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O Espetáculo da História de Tucano

CENA 1 – Uma aldeia Kiriri no pé de uma serra cheia de grutas


Escuro. Entra o Narrador com uma tocha de fogo.
NARRADOR – A história com “h”, nobres senhoras e senhores, é uma coisa curiosa, obscura e
escorregadia, mas ainda assim quanto mais a pessoa é entendida nas esclarencências de um
acontecido, mais jura de pé junto que o que está nas páginas amareladas dos livros é fato verídico
e incontestável, mas eu lhes pergunto nesta noite de festa: quem foi que viu aquilo tudo para
provar que foi assim mesmo? Quem? Quem? É por isto que, como humilde narrador que vos fala
esta noite, vou confessar logo de cara que ao contrário de tudo quanto é livro de história que tem
aí pelo mundo, eu vi tudinho. O que não vi, ouvi e relato de cor e salteado, e quem estiver
duvidando que faça prova do contrário com nomes, números e fidedignos testemunhos.
Convenhamos que, a memória de qualquer um com mais de cento e oitenta anos de idade começa
a fraquejar ou enfeitar um pouco as coisas, mas, creiam, é tudo para que os fatos sejam mais
bonitos e vistosos, e a noite de vossas senhorias uma noite memorável. Mas deixemos os
entretantos e vamos logo aos finalmentes. Senhoras e senhores, segurem seus corações pois
começa agora, o inusitado, desaventuroso e tragicômico espetáculo da História de Tucano!
O Narrador acende uma fogueira e se afasta quando oito índios entram cantando e dançando.
NARRADOR – Foi numa madrugada do ano de 1713, no pé da serra do Buraco do Vento... O
povo que morava por aqui ainda se entocava naquelas grotas da descida do tabuleiro. Era uma
tribo de índios kiriris que sofria com uma seca de mais de três meses e já se preparava para migrar
em busca de novas terras. Foi então que o pajé avistou, do alto da serra, uma grande nuvem negra
que vinha do lado do Araci. Sabendo que os ventos fortes daqueles buracos onde moravam
espalhava chuva que nem polícia espalha ladrão, chamou tudo quanto era índio para dançar uma
bela de uma dança da chuva.
Raios e trovões.
NARRADOR – Anoiteceu, amanheceu e nem uma gotícula d`água caiu de lá do céu. A nuvem,
vendo as treitas do pajé, tinha arredado lá em cima, empacou feito mula, nem cagava, nem
desocupava a moita. Mas se a bicha era pirracenta, os índios eram pirracentos e meio e bateram
os pés foi sete dias sem parar em modalidade de revezamento dancístico, só para furar os calos.
A nuvem, já sem aguentar, chovia em tudo quanto era canto e só não chovia no pobre do boqueirão
dos índios. Ficaram nessa brincadeira bem um seis meses e foi água... Foi água que alagou tudo
o quanto era terra aqui.
Soa um canto gregoriano. Entram quatro Jesuítas, com túnicas, pelo meio do povo. Os índios se
assustam, gritam e entram correndo nas tocas.
NARRADOR – Só que a história não acaba aí! Vejam só que reviravolta de lascar o cano. Vinha
bem um meio cento de padre, uns da chamada Companhia de Jesus, tudo ensopado porque tiveram
que nadar do Tracupá até o contorno de Pombal com a enchente que tava o rio. A correnteza levou
quarenta e seis que foram parar no Conde. Os quatro eclesiásticos urubus molhados que sobraram,
foram bater nas tocas dos índios.
Quando os Jesuítas chegam ao terreiro da aldeia, já não há nenhum índio. Cessa o canto
gregoriano. Um dos Jesuítas se adianta ao grupo.
JESUÍTA 1 – Bula 36 do ano de 1713 de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ut Populus Novum! Por
graça e ordem emanada do trono de São Pedro, Sua Santidade o papa Clemente XI ordena os
nativos a submissão de suas almas à Companhia de Jesus!
Silêncio. Um dos Jesuítas do grupo tenta puxar o Jesuíta 1 de volta, mas ele se esquiva.
JESUÍTA 1 – Bula 36...
Uma flecha vinda do alto das árvores, do topo da serra, atinge em cheio o Jesuíta 1, que cai no
chão, gritando de dor.
Nas árvores, luzes se acendem e vemos índios que gritam e jogam flechas inclusive em direção
ao público. Os Jesuítas se alvoroçam, tentam carregar o companheiro para longe. O Narrador
tenta proteger o público.
NARRADOR – Dos quatro missionários, um morreu, dois fugiram e foram fazer uma cidadezinha
véa que tem aqui do lado, e um ficou.
O Jesuíta 2 se aproxima das tocas com uma imagem de Sant’ana em mãos e rezando em latim.
NARRADOR – Ficou e conseguiu chegar na beira das tocas mostrando uma imagem de uma
santa que os índios olhavam e ficavam abestalhados, só olhando. Na certa pensavam que se tratava
só uma bonequinha com roupa demais e feita de leite de tão alva que era.
O Jesuíta 2 se aproxima, temeroso.
NARRADOR – Ninguém saiu...
Uma indiazinha sai da toca e rouba-lhe a santa. Ele se assusta.
NARRADOR – ... Até que uma indiazinha malina que estava achando tudo muito engraçado
correu e pegou a santa da mão do padre e fez de boneca para brincar.
A indiazinha começa a brincar com a santa. O missionário percebe e começa a aproximar-se
lentamente. Os dois terminam brincando juntos. Começa a chover.
NARRADOR – Já era o dia de Sant’ana e a nuvem achou tão bonita a cena que desatou a chorar
e foi chuva na aldeia, chuva em toca, chuva em tudo. Dizem que de tanto que choveu o chão não
aguentou, a água caiu pra dentro da terra e lá ficou esquentando até a hora que alguém acertasse
abrir um buraco fundo o bastante para ela voltar à superfície. Nascia ali uma cidade com água
dentro. Nascia a Imperial Vila de Sant’ana dos Tocanos.
Apagam-se as luzes.

CENA 2 – A primeira capela de madeira da cidade


O Narrador acende uma lanterna.
NARRADOR – Pensaram que era só isso? Ah, não viram nada. Olhem ali pro outro lado!
Acendem-se as luzes (outro ponto do espaço). O Padre e o Depositário contam dinheiro na porta
da capela.
NARRADOR – Era um fim de tarde do dia 5 de abril de 1791. Estando eu na praça da matriz,
que na época era uma igrejinha velha de madeira, vi a hora que o nosso ilustríssimo frei Apolônio
de Todi, morto de cansado, coitado, depois de dez anos labutando para construir o Monte Santo,
chegou a estas paragens. Era um padre da Ordem dos Capuchos, itaiano, baixinho, que passando
por aqui em 1785 e vendo o estado calamitoso, caquético e decrépito de nossa capela, nomeou
um padre e um depositário para recolher dinheiro e construir assim uma igreja de respeito e digna
de povo tão nobre e devotado como nós. Porém, contudo, todavía as coisas não se deram conforme
o planejado...
PADRE – Um para mim, um para você. Dois para mim, um para você. Três para mim, um para
você...
DEPOSITÁRIO – Seu montinho tá é grande, né, padre?
PADRE – Meu filho, você sabe que a minha parte é completa e meramente simbólica... Quem
está recebendo é Nosso Senhor! Você quer dar pouco a Nosso Senhor, meu filho?
DEPOSITÁRIO – Quero não, padre! Longe de mim, padre!
PADRE – Pois então, cinco para mim, um para você...
Frei Apolônio entra pelo lado esquerdo do cenário e para ao ver a capela.
FREI APOLÔNIO – Ma que porca miseria!
PADRE (Ao Depositário) – Segura, peste.
O Padre joga todo o dinheiro na mão do Depositário e se volta a Frei Apolônio.
PADRE – Apolônio! A que devo a honra da visita?
FREI APOLÔNIO – Como é que em dez anos eu construo 402 degraus, 14 capelas e uma igreja
em cima de um monte e vocês nem a porta desta trocam, seu Padre?
PADRE – É... Cada um no seu tempo, não é verdade, meu caro? E o dinheiro é pouco... Uns fiéis
de alma pequena, você bem sabe, não é?
Som de vento. O Narrador invade a cena com um abanador. Se aproxima o Depositário
apressado.
DEPOSITÁRIO – Chega Padre, ajude a catar aqui que está voando tudo!
FREI APOLÔNIO (ao Padre) – E que tanto dinheiro é esse, Padre?
PADRE (ao Depositário) – E que tanto dinheiro é esse, meu filho?
DEPOSITÁRIO – Oxen, lembra não, Padre? Essa parte era a minha, essa aqui era a sua que o
senhor ainda ia mandar lá pra Nosso Senhor lá em cima...
PADRE – Milagre!
FREI APOLÔNIO – Milagre?
PADRE – Milagre! Esse menino é um santo!
DEPOSITÁRIO – Santo?
PADRE – Vamos providenciar agora mesmo construir uma catedral e já entrar com o processo
de canonização desse menino!
FREI APOLÔNIO (à parte) – Ma quando a esmola é demais o santo desconfia... (ao Depositário)
Meu filho, onde é que você trabalha?
DEPOSITÁRIO – De domingo a quarta eu sou sacristão, seu Frei, mas de quinta a sábado trabalho
nas fazendas do seu Padre aqui. Eu até gosto, mas é um trabalho dos diabos, com todo respeito,
viu? Porque pense, é boi, bode, cabrito, galinha, pato, ganso, marreco, um dia encontrei até uma
preguiça gigante!
FREI APOLÔNIO - Ficcati un dito in culo! Cada um no seu tempo, não é, vigário? Dinheiro
pouco! Fiéis de alma pequena!
PADRE – Acalme-se, frei! Olhe.. veja bem...
FREI APOLÔNIO – Eu vejo, vejo muito bem! Estou vendo que enquanto a igreja cai aos pedaços
o senhor enche é a burra de dinheiro! Mas como tem coragem de roubar de Deus?! De tirar
dinheiro deste povo pobre em nome d`Ele?! Pode levar o seu dinheiro que eu mesmo vou tocar
esta obra em diante. E que a providência divina dê conta de vocês dois! Vendilhões do templo!
Fariseus! Judas!
Frei Apolônio entra na capela e fecha a porta. O Padre olha para o Depositário.
DEPOSITÁRIO – Que homem das fala difícil, né, seu Padre?
O Padre dá uma coronhada do Depositário.
PADRE – Cale a boca e ajude aqui a catar esse din... Ai...
O Padre agachado, não consegue erguer-se com uma dor no peito.
PADRE – Termine de catar aqui, chegue, que eu vou me sentar aqui um pedaço... Ai...
O Depositário, com medo, olha para o Padre mais do que cata o dinheiro.
PADRE – Cidade dos infernos, só serve pra me trazer prejuízo, aqui praga pega até em homem
temente a Deus! Eta...!
O Padre se escora, já sem forças.
PADRE – Padre morrendo em frente de igreja é azar viu! Se eu morrer também esse fim de mundo
só cresce que nem rabo de mula. Pra baixo! Pra baixo!
O Padre cai no chão. O Depositário se aproxima.
PADRE – Seu Padre? Seu Padre?
O Depositário cata o dinheiro do Padre com pressa. Aproxima-se uma procissão vinda do lado
esquerdo do cenário.
NARRADOR – Pois dito e feito. Depois de descobrir a tramoia farrística que o Padre estava
fazendo com o dinheiro do povo, foi o Frei Apolônio mesmo que teve que arregaçar as mangas e
construir a igreja. A justiça divina levou o padre na hora e uns dizem até que o Depositário foi
junto, mas eu pra mim que Sant’Ana poupou o pobre coitado. Sei que demorou, mas a igreja que
o Frei fez ainda no final dos anos 1700 está em pé até hoje para quem quiser ver, e foi na frente
desse edifício imponente, de pedra e cal, que Antônio Conselheiro quase cem anos depois parou
para descansar e se deparou com um homem que mudaria tanto a história dele como a nossa.
As luzes do cenário se atenuam. A procissão passa, guiada pelo Conselheiro, cantando
“Ladainha de Canudos”.
O Depositário some no meio da mutidão. O público acompanha a procissão pelo lado esquerdo
do cenário até a praça da matriz nova.
Apagam-se as luzes por completo.
CENA 3 – A praça da matriz de pedra e cal
Acendem-se as luzes.
Conselheiro sobe no coreto da praça e a ladainha cessa.
BEATA 1 – Salve o bom Jesus Conselheiro!
A população grita “Salve!”
CONSELHEIRO – Eu vi...
Silencio.
CONSELHEIRO – Meus filhos, se cheguem para escutar o que eu vi e tenho para dizer... Ouçam
com atenção. É chegado o tempo dos quatro fogos! Há de chover faísca sobre o ronco do canhão
por doze luas seguidas. Ficarão as águas vermelhas e se apagarão as luzes. Lavarão a terra tanto
o sangue do impuro quanto o sangue do justo. Haverá choro e ranger de dentes, mas nos valerá a
providência divina e o fio dos nossos facões. O primeiro, o segundo e o terceiro fogo nós já
vencemos, eu vi, o quarto é que está nas mãos do Bom Jesus. Mas neste ofício nos há de valer um
missionário que ando buscando... E parece que está aqui agora...
A cena se congela por um instante e o Narrador aparece em cima da torre da igreja.
NARRADOR – O ano em questão era o de 1892 e o sertão se preparava para a maior guerra de
sua história. Diziam os boatos que o líder religioso Antônio Conselheiro chegava ao arraial dos
Tocanos em busca de um braço direito para sua frente de armas contra as tropas do governo. Eu
que não era besta me escondi aqui na torre da igreja, mas foi daqui mesmo que vi tudinho...
Silêncio.
CONSELHEIRO – Quem é João?
Um burburinho começa entre o povo.
CONSELHEIRO – João de Dona Mariá.
Se abre uma clareira no meio do povo. Silêncio.
CONSELHEIRO – Caminhe.
João caminha lentamente até o Conselheiro.
CONSELHEIRO – A partir de agora serás Abade, João Abade...
João se ajoelha.
CONSELHEIRO – Com a chave de São Pedro, serás fechado onde não te possam ver, nem ferir,
nem matar, nem o sangue de teu corpo possam tirar!
Um coro de quatro beatas se aproxima cantando.
CORO – Com as armas de São Jorge, João será armado
Com a espada de Abraão, João será coberto,
Com o leite de Maria, ele será borrifado,
E na arca de Noé, será arrecadado.
O povo se inquieta. Começa um burburinho. O Narrador invade a cena, que se congela
novamente.
NARRADOR – João Batista Santana de Andrade, primo meu em quarto grau pelo lado de minha
mãe, saiu daqui aos vinte e nove anos para se tornar braço direito do Conselheiro, chefe da guarda
católica da cidade de Canudos. Morreu no terceiro fogo quando derrubaram a igreja nova por
cima da cabeça dele. Dizem que subiu para o céu na hora no braço de um arcanjo.
O Narrador sai e a cena recobra vida. O burburinho aumenta. Conselheiro tenta acalmar o povo
e não consegue.
CONSELHEIRO – Calem-se!
Silêncio. Conselheiro cheira o ar.
CONSELHEIRO – Vocês sentem?
O povo olha sem entender. Conselheiro começa a bater com o cajado no chão.
CONSELHEIRO – Há algo de podre no oco desta terra...
Conselheiro começa a sair, a procissão o segue.
CONSELHEIRO – Um bicho enterrado de cabeça para baixo que o chão não consegue comer...
Conselheiro caminha para a saída.
CONSELHEIRO – Mas do mesmo jeito que a terra não come, ninguém quer desenterrar...
Conselheiro se detêm antes da saída. Pega suas sandálias e bate umas nas outras, sacodindo a
poeira.
CONSELHEIRO – Enquanto não desenterrarem, esta cidade não passará disto aqui.
A procissão sai pela porta principal. O coro para, guardando as portas, e canta.
CORO – Essa cova em que estás
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
O Coro canta até que passa toda a procissão. Logo, fecha as portas e tranca-as com corrente e
cadeado.
NARRADOR – Guardem estas palavras misteriosas e mal-agourentas do grande Conselheiro,
senhoras e senhores. Este é o centro do grande mistério que permeia a história que lhes conto e
que, bom dramaturgo que sou, só se resolverá no final. Mas se esta visita célebre e sombria não
resultou em sangue derramado no chão de nossa Imperial Vila, não foi bem assim quando, nos
idos de 1930...
Sons de tiros. Gritos vindos detrás da matriz.
NARRADOR – Sai do meio que lá vem bala!
O Narrador foge.
CANGACEIRO 1 – Morre, macaco!
Passa correndo um grupo de 5 cangaceiros. Chegando no meio da praça, os cangaceiros param,
cantam e dançam um trecho de “Beradero” em maculelê.
CANGACEIROS – Iê iê iê, iê iê iê
Iê iê Iê, iê iê iê
Tenente Geminiano aparece na porta do cenário 4.
TENENTE GEMINIANO – Vem pegar seu dinheiro não, é, peste?
Os cangaceiros preparam um corredor e seguem tocando e dançando. Lampião entra em cena,
vindo do banheiro do Nezinho, andando calmamente no corredor de cangaceiros.
LAMPIÃO – Você acha que Virgulino Ferreira da Silva recebe dinheiro de preto?
Os cangaceiros continuam gritam, e avançam em direção ao cenário 4 ao sinal de Lampião.

CENA 4 – Uma estrada de terra no meio do mato à noite com uma lua no fundo.
Enquanto o público entra, os dois bandos se enfrentam em pares.
CANGACEIROS - Catolé do Rocha, praça de guerra
Catolé do Rocha, onde o homem bode berra
Catolé do Rocha, praça de guerra
Catonle do Rocha, onde o homem bode berra
Bari bari bari, tem uma bala no meu corpo
Bari bari bari, e não é bala de côco
Bari bari bari, tem uma bala no meu corpo
Bari bari bari, e não é bala de côco
Tenente Geminiano e Lampião lutam no meio do círculo formado pelos duelos de policiais e
cangaceiros.
CANGACEIROS - Se entrega Corisco!
Eu não me entrego não
Eu não sou passarinho Pra viver lá na prisão
Se entrega Corisco eu não me entrego não
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte de parabelo na mão
Se entrega Corisco (se entrega Corisco)
Eu não me entrego não! Eu não me entrego não
Eu não me entrego não
CANGACEIROS – É Lampa, é Lampa, é Lampa
É Lampião
Meu candeeiro encantado
Meu candeeiro encantado...
O Narrador, temeroso, puxa uma fita vermelha de um dos policiais e vai enlaçando o grupo em
uma ciranda. A roda vai se estreitando. Logo, o Narrador se esconde e os policiais caem. Os
cangaceiros se afastam, ainda cantando e dançando e restam Lampião e Geminiano unidos por
um lenço vermelho que agarram com os dentes. Seguem lutando até que Geminiano solta o leço
e cai.
Silêncio. Apagam-se as luzes. Começa o episódio XVI do Bora, projetado na lua no cenário.
***
Acendem-se as luzes. Ouve-se um desfile passar pela praça da matriz, caminhando do Banheiro
do Nezinho até o cenário 5. Tocam uma versão do hino da cidade em marchinha.
NARRADOR (ofegante) – Nem só de tiro e sangue vive o homem, não é mesmo? É carnaval,
meu povo!
O Narrador guia o público em direção ao cenário 5, seguindo o desfile que passa pela praça da
matriz.
NARRADOR – Tucano, Tucano, o teu nome é tradição
Como é bonita e grande a tua história
Foi linda a tua emancipação
Saem.

CENA 5 – Uma praça da Tucano dos anos 50 cheia de feijão no chão.


Entram todos seguindo o desfile, que leva um estandarte do Clube Cultural 5 de Agosto e faz uma
volta na praça.
NARRADOR – Após toda tormenta, vem a calmaria, e eis que, depois mesmo de ser extinto como
município, nossa Imperial Vila dos Tocanos volta à existência para comemorar seus 100 anos em
uma onda de bons ventos. 5 de agosto de 1934. É fundado o Clube Cultural Cinco de Agosto,
reduto das grandes festas da cidade, mas também marco na cultura, com a maior biblioteca do
município na época.
O desfile se dissipa, entrando as pessoas nas distintas casas.
O Narrador vai até o centro da praça. Soa um motor.
NARRADOR – Ah! E quase me esqueço de um fato importantíssimo! Foi no mesmo dia, hora,
minuto e segundo em que se abriram as portas do Clube, que um motor, encomendado pelo
digníssimo Sr. Acbal Miranda Bastos ao próprio senhor de nome difícil criador da energia elétrica
e indo ele mesmo buscá-lo com uma manada de jegue na Alemanha, deu a luz a nossas noites!
Acendem-se os postes.
NARRADOR – Contrariando todas as espectativas, as coisas continuaram dando certo. Em 1945
nossos mortos tiveram que ser incomodados em seu sono eterno para mudar-se daqui e dar lugar
ao grande símbolo de nossa cidade. Parecia só mais uma obra de necessidade pública, mas sem
querer eles estavam erguendo um marco à maior de nossas riquezas subterrâneas. Era construída
a Caixa D’água!
Acendem-se as luzes da Caixa D’água.
NARRADOR – Fazendo tudo o quanto era gente que já rogou praga nesta cidade se retorcer na
tumba, em 1953 chega ao Tucano um padrezinho que ninguém dava um real, mas que transformou
isto aqui em um centro de fé, educação e cultura.
Enquanto ele fala, soam os hinos do Pe. Gumercindo cantados à capela pelo mesmo.
NARRADOR – Padre José Gumercindo, nasceu em Itabaiana, mas morreu tucanense. Abriu as
portas de nossa pequena vila para o mundo, levando e trazendo gente de tudo quanto era canto.
Para além dos méritos religiosos, foi um homem da cultura.
Acendem-se as luzes do Seminário.
NARRADOR – E durante todo esse tempo o que alimentou tanta punjança, que nem alimenta
barriga de menino amarelo, foi o feijão!
Saem três batedores de feijão das casas cantando lentamente.
BATEDOR 1 – Já faz três noites
Que pro norte relampeia
BATEDOR 2 – A asa branca
Ouvindo o ronco do trovão
BATEDOR 3 – Já bateu asas
E voltou pro meu sertão
BATEDORES – Ai, ai eu vou me embora
Vou cuidar da prantação
Soam os tambores. Saem batedores com varas e batedoras com bacias de alumínio. Todos
cantam agitadamente.
BATEDORES - Sol vermelho é bonito de se ver
Lua nova no alto, que beleza
Céu de azul bem limpinho, é natureza
Em visão que tem muito prazer
Mas o lindo pra mim é o céu cinzento
Com clarão entoando o seu refrão
Prenúncio que vem trazendo o alento
Da chegada das chuvas no sertão
Ver a terra rachada amolecendo
A terra antes pobre enriquecendo
O milho pro céu apontando
O feijão pelo chão enramando
E depois pela safra que alegria
Ver o povo todinho no burgão
A negrada caindo na folia
Esquecendo da mágoas sem ludú
Belo é o Tucano pegando fogo
Na pisada do maracatu
Termina a dança. O Narrador, desde o topo das arquibancadas, entre petroleiros carregando
lanternas, fala ao público com um megafone.
NARRADOR – O Petróleo é nosso! No meio deste rebuliço todo, eis que chega aos arredores de
nossa Vila uma comitiva inteira do recém criado Conselho Nacional do Petrtóleo. O país se
modernizava, e era um tal de furar poço em todo lado procurando o óleo preto que valia mais que
ouro, que os homens vieram parar na Fazenda Macaco, aqui no lado. Só que lá o negócio foi um
pouco diferente... vumbora ali ver!
Os petroleiros, uns de lanterna em punho, outros batendo tambores em um ritmo marcial, guiam
o público até o cenário 6.

CENA 6 – Uma praça com uma torre de petróleo ao meio e um palanque


No palanque estão o Prefeito, a Primeira Dama, o Assessor e um Fotógrafo, todos manequins.
Um petroleiro sobe no palanque e os outros assistem ao comício debaixo.
NARRADOR (Com voz de radialista) – O Conselho Nacional do Petróleo em nome do Senhor
Presidente dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas, faz saber que a partir da
presente data se encontra autorizada a perfuração do poço petrolífero 059 do Estado da Bahia,
município de Tucano.
Os petroleiros fazem rufar os tonéis. Suspense.
NARRADOR – Foi tanto alarde que no meio daquele mato juntou um mundarel de gente com
balde, bacia, tonel, caneco, penico, qualquer coisa que tivesse um oco no meio para ver se
conseguia levar para casa um pedacinho do ouro preto tão propagandeado. O prefeito, a primeira
dama e os assessores chega estavam duros, tesos e empalhados de emoção. Mas o bate-estaca
andou, andou e nada... Foi aí que...
Jorra água do topo da torre de petróleo.
Do meio da mutidão soa um:
ESPECTADOR – Vôooote... E é água, é?
O Narrador aproxima-se com um copo, pega um pouco d’água e mostra ao público como esta
ferve.
NARRADOR – Era água. Quente. Fervendo. A quarenta e oito graus para ser mais específico.
Saindo da terra borbulhando que nem sonrisal.
Apagam-se as luzes e acende-se uma projeção sobre a água que jorra.
RACHEL DE QUEIROZ – O fato é que, quando o buraco passou dos mil e tantos metros, a água
brotou das profundas da terra, sulfurosa, quente de escaldar, irrompendo céu acima, borbulhando
que nem sonrisal. Passado o assombro daquela explosão líquida, mandaram examinar a água e
viram que era medicinal. Não só pela composição química, mas pelo calor mágico, diz o povo.
Ninguém pensava: de onde vem o calor? Em que chama se aquecia aquela água, saída das
funduras da terra? E o enxofre, de onde é que vinha o enxofre? Qual é o lugar, debaixo do chão,
onde tem fogo e tem enxofre? Qual é o lugar, qual é?
A projeção se tinge de tons vermelhos.
RACHEL DE QUEIROZ – Mas se a água vem do inferno, como é que pode fazer bem? Do
inferno só vem coisa ruim! Mas eu vos digo: E os poderes de Deus? Deus querendo, o que queima
cura, o que perde salva. O inferno se vira em jardim, o demônio em anjo. Assim a água do Jorro.
Apaga-se a projeção. Fecha-se o jorro de água. Acendem-se as luzes.
NARRADOR – Termina aqui oficialmente a grande epopéia da história desta cidadezinha que
parecia que não tinha história. Mas eu, que não sou besta nem nada, sei que vossas senhorias estão
por aí maquinando e se perguntando pelo maior mistério desta longa trama de enredos que este
que vos fala foi plantando devagarzinho, peça por peça, sem ninguém perceber, durante esta
narração boa virada na febre do rato. Não estão não? Pois venham cá que ainda falta a melhor
parte. Deixe-me vos apresentar a espantosa e cabeluda história da cabeça do jegue.
O Narrador guia o público de volta ao cenário da Praça da Matriz.

CENA 7 - A praça da matriz de pedra e cal


Enquanto o público se acomoda, soa uma música de mistério.
NARRADOR – Nas minhas andanças pelas veredas deste grande sertão posso ser testemunha que
a qualquer forasteiro a quem que se pergunte sobre Tucano, um sobrenome sempre nos persegue.
O senhor conhece Tucano? Ah, lá tinha... A senhora já foi a Tucano? Ah, lá tinha... A Dona sabe
onde fica Tucano? Ah, lá tinha... O moço já ouviu falar em Tucano? Ah, lá tinha... Desde um
tempo para cá nossa digníssima cidade foi perdendo o título de Imperial Vila dos Tocanos para
virar, de pouquinho em pouquinho, a cidade do “lá tinha”. E não porque nestas terras tenha se
instalado uma grande filial do império produtor de enlatados, mas porque diz que aqui tudo já
teve, não tem mais. Se vieram prestando atenção no que vim contando hão de ter percebido que
se praga valesse tostão a gente já estava emprestando a juros. Teve para todos os gostos. Praga de
padre ladrão, praga de beato famoso, praga de comida pouca demais, praga de comida muita
demais – porque os senhores sabem que lá pelo final dos oitenta era tanto feijão que não tinha
mais quem quisesse – praga de faltar água no céu, praga de sobrar água no chão – porque quando
inventam de cavar e nem óleo acham – praga, praga, praga, praga... Mas como bons sertanejos,
sabemos nada é por acaso e para tudo existe uma causa místico-urucubacal. Os senhores só me
dêem licença de contar esta história em trova, pra ver se o diabo não se reta lá embaixo. É porque
o diabo é meio burro e não entende nem de música nem de verso. Pois bem.
Apagam-se as luzes e dentro do coreto começa um teatro de sombras que encena o cordel.
Enquanto isso, o Narrador arrodeia o coreto.
NARRADOR – Então é chegada a hora
De um causo vos contar.
Agora eu vou dar o mote
Da zica deste lugar
É problema imbutido
Coisa a se desenterrar
Um trabalho de guerreiro
Um ofício de coveiro
É o que vou desempenhar
Bem aqui neste terreiro
Deu-se um ato verdadeiro
Bicho de malassombrar
O ano eu já não lembro
Já não posso garantir
Sei que era lua cheia
E eu estava bem aqui
Vei’um véio de mansinho,
Pá na mão, eu m’escondi.
Era um véi coronel
Bem vestido, de chapéu.
Eu mesmo reconheci.
Creiam neste menestrel,
Meu relato é fiel,
Gosto pouco de mentir.
Era grande sua fama,
Todo mundo aqui sabia,
Que’le era bem versado
Em coisa de bruxaria
Até com o capiroto
Ele tinha parceria!
Dizem que’m sua mansão
Escondido no porão,
Ao demo, ele servia!
Isto não é falação!
Filho do véi cramulhão,
Todo povo bem dizia!
Era quase meia noite
Quando tudo sucedeu,
O velho com uma pá,
Toda terra revolveu,
Cavou bem uns sete palmos,
No meio daquele breu.
Coisa muito bem estranha,
Eu vi naquela façanha
Que o véi empreendeu.
Cavava numa sanha...
Disse “Iss’é artimanha
Defendei-me, Ó Deus Meu!”
Tirou um troço do saco,
Acreditem no que segue,
Levantou o troço, disse
“Ao diabo tá entregue”
Sob a luz da lua, vi!
Era cabeça d’um jegue!
Uma coisa tão horrenda,
Do satanás era prenda,
Maldição que nos persegue!
Quero que creia, entenda,
Isto tudo não é lenda
Era cabeça d’um jegue!
O segredo do enguiço,
Sortilégio que prossegue,
Desde então, nesta terra
Não há paz que nos sossegue,
Riqueza que firme casa,
Tudo que enche aqui vaza!
Era cabeça d’um jegue!
Todas as luzes se apagam. O Narrador entra no coreto e pega o esqueleto de uma cabeça de
jegue. Do alto da arquibancada o Coro canta a ladainha de Sant’Ana. Luz no Narrador.
NARRADOR – E eis que é chegado o momento, neste centésimo octogésimo ano, da redenção
profético-teatral-ritualística do nosso povo contra esta amarração filha de uma ronca e fuça. Eis a
cabeça do jegue que, pelos poderes a mim investidos, acabo de desenterrar de sete palmos de chão
desta praça. E como sabemos, conforme os ensinamentos do Lunário Perpétuo e do catecismo de
São Romão, que morrinha só termina de sair de um terreiro quando a poeira se alevanta, umbora
bater os pés que é pra ele sacudir!
Acendem-se as luzes. Entra a Caixa de Gaita do Ovó Dois. Desce uma placa com um
“FIM”escrito. Abrem-se as portas e o grupo musical puxa o público para fora aos poucos.
FIM

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