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ISABEL CRISTINA RODRIGUES.

A PALAVRA
SUBMERSA: SILÊNCIO E PRODUÇÃO DE SENTIDO
EM VERGÍLIO FERREIRA
Lisboa: INCM, 2016. 401 pp.

Isabel Cristina Mateus*


icmateus@ilch.uminho.pt

Originalmente escrito como dis- Ainda que sem o poder adivi-


sertação de doutoramento apresen- nhar à distância de dez anos, o tra-
tada à Universidade de Aveiro, em balho de Isabel Cristina Rodrigues
2006, o ensaio A Palavra Submersa. não deixa de igualmente prestar tri-
Silêncio e Produção de Sentido em buto à memória do ensaísta Eduardo
Vergílio Ferreira, de Isabel Cristina Prado Coelho, leitor e amigo de
Rodrigues, ficou pacientemente a Vergílio Ferreira. Desde logo pelo
aguardar publicação, o que só dez idêntico prazer e encantamento na
anos mais tarde viria a acontecer. leitura da obra do escritor beirão
Por feliz coincidência, no ano de (na sua vertente ficcional e não-fic-
comemoração do centenário do cional, mas também, nas palavras de
nascimento do escritor, consti- Maria Filomena Molder pelo per-
tuindo, pela sua invulgar qualidade manente “exercício de resistência ao
científica (e literária), uma justa e que se torna preponderante” (apud
prestigiante homenagem ao autor de Costa, 2012, p.33) que a obra ensa-
Manhã Submersa (Ferreira, 2011). ística e crítica de Eduardo Prado
Prova disso é o Grande Prémio de Coelho (EPC) representa, um exer-
Ensaio Eduardo Prado Coelho que cício de resistência ao dominante,
acaba de vencer. ao instituído, ao convencional ou ao

* Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos do Instituto de Letras e Ciências Humanas


da Universidade do Minho, Braga, Portugal.
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óbvio, perscrutando penumbras e De igual modo, sublinhando


sombras, dobras, gestos e silêncios, o papel central do silêncio como
conduzindo o leitor por caminhos produtor de sentido na escrita de
mais ou menos seguros até um ines- Vergílio Ferreira, Isabel Cristina
perado momento de fulgor ou estre- Rodrigues dá a escutar ao leitor os
mecimento em que qualquer coisa, múltiplos sons que lhe dão voz ou
mesmo a mais ínfima, altera, de o tornam audível, o interior indizí-
repente, para sempre a escala do seu vel e íntimo para lá da biqueira rota
olhar, a nossa forma de ler o mundo. do mundo, o pé oculto ou a palavra
Precisamente numa crónica de A submersa no interior do silêncio
Escala do Olhar (Coelho, 2003), título para lá da ensurdecedora vozearia
‘roubado’ a um verso de Fiama, EPC dos dias de hoje. Devolver o leitor
destacou o papel central da fotografia ao coração do silêncio, fazê-lo escu-
na escrita de Vergílio Ferreira, tor- tar os seus modos de linguagem, as
nando ainda mais inesquecível aquela suas possibilidades comunicativas
fotografia da avó que o escritor nos e literárias nestes tempos velozes
dá a ver no terceiro volume de Conta em que tanto se fala e tão pouco se
Corrente: a avó sentada nos degraus diz, é também no ensaio de Isabel
da cozinha da casa a fazer renda, as Cristina Rodrigues uma forma de
saias até aos pés e um chinelo visí- resistência ao ruidoso “falatar” em
vel com a biqueira rota. Chamando que se transformou o mundo atual,
a atenção para o eloquente silêncio para utilizar aqui uma expressão
deste pormenor, EPC dá-nos a ver do próprio Vergílio Ferreira. Uma
o invisível do pé, o interior, a intimi- forma de recuo perante aquilo a
dade para lá da biqueira rota, o real que Maria Gabriela Llansol, amiga
que a fotografia faz recuar e só a pala- e leitora atenta do escritor, chamou
vra ou o silêncio podem resgatar: a “impostura da língua” (Llansol,
1990, p.113). Devolver o leitor ao
A biqueira rota abre em nós um coração do silêncio, é neste sentido,
movimento de inclinação, empurra- uma forma de mudar a escala do seu
-nos para o arrebatamento da olhar.
ternura: porque diz o tempo que
Num registo ensaístico em que
rompe as biqueiras dos chinelos,
o pensamento e a emoção se tor-
porque exibe a fragilidade dos seres,
as zonas puídas das imagens de nam cúmplices e discorrem livres,
autoridade, o involuntário da pose ensaiando-se em cada página e em
(...) [o] irrompe[r de] uma verdade cada capítulo de uma escrita sagaz,
incontível: a biqueira rota, a dureza profundamente original e de uma
da vida, o desamparo em que tu és. sensibilidade rara naquilo que é
(Coelho, 2003, p.30). a aridez inumana da linguagem
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académica, A Palavra Submersa Mobilizando e dialogando igual-


constitui-se como um marco funda- mente com toda uma vasta biblio-
mental e incontornável nos estudos grafia crítica existente no domínio
vergilianos, uma espécie de roteiro dos estudos vergilianos, sem des-
do silêncio que simultaneamente viar o foco da sua atenção de um
guia, estimula e desafia o leitor, corpus de textos que cobre cerca
iniciado ou não neste universo. de três décadas de criação literária
Trata-se de um ensaio que convoca de Vergílio Ferreira, desde Cântico
um olhar multidisciplinar, plural, Final (1960) a Na Tua Face (1990)
que vai da linguística do texto aos e incorporando todo o imenso cau-
estudos literários, da antropolo- dal da produção ensaística e diarís-
gia à psicolinguística, da estética à tica deste autor. O resultado é um
filosofia da linguagem e da religião, ensaio que não se limita a ser “mais
procurando levar a cabo uma abor- um ensaio” no domínio dos estudos
dagem comunicativa do silêncio ao vergilianos, mas é antes, pelo enfo-
mesmo tempo que pretende mapear que escolhido, um ensaio original e
e acompanhar os diversos momen- iluminador, um ensaio que suscita
tos de configuração de uma poética interrogações, estabelece pontes e
do silêncio na escrita de Vergílio abre portas para novas leituras. O
Ferreira. Ao longo de seis capítulos que não é de estranhar num ensaio
modelares, a ensaísta revela uma que vem confirmar a solidez de um
leitura sagaz e rigorosamente fun- percurso de vida dedicado ao estudo
damentada, que vai cruzando e dis- da obra de Vergílio Ferreira, desde
cutindo referências teóricas, críticas A Poética do Romance em Vergílio
e literárias distintas que vão dos Ferreira (Colibri 2000) e A Vocação
seminais The retreat from the word, do Lume (Angelus Novus 2009) até
de George Steiner (1961) e The A Palavra Submersa.
Power of Silence de Adam Jaworski Um dos aspetos mais fecundos
(1993), a Eni Puccinelli Orlandi em e originais do trabalho consiste na
As Formas do Silêncio (2007), pas- abordagem comunicativa, funcio-
sando, entre outros, por Manuel nal, do silêncio, entendido aqui na
Frias Martins e a sua leitura de sua dupla aceção latina de silere
Herberto Helder (1983), O Silêncio (verbo intransitivo; estado onde
dos Poetas de Alberto Pimenta, apenas se manifesta a ausência de
António Lobo Antunes, Eugénio ruído) e tacere (sugerindo uma
de Andrade e António Ramos Rosa ação específica ligada à capacidade
(2003), cujos versos são erigidos humana da linguagem). Distinção
em epígrafe de cada um dos capí- que, no caso de um escritor como
tulos que constituem este ensaio. Vergílio Ferreira, tanto pode
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envolver uma semântica do silêncio É quase impossível não evocar,


como uma retórica do silêncio: a ao ler este ensaio, as palavras de
primeira abarcando a obra ficcional Ângela Pralini, personagem criada
e não-ficcional, e abrindo para uma por Clarice Lispector para dialogar
dimensão metafórica do silêncio em consigo enquanto autora e que, a
diversas expressões artísticas como páginas tantas de Um Sopro de Vida
a pintura, a fotografia, a música e a (2012), afirma saber como se cria
dança; a segunda, circunscrita à obra o silêncio: “Eu sei criar silêncio. É
ficcional e à questão da enuncia- assim: ligo o rádio bem alto – então,
ção, permitindo-me destacar aqui de súbito, desligo. E assim capto o
o fulgor que atingem neste ensaio silêncio. [...] Pára tudo: criei o silên-
os capítulos dedicados à “Retórica cio. No silêncio é que mais se ouvem
da Intimidade” e à “Metáfora e os ruídos” (Lispector, 2012, p.48).
Silêncio. A possibilidade do real”. Ler A Palavra Submersa é como
Em qualquer dos casos, e ainda que desligar de repente o rádio e sinto-
por vias distintas, estamos perante nizar a frequência da intimidade
uma inquirição permanente da rela- do mundo. Esse lugar de silêncio,
ção tensa e intensa da palavra com o de apuramento dos sentidos, onde
real que passa pelo dito, pelo não- se escuta o rumor do universo e se
-dito, pelo entre-dito ou subenten- assiste ao nascimento da palavra
dido, quando não pelo interdito, em possível que nos há de devolver a voz
suma, pela profunda densidade do do humano neste tempo ruidoso de
silêncio. máquinas. Uma razão certamente
para a descoberta deste livro.
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Referências

COSTA, Tiago Bartolomeu (2012). EPC, aquele que escrevia para nós e nós não sabíamos.
Público, 15 de nov. de 2012, 32-33.
COELHO, Eduardo Prado (2003). A escala do olhar. Lisboa: Texto Editora.
FERREIRA, Vergílio (1960). Cântico final. Lisboa: Bertrand Editora.
_____ (1990). Na tua face. Lisboa: Quetzal Editores.
_____ (2011). Manhã submersa. Lisboa: Quetzal Editores.
LISPECTOR, Clarice (2012). Um sopro de vida. Lisboa: Relógio D’Água.
LLANSOL, Maria Gabriela (1990). Um beijo dado mais tarde. Lisboa: Rolim.
MARTINS, Manuel Frias (1983). Herberto Helder, Um silêncio de bronze. Lisboa: Livros
Horizonte.
STEINER, George (1961). The retreat from the word. The Kenyon Review, 23(2), 187-216.
JAWORSKI, Adam (1993). The power of silence. Social and pragmatic perspectives. Newbury
Park, California: SAGE Publications (Language and Language Behaviors, vol. 1).
ORLANDI, Eni Puccinelli (2007). As formas do silêncio - No movimento dos sentidos.
Campinas, S.R.: Unicamp.
PIMENTA, Alberto, ANTUNES, António Lobo, DE ANDRADE, Eugénio & ROSA, António
Ramos (2003). O silêncio dos poetas. Lisboa: Cotovia.
RODRIGUES, Isabel Cristina (2000). A poética do romance em Vergílio Ferreira. Lisboa:
Colibri.
_____ (2000). A vocação do lume. Coimbra: Angelus Novus.
_____ (2006). A palavra submersa: silêncio e produção de sentido em Vergílio Ferreira
(diss. dout.). Aveiro: Universidade de Aveiro.

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