Escravidão e Liberdade
no Brasil Meridional
CADERNO DE RESUMOS
2,26
(',725$
2005
1
Comissão Organizadora: Beatriz Galotti Mamigonian (UFSC), Henrique Espada Lima
(UFSC), Lúcia Helena Silva (UEL), José Augusto Leandro (UEPG) e Regina Célia
Lima Xavier (UFRGS)
Comissão Executora: Ana Carla Bastos (UFSC), Cristiane Bahy (UFRGS), Edson José
Neves Júnior (UFRGS), Fabiana Souza Bumbel (UFRGS), Gabrielle Werenicz Alves
(UFRGS), Maria Aparecida Anacleto Clemência (UFSC), Mariana Selister Gomes
(UFRGS) e Ricardo De Lorenzo (UFRGS)
2
Sumário
Apresentação .................................................................................... 5
Local das atividades .......................................................................... 7
Conferências ..................................................................................... 8
Programa das sessões de comunicações ......................................... 9
Resumo das comunicações .............................................................. 18
Índice dos autores ............................................................................. 79
3
4
Apresentação
5
dendo a demandas da LDB. Tivemos, por fim, o privilégio de contar com
a presença dos professores Robert Slenes (UNICAMP) e Ilka Boaventu-
ra Leite (UFSC) que ministraram palestras de grande excelência acadê-
mica.
A repercussão deste I Encontro foi muito positiva e nos motivou a
transformá-lo em um Encontro periódico. Nós, da comissão organizado-
ra, queremos aproveitar para agradecer, em primeiro lugar, a oportuni-
dade oferecida pela Prefeitura, pela Secretaria de Educação e Cultura
de Castro pelo patrocínio e incentivo para a organização daquele I En-
contro em 2003. Nosso agradecimento especial a Roni Cardoso Filho e
aos funcionários da Secretaria de Educação, principalmente aqueles da
Casa de Cultura. Agradecemos, por fim, a Jó Klanovicz da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Desta vez, reunimo-nos em Porto Alegre para a edição do II En-
contro. Ele foi possível graças ao patrocínio da CAPES, da FAPERGS e
da UFRGS que, neste ano de 2005, sedia nossos trabalhos. Um agrade-
cimento especial ao apoio prestado pela direção do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas e pelo departamento e pós-graduação em História
desta universidade. Agradecemos também o apoio da Universidade Fe-
deral de Santa Catarina, da Universidade Estadual de Londrina e de
Ponta Grossa. Recebemos ainda um apoio muito especial do núcleo da
Anpuh do Rio Grande do Sul. Apoiaram-nos também os núcleos de San-
ta Catarina e do Paraná. Não podemos deixar de mencionar, ainda, o
empenho da comissão executora a quem somos muito gratos.
Por fim, queremos agradecer a todos aqueles que se inscreveram
neste evento. Que ele seja o momento de muitos encontros. Desejamos
a todos uma boa estadia em Porto Alegre e uma ótima participação no II
Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional.
Comissão Organizadora
6
Local das atividades
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Campus do Vale
Av. Bento Gonçalves 9 500
Livraria Universitária
Prédio comercial 43 606
Fone: 3316 6557
Entrega de material
26 e 27 de outubro de 2005
08:00 as 10:00 hs
Prédio 43 322
7
Conferências
Auditório do ILEA
Conferência de Abertura
Quarta-feira, 26/10/2005
10h-12h
Arquitetura e paisagem das plantations escravistas das Américas,
século XIX
Prof. Rafael de Bivar Marquese, USP
8
Programação das Sessões de Comunicações
Sala do Pantheon Sessão 1 Helen Osório, UFRGS
26/10/2005 quarta-feira Campeiros e domadores: escravos da pecuária
14h-15h45 sulista, séc. XVIII
9
Sala de Multimeios Sessão 3 Júlio César Cóssio Rodriguez, UFRGS
27/10/2005 quinta-feira Por uma História da África Pré-Colonial:
8h-9h45 algumas considerações
Gabrielle Werenicz Alves, UFRGS
A participação escrava na Revolução
Farroupilha: análise historiográfica
Maximiliano Mazewski Monteiro de Almeida,
PUC RS
Escravos e Afro-descendentes na Historiografia
oficial do castilhismo
Mariana Selister Gomes, UFRGS
As representações em torno dos negros e o
Primeiro Congresso de História Nacional do IHGB:
uma análise do trabalho apresentado por
Affonso Cláudio
10
Sala do Pantheon Sessão 5 José Bento Rosa da Silva, UNIVALI
27/10/2005 quinta-feira Em águas do Atlântico Sul: escravos-marinheros
10h 12h00 no cais do porto de Itajaí no século XIX
11
Sala do Pantheon Sessão 7 Roger Elias, UFRGS
27/10/2005 quinta-feira Famílias escravas em Porto Alegre (1810-1835).
14h-15h45 Uma História de suas Formações
Edson José Neves Júnior, UFRGS
Reprodução natural e famílias escravas em
Porto Alegre 1840 1865.
Denize Aparecida da Silva, UFPR
Arranjos e laços familiares na comunidade
escrava da Freguesia de Nossa Senhora da
Graça de São Francisco do Sul/SC (1845/1888)
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Sala de multimeios Sessão 10 Maria Angélica Zubaran, ULBRA
27/10/2005 quinta-feira Os escravos e a lei de 7 de novembro de 1831
16h-18h00 no Rio Grande do Sul (1865-1888)
Ricardo Tadeu Caíres Silva, UFPR
Memórias da travessia: aspectos do tráfico
internacional de escravos para o Brasil nas falas
dos cativos que disputavam suas liberdades na
Justiça. Bahia (1884-1888)
13
Sala de multimeios Sessão 12 Carina Santos de Almeida e Shana Rech, UNISC
28/10/2005 sexta-feira A pimenta malagueta no Brasil colonial:
8h-9h45 interação entre africanos e indígenas
14
Sala do Pantheon Sessão 14 Juliana Aparecida Lemos Lacet, UFBA
28/10/2005 sexta-feira Nações africanas nas irmandades negras
10h-12h00 mineiras do século XVIII
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Sala do Pantheon Sessão 16 Adelmir Fiabani, UNISINOS
28/10/2005 sexta-feira Quilombo: africanos, índios e seus
14h-15h45 descendentes lutaram pela liberdade
16
Sala de multimeios Sessão 18 Aristeu E. Machão Lopes, UFRGS
28/10/2005 sexta-feira Representações da Escravidão e da Abolição nas
16h-18h00 caricaturas da imprensa ilustrada e humorística
pelotense do século XIX
17
Resumos das comunicações
Sessão 1:
18
décadas. Esse fato pode ter se devido a razões diversas. De um lado, a
influência de uma tradição historiográfica que acreditava que essas regi-
ões, pouco capitalizadas, não teriam condições de prover um incremen-
to contínuo de cativos. De outro, esse pouco interesse pelo estudo da
escravidão na pecuária pode ter se devido à verificação de uma presen-
ça relativamente baixa de população cativa nas regiões de criação de
gado, se tomadas em relação a muitas das regiões agrícolas brasileiras.
Por fim, a pecuária também foi vista, tradicionalmente, como palco por
excelência de diversas formas de trabalho livre, tanto no período colonial
como no século XIX. Contudo, novas pesquisas têm demonstrado a pre-
sença constante de cativos nas unidades produtivas de predominância
pecuária e, mais do que isso, sua importância central para o funciona-
mento dessas unidades. Esta comunicação busca unir-se a esses esfor-
ços, analisando a presença dos cativos na Campanha Rio-grandense,
localizada na fronteira com as repúblicas platinas, principal zona de cria-
ção de gado da província do Rio Grande do Sul. Aqui, investigamos al-
gumas das características demográficas da população cativa da região,
além de aspectos relacionados às atividades desempenhadas por aque-
les trabalhadores. Nesse último quesito, malgrado a conhecida visão
que desacredita a importância do emprego de cativos na pecuária, o
envolvimento direto no costeio do gado foi a principal atividade desen-
volvida por aqueles trabalhadores. Nessas e em outras atividades, os
escravos eram empregados, em geral, em associação com o trabalho
livre nas maiores estâncias, e com o trabalho familiar nas unidades pro-
dutivas de menor vulto. As principais fontes empregadas aqui são os
inventários post mortem e um censo agrário realizado em 1858.
19
presença perturbou as diplomacias do Império e da Confederação. Con-
tribuir para uma melhor compreensão desta questão é o objetivo deste
texto.
Em relação aos soldados que formaram as fileiras da República
Rio-Grandense, pode-se constatar que, ao contrário dos peões campei-
ros, para os quais seguir os patrões-comandantes era quase uma conti-
nuidade das atividades cotidianas, os escravos alforriados pagavam com
o serviço militar a liberdade do cativeiro. Outra diferença dizia respeito
ao lugar ocupado no exército rebelde: os peões livres eram destinados à
cavalaria, a arma por excelência das guerras platinas; aos escravos
salvo aqueles que já detinham o estatuto de campeiros destinava-se
o serviço na infantaria, onde os riscos eram mais acentuados.
Já no que diz respeito às relações externas dos farroupilhas, a
presença de libertos no exército farroupilha imbricou-se com as ques-
tões platinas em pelo menos três situações: a transferência de escravos
para o Estado Oriental como uma estratégia de preservação da proprie-
dade, quando a República solicitava aos seus cidadãos a cessão de
cativos para suas hostes; o Tratado de San Fructuoso, que disponibili-
zou libertos para as tropas de Rivera, que preparava sua investida contra
Rosas invadindo a província litoraleña de Entre Ríos; a pacificação e rein-
tegração da província rebelde ao Império, com as temíveis conseqüências
de uma eventual manutenção da liberdade dos cativos que haviam lutado
pela causa republicana.
20
nizados pelo IHGB no Rio Grande do Sul? São questões como estas
que meu trabalho pretende debater.
Sessão 2:
21
nos mostrar que no caso das sociedades chamadas de Antigo Regime,
os laços de solidariedade e de submissão desempenham um papel deci-
sivo no posicionamento dos indivíduos na sociedade.
Trata-se, nesse caso, muito mais de grupos relacionados do que
de indivíduos propriamente ditos. Levando isso às últimas conseqüênci-
as, podemos começar a entender por que a rebelião e o aquilombamen-
to não foram as únicas posturas tomadas pelos escravos. Mais ainda, se
torna factível, afastado o juízo de valor, os inúmeros casos de cativos
que, saindo da sua desafortunada condição jurídica, tornaram-se tam-
bém senhores de escravos ou mesmo se ligaram ao tráfico.
Com vistas a reconstruir o espaço desta hegemonia, examinamos
a instituição escravista sob a perspectiva identitária, desde a África até
sua chegada à América. Objetivou-se, ainda, demonstrar que a escravi-
dão estava imbricada em um sistema hierárquico que açambarcava a
sociedade colonial como um todo, não sendo dela uma apêndice, mas
sendo apenas uma das faces de uma hierarquização fundamental. É,
pois, necessário considerar que os indivíduos alcançados pelo infortúnio
do cativeiro e seguidamente do tráfico transatlântico atravessaram
todo um escopo de situações relacionais até chegarem à América e en-
tão se tornarem, em seus descendentes, crioulos.
Por fim, examina-se duas escravarias de grande porte em regiões
distintas e com trajetórias semelhantes: Real Fazenda de Santa Cruz
(1791) e San Miguel de Tucumán (1768). Nestas fazendas pretende-se
observar, via padrões demográficos, similitudes e diferenças na consti-
tuição social de ambas. Trata-se de duas propriedades marcadas pelo
trato religioso jesuíta e que na segunda metade do século XVIII apresen-
tavam traços de crescimento endógeno.
22
Nesta obra, foram lançados novos olhares por meio de um instrumental
estatístico e econômico sofisticado sobre a história dos Estados Unidos
a respeito de duas questões espinhosas: a Guerra de Secessão e a
Abolição da Escravidão. Os resultados que encontraram foram perturba-
dores, isto é, verificou-se que os cativos daquele país não se encontra-
vam na situação materialmente miserável que a historiografia normal-
mente lhe atribuiu; que a escravidão era economicamente eficiente e
racional; que havia uma grande variabilidade do uso dos cativos; que a
economia do Sul dos EUA não era tão ineficiente e pobre quanto se
imaginava; etc. O impacto de tais conclusões e argumentos no momento
da publicação do livro foi enorme, pois vivia-se um dos mais explícitos
conflitos raciais da história norte-americana e ambos os autores foram
acusados, dentre outras coisas, de racismo.
No Brasil, a influência de tal obra, assim como do programa de
pesquisa desenvolvido por Robert Fogel, dentre outros acadêmicos, foi
mínimo, para não dizer nulo. Desta forma, ainda que o debate historio-
gráfico tenha sofrido transformações desde os anos 70, saindo de cena
a história econômica e ganhando maior espaço outras linhas de pesqui-
sa e abordagens, as contribuições da cliometria tal como desenvolvida
nos EUA foram poucas.
Em um congresso como este, cremos que pode ser do interesse
da comunidade acadêmica conhecer alguns dos resultados da historio-
grafia norte-americana a partir da cliometria, assim como conhecer al-
guns dos resultados já alcançados pelo uso de métodos estatísticos e
econômicos para a compreensão da História do Brasil e, em particular,
para a História do Rio Grande do Sul.
Sessão 3:
24
Gabrielle Werenicz Alves, UFRGS
A participação escrava na Revolução Farroupilha: análise historio-
gráfica
O trabalho visa fazer uma análise do que foi escrito sobre a parti-
cipação dos escravos negros na Revolução Farroupilha. A partir de um
levantamento historiográfico, pretendo mostrar como os intelectuais de
diversos períodos do século XX interpretaram questões como: qual foi o
papel do negro na guerra, como estes foram recrutados, por que alguns
lutaram ao lado dos farrapos e outros se renderam ao Império, quais as
negociações feitas com os escravos e qual o fim destes ao término da
guerra.
25
como um dos fatores determinantes do grau de civilização da sociedade.
Quando são comparadas essas práticas historiográficas mencionadas
com documentos e relatos da Revolução Farroupilha (1835-45), faz-se
evidente que a participação do escravo era imprescindível para a sus-
tentar o esforço de guerra.
26
sileiro) das Teorias Racistas Européias do século XIX, as quais o autor
faz referência. Compreender-se-á, também, o lugar do autor, para anali-
sar sua obra. Partir-se-á do questionado e interpretação do Brasil do
Primeiro Congresso de História Nacional (com as discussões do Código
Civil, com a construção de uma História Pátria a partir do branquea-
mento da sociedade brasileira, possível pela imigração), a fim de com-
preender quais os motivos, objetivos e conseqüências das representa-
ções construídas pelo trabalho em questão.
Sessão 4:
27
cimento do individuo conquanto cidadão que se vê na história, portanto
em artefatos que o remetem a se perceber enquanto agente histórico.
28
Marcos Rafael da Silva, UNIVEST/ FACVEST
A formação patrimonial e a conquista da cidadania pelos afrodes-
cendentes
A abolição da escravidão no Brasil e a proclamação da república
mudaram drasticamente os rumos pelos quais o país vinha norteando
seus caminhos. Precisou-se criar um novo imaginário sobre Brasil, so-
bre o brasileiro, e sobre nação afim de se dar conta da nova conjuntura
política, social e econômica que então se instaurava. E é em meio a
essas tantas mudanças e necessidades, que o Centro Cívico Cruz e
Souza, objeto desta pesquisa, foi criado. A entidade nasce em 1918, em
Lages (SC). A convite do então prefeito Caetano Vieira da Costa, um
grupo de afro-brasileiros inicia um movimento pelo qual objetiva-se orga-
nizar a comunidade negra lageana em uma associação. Tendo iniciado
seu funcionamento em sala cedida por uma associação de músicos, logo
se constrói o prédio-sede da entidade, revertendo em prática o imaginá-
rio daqueles que a idealizaram. Se é importante perceber quais foram os
possíveis interesses das elites lageanas, representantes do poder esta-
tal, na criação de uma associação destina aos afro-brasileiros recém
incorporados à esta nação, não é menos importante verificar de que
maneira, a construção do prédio, a organização da documentação, a
criação de uma biblioteca etc., ou seja, a formação de um patrimônio,não
só material, mas sobretudo cultural, serviu como instrumento de visibili-
dade e agente de legitimação do Centro, ao mesmo tempo em que pro-
porcionou a ligação direta entre o imaginário cheio de ideais de pertenci-
mento e cidadania que embalou os sonhos dos seus idealizadores e a
sua efetivação prática.
29
do século XIX, procuro fazer uma análise de sua fortuna e do conjunto
de seus bens materiais. Esta pesquisa em torno da fortuna e cultura
material através da análise do inventário possibilitará também perceber
alguns mecanismos existentes nessa Freguesia. Um deles é o funciona-
mento do mercado de abastecimento local e a contribuição da produção
agrícola da Freguesia para as exportações de Santa Catarina. Nesse
intuito, poderemos verificar o emprego da mão de obra escrava princi-
palmente na área rural. Sendo assim, pretendemos desmistificar a idéia
que na ilha só havia o trabalho doméstico e que o mercado de alimentos
era essencialmente voltado para o abastecimento local.
Sessão 5:
30
dos marinheiros, em brigas à beira do cais, por razões diversas, inclusi-
ve disputando o prazer das mulheres da beira do cais.
Seguindo as sugestões metodológicas de Ginzburg, os proces-
sos serão analisados à luz do paradigma indiciário, visando conhecer os
meandros do cotidiano destes marinheiros negros.
31
Henrique Espada Lima (UFSC)
As várias faces da precariedade: para uma história comparativa da
escravidão e da liberdade no século XIX
A universalidade do tema trabalho sugere fortemente uma abor-
dagem comparativa em vários planos. Tomando as sociedades escravis-
tas das Américas, a escravidão e o trabalho escravo foram, não por aca-
so, objeto de importantes estudos desse gênero. De fato, abordagens
comparativas estão na origem de alguns dos principais debates sobre a
escravidão nas Américas, seja tratando das diferenças de caráter eco-
nômico ou religioso, ou as diversas tradições jurídicas no que diz respei-
to à escravidão (com o conseqüente acesso desigual a alforrias e manu-
missões, etc). A partir daí há todo um campo de estudos que vai desde
as formas distintas de escravidão até o tema das relações raciais e do
lugar dos ex-escravos e seus descendentes nas sociedades pós-aboli-
ção.
Se tomarmos o século XIX, o último século da escravidão nas
Américas, a oposição entre trabalho escravo e trabalho livre articula
um campo de estudos comparativos definido e importante. Recentemente,
o estudo das sociedades no pós-emancipação vem ganhando ainda mais
relevo, na medida em que articulam questões centrais como: relações
raciais, cidadania e direitos políticos, etc. O tema da experiência do tra-
balho sob o regime da escravidão e da liberdade parece ter, entretanto,
um espaço menor. Não por acaso, há ainda uma lacuna a ser preenchi-
da no que diz respeito aos diálogos entre a historiografia da escravidão
e a historiografia sobre o trabalho no século XIX. O tema desta apresen-
tação é precisamente abordar esse hiato, explorando-o sob dois pontos
de vista complementares: O primeiro, historiográfico, tentando mapear
as questões que aproximam e separam os dois campos de estudo. O
segundo, fundamentado na pesquisa, tenta discutir um terreno comum
para uma discussão comparada, tomando a vivência da precariedade
como o solo comum que permite abordar a diversidade de experiências
que escravidão e liberdade comportavam neste período.
32
Adhemar Lourenço da Silva, UFPel
Escravidão, liberdade e cor nas sociedades de socorros mútuos
(Rio Grande do Sul, 1856-1914)
As sociedades de socorros mútuos são associações formadas
voluntariamente com o objetivo de prover auxílio financeiro a seus mem-
bros em caso de necessidade (Linden) e se disseminaram no Rio Gran-
de do Sul desde pelo menos 1854. A comunicação pretende exibir as
interfaces dessas associações com os demais conteúdos em epígrafe.
Argumento que, por padrão, os escravos estão tendencialmente excluí-
dos de se associarem por duas razões: por não terem uma expectativa
de descenso social contra o qual precisariam se securitizar; e por não
operarem no mercado. Para o Rio Grande do Sul, especificamente, não
foi encontrado nenhum caso em que escravos estivessem mutualiza-
dos. Contudo, esse não era um tema de pouca importância para esse
tipo de associação, porque, uma vez libertados, as duas razões que os
excluiriam evanescem. Com efeito, várias associações no Rio Grande
do Sul refletem sobre a capacidade dos ex-escravos gerirem associa-
ções, comprometem-se com emancipações, participam ou sofrem os
efeitos da campanha abolicionista, e se interrogam sobre os efeitos da
cor da pele na dignidade pretendida daqueles que se associavam.
Não se deve pensar que as sociedades de socorros mútuos se-
jam apenas mais um tipo de associação afetada pela escravidão, por-
que a sobra de caixa do Centro Abolicionista em Porto Alegre foi distribu-
ída, em maio de 1888, à Santa Casa de Misericórdia, Hospício São Pe-
dro, Asilo de Mendicidade e outras 5 mutuais. Os marcos inicial e final da
comunicação referem-se à primeira entidade fundada na qual se reco-
nhece a participação de negros (a Sociedade de Beneficência Porto-
Alegrense) e a dois casos envolvendo divergências sobre a participação
de negros em mutuais (Bürgerklub e Vittorio Emanuele, em Porto Ale-
gre).
33
Sessão 6:
34
relações entre senhores e escravos, as condições de vida e trabalho,
assim como doenças que mais os acometiam e o o nível de opressão e
de violência dessas relações. Também leituras sócio-culturais pela re-
produção de práticas culturais de seus senhores como o batismo e in-
corporação de nomes cristãos.
36
sua representatividade no universo dos insanos? Qual a trajetória des-
ses negros cativos, livres e libertos, anteriormente e já dentro dos meca-
nismos de exclusão que se acionavam como resposta às suas manifes-
tações mentais? A perspectiva de análise das formas de controle / trata-
mento que sofriam sugere indagações sobre como os negros reagiam
ou se articulavam em estratégias que lhes permitissem amenizar ou su-
perar esse enquadramento. Há sempre uma nova estratégia ou se re-
produz ou potencializa uma prática costumeira criada ou herdada? Pode-
se compreender o comportamento considerado anormal dentro de uma
lógica própria que se explica pela experiência sócio-cultural dos negros,
extrapolando o diagnóstico circunstancial da autoridade, seja pública ou
médica, ou mesmo em contraposição a outros grupos sociais que tam-
bém sofriam o apartamento social por alguma manifestação de insani-
dade? O que dá especificidade aos negros nesse processo? Há varia-
ção de seu comportamento ao longo do tempo?
Além disso, um contraponto complementar aos ditos insanos pa-
rece-me pertinente, pois se verificamos um modelo de controle social
baseado na prevenção ou resposta ao comportamento considerado anô-
malo passível de afastamento da relação social cotidiana a partir de
uma classificação, geral, de insanidade , interessa saber em que grau
esse controle prendia-se ao arbítrio da autoridade de plantão ou adota-
vam-se os preceitos médicos que no decorrer do século XIX passaram a
ser considerados científicos. Na análise de quem cabia recolher esses
indivíduos percebidos como fator de perturbação, qual sua visão própria
em relação ao problema específico dos cativos e dos libertos e como ela
se altera ao longo do período? O quanto isso influi na trajetória dos en-
quadrados?
37
negociações entre senhores e escravos no século XIX. Nas pesquisas
que têm sido realizadas sobre o cotidiano dos habitantes da província do
Rio Grande do Sul, as referências aos embates em torno das questões
de saúde são bastante comuns. Um olhar mais atento à documentação
levantada por diferentes historiadores, no entanto, tem revelado um uni-
verso de tensões que extrapola as perspectivas que até agora se debru-
çaram apenas sobre os conflitos e solidariedades estabelecidos entre os
curandeiros negros (escravos ou não) e suas clientelas. Nesse sentido,
uma análise da experiência da enfermidade tanto de escravos quanto de
senhores e das relações que a partir daí estes estabeleciam entre si
pode revelar um outro aspecto da experiência dos cativos. De fato, o
cuidado das moléstias era um ponto importante de negociação entre
senhores e escravos nesta sociedade. Processos-crimes, artigos de jor-
nais, cartas particulares, inventários e testamentos dão conta das com-
plexas interações sociais que se estabeleciam quando saúde era um
dos fatores em jogo. Dentro deste quadro, é também importante que se
perceba que a doença, por vezes, podia representar algo além do sofri-
mento. Numa sociedade desigual, hierarquizada e violenta como a do
Brasil do século XIX, adoecer ou simular uma doença poderia angariar
para seu portador/ simulador ganhos secundários que iam desde simpa-
tias por sua condição até o alcance de certas liberdades ou pelo menos
de zonas de respiro ou espaços para a negociação dentro do afã dos
afazeres diários.
Sessão 7:
38
são que está longe de ser encerrada. Desde as afirmações em prol do
que se chamou de democracia racial nos anos 1930, até as pesquisas
sobre as famílias escravas a partir da década de 1980, passando pela
idéia de reificação do escravo, defendida pela chamada Escola Paulis-
ta de Sociologia, a dianteira dos debates já oscilou entre extremos opos-
tos. Referindo-se mais diretamente à temática da formação das famílias
escravas (foco da presente pesquisa), trabalhos que tiveram por objeto
áreas do centro do país dedicadas às plantation de cana-de-açúcar e
café revelaram, com base numa extensa base documental, que para tais
áreas era recorrente a presença de famílias escravas nos plantéis. Tal
constatação ensejou questionamentos diversos, tendo destaque especi-
al o debate sobre o significado dessas famílias para escravos e senho-
res, ou seja, a existência dessas famílias enquanto estratégia de eman-
cipação dos escravos ou de dominação por parte dos senhores. A pre-
sente pesquisa em andamento tem por mote investigar a formação das
famílias escravas em Porto Alegre no período de 1810 a 1835. O marco
temporal pretende permitir a análise da condição das famílias escravas
num período dinâmico do município, desde quando este ascende à con-
dição de vila até o cerco farroupilha de 1835. Além disso, estão já pre-
sentes no período duas realidades distintas: além da grande zona rural,
um pequeno núcleo urbano, limitado à península correspondente à zona
central do município, configura um contexto com cenários diversos, de
forma a tornar possível, esperamos, conclusões sobre as peculiaridades
das famílias escravas nesses dois ambientes. Finalmente, pretende-se
chegar a resultados que possibilitem fazer comparações pertinentes com
os resultados de pesquisas levadas a cabo no sudeste do país.
39
da população escrava desta cidade conseguiu supriu devidamente a de-
manda exigida pelo mercado e manter o contingente populacional man-
cípio proporcionalmente idêntico nos períodos pré e pós-tráfico.
Tenho também por meta desvendar como essa reprodução se deu,
ou seja, quais arranjos familiares foram possíveis dentro da lógica do
cativeiro desta região e que tipo de laços de solidariedade esses cativos
criaram, através da reprodução de sua família.
No período recortado observa-se no Brasil o fim do tráfico, tornan-
do possível averiguar o seu impacto na população cativa porto-alegren-
se. Bem como, aborda um período anterior à Guerra do Paraguai, o que
implica em um período de relativa paz para a população, tornando as
análises demográficas que pretendo realizar mais confiáveis, pois ho-
mens, principalmente escravos, não foram convocados para a guerra.
As fontes com que trabalho são basicamente duas: registros pa-
roquiais de batismo, casamento e óbitos e inventários post-mortem.
40
1888. As características da escravidão na referida freguesia apontam
para plantéis relativamente pequenos e com escravos na sua maioria
crioulos.
Para a realização do trabalho foram lidos Registros de Batismo e
Processos de Inventários, foram analisadas as informações e também
foi feito cruzamento dos dados apresentados na respectiva documenta-
ção. Ao longo do tempo com o qual é trabalhado na pesquisa foi obser-
vada a trajetória de determinadas famílias. Outra preocupação foi co-
nhecer a organização de grandes famílias, (casais e mulheres que bati-
zaram cinco ou mais filhos), bem como as estratégias para continuidade
das famílias diante de situações de perigo como nos processos de in-
ventários.
Pede-se pensar que os arranjos de parentesco provavelmente am-
pliavam as redes de solidariedade e conseqüentemente minimizavam
os percalços da vida em cativeiro na freguesia estudada. Muito embora
constituir uma família e mantê-la ao que parece não foi uma tarefa fácil
para os cativos. Portanto os escravos precisavam construir mecanismos
para burlar os obstáculos que a condição no cativeiro lhes impunha. Daí
prefere-se acreditar que a organização da família escrava tinha um sen-
tido que envolvia interesses e desejos tanto dos escravos como dos se-
nhores.
Sessão 8:
41
propõe-se a iniciar a caracterização de tal comércio. Para tanto, procu-
rou-se definir as características principais de funcionamento do circuito
mercantil do tráfico de escravos sul-riograndense: tamanho dos envios,
número de traficantes que atuaram no período estudado, concentração
do tráfico de escravos (total de escravos transportados por cada trafi-
cante e em cada envio), a freqüência com que atuavam e o tempo de
permanência dos comerciantes na atividade. As fontes utilizadas foram
as guias de transporte de escravos, pertencentes ao Arquivo Histórico
do Rio Grande do Sul e os despachos de escravos, que se encontram
sob a guarda do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. A partir do trata-
mento quantitativo das informações contidas nas fontes verificou-se que,
embora participando apenas de sua etapa interna, o tráfico de escravos
do Rio Grande do Sul apresenta características semelhantes àquelas
observadas no tráfico atlântico de escravos: era um comércio composto
por um grande número de comerciantes não-especializados, traficantes
eventuais, sujeitos às flutuações conjunturais que determinavam a sua
permanência ou não em tal atividade comercial. Estes traficantes não-
especializados eram responsáveis pela comercialização de uma parcela
importante do total de escravos. Por outro lado, um pequeno número de
grandes comerciantes controlavam o mercado negreiro ao transporta-
rem a maioria dos escravos importados para a Capitania em questão.
42
vos, o funcionamento deste comércio e seus agentes. Desterro, porto de
escoamento da produção de uma região voltada para a economia de
abastecimento, viu um certo número de escravos exportados para áreas
cafeicultoras. O volume deste tráfico, a partir da pesquisa até agora em-
preendida, é relativamente pequeno. De toda forma a questão de como
se realizava este comércio ainda precisava ser esclarecida. E é aí que
encontramos a figura do senhor Victorino de Menezes.
Considerado por autores tradicionais de Santa Catarina (Walter F.
Piazza e Oswaldo Cabral) como o maior comerciante de escravos da
província, Victorino se torna um excelente ponto de referência para ana-
lisarmos a participação de Santa Catarina no tráfico interno. A própria
chegada de Victorino parece ter estado ligada a este comércio, desde
seu estabelecimento na cidade em 1868. O objetivo desta comunicação,
é analisar o funcionamento do tráfico em Desterro através da vida de
Victorino, da construção de seus laços e relações comerciais como ne-
gociante de escravos em Desterro e a forma como se davam seus negó-
cios, circunstâncias que podem estar associadas a sua morte.
43
principalmente se comparado ao período total de tráfico atlântico para o
Brasil.
Sendo assim, esta comunicação tem por objetivo analisar o perío-
do da ilegalidade do comércio de escravos para o Brasil através do Atlân-
tico, ressaltando uma característica em especial, que diz respeito ao re-
direcionamento dos embarques na costa Centro-Ocidental africana. Atra-
vés desta análise poderemos perceber a flexibilidade do tráfico ilegal,
em função da necessidade de estar sempre adotando novas estratégias
para contrabalançar a intervenção britânica e as leis que foram sendo
acordadas visando seu fim. O contrabando de africanos constituiu-se
enquanto um negócio lucrativo e capaz de mobilizar importantes interes-
ses, desenvolvendo uma lógica de funcionamento e organização.
44
trato no Caribe esteve associada à da repressão ao tráfico de escravos a
partir do fim da década de 1830 e atingiu Cuba, Brasil e Serra Leoa.
Sessão 9:
45
estabelecimento de laços de parentesco consangüíneo e fictício entre
os cativos. Após o reconhecimento da presença da família escrava no
passado brasileiro, atualmente, a questão que se tenta responder reme-
te ao maior entendimento das dificuldades e possibilidades de constitui-
ção e manutenção destas famílias.
A fim de ampliar o conhecimento sobre este tema, nosso estudo
focaliza a população escrava em um município no norte paulista (Fran-
ca) que se caracteriza por apresentar uma economia voltada para o abas-
tecimento interno em um momento de expansão da agricultura de expor-
tação na Província de São Paulo (século XIX). Procuramos destacar as
possibilidades para a reconstituição de famílias escravas a partir de duas
fontes documentais: a Lista Nominativa de Habitantes de 1835-1836 e
os registros paroquiais (de batismo e casamento relativos a escravos).
Ao realizarmos o cruzamento dos registros de batismo ocorridos próxi-
mo à data da Lista Nominativa de Habitantes (1835) encontramos o fogo
de Francisco Barboza Sandoval, que levou ao batismo Raimundo, Rei-
naldo, Roza filhos de um casal de escravos de sua posse. De acordo
com a Lista Nominativa, este senhor era proprietário de 12 escravos,
dentre eles Francisco e Eufrazia, pais dos três escravinhos. Esta família
escrava estava presente no fogo de Francisco Sandoval, mas não hou-
ve qualquer menção ao parentesco destes cativos por parte do recense-
ador. Esperamos apresentar um quadro mais claro sobre a família es-
crava em um contexto econômico ainda pouco analisado pela historio-
grafia.
46
de maioria crioulos. Provavelmente, Guarapuava não esteve na rota do
tráfico internacional de escravos, como também no pesado tráfico inter-
no. A sociabilidade dos escravos será tema desta pesquisa a partir dos
registros de batismos de cativos e de ingênuos, bem como do cruza-
mento dos dados com os inventários de alguns proprietários. Apesar de
uma população pequena é forte a presença da família escrava em Gua-
rapuava. Os arranjos e laços promovidos pelos escravos demonstram
que o compadrio serviu como estratégia para fortalecer as relações da
comunidade. O número de padrinhos livres foi predominante em Guara-
puava, e mais, com forte participação dos senhores e seus familiares
nessa rede de relações.
Sessão 10:
47
ra do Paraguai (1865-1870), na qual muitos escravos gaúchos participa-
ram como substitutos ou como voluntários, revelou a resposta rápida de
escravos e curadores riograndenses atentos às brechas da jurisprudên-
cia e às novas possibilidades de defesa da liberdade para escravos que
temporariamente residiram no Paraguai. Nosso objetivo é, por um lado,
enfatizar o aspecto político dessas iniciativas legais do(a)s escravos(as)
no processo de emancipação gradual no Rio Grande do Sul e, por outro
lado, destacar que o acesso dos escravos à justiça possibilitou-lhes o
desenvolvimento de novas táticas de luta que resultaram em uma cres-
cente capacidade de defesa de seus interesses e, particularmente, da
sua liberdade. Ao utilizarem-se da Lei de 1831 contra seus senhores, os
escravos desafiaram o direito de propriedade dos senhores e as rela-
ções de dominação escravista.
48
que e adaptação à nova realidade, etc. Com base nestes depoimentos
e na bibliografia pertinente ao tema, problematizo alguns aspectos e
estratégias pertinentes a esta importante engrenagem do sistema es-
cravista.
49
Sessão 11:
50
importante foi conjugar essa pesquisa à prática de campo desenvolvida
pela antropologia. A metodologia foi, portanto, pautada pela utilização tan-
to as narrativas da comunidade quanto o discurso dos documentos para a
compreensão das relações humanas invisíveis á história institucional.
51
sa. Minha intenção era perceber como os primeiros povoadores do Rio
Grande estabelecidos na região de Santo Antônio da Patrulha se relaci-
onavam com seus escravos. Este trabalho pretende analisar a comuni-
dade negra (cativa ou não) da região que abrangia a freguesia de Santo
Antônio da Patrulha, no período de 1773 a 1810, enfocando o estabele-
cimento de laços familiares e a constituição de redes de parentesco.
Trataremos com destaque as relações que afirmavam através do com-
padrio, acreditando ser esta uma das principais estratégias utilizadas
por estes agentes para se movimentar entre o universo cativo e livre e
sedimentar relações de solidariedade, principalmente étnicas. Utilizare-
mos como fonte primária os registros de batismos desta comunidade,
com base nos preceitos teórico-metodológicos da história social, que a
nosso ver permite o cruzamento de variáveis qualitativas e uma aborda-
gem do universo cultural dos agentes enfocados.
52
bam se desdobrando em fugas coletivas, aumentando a tensão da elite,
que se via assustada com a ousadia dos escravos, e na possível forma-
ção de quilombos. È portanto pela fuga individual que se inflamou os
ânimos dos demais escravos , que vendo um escravo bem sucedido em
sua fuga, se arriscavam também na evasão. Assim as fugas individuais,
acabam se desdobrando em fugas coletivas, aumentando a tensão da
elite , que se via assustada com a ousadia dos escravos, e na possível
formação de quilombos. São essas resistências individuais e coletivas
que contaminaram o regime escravista, lhe enfraquecendo as bases
de sua sustentação, daí a importância de pesquisarmos essas peque-
nas ações de resistência, que na maioria das vezes passam desaperce-
bidas pelo nosso olhar viciado em quilombos e grandes insurreições
escravas, não vendo nessa ação sistemática, embora individuais, como
uma autentica oposição ao escravismo.
Sessão 12:
53
Marilene Ribeiro Solano, UNIVEST/ FACVEST
Na primeira metade do século XX: as associações de afrodescen-
dentes e a busca pela cidadania
Em sua dissertação de mestrado intitulada Corpos Nefastos: O
Centro Cívico Cruz e Souza e a invenção da Nação, a historiadora Miri-
an Adriana Branco defende que na cidade de Lages, importante reduto
político de Santa Catarina no ínicio do século XX, a exemplo de outros
municípios brasileiros em meio às ações de efetivação modernizadora
mais condizentes com o novo momento político criado pela República,
surgiu uma associação cívica fundada por negros, com apoio da elite
municipal a que se chamou Centro Cívico Cruz e Souza. Com uma po-
pulação negra nada desprezível, tal associação tinha por objetivo o le-
vantamento e o aperfeiçoamento moral e social dessa população, assim
garantido sua inserção social. A pesquisa empreendida pela professora
Mirian A. Branco em sua dissertação contemplando um período que vai
desde 1918 (data de fundação da associação) até 1930 (momento de
alterações políticas importantes no cenário nacional), demonstra que a
perseguição da cidadania foi uma constante em todas as práticas dos
membros do Centro Cívico desde o seu primeiro momento. Foram mui-
tas as ações nas quais se pode perceber a vontade de participar das
ingerências municipais, das ações sociais etc, ou seja, são muitas as
ações que denotam por parte dos associados, além de uma grande ne-
cessidade e vontade de superação de pré-conceitos, também a de se
sentir cidadão lageano e brasileiro. Dessa forma, no âmbito dessa pes-
quisa, pretendo dar continuidade à este trabalho para bem verificar se
nas décadas posteriores, os mesmos ideais permaneceram, ou se foram
substituídos por outros. Levando em conta que o Centro Cívico agora
um velhinho de 87 anos ainda existe e permanece em funcionamento
mesmo que precário, creio ser muito importante desvelar questões refe-
rentes à sua trajetória e assim contribuir para com as discussões que se
referem à questão afro-descendente em Santa Catarina.
54
Maria Aparecida Anacleto Clemencia, UFSC
No Nosso Tempo Que era Bom? Tensão, Trabalho e Conflito na
Sociedade Recreativa 3 de Maio (1930-1950)
Aos 3 dias do mês de maio de 1932 é fundada a Sociedade /
recreativa 3 de maio. Um clube social localizado atualmente no municí-
pio de Capivari de Baixo, no Sul do Estado de Santa Catarina. Nesta
época o atual bairro Três de Maio, do município de Capivari Bairo era
uma pequena localidade do bairro Baixo Capivari, pertencente à cidade
de Tubarão. Era um bairro formado predominantemente por afro-des-
cendentes. Até 1941 a região era predominantemente agrícola. Com a
criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1945, há um
considerável aumento populacional, resultando o crescimento de uma
classe operária. Através de entrevistas, leituras de livros, de atas e esta-
tutos, utilizando as perspectivas da história social do trabalho, que dá
visibilidade a classes anteriormente excluídas da historiografia e respei-
tando o recorte de tempo delimitado pelas fontes, o objetivo desta pes-
quisa é verificar, através das experiências das pessoas que faziam parte
desta rede de sociabilidade, os conflitos sociais. Tendo estas, o clube
como espaço de socialização e território para o desenvolvimento destas
tensões.
55
questionários com a comunidade local remanescente, e coleta de infor-
mações através de histórias de vida via história oral, gravada e poste-
riormesnte transcrita. A análise da história e fatos desta decorridos no
local, permite-nos visitar a comunidade onde residem os Afros, possibili-
tando-nos ainda a pesquisa através da pesquisa bibliográfica refletir so-
bre a composição deste povo e seu percurso histórico. Durante o perío-
do de realização desta pesquisa, que encontra-se em fase inicial, desta-
cam-se alguns resultados preliminares, tais como: a integração entre
os Afros e pesquisadores; resgate histórico da fundação do local;
resgate de contos e causos locais; descrição de aspectos do padrão
de vida social, econômica, política, religiosa, cultural e artística do grupo
de descendentes de escravos desta comunidade. Neste sentido vale
ressaltar que as questões ligada a identidade tem se tornado um tema
de dimensões cada vez mais abrangentes, uma vez que Giruá se for-
mou através de um extenso processo migratório. Dentro desta perspec-
tiva, a identidade local mostra que desempenhou papel relevante na for-
mação da cidadania giruaense, mas que a muito tempo está esquecida
na memória de nosso povo. Pensa-se, no entanto que esta pesquisa e o
projeto local intitulado Os traços histórico-raciais e a comunidade Qui-
lombola do interior de Giruá-RS, darão novo sentido aos fatos que vem
sendo resgatados e articulará a história local e seu papel na história de
Giruá. Acredita-se também, que esta forma de trabalho provocará uma
renovação na concepção de história local e de formas de pesquisa histó-
rica na região, bem como possibilitará diagnose para processos especí-
ficos de desenvolvimento local à comunidade.
56
grupo da Serra do Apon, composto por cerca de 6 famílias, basicamente
de negros, com ascendentes em comum, vive em condições que nos
remetem a associar seus costumes com os de outras comunidades qui-
lombolas espalhadas pelo Brasil. Dessa forma, é possível conceituar
quilombo contemporâneo, como comunidades negras rurais habitadas
por descendentes de escravos que mantêm laços de parentesco e vi-
vem, em sua maioria, de culturas de subsistência. Essas pessoas pos-
suem mais do que laços de parentesco em comum. A grande maioria foi
ou é portador de hanseníase, sofrendo todas as conseqüências da falta
de tratamento ou do uso inadequado dos medicamentos, convivendo
com o alcoolismo. Essa é uma pesquisa farta de dados, com grande
responsabilidade histórico-cultural.
Sessão 13:
57
do. A partir da análise qualitativa das informações fornecidas pelos in-
ventários e testamentos, é possível verificar as ocupações dos libertos,
a composição de seu patrimônio e fortuna. Pretende-se também quanti-
ficar os dados obtidos, de modo a indicar formas tendenciais de inserção
econômica do conjunto da população liberta do Rio Grande de São Pe-
dro no período estudado. Na análise inicial das fontes, pôde-se perceber
que grande parte dos forros eram produtores rurais, sendo proprietários
ou tendo acesso a uma porção de terra. Entre estes, a maioria era com-
posta de lavradores e, entre os libertos urbanos, predominavam os que
exerciam algum tipo de ofício. Também constatou-se a presença de es-
cravos entre os bens dos forros, sejam esses rurais ou urbanos.
58
e Porto Alegre vivia em condições econômicas limítrofes entre a auto-
nomia desejada e a realidade econômica vivida, que os atrelava, muitas
vezes a outros indivíduos. A vida após a liberdade parece ter sido bas-
tante difícil para esses indivíduos, que encontravam na família não ape-
nas refúgio sentimental mas também proteção econômica e social.
Sessão 14:
59
milhões apenas para o Brasil. Mas se os números dimensionam a popu-
lação africana introduzida no cativeiro, nossa pesquisa vem discutindo
as formas de reorganização e diferenciação étnica desses diversos gru-
pos de escravos. Formas estas que tiveram como base os nomes-na-
ção, (Angola, Mina, Benguela, Nagô, entre outros), atribuídos aos es-
cravos pelo tráfico e por eles re-significados, principalmente os grupos
de escravos e escravas que foram para as irmandades. .
Surgidas na Europa medieval, as irmandades difundiram-se no
contexto da reforma tridentina. De feição predominantemente leiga, eram
associações que tinham como fim o culto a um santo de devoção e se
dedicavam a obras de caridade voltadas para seus próprios membros,
ou em alguns casos, para pessoas carentes não associadas. As irman-
dades obtiveram grande representatividade na sociedade colonial, prin-
cipalmente as chamadas irmandades de cor, erguidas por escravos e
escravas, forros e forras, visto que foram um dos únicos ou talvez o
único meio de associação legal permitido a eles. Em torno e no seio
dessas associações, cativos das mais diversas nações desenvolveriam
uma de suas formas de construção de identidade e solidariedade no
processo de reorganização social no Novo Mundo. Neste trabalho esta-
mos mapeando os grupos étnicos, ou as nações, dos irmãos e irmãs,
escravos e ex-escravos, presentes na Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos do Alto da Cruz, em Vila Rica, Minas Gerais, no sé-
culo XVIII, no intuito de perceber as formas de comunicação, conflito,
negociação cultural e, as alianças intra e interétnicas que se estabelece-
ram naquela confraria.
60
mãos pertencentes à confraria. Dentro destas associações, os leigos se
responsabilizavam pela sua devoção, mantendo a irmandade em torno
do santo devocional (orago), organizando para este uma vez por ano
uma grande festa em sua homenagem, onde mostravam toda a sua de-
voção em procissões. Estas festas eram importantes momentos de soci-
alização tanto para os membros da irmandade quanto para a população
próxima a confraria, pois os eventos eram públicos, onde se aproxima-
vam os irmãos da confraria daqueles que não participavam dela direta-
mente.
Ao virem para a Colônia as irmandades erigidas seguiram um
padrão comum herdado das confrarias portuguesas, principalmente das
Irmandades de Misericórdia de Lisboa, sendo moldados conforme a lo-
calidade e aqueles que a elas pertenciam. No Brasil, por exemplo, houve
a formação de inúmeras confrarias de escravos tendo como oragos mais
comuns Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. No Rio Grande do
Sul, entre outras confrarias foi erigida no ano de 1754 Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos pretos de Viamão.
O objetivo desta comunicação será de apresentar a confraria do
Rosário como espaço de sociabilização entre escravos, libertos e livres,
tanto homens quanto mulheres, já que a irmandade aparentemente não
fazia distinção ao receber seus irmãos apesar de ser uma irmandade de
escravos. O livro de Entrada dos Irmãos onde eram registrados os
novos integrantes da associação mostra a entrada de irmãos bastante
diferentes entre si dentro desta sociedade colonial.
Tratando-se de uma pesquisa de mestrado em andamento a par-
tir das fontes primárias da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
Livro de Despesas de Festas (1755 a 1767), Livro de Entrada de Irmãos
(1773 a 1816) e Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Ro-
sário (1756) se procurará fazer considerações acerca da convivência
entre escravos, libertos e livres dentro desta confraria.
61
Lígia Conceição Santana, UFBA
Territórios e itinerários negros em Salvador (moradia, trabalho e
divertimento, 1855-1887)
A tentativa de controle dos negros, escravos, livres ou libertos, na
rua, mesmo no fim da escravidão, compreende diversos aspectos e situ-
ações do cotidiano para organizar circulação, locais e momentos de não-
trabalho. A documentação policial disponível dá a tônica do zelo pelo
estabelecimento da ordem na cidade e dos fundamentos ideológicos que
justificavam sua implementação, ao mesmo tempo em que também apon-
ta para constantes descumprimentos destas tentativas de controle. Esta
pesquisa busca entender a constituição de territórios negros; para isso,
procura compreender práticas e valores culturais que se tornaram pró-
prios às populações negras e contrários às expectativas de controle de
diversas autoridades e grupos letrados. A intenção é delinear a localiza-
ção destes territórios negros, acompanhando enfrentamentos cotidianos,
significados sociais e construção de identidades entre os diversos sujei-
tos que ocupavam a cidade, negros ou não. Locais de moradia, trabalho
e divertimento podem refletir espaços comuns de troca e conflito impor-
tantes para o entendimento das estratégias de sobrevivência e das for-
mas como esta heterogênea população negra singularizou o espaço físi-
co e social da cidade.
62
fevereiro foi fixado como o dia da festa da santa das águas. Esse dia, na
liturgia católica, sempre foi muito especial, pois representava o Dia da
Purificação de Nossa Senhora ou de Apresentação do Senhor Jesus
Cristo.
Entre 1871, ano da festa inaugural, e 1881, quando aconteceu a
primeira procissão por terra do Arraial dos Navegantes (e da capelinha
de mesmo nome) para a igreja do Rosário, a imagem da santa dos ma-
rinheiros viveu na Capela do Menino Deus. Era de lá que, primeiramente
no dia 1º de fevereiro e, mais tarde, no domingo anterior à festa, a ima-
gem partia em procissão fluvial para uma igreja localizada no centro de
Porto Alegre. Ali ela deveria ser conhecida, admirada e venerada.
Da mesma forma que a igreja sede foi escolhida no Arraial do
Menino Deus por conta da numerosa colônia portuguesa que em 1871
ali habitava, a igreja de N. Sra. da Conceição foi a escolhida para rece-
ber a visita da imagem dos Navegantes. Tanto quanto hoje, na Av. Inde-
pendência, a igreja da Conceição avizinhava com a antiga Sociedade
Portuguesa de Beneficência, atual Beneficência Portuguesa. Os homens
que haviam encomendado a imagem eram todos portugueses e preten-
diam manter fortalecida sua devoção dentro da comunidade. Não se
sabe bem o porquê, mas o fato é que no ano seguinte a santa, em sua
visita ao centro, pousou na igreja do Rosário. A adoração e o respeito
dos negros já havia se manifestado em janeiro de 1871, quando os iates
Porto Alegre; Rio Grande e Promptidão aportaram na capital gaúcha
trazendo a primeira imagem dos Navegantes. Naquele dia, a Arquicon-
fraria do Rosário foi às ruas ostentando seu maior esplendor. A partir de
então, os negros fizeram apenas estreitar os laços com a protetora das
águas. É essa relação que pretendo explicitar com este trabalho.
63
Sessão 15:
64
carregador mor da água da cacimba da Santa Cruz, juntador de lenha
e varredor de pátios, sempre sem cobrar nada. Conquistando a simpatia
dos demais moradores, ficava em constante prontidão, esperando poder
prestar algum favor a quem precisasse. Além de suas obrigações regu-
lares, acompanhava a banda de música Harmonia Lageana, sendo res-
ponsável por carregar as partituras. O dia mais feliz de sua vida teria
sido quando, já em 1933, tirou uma fotografia com um instrumento da
banda no colo. Após sua morte, em uma última homenagem, o seu nome
foi dado a uma praça próxima à rua Rui Barbosa. Um cartaz contando
essa história, fixado atualmente na entrada do museu Thiago de Casto,
em Lages, reforça esta memória, que não é muito diferente da forma
pela qual as relações entre senhores, escravos e ex-escravos foram
abordadas pela historiografia catarinense. Muitos autores defendem que
houve um tratamento humano e benigno dispensado pelos proprietários
aos seus escravos, ao ponto que, mesmo com a possibilidade de con-
quista de alforria, o cativo, por não ter para onde ir, ainda teria preferido
continuar servindo ao seu senhor, mesmo sem remuneração.
Com o objetivo de rever esta interpretação, o presente artigo, ba-
seado na leitura dos Mapas de População, Escrituras de Liberdade e
Inventários Post-mortem, visa abordar as formas de acesso a alforria em
Lages, Santa Catarina, no período de 1840 a 1865, destacando os cami-
nhos e estratégias percorridos pelos escravos para alcançar a tão alme-
jada liberdade.
65
particulares para uso interno, se houvesse, cada província disporia de
um valor a ser distribuído, segundo a mesma proporção, entre seus
municípios e freguesias.
O fundo de emancipação tem sido pouco observado como objeto
de investigação historiográfica nos estudos sobre escravidão no Brasil,
em vista da pequena quantidade de escravos que libertou em compara-
ção ao total da população escrava, dos avultados recursos despendidos
para isso e das diversas fraudes a que sua aplicação foi sujeita. Ao ana-
lisar com cuidado os valores envolvidos, pretendemos observar as pos-
sibilidades que o fundo de emancipação abria para a liberdade de al-
guns escravos, e como a sua existência interferia na sociedade escra-
vista do final do século XIX.
Durante o período de sua atuação, o fundo libertou mais de 32 mil
escravos em todo o país, ao custo de mais de vinte e sete mil contos de
réis. O baixo percentual de libertados e, talvez principalmente, as críti-
cas ao fundo em meados da década de 1880, ajudaram a criar uma
interpretação historiográfica que considerou o fundo de emancipação
uma forma pouco importante de libertação de cativos. Parece-nos, con-
tudo, que essa avaliação sobre o fracasso em promover as libertações
decorre em grande medida do contraste entre as expectativas que foram
criadas em torno desse dispositivo e os resultados que ele pôde efetiva-
mente proporcionar. Ao avaliarem o fundo de emancipação dessa forma,
os estudos dessa linha argumentativa mais fazem expressar uma frus-
tração com os resultados obtidos, talvez comparando-os a um ideal ina-
tingível naquelas circunstâncias, do que buscar uma avaliação das ra-
zões pelas quais isso se deu ou, mesmo questionar se, em uma pers-
pectiva mais ampla, o fundo de emancipação não permitiria uma leitura
distinta.
Estudos mais atuais consideram que avaliar o fundo de emanci-
pação apenas a partir de sua eficiência seria encará-lo apenas como
uma concessão do Estado. Por outro lado, analisar o fundo sob o prisma
da diminuição do poder dos senhores sobre os cativos permitiria perce-
ber a atuação de outros grupos, escravos inclusive, na luta pela obten-
ção da liberdade.
66
Álvaro de Souza Gomes Neto (Faculdades Integradas Univest, La-
ges, SC)
Algumas considerações sobre o Fundo de Emancipação de Escra-
vos no Termo de Lages, 1871-1888
Este artigo provém de um amplo projeto, envolvendo também ou-
tros pesquisadores, sobre a escravidão no Termo de Lages, região ser-
rana de Santa Catarina, coordenado pelo autor e desenvolvido junto ao
Curso de História das Faculdades Integradas Univest, de Lages.
Pretende formular algumas considerações sobre o funcionamen-
to do Fundo de Emancipação de Escravos no Termo de Lages, a partir
de um olhar sobre a Lei do Ventre Livre. Criado em 1871, o Fundo pas-
sou a funcionar efetivamente em Lages somente em 1875, quando rece-
beu a primeira cota disponibilizada para a compra de escravos na região
serrana. O modo como agia o Fundo e sua conexão com o Governo
Provincial torna-se importante no entendimento do processo de liberta-
ção dos cativos entre 1871 (Lei do Ventre Livre) e 1888 (Abolição da
Escravatura).
Embora trabalhando com registros escassos, pudemos obter al-
gumas informações valiosas sobre os mecanismos de libertação de ca-
tivos em Lages, a partir da ação do fundo de emancipação. As conclu-
sões a que chegamos com a pesquisa nos levaram a perceber ratifica-
ções a respeito da manipulação de fundos públicos tanto no governo
provincial quanto no municipal, o que corrobora para a ineficácia dos
resultados obtidos por esses fundos de emancipação.
Somado a isso, foi-nos possível contribuir para os estudos que
alguns historiadores estão realizando sobre a escravidão na região ser-
rana catarinense, área muito pouco explorada pela pesquisa. As lacunas
que estão sendo fechadas a partir dessas investigações, ajudam a dimi-
nuir as dificuldades enfrentadas ao pensarmos a escravidão longe de
Desterro, capital da Província na época.
67
Sessão 16:
68
Eliege Moura Alves, UNISINOS
Uma Presença Invisível Escravos em Terras Alemãs
O objetivo desta comunicação será o de identificar e analisar a
presença escrava em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, no período de-
limitado entre os anos de 1850 a 1870.
A partir de 1850, com o término do tráfico internacional de escra-
vos observa-se que a movimentação de cativos entre as províncias do
Império ainda é bastante significativa inserindo-se o Sul do país neste
contexto, apesar da historiografia tradicionalmente afirmar o contrário.
Pesquisas sobre a escravidão em zonas de colonização alemã
estiveram sempre presos a certas problemáticas. A primeira dizia respei-
to a importância da mão-de-obra escrava e a sua posterior substituição
pelo trabalho livre dos imigrantes estrangeiros, a partir do século XIX,
especialmente nas áreas destinadas à cafeicultura. A segunda questão
refere-se à idéia tradicionalmente difundida pela historiografia sulina, de
que os imigrantes não possuíam escravos visto que eram portadores de
uma mentalidade moralizadora distinta da idéia de trabalho desmorali-
zada por uma mentalidade lusa colonialista e escravista. Muitos ideó-
logos da identidade étnica dos imigrantes no Sul do Brasil, argumenta-
vam que a própria legislação teria sido um obstáculo para a inserção de
escravos entre os alemães e seus descendentes.
Partindo de fontes primárias como Inventários post-mortem, car-
tas de alforria, assentos de batismo, casamento e óbitos, nesta comuni-
cação pretendo também mostrar a existência de laços familiares entre
os cativos, bem como as suas lutas pela liberdade através das cartas de
alforria e a significativa parcela de escravos que desde o período anteri-
or a chegada dos imigrantes, portanto ainda no século XVIII, contribuí-
ram para a construção da antiga colônia alemã de São Leopoldo.
Os resultados que ora serão apresentados nesta comunicação
fazem parte da dissertação desenvolvida junto ao Programa de Pós-
Graduação em História da UNISINOS, intitulada Presentes e Invisíveis:
Escravos em Terras de Alemães: São Leopoldo 1850 1870, sob a
orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira no ano de 2004.
69
Antônio César Sprícigo, Colégio Murialdo e Colégio Castro Alves
Araranguá, SC
Os caminhos da escravidão na Freguesia do Araranguá 1840/1888
É sabido que Santa Catarina vende uma imagem tipicamente eu-
ropéia para o resto do Brasil. O discurso produzido ao longo do século
XX, por historiadores amadores ou não, relegou a história da escravidão
em terras catarinenses a um segundo plano. Germanidade e italianida-
de soavam melhor para um certo tipo de discurso e historiografia, do que
termos como: escravidão, negros, etc. Na antiga Freguesia Nossa Se-
nhora Mãe dos Homens do Araranguá, criada em 1848, (território per-
tencente no passado a Laguna), o discurso produzido por descendentes
de imigrantes italianos, entre eles: Pe. João DallAlba, Pe. Paulo Hobold,
Pe. Raulino Reitz, criaram uma imagem de um território notadamente
branco. Atualmente o território da antiga Freguesia, constitui-se em duas
microrregiões: Amesc e Amrec, onde se destacam municípios como Cri-
ciúma, Nova Veneza, Araranguá e Turvo além de outros menores que
tem como característica marcante a presença de imigrantes italianos.
Entretanto, toda a área da Freguesia do Araranguá fora um ponto impor-
tante de passagem entre Laguna e Porto Alegre, aparecendo no século
XVIII como caminho para as tropas de gado vindas do Rio Grande do
Sul. Posteriormente, no século XIX, em função da movimentação de tro-
peiros e da expansão de açorianos e seus descendentes, a região foi
sendo gradativamente ocupada, tendo a população desenvolvido uma
economia ligada a produção de farinha de mandioca. As populações que
para cá se deslocaram não eram abastadas, porém possuíam escravos
para o auxílio nas mais diversas lidas. A análise de inventários post mor-
tem, alforrias, processos de arbitramento, casamentos e registros de
batismo de escravos, me permitiram discutir a presença escrava nas
terras da antiga Freguesia do Araranguá, contrapondo essa análise, a
de uma terra reconhecida como terra de italianos.
70
Sessão 17:
71
te da Província, ofícios e correspondência de Chefe de Policia e de Juí-
zes, censos, entre outras fontes. A análise já efetuada de grande parte
destas fontes trouxe à tona algumas tentativas de fuga peculiares. Algu-
mas destas tentativas envolveram a fuga para barcos de passagem pelo
litoral fossem eles sumacas nacionais, baleeiros, canoas, etc. como
estratégia para escapar do cativeiro. Este tipo de fuga, possibilitado, em
Desterro, pela localização no litoral e proximidade do Porto, pretendia
ser geralmente definitiva, pois os escravos partiam com os barcos. O
descontentamento das autoridades locais, devido à recorrência destes
acontecimentos, levou a inquéritos policiais de investigação e, em al-
guns casos, de captura dos capitães destes navios. Meu objetivo neste
artigo é seguir algumas pistas que dêem luz às articulações feitas entre
os próprios escravos, entre escravos e marinheiros ou com a comunida-
de local para viabilizar a fuga. Para isso, vou seguir os rastros de um
caso mal-sucedido, que acabou resultando em inquérito policial. O fato
ocorreu no ano de 1868, quando sete escravos foram capturados já den-
tro do Brigue Baleeiro Norte Americano denominado Hegkland Mary of
Sag Harbor, que estava ancorado defronte à ilha das Aranhas. A investi-
gação seguiu para se averiguar a culpa do Capitão do respectivo baleei-
ro, por permitir que escravos fugitivos fizessem parte de sua tripulação.
Para isso a polícia contou com o depoimento do português João Cardo-
so Jaques, marinheiro desertor do dito Brigue Americano. Este, além de
relatar o crime de aliciamento de escravos, ainda nos falou do excesso
de castigos sofridos pela tripulação do navio por ordem do Capitão, mo-
tivo que o teria feito desertar.
72
como eixo central o estudo de um caso individual e usando como fonte
primária um processo criminal pretendemos lançar luz sobre experiênci-
as semelhantes compartilhadas por outros indivíduos e exercitar a vali-
dade deste tipo de estudo na análise das experiências negras, buscan-
do um jogo dialético entre individual e coletivo. Buscamos ainda, seguir
pistas de casos individuais como forma de pensarmos a experiência ne-
gra pós-abolição, campo historiográfico bastante fértil, porém pouco co-
nhecido/explorado nos estudos derivados da escravidão.
73
compreensível a confusão de diferentes qualificativos utilizados (que,
por outro lado, já vinham sofrendo transformações desde meados do
século XIX Mattos, 1998). Além disso, de maneira alguma estava fora
da lógica daquela sociedade a utilização simultânea de mais de um nome.
Finalmente, atribui-se tais variantes à situacionalidade do emprego de
cada denominação no andamento processual. O sujeito da fala (repre-
sentantes do poder judiciário ou da polícia, testemunhas de estatuto so-
cial semelhante ou superior ao do referido, a auto-identificação da pes-
soa em questão) e o contexto de enunciação (antagonismo ou solidarie-
dade entre o depoente e o referido, a tentativa de caracterizar alguém
como suspeito, culpado ou inocente, ou de passar uma imagem melhor
ou pior) certamente dizem muito a respeito dessas variações.
Sessão 18:
74
Lucia Helena Oliveira Silva, UEL
Vivências negras no pós-abolição: libertos e afro-descendentes no
Paraná
Esta comunicação busca trabalhar as primeiras reflexões sobre a
vida de libertos, negros livres e afro-descendentes em geral no período
pós-abolição no estado do Paraná. Partindo da bibliografia que discute a
escravidão nessa província e os trabalhos que analisaram a escravidão
sob a ótica da história social e demográfica, tentamos compreender al-
guns aspectos da escravidão paranaense e os reflexos sobre a vida dos
emancipados que ali viviam. Nossa fonte primária para a pesquisa são
processos criminais que envolvem libertos e afro-descendentes em Cu-
ritiba e região no período de 1888 a 1920. Além de refletir sobre a cons-
tituição das vivências, tentamos compreender as formas de sociabilida-
de e conflito com os imigrantes e demais segmentos da população.
75
afrodescendentes na região utilizou-se de estratégias políticas e institucio-
nais de visibilidade e inclusão na nação, pautando-se por princípios de
cor e nacionalismo agregados aos seus significados de civilidade e civis-
mo. Neste trabalho, procuro pensar questões ligadas às estratégias de
identificação e diferença do afrodescendentes na cidade, através da insti-
tucionalização do Centro Cívico, bem como os possíveis sentidos de re-
sistência política, por um lado, e de cooptação dos ideais de civilidade e
civismo burgueses, por outro característicos do projeto republicano das
primeiras décadas do século vinte no Brasil. É importante ressaltar que
venho estudando os percursos do Centro Cívico desde os fatos precur-
sores de sua fundação até os dias atuais e a partir daí traço comparações
com outras formas de organização política e social pós-escravidão no Bra-
sil, sempre levando em consideração as especificidades e os contextos
sociais e políticos em que os mesmos estiveram pautados.
76
Estados de Minas Gerias, Bahia, Sergipe e Pernambuco, também existi-
ram núcleos dessa organização. No Rio Grande do Sul, dados apontam
1933 como o ano da vinda das idéias desse pensamento para o nosso
Estado. Pelotas, principal cidade charqueadora do século XIX, impulsiona-
da pela mão de obra escrava se constituiu, no Pós-Abolição, numa cidade
com grande número de população negra, possuindo ao longo de sua his-
tória diversas irmandades, associações e organizações que atuaram cons-
tantemente na causa dessas pessoas como meio de melhorar as suas
condições de vida. A Frente Negra Pelotense, baseada no pensamento da
Frente Negra Brasileira, em 1933, foi a principal ligação gaúcha do movi-
mento frentenegrino. Este trabalho tem como principal função mostrar,
através de dados e pesquisas, como a Frente Negra, através de sua orga-
nização e coesão, conseguiu atingir tamanho sucesso, entre a população
negra e respeito por parte da sociedade, inclusive tornando-se partido po-
lítico, integrando outras organizações do movimento negro, espalhadas
pelo Brasil incluindo um núcleo em Pelotas. O movimento frentenegrino
deve ser lembrado para que as novas demandas sociais exigidas pelo
movimento negro, coloquem a causa negra em primeiro plano frente à
fragmentação causada principalmente pela competitividade e individuali-
dade dos tempos atuais.
Mirian Adriana Branco, UNIVEST/ FACVEST
Em Santa Catarina, os afro-descendentes e o condicionamento da
cidadania
Enquanto que ao regime monárquico ligaram-se fortemente as
práticas escravocratas, o início de nossa experiência republicana é per-
meado pelos reflexos da abolição da escravatura, ato que além de lan-
çar no meio social, centenas de indivíduos sem moradia, sem recursos
ou perspectivas, ainda emoldurava todo um ideário que sugeria exclu-
são. As relações que se estabeleceram em meio a projetos de constru-
ção nacional, por conta do deslocamento do trabalho servil para o livre
fizeram com que teorias raciais fossem reelaboradas, nacionalismos fos-
sem adaptados, saberes importados, e principalmente os indivíduos cha-
mados a compor a nacionalidade brasileira fossem selecionados.
Dessa forma, fazer parte da nação no século XIX, não era um
77
privilégio de todos. Alguns como os negros africanos e seus descenden-
tes, não se conformavam a um modelo de cidadão em construção du-
rante a nossa primeira experiência republicana. Tempo em que pode-
mos perceber, em detrimento da integração social dos recém-libertos, o
esvaziamento da sua individualidade, e a inclusão destes num grupo
racial. Uma amostra dos muitos desdobramentos de um saber essenci-
almente biológico que assolava o Brasil, e que propagando a crença na
sua incapacidade física, social e moral, afetava diretamente a vida dos
muitos negros, outrora escravos ou não, que buscavam a sua inserção
nos diversos setores da sociedade brasileira.
Quando chega o século XX, a situação não é muito diferente, ain-
da com poucas possibilidades de ascensão social devido a fatores como
alto índice de analfabetismo, os afro-descendentes percebem que mos-
trar-se apto a cidadania, significava a transposição de discursos que pro-
fessavam sua não civilidade, através de ações que demonstrassem uma
outra versão, escrita nas suas muitas ingerências no meio social, nas
suas intervenções na vida pública, nos seus aprendizados na vida priva-
da, no seu comportamento, seu modo de falar, de andar, de movimentar
o próprio corpo. Era preciso branquear.
O surgimento de associações negras que espalharam-se pelo país
se deu neste contexto, tornando-se importante veículo de discussão e
participação no espaço urbano. Um território de construção, onde seus
membros esforçavam-se para serem reavaliados e re-significados. Na
escalada rumo à cidadania estas associações serviram para que seus
membros continuassem reivindicando benfeitorias para os municípios
no qual se estabelecem; comemorando datas cívicas; organizando bibli-
otecas; instruindo-se, e inserindo-se, através da permanente tentativa
de superação de discursos que colocavam as suas incapacidades ora
sob o peso racial, ora de cunho cultural.
Por isso, pretendo apresentar os resultados da análise dos proce-
dimentos e práticas implementadas pelos membros do Centro Cívico
Cruz e Souza, uma das primeiras associações cívicas fundadas por ne-
gros no Estado de Santa Catarina, afim de perceber os vestígios da luta
pela construção da sua cidadania empreendida por tais indivíduos, num
estado considerado majoritariamente branco.
78
Índice de autores
79
José Bento Rosa da Silva ......................................................................... 30
Jovani de Souza Scherer .......................................................................... 59
Juliana Aparecida Lemos Lacet ................................................................ 59
Júlio César Cóssio Rodriguez .................................................................. 23
Leonardo Monasterio ................................................................................ 22
Liane Susan Muller ................................................................................... 62
Lígia Conceição Santana .......................................................................... 62
Luana Teixeira........................................................................................... 50
Lucia Helena Oliveira Silva ....................................................................... 75
Luciane P. Corá Molin ............................................................................... 56
Luis Augusto Ebling Farinatti .................................................................... 18
Luiz Paulo F. Nogueról .............................................................................. 22
Maísa Faleiros da Cunha .......................................................................... 45
Marcia Naomi Kuniochi ............................................................................. 34
Márcio de Sousa Soares .......................................................................... 64
Marcos Rafael da Silva ............................................................................. 29
Marcos Smith Dias .................................................................................... 28
Maria Angélica Zubaran ............................................................................ 47
Maria Aparecida Anacleto Clemencia ....................................................... 55
Mariana Selister Gomes ........................................................................... 26
Marilene Ribeiro Solano ........................................................................... 54
Martha Daisson Hameister ....................................................................... 45
Martha Rebelatto ...................................................................................... 71
Maximiliano Mazewski Monteiro de Almeida ............................................ 25
Mirian Adriana Branco .............................................................................. 77
Nikelen Acosta Witter ................................................................................ 37
Nilsen Christiani Oliveira Borges .............................................................. 64
Rafael da Cunha Scheffer ........................................................................ 42
Regina Célia Lima Xavier ......................................................................... 20
Ricardo De Lorenzo .................................................................................. 36
Ricardo Tadeu Caíres Silva ...................................................................... 48
Rodrigo de Azevedo Weimer .................................................................... 73
Roger Elias ............................................................................................... 38
Sandra Beatriz Essenberg ........................................................................ 55
Savio Antônio Reginatto ........................................................................... 55
Shana Rech .............................................................................................. 53
Sherol dos Santos .................................................................................... 51
Tathianni Cristini da Silva .......................................................................... 27
Thiago Leitão de Araújo ............................................................................ 51
Vinicius Pereira de Oliveira....................................................................... 49
80