que tem como objetivo principal repudiar as demissões como represálias
contra grevistas, o apoio à greve dos professores universitários, que não teve nenhum
demitido, suscita pergunta sobre qual a importância dessa categoria na cidade. Como veremos
no próximo capítulo, a ADUFS foi importante para a criação e sustentação da Pró-CUT. Para
os fins desta seção, cabe esclarecer, em poucas linhas, a trajetória dessa associação/sindicato.

2.7.3 – ADUFS

A ADUFS foi criada 1981, pouco tempo depois do status jurídico da universidade da
cidade ter passado de fundação (FUFS) a autarquia (UEFS), causando instabilidade entre os
professores, que deixaram de estar sob o regime da CLT para serem enquadrados
genericamente enquanto funcionários públicos. Além da luta para que fosse aprovado um
estatuto próprio ao magistério superior, bem como a imediata filiação à Associação Nacional
dos Docentes de Ensino Superior (ANDES), outras necessidades antecederam a fundação da
ADUFS: representação docente nas instâncias da UEFS, definição de ética profissional,
integração entres os professores e destes com as outras categorias. Da fundação da ADUFS
foram responsáveis os professores Eloi Barreto, Jose Jerônimo de Moraes e Naidson de
Quintella Baptista.264 Aliada às reivindicações – que tomaram forma de manifestação pública,
tal qual em períodos posteriores da associação – a marca “comunitária” foi forte nesse
período.

263
Comissão Pró-CUT da Região de Feira de Santana. Manifesto de Solidariedade. 1985. [Documentação
ADUFS]
264
Católicos progressistas, ligados aos setores politizados da Igreja influenciados pelo Concílio Vaticano II,
pelas conferências episcopais latino-americanas (Medellin, Puebla) que definiram a “opção preferencial pelos
pobres” e com histórico de atuação pastoral junto a grupos subalternos. Naidson Quintela era quadro do MOC e
foi o primeiro candidato a reitor de oposição, em 1987.
129

Em 1983, próximo às eleições para nova diretoria, houve discussão acerca das
finalidades da associação: as relações da ADUFS com a “sociedade”, a perspectiva de ser
encarada como sindicato, os professores serem ou não trabalhadores, unidade através da
ANDES e/ou CUT. O documento não é assinado, mas é provável que tenha sido redigido
pelos componentes da chapa única, eleita no mesmo ano. O texto tem um tom de avaliação
das ações da associação, pois sua fundação foi marcada por uma luta de caráter mais legalista,
implicada na mudança do status jurídico da universidade. A gestão como presidente José
Jerônimo e recém chegados à UEFS, como José Carlos Barreto de Santana e Rita Olivieri, que
permaneceram na direção da associação até 1988, ajudando na direção de greves, das quais
teremos notícia em seguida.
Os professores da UEFS realizaram greves em 1985 (duas, em abril/maio e em
outubro/novembro), 1987, 1988 e 1989, que se estendeu até 1990, com a decisão de não
participarem do funcionamento burocrático da universidade e não devolverem os diários de
classe aos departamentos (chamada de “greve branca”). As reivindicações eram ligadas
sempre: a reajustes salariais, inicialmente com entraves a respeito se o Estado da Bahia ou os
Conselhos Superiores das universidades arbitrariam a respeito dos salários; aumento de verbas
para as universidades estaduais; melhoria condições de trabalho, a exemplo da aprovação do
Estatuto do Magistério Superior, cujo projeto era disputado entre uma versão feita pela
Secretaria de Educação e outra feita pelos docentes; à “democracia interna” das IES-BA.
Na primeira greve de 1985, no mês de abril, em conjunto com a UESB e UNEB
(UESC ainda era fundação) os docentes contaram com o apoio dos deputados do PMDB na
Assembléia Legislativa, onde foram em todas as outras greves como tentativa de criar
diálogo, já que no executivo as dificuldades eram maiores. Diante do “falso argumento” da
inexistência de verbas, contestado pela arrecadação de ICM e outros impostos, outra greve em
outubro e outra investida na Assembléia Legislativa, dessa vez com a participação de
professores de 1º e 2º graus, outros funcionários públicos, a exemplo dos policiais civis e
servidores das IES-BA.
Na greve de 1987, que durou quatro meses, iniciada em março pelos professores da
UESB e UNEB, os da UEFS só aderiram em maio, devido à eleição para Reitor. Na UEFS,
não aderiram à greve os professores que apoiavam o governo de Waldir Pires. Em junho, os
grevistas lançaram um documento em forma de cartilha, que transcreve o debate realizado em
cinco de maio, em Sessão Especial da Assembléia Legislativa. Na data desta sessão, exigida
pelos professores, o “Acampamento Marajá é a Mãe” já existia há quase quinze dias, na
130

avenida da Governadoria, CAB.265 Pronunciaram-se os presidentes das ADs e deputados do


PDT, PCdo B, PFL, PMDB e PT (primeiro mandato do partido na assembléia legislativa),
com convocação para a primeira reunião da Comissão de Educação, tendo em vista que
nenhuma das representações partidárias se pronunciou contra. O documento foi produzido
“com a finalidade de registrar o evento que, apesar de sua importância, mereceu da imprensa
apenas 8 linhas em um jornal local,” além de apresentar as universidades à população baiana e
como são tratadas pelo governo.
Em boletim, a ADUFS listou os problemas dessa greve: pouca participação nas
atividades; confusão sobre ordem de prioridade na pauta, entre reajuste salarial e aprovação
do Estatuto; apoio total da imprensa ao governo; não ter percebido o “jogo de empurra-
empurra” do governo para desgastar a greve; pouco apoio dos estudantes; falta de recursos
financeiros da ADs.266
Um ano depois, professores da UEFS foram os únicos a deflagrarem outra greve, que
contou com o apoio da categoria das outras IES-BA. Essa foi, desde sua preparação, mais
desgastada devido a reclamações estudantis, pelo atraso no calendário, e negativas docentes,
pela não “efetividade” da anterior, no que dizia respeito ao atendimento da pauta de
reivindicações.
Provavelmente por não ter sido uma greve conjunta, aconteceram mais atividades em
Feira de Santana. Entre os dias 6 e 12 de abril, aconteceram dois debates sobre estatuinte com
os prof. Jerônimo Morais e Eloi Barreto, três assembléias, manifestação “Dia do Arrocho”,
“Dia da pintança” no asfalto da UEFS, Piquenique na Casa do Sertão, “Feira do Cacareco” no
MAP, debate com a Administração da UEFS, ato com panfletagem e pronunciamentos na
Sales Barbosa (ao lado do MAP), reunião ampliada com estudantes; assembléia. Para o ato do
dia 25 do mesmo mês, no MAP, o comando de greve lançou uma carta-convocação
endereçada também à comunidade feirense, expondo e criticando a resposta do governo em
não conceder aumento de salário a nenhuma categoria do funcionalismo do estado.
O trabalho de divulgação pelo país da recusa do governo de estado em negociar, teve o
apoio da ANDES, gerando documentos em solidariedade aos grevistas. Muitas entidades267

265
O acampamento ganhou esse nome depois da ofensiva do governador Waldir Pires na mídia, chamando os
professores de “marajás” e o acampamento de “ócio remunerado” para justificar o não atendimento de parte da
pauta.
266
“A greve das estaduais da Bahia”. Informativo da ADUFS, setembro de 1987, p.3. [Documentação ADUFS].
267
As entidades foram: Associação dos Diplomados da UERJ (ADUERJ), Associação dos Docentes da
Universidade Federal de Pernambuco (ADUFEPE), Associação dos Docentes da Universidade Federal
Fluminense (ADUFF), Associação dos Docentes da Universidade Federal de Goiás (ADUFG), Associação dos
Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto (ADUFOP), Associação dos Docentes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (ADUFRJ), Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
131

enviaram telexes e telegramas ao secretário do trabalho do estado, Antonio Carlos Barreto,


entre fins de abril e início de maio, todos com a seguinte mensagem: “Repudiamos política
arrocho salarial mantida pelo governo contra professores universidades estaduais Bahia.
Estamos solidários reivindicação de reposição salarial de 103, 13% correspondente perdas
março 86 fevereiro 88. Repudiamos intransigência governo Waldir Pires, responsável pelo
impasse.”
A greve se estendia desde 29 de março e, no fim do mês de maio, o governo cortou os
salários dos professores, que decidem continuar em greve, e ANDES lançou carta de repúdio:
“O fato, causou surpresa e indignação à comunidade universitária brasileira. Nem nos
períodos mais cruéis da ditadura se tem notícia do corte de salários de professores de
Universidades Públicas, em greve.”
Após o fim da greve, em 21 de junho, a ADUFS suspendeu os convênios com a rede
de supermercados Cupertino e plano de saúde Unimed, devido ao não pagamento dos salários.
Ainda assim, continuou-se em mobilização, tentando articulações com deputados para que
Estatuto do Magistério entrasse na pauta da Assembléia Legislativa, que o aprovou dia 30 de
junho. Reunidos em assembléia dia 01 de novembro, os professores decidiram não registrar os
conceitos nas cadernetas até pronunciamento oficial do governador, o que acarretou
cancelamento do semestre letivo.
O dissídio coletivo no funcionalismo público só foi possível a partir da Constituinte,
em 1988, quando essa categoria obteve direito de sindicalização. UEFS e UESB deflagraram
greve em junho de 1989, que teve como principal reivindicação a agilidade no julgamento do
dissídio, encaminhado duas semanas antes. Até aquela data, governo e IES-BA ainda não
tinham sido convocados para negociação.
Além disso, reivindicaram 137% de reajuste retroativo a março de 1989, melhores
condições de trabalho, respeito à autonomia universitária, repasse imediato das verbas já
aprovadas, eleições diretas para reitor. Em 28 de julho encerrou-se a greve, depois de o
governo ter firmado acordo garantindo do repasse parcial das verbas, de reajuste
“diferenciado correspondente ao IPC pleno do período acrescido de mais 15% a 20%” e
também o julgamento do dissídio coletivo pelo TRT, obrigando o governo a repor 41,25%

(ADUFFRJ), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ADURN), Associação
dos Docentes da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (ADUFEMS) Apropucc, Associação dos
Docentes da Universidade Federal de São Carlos (ADUFSC), Associação dos Professores da PUC de Campinas
(APROPUC), SINPRO-SSA, ANDES e Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação da CUT
(DNTE-CUT).
132

sobre o salário de abril de 1989. Com o não cumprimento de nenhuma das garantias já
citadas, os professores das duas IES-BA optaram pela “greve branca”.
Diretorias da ADUFS tensionavam para que a luta pela democracia através da luta
pela democratização das instâncias da UEFS fosse ponto prioritário nas pautas
reivindicatórias. Na greve de 1985, foram feitas denúncias a respeito do não envolvimento das
“autoridades universitárias” no processo de negociação com o governo João Durval. Na greve
de 1987, assembléia docente lançou moção de repúdio à Administração Superior da UEFS,
gestão de Yara Cunha, por ter lançado edital de concurso público para professor com base na
proposta de Estatuto do Magistério elaborada pela Secretaria de Educação, exigindo
revogação do mesmo.
Desde as eleições para governador em novembro de 1986, com posterior vitória do
“Governo da Mudança”, Waldir Pires (PMDB), o confronto dos professores da UEFS com o
governo estadual teve menos adeptos. Por conta disso, as discussões sobre eleições diretas
para o cargo de Reitor, no início de 1987, foram atravessadas pelo apoio ao “Governo
Democrático” e o candidato a reitor mais próximo do governo teria, decerto, os votos de boa
parte dos professores. Concorreram à reitoria Naidson Quintella, apoiado também pela
diretoria da ADUFS, e Yara Cunha, de forte ligação com o PMDB, tendo como vice Erivaldo
Fagundes Neves, que fora diretor da ADUFS de 1984 a 1986.
Em fins de março, Waldir Pires vetou as eleições diretas para reitor nas IES-BA,
decidindo por uma lista sêxtupla em vez da indicação de um único nome, o que, segundo o
próprio, causaria problemas para sua plataforma de governo. Diante disso, Naidson Quintella
declarou que as eleições na UEFS seriam diretas, ainda que não houvesse estatuto legalizando
o processo. Yara Cunha não deu opinião sobre a decisão do governador, dizendo que os
professores fariam eleições diretas e a decisão que seria adotada após isso “cabe a ele”.
Defendendo uma “administração participativa”, a candidata a reitora disse que só
aceitaria a nomeação pelo governador se tivesse a maioria dos votos. O vice-presidente da
ADUFS, José Carlos, disse que “quem representa a universidade em todos os níveis, inclusive
junto ao governador, é o reitor eleito pela comunidade, e não uma pessoa que representa o
governador dentro da universidade.” Em Assembléia Geral Universitária no início de abril,
estudantes, professores e funcionários decidiram pelo voto paritário.268

268
“Comunidade universitária frustrada com o veto à eleição direta para reitor”. Jornal Feira Hoje, 25 de março
de 1987, p.3; “Yara afirma que somente aceitará a reitoria se vencer a eleição direta”. Jornal Feira Hoje, 03 de
abril de 1987, p.3; “UEFS realizou a primeira assembléia universitária”. Jornal Feira Hoje, 08 de abril de 1987,
p.3.
133

No ano seguinte, a reitora Yara Cunha, mais votada pela comunidade acadêmica e
indicada pelo governador, convidou o mesmo para proferir a aula magna do primeiro semestre
letivo de 1988, gerando um ato de protesto estudantil e as críticas de professores, inclusive da
diretoria da ADUFS.269 Os professores que faziam greve contra Waldir Pires e a gestão de
Yara Cunha continuaram se confrontando. Durante a greve de 1988, uma nota do jornal
Tribuna da Bahia de 20 de abril, sob o título “Feirenses estão há quase um mês sem
universidade”, fala de um informativo lançado pela ADUFS, denunciando o “pouco caso” do
governo frente à greve, e da tensão política entre “boa parte do professorado politicamente
ativa” e a Administração Superior. Esta última estava acusando os grevistas de “minoria
inconseqüente e radical”. A nota rebate: “Minoria ou não, a corrente que domina a ADUFS
tem conseguido sempre êxito em seus movimentos grevistas, ainda que o retorno por parte do
governo não seja dos melhores.”
A ADUFS pensou a democracia não só dentro da universidade, mas na relação desta
com Feira de Santana. Em todas as greves, lançaram panfletos direcionados exclusivamente à
população da cidade. Em 1985, declararam: “A universidade é mantida com o dinheiro do
povo e o povo feirense merece uma universidade capaz de contribuir para o seu
desenvolvimento.” Nessa mesma greve foi lançada uma moção de apoio da Assembléia Geral
Permanente dos docentes à greve dos metalúrgicos da Metalomecânica: “solidariedade e total
e irrestrito apoio à luta que travam pelo atendimento das suas reivindicações.”
Quando se tratava de estreitar laços entre universidade e a cidade na qual estava, as
atuações da ADUFS na cidade aconteciam pontualmente. Em setembro de 1987, ADUFS,
DCE e ASSUEFS tentaram unificar a luta contra a “crise interna” da UEFS, através do
Subcomitê em defesa das universidades estaduais, cujo lançamento foi feito no centro da
cidade, na Câmara de Vereadores. Com palestra de Marco Antonio Pereira, dirigente da
Andes, “Política do governo para a universidade brasileira”, a intenção foi dar o pontapé para
discutir autonomia, gratuidade do ensino, melhores salários e condições de trabalho e
integração entre comunidade feirense e universitária – através da participação da população
na política educacional para a UEFS, fazendo com que esta última responda “às reais
necessidades das comunidades onde estão inseridas.”270

269
SANTOS, 2007, op cit, capítulo 2. SILVEIRA, 2010, op cit, capítulo 4. Nesse mesmo capítulo, a autora trata
também da participação dos estudantes em outros movimentos junto com a ADUFS, inclusive greves dos
docentes.
270
“Defesa das universidades estaduais”. Informativo da ADUFS, setembro de 1987, p.8. [Documentação
ADUFS].
134

Ainda que a ADUFS, enquanto entidade, não tivesse atuação constante no cotidiano
feirense, alguns de seus diretores estiveram empenhados em tarefas de organização dos
trabalhadores feirenses, a exemplo de Naidson Quintela, como já visto, e outros, que serão
citados à medida em que tratarmos das entidades às quais estiveram vinculados. Por hora,
vamos continuar falando sobre as greves setoriais em Feira de Santana.

2.7.4 – Metalúrgicos

Os metalúrgicos não tiveram sindicato local até 1988, quando conflitos entre setores
do PCdoB, fizeram com que a delegacia sindical de Feira de Santana se desmembrasse de sua
base territorial, Salvador.271
A delegacia sindical, subordinada ao sindicato de Salvador, era controlada pelo
PCdoB. Apenas em 1987 a sede decidiu comprar um carro para a sub-sede de Feira de
Santana, reconhecendo que não havia possibilidade de organização sem o mesmo.272 Em
1982, venceu uma chapa de coalizão contra os “pelegos”, formada pelo PT e o PCdoB. No
mesmo ano, temos notícia dos metalúrgicos pela primeira vez, através do Feira Hoje. A
fábrica Schrader fechou no CIS e foi transferida para São Paulo, demitindo cerca de 100
metalúrgicos. Manoel dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, e o vice, Jonas
Francisco de Souza, se reuniram duas ou três vezes com Colbert Martins, CIFS, CIS e 35º BI
para discutir a situação, denunciaram que a empresa se utilizou dos incentivos fiscais para
lucrar muito e depois voltar para São Paulo.
No início de 1984, Haroldo Santana Rocha denunciou demissões de metalúrgicos de
diversas empresas, para serem substituídos por estagiários, que recebiam menos. Essas
empresas também não mantinham a CIPA. Eram elas: Peterco, Jossam, Condugel, Laminação
Bahia e Retificadora Feirense.273 Em maio de 1985, cerca de 200 operários da
Metalomecânica, no CIS, participaram de assembléia no início de maio e deliberaram a favor
da greve, com as seguintes reivindicações: redução da jornada de trabalho, equiparação
salarial com a Engex, onde se realizava o mesmo trabalho, fornecimento de leite aos
encarregados da fundição, serviço médico satisfatório e melhorias nas instalações sanitárias.
A empresa, que tinha matriz em São Paulo, disse que só foram liberados os atendimentos às

271
PINTO, Ilberto Dias. Sindicalismo no Aço e no Ato: o discurso militante classista do boletim informativo O
Metalúrgico do Sindicato dos Metalúrgicos de Feira de Santana (1988-2003). Feira de Santana: UEFS
(Monografia de Graduação em História), 2010.
272
Livro de ata do Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador. Reunião da diretoria plena, 24 de janeiro de 1987.
273
“Coluna Sindical”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
135

duas últimas “exigências”, em prazo de um mês. Dias antes da deflagração da greve foram
distribuídos panfletos.
Dois dias depois de deflagrada a greve (08) e com as negociações em andamento,
Ulisses Barbosa Filho, presidente do sindicato das empresas metalúrgicas, pediu ao presidente
do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, José Rodrigues da Costa, que os operários
retornassem ao trabalho, recebendo resposta negativa. O diretor da Metalomecânica, Antonio
Liberato, disse que não haveria aumento, pois a indústria ia fechar as portas.
Foi formada uma comissão para organizar um fundo de greve, que contou também
com Messias Gonzaga (PMDB) e Antonio Ozzeti (presidente do PT local). A presença da
polícia ficou restrita à presença de uma viatura de plantão por dois dias. Com a greve dos
motoristas de transporte coletivos ocorrendo no mesmo momento, os grevistas foram à porta
da fabrica caminhando ou de bicicleta, mesmo os que moravam em bairros distantes. No fim
de semana, ficaram apenas os que estariam em serviço se não houvesse greve, cumprindo os
turnos da rotina de trabalho. Os salários foram pagos no sábado, dia 11 e no dia 14 soube-se
que o pedido da diretoria da empresa de julgar a ilegalidade da greve foi negado pela DRT.
No dia 13 entidades se reuniram a fim de decidir sobre o apoio às greves dos operários
da Metalomecânica, motoristas, despachantes e cobradores de transportes coletivos,
professores universitários e funcionários da EMATER-BA. Depois de ter-se deliberado pelo
apoio, com a presença e orientação de representantes dos grevistas das diferentes categorias,
foi decidido que haveria ajuda na divulgação para esclarecer a população dos motivos das
greves através: da orientação dos órgãos de comunicação e da produção de panfletos. Em um
panfleto divulgado, as entidades apoiadoras protestaram conta as atitudes de patrões e
governo, além de informarem que as greves são instrumentos legítimos de garantia de
melhores condições de trabalho. Também, decidiu-se pela realização de pedágios nas ruas e
outras ações para angariar dinheiro para as categorias que mais precisavam: metalúrgicos e
trabalhadores do transporte coletivo. As outras categorias declararam não necessitar de ajuda
financeira. Os apoiadores das greves foram: Sindicato dos Comerciários, SINCAVER, STR-
FSA, ADUFS, ADEFS,, Associação dos Trabalhadores em Construção Civil, Associação dos
Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação, Pró-CUT, ASTA, Associações de bairros da
Mangabeira, Rua Nova, Cidade Nova, conjunto João Paulo II, PT e PMDB.
Uma semana após o fim da greve (25), os operários da Metalomecânica denunciaram
oito demissões de colegas, ocorridas por represália, a coação sobre os que ainda estão no
emprego através de “pedidos” de demissão voluntária e o não cumprimento dos pontos de
pauta garantidos em negociação durante a greve. A direção do sindicato em Salvador
136

divulgou nota entre os operários da empresa garantindo que a luta continua e que a categoria
em todo o estado estava reivindicando 40 horas semanais, reajuste trimestral e pagamento em
dobro do salário de férias.
As motivações para continuar fazendo greves se deram menos pelos ganhos materiais
das pautas e mais pela vontade política de insistir na greve como instrumento de luta. Os
tradicionais continuaram insistindo em não se indispor com os dominantes da cidade, ao se
recusarem a apoiar o confronto aberto causado pelas greves como forma de reivindicação.
Mesmo o Sindicato dos Bancários, que organizava greves da categoria quase que anualmente,
não se manifestava sobre greves de outros trabalhadores em Feira de Santana e, quando
entrevistado sobre as motivações para as greves de bancários, se remetia à pauta nacional de
reivindicações da categoria e não à situação dos bancários feirenses.
Porém, outras tantas categorias fizeram greves na cidade. E, em muitas delas, vemos a
presença de petistas-cutistas, seja através do apoio do PT e da Pró-CUT, seja através das
oposições sindicais, que se faziam presente no trabalho de articulação grevista também fora
de suas próprias categorias. O aumento na quantidade e constância das greves setoriais tem a
ver com a rede de solidariedade local e nacional insistentemente tentada pela CUT e que, em
muitos momentos, tinha o apoio da população. Sindicatos disponibilizaram suas sedes para
reuniões de organização de diversas greves e outras manifestações vistas neste capítulo.
Militantes de diversas categorias viabilizaram impressão de panfletos para divulgação dos
movimentos, além de estarem presentes nas panfletagens, pedágios e nas rádios. A maioria
dos petistas-cutistas realizava mais de uma atividade militante simultaneamente. Eles foram
minoria durante toda a década de 1980, mas o esforço na construção da unidade de classe os
fez se multiplicarem, contrapondo forças políticas que persistiam defendendo a tradição de
luta vigente até ali.
137

CAPÍTULO 3
Lutas pela classe

Elizio Santa Cruz, em seu depoimento, falou que, depois da greve geral de 1986,
formou-se uma “nova consciência de classe” dos trabalhadores feirenses.274 Para que greves
vitoriosas fossem viabilizadas, seria necessário conquistar os sindicatos para transformá-los
em entidades que representassem os trabalhadores institucionalmente e educasse
politicamente os mesmos para a participação direta, sem porta-vozes que não fossem os
próprios trabalhadores. Para uma articulação plena dos sindicatos, seria preciso uma Central
que os integrasse e estabelecesse diretrizes para a luta em todo o país, unificando a classe
nacionalmente.
Nessa visão, a formação de outra consciência de classe dos trabalhadores era parte da
disputa pela hegemonia da classe trabalhadora. Para que esta se formasse, deveria haver
mudanças na prática organizativa dos trabalhadores feirenses. Conquista de sindicatos, greves,
centrais sindicais e jornais alternativos, foram instrumentos de luta defendidos pelos petistas-
cutistas.
Neste capítulo, veremos como os objetivos do novo sindicalismo em Feira de Santana
esbarraram na experiência da classe trabalhadora, calcada em uma tradição organizativa que
não primava pelo confronto aberto, ainda que não o recusasse. A tentativa dos petistas-cutistas
de abrir flancos nessa experiência será tratada aqui através de duas frentes de luta que foram
mantidas até o início da década de 1990: as oposições sindicais e a Pró-CUT. Na última seção
deste capítulo, veremos os petistas-cutistas e o MOC compondo outra frente de luta
reconhecida como importante à época: a imprensa popular.

3.1 – Oposições sindicais

As oposições sindicais compunham parte importante do processo de luta por


autonomia de classe defendido pelo novo sindicalismo: tirar o controle da máquina sindical
das mãos dos “pelegos” para fazer de cada sindicato uma organização por categoria para

274
Depoimento de Elizio Santa Cruz. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
138

viabilizar suas demandas, a fim de que os trabalhadores aprendessem a disputar o poder e não
se subordinassem a quem o monopolizava.
Porém, a história das oposições sindicais em Feira de Santana não será contada pelo
processo de conquista dos sindicatos e sim pelas contínuas tentativas, porque em nenhum dos
sindicatos tradicionais da cidade os petistas-cutistas venceram eleições para diretoria. Foi o
novo sindicalismo acontecendo sem alcançar um de seus objetivos básicos: a tomada dos
sindicatos das mãos dos “pelegos”.
A primeira tentativa organizada de contraposição aos sindicatos tradicionais se deu no
I ENCLAT, em 1983, quando uma das linhas de ação visava incentivar a formação de
oposições onde houvesse “pelegos” na direção do sindicato. Como visto no capítulo anterior,
da Comissão Intersindical composta nesse encontro fizeram parte bancários, comerciários e
taxistas, que deveriam ser nomeados em assembléia organizada pela categoria, pois os
sindicatos dessas categorias não compareceram ao encontro. Ainda que não tenhamos
informações sobre a viabilização de tal deliberação, o texto final do encontro deixa claro o
lugar atribuído aos ausentes: junto aos patrões e o governo Figueiredo, que teimavam em
sustentar a ditadura. Começava ali um embate que se estenderia por quase dez anos.275
No ano seguinte, o Encontro Municipal do PT de Feira de Santana, deliberou pela
formação de oposições sindicais como prioridade.276 Em que pese essa tomada de posição e as
críticas constantes às direções tradicionais, expressas em momentos de mobilização e em
textos n’O Grito da Terra, apenas na segunda metade da década as oposições se mostraram
com força numérica e, também por isso, qualitativamente capazes de concorrer às eleições
para, pelo menos, dois dos maiores sindicatos da cidade: bancários e comerciários. Isso tem
estreita relação com o aumento no número de greves setoriais, quando as oposições ajudavam
no convencimento para a greve ou, pelo menos, disputavam a condução da mesma.
A polarização das apropriações/opiniões a respeito das greves se deu também pela
presença das oposições sindicais nestas, o que demonstra uma mudança na disputa pela
confiança dos trabalhadores. Os tradicionais tiveram que disputar no campo do adversário, já
que a correlação de forças pendia para o conflito aberto, através da desqualificação da greve
como instrumento da classe trabalhadora, dizendo que esta era usada para fins políticos-
partidários, alheios à classe. Essa também era uma disputa partidária entre PMDB, PT e
PCdoB.

275
Resoluções do I ENCLAT, p.7. [Acervo ADEFS/LABELU].
276
SANTOS, 2007, op cit, p.202.
139

Igor Santos fala da participação de petistas na formação de algumas oposições


sindicais, através da disputa partidária embutida ali, com acusações por parte dos diretores dos
sindicatos de que as oposições estavam a mando de partidos e nada tinham a oferecer aos
trabalhadores, que já os tinha como líderes.277 A nós interessam as oposições dentre os
sindicatos escolhidos para a análise. No Sindicato dos Metalúrgicos, houve tentativa de
aproximação nas eleições de 1982, cuja chapa foi composta por PT e PCdoB (aqui na cidade,
o candidato a delegado sindical da chapa era Haroldo Rocha, do PCdoB). Porém as disputas
pelo sindicato se deram mais entre correntes internas do PCdoB. Em 1988, a delegacia
sindical da cidade rompeu com o Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador e fundou o
Sindicato dos Metalúrgicos de Feira de Santana. A relação com os petistas-cutistas,
aparentemente, se restringiu a apoio mútuo em algumas greves.278
No SINCAVER não houve oposição petista-cutista, ainda que fosse um dos sindicatos
mais criticados por eles. Orlando Abreu, posteriormente técnico agrícola e membro da Pró-
CUT, foi taxista e tentou organizar uma oposição. Porém, as oposições sempre foram ligadas
a forças ainda mais conservadoras que o PMDB (partido ao qual Liomar Ferreira era filiado),
aliadas ao PDS. Essa não inserção dos petistas-cutistas entre os taxistas tem a ver, certamente,
com o fato de que constituem uma categoria não assalariada, além de Liomar Ferreira parecer
assumir o papel de patrão. José Rocha disse que, quando era taxista, tentou participar de uma
chapa de oposição, mas foi perseguido pelo sindicato, que boicotava a vistoria do seu carro. O
próprio SINCAVER controlava a vistoria dos carros e outros procedimentos ligados à
profissão.279
A Oposição Bancária, como dito no capítulo anterior, começou a ganhar força depois
da greve dos bancários de 1985. A primeira vez que concorreram às eleições foi no ano
seguinte. Em maio lançaram um boletim convocando a categoria para as eleições que
ocorreriam já naquele mês, onde concorriam duas chapas. Este boletim se dirigiu aos
funcionários do Bradesco que, “por motivos de pressões”, não puderam compor a chapa de
oposição. O boletim declarou disse que o sindicato deveria representar todos, ainda que estes
não estivessem representados na direção do mesmo. Ainda, publicaram matéria, sob o título
de “Imobilismo ou trabalho autêntico”, analisando a presença de Eliezer Ferreira como diretor
do sindicato há 12 anos: ele era gerente administrativo do Baneb e havia ido aos EUA para

277
SANTOS, 2007, op cit, p.202 et seq. As oposições sindicais analisadas pelo autor foram as das seguintes
categorias: comerciários, bancários, condutores autônomos, motoristas rodoviários e professores municipais e
estaduais.
278
“Pelego pode cair (cresce a oposição Sindical Metalúrgica)”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1982, p.6.
Depoimento de Elizio Santa Cruz, op cit. PINTO, 2010, op cit.
279
Depoimento de José Rocha, op cit.
140

fazer um curso na “ultra-reacionária Central Sindical AFL/CIO”, que apoiou ditaduras na


América Latina e também a Guerra do Vietnam. Além de ser autoritário, colocou em sua
chapa pessoas que ocupavam cargos de confiança em bancos, assim como ele.280
O presidente da chapa que produziu o boletim foi José Cruz, então petista, mas que já
tinha sido do PCdoB. Porém, José Cruz havia começado anos antes o seu trabalho de
oposicionista. Assinou um texto em uma edição d’O Grito da Terra de 1983, criticando o
sindicato por só se preocupar com a sede recreativa, enquanto trabalhadores de bancos estatais
perdiam direitos conquistados.281
Posteriormente, José Cruz se retirou e os militantes da oposição sindical que eram do
PCdoB se aliaram à diretoria nas eleições de 1989, inclusive compondo a chapa. É importante
notar que essa decisão de parte da oposição sindical bancária teve a ver com a crescente
articulação do PCdoB em sindicatos de Feira de Santana, a exemplo dos recém fundados
Sindicato dos Metalúrgicos e APLB-Seção Feira de Santana. Também, o partido havia
decidido se filiar à CUT.
A Oposição Comerciária concorreu às eleições do sindicato a partir de 1985.282 Antes
disso, a primeira oposição a Délcio Mendes foi em 1984, com uma chapa encabeçada por
Eduardo Teles, em uma coalizão PT-PMDB. Porém essa chapa não chegou a disputar as
eleições, que foram canceladas por irregularidades na chapa candidata à reeleição.283 Note-se
que apenas a referida chapa estava irregular. Ao ser lançado novo edital, o PMDB desistiu de
concorrer às eleições. O PT declarou que a ala do PMDB à qual Délcio Mendes pertencia
pressionou os correligionários a não se inscreverem.284
Em outubro de 1986, a Ação Sindical Comerciária lançou um comunicado falando
sobre o Dia do Comerciário: “como é que podemos comemorar o nosso dia apenas tomando
cervejas, participando de Maratona, torneio, concurso, fazendo festa, quando hoje de verdade
deveria se um DIA DE LUTAS [...] Cadê as vitórias?! Se tudo que foi aprovado pelo
presidente do Sindicato já estava na lei e simplesmente nunca foi respeitado e nunca vai ser
enquanto temos uma direção do Sindicato como esta.”285 Esse apelo faz parte do que dissemos
no capítulo anterior, sobre a retomada do 1º de Maio como dia de luta e não só de
comemoração.

280
Opção Sindical. Boletim da Oposição Bancária. Maio de 1986. [Acervo ADEFS/LABELU]
281
“O pacote e os trabalhadores das estatais”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1983, p.6
282
Começaram como “Ação Sindical Comerciária”, em 1986 e em 1987 eram “Movimento Comerciários em
Luta”.
283
“Eleição do sindicato dos comerciários vai parar na justiça”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1984, p.10.
284
SANTOS, op cit, p.206.
285
Ação Sindical Comerciária. O Pique. 1986. [Doação de Anna Kaufman]
141

Na eleição de 1987 o PT ainda tentava aproximação com o Movimento Comerciários


em Luta, que tinha como figura mais expressiva Anna Kaufman, militante da Juventude
Operária Católica (JOC). O panfleto de divulgação da chapa trazia os nomes sem os cargos,
fazendo a seguinte provocação: “Qual deles é o presidente? Quem vai responder, vencendo a
chapa 2, serão os próprios comerciários, em assembléia.”286 O Movimento Comerciários em
Luta tinha fortes relações com a CUT, defendendo a filiação do sindicato a esta, e contava
com um militante do PT em sua chapa, Miguel dos Santos Cerqueira.
Nessas eleições concorreram mais duas chapas. Uma composta por militantes do
PCdoB e a outra, uma dissidência da atual diretoria mais alguns empresários. Délcio Mendes,
por seu turno, armou-se ainda mais do que nas eleições de 1984. Começou por pagar a
dezenas de mulheres, chamadas pelo Feira Hoje de “delcetes”, para distribuir panfletos da sua
chapa.287 No dia das eleições, as urnas circularam por todo o comércio, para facilitar a
votação, segundo Délcio, e Liomar Ferreira fez boca de urna. Anna Kaufmam denunciou os
dois fatos ao jornal Feira Hoje, mais a demissão de Rafael Bispo dos Santos, funcionário do
supermercado Cupertino, por ter aceitado compor a chapa.288 Mais uma vez, Délcio Mendes
ganhou as eleições.
Em todas as eleições as chapas de oposição denunciavam fraudes por parte das
diretorias que concorriam à reeleição. As visitas à justiça do trabalho eram constantes, mas as
oposições sindicais sempre faziam a ressalva de que a justiça do trabalho não era neutra e,
certamente, daria causa ganha às diretorias, ou impugnariam todo o processo eleitoral, para
que as oposições tivessem de rearticular sua chapa. Também, reclamavam da falta de
conhecimento das leis por parte dos trabalhadores. Isso seria ruim não só nos momentos de
reivindicação frente aos patrões, mas também na luta entre seus pares, como é o caso das
eleições para sindicatos.289
Em 1990, quando deveriam ser realizadas novas eleições, Délcio Mendes saiu
recolhendo assinaturas de comerciários em lojas e no clube recreativo da categoria para que o
estatuto fosse mudado, ampliando o tempo da gestão para quatro anos. Santos diz que essa
estratégia foi utilizada pelo temor da vitória da oposição, que não tinha parado seu trabalho
político entre os comerciários desde 1987. Por outro lado, com o aumento no número de
286
Movimento Comerciários em Luta. Sem data. [Doação de Anna Kaufman]
287
“Delcetes”. Jornal Feira Hoje, 05 de junho de 1987, p.2.
288
“Confusão, queixas e poucos votos entre os comerciários”. Jornal Feira Hoje, 11 de junho de 1987, p.3.
289
Experiência de Ação no Comércio de Feira de Santana – Bahia. Movimento Comerciários em Luta. 1990.
[Doação de Anna Kaufman]. Em outros casos, as disputas eleitorais tinham desdobramentos posteriores, como o
da eleição do STR de Monte Santo, Bahia, onde foi organizado um seminário sobre Direito Sindical. Cf. AATR
– BA. Direito sindical: uma discussão com vistas à eleição do sindicato. Cadernos do CEAS, Salvador, nº 101,
março/abril de 1986, pp. 54 a 59.
142

greves, os militantes se desdobravam entre o trabalho junto aos seus pares e o apoio a outros
trabalhadores.290
Os embates das eleições de junho de 1991 começaram no mês anterior. Délcio Mendes
se negou a dar informações sobre sua chapa e sobre o quadro de associados do sindicato à
chapa concorrente, que tinha José Rocha como candidato a presidente. À época, Délcio
Mendes era diretor do CSU, assessor do gabinete do prefeito Colbert Martins e vogal da
Justiça do Trabalho. Ao contrário disso, era desconhecido seu vínculo empregatício enquanto
comerciário.291
O mês de junho foi de grande agitação, com a mobilização de todo o campo cutista do
sindicalismo feirense e boa parte dos sindicatos cutistas de Salvador, não só com apoio
material, mas deslocamento de militantes para a campanha e para os três dias de eleições. O
PCdoB, que já estava filiado à CUT, também apoiou os Comerciários em Luta, nome da
chapa de oposição. Délcio Mendes usou todo o seu poder de articulação contra a chapa de
oposição, garantindo que as urnas ficassem guardadas no sindicato. A oposição foi derrotada,
dessa vez, com evidências ainda mais fortes de fraude nas eleições: Délcio Mendes ganhou
em apenas uma urna, a que ficou todo o tempo no sindicato e a onde eram vistas pessoas
desconhecidas, muitas chegando em carros conduzidos por pessoas ligadas à prefeitura. No
ano seguinte, José Rocha foi demitido da Lojas Brasileiras, algum tempo depois do
Movimento Comerciários em Luta ter se desarticulado. A vitória da oposição nas urnas, pelo
número de votos, não havia se revertido em consolidação do grupo oposicionista.292
As propostas das chapas de oposição dos comerciários e bancários durante as eleições
não excluíam as utilizadas pelos tradicionais – assistência médica, odontológica e jurídica – e
incorporavam outras ligadas à democracia e dinamização do sindicato. Também, propunham
coletivizar problemas até então encarados como “individuais”, ou “menores”, a exemplo da
condição da mulher trabalhadora: os bancários propuseram construir uma creche para
diminuir as demissões de mulheres grávidas; os comerciários denunciavam constantemente a
recusa de vagas para mulheres que não fossem solteiras e a “revista corporal” para prevenir
roubos, mediante a retirada de toda a roupa, inclusive íntima.293

290
SANTOS, op cit, p.217-218.
291
“Chapa de oposição enfrenta Délcio Mendes na Justiça”. Jornal Feira Hoje, 30 de maio de 1991, p.3.
292
SANTOS, op cit, p.218-219. “Eleição dos comerciários termina em clima de tensão”. Jornal Feira Hoje, 22
de junho de 1991, p.4.
293
Movimento Comerciários em Luta. Boletim da Oposição Sindical Comerciária em Feira de Santana. Abril de
1987. [Doação de Anna Kaufman]. Opção Sindical. Boletim da Oposição Bancária. Abril de 1986. [Acervo
ADEFS/LABELU]
143

As oposições sindicais também se uniram para produzir um panfleto que ajudasse na


educação política do trabalhador feirense. Em uma pequena folha, de 1988 ou 1989,
oposições comerciária e bancária e a Pró-CUT falam da “luta dos trabalhadores”, com uma
conversa entre três personagens, se expressando através de balões, que demonstra de forma
resumida o processo de “tomada de consciência” da condição de explorado. Depois de
reclamações a respeito do congelamento dos salários, e não dos preços, da constituição que só
funcionava “no papel” e da reprodução do argumento de aumento de desemprego mediante
aumento dos salários, um personagem que representa um militante sindical diz que para
deixar de “ser enrolado”, é preciso entender a realidade e a sociedade. Segue-se uma fala
sobre a divisão da sociedade em duas classes, burguesia (proprietários) e trabalhadores e, por
fim, a constatação dos outros dois personagens: por conta dos interesses distintos, não se deve
confiar na burguesia e “eu pensava que bastava a constituinte; bastava trocar Sarney... Agora
não! Entendo que a gente tem que lutar como classe; no sindicato; no bairro; temos que nos
unir...”.294
As oposições sindicais disputavam não só os cargos da direção sindical, mas a própria
concepção de sindicato. Queriam ampliar a possibilidade de um sindicalismo “combativo” e
“de bases” tornando-se diretorias e “neutralizando” as ações dos “pelegos históricos”. Os
candidatos à reeleição prometiam continuar “a favor dos sindicalizados” mantendo sede
recreativa e serviço odontológico. Já a oposição sindical tentava marcar diferença dizendo que
manteria a “assistência social e recreativa” dos trabalhadores e, além disso, propunha uma
gestão sindical que não servisse aos interesses dos patrões e sim que os enfrentasse. Isso nos
mostra que a tentativa de construção de novas práticas militantes não descartava
completamente as já consolidadas, mesmo que as criticasse.
Porém, o reconhecimento de que os trabalhadores feirenses não abririam mão do
chamado assistencialismo não foi suficiente para que as oposições tomassem os sindicatos. As
eleições eram, comumente, fraudadas e/ou os tradicionais contavam com a ajuda da DRT para
que a chapa de oposição não se inscrevesse. Mesmo assim, o ainda grande número de votos
para os tradicionais e os votos na oposição que não se revertiam em militância na oposição
sindical pode ser explicado também pelas constantes ameaças sofridas pelos trabalhadores e,
talvez, pelo não estabelecimento de uma relação de confiança com as oposições sindicais.

294
Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana, Oposição Comerciária, Oposição Bancária. Luta dos
Trabalhadores. Feira de Santana, s/d. [Doação de Anna Kaufman]
144

3.2 – Pró-CUT

A Pró-CUT foi criada entre 1985 e 1986, tendo seu I Encontro realizado,
provavelmente, em setembro de 1986. Em 1990, quando se preparava o congresso de
fundação da CUT Regional de Feira de Santana, a proposta de “abrangência geográfica”
continha 38 municípios, que vão do “alto sertão”, a exemplo de Quijingue, até o recôncavo,
com Santo Amaro, incluindo parte sul do recôncavo, com Sapeaçu.295 Entretanto, os
sindicalistas tradicionais de Feira de Santana se posicionaram acerca da CUT mesmo antes de
sua fundação.
Foi realizado o I Encontro Regional de Sindicalistas Urbanos e Rurais, no final de
maio de 1983, promovido pela FNT em Feira de Santana para “estimular a luta pela
construção do socialismo – um socialismo novo, diferente dos modelos importados,
autogestionário e não violento”, disse o metalúrgico Edmundo Santos, presidente da entidade.
Segundo ele, o encontro discutiu a dependência dos sindicatos ao Ministério do Trabalho,
devido à legislação ainda vigente, e a formação da CUT. Sobre esta última, constatou-se que a
“divergência ideológica” – que se dava apenas entre os “militantes” e não nas “bases” –
estava atrapalhando o movimento: de um lado, os “pelegos” não queriam participar, pois não
poderiam continuar “manipulando” os trabalhadores e, de outro lado, os “combativos” não
estavam conseguindo levar a proposta da CUT às “bases”, como era seu intento.
A saída encontrada para a superação dessas divergências, ainda segundo Edmundo
Santos, se daria em três partes: i) as entidades discutiriam com os trabalhadores o significado
da CUT, colhendo opiniões sobre “seu papel na sociedade”; ii) seria iniciada uma prática
solidária a partir de “lutas concretas”, sugerindo-se as manifestações contrárias às expulsões
de famílias, causadas pela barragem de Pedra do Cavalo; iii) as entidades informariam à FNT
sobre lutas de trabalhadores e esta prepararia um boletim, a ser distribuído em todas as
entidades.296
No caso aqui apresentado, a FNT já havia explicitado todo o processo que faria dela a
organizadora da classe trabalhadora. Essa foi uma das maneiras de criticar o processo de
fundação da CUT. Vemos uma atitude que foi incomum após a radicalização do movimento
cutista e a polarização entre “pelegos” e “combativos”: falas amenizadas pelo argumento de
que era necessária uma ampla discussão com os trabalhadores antes da decisão de fundar uma

295
Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana. Convocatória para o Congresso de Fundação da CUT
Regional de Feira de Santana. Feira de Santana, 18 de setembro de 1990. [Acervo Gerinaldo Costa/LABELU]
296
“Sindicalistas participam de encontro”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1983, p.5.
145

Central. Não houve rejeição imediata à CUT. Esta só se deu no seu processo de constituição,
ao longo das disputas pra fazer valer seus objetivos.
Outra forma de discordância com a fundação da CUT partiu dos sindicatos
tradicionais, e do STR-FSA que, como vimos, era tensionado constantemente pelas forças
políticas locais. À época das articulações para a convocação do congresso de fundação da
CUT Nacional, alguns sindicatos se reuniram para discutir a criação de uma “Central Sindical
a nível local”. Da reunião, ocorrida na sede do sindicato dos bancários, participaram Délcio
Mendes (Sindicato dos Comerciários), Liomar Ferreira (SINCAVER), José Cassiano e Pedro
Pio (STR-FSA), Paulo Cézar (Delegacia da Sintelba) e mais diretores de quatro bancos:
Bamerindus, Mercantil e Banco do Brasil. Eliezer Ferreira (Sindicato dos Bancários),
declarou: “É de grande necessidade obedecermos a uma voz, unida, porque a desagregação de
um povo em várias categorias fraciona o potencial deste próprio povo, que se torna imobilista,
passivo, omisso e facilmente manipulável.”297
A troca de “trabalhadores” por “povo”, e a formação de uma “central local” dizem
algo sobre que tipo de união se pretendeu nessa reunião. Os laços estabelecidos pelos
tradicionais os levavam a criticar os métodos de lutas defendidos pelos petistas-cutistas e a
não se articularem com trabalhadores de fora da cidade. Ainda assim, esse momento indica
uma tentativa de flexibilização da prática dos tradicionais, mediante percepção do poder
gregário que a CUT vinha desenvolvendo. O que antes poderia ser resolvido apenas entre a
diretoria de cada um e o poder público municipal (ou sociedade política), se ampliou para
abranger formas de colaboração deste último com mais de uma entidade de trabalhadores.
A CUT seria o órgão que viabilizaria a articulação entre sindicatos de diferentes
categorias que, nas suas bases e representações, contribuiriam para a unidade da classe
trabalhadora. Porém, para que tal proposta ganhasse capilaridade entre os trabalhadores
feirenses, teria que passar pelo sindicalismo tradicional da cidade. Além do Dia Nacional de
Luta contra o Desemprego, em 1981 (ainda enquanto Comissão Pró-CUT Nacional), visto no
capítulo anterior, outra proposição da CUT para a cidade de Feira de Santana também
esbarrou nos tradicionais. No ano seguinte, foi organizado pela Comissão Pró-CUT Nacional
o Dia Nacional de Luta contra o Pacote da Previdência. Quando o Feira Hoje ainda expunha
apenas as opiniões dos tradicionais, Délcio Mendes e Eliezer Ferreira disseram, mais uma

297
“Representantes dos sindicatos feirenses, reúnem-se”. Jornal O Bancário, fevereiro de 1984, p.3. Grifo nosso.
É provável que o diretores a quem o jornal se refere sejam, na verdade, diretores sindicais junto aos bancos.
146

vez, que não houve mobilização na cidade, que eram a favor da luta e desejaram boa sorte aos
“sindicatos sulistas”.298
Os embates com os tradicionais continuaram. A Pró-CUT se fez presente em apoios a
greves setoriais e manifestações diversas, em greves organizadas por sindicatos de diretorias
cutistas, na organização das greves gerais e dos 1ºs de Maio. Como não havia se
institucionalizado, atuou nesses espaços, buscando a unidade sindical, bem como a filiação
dos sindicatos à Central. Nesse sentido, destacaremos as greves gerais e a disputa pela filiação
de sindicatos como dois campos de atuação em que a Pró-CUT insistiu, desde sua fundação
na cidade até a sua dissolução, a partir de 1991. As prováveis razões para a Pró-CUT não ter
saído do seu estado de “Comissão Pró” serão apontadas aqui.

3.2.1 – A Pró-CUT nas greves gerais

Quase todas as greves gerais propostas pela CUT Nacional no período estudado foram
realizadas em Feira de Santana: 1986, 1987, 1989, 1990 e 1991. A única greve geral não
levada a cabo foi a de 1983, convocada pela Comissão Pró-CUT Nacional. Délcio Mendes
declarou-se favorável a essa greve, fazendo a ressalva de que o medo do desemprego inibia
trabalhadores feirenses a participarem. Porém, dessa vez, outras representações foram ouvidas
pelo Feira Hoje. Haroldo Rocha (PCdoB), dirigente da delegacia local do sindicato dos
metalúrgicos criticou os “sindicatos com maiores associados” – em uma referência aos
sindicatos tradicionais – por não mobilizarem estes e disse que estava tentando articular
categoria à qual pertencia, mas fez a ressalva: “o pessoal aqui é muito acomodado.”299
Declarou ainda que havia divergências entre os sindicalistas feirenses com respeito à greve
geral, provavelmente se referindo à acusação corrente do PCdoB que o PT teria atropelado o
processo de construção conjunta de uma central sindical para criar a CUT.
O presidente do PT, Antonio Ozzetti, disse que o partido e alguns sindicatos se
reuniram, mas que não havia mobilização suficiente para uma greve geral. Assim como
Haroldo Rocha, criticou os sindicatos maiores da cidade, mas nomeou-os: bancários e
comerciários, que estavam se preocupando mais com o assistencialismo.
Antonio Ozzetti teve de lidar, durante a pequena entrevista feita pelo jornal, com um
argumento contrário às greves que foi constante na década de 1980: as greves são “políticas”
e não “reivindicativas”. Respondeu dizendo que “existem vários graus de politização de uma

298
“Sindicalistas não aderem ao protesto contra a Previdência”. Jornal Feira Hoje, 12 de março de 1982, p.3.
299
“Greve geral divide sindicalistas”. Jornal Feira Hoje, 19 de julho de 1983, p.4.
147

greve”. Aquela, que se estava tentando construir, era contestação à política econômica do
governo e qualquer feirense tinha uma reclamação a fazer sobre preços ou salários. Arrematou
com polarização entre os que defendiam a greve como forma de luta e os outros que, ao
criticarem a greve, estavam defendendo conciliação com o governo. Ainda, disse que para
situação mudar de rumo, seria necessário que os sindicatos fossem “reformados” e que
existisse uma “comissão intersindical” na cidade, objetivos que estavam sendo perseguidos
pelo seu partido.300
Um salto três anos à frente nos permite ver a primeira greve geral realizada na cidade.
Tal greve se constituiu em um dos grandes momentos na história do mundo do trabalho
feirense, quando houve uma ampla articulação que excedeu os limites das categorias
profissionais específicas.

Dia 12 de dezembro de 1986. Uma data histórica. Uma data


histórica para os trabalhadores de todo o Brasil. Pela primeira
vez, em torno das necessidades básicas de todo o povo, por
alimentação, saúde, educação e moradia, entre outros direitos,
os serviços em muitas capitais e cidades do interior do país
pararam por 24 horas. A Bahia, a Paraíba, Goiás e Rio Grande
do Norte foram a vanguarda do Dia Nacional de Greve contra
o “pacotaço” do Cruzado II. O ABC, zona de maior
concentração da indústria pesada no Brasil, por sua
importância dentro da economia do país, foi outro pólo de ação
de grande significado no protesto dos trabalhadores
brasileiros. Nas capitais desses estado e no ABC paulista (São
Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano), a
paralisação de protesto foi de quase 100 por cento. Uma coisa
que nunca aconteceu antes no Brasil, uma manifestação ainda
mais expressiva que os comícios pelas eleições diretas, em
torno de uma exigência fundamental desse nosso povo que se
levanta: dirigir seu próprio destino.301

O trecho citado demonstra a importância que teve a greve na Bahia, para as


organizações de trabalhadores que defendiam a “combatividade”: tanto por se conseguir uma
boa organização, quanto por se reconhecer como importante, sendo que as atenções à época
estavam voltadas para São Paulo.
Em Feira de Santana, a preparação da greve se constituiu de reuniões com diferentes
entidades e, simultaneamente, assembléias setorizadas para deliberar a participação ou não
das categorias no dia 12 de dezembro. Participaram os comerciários e bancários, através da
atuação das oposições sindicais, e o Sindicato dos Engenheiros, dos Metalúrgicos, dos

300
“Presidente do PT diz que não há mobilização: greve”. Jornal Feira Hoje, 20 de julho de 1983, p.3.
301
CUT – Bahia e CGT – Bahia. Jornal da Greve. Salvador, 13 de dezembro de 1986. [Acervo Gerinaldo
Costa/LABELU]
148

Eletricitários, dos Rodoviários, SINPRO, STR-FSA, SINCAVER; além das associações dos
Borracheiros, Arquitetos, Técnicos agrícolas, Construção Civil, Fiscais do Trabalho, ADUFS,
MOC, SIM e ainda PCB, PCdoB, PT e PMDB. A participação do MOC e do SIM não se
repetiram nas outras greves gerais.
Houve assembléias setorizadas para discutir a greve e, a menos de dez dias da greve,
os Sindicatos dos Comerciários, Bancários e SINCAVER declararam no Feira Hoje que na
cidade provavelmente não haveria adesão. Os funcionários da EMATER-BA fizeram uma
paralisação de advertência ao governo do estado às vésperas da greve geral, alertando para o
reajuste salarial. No dia da greve, a prefeitura cedeu, a pedido do sindicato dos comerciários,
segundo o jornal, palanque e sonorização, apesar do prefeito José Falcão ter achado que a
greve “não é a solução”. Prefeitura iria funcionar apenas se os funcionários quisessem
comparecer, sem punição a quem faltasse, garantiu o prefeito.
Marialvo Barreto, do SINPRO à época, disse em entrevista sobre a greve de 1986: “A
greve não era um fato muito conhecido, tanto que os próprios patrões não sabiam o que fazer,
a ponto de permitir a gente entrar no estabelecimento.” Certamente, a falta de mobilização dos
comerciários contribuiu para essa confusão entres os patrões, que eram comerciantes, visto
que a greve percorreu o comércio.
Passaram-se apenas três anos e podemos notar a diferença de duas notícias. A primeira
tinha por objetivo mostrar as posições do PMDB, PCdoB e PT sobre a possibilidade de uma
greve geral em 1983. A segunda, em 1986, mereceu páginas com fotos e declarações de
diversos sujeitos, além da preocupação do jornal em noticiar tudo que era possível.
Diante do questionamento sobre quais mudanças ocorreram para que isso fosse
possível, podemos dizer que a resposta veio antes da pergunta. Pensamos que as greves
setoriais, também organizadas ou apoiadas pela Pró-CUT, promoveram as modificações que
tornaram possível a organização da greve geral de 1986. Mas não porque foram
“cumulativas” ou serviram de “degraus” e sim porque se constituíram em formas de aprender
a lidar com medidas governamentais que lhes atravancavam a vida. Em 1986, muitos
trabalhadores estavam mais familiarizados com o ato grevista enquanto luta mais direta dos
trabalhadores, sem esperar que o sindicato para fizesse por eles. As greves gerais foram
organizadas a partir da própria demanda dos trabalhadores, expressa nas greves setoriais.
A Pró-CUT marcou a greve geral de 1986 como um momento decisivo para a
conscientização política dos trabalhadores feirenses no que se referia ao seu poder de
mobilização. Na convocação para a greve geral de agosto de 1987, a Pró-CUT lançou uma
cartilha, onde são relatados resumidamente, em quadrinhos, os passos da greve de 1986:
149

quando e como se reuniram as entidades, o papel da imprensa, dos sindicatos “pelegos” e


como foi o dia 12 de dezembro. A cartilha traz, ao final, “a lição que tiramos”:

1. Não acreditamos jamais neste Governo que desmente na


nossa cara a nossa própria greve.
2. Os patrões e o governo reprimem as mais justas
reivindicações dos trabalhadores com a polícia e o
exército a exemplo do que aconteceu no Rio e S. Paulo.
3. Perdemos o medo de fazer greve. A greve é a arma dos
trabalhadores.
4. Desmascaramos os dirigentes sindicais pelegos (que só no
reboco participaram da greve).
5. Cada trabalhador tem uma importância muito grande na
realização e construção de uma greve. Você já conversou
sobre isso com seu colega de trabalho?
6. Precisamos melhorar ainda mais a nossa organização.
7. É importante a luta de todos os trabalhadores contra
todos os patrões.302

Todos esses pontos se referem aos objetivos do novo sindicalismo que, ao estabelecer
clara distinção entre dominantes e dominados, tentava criar identidade entre esses últimos.
Também, denunciavam os trabalhadores que se recusavam a romper com patrões e governo,
os “inimigos da classe”. Esses, chamados de “pelegos”, eram acusados de não dar importância
ao sindicato como sujeito coletivo, cerceando a participação política dos que não fossem da
direção do sindicato. A greve, designada como “arma dos trabalhadores”, era também uma
maneira de tensionar as relações de classes para que todas essas distinções ficassem claras
para os trabalhadores. No caso específico da greve geral, seu objetivo era unificar os
trabalhadores de todo o país, extrapolando os limites das reivindicações corporativas.
O medo que havia sido perdido após a greve geral de 1986 foi um recurso discursivo
utilizado pelos petistas, no processo de formação do PT e, como visto na citação da Cartilha,
foi incorporado nas ações da Pró-CUT. Igor Santos fala que, com a busca pela
representatividade na classe trabalhadora feirense, o PT avaliou que os impedimentos para
isso estavam no medo que os trabalhadores tinham de enfrentar os patrões e formarem
entidades e partido de classe autônomos. Somente o “trabalhador coragem” – adjetivação
inspirada na cultura sertaneja – seria capaz de construir sua autonomia. Segundo Santos, essa
relação entre medo e coragem foi reavaliada pelo PT ao passo em que disputavam espaço com
os sindicatos tradicionais da cidade.303

302
Por que vamos parar o país? Cartilha de Formação. Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana. Ano I,
nº 1, agosto de 1987, p.9. [Acervo Gerinaldo Costa/LABELU]. Griffo nosso. Anna Kaufman, que à época era da
oposição comerciária, nos doou dois exemplares dessa mesma cartilha.
303
SANTOS, 2007, op cit. p.174 et seq.
150

De todo modo, em 1986 persistia a idéia entre os petistas-cutistas de que o


aprendizado político para a unidade e a autonomia de classe teria como fundamento o
confronto aberto. Confronto esse que estava relacionado à crise de direção política pós-
ditadura no país, uma oportunidade histórica para os trabalhadores brasileiros lutarem pela
redefinição das relações entre as classes. Vejamos a consideração de Marialvo Barreto:

Tinha uma simbologia nessa convocação dessa greve [greve


geral de 1986] muito forte para quem tava saindo da ditadura
militar porque, entra o governo Sarney e o governo Sarney era
um prolongamento da ditadura militar. Foi um presidente eleito
sem a participação popular. Foi através de colégio eleitoral:
morre Tancredo e entra Sarney e não havia nenhum indicativo
de mudança.

Semanas antes da greve geral de 1987, Remivaldo Almeida da Silva, diretor da


delegacia do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Salvador, declarou:
“Só Feira é que fica na história?” Ele estava se referindo à pouca participação dos
trabalhadores na greve geral de 1986 em Salvador, convocando os sindicatos soteropolitanos a
se organizarem para que a greve geral de 1987 naquela cidade tivesse participação massiva.304
Marcada para dia 20 de agosto, essa greve teve manifestações prévias. A primeira foi
uma caminhada na tarde do dia 03, saindo do Mercado de Arte Popular. Nos dias que se
seguiram, ocorreram panfletagens e um pedágio para o fundo da greve. Dia 10, foi realizada
uma caminhada de preparação para a greve no fim da tarde e, logo após, houve uma reunião
de organização da greve no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, onde repudiou-
se a ausência às direções do SINCAVER, Comerciários e Bancários na organização da greve,
bem como avaliou-se a possibilidade de maior êxito do que na greve de dezembro de 1986.
Délcio Mendes disse que preferia esperar as decisões das centrais e confederações de
trabalhadores pra se posicionar sobre a greve em Feira de Santana.

As entidades que estavam envolvidas na organização da greve, além das oposições


comerciária e bancária, foram: SINPRO, Sindicato dos Engenheiros, dos Arquitetos, dos
Borracheiros, dos Metalúrgicos, ASTA-BA, PT, PCdoB, PCB, AMBACLA, ASSUEFS e
STR-FSA, cuja sede foi escolhida para ser o local de funcionamento do comando central da
greve. A pauta, para além de atacar o Plano Bresser, a dívida externa e as privatizações,
defendeu reposição salarial, 40 horas semanais de trabalho e já discutia a constituinte,
denunciando que a “direita e a UDR estão ditando a Constituinte”. Dias depois, a CGT reviu
sua posição na greve por conta da possibilidade, articulada por Ulysses Guimarães, de uma
304
“Começam preparativos visando a greve geral”. Jornal Feira Hoje, 2 de agosto de 1987, p.6.
151

reunião entre o presidente Sarney e Joaquinzão, presidente da central. Os sindicatos filiados à


CGT pareciam estar em clima anti-greve.

O governo federal divulgou que, para manter a ordem, iria mobilizar o Exército e até a
Aeronáutica. O comandante do 35º BI de Feira de Santana, José Luiz da Silva, garantiu que a
tropa não se envolveria no movimento, mas estaria atenta a desordens, a exemplo de danos
contra o patrimônio público e privado.305 O prefeito Jose Falcão disponibilizou palanque e
carro de som.

Nos dias da greve, 19 e 20 de agosto, foram suspensas as atividades de comemoração


da Semana do Exército. Humberto Cedraz, presidente da ACFS e dono de estabelecimentos
comerciais, cedeu carros particulares para a PM ir às ruas, visto que a frota foi considerada
insuficiente para vistoriar a cidade nos dias da greve. Segundo o informativo da ADUFS,
Humberto Cedraz, abriu as portas das suas lojas e exigiu a presença de policiais nesses locais,
além de ter telefonado para diversos órgãos da imprensa no estado para dizer que, em Feira de
Santana, a greve teria sido ineficaz.

O Feira Hoje anunciou “fracasso” da greve geral em Feira de Santana. No centro,


quase todas as lojas foram fechadas sob gritos de ordem como: “Um, dois, três, quatro, cinco,
mil. Ou pára o desemprego ou paramos o Brasil.” As que permaneceram abertas sofreram as
ações dos piquetes. No CIS as indústrias teriam funcionaram normalmente, pois muitas
empresas alugaram Kombis para os operários. Os grevistas se queixaram de infiltração no
movimento, por parte de policiais civis e do exército.

Um boletim da CUT estadual avaliou essa greve através do embate com a imprensa,
denunciando as contradições no que foi divulgado pelos jornais de circulação estadual, a
descaracterização do movimento, e a quem servia a imprensa. Também disse que a greve foi
feita pelos trabalhadores, a partir dos sindicatos e centrais, além de dizer que “política é coisa
de trabalhador”, em crítica ao governo e às “elites dominantes”

Jornal O Bancário lançou um informativo criticando a greve, dizendo ter sido feita por
“estrábicos militantes políticos” que não souberam interpretar a vontade dos trabalhadores,
deixando em descrédito a greve como instrumento de luta. Também, se orgulha da categoria
não ter participado da greve, exemplificando com recortes de notícias (sem referência à fonte,
exceto de sucursais da Bahia) que dizem sobre a não participação dos bancários. O

305
Aqui, o Feira Hoje lembrou que os próprios policiais estavam insatisfeitos com os salários e destacou
comentários a respeito: “a barriga do soldado é igual à do comandante”. “Greve ganha adesões mas o
policiamento será ostensivo”. Jornal Feira Hoje, 20 de agosto de 1987, p.3.
152

informativo se utiliza do “fracasso da greve” para construir uma diferenciação entre os


“militantes profissionais”, que não estão sintonizados com a base, e os bancários, que têm
experiência em fazer greve, vide as três greves feitas pela categoria, que estagnaram o sistema
financeiro do país.

A última parte do informativo é uma convocação para a campanha salarial de


setembro, informando as ações realizadas pelos representantes desde junho em outras cidades
e estados, e assembléia local marcada para o fim do mês de agosto. O Sindicato dos Bancários
manteve para a greve geral a mesma posição de afastamento que tinha nas greves setoriais,
dando destaque às lutas de sua categoria. A distinção feita pelo informativo para argumentar
quem eram os legítimos representantes da classe trabalhadora é expressão da disputa entre
CGT/PCdoB e CUT/PT. Porém, na greve geral do ano seguinte, a posição do Sindicato dos
Bancários da cidade mudou. O PCdoB havia se filiado à CUT.

A preparação para a greve geral de 1989 contou com um calendário de mobilização


divulgado pela Pró-CUT. Em 26 de fevereiro houve uma discussão sobre o Plano Verão e,
após isso, a deliberação de orientar os trabalhadores de Feira de Santana a respeito das
motivações da greve. No dia seguinte, houve reunião com entidades locais, ocasião em que se
protestou contra as demissões na indústria e comércio da cidade, bem como se divulgou a
pauta da greve: luta pela reforma agrária, exigência de que as eleições para presidente da
república acontecessem naquele ano, estabilidade no emprego, contra a privatização de
empresas públicas e contra o pagamento da dívida externa. As entidades e oposições sindicais
se reuniam no STR-FSA, novamente sede do comando geral da greve.

No fim da tarde de 1º de março, houve ato público em frente ao Mercado de Arte


Popular e no início da noite, debate na Biblioteca Municipal. Dia 10 de março os servidores
municipais aderiram à greve, além de terem eleito sua primeira diretoria, em assembléia. No
dia 13, houve distribuição de cerca de 30.000 panfletos, organizada pela CUT e pela Corrente
Sindical Classista (CSC), ligada ao PCdoB e já filiada à CUT. Dias antes da greve, o governo
federal se mostrou disposto a criar mecanismo de reposição salarial. Em entrevista ao Feira
Hoje, Eliezer Ferreira disse que não havia uma proposta concreta do governo e, mesmo que
houvesse, isso não garantiria a suspensão da greve, pois houve perda real nos salários dos
trabalhadores. A greve será de dois dias para se ter maior impacto, pressionar mais o governo
e os patrões, que perderão mais do que com greve de um dia.

O prefeito Colbert Martins e presidente da Câmara dos Vereadores, Otaviano Campos,


do qual falamos no capítulo 1, garantiram que o legislativo e executivo não funcionariam em
153

apoio aos trabalhadores, prejudicados pela política econômica do governo federal. Outros
políticos se manifestaram a favor da greve: Messias Gonzaga (PCdoB), Celso Pereira
(PMDB), Liomar Ferreira (PMDB), Hosannah Leite (PMDB), e o deputado estadual José
Ronaldo de Carvalho (PFL). Segundo o Feira Hoje, apenas os três primeiros vereadores
estavam presentes nas manifestações, enquanto o prefeito saiu de carro duas vezes pela
cidade. Humberto Cedraz, ainda presidente da ACFS, orientou os empresários locais a
respeitarem a greve, pois havia se tornado um direito constitucional. Ele também disse que
reconhecia a difícil situação dos trabalhadores, mas ela tinha sido criada pelo governo Sarney
e não pelos empresários. Dom Silvério de Albuquerque disse que a greve era justa, pois a
desigualdade no país à época era tamanha que ele temia pelos muito ricos, pois se esqueciam
de Deus, mas principalmente pelos pobres, que quando se revoltavam por conta do desespero
causado pelos salários muito baixos. Assim, todos precisariam fazer sacrifícios para sustentar
o um país justo.

Na greve geral de 1989, percebemos não só o deslocamento do Sindicato dos


Bancários no que diz respeito ao apoio à greve. Com a legalização das greves, forças políticas
e religiosas de Feira de Santana se manifestaram a favor da greve geral daquele ano. A fala de
Humberto Cedraz aponta para a rearticulação da classe dominante a nível nacional, em torno
das eleições que ocorreram naquele mesmo ano.
Nas duas greves gerais posteriores, 1990 e 1991, as mobilizações não foram tão
intensas. Quase não houve articulações das entidades antes dos dias marcados para se
realizarem os atos e, diferente das greves gerais de anteriores, essas não são precedidas de
muitas greves. Ainda assim, foram os trabalhadores em greve que garantiram as mobilizações.
Em 1990 estavam em greve bancários, rodoviários, eletricitários e trabalhadores de duas
fábricas do CIS: Phebo e Russel Refrigerantes, a fábrica da Coca-Cola em Feira de Santana. A
polícia esteve presente, mas manteve distância dos manifestantes. Em 1991 a mobilização foi
maior e contou com a contribuição do Sindicato dos Bancários, que declarou sua adesão dias
antes. Nessa greve geral vemos a marca do governo estadual de ACM, recém empossado: a
truculência da PM deixou dezenas de feridos e alguns presos, além de ter soltado bombas de
gás lacrimogêneo e filmado os manifestantes. Desse modo, as lojas do Centro da cidade
continuaram funcionando, apesar do número de pessoas nas ruas.
Ao longo das greves gerais as posições dos petistas-cutistas e dos tradicionais se
polarizaram. O não envolvimento destes últimos nas organizações das greves foi usado pelos
petistas-cutistas na disputa pela legitimidade junto aos trabalhadores. O Sindicato dos
154

Bancários, como vimos, oscilou sua posição perante as greves e partir de sua filiação
partidária.
A Pró-CUT se fazia presente nas greves através dos sindicatos que tinham petistas na
sua direção e também através das oposições sindicais comerciária e bancária, que
mobilizavam suas respectivas categorias, garantindo na maior parte das vezes o fechamento
do comércio e dos bancos. As “pautas nacionais”, relacionadas a questões que diziam respeito
à política econômica do governo Sarney e, posteriomente, Collor, se aliavam às
reivindicações de trabalhadores que, em quase todas as greves gerais, estavam em greve.

3.2.2 – Caminhos da Pró-CUT

Vimos o trabalho de organização da Pró-CUT nas diversas mobilizações coletivas dos


trabalhadores feirenses, bem como nas oposições sindicais. Em que pese essa presença
constante da Pró-CUT, nunca foi fundada a CUT Regional de Feira de Santana. Buscamos
explicações a partir do processo fundamental que tornaria possível a institucionalização da
CUT na cidade e região: a conquista de sindicatos.
A disputa mais duradoura que identificamos foi em torno do STR-FSA. Igor Santos
discute esse processo, mostrando a realização do Encontro Estadual dos Trabalhadores Rurais
em 1980, de iniciativa do PT feirense, que foi a primeira tentativa de aproximação deste
partido com o STR-FSA.306 Sindicatos de algumas cidades participaram do encontro, que
contou também com a presença do prefeito Colbert Martins, SIM, MOC, CPT, CEAS e
ASTA-BA. Porém, o presidente do STR-FSA, José Barbosa de Sá, declarou que a entidade
não participaria porque o encontro tinha “finalidades políticas”.307
Dali até a filiação do sindicato à CUT, em 1989, o PT e, na segunda metade da década,
também a Pró-CUT, buscaram levar os trabalhadores rurais para o seu lado. Apoiavam lutas
específicas da categoria e convocavam-na para as lutas defendidas por eles como prioritárias.
O STR-FSA se constituía como um dos maiores sindicatos da cidade e, diferente dos
tradicionais, não recusavam a possibilidade de manifestações públicas e outro embates.
O processo de convencimento da categoria pelos petistas-cutistas teve idas e vindas,
principalmente pela forte influência exercida pelo MOC e o PMDB na formação desses
trabalhadores. Santos identifica o período de ausência do PMDB na prefeitura como os anos

306
SANTOS, 2007, op cit, p.230.
307
“Encontro dos trabalhadores não terá participação do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 27 de setembro de 1980,
p.3. “Encontro dos trabalhadores rurais terá seu encerramento esta tarde”. Jornal Feira Hoje, 28 de setembro de
1980, p.6.
155

de maior avanço dos petistas-cutistas entre os trabalhadores rurais. Outro encontro foi
realizado em 1985, com a participação do STR-FSA, e a aproximação de José Caciano,
liderança carismática da categoria, do PT.308
Entretanto, a investida dos petistas-cutistas entre os trabalhadores rurais estava
relacionada às movimentações da CUT Nacional para a criação de um departamento
específico para a categoria, bem como a tentativa de aproximação do PT e da CUT estaduais
de muitos sindicatos de trabalhadores rurais da Bahia. Não à toa, Maslowa Freitas –
professora de sociologia da UEFS, presidente da ADUFS à época, e membro da CUT Bahia –
foi designada por esta última em 1988 para a tarefa de filiar o STR-FSA à CUT e organizar,
junto com outros militantes, o congresso de fundação da CUT Regional de Feira de
Santana.309
No ano seguinte foi realizado o I Congresso dos Trabalhadores Rurais, onde a
categoria aprovou a filiação à CUT.310 Todavia, mesmo que essa filiação tenha sido a
expressão de uma relação orgânica dos petistas-cutistas com os trabalhadores rurais, ela não
foi majoritária.311 Por exemplo, vimos que no Dia do Trabalho do ano seguinte à filiação, o
STR-FSA organizou a data juntamente com a prefeitura, tendo o evento contado com a
participação de Colbert Martins, reempossado prefeito um ano antes, e Ildes Ferreira, então
diretor do PLANOLAR. Os agentes do MOC foram, e continuam sendo ainda hoje, fortes
influenciadores dos trabalhadores rurais, não só na organização político-institucional, mas
também na concepção de comunidade rural, terra e plantio, educação aplicada à realidade
camponesa e outros aspectos que abrangem todo um modo de viver e agir no mundo.
Sugerimos que o PT disputou apenas parte da formação política dos trabalhadores rurais, não
tendo sido inviabilizadas as estreitas relações que a categoria tinha com o MOC e o PMDB.
Assim, a Pró-CUT havia conseguido filiar um sindicato de peso na cidade, mas isso
não se implicou em ampliação do esforço militante de conquistar outros sindicatos, para
garantir a fundação da Central na cidade. Segundo Gerinaldo Costa, a dificuldade
fundamental de conquistar sindicatos suficientes para legitimar a fundação provinha da
hegemonia do PMDB nos maiores sindicatos da cidade e, nos menores, a disputa entre PT e
PCdoB. Sendo assim, ainda no fim da década de 1980, os petistas-cutistas haviam
conquistado poucos sindicatos. Esse fato, aliado ao recrudescimento da “política de

308
SANTOS, 2007, op cit, p.232-233.
309
Depoimento Maslowa Freitas. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
310
“CUT realiza o I Congresso dos Trabalhadores Rurais”. Jornal Feira Hoje, 19 de agosto de 1989, p.4.
311
Em meados da década de 1990, PT e PMDB se aliaram em Feira de Santana. A filiação ao PT de muitos
trabalhadores rurais e militantes de movimentos comunitários se deu nessa época, com a filiação de Albertino
Carneiro ao partido. Cf. SANTOS, 2007, op cit, p.292.
156

regionalização da CUT”, foram, pra Gerinaldo Costa, os motivos que levaram à não fundação
da CUT Regional de Feira de Santana.312
Maslowa Freitas discorda, ao dizer que a não fundação se deu “menos pela debilidade
do movimento sindical em Feira de Santana e mais pela disputa interna”. Maslowa faz
questão de frisar que houve um “boicote deliberado” por parte de uma tendência presente no
PT e na CUT. Os militantes dessa tendência afirmavam que, caso a CUT daqui fosse formada,
a Articulação, outra tendência, hegemonizaria o movimento sindical da cidade.313
Gerinaldo Costa reconhece que havia disputas entre os petistas-cutistas pelos rumos da
Pró-CUT, mas não as coloca como decisivas para a não fundação. Elízio Santa Cruz diz que
defendia, à época, não institucionalização da CUT, pois achava que, “na prática”, a Pró-CUT
funcionava melhor que CUTs regionais já institucionalizadas, mesmo com falta de estrutura.
Mesmo tendo sido um militante proeminente na Pró-CUT, não dá mais informações nem faz
avaliações a respeito da Comissão e da sua permanência enquanto tal.314
De todo modo, insistimos em destacar que a falta de capilaridade da Pró-CUT entre os
trabalhadores fez parte dos fatores que levaram à sua dissolução antes mesmo de ter sido
fundada. O documento elaborado para o congresso de fundação que não ocorreu, reconhece
que o trabalho da CUT ainda era “muito incipiente”. Além do mais, apenas o último parágrafo
de um documento de três páginas é dedicado a “Feira e região”, falando que trabalhadores
daqui sofrem com os “reflexos” da política econômica.315
Por fim, de uma pauta de doze pontos, nenhum diz respeito diretamente a “Feira e
região”, se aproximando muito das pautas das greves gerais, que tinham outro caráter. Parece
evidente que os redatores do texto mal conheciam os problemas dos trabalhadores daqui. Em
uma cidade onde as práticas assistencialistas não foram desconsideradas nem pelas oposições
sindicais, estabelecer mediações entre pautas nacionais e demandas locais era imprescindível
para se convencer os trabalhadores da proposta de unificação de classe.

312
Depoimento Gerinaldo Costa, op cit.
313
Depoimento Maslowa Freitas, op cit.
314
Depoimento Elizio Santa Cruz, op cit.
315
Congresso de Fundação da CUT Regional de Feira de Santana. Feira de Santana, 30 de novembro a 02 de
dezembro de 1990. [Doação de Elizete Silva]
157

3.3 – O Grito da Terra

“Grite hoje, amanhã e sempre” é a chamada de um cartaz de divulgação do jornal O


Grito da Terra, que tem no centro uma foto com cinco homens trabalhando na terra. Esse
cartaz resume o teor comum das edições pesquisadas: a convocação para o conflito aberto e as
notícias sobre lutas de trabalhadores rurais na Bahia e em outros estados.
O Grito da Terra foi fundado em dezembro de 1981, após meses de articulação para
que várias entidades se unissem para publicar o jornal e fazê-lo rodar. Admitindo-se que as
entidades que compunham o jornal tinham propósitos diferentes, foi elaborada uma Carta de
Princípios, assinada por 29 entidades e aberta à chegada de outras. MOC e PT não assinaram,
mas todas as entidades que o fizeram estavam ligadas a um ou outro.
As entidades eram: ASTA, Cineclube Olney São Paulo, CDDH-FSA, Delegacia
Sindical dos Professores do Estado da Bahia. Da UEFS, Diretórios Acadêmicos (DA) de
Ciências Econômicas, Ciências Contábeis, Engenharia Civil e as Comissões Pró-DA de
Estudos Sociais, Enfermagem, Administração, Associação dos Funcionários Públicos do
Município, Associação dos Sociólogos do Estado da Bahia – Seção Feira de Santana, STR-
FSA, Grupo de Jovens da Paróquia Senhor do Bonfim, do Cruzeiro, Associação de Moradores
do Conjunto Morada das Árvores, Sociedade Beneficente Presidente Getúlio Vargas, do
Jardim Cruzeiro, Grupo Comunitário do Bairro Novo Horizonte, Associação de Moradores do
Bairro de Santo Antônio dos Prazeres, Associação de Moradores do Bairro Nova Esperança,
AMORUN, ACOMAQ, APAEB, Associação de Moradores do Bairro do Horto, Associação
dos Oleiros de Feira de Santana (ASSOFS), ADUFS, SINCAVER, Assessoria, Pesquisa e
Avaliação (ASPA), Associação de Moradores da Avenida Anchieta e Associação de
Moradores da Pampalona.
A Carta de Princípios começa com considerações seguidas de uma conclusão, que
resumiremos aqui. “Considerando”: o empobrecimento dos brasileiros, principalmente dos
trabalhadores; que a participação popular no poder sempre foi “precária”; a crescente
dependência do Brasil, em vários níveis, a potências estrangeiras; que hoje os sindicatos são
“força auxiliar do Estado” e a necessidade de “sindicatos livres, independentes e autênticos”;
a necessidade veículos de comunicação populares, devido à “desinformação das massas
trabalhadoras”; que todos esses problemas acontecem em FSA e região e não serão resolvidos
sem a participação popular. “Concluímos”:
158

pela implantação de um jornal amplo, independente, objetivo,


que venha a contribuir para romper o isolamento de um lado,
situando a informação de modo a permitir ao público o
posicionar-se criticamente diante dos fatos, e, de outro lado,
formando uma opinião pública consciente, favorecendo o
debate e o confronto de idéias.316

São 14 os princípios da carta, que têm as mais diferentes posições: defesa do


patrimônio cultural, da natureza, dos trabalhadores, dos índios e outros, que permitiam
agregar as mais diferentes entidades.
A constatação que não havia espaço nos jornais oficiais para que tratasse do tema das
lutas de trabalhadores sob o ponto de vista dos próprios impulsionou a criação não só d’O
Grito da Terra, mas de diversos jornais de sindicatos ou de conjuntos de entidades, como é
possível perceber nas trocas de informações entre esses e as entidades que compunham,
mensalmente, O Grito da Terra – notadamente, jornais de sindicatos rurais da Bahia e
Pernambuco. Também, como vimos antes, era proposta contínua das oposições sindicais e da
CUT a criação de uma seção de imprensa nos sindicatos e na própria Central para que as
notícias veiculadas fossem produzidas pelos próprios trabalhadores. A ofensiva contra o
capitalismo deveria se dar também através dos meios de comunicação, incluindo jornais,
rádios “piratas”, teatro, música, charges, quadrinhos.
Pelo que podemos perceber, outras organizações políticas que não somente as petistas-
cutistas se preocupavam com a publicização das opiniões dos próprios trabalhadores. O MOC
ajudou a conceber o jornal e foi através dos seus agentes – notadamente Albertino Carneiro,
Ildes Ferreira e Naidson Quintela – que conseguiram ajuda financeira para manter o jornal,
como veremos mais adiante.
Um impulso adicional para a fundação d’O Grito da Terra pode ter vindo de dois
problemas envolvendo trabalhadores rurais. Um diz respeito à Barragem de Pedra do Cavalo,
cuja construção e a conseqüente expulsão de comunidades rurais dos seus locais de origens
começavam a estimular a articulação entre sindicatos de trabalhadores rurais de diversas
cidades.317 Outro problema foi gerado a partir da seca de 1981 no semi-árido: alguns
trabalhadores perderam suas terras, outros foram despedidos de seus trabalhos temporários, e
muitos deles migraram para as zonas urbanas, principalmente a de Feira de Santana, que era a
maior cidade da região. Em função disso, foram formadas frentes de trabalho, nas quais os
316
“Carta de Princípios”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.2.
317
A Barragem de Pedra do Cavalo atingiria Ipuaçu, distrito ao Sul de Feira de Santana, e outras cidades
próximas ao recôncavo baiano: Conceição da Feira e Muritiba. A barragem represou o rio Paraguaçu e foi
construída próximo a São Félix e Cachoeira, dois município do recôncavo distantes cerca de 40km de Feira de
Santana.
159

trabalhadores eram sub-empregados em serviços temporários, e que eram usadas para


chantagem política.318 Não à toa o nome do jornal foi retirado do título de um filme do
cineasta Olney São Paulo,319 de 1964, sobre a vida do sertanejo pobre.
A edição de lançamento fala da razão de ter se criado O Grito da Terra: “nasceu da
necessidade dos setores populares virem a dispor de um veículo de comunicação que venha
defender única e exclusivamente os interesses das classes trabalhadoras e da nação
brasileira. Ele deverá se constituir, na prática, num instrumento de luta pela soberania
nacional.”320 Os interesses dos trabalhadores convergem para a “soberania nacional”?
Achamos que isso foi uma tentativa de conciliação entre o discurso de independência de
classe dos petistas-cutistas e o discurso moderado do MOC, que aponta para um nacionalismo
de esquerda.321
O CDDH-FSA, que bancou juridicamente o jornal por alguns meses, era dirigido por
Renilda Daltro (PT). Porém, os petistas reconheceram que, sozinhos, não poderiam fazer um
jornal que se espalhasse tanto. Por isso, contaram com os bons relacionamentos do MOC com
instituições católicas estrangeiras de fomento, com os trabalhadores rurais e com as
associações de bairros.
Como vimos, até a fundação da CUT, em 1983, que consolidou a divisão do
movimento sindical brasileiro por “blocos”, que começaram a se definir na I CONCLAT, os
petistas ainda tentavam unidade com sindicalistas tradicionais. O Grito da Terra foi,
certamente, primeira e única tentativa de unificação da classe trabalhadora feirense em
colaboração de diferentes forças políticas em Feira de Santana que durou além de 1983:
petistas, em formação como novos sindicalistas; PMDB expressos no populismo de Chico
Pinto e Colbert Martins; MOC, aliado ao PMDB por reconhecer que precisavam de ajuda
político-partidária para tocarem seus projetos entre os rurais, mas com autonomia para realizar
trabalho de conscientização desses mesmos trabalhadores ligados ao ethos católico popular de
“luta assistida” pelos párocos.

318
SANTOS, Igor Gomes. Estado, luta de classes e movimento dos trabalhadores rurais na década de 1980.
Feira de Santana: mimeo, 2009 O autor discute as lutas dos trabalhadores rurais de Feira de Santana e cidades
próximas como resistência à expropriação de sua terra e valores culturais e, também, como parte do seu
aprendizado político.
319
Cineasta nascido na cidade baiana de Riachão do Jacuípe, que cresceu em Feira de Santana e produziu
documentários e filmes de ficção sobre a cidade e região. Influenciado pelo Cinema Novo, a temática dos seus
filmes girava em torno dos sertanejos e sua luta contra as secas e os fazendeiros. Como boa parte de sua
produção se deu durante a ditadura, alguns filmes foram censurados, a exemplo de O Grito da Terra.
320
“Uma nova experiência da história de Feira de Santana”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.1.
Grifo nosso.
321
Essa posição se aproxima muito da defendida pelos Autênticos do MDB, que teve como um de seus
articuladores principais Chico Pinto.
160

O lançamento foi feito na noite de 11 de dezembro de 1981, em frente ao MAP, com a


presença de associações de bairro, de comunidades rurais, de sindicatos, imprensa, o prefeito
Colbert Martins e vereadores do PMDB. O Cineclube projetou um curta metragem, um dos
integrantes contou a história de criação do jornal e foram vendidos exemplares sob
contribuição voluntária. O Feira Hoje divulgou apenas uma nota na sua segunda página.322

3.3.1 – ADEFS

Em setembro de 1982, O Grito da Terra passou a ser capitaneado pela ADEFS, que
foi fundada em julho do mesmo ano. O acordo entre as entidades foi de que o CDDH-FSA
assumiria a responsabilidade jurídica por seis meses. Na reunião de fundação da ADEFS
foram incorporadas mais duas entidades assinantes da carta de princípios: AEABA e
Comissão Pró-Diretório Central dos Estudantes (DCE). Foi eleita a seguinte diretoria:
Naidson Quintela, presidente, Albertino Carneiro, vice-presidente; secretários Jaime Cruz e
Antonio Ozzetti; tesoureiros Ildes Ferreira e José Barbosa de Sá (STR-FSA); conselho fiscal
Tércio Fonseca, Edvaldo Rios (AMORUN) e Tito Fernandes (AMONHO). Assim que
entidade fosse registrada como pessoa jurídica no cartório, José Carlos Barreto de Santana
seria secretário executivo, “coordenando todos os trabalhos”. Além de manter O Grito da
Terra, a função estabelecida para a ADEFS foi a de promover eventos que “ajudem na
compreensão da realidade sócio-econômica, contribuir com a preservação da cultura popular e
defender a democracia e os direitos humanos em toda a sua plenitude, contribuindo com a
implantação da justiça social”.323
O presidente eleito da ADEFS foi o Editor Responsável na primeira edição. A partir
da segunda, assumiu o Corpo de Opinião, composto por sete pessoas, responsável por metade
das páginas do jornal, enquanto a outra metade ficava a cargo das entidades. Era o Corpo de
Opinião também responsável por manter contato com as entidades, receber as matérias e
editá-las. A composição política do Corpo de Opinião tentava equilibrar nomes do PT-CUT e
do MOC. Os mais constantes foram José Carlos Santana, Ildes Ferreira e Naidson Quintela.
Em fins de 1983, a responsabilidade sobre a editoração deixa de ser do Corpo de Opinião e
passa a ser de José Carlos Santana. Ao lado do seu nome, há um número de registro na DRT,

322
“O primeiro número de O Grito da Terra é lançado com sucesso”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982,
p.2. “Lançado”. Jornal Feira Hoje, 15 de dezembro de 1982, p.2.
323
“Fundada a ADEFS”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.4. Naidson foi presidente até, pelo menos,
novembro de 1986, quando se convocou assembléia da ADEFS com pauta única de escolha de nova diretoria.
161

mostrando o investimento d’O Grito da Terra na profissionalização do processo de confecção


do jornal.
A impressão do jornal continuou sendo na gráfica do jornal Feira Hoje, até a edição de
março de 1983, quando o atraso na edição de abril, por causa uma contenda entre José Falcão
e SINCAVER, já relatada, fez a ADEFS suspender o contrato. Depois disso, não há informes
no expediente do jornal de onde ele é impresso; apenas aparece o nome do diagramador,
Jailson Silva. Sabemos que, poucos anos depois foi criada a Gráfica Impressão, mantida pela
ADEFS.
Porém, a idéia de ter uma gráfica própria – onde se pudesse fazer “uma diagramação e
composição mais atraente para o ‘público base’” – vinha desde 1982. Mas dependeria de
doações de instituições de fomento, que já auxiliavam financeiramente o jornal:
Developpment et Paix (Canadá) e CNCD (Centro Nacional de Cooperação ao
Desenvolvimento - Bélgica). A contribuição das entidades não era suficiente para manter o
jornal, ainda que sua publicação fosse mensal.324 Todas as preocupações com diagramação,
gráfica e administração do jornal tem a ver com os princípios definidos para o mesmo. A
criação da ADEFS, para viabilizar juridicamente e administrativamente O Grito da Terra,
indica a tentativa de consolidar uma imprensa alternativa, capitaneada por diversas entidades,
de classe ou não, de Feira de Santana.
As mudanças nas páginas do jornal dizem sobre a busca desse objetivo básico. O
editorial da segunda edição amplia conceito de oposição, definida agora como quem se
opunha à realidade onde a desigualdade imperava: “Como os beneficiários [dessa
desigualdade] correspondem a uma pequena parcela da população, é lógico se concluir que, se
todos os brasileiros pudessem pensar e agir livre e conscientemente, teríamos uma nação com
quase cem por cento de oposicionistas.”325
Os temas do jornal são: cultura popular, poemas, cinema, mídia, futebol, movimento
estudantil/universidade, educação, mulher/feminismo, partidos, eleições, denúncias de ações
das multinacionais no país, concepção do catolicismo popular com respeito à posse da terra,
fome e suas relações com a má distribuição da riqueza. Em janeiro de 1982 foi lançada a
primeira matéria de uma série sobre o funcionamento do Jogo do Bicho e suas relações com a

324
“ADEFS realiza assembléia geral”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.2.
325
“Editorial”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2.
162

política institucional, a fim de mostrar que não só a polícia se utilizava desse comércio, como
dizia a mídia.326 Com isso, discutiam politicamente uma atividade popular à época.
Ainda, tentaram instituir uma espécie de charge: duas formigas, "formiguinha" e
"formigão", discutindo em um, dois, ou três quadros, assuntos em destaque no jornal,
relacionados às manobras de partidos para “enganar” o povo. Para se aproximar com a cultura
oral, lançaram “Estórias que o povo conta” como seção do jornal, com anedotas e casos
engraçados ocorridos em Feira de Santana. A coluna sindical “O que vai pelos sindicatos” foi
inaugurada na edição de julho de 1982, mas não tinha periodicidade. Esteve sob a
responsabilidade de Carlos Melo (Associação dos Trabalhadores Gráficos) e Cosme Ribeiro
(SINPRO), reunindo em pequenas notas as notícias enviadas pelas entidades. O Grito da Terra
estava sempre renovando seções e fazendo série de matérias sobre mesmo assunto, o que
indica um repensar constante do jornal sobre sua função de formador de uma consciência
política para o trabalhador.

3.3.2 – Jornal popular?

Na chamada para assinaturas, no primeiro número do jornal, O Grito da Terra é


anunciado como um “jornal em linguagem simples e acessível para todos [...] jornal
popular”.327 No Dia do Trabalho de 1982, comemorado no distrito de Maria Quitéira, o jornal
foi lançado entre os trabalhadores rurais, visto que o lançamento de sua primeira edição tinha
sido feito no Centro de Feira de Santana.328
Para comprovar que a “marca” d’O Grito da Terra era ser um jornal aberto, seus
editores falaram das pessoas que não faziam parte do jornal, mas publicavam nele. E
acrescentaram: “Matérias inclusive de pessoas que diziam: ‘eu não sei falar quanto mais
escrever’, mas tentaram e conseguiram. Naturalmente que são pessoas simples que não
tiveram acesso às escolas ou universidades, mas é para elas que O GRITO DA TERRA se
destina, basicamente.”329
Em seu sétimo número, o Editorial avalia:

[...] atingir as camadas mais simples de trabalhadores consistiu


e vem consistindo um dos nosso maiores problemas: seja pela

326
“O Jogo do Bicho”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.8. “Jogo do Bicho e política”. Jornal O Grito
da Terra, março de 1982, p.8. “Jogo do Bicho: legalizar ou não legalizar?”. Jornal O Grito da Terra, maio de
1982, p.8.
327
“Faça a sua assinatura de O Grito da Terra”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.8.
328
“A comemoração do 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1982, p.7.
329
“O grito da afirmação”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.3.
163

nossa própria limitação em conseguir uma linguagem que


penetre nos meios populares, seja pela falta de hábito de ler
jornais por parte das pessoas mais simples situadas nessa
camada e, finalmente, pela não participação efetiva de algumas
entidades que assinaram a “carta de princípios”.330

Meses depois, a ADEFS se reuniu e fez a mesma avaliação, reconhecendo ainda que O
Grito da Terra estava restrito à classe média e que havia necessidade de que as entidades
participantes fizessem “discussões sobre ele junto aos grupos das camadas populares”.331
Em que pese os textos de análise acadêmica, há tentativas de explicar em linguagem
simples a política econômica, tirando-a da suposta neutralidade, em pequenos textos sobre
quem lucrava com inflação e crise econômica. Para isso, se articulavam com grupos de
comunicação popular. Na documentação da ADEFS há troca de documentos com o CRD
(Centro de Reflexão e Documentação) e convocações para alguns encontros, como o V
ENCODOP (Encontro de Comunicação e Educação Popular).
Em janeiro de 1984, Yves Froement, representante da entidade belga Centro Nacional
de Cooperação ao Desenvolvimento (CNCD), envia uma carta à ADEFS, onde avalia O Grito
da Terra em oito pontos. Em todos eles Froement fala da importância de fazer com que as
notícias dialoguem com o cotidiano dos trabalhadores e que as entidades incentivem os
leitores do jornal a publicarem suas próprias notícias e serem debatedores delas em suas
respectivas comunidades.332
Mesmo com o esforço de se integrar a outras entidades que atuavam na formação de
uma comunicação popular, O Grito da Terra sofreu esvaziamento. Devido a isso, criou-se um
grupo de trabalho responsável por conversar com as entidades que assinaram a Carta de
Princípios, a fim de encaminhar um debate na assembléia marcada para 04 de abril de 1987.
Um documento, em forma de Edição Extra, com tiragem de mil exemplares, contendo duas
avaliações sobre o jornal, foi elaborado para que fosse apreciado nessa assembléia.
As avaliações não são assinadas, mas deixam indícios de quem as escreveu. A
primeira avaliação destaca quatro razões para o esvaziamento do jornal. No período da
fundação d’O Grito da Terra a censura ainda estreitava os canais de veiculação de notícias e
um jornal que fosse de encontro a isso, seria bem recebido, como aconteceu. Em segundo
lugar, a linguagem era “rebuscada” e as matérias eram longas para um jornal que se pretendia
popular. Também, as pessoas do Corpo de Opinião fizeram quase todo o trabalho, muitas

330
“O Grito da Terra. Uma experiência que se afirma”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.2.
331
“ADEFS realiza assembléia geral”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.2.
332
FROEMENT, Yves. Observações sobre O Grito da Terra. 25 de janeiro de 1984. [Acervo ADEFS]
164

vezes deixando de lado a vida pessoal e a militâncias nas suas respectivas profissões. Isso se
deu porque as entidades se eximiram, sendo que nunca se restringiu a participação das
mesmas.
A proposta dessa primeira avaliação foi que O Grito da Terra continuasse a ser
editado, “comprometido com os movimentos populares” e alternativo à “imprensa
burguesa”. Sua tiragem deveria ser mensal e, a médio prazo, quinzenal, mas com
lançamentos de boletins para que se acompanhasse, a tempo, questões mais imediatas como
“Campanhas Salariais, greves, 1º de Maio, etc.” Para isso, deveria haver contato contínuo
com entidades que quisessem participar.333
A segunda avaliação foi menos defensiva, recuperando a razão de ter se criado o
jornal. Sendo existentes as divergências “político-ideológicas” tanto em classes antagônicas
como em uma mesma classe, O Grito da Terra havia sido um “sonho” de superar as mesmas,
pela união dos pontos em comum. Isso não teria ocorrido por cinco motivos. O primeiro foi,
de um lado, pela omissão dos que não acreditaram na proposta ou não conseguiram comandar
o jornal e, de outro, pelos que aproveitam o espaço deixado para exporem apenas seu
pensamento, sem fazerem esforço de integrarem outras “correntes de pensamento”. Com isso,
o jornal passou a ser visto pelo público como “de um partido político”.
A burocracia em demasiado foi a segunda razão apontada: não se movia “uma vírgula”
se antes reunir o Corpo de Opinião ou consultar o autor. Em seguida, o jornal teria se tornado,
meses após sua fundação, “palco de pequenos tratados de economia política”, desinteressando
os populares, que antes faziam assinaturas e escreviam ao jornal agradecendo por terem suas
lutas divulgadas. As duas últimas razões seriam a falta de “competência administrativa” para
sustentação financeira e o “amadorismo jornalístico”, que impediu O Grito da Terra de ser
atraente e acessível aos populares.
Essa avaliação também defendeu a manutenção do jornal, argumentando que houve
momentos de aproximação do mesmo com os movimentos populares. O Grito da Terra foi o
primeiro a fazer debate “junto à sociedade civil” sobre os problemas da construção da
barragem de Pedra do Cavalo. Além disso, as muitas notícias veiculadas, denunciando
grilagens e expulsões no campo, bem como problemas em “comunidades rurais e urbanas”
serviu para impulsionar as lutas dos trabalhadores, a exemplo da atuação das mulheres no
STR-FSA.334

333
“Gritar é preciso (Avaliação I)”. ADEFS, s/d, p.1e2. [Acervo ADEFS/LABELU] Grifo nosso.
334
“É preciso gritar (Avaliação II)”. ADEFS, s/d, p.3e4. [Acervo ADEFS/LABELU] Grifo nosso.
165

Ambas as avaliações giraram em torno das conseqüências da apropriação do jornal


pelo Corpo de Opinião, ficando claras as dificuldades em se manter o “sonho” de superar
divergências por grupos que disputaram ombro a ombro a condução das lutas dos
trabalhadores. Porém, através da leitura das edições do jornal, fica claro que essas
divergências permaneceram, pois cada grupo tomou para si a tarefa de fazer do jornal
instrumento do tipo de organização para a luta defendida por eles.
Pelos termos utilizados e pela posição frente ao Corpo de Opinião, podemos
identificar a primeira avaliação mais próxima dos petistas-cutistas e a segunda mais próxima
dos militantes do MOC. As matérias do jornal, feitas pelo Corpo de Opinião, como as duas
avaliações dizem, são de linguagem e posição política autenticamente petista-cutista. As duas
propostas de continuidade do jornal apontam para caminhos diferentes: a primeira se
preocupa com questões organizativas próprias da CUT, enquanto a segunda destaca como o
jornal foi importante para os trabalhadores rurais. As saídas vislumbradas para o
esvaziamento do jornal nos diz sobre como cada um dos dois grupos encarou o jornal e tomou
para si a tarefa de fazê-lo popular.
Os petistas-cutistas se concentraram na formação de trabalhadores que aderissem ao
novo sindicalismo, escrevendo textos sobre a CUT, a necessidade de rompimento com os
patrões e outros pontos que faziam parte dessa tentativa de formação política. O MOC, por
sua vez, concentrou-se em discutir aspectos da vida do camponês, dando destaque às suas
lutas em Feira de Santana e outras cidades da Bahia. Ainda que destaquemos essa distinção,
devemos atentar que não houve um hiato nas opiniões dos dois grupos sobre seus respectivos
campos de atuação dentro do jornal. Por vezes, os textos MOC fazem referências a lutas
articuladas pela CUT, ainda que estas não tenham caráter de apoio à Central. Ao contrário
disso, os petistas-cutistas tentavam avançar no campo de influência do MOC, apoiando o
STR-FSA em muitos momentos. Vejamos, pois, qual foi a linha argumentativa geral dos
petistas-cutistas e do MOC nas matérias d’O Grito da Terra.

3.3.3 – Dois gritos

Não nos repetiremos nas muitas matérias d’O Grito da Terra, escritas por petistas-
cutistas, que foram apresentadas ao longo de todo o texto. Estas foram citadas ao longo dos
capítulos para mostrar as posições desse grupo nas lutas dos trabalhadores. Por isso,
escolhemos um tema ainda não tratado aqui, mas que foi recorrente nas lutas dos
trabalhadores durante a década de 1980: a noção de direito e a questão do respeito aos limites
166

da lutas impostos pela legalidade. Esse tema, entre os petistas-cutistas, dizia respeito a um dos
objetivos do novo sindicalismo, que era romper com a legislação formulada ainda no pré-64,
mas que resistiu e foi reforçada pela ditadura.

Uma lei que há vinte anos era considerada “justa”, pode ser hoje
considerada injusta […] Por esse raciocínio, tem muita coisa prá mudar no
aparato jurídico das sociedades, assim como no Brasil. Quantas leis, já
totalmente caducas e sem nenhum sentido para a época de hoje estão ainda
em vigor?335

Publicado n’O Grito da Terra, de maio de 1982, o fragmento acima é parte de um


pequeno texto que apresenta, rapidamente, uma proposta de legitimação das leis através de
um “congresso popular”, quando a população decidiria sobre a regulação jurídica da
sociedade, invertendo a lógica de que os dominantes têm o direito a seu favor.
Em outra série de três artigos, o jornal explicita os objetivos da construção da CUT em
todo o Brasil:

Ao criar uma CUT PELA BASE como instrumento de luta, desatrelado do


Ministério do Trabalho e sem pedir licença aos órgãos do Governo, estamos
rompendo, na prática, com a Legislação fascista dos patrões conquistando
uma parte da nossa liberdade de organização sindical e popular e dando um
passo importante na direção da conquista na nossa AUTONOMIA.336

As expressões “sem pedir licença” e “Legislação fascista” se referem diretamente ao


sindicalismo pré-1964. A palavra autonomia em letras maiúsculas dá destaque à nova
proposição de lidar com o Estado. Essa disputa com a permanência de um sindicalismo de
“conciliação” se dá ao longo das edições mensais d'O Grito da Terra.

Todos os sindicatos de trabalhadores de Feira de Santana nasceram e


continuaram atrelados de cabo a rabo ao Ministério do Trabalho. Os seus
diretores parecem-se mais com funcionários de referido Ministério, zelozos
[sic] na aplicação da CLT.337

Nesse texto, o parâmetro utilizado para essa avaliação dos sindicatos feirenses é a não
participação em ações que seriam a demonstração que tais lideranças representam, de fato, os
trabalhadores: a participação nas passeatas do Dia do Trabalho ou o apoio às greves que
aconteciam em Feira de Santana e no resto do país.

335
“Justiça popular”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.5.
336
“A CUT pela base (II)”, Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.8. Esse artigo e o anterior é assinado
por Alberto Campos Boaventura (Beto Folha). O terceiro, sem assinatura, era de responsabilidade do Corpo de
Opinião.
337
“O movimento sindical em Feira de Santana”, Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.7.
167

A tentativa de diferenciação por parte dos petistas-cutistas, no que diz respeito ao uso
do direito, pode ser exemplificada pela inclusão deste na pauta de formação política. Em uma
de suas edições, O Grito da Terra explica o que é imposto sindical, a fim de que os
trabalhadores pudessem perceber o quanto ele é prejudicial à autonomia da classe
trabalhadora, pois atrela os sindicatos ao Estado.338
Também, há muitas notícias n’O Grito da Terra sobre liminares judiciais e luta pela
terra na zona rural de Feira de Santana e região. Na busca da “conscientização pela luta”, o
jornal noticia como trabalhadores rurais de urbanos de diversas cidades lidavam com os
problemas.339 Exemplo disso, e outra constante no jornal, é a luta de professores por salários
e, relacionado a isso, a dignidade da profissão. Em uma matéria de capa, que fala sobre a
situação das professoras “leigas”, O Grito da Terra destaca mais de uma vez que as
professoras estavam “acordando para a situação” e entrando com ações na “JUSTIÇA DO
TRABALHO” contra as prefeituras que as contrataram.340
Nessa mesma matéria, são destacadas duas maneiras de os trabalhadores lidarem com
o não cumprimento dos contratos de trabalho, que são a organização dos trabalhadores em
sindicatos e a greve. Em ambas não é deixada de lado a possibilidade de recorrer à Justiça: o
sindicato é a forma institucionalizada de organização dos trabalhadores e, portanto, pode
responder judicialmente por eles; a greve é instrumento de pressão frente à não resolução do
conflito nas instâncias formais. Dessa maneira, o ato de recorrer à justiça para garantir
direitos, ou de demonstrar a insatisfação diante do Estado, não é encarado como um ato
individual.
A luta por direitos também era defendida pelo MOC nas páginas d’O Grito da Terra.
Porém, sua defesa se concentrava na categoria onde a entidade tinha mais inserção, que era os
trabalhadores rurais e o seu sindicato, o STR-FSA. Como vimos, o MOC defendeu a
continuidade do jornal O Grito da Terra sobretudo por sua importância em questões
referentes àquela categoria. O jornal foi um espaço de difusão da concepção que o MOC tinha
a respeito de muitas questões referentes à vida dos camponeses. Entre elas, discutiam a
“indústria da seca”. Defendiam que a falta de água não é o principal problema do sertão.

338
“Imposto sindical”, Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
339
No processo de pesquisa do jornal , encontramos referências à desconfiança de trabalhadores rurais para com
os advogados. Enquanto portadores do saber jurídico, eles tinham que ser muito bem escolhidos, pois poderiam
“trair a classe” sem que os trabalhadores sequer soubessem. Pensamos que tais referências podem ajudar a
pensar os conflitos entre campo e cidade no que diz respeito tanto à relação dos trabalhadores rurais com o
aparato jurídico, quanto à polarização saber letrado/iletrado, restando a este último, grosso modo, o estatuto de
“folclore”.
340
“Professoras recorrem à justiça”, Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.1.
168

Percebia-se isso quando os problemas com falta de sementes, de terra para trabalhar e carestia
persistiam mesmo após longo período de chuvas. Chamavam de “seca verde”.341
A discussão sobre as secas era parte do projeto do MOC de provar que trabalhar e
morar no sertão era possível. A caracterização de um sertão pobre, onde o destino provável
dos que ali moravam era migrar para as zonas urbanas, era parte da dominação dos coronéis e
suas representações partidárias. O enfoque nas lutas de trabalhadores rurais reforçava o
argumento de que o sertão é viável. Daremos destaque a duas dessas lutas, afim de entender
essa defesa: pela isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e contra a
barragem de Pedra do Cavalo.
As discussões sobre a isenção do ICM para pequenos produtores rurais, n’O Grito da
Terra, se concentram no ano de 1982, quando a FETAG concentrou esforços em articular os
sindicatos da Bahia em torno dessa questão, que começou a ser posta em 1978. Ampliou-se a
reivindicação para todos os produtos, quando antes os esforços se concentravam na isenção do
imposto para mandioca, feijão e milho.342 Em todas as notícias sobre o assunto, o jornal dá
destaque ao fato de que o imposto era injusto, por ser cobrado a produtores que mal
sobreviviam com o pouco lucro com a venda dos produtos. O destaque também era dado à
informalidade no transporte dos produtos para os mercados de alimentos na zona urbana,
situação em que o imposto era ainda maior.
O incentivo à participação dos sindicatos girou em torno do argumento que essa luta
tinha que ser feita articuladamente, a exemplo de abaixo-assinado ao governo da Bahia e
reuniões com seu representante.343 Nas notícias não há nenhum incentivo a outros tipos de
manifestações além das reuniões articuladas pela FETAG, entre sindicatos e governo. A
questão do ICM volta a O Grito da Terra no ano seguinte, quando João Durval Carneiro, ex-
prefeito de Feira de Santana, assumiu o governo do estado. O jornal denuncia a continuidade
nas práticas da gestão anterior, de Antonio Carlos Magalhães, em só isentar do ICM as
multinacionais.344
No mesmo ano em que O Grito da Terra divulgava a luta contra o ICM para pequenos
produtores, começou também a divulgar matérias sobre a construção da Barragem de Pedra
do Cavalo. A justificativa do governo do estado para a construção da barragem era: produção
de energia elétrica, irrigação e abastecimento de água para cidades vizinhas e, principalmente,

341
“Seca verde”. Seção Panorama Rural. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.5.
342
“FETAG e sindicatos pedem fim do ICM”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.3. “Sindicatos se
encontram para discutir movimento de ICM”. Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.3.
343
“Sindicalistas vão ao governador cobrar promessas”. Jornal O Grito da Terra, outubro de 1982, p.7.
344
“ICM: fiscais atacam e agricultores protestam”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.5.
169

Salvador e cidades próximas a ela. O jornal fez constantes denúncias da “obra faraônica” e da
propaganda do governo estadual de Antônio Carlos Magalhães (PDS). Ainda, alertou para as
notícias veiculadas pelos jornais de circulação estadual, que falavam somente dos benefícios
da barragem, divulgando o trabalho da FETAG de conscientização das futuras famílias
atingidas acerca das falsas promessas de indenização e melhoria no padrão de vida.
A barragem foi inaugurada em 1982, um ano antes do previsto para sua conclusão. O
ano da inauguração foi o mesmo das eleições municipais e estaduais. As barragens
construídas na Bahia fizeram parte das articulações políticas que garantiram a vitória de João
Durval Carneiro para governador e José Falcão para prefeito de Feira de Santana.345
Logo após findado o processo eleitoral, O Grito da Terra trouxe matéria de uma
página inteira mostrando as conseqüências funestas para as famílias atingidas pelas barragens
de Sobradinho e Itaparica, ambas no rio São Francisco. Partindo disso, o jornal alerta para
critérios de indenização, como, por exemplo, o que ocorreu em Sobradinho: o governo
indenizou os donos de propriedades, delegando a esses a responsabilidade de repassarem parte
do dinheiro aos posseiros. Em contraposição a isso, a matéria defende a articulação de
sindicatos de trabalhadores rurais acerca da bandeira “terra por terra”, na exigência de outra
terra em iguais condições de cultivo.346 Essa bandeira foi lembrada em quase todas as notícias
veiculadas no jornal. Nela estava implicado que a transferência de local era desarraigar o
camponês não só da sua terra, mas da atividade cotidiana através da qual construiu seus
valores.347
A dimensão simbólica da prática dos trabalhadores feirenses foi disputada não só com
os dominantes, mas também entre a classe trabalhadora. A tradição que envolveu a
constituição dos sindicatos tradicionais e as práticas organizativas que não levavam em conta
a exacerbação dos conflitos, foi incontornável nas lutas pela classe trabalhadora em Feira de
Santana. Vimos sujeitos envolvidos em lutas várias, práticas e linguagens diferenciadas
empregadas na disputa pela direção política da classe. As lutas pela classe nos fazem ver
como as estratégias traçadas ora levavam em conta a referida tradição, ora as ignorava. Assim
como o não aprofundamento em questões sobre a classe trabalhadora feirense não permite que
se chame os petistas-cutistas de “alheios à classe”, a relação orgânica dos tradicionais e do
345
SANTOS, 2009, op cit, discute as tentativas de utilização de demandas dos trabalhadores rurais como
barganha política: Barragem de Pedra do Cavalo, frentes de trabalho e lutas por sementes.
346
“Barragem de Pedra do Cavalo desabriga 30 mil pessoas”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.4.
347
A “Nova Ipuaçu”, como chamavam o governo, a imprensa e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do
Paraguaçu (DESENVALE), foi construída a cerca de 4km do povoado que foi inundado, às margens da BR-116
Sul (Rio-Bahia). Sem terra para atividades agropecuárias, as famílias deslocadas se organizaram em torno da
pesca no rio Cavaco. O “novo” distrito recebeu o nome de Governador João Durval Carneiro, mas os moradores,
que ainda hoje vivem da pesca, ignoram o nome imposto e persistem em chamar de Ipuaçu.
170

MOC com essa mesma classe não autoriza tomar sua concepção de luta como mais legítima.
Seus embates sobre a direção política da classe dizem sobre como os trabalhadores buscavam
filiações que respondessem ao modo como aprenderam a se posicionar na relação com os
dominantes e que os atualizasse nas modificações das formas de dominação disputadas
nacionalmente ao longo da década de 1980.
171

Conclusão

Começamos nossa pesquisa no ano de 1977, início do governo de Colbert Martins


(MDB), mas fizemos uma incursão em décadas antes, através da memória e da historiografia,
para buscar indícios da experiência que ainda se mostrava confusa na análise sobre a década
de 1980. Alguns trabalhos sobre a história de Feira de Santana em meados do século XX
indicam um tipo relação entres as classes que chamamos aqui de paternalismo, por terem se
constituído de uma regulação mútua dos comportamentos entre dominantes e dominados, que
não exclui, pelos próprios termos usados, uma relação de dominação. As lutas dos
trabalhadores aconteciam, mas eram acompanhadas de perto pelos dominantes. A
interferência nas lutas e também no cotidiano dos trabalhadores respeitava regras admitidas
verbalmente, firmadas na relação de confiança, tendo por isso sua carga de personificação de
instituições.
Esse é o caso da gestão de Chico Pinto (PSD) que, ao se aproximar dos trabalhadores
nesses termos, o fez também através da tentativa de mudar as relações dos dominantes com os
espaços público e privados, tensionando para que reformas administrativas acontecessem.
Essas reformas também serviriam para regular as relações entre classes antagônicas, ao
permitir que a dominação tivesse como um de seus elementos permitir que os conflitos
fossem postos e propor soluções que deveriam ser vistas como conjuntas. Esse projeto de
reposicionar a dominação de classe na cidade foi interrompido pelo golpe de 1964, quando a
fração da classe dominantes derrotada pela coalizão de forças em torno de Chico Pinto
retomou o controle sobre o poder municipal graças à mudança no cenário político nacional.
Isso pode ser visto nas muitas transformações pelas quais Feira de Santana passou
desde fins da década de 1960, com a reorganização do espaço urbano para fazer valer os
interesses de parte dos comerciantes que haviam começado a investir em atividades
industriais e se articularam para a criação de um Centro Industrial na cidade.
Os comerciantes que persistiram no seu ramo insistiram em seu quinhão no processo
de racionalização capitalista que já se tornava forte. Isso foi ainda na primeira metade da
década de 1970, quando José Falcão havia começado a sua primeira gestão. Esse prefeito era
do MDB mas estabelecia boas relações com ARENA desde os tempos de vereador na cidade,
em fins da década de 1960. Na sua gestão, favoreceu os industriais, com incentivos ao
crescimento do CIS, e viabilizou a construção do CAF. O mercado de alimentos da cidade foi
172

modificado com a inauguração do CAF, na tentativa dos dominantes de institucionalizarem as


relações de compra-e-venda, abrindo espaço para os estabelecimentos que vendiam no
atacado.
A partir da década de 1970 começou-se a definir os espaços para os migrantes que
chegavam a uma cidade em que não havia espaços definidos para forasteiros. Esses espaços
foram definidos nas muitas ocupações ocorridas na periferia da cidade. Os conflitos pelo solo
urbano de Feira de Santana tiveram a intervenção da gestão de Colbert Martins que, tão logo
assumiu a prefeitura, em 1977, criou o PLANOLAR para construir conjuntos habitacionais
para a população de baixa renda. O PLANOLAR atuou justamente nas áreas ocupadas pelos
migrantes e, em menor medida, pelos moradores de rua que já viviam na cidade.
Essa política habitacional da prefeitura e outras, que estavam voltadas para os mais
pobres, sofreram forte crítica dos grupos dominantes da cidade, que reclamavam espaço nos
projetos da prefeitura. A gestão de Colbert Martins foi uma tentativa de retomar as relações
paternalistas nos termos da gestão de Chico Pinto: investir no aparato estatal para que
garantisse algum poder enquanto árbitro dos conflitos de classe. A ala do MDB à qual o
prefeito fazia parte tinha bem claro que os tempos eram outros. A ditadura tinha recolocado
lugares de dominação e, com a formação de uma classe média, as lutas de classe não eram tão
polarizadas quanto no pré-64.
Entretanto, o MDB feirense não deixou de atuar durante a ditadura e, quando Colbert
Martins assumiu a prefeitura, parte considerável das associações de bairros e sindicatos da
cidade já era sua aliada política. O MDB contou também com a ajuda do MOC, tanto na
inserção entre os trabalhadores rurais, quando na mediação dos conflitos pelo solo urbano.
Entretanto, com a fundação do PT na cidade, foi iniciada a formação de uma força
política que faria frente à constituição dessa hegemonia política entre os trabalhadores de
Feira de Santana. Uma parte dos militantes petistas era migrante, alguns estavam entre os que
vieram disputar solo e emprego na cidade, outros vieram com a garantia de emprego e
moradia. Outra parte dos militantes petistas foi formada diretamente no MDB, ou por
organizações estudantis e jornais nanicos onde esse partido tinha influência.
O PT foi formado justamente no período de intensificação das ocupações de solo em
Feira de Santana, no final da década de 1980. A atuação política desse partido foi iniciada no
apoio a ocupações e nas tentativas de fundar associações de bairros, bem como disputar com o
MDB/MOC as que já existiam. Dali – e do movimento estudantil – nasceu a formação política
de petistas que, mais tarde, tentaram viabilizar a formação da CUT na cidade e defenderam a
organização da classe trabalhadora através do novo sindicalismo.
173

Até a fundação da CUT Nacional, em 1983, não era incomum ver petistas em algumas
mobilizações junto com os sindicatos tradicionais, com o MOC e, eventualmente, com o
MDB. Um forte exemplo disso foi a fundação do jornal O Grito da Terra, que reuniu PT e
MOC no projeto de comunicação popular, mas os distanciou nos métodos utilizados para isso.
A CUT influenciou fortemente na radicalização do discurso de autonomia de classe e a
disputa dos petistas-cutistas pelo espaço onde os tradicionais, até então, se sentiam
confortáveis, ficou óbvia.
Os trabalhadores rurais, que se expressavam como categoria mobilizada desde final da
década de 1970, foram objeto de disputa, tendo em muitos momentos se unido aos petistas-
cutistas nas lutas, até que se filiassem à CUT em 1989. Porém, isso não significou a
desvinculação dessa categoria com o MOC, que continuou mantendo certa influência na sua
formação política.
Ao longo da década de 1980, as greves e as disputas pelas direções sindicais em Feira
de Santana atingiram seu ápice e, a seguir, arrefeceram. Isso está diretamente relacionado com
a luta de classes a nível nacional e a posterior reorganização da classe dominante a partir de
fins da década de 1980, a começar pela derrota do projeto de tomada do aparato estatal pela
classe trabalhadora, com a vitória de Collor nas eleições de 1989. Dois anos depois, teve
início no estado da Bahia o ciclo de governos estaduais carlistas, que reprimia fortemente as
manifestações de trabalhadores e durou mais de uma década. Em Feira de Santana, mesmo
com a volta de Colbert Martins à prefeitura em 1989 – e as tentativas de manter relações
próximas com a classe trabalhadora, como a visita aos bairros para ouvir as demandas dos
moradores – a cidade se integrou ao desemprego estrutural, o que contribuiu para a
modificação do perfil dos trabalhadores feirenses e também nas suas formas de se fazerem
representar.
A CUT em Feira de Santana não se institucionalizou, nem as oposições conquistaram
os sindicatos principais, nem as diretorias tradicionais conseguiram “fazer voltar” o controle
que possuíam uma década antes. Depois disso, as oposições se arrefeceram e os tradicionais
continuaram no poder, contudo, tendo que dar conta de demandas construídas ao longo do
processo de embate, incorporando nas suas reivindicações corporativas as pautas trazidas pelo
novo sindicalismo através dos petistas-cutistas.
Todo esse período, que aqui foi comentado através de sua ordem cronológica, foi
tratado nos capítulos a partir do fio condutor que guiou a pesquisa: a experiência da classe
trabalhadora feirense através do que dela nos pareceu mais palpável, que foi a tradição nas
formas organizativas dos sindicatos e nas práticas dos sindicalistas. Assim, no primeiro
174

capítulo mostramos o território, em múltiplos sentidos, onde aconteceram as lutas: diálogo


com a historiografia sobre a possibilidade de se fazer uma história nacional, os limites do
novo sindicalismo como modelo e as possibilidades enquanto princípio norteador de um
projeto político, a possibilidade do uso do conceito de experiência, os vestígios da experiência
da classe trabalhadora feirense através de estudos já realizados sobre os grupos subalternos e,
por fim, a disputa pelo espaço urbano de Feira de Santana como reveladora de uma tradição
nas relações entre dominantes e dominados. Esse prelúdio foi necessário para que tratássemos
das disputas que envolveram sindicatos, pois mostrou as premissas sobre as quais nós
guiamos a pesquisa, bem como apresentou a constituição de um bloco de poder hegemônico
da classe dominante entre os trabalhadores através de sua tentativa de retomar e manter as
relações paternalistas construídas décadas antes.
O capítulo 2 apresentou as lutas ocorridas na cidade no período estudado e os sujeitos
que as viabilizaram. Partindo disso, vimos como as disputas entre petistas-cutistas e
tradicionais tensionaram as práticas organizativas destes últimos, forçando-os a tomar posição
diante de mobilizações coletivas que punham em perigo seu poder de influência entre os
trabalhadores feirenses. Isso também porque os petistas-cutistas perceberam a profusão de
manifestações dos trabalhadores nos seus diversos espaços de convivência e as utilizaram
como impulso para seu projeto de unidade e autonomia de classe.
Porém, os petistas-cutistas não conseguiram consolidar esse projeto, por diversos
motivos. Isso foi mostrado no terceiro capítulo, onde as disputas pela classe trabalhadora
feirense ganhou destaque. Os recursos utilizados por petistas-cutistas, tradicionais e aqui
também pelo MOC partiram de premissas diversas. Os primeiros tinham uma forte
preocupação em adequar as demandar dos trabalhadores feirenses a pautas de luta nacionais,
pois esse era um caminho para a unificação da classe trabalhadora brasileira. Em muitos
momentos, esse método de luta não levou em conta a própria tradição organizativa da classe
trabalhadora feirense.
E foi justamente esse o ponto de sustentação dos tradicionais. Utilizando-se sempre do
argumento que os petistas-cutistas eram “alheios à classe”, chamavam a atenção para si como
legítimos representantes dos trabalhadores. Utilizaram-se também das boas relações com os
dominantes para se perpetuarem enquanto diretores de sindicatos. A barganha política, as
fraudes eleitorais e as ameaças de demissão foram recursos constantes de intimidação dos
trabalhadores. O MOC, se valeu da sua atuação junto aos trabalhadores rurais para propor um
equilíbrio entre a luta política e a conciliação de classe. Seu caráter de entidade não classista
175

foi importante para a sua defesa de não filiação partidária que, por sua vez, ajudou na sua
aceitação em espaços da sociedade civil e política.
Todos esses elementos, postos em conflito, abriram um flanco na relação entre
dominante e dominados que, ainda que não tenham resultado no rompimento com as relações
paternalistas nem com uma prática organizativa de caráter assistencialista associada a ela,
ajudou a criar desconfiança entre os trabalhadores para com os setores dominantes da cidade e
forçou a circulação da tese da independência política da classe trabalhadora. O novo
sindicalismo ajudou também a promover uma aproximação entre as lutas locais e as pautas
nacionais dos trabalhadores. Abriram-se espaços para a crítica das políticas dos governos
federais, através do olhar do próprio trabalhador. O lugar do Estado na vida cotidiana foi
problematizado de modo novo e o Estado, com seu caráter de classe, apareceu então como
obstáculo à luta dos trabalhadores, que precisavam se unificar nacionalmente para vencer os
dominantes, que também buscavam coesão.
As maneiras pelas quais os trabalhadores lutaram no passado e o lugar dessas lutas e
formas de relacionamento com os grupos sociais dominantes permaneceram, no período de
que nos ocupamos, como tradição. Assim, petistas-cutistas tiveram de encarar um
sindicalismo calcado em práticas assistencialistas e trabalhadores que estabeleciam relações
de confiança com os dominantes. Por outro lado, os tradicionais tiveram de lidar com a força
do discurso de autonomia de classe do novo sindicalismo, bem como com suas constantes
tentativas de solidariedade entre os próprios trabalhadores, através das mobilizações coletivas,
encarando os dominantes como inimigos.
Nos embates entre tradicionais e petistas-cutistas encontramos aspectos importantes,
localizamos os espaços em que ela se deu, identificamos agentes, formas de expressão e
prática dos sujeitos que sem dúvida são expressões da sua experiência. As linguagens e
práticas diferentes, postas em conflito pela direção política da classe, envolveram múltiplas
dimensões: tradição, memória, domínio e enraizamento nas tradições locais, condições
materiais dos migrados e suas relações com a sociedade política, relações de paternalismo.
Todavia, a análise apurada dessas dimensões se tornou difícil por uma razão principal,
que é o acesso restrito a fontes produzidas pelos próprios sujeitos. Em que pese termos
apontado para padrões de comportamento na prática política da classe trabalhadora feirense,
sua experiência só pode ser definida de modo mais profundo e rigoroso na análise de outras
dimensões que dizem respeito à sua formação enquanto classe e também a uma concepção de
mundo que extrapola em vários aspectos os limites postos pelas lutas analisadas aqui. . A
pesquisa histórica sobre a experiência de classe dos trabalhadores de Feira de Santana nas
176

últimas décadas do século XX já saiu da estaca zero, como pretendemos haver demonstrado,
mas tem ainda muito o que avançar.
177

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Anexos

Ato público do Dia do Trabalhador de 1985 no Centro de Feira de Santana. Acervo Gerinaldo
Costa/LABELU.
184

Trabalhadoras rurais fazem encenação durante o ato público do Dia do Trabalhador de 1985
no Centro de Feira de Santana. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.

Homens pintam um muro no Centro de Feira de Santana como parte dos protestos contra a
fundação da UDR na cidade. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de 1986, p.3.
185

Ato público no Centro de Feira de Santana contra a fundação da UDR na cidade. Ladeira do
CAF. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de 1986, p.3.

Manifestantes no Centro de Feira de Santana. Greve geral de 1986. Jornal Feira Hoje 13 de
dezembro de 1986, p.1.
186

Manifestantes exigem do prefeito José Falcão (de óculos) que a prefeitura seja fechada. Greve
geral de 1986. Jornal Feira Hoje 13 de dezembro de 1986, p.1.

Manifestantes no Centro de Feira de Santana. Greve geral de agosto de 1987. Informativo da


ADUFS, setembro de 1987, p.4.
187

Policiais reprimem manifestantes no Centro de Feira de Santana. Greve geral de 1991. Jornal
Feira Hoje, 24 de maio de 1991, p.3.

Moradores do bairro Campo Limpo na porta da Prefeitura, em protesto contra as más


condições do transporte coletivo. 13 de abril de 1987. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.
188

Moradores do bairro Campo Limpo na porta da Prefeitura, em protesto contra as más


condições do transporte coletivo. 13 de abril de 1987. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.

Policiais reprimindo manifestação dos ocupantes de um terreno no Sítio Matias, próximo ao


CAF, que haviam sido expulsos do local horas antes. Centro de Feira de Santana. Jornal Feira
Hoje, 19 de março de 1987, p.1.
189

Garis em diálogo com o prefeito Colbert Martins pelo atraso no aumento dos salários. Sede do
Jornal Feira Hoje. Jornal Feira Hoje, 31 de janeiro de 1980, p.5.

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190

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Depoimento de Elizio Santa Cruz. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
Depoimento de. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
Depoimento de José Rocha. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
Depoimento de Marialvo Barreto. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.
Depoimento de Maslowa Freitas. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

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“Líderes sindicais dizem que aumento salarial do governo não satisfaz as necessidades”.
Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1980, p.3.
“Liomar Ferreira: ‘O PT é um fiasco em termos de oposição”. Jornal Feira Hoje, 05 de agosto
de 1981, p.2.
“Lula se considera o melhor candidato”. Jornal Feira Hoje, 13 de outubro de 1989, p.1.
“Mais de 600 casas para os trabalhadores do CIS”. Jornal Feira Hoje, 13 de dezembro de
1985, p. 2.
“Manifestações no Parque Ipê e São José durante o 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 01 de
maio de 1990, p.3.
“Metalúrgicos grevistas de SP vão receber ajuda de Comitê”. Jornal Feira Hoje, 15 de abril
de 1980, p.3.
“Missa marca os 113 anos de fundação do Montepio”. Jornal Feira Hoje, 07 de setembro de
1989, p.5.
“Modificações geram polêmica”. Jornal Feira Hoje, 05 de dezembro de 1979, p.3.
“Motoristas de táxi não querem trabalhar à noite”. Jornal Feira Hoje, 09 de novembro de
1980, p.3.
“Motoristas deixam a cidade sem táxi”. Jornal Feira Hoje, 08 de novembro de 1980, p.4.
“Núcleo local do PT firma compromisso com Colbert”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de
1979, p.2.
“O antigo pouso dos tropeiros e vaqueiros é hoje um importante centro urbano com grandes
problemas”. Jornal Feira Hoje, 16 de junho de 1987, Caderno Especial 114 anos, p. 6 e 7.
“Oprimidos”. Jornal Feira Hoje, 13 de maio de 1980, p.2.
“Partido pede à Justiça que confisque doações à UDR”. Jornal Feira Hoje, 09 de julho de
1986, p.3.
“Pelo 1º de Maio”. Jornal Feira Hoje, 26 de março de 1985, p.2.
“Política sindical: não ao micareta no dia do trabalho”. Jornal Feira Hoje, 07 de fevereiro,
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“Poucos motoristas inscritos no curso de Relações Humanas”. Jornal Feira Hoje, 22 de


fevereiro de 1980, p.5.
“Poucos trabalhadores participam de comemoração ao dia 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 03
de maio de 1985, p.3.
“Prefeito contribuirá para que sindicatos participem da CONCLAT”. Jornal Feira Hoje, 02 de
agosto de 1981, p.4.
“Prefeito diz que construção de residências não será problema”. Jornal Feira Hoje, 16 de abril
de 1980, p.3
“Prefeito diz que táxi-lotação só depende de novo regulamento”. Jornal Feira Hoje, 08 de
janeiro de1980, p.3.
“Prefeitura entra na Justiça para retomar área invadida”. Jornal Feira Hoje de 01 de dezembro
de 1987, p.3
“Presidente do PT diz que não há mobilização: greve”. Jornal Feira Hoje, 20 de julho de
1983, p.3.
“Presidente do Sindicato Rural nega envolvimento”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986,
p.3.
“Protesto nas ruas contra a presença da UDR em Feira”. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de
1986, p.3.
“Protestos em meio a folia para comemorar Dia do Trabalhador”. Jornal Feira Hoje, 24 de
abril, p.3.
“PT não acredita em Tancredo”. Jornal Feira Hoje, 20 de janeiro de 1985, p.2.
“Relatório da APROFS critica a desvalorização do homem”. Jornal Feira Hoje, 10 de março
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“Revendedoras sem carros devido à greve paulista”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1980,
p.3
“Ronaldo Caiado. A UDR não tem medo da esquerda”. Jornal Feira Hoje, 10 de julho de
1986, p.4 e 5.
“Seminário discute nova visão de planejamento para Feira”. Jornal Feira Hoje, 06 de janeiro
de 1990, p.2.
“Seminário não repete o êxito da abertura”. Jornal Feira Hoje, 06 de agosto de 1981, p.3.
“Sindicalistas divulgam manifesto”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril, p.3.
“Sindicalistas não aderem ao protesto contra a Previdência”. Jornal Feira Hoje, 12 de março
de 1982, p.3.
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“Sindicalistas não querem a micareta no 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 21 de janeiro de


1984, p.4.
“Sindicato discute dissídio coletivo”. Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1977, p.1.
“Sindicato dos Bancários tem primeiro candidato às eleições”. Jornal Feira Hoje, 17 de
fevereiro de 1980, p.5.
“Sindicato dos condutores autônomos”. Jornal Feira Hoje, 29 de dezembro de 1977. p.11.
“Sindicato prepara a festa junina”. Jornal Feira Hoje, 20 de junho de 1978, p.3.
“Sindicato tem eleição dia 29”. Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1978, p.1.
“Sindicato vai ensinar comerciários a escrever”. Jornal Feira Hoje, 08 de janeiro de 1978, p.3.
“Sindicatos divulgam nota sobre o Primeiro de Maio”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1984,
p.4.
“Táxis podem parar em todos os pontos”, Jornal Feira Hoje, 21 de dezembro de1979, p.3.
“Trabalhadores contra a instalação da UDR aqui”. Jornal Feira Hoje, 07 de julho de 1986,
p.3.
“Trabalhadores fazem severas críticas ao governo municipal”. Jornal Feira Hoje, 18 de abril
de 1982, p.3.
“Trabalhadores não gostam do atendimento do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 11 de julho de
1978, p.1
“Trabalhadores rurais escolhem nova diretoria para o sindicato”. Jornal Feira Hoje, 18 de
dezembro de 1979, p.3.
“Trabalhadores rurais: marcaram a data das eleições”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de
1979, p.3.
“Trabalhadores”. Jornal Feira Hoje, 24 de abril, p.2.
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“Três versões para a população”. Jornal Feira Hoje, 30 de dezembro de 1979, Edição Especial
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“UDR polemiza na última sessão da Câmara Municipal”. Jornal Feira Hoje, 03 de julho de
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“UEFS realizou a primeira assembléia universitária”. Jornal Feira Hoje, 08 de abril de 1987,
p.3.
“Yara afirma que somente aceitará a reitoria se vencer a eleição direta”. Jornal Feira Hoje, 03
de abril de 1987, p.3.
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“Délcio diz que não tem medo da oposição sindical”. Jornal Feira Hoje, 11 de março de 1984,
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“Gráficos discutem as eleições: associação”. Jornal Feira Hoje, 18 de janeiro de 1980, p.13.

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“Audiências”. Jornal Folha do Norte, 02 de março de 1977, p.1
“Colbert planeja ciclovias”. Jornal Folha do Norte, 11 de março de 1977, p.1.
“Coluna Sindical”. Jornal Folha do Norte, 19 de fevereiro de 1977, p.3.
“Feira paraíso dos loucos”. Jornal Folha do Norte, 11 de março de 1977, p.3.

Jornal O Bancário
“Muita comemoração no dia do trabalho”. Jornal O Bancário, nº 40, abril de 1982, p.3.
“Representantes dos sindicatos feirenses, reúnem-se”. Jornal O Bancário, fevereiro de 1984,
p.3.
“Vingança”. Jornal O Bancário, março de 1982, nº 39, p.2.

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“A comemoração do 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1982, p.7
“A CUT pela base (II)”, Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.8. “Justiça popular”.
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“ADEFS realiza assembléia geral”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.2.
“Administração das contas”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.9.
“Associações de moradores ou administradores de bairros”. Jornal O Grito da Terra, abril de
1982, p.5.
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“Barragem de Pedra do Cavalo desabriga 30 mil pessoas”. Jornal O Grito da Terra, dezembro
de 1982, p.4.
“Carta de Princípios”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.2.
“Censura no passado e no presente”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1983, p.2. Jornal O
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“Coluna Sindical”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
“Confusão em Novo Horizonte”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.3;
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“Curso de Legislação Trabalhista”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1982, p.4.


“CUT-Ba lança seu plano de trabalho”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1985, p.6.
“Editorial”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2.
“Eleição do sindicato dos comerciários vai parar na justiça”. Jornal O Grito da Terra, abril de
1984, p.10.
“Encontro intercomunitário”, Jornal O Grito da Terra, abril de 1982, p.7;
“Faça a sua assinatura de O Grito da Terra”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.8.
“FETAG e sindicatos pedem fim do ICM”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.3.
“Fundada a ADEFS”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.4.
“Governo para o povo”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2.
“Gráficos”. Coluna Sindical. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
“ICM: fiscais atacam e agricultores protestam”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.5.
“Imposto sindical”. Coluna Sindical. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.
“Isto você deve saber”. Jornal O Grito da Terra, novembro de 1982, p.3.
“Jogo do Bicho e política”. Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.8.
“Jogo do Bicho: legalizar ou não legalizar?”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.8.
“O grito da afirmação”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.3.
“O Grito da Terra. Uma experiência que se afirma”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982,
p.2.
“O Jogo do Bicho”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.8.
“O movimento sindical em Feira de Santana”, Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.7.
“O pacote e os trabalhadores das estatais”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1983, p.6
“O primeiro número de O Grito da Terra é lançado com sucesso”. Jornal O Grito da Terra,
janeiro de 1982, p.2.
“O PT e as oposições”. Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.4.
“Pelegadas”. Seção “Pinga Fogo”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.7.
“Pelego pode cair (cresce a oposição Sindical Metalúrgica)”. Jornal O Grito da Terra, agosto
de 1982, p.6.
“Professoras recorrem à justiça”, Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.1.
“Seca verde”. Seção Panorama Rural. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.5.
“Sindicalistas participam de encontro”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1983, p.5.
“Sindicalistas vão ao governador cobrar promessas”. Jornal O Grito da Terra, outubro de
1982, p.7.
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“Sindicato de trabalhadores rurais faz eleição”. Jornal O Grito da Terra, novembro de 1982,
p.5.
“Sindicato dos trabalhadores rurais de Feira escolhe nova diretoria”. Jornal O Grito da Terra,
janeiro de 1983, p.5.
“Sindicatos comemoram o 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1982, p.5.
“Sindicatos se encontram para discutir movimento de ICM”. Jornal O Grito da Terra,
setembro de 1982, p.3.
“Trabalhador sufocado com aumento de tarifas de ônibus”. Jornal O Grito da Terra, julho de
1982, p.4;
“Trabalhadores comemoram o 1º de maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1983,
“Trabalhadores comemoram seu Dia”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.1.
“Trabalhadores de Feira de Santana fazem encontro”. Jornal O Grito da Terra, agosto de
1983, p.4.
“Trabalhadores desrespeitados”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.4.
“Uma experiência comunitária”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.3.
“Uma nova experiência da história de Feira de Santana”. Jornal O Grito da Terra, dezembro
de 1981, p.1.
“Vamos fazer uma comparação”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.4; “Moradores
não são donos de seu bairro”. Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.6.
p.7.
Sem título. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.3

Outros
Ação Sindical Comerciária. O Pique. 1986. [Doação de Anna Kaufman]
Comerciários em Luta. Oposição Sindical Comerciária de Feira de Santana. 1º de Maio. Maio
de 1989. [Doação de Anna Kaufman]
Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana, Oposição Comerciária, Oposição Bancária.
Luta dos Trabalhadores. Feira de Santana, s/d. [Doação de Anna Kaufman]
Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana. Convocatória para o Congresso de
Congresso de Fundação da CUT Regional de Feira de Santana. Feira de Santana, 30 de
novembro a 02 de dezembro de 1990. [Doação de Elizete Silva]
40 Anos de Luta. Produção do Sindicato dos Bancários de Feira de Santana. 2003. DVD.
Experiência de Ação no Comércio de Feira de Santana – Bahia. Movimento Comerciários em
Luta. 1990. [Doação de Anna Kaufman].
200

Movimento Comerciários em Luta. Boletim da Oposição Sindical Comerciária em Feira de


Santana. Abril de 1987. [Doação de Anna Kaufman].
Movimento Comerciários em Luta. Sem data. [Doação de Anna Kaufman]

Revista Panorama da Bahia


“Acabou a eleição, vamos administrar!”. Entrevista com Colbert Martins. Revista Panorama,
ano 6, nº 113, 30 de nov. 1988, p.3.
“Entrevista, Ildes Ferreira”, Revista Panorama da Bahia, Ano 5, nº 101, maio de 1988, p. 3-5.

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