[1] “[...] Pode haver reforma cultural, ou seja, elevação civil das camadas mais baixas
da sociedade, sem uma anterior reforma econômica e uma modificação na posição
social e no mundo econômico? É por isso que uma reforma intelectual e moral não pode
deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente, o
programa de reforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual se
apresenta toda reforma intelectual e moral. O moderno Príncipe, desenvolvendo-se,
subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu
desenvolvimento significa de fato que todo ato é concebido como útil ou prejudicial,
como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência
o próprio moderno Príncipe e serve ou para aumentar seu poder ou para opor-se a ele. O
Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico,
torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e
de todas as relações de costume.”
[2] “As notas escritas a propósito do estudo das situações e do que se deve entender por
“relações de força”. O estudo sobre como se devem analisar as “situações”, isto é, sobre
como se devem estabelecer os diversos níveis de relações de força, podem servir para
uma exposição elementar de ciência e arte política, entendida como um conjunto de
regras práticas de pesquisa e de observações particulares úteis para despertar o interesse
pela realidade efetiva e suscitar intuições políticas mais rigorosas e vigorosas. Ao
mesmo tempo, é preciso expor o que se deve entender em política por estratégia e tática,
por “plano” estratégico, por propaganda e agitação, por “orgânica” ou ciência da
organização e da administração em política. Os elementos de observação empírica que
habitualmente são apresentados de modo desordenado nos tratados de ciência política
[...] deveriam na medida em que não são questões abstratas ou sem fundamento, ser
situados nos vários níveis de relação de forças, a começar pela relação das forças
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internacionais (onde se localizariam as notas escritas sobre o que é uma grande
potência, sobre os agrupamentos de Estados em sistemas hegemônicos e, por
conseguinte, sobre o conceito de independência e soberania no que se refere às
pequenas e médias potências), passando em seguida às relações objetivas sociais, ou
seja, ao grau de desenvolvimento das forças produtivas, às relações de força política e
de partido (sistemas hegemônicos no interior do Estado) e às relações políticas
imediatas (ou seja, potencialmente militares).”
[11] “Uma concepção do direito que deve ser essencialmente renovadora. Ela não pode
ser encontrada, integralmente, em nenhuma doutrina preexistente (nem mesmo na
doutrina da chamada esco a positiva e, sobretudo, na doutrina de Ferri). Se todo estado
tende a criar e manter certo tipo de civilização e de cidadão (e, portanto, de convivência
e de relações individuais), tende a fazer desaparecer certos costumes e atitudes e a
difundir outros, o direito será o instrumento para esta finalidade (ao lado da escola e de
outras instituições e atividades) e deve ser elaborado para ficar conforme a tal
finalidade, ser maximamente eficaz e produtor de resultados positivos. A concepção do
direito deverá ser libertada de todo resíduo de transcendência e de absoluto,
praticamente de todo fanatismo moralista, embora me pareça que não possa partir do
ponto de vista de que o Estado não “pune” (se este termo é reduzido a seu significado
humano), mas apenas luta contra a “periculosidade” social. Na realidade, o Estado deve
ser concebido como “educador” na medida em que tende precisamente a criar um novo
tipo ou nível de civilização. [...] O Estado, também nesse campo, é um instrumento de
“racionalização”, de aceleração e de taylorização; atua segundo um plano, pressiona,
incita, solicita e “pune”, já que, criadas as condições nas quais um determinado modo de
vida é “possível”, a “ação ou a omissão criminosa” devem receber uma sanção punitiva,
de alcance moral, e não apenas um juízo de periculosidade genérica”.
[14] “Outro ponto a ser fixado e desenvolvido é o da “dupla perspectiva” na ação
política e na vida estatal. Vários graus nos quais se pode apresentar a dupla perspectiva,
dos mais elementares aos mais complexos, mas que podem ser reduzidos teoricamente a
dois graus fundamentais correspondentes à natureza dúplice do centauro maquiavélico,
ferina e humana, da força e do consenso. Da autoridade e da hegemonia, da violência e
da civilidade, do momento individual e daquele universal (da “igreja” e do “Estado”),
da agitação e da propaganda, da tática e da estratégia, etc. Alguns reduziram a teoria da
“dupla perspectiva” a algo mesquinho e banal, ou seja, a nada mais do que duas formas
de “imediaticidade” que se sucedem mecanicamente no tempo, com maior ou menor
“proximidade”. Ao contrário, pode ocorrer que, quanto mais a primeira “perspectiva” é
imediatíssima”, elementaríssima, tanto mais a segunda deva ser “distante” (não no
tempo, mas como relação dialética), complexa, elevada, isto é, pode ocorrer como na
vida humana: quanto mais um indivíduo é obrigado a defender a própria existência
física imediata, tanto mais afirma e se coloca do ponto de vista de todos os complexos e
mais elevados valores da civilização e da humanidade.”
[17] “No curso da história, estes dois graus se apresentam numa grande variedade de
combinações. Um exemplo típico, que pode servir como demonstração-limite, é o da
relação de opressão militar de um Estado sobre uma nação que procura alcançar sua
independência estatal. A relação não é puramente militar, mas político-militar: com
efeito, este tipo de opressão seria inexplicável sem o estado de desagregação social do
povo oprimido e a passividade de sua maioria. Portanto, a independência não poderá ser
alcançada por forças puramente militares, mas com forças militares e político-militares.
De fato, se a nação oprimida, para iniciar a luta pela independência, tivesse de esperar a
permissão do Estado hegemônico para organizar seu próprio exército no sentido estrito
e técnico da palavra, teria de esperar bastante tempo”.
[23] “Observações sobre alguns aspectos da estrutura dos partidos políticos nos
períodos de crise orgânica (devem ser vinculadas às notas sobre as situações e as
relações de força). Em um certo ponto de sua vida histórica, os grupos sociais se
separam de seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradicionais naquela dada
forma organizativa, com aqueles determinados homens que os constituem, representam
e dirigem, não são mais reconhecidos como sua expressão por sua classe ou fração de
classe. Quando se verificam estas crises, a situação imediata torna-se delicada e
perigosa, pois abre-se o campo às soluções de força, à atividade de potências ocultas
representadas pelos homens providenciais ou carismáticos. Como se formam estas
situações de contraste entre representantes e representados, que, a partir do terreno dos
partidos (organização de partido em sentido estrito, campo eleitoral parlamentar,
organização jornalística), reflete-se em todo o organismo estatal, reforçando a posição
relativa do poder da burocracia (civil e militar), da alta finança, da igreja e, em geral, de
todos os organismos relativamente independentes das flutuações da opinião pública? O
processo é diferente em cada país, embora o conteúdo seja o mesmo. E o conteúdo é a
crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe dirigente
fracassou em algum grande empreendimento político para o qual pediu ou impôs pela
força o consenso das grandes massas (como a guerra), ou porque amplas massas
(sobretudo de camponeses e de pequenos burgueses intelectuais) passaram subitamente
da passividade política para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em
seu conjunto desorganizado, constitui uma revolução. Fala-se de “crise de autoridade”:
e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise do Estado em seu conjunto.”
[31] “Pode-se dizer que os partidos tem a tarefa de elaborar dirigentes qualificados: eles
são a função de massa que seleciona, desenvolve, multiplica os dirigentes necessários
para que um grupo social definido (que é uma quantidade fixa, na medida em que se
pode estabelecer quantos são os componentes de cada grupo social) se articule e se
transforme, de um confuso caos, em exército político organicamente preparado.”
[35] “O escritor italiano de assuntos militares, General De Cristoforis em seu livro Che
cosa sia la guerra, diz que, por “destruição do exército inimigo” (objetivo estratégico),
não se entende “a morte dos soldados, mas a dissolução de seus laços como massa
orgânica”. A fórmula é feliz e também pode ser empregada na terminologia política.
Trata-se de identificar qual é, na vida política, o laço orgânico essencial, que não pode
consistir apenas nas relações jurídicas (liberdade de associação e reunião, etc., com o
cortejo dos partidos e de sindicatos, etc.), mas se enraíza nas mais profundas relações
econômicas, isto é, na função social no mundo da produção (formas de propriedade e de
direção, etc.).
[39] “Para comandar, não basta o simples bom senso; este, se existe, é fruto de um
profundo conhecimento e de longo exercício. A capacidade de comando é
especialmente importante na infantaria; se, nas outras armas, formam-se especialistas
em tarefas particulares, na infantaria formam-se especialistas em comando, isto é, na
tarefa de conjunto: portanto, é necessário que todos os oficiais destinados a graus
elevados tenham exercido comando na infantaria (isto é, antes de serem capazes de
organizar as “coisas”, devem ser capazes de organizar e dirigir os homens). Finalmente,
considera a necessidade da formação de um estado maior amplo, eficaz, popular entre as
tropas.”