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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

MAPA PARA UM LUGAR ALGURES

Daniel Filipe Antunes Pinheiro

MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA


Especialização em Fotografia

2013
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS ARTES

MAPA PARA UM LUGAR ALGURES

Daniel Filipe Antunes Pinheiro

MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA


Especialização em Fotografia

Dissertação orientada pela Professora Doutora Maria João Gamito

2013
RESUMO

Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma a
importância da fotografia efectuada sem câmara ou lente, como forma de assegurar a
sobrevivência do medium fotográfico enquanto processamento fotoquímico numa era
em que o advento do digital se tornou uma prática totalitária nos discursos e nas obras
fotográficas.
Porque é que as imagens fotográficas experimentais foram postas à margem da
ontologia da fotografia? Não farão elas parte da sua génese por direito, ao assentarem
na essência da luz e na fotossensibilidade química do suporte? Não será que os
desenvolvimentos mecânicos e ópticos do dispositivo fotográfico ao longo dos
tempos forçaram a ideia de que era na figuração e na cópia fidedigna da realidade que
a fotografia devia circunscrever a sua ontologia e os seus propósitos?
Que diferenças existem entre uma imagem abstracta e uma concreta? Que
lugar ocupam estas imagens na contemporaneidade hiper democratizada dominada
pelo digital?
De forma a responder a estas questões servir-nos-emos de um encadeamento
de conceitos divididos por quatro momentos que compõem esta dissertação. Na
primeira parte relacionaremos historicamente a Arte Concreta com a ciência e a
fotografia, convocando as sinergias que daí advieram e que permitiram a legitimação
do concreto na fotografia à luz das afirmações de Gottfried Jager.
No capítulo seguinte situar-nos-emos em torno do conceito de contacto,
confluindo as ideias para a dimensão química da fotografia, nomeadamente para o
género do fotograma.
No terceiro capítulo desenvolveremos os conceitos de mapa e sublime,
procurando relacioná-los com a fotografia, no sentido de responder e dar conta de
exemplos de trabalhos que explorem os limites da própria fotografia, e que nos
transportem para terrenos desconhecidos.
Finalmente no último capítulo, expomos a componente prática da dissertação,
analisando-a à luz dos conceitos referenciados, bem como o seu propósito conceptual,
formal e processual.

Palavras-chave: fotografia; concreto; contacto; sublime; mapa

i
ABSTRACT

Mapa para um lugar algures is a theoretical and practical dissertation - that


affirms the importance of photography made without a camera or lens in a way to
ensure the survival of the photographic medium as a photochemical processing in an
era where the advent of digital has become a totalitarian practice in the discourses and
in photographic works.
Why did the experimental images have been put aside from the ontology of
photography? Don’t they make part of it’s origins by right, since they settle the
essence of light and photo chemical sensitivity’s support? Could it be that the
mechanical and optical development of the photographic device over time forced the
idea that photography should circumscribe its ontology and its purposes in figuration
and reliable copy of reality?
What differences exist between an abstract and a concrete image? What place
do these images occupy in a hyper democratized contemporary age dominated by
digital?
In order to answer these questions we will use a chain of concepts divided into
four stages that make up this dissertation. In the first part we will relate historically
Concrete Art with science and photography, summoning the synergies from that
relationship, and that thereby allowed the legitimation of concrete in photography by
the light of Gottfried Jager’s statements.
In the next chapter we will bring about the concept of contact, converging
ideas to the chemical dimension of photography, especially for the kind of photogram.
In the third chapter we will develop the concepts of map and sublime, in a
sense to associate them with photography, in order to respond and cope with
examples of works that explore the boundaries of photography itself, and that carry us
into unknown territory.
Finally in the last chapter, we will expose the practical component of the
dissertation, analyzing it in light of the concepts referenced, as well as its conceptual,
formal and procedural purpose.

Keywords: photography; concrete; contact; sublime; map

ii
AGRADECIMENTOS

À Maria João Gamito pela sua orientação crítica e assertiva.

Alexandre Estrela, Ana Pereira, Fernando Fadigas, Sérgio Mah, José Luís Neto, José
Marques, José Sanches Ramos, Rui Gonçalves, Pedro Januário e Sónia Mota Ribeiro
pela sua contribuição directa ou indirecta na realização desta dissertação.

À minha mãe, irmãs e um agradecimento especial à Maria.

iii
ÍNDICE DE FIGURAS

Fig.1
Theo Van Doesbourg , Manifesto da Arte Concreta, Paris, 1930, (AAVV, 1990: p. 70).

Fig. 2
Theo Van Doesbourg, Composition Arithmetique I, 1930. Óleo s/tela, 101x101 cm. Colecção
Kunstmuseum Winterthur, Suiça. França, Paris (AAVV, 1990: p. 65).

Fig. 3
Issac Newton, desenho dos seus experimentos com prismas, retirado do seu caderno de anotações,
[Em linha], Londres, Reino, 1666. Disponivel em
<http://www.departments.bucknell.edu/history/carnegie/newton/refraction.html>, acedido em 2-5-
2012.

Fig. 4
Jules Antoine Lissajous, Etude optique des mouvements vibratoires, in Annales de Chimie et de
Physique, [Em linha], 1857. Disponível em <http://www.jnorman.com/cgi-bin/hss/38038>, acedido em
13-6-2012.

Fig. 5
Étienne Léopold Trouvelot, Electric effluvia on the surface and circumference of a coin, c.1888. Papel,
gelatina e prata, 22,5x17 cm. Colecção Musée des arts métiers, Conservatoire national des arts et
métiers, França, Paris (Keller: 2008: p.169, fig. 114).

Fig. 6
Von Félix Auerbach, Physik in Graphischen Darstellungen, 1912. Berlim, Alemanha, (Auerbach,
1912: pp.1 e 70)

Fig.7
Pierre Cordier, Photo-chemigramme 27/9/78 livrillisible d après La Bibliothèque de Babel de Jorge
Luis Borges” II, 1978. Quimigrama, papel gelatina e prata, 17,5x 11,3 cm, Bélgica, Bruxelas (Cordier,
2007: 142).

Fig. 8
Heinrich Heidersberger, Triennale, da série Rhythmogramm, 1956. Papel, gelatina e prata. Colecção
Museum fur Konkrete Kunst Ingolstadt, Alemanha, Wolfsburg (Heidersberger, 1997: 21).

Fig. 9
Heinrich Heidersberger, Rythmographen, 1961. Fotografia p/b. Colecção Museum fur Konkrete Kunst
Ingolstadt, Alemanha, Wolfsburg (Heidersberger, 1997: 13).

Fig. 10
Sonia Landy Sheridan, Tracing the Shadows of Time, [Em linha], Chicago, EUA, 1977. Tinta e caneta
s/papel, 81/2 x 11 in. Disponível em http://www.jstor.org/stable/1578621, acedido em 4-12-2009.

Fig. 11
August Strindberg, Celestographs, [Em linha], 1894. Estocolmo, Suécia. Colecção Royal Library,
Stockholm. Disponível em http://www.cabinetmagazine.org/issues/3/celesographs.php, acedido em 6-
5-2012.

Fig. 12
Sonia Landy Sheridan, Generative Systems, [Em linha], Chicago, EUA, 1979. Colecção Art Institute of
Chicago. Disponível em http://www.jstor.org/stable/1578602, acedido em 4-12-2009.

iv
Fig. 13
Gottfried Jager, Pinhole Structures, [Em linha], Bielefeld, Alemanha, 1986. Disponível em
http://www.jstor.org/stable/1578296, acedido em 7-6-2009.

Fig. 14
Floris Neusüss, S/título, 1967. Gelatina e prata sobre papel, fotograma, 104,5x 126cm. Colecção
Staatliche Museen Kassel, Alemanha, Kassel (Neusüss, 1997: p.39, fig.7 ).

Fig. 15
Wilhelm Rontgen, The bones of a hand with a ring on one finger, viewed through x-ray, 1895.
Reprodução fotográfica de radiografia, 18.1x 13 cm. Colecção Wellcome Library, London. Disponível
em <http://images.wellcome.ac.uk/indexplus/image/V0029523.html>, acedido em 30-9- 2012.

Fig. 16
Man Ray, Retour à la raison, 1923. Fotograma sobre película (detalhe), filme projectado, p/b, s/som,
3’, França, Paris (Elcott, 2008: 8).

Fig. 17
Sudário de Turim, [Em linha], c. 30 DC, Catedral de S. João Baptista, Torino, Itália. Pano de Linho:
430x110 cm. Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shroudofturin_rotated.jpg>,
acedido em 4-6-2011.

Fig. 18
Mandylion de Edessa, [Em linha], s/d, Capela privada do Papa, Vaticano, Itália. Disponível em
<http://en.wikipedia.org/wiki/Image_of_Edessa>, acedido em 29-9-2012.

Fig. 19
Henry Fox Talbot, Duas delicadas folhas de planta, [Em linha], 1839, Reino Unido. Desenho
fotogénico, papel salgado: 22.8 x 18.3 cm. Disponível em
<http://foxtalbot.dmu.ac.uk/resources/ferns.html>, acedido em 12-11-2011.

Fig. 20
Anna Atkins, Fucus Vesiculosus, [Em linha], 1843, Reino Unido. Impressão de Cianotípia, 26,4x20,6
cm. Colecção The Detroit Institute of Arts. Disponível em <http://www.dia.org/object-info/ca1ffac6-
c10f-487a-816e-f99707c925eb.aspx?position=9>, acedido em 6-10-2012.

Fig. 21
Sir John Herschel, The Honourable Mrs. Leicester Stanhope, [Em linha], 1836, Reino Unido.
Impressão de Cianotípia, Disponível em <http://www.utexas.edu/opa/blogs/culturalcompass/tag/sir-
john-herschel/>, acedido em 30-9-2012.

Fig. 22
Autor desconhecido, Silhueta de William Groth, [Em linha], c. 1802-10, EUA, Boston. Papel.
Disponível em <http://cool.conservation-us.org/coolaic/sg/bpg/annual/v18/bp18-07.html>, acedido em
3-10-2012.

Fig. 23
Dennis Oppenheim, Reading Position for Second Degree Burn, [Em linha], 1970, EUA, Jones Beach,
New York. Livro, pele, energia solar. Disponível em <http://www.dennis-oppenheim.com/early-
work/148>, acedido em 22-8-2012.

Fig. 24
Susan Derges, Starfield - Fountain, [Em linha], 2004, ilfochrome, prova única, 105 x 58cm. Disponível
em <http://www.paulkasmingallery.com/artists/susan-derges/2>, acedido em 10-10-2012.
Fig. 25
Thomas Ruff, ma.r.s.10, [Em linha], 2010, C-Print, Diasec, 256 x 186 cm. Disponível
em<http://www.mai36.com/thomas-ruff-selected-works/410-thomas-ruff-works-mars.html>, acedido
em 21-11-2012.

v
Fig. 26
Odilon Redon, L'oeil, comme un ballon bizarre se dirige vers l'Infini, [Em linha], 1882, França, Paris,
litografia, 25.9 x 19.6 cm. Disponível em
http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=68055, acedido em

Fig. 27
Heinrich Keller, Mapa panorâmico da vista do cume do Monte Rigi, [Em linha], 1820, Suíça, gravura
colorida, 95x19cm. Disponível em <http://www.rigipano.ch/Seiten/Panorama.html>, acedido em 5-11-
2009.

Fig. 28
Marco Breuer, S/título (Fuse), 1996. Papel queimado, gelatina e prata, prova única, 46 x 36 cm, EUA,
New York ( Breuer, 2007: 25).

Fig. 29
Mark Rothko, No. 10, [Em linha], 1950. EUA, New York, Óleo s/tela, 229.2 x 146.4 cm. Disponível
em: <http://www.nga.gov/feature/rothko/48.jpeg>, acedido em 14 -12 - 2012.

Fig. 30
Wolfgang Tillmans, Lighter III, 2006. C-print, prova única, 54x64 cm (Tillmans, 2008: 53).

Fig. 31
Lucio Fontana, Concetto Spaziale, Attese, [Em linha], 1963/63. Tinta de água sobre tela, 65,4x 54,6
cm, Colecção Privada. Disponível em: < http://www.speronewestwater.com/cgi-
bin/iowa/works/record.html?record=2804>, acedido em 2 - 1 – 2013.

Fig. 32
Mel Bochner, Surface Dis/Tension, 1968. Silhueta composta: papel, gelatina e prata, montada em
painel, 182,9 x 172,7 cm ( Bochner, 2002: fig. 22).

Fig. 33
Daniel Antunes Pinheiro, Mapa para um lugar algures [série de 16 imagens], gelatina e prata sobre
papéis baritados, fotogramas, provas únicas, 50x60 cm, 2011

Fig. 34
Daniel Antunes Pinheiro, S/Título II da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel
baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Fig. 35
Daniel Antunes Pinheiro, S/Título VIII da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre
papel baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Fig. 36
Daniel Antunes Pinheiro, S/Título XVI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre
papel baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Fig. 37
Daniel Antunes Pinheiro, S/Título VI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre
papel baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

vi
ÍNDICE
Resumo/Palavras-chave i
Abstract/Keywords ii
Agradecimentos iii
Índice de Figuras iv

INTRODUÇÃO 1

CAP. I – DA ARTE CONCRETA À FOTOGRAFIA 3

1.1 - O ciclo concreto/abstracto 3


1.2 - A Arte Concreta 6
1.3 - A Fotografia Concreta 12
1.4 - Sistemas Generativos 20

CAP. II – O CONTACTO 24

CAP. III – O MAPEAMENTO DO SUBLIME 38

CAP. IV – MAPA PARA UM LUGAR ALGURES 49

1.1 - Medium, espaço e sobrevivência 50


1.2 - Descrição da obra 53
1.3 – Processo 54
1.4 – Análise 56

CONCLUSÃO 63

BIBLIOGRAFIA 66
INTRODUÇÃO

A fotografia desde o seu início assentou na ideia de cópia, de poder fixar para
a posteriori elementos da realidade através de um dispositivo mecânico e óptico.
Funcionando como prova da veracidade dos factos, a sua ontologia foi fundada em
aspectos figurativos da realidade, e fez com que muitas experiências fotográficas de
pendor mais abstracto fossem postas à margem ou rotuladas apenas como
experimentais.

A procura dos artistas de não se cingirem ao mimetismo veiculado pela


fotografia, criou no decurso da história momentos artísticos que procuraram ir mais
além de uma ontologia pré-definida do medium, atentando contra ele, desconstruindo-
o e afirmando-o sob forma de novas reinterpretações e significados. Como sugere
Rosalind Krauss (2006: 158): “ na mente dos artistas que hoje pensam em regressar à
especificidade do medium,[...] estão determinados a invocar o conceito de medium,
não regressando às formas comprometidas dos mediums tradicionais, mas
“inventando” novas.”

A fotografia, ao ser uma das últimas artes a entrar no mercado artístico, e


também devido ao facto de hoje em dia se ter hiper democratizado com o advento do
digital, ela própria começou a sentir a necessidade de questionar a sua própria
especificidade, efectuando um processo exógeno para áreas limite como o desenho ou
a escultura.

Gottfried Jager num artigo intitulado “What is Concrete Photography?”


questiona: “Pode uma imagem existir sem ser um medium? Com o que é que ela se
parece?”1 E mais adiante afirma: “Imagens deste tipo exploram a realidade da
imagem usando o meio da imagem. São fotografias de fotografia. Não se tornam
visíveis, elas são visíveis, apenas visível. Elas não são meios, elas são objectos”2
(2005b: 10).

1
“Can an image exist that is not a medium? What would it look like?”
2
“Images of this kind explore the reality of the image using the means of the image. They are
photographs of photography. They do not render visible, they are visible, only-visible. They are not
media, they are objects.”

1
No seguimento destas afirmações, o que procuraremos afirmar nesta
dissertação é a importância da fotografia efectuada sem câmara ou lente, como forma
de contrapor não só o incessante fluxo de imagens digitais, como assegurando a
possibilidade da sobrevivência do medium enquanto processamento químico.

O próprio título da dissertação contém o termo ‘mapa’. Um mapa tem a


função de informar, de agrupar uma série de localidades, aqui expressos na qualidade
de conceitos que irão guiar o leitor ao longo desta dissertação por aspectos que
consideramos fundamentais para compreender o que faz de uma fotografia ser uma
fotografia na sua essência e simplicidade: luz e fotossensibilidade do suporte.

No primeiro capítulo procuraremos diferenciar o concreto da abstracção


através do pensamento de Hegel e de Aristóteles. De seguida, revisitaremos a Arte
Concreta, na sua relação com a ciência e no modo como as ideias concretas foram
absorvidas e transferidas por Gottfried Jager na sua legitimação do concretismo
fotográfico.

No segundo capítulo discorreremos em torno do contacto, na importância


deste conceito para a génese da fotografia, centrado principalmente na ideia de cópia
directa, de fotograma. Servindo-nos de exemplos históricos, alguns deles religiosos,
traçaremos uma linha cronológica, em sintonia com alguns exemplos artísticos que
fazem uso do contacto quer a nível de conceito quer a nível operativo, não só da área
da fotografia como também da escultura ou do filme.

Na terceira parte desta dissertação procuraremos pôr em evidência aspectos


artísticos que interliguem em conjunto os conceitos de mapa e sublime. Servindo-nos
dos argumentos de Derrida e de Louis Marin em torno do sublime, exploraremos os
limites espaciais da ontologia fotográfica, quer a nível formal, quer estético ou
perceptivo. Revisitaremos obras do período romântico e do expressionismo abstracto
pondo-os em relação com aspectos fotográficos contemporâneos que fazem uso do
mapa enquanto sistema, de que é exemplo alguns trabalhos do autor Mel Bochner.

Finalmente no último capítulo, “Mapa para um lugar algures” expomos a


componente prática da dissertação, analisando-a à luz dos conceitos anteriormente
referenciados, assim como o seu propósito conceptual, formal e processual.

2
CAP. I - DA ARTE CONCRETA À FOTOGRAFIA

1.1 - O Ciclo Concreto/Abstracto

O concreto é um conceito de síntese, agregador, que implica uma totalidade ou


a procura de uma ideia de conjunto, e que poderíamos descrever através da analogia
com a elaboração de um trabalho científico sobre um determinado tema ou assunto,
em que diferentes partes se compõem e se encadeiam tendo em vista um objectivo
preciso.

Na sua etimologia, concreto3 deriva do latim concretus , que significa crescer


em conjunto. Inicialmente o seu uso gramatical designava a qualidade pertencente a
uma substância usualmente expressa por um adjectivo, como por exemplo branco, na
expressão papel branco, em contraste com a qualidade em si expressa por um nome
abstracto como brancura. Correntemente, concreto passou a referir-se aos substantivos
que incorporam atributos em oposição aos atributos em si de cariz abstracto, como
por exemplo, heroísmo na sua relação com herói.

De facto, nesta definição ressalta a aglutinação que o concreto tem sobre o


abstracto e a contaminação que o abstracto produz nele; no concreto poderão coexistir
imensas abstracções ou particularidades específicas e ao mesmo tempo são essas
particularidades que irão definir ou validar a universalidade do concreto.

Tudo o que é concreto existe empiricamente, é imediato, apela aos sentidos, é


aquilo que ainda não foi processado pelo logos, pela palavra ou pensamento, mas que
carece de um estado de validade, validade essa que diz respeito à verdade sobre as
coisas que apreendemos como sólidas empiricamente e isso é processado
interiormente, na correspondência de um conjunto de metáforas construídas e
assimiladas que a linguagem se presta a definir. Mas aqui há que realçar que é a
3
"concrete adjective" Oxford Dictionary of English. Edited by Angus Stevenson. Oxford University
Press, 2010. Oxford Reference Online. Oxford University Press. Mid-America Christian University,
acedido em 17 de Março de 2011, disponível em:
<http://www.oxfordreference.com.webserver.macu.edu:2048/views/ENTRY.html?subview=Main&ent
ry=t140.e0170400>

3
linguagem que nos engana, pois ela não existe senão no homem. Recuperando
Nietzche, na sua concepção de verdade:

Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de


antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram poética
e retoricamente intensificadas, transpostas e adornadas e que depois de um longo uso
parecem a um povo fixas, canónicas e vinculativas: as verdades são ilusões que foram
esquecidas enquanto tais, metáforas que foram gastas e que ficaram esvaziadas de
sentido, moedas que perderam o seu cunho e que agora são consideradas, não já como
moedas, mas como metal (Nietzsche, 1997: 221).

Tanto no pensamento Aristotélico como em Hegel, o conceito de concreto


compreendia a duração de vida de um ciclo entre o empírico e o pensamento, entre
aquilo que era palpável e aquilo que permitiria definir, caracterizar e por fim conhecer
esse tangível.

Num processo de translação em que o pensamento aparece como mediador,


aquilo que é universal é submetido a uma particularização, em que as coisas imediatas
que pousam sobre o mundo são negadas à primeira instância, sendo alojadas no
pensamento e agrupadas estruturalmente por categorias, ou seja filtradas, deixando de
ser concretas e passando a ser abstractas, pois assim se conhece e se compreende o
empírico, retornando ao concreto numa última fase, detendo uma visão esclarecida
sobre um todo.

Para Aristóteles, a existência real das coisas e dos objectos era indicada pelas
qualidades primárias e, se estas não existissem, era impossível existir o que quer que
fosse. Estamos, portanto, na ordem do tangível e do circunscrito. Nas suas palavras, a
característica fundamental destas qualidades primárias consistia no facto delas serem
permeáveis, isto é, de serem receptáculos de opostos, semelhantes a um íman que
tudo atrai. Mas nesta atracção, composta de diversas oposições e contradições a nível
do pensamento, o acto de discernir, era o que permitiria a criação de um movimento
dinâmico de interpenetração entre conceitos, que daí consubstanciassem a existência
do concreto.

Esta ideia de ciclo, de algo que parte de um ponto para voltar ao mesmo, é
sugerida por Hegel:

4
[...] o concreto é simples, e ao mesmo tempo diverso. Esta interna contradição, que é
precisamente o que provoca desenvolvimento, leva as diferenças à existência.
Mas, simultaneamente, a diferença é satisfeita no seu direito, que consiste em ser
reabsorvida, e portanto superada, uma vez que a sua verdade é só ser no uno
(Hegel,1952: 42).

Hegel clarifica o conceito através da definição de uma flor, ao enumerar as


diferentes qualidades que a caracterizam, termos como odor, sabor, forma…, são
parcelas que acumuladas a definem, pois são essas qualidades abstractas que nunca
lhe devem faltar enquanto flor. Como o autor sugere:

[...] temos o Uno e um Outro, e ambos são o Uno no Outro junto de si mesmo e não
fora de si mesmo. Assim a ideia é, no seu conteúdo concreta em si; é concreta em si,
e então tem interesse em que o que é em si se torne por si (Hegel, 1952: 41).

Podemos concluir que a apreensão do concreto e seu processamento depende


do pensamento abstracto, traduzido pela linguagem através da palavra e se há
premissas que interessam na redacção desta tese, uma ideia é que o concreto se
apresenta sempre como a procura de uma totalidade esclarecedora sobre uma estrutura
que engloba um conjunto de princípios díspares que tentam responder a partir do
empírico.

5
1.2 - A Arte Concreta

Segundo Harold Osborne (1979: 167) o termo concreto surgiu no campo das
artes, primeiramente no Manifesto Realista de Gustav Courbet em 1861, onde a
palavra concreto remetia para uma arte baseada na veracidade, no realismo das coisas
existentes opondo-se à arte praticada nas academias, assente ainda em cânones
religiosos e históricos. Aqui o significado de concreto era realmente oposto ao que se
iria definir durante os anos trinta do século vinte, já que em oposição a uma arte
estritamente realista, o concreto seria definido como uma arte livre de qualquer
modelo ou referente exterior.

Neste sentido e nos resquícios dos abstraccionismos geométricos das primeiras


décadas do século XX, nomeadamente do Construtivismo e do Neoplasticismo, Theo
Van Doesbourg avançou em 1930, Paris, juntamente com Carlsund, Hélion,
Tutundjian e Wantz, com o manifesto da Arte Concreta, sob a forma de um fascículo
num primeiro e único número.

Fig. 1
Manifesto da Arte Concreta, Paris, 1930

Este grupo de autores, liderado por Doesbourg, procurava uma arte geométrica
racional, que partisse do universal para o particular que fosse totalmente formada e
criada pelo espírito antes da sua execução. Negligenciava o gesto ou o cunho
individual do artista e considerava um texto escrito à máquina mais claro e belo que

6
um escrito manualmente (1990: 74). Este elogio da máquina era transversal ao
conceito de universal que a ciência e a tecnologia afirmavam. Inspirados pela teoria
da relatividade de Einstein, pela 4ºdimensão e pelo positivismo matemático, as suas
composições eram compostas por objectos ou figuras simples representadas com
diferentes medidas e em tempos diferentes adoptando uma estratégia serial e
aritmética, numa alusão à verdade científica, à inexistência de um só espaço ilimitado.

Fig. 2
Theo Van Doesbourg, Arithmetic Composition, 1930

Afirmarem o seu género artístico com o termo concreto era uma maneira de se
distanciarem dos artistas surrealistas e nomeadamente do grupo abstraccionista Cercle
et Carré (movimento fundado um ano antes por Joachim Torres Garcia, em Paris),
que operava a partir da realidade de um modo redutivo, criando abstracções. Esta
distinção que os concretistas procuravam evidenciar era também um modo de se
insurgirem contra os críticos da altura, que não faziam a distinção entre o uso
semântico do termo abstracto e a produção abstracta não icónica, e por sinal concreta.

Livre de simbolismos, sensações ou significados num estilo afirmativamente


anti-impressionista, a arte concreta obedecia a uma estrutura lógica dedutiva na
junção entre signo e suporte, em que técnica e leis compositivas estariam de acordo
com o suporte a utilizar e a composição geométrica se reduzia à utilização de cores e
formas sem intervenção de modelações, tendendo esteticamente para a realização de
um signo completo e totalizador.

Há um ponto curioso no manifesto da Arte Concreta que poderíamos associar


à dimensão fotográfica, na medida em que faz um elogio à cor branca, à luz, à soma

7
de todas as cores e que é sintomático da directriz científica adoptada pelos
concretistas: “Branco! Esta é cor espiritual dos nossos dias, atitude pura que orienta
todas as nossas acções. Nem cinza, nem branco marfim, mas branco puro.”4 (1990:
71)

No ponto três do manifesto (1990: 74) afirma-se: “O quadro deve ser


totalmente construído com elementos puramente plásticos, isto é planos e cores. Um
elemento pictórico não tem outro significado senão “ele mesmo” e em consequência o
quadro não tem outro significado senão “ele mesmo.”5.

Esta afirmação indicia o porquê de uma arte auto justificativa, pois era na
ciência que os concretistas encontravam respostas para a explicação dos fenómenos, e
usavam-na para legitimar empiricamente as suas obras. Negligenciando qualquer
significado para lá daquele em que a própria obra se inscrevia, as obras concretas
distanciavam-se dos fundamentos teosóficos e neo-platónicos6 que influenciavam
grande parte da abstracção daquele período, inaugurando uma arte baseada na
psicologia da forma (Gestalt) e no materialismo filosófico.

Segundo Herbert Read (1990) o aparecimento e a massificação de novas


formas de ver o mundo e a realidade, através de publicações ilustradas de teor
científico, contendo macro e micro fotografias, potenciaram o contacto dos artistas
concretistas e os que lhes seguiram filiados em organizações internacionais de
artistas7 durante os anos trinta, com realidades invisíveis, alargando o seu espectro
visual e levando a uma redefinição do que era o real em si.

Dois dos grandes teóricos e seguidores do concreto pós-Van Doesbourg, são o


suíço Max Bill e o alemão Max Bense. Bill revitalizará o termo a partir de 1936,
associando conceitos matemáticos e aritméticos à produção artística e Bense
inaugurará em meados de sessenta a estética generativa, dando seguimento à

4
“Blanc! Voilà la couleur spirituelle de nous jours, l’attitude bien nette qui dirige toutes nos actions.
Ni gris, ni blanc d’ivoire, mais blanc pur”.
5
“ Le tableu doit être entièrement construct avec dês éléments purement plastiques, c est-à-dire plans
et coulers. Un élément pictural n a pás d autre signification que “lui-même” en conséquence le tableau
n a pás d autre signification que “lui-même”.
6
A abstracção Neoplasticista preconizada por Piet Mondrian era influenciada pela teosofia defendida
por Helena Blavatsky.
7
Durante os anos trinta do séc.XX houve uma série de organizações internacionais de artistas
abstractos que se formaram em Paris: Cercle et Carré, Arte Concreta, Abstraction-Création, Unismo.

8
dialéctica arte e ciência, que proliferará pelos anos seguintes, em diferentes escolas,
nomeadamente em Ulm na Alemanha e em Chicago.

Ao longo do século passado uma série de investigações e manifestações


fotográficas procuraram traduzir esteticamente uma possível re-ontologia da imagem
fotográfica. O concreto na fotografia assumiu o papel de congregador dessas atitudes
experimentais, sendo absorvido na contemporaneidade, como forma de expressar a
ideia total do que é a fotografia, sintetizando-a, procurando conjugar os princípios que
a regem, tendo como ponto de partida a luz, numa altura em que cada vez mais, a
vernaculidade do médium é posta em causa pelo advento do digital.

Traçando uma linha cronológica no campo fotográfico, fomos assistindo a


uma reeducação do olhar, centrada na atenção sobre os fenómenos orgânicos,
modelares e cromáticos da luz, protagonizada por Moholy - Nagy, que se apresentou
como precursor pedagógico e artístico na primeira Bauhaus, a que se seguiram
Gyorgy Kepes no MIT, Sónia Landy Sheridan na Escola de Chicago (Segunda
Bauhaus) e mais recentemente Gottfried Jager em Bielefeld, na Alemanha.

O que ligou estes autores foi, não só o seu interesse pedagógico pela luz
enquanto matéria pura e criativa, como a procura de uma partilha interdisciplinar
entre arte e ciência movida pelo progresso e pelas descobertas científicas e que, no
caso artístico, culminou no manifesto da Arte Concreta ou também designada arte de
síntese (Read: 1990), que se desenvolveu por diferentes latitudes geográficas,
manifestando-se pelo conceptualismo e pelo minimalismo dos anos setenta.

Numa primeira abordagem ao tema, destaco um conjunto de descobertas e


experiências do campo da física, que no meu entender, são fundamentais para
compreender o papel da luz no decurso historiográfico das imagens concretas
fotográficas, da interpenetração científica que a arte concreta assumiu para com o
campo artístico e do papel do apparatus na sua relação com o operador.

Em 1665, Issac Newton, num quarto escuro fez incidir a luz vinda do exterior
de uma janela através de um pequeno orifício sobre um prisma, dividindo a luz

9
branca, no espectro visível de sete cores.8 Num segundo momento, ocultou a luz de
cinco cores e fez atravessar por um segundo prisma uma só cor/luz, dividindo-a
novamente, analisando-a e chegando à conclusão que poderia decompor por exemplo
a cor vermelha em ínfimos tons monocromáticos de vermelho, consoante o maior
número de prismas que utilizasse para filtrar essa luz/cor.

Fig. 3
Issac Newton, desenho dos seus experimentos com prismas, retirado do seu caderno de anotações,
1666

Numa outra experiência física, em 1857, Jules Antoine Lissajous, na sua


tentativa de visualização do som, através de um simples apparatus constituído por
uma fonte de luz e dois diapasões com dois espelhos acoplados, fez incidir a luz sobre
um dos espelhos; esta era reflectida para o segundo, e, em simultâneo, os dois
diapasões eram postos a vibrar, projectando graficamente a oscilação harmónica a que
eram sujeitos sobre um suporte.

8
Note-se que Newton forçou a existência de sete cores de maneira a corresponderem a uma pesquisa
que ele próprio procurava, de associar as cores a uma escala musical de sete notas, mas que
empiricamente são apenas seis, as cores fundamentais que compõem o espectro visível.

10
Fig. 4
Jules Antoine Lissajous, Annales de Chimie et de Physique, 1857

Nas últimas décadas do séc. XIX o astrónomo Étiene Léopold Trouvelot


produziu imagens fotográficas submetidas a descargas eléctricas provenientes de
bobines electrostáticas. Trouvelot abdicava do uso da câmara, captando directamente
sobre a camada fotossensível do suporte, na relação de um para um, feixes
instantâneos de energia que ficaram conhecidos por figuras Trouvelot.

Fig. 5
Étienne Léopold Trouvelot, Electric effluvia on the surface and circumference of a coin, c.1888.

A estas experiências físicas que partiram da pureza da imaterialidade da luz,


acrescento ainda uma publicação sobre a forma de compêndio, do físico alemão Félix
Auerbach de 1912, que reuniu um conjunto de imagens gráficas do campo da física e
da matemática que influenciaram posteriormente os concretistas, nomeadamente
Heinrich Heidersberger.

11
Fig. 6
Von Félix Auerbach, Physik in Graphischen Darstellungen, 1912

1.3 - A Fotografia Concreta

“Uma vez que a obra de arte tem que funcionar como todo concluso, que nela deve
ser reproduzida de maneira imediatamente sensível a concreticidade da realidade
objectiva, devem nela ser apresentadas todas aquelas determinações que, em seu
conjunto e em sua unidade, fazem objectivamente o concreto concreto”
(Lukács in Bense, 1975: 168).

A fotografia concreta é recente na sua legitimação e deve-se particularmente


aos argumentos e ao trabalho de investigação de Gottfried Jager enquanto fotógrafo e
teórico, que procurou sintetizar os diferentes ramos dispersos da fotografia
experimental do século XX em sintonia com premissas vindas da arte concreta, na
tentativa de traçar pontos comuns, em particular no contexto europeu, enumerando-os
e legitimando-os enquanto prática afirmativamente fotográfica, de que são exemplo as
suas publicações enquanto editor de The Art of Abstract Photography (2002) e
Concrete Photography (2005).

Colmatando a história da fotografia com um conjunto de imagens que por


saírem fora do padrão do que se assumiu ser fotografia (por serem imagens abstractas
produzidas muitas delas sem o auxílio de câmara ou lentes) não deixaram por isso de
ser relevantes fotograficamente, provando por isso o seu desenvolvimento

12
paralelamente à história instituída. E neste território, por vezes a fronteira que separa
o concreto do abstracto em termos fotográficos não é óbvia, dado que muitas das
técnicas ou das estratégicas usadas pelos fotógrafos englobam por vezes, estes dois
conceitos. Jager esclarece:

A abstracção procede de uma forma redutora. Ela começa a partir de uma situação
complexa e vai deixando de fora cada vez mais elementos não essenciais, passando
para elementos essenciais, para o conhecimento "puro". A concreção procede de uma
forma indutiva. Ela começa a partir do "zero", com uma ideia ou um elemento, que é
ligado a outros por meio de regras, a fim de criar uma nova situação complexa ou um
novo sistema9 (Gottfried Jager, 2005:19).

O concreto situa-se num exaustivo conhecimento do medium fotográfico,


respeitando o que de mais essencial a fotografia contém: luz e camada fotossensível
do suporte. As possibilidades inerentes a este registo comportam um alto grau de
reflexividade sobre a matéria fotográfica, sobre os seus procedimentos internos e a
sua própria ontologia, numa lógica de tentar produzir fotografia sobre a fotografia,
isto é, photo-graphia, escrita com luz, no verdadeiro sentido do termo.

A primeira imagem fotográfica concreta que se nos apresenta, em ambiente


fotoquímico, é a folha de papel fotográfico, branca, virgem. As diferentes camadas
que compõem a sua materialidade (papel, gelatina e prata), quando accionadas em
conjunto com a luz e processadas quimicamente, fazem dela uma entidade viva,
traduzindo sobre a folha não só a veiculação de uma mensagem visual, como a
presença de um objecto físico, uma matéria que ocupa um lugar no espaço. Sendo um
plano bidimensional, contém a priori uma imagem, e é em potência o receptáculo de
todas as imagens possíveis, é um suporte para uma visibilidade por vir.

Falamos aqui de visibilidade, não no sentido em que a uma imagem


fotográfica na sua determinação clássica corresponde à reprodução de um objecto real
proporcionado pela analogia, mas a uma imagem que corresponde a princípios de
produção, isto é, que seja gerada a partir do seu interior, assente em estruturas que
demonstrem a possibilidade do que poderá ser a fotografia se esta se desvincular de

9
“Abstraction proceeds in a reductive manner. It starts out from a complex situation and, by
increasingly leaving out non-essential elements, moves on towards essential elements, to “pure”
knowledge. Concretion proceeds in an inductive manner. It begins at “zero”, with an idea or an
element, which it links with others by rules, in order to create a new complex situation or a new
system”.

13
associações visíveis predeterminadas pelo real. E neste enquadramento poderemos
referir que existem então dois tipos de imagens abstractas: as que são produzidas ou
criadas, partindo de uma ideia, e por isso concretas, e as que mantêm uma relação de
mimetismo, através da captação óptica do infimamente pequeno ou grande da
realidade, e neste caso, aqui, tudo se resume a uma escolha de lentes. Nesta dicotomia
entre produção e reprodução Moholy-Nagy10 sugere:

Dado que a produção – criação produtiva - antes de tudo está ao serviço da


constituição humana, devemos tentar que os aparelhos - meios - que até agora só
foram utilizados para fins de reprodução também se apliquem para fins produtivos
(Nagy, 1993: 88).

Pierre Cordier (1982) desenvolveu a partir de 1956 um percurso singular no


campo da fotografia que assentou em experiências com quimigramas.
Etimologicamente quimigrama deriva da junção da palavra química com o grego
gramma, significando escrever com químicos. O autor tirava não só partido do que o
suporte já por si continha, a camada fotossensível à luz, como fazia uso dos químicos
como se de tinta se tratasse, expandindo a disciplina fotográfica para áreas limite
como o desenho ou a pintura.

Cordier suprimia qualquer uso de câmaras ou lentes, usando apenas o factor


químico da fotografia, pelo que as suas imagens viviam da própria materialidade do
suporte, aceitando a prova única, rompendo com a tradicional reprodutibilidade do
medium. O líquido revelador, que possibilita que uma imagem se torne visível, era
usado com diferentes diluições de modo a ter uma paleta variada de tons negros,
assim como o fixador, que possibilita a durabilidade da imagem, permitia funcionar
como uma espécie de apagador ou como produção de cor branca.

A prática de quimigramas dispensava o uso do tradicional laboratório, na


característica de ser um espaço onde a luz não entra, já que poderiam ser produzidos à
luz ambiente, possibilitando controlar e observar directamente os efeitos desejados
dos químicos sobre o suporte. O tradicional encadeamento processual de fotografias
era também desvirtuado, já que se poderia começar por exemplo pelo fixador ao invés

10
“Dado que la producción – criación productiva – ante todo está al servicio de la constituición
humana, debemos intentar que los aparatos – medios – que hasta hoy solo han sido empleados con
fines de reproducción se apliquen también con fines productivos”.

14
do revelador, bem como alterar o tempo necessário em cada um deles, numa lógica de
interpenetração química, processual e de acaso.

Fig. 7
Pierre Cordier, Photo-chemigram 28/9/78 II, 17x 11 cm

Na criação de imagens que não obedeçam ou partam de um modelo externo e


que se apresentem como meta-imagens, a imagem concreta é tendencialmente o
resultado de uma imagem criada em regime de laboratório, de maneira interna em
ambiente controlado, afectada por um certo espírito científico, fazendo uso criativo de
todo o apparatus fotográfico disponível, de maneira a produzir e a conhecer novas
relações e formas de interagir com a produção de imagens, mesmo que nessa
interacção se justifique a própria alteração do apparatus fotográfico em si,
desconstruindo-o, dando vida a novos aparelhos a partir dos existentes, que
possibilitem uma nova relação entre operador e operado, já que, alterando as regras do
jogo, não é a máquina que dita as suas leis, mas sim o autor que comanda todo o
hardware e software disponíveis. Recuperando Vilém Flusser11:

Com as máquinas, a máquina é a constante e o homem é a variável: a máquina está


rodeada por homens que podem ser substituídos uns pelos outros. Com aparelho há
uma intrincada co-relação de funções: o aparelho faz o que o homem quer que ele faça,
mas o homem só pode querer o aparelho para fazer o que ele pode fazer (1986).

11
“With machines, the machine is the constant and man is the variable: the machine is surrounded by
men which may be substituted one for another. With apparatus there is an intricate co-relation of
functions: the apparatus does what man wants it to do, but man can only want the apparatus to do what
it can do”.

15
Heinrich Heidersberger desenvolveu em 1955 imagens nas quais apenas usava
luz sobre o suporte fotográfico, os luminogramas. Auxiliado por dispositivos
construídos propositadamente e em constante aperfeiçoamento, criou a série
Rhythmogramme. Eram imagens produzidas através de um jogo de pêndulos e
espelhos que documentavam o movimento da luz no seu percurso dinâmico
submetido a diferentes oscilações e reflexos. O uso criativo do dispositivo é
indissociável das imagens de Heidersberger, a redução do processo produtivo
tradicional, possibilitado pela experimentação, é característica essencial das imagens
concretas.

Fig. 8
Heinrich Heidersberger, Triennale, da série Rhythmogramm, 1956

Fig. 9
Heinrich Heidersberger, Rythmographen, Wolfsburg, 1961

16
Pierre Schaeffer, numa entrevista (1972) em que explica a sua música concreta,
faz referência ao conceito grego de acousmatics, usado por Pitágoras, que consistia no
estudo dos sons e dos ruídos dos quais se desconhecesse a fonte ou origem. Pitágoras
usava este conceito enquanto estratégia na leccionação das aulas, com o objectivo dos
seus alunos nunca o verem, centrando a atenção nas suas palavras. Schaeffer usa este
exemplo em relação ao som, para explicar que a visão provoca a distracção do
espectador no acto de ouvir um som ou assistir a um concerto, já que a visão fazia
com que o espectador se centrasse mais no virtuosismo técnico de um músico do que
propriamente no som que ele tocava.

Pegando neste exemplo e no seu interesse pela natureza dos sons puros, tal
como eles nos chegam, sem notações ou convenções musicais, na fotografia concreta
poderemos relacionar o conceito de acousmatics com a produção de imagens que
prescindem da sua captação óptica, (cameraless), prescindindo do auxílio de lentes e
do consequente compromisso com a realidade enquanto referente. Este compromisso
não quer dizer que se esteja afastado da realidade, muito pelo contrário, é no centro
dela, que as imagens sem óptica se inserem.

Estamos tão condicionados pela sintaxe da câmara que não nos damos conta de que
funcionamos apenas com metade do alfabeto...(...) Todas essas imagens foram
produzidas basicamente de igual forma, com uma lente e uma câmara. O que quero
dizer é que existem muitas, muitas outras maneiras de produzir uma imagem
fotográfica e imagino que muitas delas estão todavia por explorar 12 (Fuss in Vicente,
2004: p. 40).

Ao fazer da luz a condição primordial para a visibilidade, a par do som para


aquilo que é audível, o concreto liga-nos directamente à raiz das coisas, processo em
que o que é importante como sugere Gottfried Jager (2005: 18) é a resposta à pergunta
o quê? E não o como? Ou onde?

Estas interrogações envolveram desde sempre a fotografia na afirmação: “isto, é


isto, é assim! ”, que Roland Barthes (2009: 13) afirmara na sua Câmara Clara e que
obedeceu à interpretação da fotografia como prova documental de factos ocorridos

12
“Estamos tan condicionados por la sintaxis de la cámara que no nos damos cuenta de que
funcionamos sólo com mitad del alfabeto... [...] Todas esas imágenes han sido producidas básicamente
de igual forma, con una lente y una cámara. Lo que quiero decir es que existem muchas, muchas otras
maneras de producir una imagen fotográfica y me imagino que muchas de ellas están todavia por
explorar".

17
num determinado espaço e tempo captados pelo fotógrafo para o interior de uma
câmara. Ao permitir a ideia de reflexo da realidade enquanto matriz e a sua
consequente reprodução massiva sobre diferentes suportes, o dispositivo óptico
contaminou os discursos em torno da fotografia sobre a forma de padrões semióticos
de interpretação, baseados em signos, símbolos e índices que a cultura se apressou a
legitimar.

Tal facto fez com que as imagens produzidas sem óptica ou câmara se situassem
durante muito tempo fora de uma prática textual e discursiva, pondo em causa a
validade destas serem ou não serem fotografia, como nos alerta Peter P. Blank (1990).

Ao pensarmos na génese destas imagens, a camera obscura, em que através de


um orifício, os raios de luz vindos do exterior se cruzam invertendo a condução da
imagem projectada ou até mesmo nas cameras lucidas, apparatus portáteis que
auxiliavam os pintores na observação e na cópia fiel da natureza através do reflexo de
um espelho, constituem na sua totalidade instrumentos que fazem parte da génese do
dispositivo imagético e que culminaram nas tradicionais máquinas fotográficas, mas
que direccionaram e fecharam sobre si uma apetência para a perspectivação do
mundo, para uma visão renascentista baseada no efeito janela enquanto realidade,
aproximando-se de um legado historicista da pintura quer em termos composicionais
quer em termos de enquadramento, condicionando o formato de um negativo a uma
forma pré-determinada, quando opticamente a formação de uma imagem é um
círculo, é uma forma perfeita sem ângulos rectos como um rectângulo ou um
quadrado. E deste modo, é característico da imagem concreta, a possibilidade de ela
própria criar os seus enquadramentos, livre de qualquer imposição veiculada pelo
apparatus mas respeitando sempre a natureza da luz enquanto matéria bruta, apta a
ser investigada e testada em todas as suas potencialidades plásticas e didácticas.

Quando a fotografia é usada sem câmara, como fotograma, como escrita de luz (...) são
suficientes para criar uma linguagem lumínica - desprovida de significado objectual - capaz de
suscitar uma experiência óptica imediata13 ( Nagy, 1993: 134).

13
“Cuando la fotografia se emplea sin cámara, como fotograma, como escritura de luz (...) son
suficientes para la creación de un lenguaje lumínico – desprovisto de significación objectual- capaz de
suscitar una experiencia óptica inmediata”.

18
Neste sentido, as imagens produzidas sem câmara ou lente têm uma grande
componente experimental porque ao porem em causa normas pré-estabelecidas
inventando novas possibilidades fora do alcance das fotografias que se baseiam em
dispositivos ópticos, instauram um novo modo de produção de imagens. Elas não
existem a priori, têm que ser criadas, e o que pode potenciar o encadear de uma pura
linguagem fotográfica é a luz, trabalhada a partir de bases experimentais próximas do
método científico. Como sugere Umberto Eco: “[...] o método experimental reside no
facto de, no momento em que se pergunta o que é um fenómeno, o cientista decidiu
deixar de acreditar em tudo o que até aí sabia sobre ele, e recomeçar tudo do princípio
[...]” (Eco, 2000: 229).

Nesta lógica de procurar conhecer as leis da física que operavam sobre a luz,
Sónia Landy Sheridan (1990), docente na Escola de Chicago em meados dos anos
setenta, num dos seus exercícios como docente, propunha aos alunos que escolhessem
um objecto e que desenhassem, ou melhor, contornassem a sombra que o circuito do
sol imprimia ao longo do dia sobre esse objecto. Eram desenhos contínuos realizados
de 15 em 15 minutos e que de uma forma simples e pedagógica tentava despertar o
interesse dos seus alunos para a importância da luz e do seu ciclo físico.

Fig.10
Sonia Landy Sheridan, Tracing the Shadows of Time, caneta e tinta, 81/2 x 11 in, 1977

O luminograma é uma das técnicas que legitima o concretismo na fotografia.


Descende directamente do fotograma, mas ao invés de a imagem surgir através da
sombra projectada de um objecto disposto em contacto directo com uma superfície
fotossensível, prescinde da existência de um objecto físico, sendo a luz a sua fonte
emissora. Esta situação aproxima-se daquilo que Jean- Marie Schaeffer (1996: 18)

19
designou por impressões por luminância directa, que correspondiam ao conjunto de
fotografias efectuadas directamente ao sol e às estrelas, em que o objecto impresso
correspondia à própria fonte de irradiação de energia e não a um reflexo da mesma.

Fig. 11
August Strindberg, Celestographs, 1894.

A série Celestographs de August Strindberg, de 1894, constitui o primeiro


exemplo de luminogramas. Strindberg expunha chapas sensibilizadas directamente à
luz nocturna, criando mapas de céus estrelados empíricos sem o uso de qualquer lente
ou dispositivo; era um processo causa – efeito: simplesmente a gravação da
luminosidade celeste sobre um suporte. Poderíamos colocar esta série de trabalhos em
paralelo com as experimentações físicas de Issac Newton, Jules Antoine Lissajous ou
Étienne Léopold Trouvelot, em que o mundo é directamente como é.

1.4 - Sistemas Generativos

No seguimento das problemáticas inauguradas pela Arte Concreta, Max Bense


insurgiu-se em 1965 com a estética generativa (1975) no seguimento de uma primeira
publicação sobre imagens gráficas de computadores. A estética generativa admitia o
uso de processos matemáticos através de funções, esquemas ou séries em consonância
com o uso de equipamento tecnológico, como os computadores.

Bense (1975: 136) afirma: “A obra não é mais imediata em relação ao


criador”. O automatismo das máquinas dava lugar ao computador, à execução de
cálculos e algoritmos contidos num programa onde a subserviência do autor em
relação às máquinas não era total, pois era permitida a lei da casualidade sobre os

20
procedimentos, isto é, os dados contidos num programa eram passíveis de ser
alterados pela intuição e pela vontade expressa do autor, que aliás permitia manter
uma certa característica do trabalho manual e do livre arbítrio humano.

Generative Systems foi um programa académico que surgiu pela mão de Sónia
Landy Sheridan em 1970 no Art Institute of Chicago, a 2ª Bauhaus. O curso tinha
como objectivo unir artistas, cientistas e técnicos de empresas de fabricação de
máquinas tecnológicas em torno de uma nova abordagem de produção artística que
respondesse às mudanças tecnológicas e comunicacionais que se verificavam no seio
da sociedade. O aparecimento de várias máquinas electrónicas de processamento e
cópia expandia a produção de imagens e consequentemente a sua transmissão e
divulgação; eram as modernas máquinas fotocopiadoras Xerox ou os primeiros
computadores, que permitiram uma nova releitura sobre as disciplinas da fotografia,
gravura entre outras, e no impacto que a tecnologia teria no seu desenvolvimento
futuro.

Ian: “ O que é que tens?”14


Sónia: “ Sistemas.”
Ian: “ Que tipo de sistemas?”
Sónia: “ Bem, nós geramos ideias e imagens.”
Ian: “Então tu és um “sistema generativo.”
(Sheridan, 1983: 108)

Os novos apparatus estavam ao serviço dos alunos mas estes não se deveriam
ficar pelo que era novo, sendo encorajados a redescobrir os antigos processos, era
suposto que cada aluno fosse capaz de construir as suas máquinas ou ferramentas de
trabalho conforme o projecto ou o objectivo a que se propunham. Muitos deles
procuravam máquinas obsoletas, de modo a transformá-las numa nova máquina apta a
ter novas funcionalidades, até mesmo com funções diferentes daquelas para as quais
tinham sido produzidas. Arte, ciência e tecnologia era um triângulo de
experimentação e de descoberta de sistemas, que pode ser descrito como os
primórdios da Arte Multimédia enquanto área científica, como Sónia Landy Sheridan
(1990: 179) defendia: “Processo e produto são dois componentes de um sistema – o
processo criativo”15. Investigar fontes de energia, desde as mais elementares, como os

14
“Ian: "What do you have?”, Sonia: "A systems." Ian: "What kind of systems?" Sonia: "Well, we
generate ideas and images." Ian: "Then you are a 'Generative Systems'".
15
“Process and product are two components of one system-the creative process”.

21
ciclos naturais até às mais complexas, apoiadas pela tecnologia, é demonstrado pelo
seguinte diagrama que expressa a interactividade da natureza e as suas possibilidades
enquanto Generative Systems:

Fig. 12
Sonia Landy Sheridan, Generative Systems, Art Institute of Chicago, 1979

A evolução dos sistemas generativos culminou naquilo que se veio a designar


por fotografia concreta. Poderemos aceder a esta evolução no artigo de Gottfried
Jager, “ Generative Photography: A systematic, Constructive Approach” (1986), no
qual todas as premissas em que o autor assenta os seus ensaios futuros legitimando a
fotografia concreta, estão já descritas e enunciadas, embora as descreva como
fotografia generativa em lugar de as descrever como fotografia concreta.

Jager enuncia três directivas que estão na base da fotografia generativa: a


fotografia experimental desde 1920, em que destaca os fotogramas de Christian
Schad, Man Ray e Moholy - Nagy. O apparatus art, que compreende todo o tipo de
apparatus usado na produção e visualização de imagens, desde a camera obscura até
ao computador, e por fim a estética generativa descrita por Max Bense em sintonia
com os autores da antiguidade clássica.

As problemáticas entre produção e reprodução, entre óptica e cameraless, entre


abstracção e síntese do próprio medium, que procurámos mostrar ao longo deste
capítulo, estão já enunciadas neste artigo de Jager, faltando apenas o contributo da
arte concreta que funcionará como elemento mediador destas premissas, nas futuras
publicações do autor, já anteriormente referenciadas na presente dissertação.

22
Fig. 13
Gottfried Jager, Pinhole Structures, 1986

23
CAP. II - O CONTACTO

O tecido, tornado fotossensível através de uma impregnação de brometo de prata,


era exposto à luz. Envolvia-se nele, em seguida, o modelo, que saía, ainda todo
molhado dos pés à cabeça, dum banho de revelador, como um cadáver numa
mortalha [...] Dermografia seria um vocábulo mais apropriado para a designar
(Tournier, 1986: 29).

Ao dissertarmos sobre o contacto na fotografia, inevitavelmente surge-nos o


fotograma como marca arquétipo desta problemática.
O contacto tem múltiplas formas de expressão. Na sua etimologia ressalta a
tactilidade: derivado do Latim contactus, particípio passado de contingere, “tocar,
agarrar”, formado por com, “junto, com”, + tangere, “tocar, encostar”, e que originou
as palavras “tocar” e “tacto”. Numa dimensão poética poderíamos pensar nas vulgares
lentes de contacto como um dispositivo óptico que, em contacto directo com os olhos,
nos permite ver o mundo de uma forma focada, ou no desenvolvimento apurado do
sentido do tacto de um invisual no desempenho das suas tarefas do dia-a-dia, ou até
mesmo nas mãos de uma criança perante um pedaço de barro virgem. Geralmente
somos mais traídos pelos mecanismos da visão do que pelos do tacto; a segurança de
uma tangibilidade perante o mundo pode ser simbolizada apenas num par de mãos:

Quando dois pedaços de madeira seca foram parar pela primeira vez às mãos de um
selvagem, mercê de que indicação da experiência poderia ele imaginar que eles iriam
inflamar-se por meio de uma fricção rápida e prolongada? (Schlegel in Bachelard,
1989: 29).

O domínio do fogo por parte do homem primitivo bem como o acto sexual na
perpetuação da espécie ressoam como imagens arquétipo de um contacto primordial.
Característica que proporcionou a humanização e nos distinguiu das outras espécies.
A conquista do fogo desde muito cedo envolveu uma série de ritos e manifestações
arcaicas a ele associados, como forma de celebrar uma divindade inatingível mas
natural. Nenhum outro elemento teve tanto destaque na evolução humana, “ é a ideia
da vida que, projectada no Cosmos, o “sexualiza” ” (Eliade, 1987: 29).
Substituamos o domínio do fogo pelo domínio da luz, a fotografia.

24
A fotografia representa a junção de três sistemas, um de natureza óptica que
permite a formação da imagem, outro de natureza química que permite a sua
impressão e consequente fixação e, por último, a dimensão física que faz da luz a sua
essência primordial.
Na fotografia, o fotograma surge como o acto fotográfico que suprime o uso
da câmara, cameraless, extingue tudo o que se relacione com o uso de lentes, com a
óptica em si, reflectindo um descompromisso com a evolução histórica vinda da
camera obscura, no dispositivo de resgate de imagens externas através de um orifício,
mas que constrói a sua base de sustentação na prática laboratorial química, no facto
dos sais de prata serem sensíveis à luz e, consequentemente, poderem ser fixados,
perpetuando a longevidade de uma imagem.
Indiciador de toda uma génese fotográfica por permitir fixar uma imagem
permanentemente, a versatilidade plástica e química do fotograma permite a
experimentação, o atentar contra o medium, possibilitando criar imagens não
alcançáveis se limitado apenas pelo sistema óptico. Por isso designamo-lo como o
acto fotográfico que mais perto está do real, isto é, proporciona a prova directa, mas
também o que mais tende para a abstracção, para lá da realidade discernível.
Sendo uma tradução literal de sombras e luz, entre um referente e uma
superfície fotossensível, o fotograma vive das sombras que o efectivam como
imagem, assim como a nossa própria sombra também nos personaliza. É a escala de
um para um, é o corpo e o seu duplo. Floris Neusüss nas suas séries de fotogramas de
grande formato, explora a relação da escala humana directamente sobre o suporte
fotossensível. Muitas vezes as suas imagens são invertidas, as sombras aparecem a
negro sobre um fundo claro devido ao autor usar papel auto-reversível, que permite
produzir imagens directamente em positivo.

25
Fig. 14
Floris Neusüss, S/título, gelatina e prata sobre papel, fotograma, Kassel, 1967.

[...] a sombra do corpo que ladeia cada corpo à nascença [...]


(Maia, 2009: 32)

Um dos aspectos do fotograma é o facto de ele se relacionar com o pretérito


presente, com o fazer, quer isto dizer que, aquando da sua produção, não obedece a
nenhum dado do passado, não descende de nenhuma matriz, não procura reproduzir
um acontecimento que já aconteceu, como no acto de imprimir uma fotografia que
está já contida à partida num negativo captado por uma tradicional máquina
fotográfica, mas antes efectua-o, instaura um tempo e um espaço efectivo, nasce
enquanto fotografia.
Jean Marie Schaeffer (1996: 19), enquadra o fotograma no grupo das
impressões “por travessia”, ao lado das impressões de raio-X e das ecografias.
Segundo o autor, este grupo de imagens não pode ser considerado como analógico
devido à informação visual resultante da impressão referir-se mais à densidade das
matérias que a luz atravessa, do que à matéria em si, ou seja, o objecto físico causador
dessa mesma densidade é apenas revelado de forma aparente e nunca na totalidade
dos seus traços.

26
Fig. 15
Wilhelm Rontgen, The bones of a hand with a ring on one finger, viewed through x-ray, 1895.

Dentro do universo das imagens fotográficas, o fotograma e a radiografia têm


afinidades, representam pontos limite do nosso campo visual. O primeiro situa-se
aquém de todas as imagens que associamos como análogas a algo, e aqui utilizando
uma analogia com o termo arquitectónico “planta”, onde tudo assenta, é certo afirmá-
lo como génese da fotografia. Por outro lado, as radiografias, sendo imagens que
vivem da profundidade, de comprimentos de onda que estão para lá do nosso espectro
visível, permitem-nos ver como é o interior dos corpos. Ambos os casos, fotograma e
radiografia, sugerem pertencer a um dado objecto, sem nunca o mostrar na totalidade,
funcionando como índices, tal como Peirce afirma:

Um índice é um signo que remete ao objecto que ele denota, pois é realmente
afectado por esse objecto. [...] Na medida em que o índice é afectado pelo objecto,
tem necessariamente alguma qualidade em comum com o objecto, e é em relação às
qualidades que pode ter em comum com o objecto, que ele remete a esse objecto
(Peirce in Schaeffer, 1996: 51).

Na qualidade de índice que o fotograma revela, o de suscitar pistas sobre um


referente, “a imagem criada (...) é de traços fantasmagóricos de objectos que partiram;
eles se parecem com pegadas na areia, ou marcas que foram deixadas no pó” (Krauss,
1977: 75). Esta característica está implícita até na designação quando, por exemplo,
falamos de fotogramas de um filme de imagens em movimento. Quando estamos
numa sala de cinema, estamos na realidade perante a observação do positivo de um
filme copiado a partir de um negativo, por cópia directa, por contacto. Antes de
qualquer outra qualidade semiótica, ele é antes de tudo um índice.

27
Man Ray num fragmento da peça fílmica Retour à la raison de 1923, usou o
processo de inscrição de fotogramas directamente sobre a película, dispensando o uso
da câmara de filmar ou da canónica divisão de frames. Trabalhou directamente a
matéria, manualmente, criando um efeito de paralaxe híbrido entre a estaticidade dos
objectos impressos e o seu consequente movimento quando projectado. O
distanciamento entre o espectador e a obra encurta-se, na medida em que é um
original bruto apresentado de forma directa. “Atirei alfinetes e tachas ao acaso; em
seguida, acendi a luz branca por um segundo ou dois, como fizera para os meus
Rayogramas16” (Ray in Elcott, 2008: 8).

Fig. 16
Man Ray, Retour à la raison, fotograma sobre película, 1923.

André Bazin numa nota de rodapé do seu texto Ontologie de l'image


photographique, de 1945, compara o automatismo da fotografia à produção de moldes
na feitura de máscaras funerárias:

a moldagem de máscaras mortuárias, por exemplo, que da mesma forma envolve um


certo processo automático. Pode-se considerar a fotografia, neste sentido, como uma
moldação, a obtenção de uma impressão, por meio da manipulação da luz17 (1960: 7).

Esta afirmação reflecte a proximidade da fotografia com a morte e com um


conjunto de imagens fundadoras que povoaram o imaginário cristão ao longo dos
séculos, como a imago na Antiguidade, na Roma clássica, que era a cópia directa dos
rostos dos defuntos, feita através de moldes de cera, que eram guardados no atrium
das casas ou no templum, o lugar público do culto. Estas máscaras assemelhavam-se à
mumificação egípcia, também elas funcionando como forma de perpetuação da vida
além morte, lembrando feitos e glórias de imperadores ou de nobilíssimas figuras da
polis (Caprettini:1973: 34). Em Assombra de Tomás Maia (2009: 37), Dupont alerta-
nos para o carácter indicial dessas máscaras de cera, por derivarem efectivamente da

16
“I threw pins and thumbtacks at random; then turned on the white light for a second or two, as I had
done for my still Rayographs".
17
“the molding of death masks, for example, which likewise involves a certain automatic process. One
might consider photography,in this sense as a molding, the taking of an impression, by the
manipulation of light”.

28
presença verdadeira do defunto, por contacto directo, e não como manifestação
simbólica ou fictícia da sua presença. “A imago assegura uma presença do defunto na
Terra após o seu funeral, presença verdadeira que nada tem a ver com a presença-
ausência de imagens que apenas seriam semelhantes” (Dupont in Maia, 2009: 37).
Com o devir da fotografia, e com o consequente mecanismo de reprodução, a
relação de causalidade directa passaria a ser de um para múltiplos. Mas o que
interessa ressaltar aqui, mais do que com a fotografia, é a sua similitude ao fotograma.

A Fotografia tem algo a ver com a ressurreição: não se poderá dizer dela o que
diziam os Bizantinos da imagem de Cristo de que está impregnado o Sudário
de Turim, ou seja, que ela não é feita pela mão do homem, acheiropoetós?
(Barthes, 2009: 93).

A par da imago romana, e no contexto das imagens que comportam um


sentido religioso e que apelam ao contacto, o Sudário de Turim é talvez um dos
primeiros antecedentes de uma fotografia por contacto.
O Sudário é uma imagem sagrada, que representa uma impressão por contacto
entre o corpo de um homem e um pano de linho, que se crê ter sido o pano que cobriu
Cristo aquando da sua morte. Nele são visíveis traços e manchas em tons de sépia,
representando um corpo em negativo, com 4,3 por 1,1 metros, que ficaram registados
após a sua ressurreição, provavelmente devido a vestígios de sangue ou à própria
decomposição do corpo.
Estas características são reveladoras de uma relação directa, por contacto, de
uma causalidade entre o objecto (corpo), ou seja, a matéria e a sua marca reproduzida
sobre um suporte, em que a matriz é o objecto em si, sendo o seu resultado
apresentado sob a forma de um negativo.

Fig. 17
Sudário de Turim, in Catedral de S. João Baptista, Torino, Itália, 430x110cm, c. 30 DC.

29
Existem inúmeros estudos18 e especulações em torno da imagem do Sudário
de Turim, alguns deles demonstrando que a imagem não é originalmente captada a
partir do corpo de Cristo, mas uma segunda cópia, derivada de um possível original.
Para além de ser uma relíquia do mundo sagrado ocidental, esta imagem
apresenta simultaneamente características de um ícone, pois é reveladora da presença
do corpo de Cristo sobre um pano de linho, constituindo uma prova da sua existência,
diferindo no entanto das tradicionais relíquias dos santos, que geralmente são
representados por um conjunto de ossos, símbolos da sua passagem terrena; a matéria
dá lugar à representação de uma marca impressa, aproximando-se de um valor de
ícone. A função dos ícones, no facto de estes serem produzidos para serem colocados
na iconóstase, no ponto médio sagrado das igrejas ortodoxas do mundo oriental,
mediando o processo de comunicação entre o mundo sensorial e o mundo espiritual
(Caprettini:1973: 34), é enfatizado pela característica de os ícones serem
originalmente acheiropoietos, ou seja, produzidos sem o auxílio de mãos humanas.

Para além do Sudário de Turim, há um conjunto de imagens arquétipo, ícones,


que se formaram através de lendas, carecendo de prova factual, mas que vivem do
valor simbólico, neste caso, o grupo de imagens que representam a efígie de Cristo
ainda em vida. Estas imagens ao serem efectuadas pela própria divindade
manifestavam a impossibilidade da sua representação, senão através dela própria.
O Mandylion de Edessa (Sobral, 1986: 10) crê-se ter sido o primeiro ícone.
Conta a história que o rei de Edessa, Abagaro, ordenou que um pintor fosse no
encalço de Jesus Cristo e que o retratasse. O pintor ao estar defronte do seu modelo
foi incapaz de pintar o quer que fosse, tal era a luz e a energia que irradiava da cabeça
do filho de Deus, ofuscando-o, impedindo-o de ver correctamente a sua face. Jesus,
perante tal incapacidade, pegou num pano que cobria o pintor e colocou-o sobre o seu
rosto, imprimindo a sua face e os seus traços directamente sobre o pano, enviando-o
ao rei de Edessa.

18
Sobre este assunto ver: Meacham et al (1983) The Authentication of the Turin Shroud: An Issue in
Archaeological Epistemology.

30
Fig. 18
Mandylion de Edessa, in Capela privada do Papa, Vaticano, Itália, s/d.

Numa outra lenda (Sobral, 1986: 10), aquando da sua caminhada final até à
cruz, Jesus terá sido abordado por uma mulher, Verónica, que por compaixão, terá
secado o rosto de Jesus com um pano, e nesse pano terá ficado a marca da sua face,
posteriormente conhecido como “o véu de Verónica”.
Este conjunto de imagens acheiropoietos, ao serem únicas, e produzidas por
elas mesmas, descendem directamente da divindade em si. Margaret Kenna19 elucida-
nos sobre a sua função:

Porque o mandylion se acreditava ser a impressão do rosto de Cristo, os ícones


pintados baseados nele ou em ícones anteriores têm a validade de cópias de um
autêntico original. Como com Cristo, como para as cópias dos santos, estes não se
podem distanciar muito do original podendo quebrar o vínculo com o protótipo e,
assim, perder a sua autenticidade. Em outras palavras, um ícone não é apenas uma
imagem, não simplesmente uma cópia ou uma lembrança de um original. Por
representar esse original de uma forma particular, mantém uma conexão com ele,
assim como uma tradução faz com o texto original” (Kenna, 1985: 358).

Esta criação sem intervenção humana surgiu pela primeira vez nas primeiras
imagens fotográficas permanentes, a partir do momento em que Henry Fox Talbot em
Janeiro de 1834 demonstrou a arte dos seus “desenhos fotogénicos”. Estas imagens
iniciais da história da fotografia, surgidas em plena revolução positivista no campo

19
“Because the mandylion was believed to be the imprint of Christ's face, painted icons based on it or
on earlier icons of it have the validity of copies of an authentic original. As with Christ, so with the
saints-copies cannot stray far from the original without breaking the link with the prototype and thus
losing their authenticity. In other words, an icon is not just a picture, not simply a copy or a reminder of
an original. By representing that original in a particular way it maintains a connection with it, as a
translation does with the original text”.

31
das ciências, assentavam na impressão directa por contacto de espécies botânicas
sobre um papel fotossensível à luz. Johann Heinrich Schulze, físico alemão, já em
1727, havia demonstrado a fotossensibilidade do nitrato de prata que escurecia devido
à acção da luz ao invés do calor.

Pela primeira vez, entre o objecto originário e a sua reprodução há intervenção


apenas na instrumentalidade de um agente não vivo. Pela primeira vez, uma
imagem do mundo é formada automaticamente, sem a intervenção criativa do
homem20 (Bazin, 1960:7).

Partindo de experimentos químicos anteriores, Talbot pincelou sobre um papel


de escrita de grande qualidade uma primeira camada com sal, sobre a qual, depois de
seca, era aplicada uma outra camada, sensível à luz contendo nitrato de prata. Após
serem expostas ao sol, as imagens formavam-se por si sós como silhuetas brancas
sobre um fundo escurecido, sendo de seguida fixadas com o recurso a uma segunda
camada de sal, de modo a preservar a sua durabilidade.
Talbot em The Pencil of the Nature (1844: 6) descreve o factor determinante
que permitiu chegar à execução correcta das suas provas fotográficas: a descoberta da
porção ideal de sal e nitrato de prata que a mistura química deveria conter. E só se
apercebeu deste facto quando reparou que algumas partes da imagem pareciam ser
mais sensíveis em determinadas zonas do que noutras, e que isso se devia ao facto de
em algumas pinceladas o sal ficar retido, formando uma acumulação excessiva nessas
partes. O sal tinha então que ser doseado convenientemente, e Talbot descobriu que
tinha que usar muito pouco sal para permitir que uma imagem se tornasse mais
sensível à luz, e que, pelo contrário, para a fixar correctamente tendo em vista uma
maior longevidade, o sal devia ser usado em muito maior quantidade e concentração.
Estas imagens respondiam ao anseio antigo de transferir o mundo visível para
um suporte; para lá do desenho ou da pintura, a realidade era livre para actuar como
prova de legitimação científica e abrir caminho para o desenvolvimento da fotografia.
Sem o auxílio de lápis ou mãos, todo o processo era o resultado directo da luz
do sol, “o lápis da natureza”. Talbot colocava-nos perante o índice fotográfico,
imagens que resultavam directamente do seu referente, o objecto em si, sob a forma

20
“For the first time, between the originating object and its reproduction there intervenes only the
instrumentality of a nonliving agent. For the first time an image of the world is formed auto-matically,
without the creative intervention of man”.

32
de marcas impressas de folhas naturais, que num primeiro momento não pretendiam
simbolizar ou significar algo estético ou artístico, mas sim inventariar ou catalogar
espécies vegetais.

Fig. 19
Henry Fox Talbot, Two delicate plant fronds, desenho fotogénico, 22.8 x 18.3 cm, 1839.

Inicialmente Talbot, nos seus diários, como sugere Pedro Miguel Frade,
designou estas imagens fotogénicas, de skiagráficas (1992:72) ou seja, de grafias
(escritas) de sombras. Já na antiguidade clássica, Platão em a República ressalvava
este aspecto:

Chamo imagens, em primeiro lugar, às sombras; seguidamente, aos reflexos nas


águas, e àqueles que se formam em todos os corpos compactos, lisos e brilhantes, e a
tudo o mais que for do mesmo género, se estás a entender-me (1987: 313).

As sombras de Talbot representavam o início do rumo que a sua investigação


iria tomar, com o devir dos calótipos, ao assumir estes negativos iniciais como
possíveis matrizes e como ponto de partida para serem utilizados na reprodução de
cópias positivas.
O que é necessário ressalvar nestes experimentos de Talbot é, não só a ideia de
que a imagem se fazia por si de forma automática, mas também o facto dessa cópia
descender directamente do objecto em si, na relação de um para um sem o auxílio de
intermediários. Ao ser uma cópia directa, não só aumentava o seu grau de veracidade
como pela primeira vez a legitimava em termos de experimentos científicos,
permitindo uma evolução histórica, influenciando os seus parceiros mais próximos da
singularidade do seu processo.

33
Sir John Herschel, em 1842, patenteou a cianotipia, um processo fotográfico
por contacto, semelhante ao de Talbot, que resultava na impressão de imagens em
tons azuis Prússia, mais tarde designadas por blue prints. A cianotipia não
comportava sais de prata, pois a descoberta da fotossensibilidade de certos
componentes férreos à acção da luz, como o ferricianeto de potássio em conjunto com
o citrato de ferro de Amónio21, revelaram a Herschel a possibilidade de produzir
imagens sem câmara, em negativo, directamente expostas ao sol por contacto.
Herschel inicialmente interessou-se por copiar gravuras, numa dinâmica negativo -
positivo, mas rapidamente se apercebeu que havia uma perda de qualidade no
positivo, dada a espessura do papel que a luz tinha que atravessar.

Fig. 20
Sir John Herschel, The Honourable Mrs. Leicester Stanhope, Cianotípia, 1836.

A revelação do processo fotográfico de Herschel foi importante para o


desenvolvimento do trabalho de Anna Atkins no campo da botânica e da fotografia.
Atkins publicou em 1843 o primeiro livro ilustrado cujo conteúdo era apenas
produzido com imagens fotossensíveis: Photographs of British Algae: Cyanotype
Impressions, e que correspondia a uma inventariação de espécies de algas britânicas
através do uso de fotogramas com as suas respectivas anotações científicas.

21
A adição deste químico acelerava o processo, permitindo que as imagens não tivessem que ser
dispostas a longos tempos de exposição.

34
Fig. 21
Anna Atkins, Fucus Vesiculosus, Cianotípia, 26,4x20,6cm, 1843.

O dispositivo de inscrição de silhuetas que surgiu em França, em pleno


séc.XVIII na sequência dos pequenos retratos miniatura existentes na época, antecede
a fotografia na representação fiel do retrato. A arte da silhueta baseava-se na cópia
directa de retratos de perfil pintados a negro ou recortados sobre papel de lustro, feitos
directamente a partir da projecção da sombra de um retratado.

Fig. 22
Autor desconhecido, silhueta de William Groth, c. 1802-10.

Este dispositivo democratizou-se. A sombra era tomada como factor


identitário, personalizando o indivíduo perante a sociedade e, neste contexto,
poderemos ligá-la à lenda grega do aparecimento da imagem no mundo ocidental, tal
como é relatado por Plínio, o Velho na sua História Natural, aqui na tradução de
Tomás Maia (2009:39):

35
[...]Também utilizando a terra, o oleiro Butades de Sícion foi o primeiro a descobrir a
arte de modelar retratos em argila; isto passou-se em Corinto devendo a sua invenção
à sua filha, que se tinha enamorado de um jovem (quae capta amore iuuenis); estando
este de partida para o estrangeiro, ela circunscreveu (circumscripsit) com uma linha a
sombra do seu rosto projectada na parede pela luz de uma lanterna (lucernam); o seu
pai aplicou argila sobre o esboço, fazendo um relevo que pôs a endurecer ao fogo
com o resto das suas cerâmicas, depois de o ter secado; esta obra, diz-se, foi
conservada no Nymphaeum até à época do saque de Corinto por Múmio.

Em Reading Position for Second Degree Burn (1970), Dennis Oppenheim


documenta a acção performativa de ler um livro numa praia. O contacto directo do
livro sobre a sua pele, exposto durante cinco horas ao sol, provocou-lhe uma
queimadura em segundo grau, uma impressão directa, conceptualizada pela ideia
subjacente do acto de ler. Tal como o papel fotográfico, também a pele é sensível à
luz. A impressão de um fotograma natural pela extensão do tempo é fixo pela
captação fotográfica durante e depois de todo o processo, a fotografia fotografa-se a si
própria.

Fig. 23
Dennis Oppenheim, Reading Position for Second Degree Burn, 1970.

Na exploração dos elementos luz e sombra de modo natural e directo, a


contemporaneidade fotográfica revela autores como Adam Fuss e Susan Derges que
partilham as mesmas preocupações: o repudiar da câmara fotográfica e a manutenção
do trabalho manual que permite o controlo de todo o processo. O fotograma é
essencial no percurso destes autores, Derges trabalha a partir do exterior, procurando
revelar a essência dos elementos naturais como o movimento da água através da

36
imensidão nocturna. Dispondo o papel fotográfico directamente no fundo de rios ou
riachos capta a simplicidade da natureza de forma directa à luz nocturna,
demonstrando muitas das vezes particularidades que escapam à visão humana,
alterando a noção de paisagem sob a forma de provas únicas.

Fig. 24
Susan Derges, Starfield - Fountain, ilfochrome, prova única, 105 x 58cm, 2004.

37
CAP. III – O MAPEAMENTO DO SUBLIME

Fazendo-o girar, lhe conferiu a forma redonda, a forma esférica, na qual a distância
do centro a todos os pontos da periferia é sempre a mesma, a mais perfeita de todas
as formas e a mais semelhante a si mesma (Platão, 2003: 71).

Na contemporaneidade, o mundo é povoado por mapas, virtuais ou físicos,


podendo ser facilmente acedidos por qualquer pessoa. Espalhados por diferentes
campos do saber e da informação, o mapa tem a finalidade de informar, de nos situar
espacialmente a partir do exterior, demonstrando relações espaciais que de outro
modo seriam invisíveis e inacessíveis.

Nas modernas tecnologias de informação, o mapa substitui as tabelas; o seu


arranjo gráfico permite uma maior compreensão de um todo. Pensemos nos mapas
eleitorais veiculados nos órgãos de informação ou no próprio funcionamento da
internet; são pontos e linhas em constante ligação que definem um território, seja ele
colectivo ou particular. Correntemente, a maior parte dos estudos estatísticos sobre
qualquer assunto, culmina na representação de um mapa sobre os resultados obtidos.
Sobre a mutabilidade do mapa Gilles Deleuze afirma:

É aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, invertível,


susceptível de receber modificações constantemente. O mapa pode rasgar-se, ser
virado do avesso, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser posto em estaleiro
por um individuo, um grupo ou formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede,
concebê-lo como uma obra de arte, construi-lo como uma acção politica ou como
uma mediação (1972: 32).

A aceleração e o acesso à informação que a tecnologia permitiu fizeram dos


mapas importantes instrumentos de representação, muitos deles não pela importância
de serem rigorosos, mas pela facilidade de leitura e pela capacidade de poderem
armazenar e sintetizar uma grande quantidade de informação sobre um só plano. Esta
abertura do mapa a diferentes disciplinas e campos do saber fez dele uma importante
ferramenta lógica e empírica. O desejo de conhecer universalmente o traçado
terrestre, dos seus limites face ao mar, acompanhou desde sempre o desenvolvimento
humano.

38
O mapa geográfico ou político permitiu ao homem testar-se e alcançar limites
que até à data desconhecia. Para lá de representar colectivamente o conhecimento e a
visualização da totalidade do globo, o mapa permitiu instaurar um acontecimento no
sujeito, de ele próprio poder conhecer os seus limites e até mesmo quebrá-los; eis o
mapeamento do sublime.

O mapeamento gráfico da superfície terrestre acompanhou a evolução


histórica do conceito de horizonte. Louis Marin (1993), no seu artigo “Frontiers of
Utopia”, afirma que durante a Idade Média o horizonte era apreendido como um
limite efectivo, como uma divisão inultrapassável entre céu e terra. Enquanto no séc.
XVII o termo evoluiu para a descrição da parte da paisagem que se situava mais
próxima desse limite, e mais tarde na época romântica designando o que estava para
lá dessa mesma visualização ou limite, que não era fisicamente apreendido mas
intuído sob a forma de um desejo subjectivo de espaço infinito, aberto e sem
fronteiras.

Nesta descrição de Marin, a ideia de horizonte progrediu sucessivamente em


altura, vencendo o peso da gravidade desde a terra firme até ao infinito do espaço
celeste, e o mesmo aconteceu com o desenho de mapas que, à medida que novas
descobertas marítimas permitiram conhecer e registar novos mundos, estes foram
sucessivamente alterados e actualizados graficamente; e aqui afirmamos que a ideia
de horizonte transpôs o próprio conhecimento adquirido da superfície terrestre, dado
que ao dispormos na contemporaneidade de ferramentas que nos permitem a
visualização de mapas em tempo real, e de nos situarmos neles espacialmente, a ideia
de horizonte deixa de se cingir apenas ao conhecimento que detemos do planeta para
se alargar a outros territórios ainda desconhecidos.

O infinito porém é absolutamente (não apenas comparativamente) grande.


Comparado com ele, tudo o mais (da mesma espécie de grandezas) é pequeno. Mas,
o que é mais notável, tão só de pensá-lo como um todo denota uma faculdade do
ânimo que excede todo o padrão de medida. Pois para isso requerer-se-ia uma
compreensão que fornecesse como unidade um padrão de medida que tivesse uma
suposta relação determinada e numérica com o infinito; tal é impossível (Kant, 1992:
93).

Thomas Ruff (2011), num dos seus últimos projectos fotográficos, aborda esta
mesma questão. Procedeu à representação virtual de paisagens aéreas do planeta
Marte. Partindo de imagens de satélite captadas pelo projecto da NASA: Mars

39
Reconnaissance Orbiter, Ruff tentou criar uma visão utópica de como seria no futuro
o campo visual dos passageiros ou tripulantes de um avião que sobrevoasse a
superfície de Marte.

Ruff efectuou o download das imagens da NASA, originalmente a preto e


branco e de alta resolução, editando apenas a cor e criando um sistema de perspectiva
híbrido que permitiu calcular a transformação necessária a efectuar ao declive do
terreno, passando de uma imagem originária plana, topográfica, bidimensional, para
uma a três dimensões, próxima da visão humana.

Fig. 25
Thomas Ruff, ma.r.s.10, c-print, Diasec, 256 x 186 cm, 2010.

Esta tradução de uma imagem vertical para uma oblíqua operada por Ruff,
representa uma inversão relativamente à génese da cartografia enquanto disciplina da
geografia, pois desde o primeiro mapa conhecido22 até ao surgimento da fotografia
aérea em pleno séc. XX, o desenvolvimento de mapas pautou-se pela procura de uma
verticalidade que eliminasse ao máximo a visão oblíqua, permitindo a planificação
total da esfera terrestre, que só em meados do séc. XIX, com a introdução de isolinhas
(linhas que unem pontos com a mesma altura), potenciaram o mapa como imagem
representativa da objectividade e do rigor científico que faltou em séculos anteriores.

22
A primeira representação conhecida de um mapa data do séc. VI AC, do Império Babilónico; nele o
mundo é representado sob a forma de um círculo esculpido em pedra. Antes de pertencer ao domínio
da geografia, o mapa nasce da arte, com especial importância para a linha, na demarcação do território
terrestre face ao mar (Cartwright, Gartner & Lehn, 2009: 156).

40
Até esta data, muitos mapas23 eram uma utopia veiculando apenas visões artísticas de
cariz simbólico.

Ao representar hipotéticas visões interstelares, Ruff aproxima-se da figura do


viajante ou do explorador de locais remotos, típico das grandes explorações ocorridas
durante o séc. XVIII. Este modo de relacionamento com os mapas, proporcionado
pela informação que os satélites transmitem, substitui-se à mobilidade proporcionada
pela viagem efectiva. Ruff é um viajante estático, não precisa de sair do mesmo sítio
nem de viver a experiência física da viagem. Os mapas interestelares são projectos em
aberto, dia a dia novos elementos são adicionados sobre a forma de camadas que se
vão sobrepondo em profundidade, enriquecendo o conhecimento visual sobre o
universo.

Não serão estas imagens utópicas e semelhantes às cartas náuticas dos antigos
marinheiros, daqueles que enfrentavam um oceano desconhecido à procura de um
lugar algures?

No seguimento desta questão, revisitamos a obra de Odilon Redon, L'oeil,


comme un ballon bizarre se dirige vers l'Infini de 1882, que alude às primeiras
viagens tripuladas em balões de ar quente, que são análogas a esta série de Ruff por
anunciarem a conquista do céu em termos de meio de transporte e de possibilitarem a
visualização da Terra a partir de um ponto de vista oblíquo. Em ambas as obras, há
um desejo de transpor a superfície terrestre, de ir mais além que o território conhecido
e explorado. O campo visual de um tripulante num balão é em tudo semelhante às
propostas visuais operadas por Ruff. Em L'oeil, comme un ballon bizarre se dirige
vers l'Infini, o balão é representado como um imenso olho que aponta ao céu, símbolo
de um desejo de infinito e de horizonte, “de aspirações políticas e exigências da
burguesia sobre o Continente24” (Oettermann, 1997: 15) oitocentista. O que estava
para lá do horizonte compreendia uma esperança que podia ser alcançável através de

23
A adopção de princípios de representação rigorosa herdadas da Antiguidade Grega, nomeadamente a
partir da difusão do livro Geografia de Ptolomeu, permitiu eliminar gradualmente o ponto de vista
oblíquo da representação da Terra (herdado do período medieval) substituindo-o por uma imagem que
se aproximasse de uma visão vertical, planificada, através de um conjunto de referências e unidades
métricas como a latitude e a longitude, e que fez da grelha, uma importante estrutura paralelamente à
perspectiva. Geografia de Ptolomeu não continha dados correctos relativamente à circunferência da
Terra, o que fez com que, muitos seguidores durante a idade Média e mesmo no Renascimento
representassem mapas de um modo incorrecto (Cartwright, Gartner & Lehn, 2009: 159).
24
“[...] a symbol of the political aspirations and demands of the bourgeoisie on the Continent”.

41
viagens e de mudanças, expressas por exemplo, pela conquista do Novo Mundo, a
América.

Fig. 26
Odilon Redon, L'oeil, comme un ballon bizarre se dirige vers l'Infini, litografia, 1882

Neste ponto de vista oblíquo traduzido para um mapa, na função de planificar


um espaço tridimensional, e contrariamente à planta arquitectónica que permite o
reverso que edifica, há uma relação de abismo e vertigem que se instaura, na medida
em que a sua representação não pertence a uma causalidade directa entre o sentido da
visão e o observável, é antes uma operação fora do homem, que só pode ser intuída
através da razão.

A informação veiculada nos mapas, quer seja actualmente transmitida por


satélites ou anteriormente calculada através de dados astronómicos 25 (concepção de
mapas antigos), assenta sempre em representações gráficas produzidas a partir do
exterior. O homem enquanto espectador de um mapa está situado sobre a superfície,
sobre o que é observável, fazendo efectivamente parte dele; logo, quando o observa,
não vê apenas uma porção de terreno assinalado, vê-se também a ele próprio, um
espelho da sua própria condição espacial.

A partir do momento em que se, diante um dado mapa o espectador não se


conseguir situar, isto é, se ele estiver privado de meridianos, escala, isolinhas e
fundamentalmente de legenda, o mapa passa a ser ilegível, deixa de cumprir a sua real
função. Deste modo há um sentimento de inadequação que ocorre no sujeito perante o

25
Na Grécia antiga, Eratóstenes de Alexandria determinou a circunferência da Terra usando unidades
astronómicas. Os seus cálculos são muito similares às medidas actuais do Globo (Cartwright, Gartner
& Lehn, 2009: 159).

42
representável que é expresso pela ideia de sublime. Como sugeriu Kant em a Crítica
da Faculdade do Juízo:

o que se deve denominar-se sublime não é o objecto, mas sim a disposição do espírito
através de uma certa representação que ocupa a faculdade de juízo reflexiva. (...)
somente pelo facto de poder também pensá-lo prova uma faculdade do ânimo que
ultrapassa todo o padrão de medida dos sentidos (1992: 145).

Esta ausência de unidades de medida ou de termos de comparação foi uma


ideia que ocorreu transversalmente em muitas obras do período Romântico. Teve na
etimologia da palavra latina sublimis, no prefixo sub, o estar acima de, elevado, e
limis, designando fronteira ou limite, a expressão para muitas das transformações e
sensações oitocentistas que obrigavam a um deslize da imaginação e que só podiam
ser expressas e intuídas pela razão. A própria ideia de viagem pelo desconhecido
transcendia o próprio homem, alargava a sua maneira de ver e sentir o mundo.

Foram as primeiras viagens de balão ou as primeiras subidas aos cumes das


montanhas (génese do alpinismo) que proporcionaram um novo enquadramento da
superfície terrestre. A exploração permitiu mapear espaços áridos ou gélidos ainda
desconhecidos que o homem não compreendia na sua totalidade, tal era a discrepância
entre ele e a natureza apresentada de forma crua. Heinrich Keller foi um dos primeiros
exploradores durante o séc. XIX a mapear as montanhas nos Alpes in loco sob a
forma de desenhos panorâmicos contendo anotações sobre as sinuosidades do terreno,
que deste modo passaram a servir propósitos topográficos e científicos.

Fig. 27
Heinrich Keller, Mapa panorâmico da vista do cume do Monte Rigi, Suíça, gravura colorida, 95x19cm,
1820.

43
Sonhamos com viagens através do cosmos; mas não é o cosmos em nós? Nós não
sabemos as profundezas da nossa alma. O trajecto secreto leva para o interior.
Eternidade com os seus mundos de passado e futuro, existe tanto em nós mesmos ou
não26 (Novalis in Hartley, 1994: 140).

Ao falarmos de mapas, falamos de superfícies e planificações. No campo da


fotografia contemporânea, Marco Breuer apresenta-se como um autor que trabalha
directamente sob a superfície do papel fotográfico. É um fotógrafo de laboratório, a
câmara escura é o seu habitat; não lhe interessam por isso situações exteriores ou
figurativas da realidade. Propõe uma abordagem criativa do medium, testando os seus
próprios limites enquanto suporte. Tratando o papel fotográfico como se de um mapa
se tratasse, põe à prova a superfície, ora à acção do calor, ora à violência física, com
recurso a cisões ou a banhos químicos processados irregularmente, resultando num
conjunto de imagens irrepresentáveis, de situações limite, não só visuais como físicas.

Fig. 28
Marco Breuer, S/título (Fuse), papel tonificado, gelatina e prata, 46 x 36 cm, 1996

Esta convivência dinâmica entre Breuer e o suporte da fotografia assemelha-se


à relação que os expressionistas abstractos durante os anos cinquenta tinham com a
tela e a pintura. O gesto individual e a tensão humana sedimentada como uma
“arena27”, livre de conexões exteriores - a não ser entre o próprio autor e a superfície
-, transcendiam a própria noção de realidade, ampliando-a. Barnett Newman em The
Sublime is Now (1948) afirma: “ Nós estamos reafirmando o desejo natural do homem

26
“We dream of journeys throught the cosmos; but is the cosmos not in us? We do not know the
depths of our soul. The secret path leads inwards. Eternity, with its worlds of past and future, exists
either within ourselves or not at all”.
27
Termo usado por Harold Rosenberg (1952) para descrever estas pinturas, disponível em The
American Action Painters.

44
para a exaltação, para a preocupação com a o nosso relacionamento com as emoções
absolutas28”. As grandes telas dos expressionistas abstractos eram receptáculos de
pulsões, diálogos entre o ser individual, o pintor, e as efemérides do mundo,
produzindo um espaço na pintura como um acontecimento performativo dominado
pelo gesto e a matéria. Esta forma de diálogo é também operada por Breuer na
produção das suas imagens fotográficas.

Fig. 29
Mark Rothko, No. 10,. Óleo s/tela, 229.2 x 146.4 cm, 1950

Se o homem oitocentista encontrava nas viagens e na natureza a sensação de


sublime, no fim da primeira metade do séc. XX, o sublime manifestava-se através da
interioridade dos autores para com a superfície do suporte, ampliando a etimologia da
palavra sublimis para uma definição próxima de transcendência ou de revelação. Ao
erradicarem qualquer figuração, forma ou espaço definido propunham na pintura uma
experiência de vazio, convidando o espectador a estados de meditação que se
assemelhavam à experiência física de observar o céu ou o horizonte a partir do cume
de uma montanha. A sensação de vertigem em altitude dava lugar à experiência em
profundidade, a estados hipnóticos resultantes de uma acumulação de camadas de
tinta que se sobrepunham, perfazendo um mapa pictórico que circunscrevia um
território próprio e individualizado.

A par do trabalho de Marco Breuer, que em muito se afasta do mimetismo e


da fidelidade do medium fotográfico, convocamos a série Lighter de Wolfgang
Tillmans. Em ambos os casos somos convocados à abstracção, ou melhor ao concreto,

28
“We are reasserting man's natural desire for the exalted, for a concern with our relationship to the
absolute emotions”.

45
porque são trabalhos que fazem do uso da luz, da sua essência. Tillmans é um
fotógrafo instável, as suas diversas séries percorrem diferentes estilos nunca se
fixando em categorias pré-estabelecidas. Em Lighter, o autor recolhe-se também ele
ao espaço físico do laboratório fotográfico trabalhando directamente sobre a luz e a
cor na fotografia. As suas imagens invadem-nos através de manchas de cor brilhantes
criadas por acidente ou acaso usando apenas luz e processamento químico. A
particularidade desta série reside no facto do autor proceder a um conjunto de dobras
e vincos directamente sobre o papel fotográfico, expandindo a dimensão plana da
imagem para um território próximo da escultura ou do objecto. Ao efectuar estes
actos há uma presença efectiva do autor que é revelada sob a superfície, lembrando os
gestos de Lucio Fontana com objectos cortantes sobre tela, no seu Concetto spaziale.

Fig. 30 Fig. 31
Wolfgang Tillmans, Lighter III, 2006 Lucio Fontana, Concetto Spaziale, Attese, 1963/63

Não poderão ser estas imagens fotografias derradeiras? O termo derradeiras


usado no mesmo sentido em que Johannes Meinhardt (2005: 10) argumenta sobre a
pintura:

A Pintura Derradeira deveria ser uma pintura em que já nada haveria de não -
essencial, nada de discricionário ou arbitrário, já nada teria de exterior, sensitivo ou
material. Essa Pintura Derradeira seria uma pintura pura, que na sua essência – ou
arquétipo, ideia – seria idêntica a toda e qualquer pintura; seria simultaneamente
todas as pinturas e nenhuma pintura, [...]

46
As obras de Breuer e a série de Tillmans congregam na totalidade o que faz
com que uma fotografia seja fotografia29 e não outro medium. São mapas de luz que
na evolução do termo sublime poderão coincidir com a descrição do termo
sublimação na química - a transformação de um estado sólido para o gasoso sem
passar pelo líquido.

Estas obras ao colocarem a descoberto a revelação e a essência da fotografia,


mantêm um aspecto crucial na contemporaneidade, a sobrevivência da fotografia
enquanto processo químico. Neste contexto Tillmans afirma numa entrevista30: “Fico
sempre ciente de que é um milagre, um milagre fotoquímico. Para mim parece ser
uma dádiva ter esta tecnologia à minha disposição [...] Eu não quero perder esse
sentimento [...]” ( Tillmans in Birnbaum, 2008: 7).

Ao me apropriar anteriormente do adjectivo “derradeiras” proferido por


Meinhardt para classificar estas imagens, ressalvo a importância destas como
definição da fotografia enquanto mapa, pois todos os diferentes estilos e territórios
fotográficos poderiam estar contidos nestas mesmas imagens, em última instância,
elas são apenas luz.

Jacques Derrida (1978) no seu argumento em torno do sublime, referencia a


diferença entre o colosso e a coluna para demonstrar a antítese existente entre os
conceitos de belo e sublime. Para o autor o belo é descrito como o parergon da
coluna, isto é, é circunscrita e definida pelos seus próprios limites e contornos,
enquanto o colossal é infinito, exclui-o, não tem barreiras ou limites. Nas obras
referenciadas anteriormente, embora sejam limitadas a priori pelo suporte, pelos
eixos horizontal/vertical, a enunciação de um espaço fora do campo da perspectiva e a
ausência de aspectos figurativos da realidade que possam ser nomeados, tornam estas
imagens infinitas, não pela moldura que as circunscreve mas pela vertigem que é
accionada em profundidade. Enquanto espectadores somos convidados a mergulhar
visualmente, desamparados, como se de um buraco negro se tratasse. A experiência

29
Convidamos o leitor a consultar as afirmações proferidas nos capítulos anteriores sobre o concreto e
o contacto.
30
“I'm always aware that is a miracle, a photo-chemical miracle. To me it seems like gift to have this
technology at my disposal. [...] I won't lose that feeling [...]”.

47
sublime é então “sobre a relação entre desordem e ordem e da interrupção de
coordenadas estáveis de tempo e espaço31” (Morley, 2010:12).

Indo ao encontro desta síntese proferida por Morley sobre o sublime, Mel
Bochner desenvolveu uma série de trabalhos nos quais convoca mapas e
simultaneamente questiona o conceito de parergon de Derrida. Bochner opera por
fases: começa por fotografar uma grelha quadrangular com coordenadas iguais de
ambos os lados a partir de um ponto de vista elevado, oblíquo a 45º em relação ao
plano. O resultado é uma grelha representada em perspectiva onde as linhas
concorrem para um ponto de fuga imaginário. Na fase seguinte, o autor separa a
matéria da imagem do seu suporte, isto é, a gelatina contendo os sais de prata, do
papel, descartando o suporte e o parergon que a limita a priori, nomeando-as por fim
como silhuetas. Depois de seca, a imagem irregular, sem suporte, é refotografada e
apresentada em contexto expositivo na forma planificada.

Fig. 32
Mel Bochner, Surface Dis/Tension, 1968

Bochner ao partir de linhas que coordenam e organizam um plano, uma


grelha, similares aos meridianos existentes nos mapas, descoordena-os visualmente,
criando a ilusão de volume e reproduzindo um novo mapa a partir do espaço da
fotografia original. Esta transição da grelha para o mapa é também sinónimo da
transição do Modernismo para o Pós-Modernismo, como sugere Kim Levin:

31 “[...] about
the relationship between desorder and order, and the disruption of the stable coordinates
of time and space”.

48
Se a grelha é um emblema do Modernismo, como Rosalind Krauss propôs - formal,
abstracto, repetitivo, plano, ordenando, literal - um símbolo da preocupação
Modernista com forma e estilo, então talvez o mapa deva servir como um emblema
preliminar do Pós-Modernismo. Indicando territórios para além da superfície da obra
e de superfícies exteriores à arte32 ( Levin in Watson: 2009: 296).

32
“If the grid is an emblem of Modernism, as Rosalind Krauss has proposed – formal, abstract,
repetitive, flattening, ordering, literal – a symbol of the Modernist preocupation with form and style,
then perhaps the map should serve as a preliminary emblem of Postmodernism. Indicating territories
beyond the surface of the artwork and surfaces outside of art”.

49
CAP. IV - MAPA PARA UM LUGAR ALGURES

1.1 - Medium, espaço e sobrevivência

Mapa para um lugar algures é uma série de trabalhos que privilegiou o uso do
papel fotográfico, em ambiente fotoquímico, como gerador da própria obra.
Apresenta-se, portanto, simultaneamente como matéria e suporte, e na nossa
demonstração será simbolizado pelo elemento terra, a mater, e que, por ser uma obra
que nasce e convive a partir de uma relação material com o suporte, podemos também
caracterizar como objectual.

É um trabalho em que a tónica do processo foi relevante, pois permitiu através


da experimentação, numa dinâmica de tentativa e erro, encontrar uma directriz
processual que encadeasse o trabalho, que gerasse uma estrutura de produção que
fosse viável e que cumprisse os objectivos a que nos propunhamos.

O único local possível para a realização deste projecto foi o laboratório, em


ambiente fotoquímico. É um atelier por excelência, representa o lugar, o ponto fixo
onde ocorrem as mais variadas experiências entre o autor e a matéria fotográfica. O
convite à privacidade e à intimidade para com o espaço de trabalho, criou uma rede de
reflexões que foram influenciando o decurso do trabalho dia após dia. Se na fotografia
é suposto o sentido da visão prevalecer sobre todos os outros, a vivência permanente
no laboratório revelou-me o quão importante é o tacto, o olfacto ou a audição no
desempenho de determinadas tarefas no seu interior. Ali tudo é controlado, desde a
luz, ao tempo, até às diferentes fases de processamento químico ou ao volume de
água, são cheiros, sons e inconstâncias lumínicas que se interligam, e que fazem do
espaço uma entidade viva em permanente comunicação.

Esta coabitação entre espaço, autor e produção é manifesta de uma posição e


de uma maneira de estar perante o acto fotográfico, que se distancia do mundo
contemporâneo de produção de imagens fotográficas, assente cada vez mais no
tratamento à posteriori de ficheiros digitais que se tornaram imagens, ao invés do
trabalho manual, de relação directa para com a materialidade do suporte, e aqui, ao

50
mantermos uma ligação com as folhas de papel fotográfico que contêm prata, um
metal precioso, há não só uma consciência de sobrevivência da especificidade do
medium, no que ele tem de mais vernacular, como só faz sentido que assim fosse,
dada a natureza específica dos trabalhos apresentados e propostos, como também a
manutenção de um certo sentido de aura, no que ela tem de único e de irrepetível.

Lidamos por isso com matérias preciosas (metais), em que tem que haver uma
disciplina e uma proximidade no seu trato, são entidades vivas, epidérmicas, que
apenas vivem sob ambiente controlado, e neste caso o laboratório fotoquímico não se
afasta muito da dinâmica existente num laboratório científico.

Esta cisão perante o mundo digital das imagens binárias, bem como perante os
métodos de produção artística contemporânea, assente também eles na mobilidade
permanente de produtores artísticos e obras, que dispensam a existência de um atelier
fixo, ocorre sobre a forma de uma perspectiva crítica, tentando romper com o
totalitarismo e com a normalização que o advento do digital3334imprimiu, e que tornou
a relação com a materialidade fotográfica algo distante e asséptica. Como sugere
Regis Durand:

As imagens numéricas dão a sensação de não terem nenhuma relação com as coisas,
já que parecem delas possuir um número infinito e arbitrário. Com todas as operações
e transferências tornam-se tecnicamente possíveis, parecem anular-se, em suspensão
num vazio. A imagem numérica não tem limite nem qualquer razão orgânica. É
potencialmente monstruosa, paroxistica. É literalmente, sem limite (Durand in Séren,
2002: 30).

33
Sobre esta problemática, da sobrevivência do medium fotoquímico face ao digital, destacamos o
catálogo da exposição Film de Tacita Dean na Tate Modern em Londres, que aborda esta questão de
uma maneira universal, tendo convidado um vasto leque de autores das diversas áreas artísticas a
contribuírem com uma série de textos que abordassem este mesmo tema. Numa das intervenções o
fotógrafo Mitch Epstein declara: “O meu maior medo é que, como um meio descartado e
marginalizado corporativamente, o analógico não será mais essencial para a educação visual. Muitos
jovens não saberão a diferença entre a mão e um botão, eles só vão conhecer o botão, e o seu uso da
tecnologia será limitado pela sua ignorância do trabalho manual. Eles não vão perceber as qualidades
da fotografia óptica porque os seus olhos só vão conhecer imagem digital”33 ( Epstein in Cullinam,
2011: 67).
34
“My greatest fear is that as a discarded médium and corporate outcast, analogue will no longer be
essential to visual education. Many young people will not know the difference between hand and
button, they will only know the button; and their use of technology will constricted by their ignorance
of handwork. They will not perceive the qualities of optical photography because their eyes will only
know digital imagery”.

51
I II III IV

V VI VII VIII

IX X XI XII

XIII XIV XV XVI

Fig. 33
Mapa para um lugar algures [ série de 16 imagens], gelatina e prata sobre papel baritado, fotogramas,
provas únicas, 50x60 cm, 2011

52
1.2 - Descrição da série

Mapa para um lugar algures apresenta-se na forma de série, perfazendo no


total dezasseis imagens. A atitude serial percorre toda a obra, quer visualmente quer a
nível de processo. Como não pretende comportar nenhuma narrativa, cada elemento
da série não é um fragmento de um todo, sendo cada unidade autónoma e indivisível.

A pré-determinação de um conjunto de fases e regras que tiveram que ocorrer,


que tiveram que ser cumpridas, é manifesta desta atitude serial, nomeadamente no que
toca ao processo. A serialidade, embora seja pautada por um conjunto de repetições,
surge aqui como um modo de instaurar e acentuar uma diferença entre cada elemento
num todo, sendo a unidade estandardizada a folha de papel fotográfico.

A matéria-prima foi trabalhada directamente, por contacto, em prol de um


rectângulo, à escala real, na relação de um para um, e que corresponde a um formato
estandardizado de 50x60cm fornecido pela industrialização do papel fotográfico.

O uso deste formato, pela sua escala e dimensão, evidencia uma relação de
compromisso indirecto para com o género do retrato, mas aqui ao invés do plano da
imagem obedecer a uma lógica de retratar alguém, esse alguém é a própria fotografia
retratada, não havendo qualquer rosto a reconhecer, apenas um turbilhão de formas
entre sombra e luz que vão do branco ao negro perfazendo uma escala de cinzentos
total.

53
1.3 – Processo

Desenvolvi o trabalho em cinco fases distintas, idênticas às fases do


processamento alquímico: dissolução, filtração/separação, conjunção/fermentação,
sublimação/coagulação/cristalização e ressurreição.

Estas denominações simbólicas compreendem as diferentes fases que a


matéria adquiriu à medida que foi evoluindo no desenvolvimento do processo.

De entre a terra, o ar, o fogo e a água, houve alturas em que determinados


elementos adquiriram posturas mais relevantes que outros, umas vezes apelavam à
humidade, outras ao calor, consoante a acção e o tempo que prestavam à matéria
numa determinada fase do processo, resultando por fim numa interacção dinâmica e
poética entre os diferentes elementos.

A primeira operação, a dissolução, está simbolicamente implicada com o


conceito de “morte”. No vocabulário alquímico apresenta-se como a redução das
substâncias à matéria-prima, ao Caos, sendo simultaneamente um apagamento e um
rejuvenescimento no seio da matéria. “Não efectues nenhuma operação antes que tudo
tenha sido reduzido a Água ” (Eliade, 1987: 121). Dissolver implica a redução de um
corpo sólido a líquido, mas neste caso a folha de papel fotográfico, a mater, não
chegou a dissolver-se na verdadeira acepção da palavra; foi reconduzida à humidade
primordial, imersa numa tina com água corrente, de modo a que se desse uma
descontracção das fibras do papel, de maneira a que esta ficasse mais fluida e mole,
permitindo uma melhor manipulação numa fase posterior. Nesta fase o elemento água
foi preponderante, “ É certo e seguro que toda a Natureza era inicialmente Água, e
que pela Água todas as coisas nasceram e é igualmente pela Água que todas as coisas
devem ser destruídas ”(Goethe in Read in Eliade, 1987: 121).

Inicialmente efectuei este processo com papel fotográfico RC (resin coated),


mas rapidamente me apercebi que, por este ter uma camada de resina, plastificada,
juntamente com a prata, a sua superfície era pouco absorvente, e que só o papel de
fibra, permitiria que a água actuasse em profundidade e cobrisse todos os poros e
fibras do papel.

54
A segunda fase, a filtração/separação, é a fase onde era importante eliminar o
mais possível os vestígios de água da superfície do papel, diminuindo o risco de
haver, numa fase final, pequenas gotas de água que inviabilizassem toda a operação.
Esta fase permitia posteriormente acelerar o processo de secagem. Depois de retirada
a folha da água, esta era escorrida com o auxílio de um rodo em movimentos
verticais, e as passagens necessárias para que visualmente não restassem quaisquer
resíduos de água.

Nas primeiras experiências, esta fase não era efectuada, só depois de errar e
verificar que havia sempre algumas gotas de água que não eram totalmente secas é
que me apercebi da necessidade de criar esta fase específica no processo de trabalho.

A terceira etapa, a conjunção/fermentação, é de certo modo a fase mais


importante do processo. Depois de eliminada a maior parte da água da superfície
sensível à luz do papel, este era amarrotado manualmente, corrompendo a sua
natureza bidimensional, sujeitando a superfície a um jogo de tensões e micro roturas
que eram ritmadas pelo meu próprio impulso interior. Estamos portanto, perante uma
acção performativa que visava um apagamento e uma violência sobre a superfície,
transformando a folha de papel num objecto tridimensional através de um gesto
irrepetível e único. Como salienta Bachelard, “O trabalho da massa fora do controlo
dos olhos, consiste assim em trabalhar de certa maneira a partir do interior, como a
vida. O modelador [...] não reproduz, no sentido imitativo do termo: produz.
Manifesta um poder criador” (2001: 83).

Na quarta fase, a coagulação/sublimação/cristalização, a folha de papel era


seca num secador de papel de fibra durante cerca de uma hora e, de 15 em 15
minutos, a folha era virada ao contrário de maneira a que ambos os lados do papel
tivessem a mesma distribuição de calor vindo das ventoinhas da secadora. Esta fase
não só secava a folha, como formalmente a solidificava, já que ao eliminar toda a
água por um processo de secagem a ar quente, fazia com que a superfície enrijecesse,
comprimindo as fibras do papel. “ Não só um novo elemento, o fogo, vem cooperar
para a constituição de uma matéria que já reuniu os sonhos elementares da terra e da
água, mas também, com o fogo, é o tempo que vem individualizar fortemente a
matéria” (Bachelard, 2001: 69).

55
Na quinta e última etapa, a ressurreição, a folha depois de seca era ainda posta
à prova uma última vez, com um secador de cabelo, de forma a deter alguma
segurança na tentativa de secar todas as gotas de água que ainda se mantivessem e que
não tivessem sido secas no secador de papel de fibra. Posto isto, a folha de papel era
disposta na vertical diante o ampliador fotográfico, de maneira a que a fonte de luz,
vinda da vertical, se expusesse de forma rasante em relação ao plano do papel. O
ampliador era disposto à altura máxima e accionado para uma exposição à luz durante
três segundos, com o diafragma fechado a f 8, de modo a que, depois de processada
quimicamente, surgisse na folha uma escala rica de tons intermédios entre o branco e
o negro, e se assemelhasse a uma paisagem aérea, marcas de uma cartografia.

Antes de processar quimicamente a folha de papel no revelador, submergia a


folha novamente em água, de modo a que perdesse a tridimensionalidade e voltasse à
forma inicialmente plana, sendo esta uma forma de facilitar todo o processamento
químico seguinte.

1.4 - Análise

Mapa para um lugar algures é uma obra que se tornou visível, isto é concreta,
na medida em que não descende de nenhum modelo, não representa uma redução
abstracta de algo visível, tornou-se ela mesma visível pela sua própria essência e
materialidade. Ao não descender de nenhuma matriz, mas de uma construção, tornada
objecto, ela não medeia nada, não é um medium mas um objecto em si, ele próprio.

O carácter objectual que percorre esta série, tem reminiscências minimalistas, até pelo
facto de as descrever como objectos para além de fotografias, como na importância
que o espaço adquire, no posicionamento físico do espectador face às obras.

56
A noção de objecto convoca para si aspectos pictóricos vindos da pintura e espaciais,
vindos da escultura, e encontramo-los unidos num todo, na argumentação de Donald
Judd no seu texto Specific Objects35 de 1966:

A utilização de três dimensões é uma alternativa óbvia. Se abre para qualquer coisa.
[...] É claramente um plano de uma ou duas polegadas na frente de outro plano, a
parede, e paralelo a ele. A relação entre os dois planos é específico, é uma forma.
Tudo [...] no plano da pintura deve ser disposto lateralmente (Judd, 1965: 181;182).

Esta preocupação com a tridimensionalidade, torna-se relevante na abordagem


de Mapa para um lugar algures, pois se por um lado, ao estarmos de frente para a
obra percepcionamos um plano bidimensional que corporiza uma fotografia, por
outro, à medida que nos deslocamos em torno da sua periferia, a própria percepção da
obra muda, há um objecto que se destaca no espaço, que sai do seu plano inicial para
o exterior, e cabe ao espectador fazer essa travessia para o apreender, e aqui é a
temporalidade do espectador que se presta à obra.
Esta dupla visão, simultaneamente bidimensional e tridimensional, é híbrida,
cria uma ilusão, um trompe l’oeil entre aquilo que percepcionarmos ser ou não
volume; se por um lado temos o recorte da luz sobre a superfície, que
ontologicamente é próprio da fotografia, por outro, temos a contracção do próprio
suporte, e no ponto onde se tocam estas duas directrizes é que a percepcionamos
enquanto objecto.

As marcas no papel que a luz se prestou a revelar funcionam como índices,


lançam pistas imediatas. Através das vicissitudes da matéria, percepcionamos que
ocorreu uma tensão, um contacto directo, fruto do simples acto de amarrotar uma
folha de papel fotográfico.

Não vemos onde foi, nem quando, apenas sabemos que um autor a executou.
Esta acção sobre a matéria personalizou-se, são as marcas do autor que se perpetuam
sobre o suporte, muito embora numa primeira leitura a pudéssemos interpretar como
um apagamento do próprio autor, pois não nos são dadas referências ou semelhanças
que nos guiem o olhar: somos jogados ao acaso e ao acidente de formas aleatórias que

35
“the use of three dimensions is an obvious alternative. It opens to anything [...] It is clearly a plane
one or two inches in front of another plane, the wall, and parallel to it. The relationship of the two
planes is specific; it is a form. Everything [...] in the plane of the painting must be arranged laterally".

57
se aproximam de vestígios fósseis de um acto performativo. E aqui, deixamos o
minimalismo da folha branca, tal como nos é dada, e entramos no conteúdo da
organicidade das formas, numa possível interpretação pós-minimalista.

Margaret Iversen no seu texto Auto-Maticity36 põe em relação a diferença


entre performance e performatividade :

Peggy Phelan define a “performance” como um único e espontâneo evento no tempo


presente que não pode ser repetido ou adequadamente capturado em filme ou
vídeo.[...] performatividade, pelo contrário, sinaliza uma consciência no modo como
o gesto presente é sempre uma iteração ou repetição de actos anteriores (Iversen,
Margaret, 2010 : 15).

Esta série de trabalhos contém simultaneamente estas mesmas distinções,


porque se por um lado cada folha de papel representa o resultado de uma marca
efectuada num determinado tempo presente e que não se poderá repetir, por outro,
todo o encadeamento processual na feitura da obra é acompanhada por uma sequência
de actos conscientes, antes e depois do próprio acto em si. É o contacto directo das
mãos do autor com a superfície, que ao edificar a imagem, se substitui à máquina
fotográfica.

Fig. 34
S/Título II da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,
prova única, 50x60 cm, 2011

36
“Peggy Phelan defines a “performance” as a unique and spontaneous event in the present tense that
cannot be repeated or adequately captured on film or vídeo.[...] “Performativity”, in contrast, signals an
awareness of the way the present gesture is always an iteration or repetition of preceding acts”.

58
Esta relação directa do uso do movimento do corpo para com o suporte,
percorreu a maior parte das obras do expressionismo abstracto, em que a marca do
individualismo do autor, a sua pulsação e o seu ritmo próprio para com as
efemeridades do mundo era transportada para a tela, numa atitude romântica latente.
Também podemos percepcionar este facto neste conjunto de obras sobre papel
fotográfico.

Ao eliminar qualquer fonte de realidade descritível e ao propor uma


interioridade através do alfabeto e da linguagem fotográfica, através da sua própria
materialidade, a fotografia recolhe-se à sua própria especificidade, que conduz à
reapresentação de um seu possível grau zero. Como já referimos num dos capítulos
anteriores, são meta-imagens, concretas, que evidenciam a característica que faz de
uma fotografia uma fotografia e não outro medium qualquer, a luz.

Fig. 35
S/Título VIII da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,
prova única, 50x60 cm, 2011

Neste sentido, ao usar apenas a luz como definidora de todo o trabalho, numa
fronteira ténue entre o fotograma e o luminograma, assume-se o conceito de concreto
na sua totalidade, até pelo facto de prescindir do uso da câmara para a criação das
imagens. Elas funcionam como provas de uma acção do autor sobre a matéria, ao
invés da fotografia tradicional, no seu compromisso clássico, de ser uma cópia
fidedigna da realidade, de algo que lhe é externo e que é resgatado para o perpetuar.

59
Todos os elementos da série se apresentam sob a forma de negativos, são provas
únicas que mantêm uma relação directa com a acção efectivada sobre o suporte. Ao
serem únicas, estas imagens aproximam-se da pintura, do desenho ou da escultura:
não é a câmara que reproduz uma imagem, mas o autor que a produz.

No concreto, a questão do índice pode tornar-se subliminarmente um ícone,


pois, de um registo apenas passamos a uma analogia, a uma equivalência, porque cada
fotografia da série no seu conjunto, congrega em si o que é a fotografia num todo ou a
sua própria condição ontológica, quer no caso da tridimensionalidade fotográfica quer
na rica gama tonal que a luz imprime no papel.

Se tradicionalmente a tridimensionalidade corresponde a um resgate a partir


do exterior, perpetuada bidimensionalmente sobre um suporte, aqui, também ocorre
essa mesma translação, mas ao invés, é a própria folha de papel que é
simultaneamente o seu referente e a sua matriz.

O facto de percepcionarmos em cada elemento da série uma escala


monocromática total, do branco ao negro, rica em tons de cinza, equivale a toda a
universalidade da imagem fotográfica que apenas pode viver nesta dialéctica entre
sombra e luz, entre altas, médias e baixas luzes.

Fig. 36
S/Título XVI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,
prova única, 50x60 cm, 2011

60
Afirmamos que o ícone é subliminar, porque é nas entrelinhas que ele se
manifesta e se apresenta, até pelo próprio facto de usarmos folhas da papel fotográfico
tradicionais que contêm em si prata e que fazem parte da história do medium
fotográfico. Há uma recordação arqueológica que é revivificada, tomada como
presente para a contemporaneidade fotográfica.

Pelo facto de haver um conjunto de etapas que foram cumpridas, afirmamos


que, no seu todo, a composição é simétrica e equilibrada, porque obedeceu a uma
ordem, a uma coordenação total de gestos e materiais pré-estabelecidos. Por outro
lado, em contraste, há um turbilhão de irregularidades e desordens quanto à forma,
que é contrabalançada pelo equilíbrio emanado pela modelação da luz, pela criação de
um claro-escuro linear que neutralizou e amenizou a tensão e a irregularidade das
formas.

Quanto ao dinamismo e ao seu movimento, cada fotografia que compõe a série


é uma obra aberta, que embora esteja limitada a um formato fechado como o
rectângulo, o seu parergon, tende a continuar para fora dele, a expandir-se. Esta
característica resultou primeiramente a partir de um resultado inverso, de um
movimento concêntrico, numa rotura com o plano, aquando da modelação da folha de
papel, que a fez diminuir de tamanho na busca de uma tridimensionalidade física.

O tempo da obra também tem características específicas: apreendemos que ele


é o resultado de uma acção, de um vestígio performativo, que marcou um
acontecimento para a posteriori. A erosão das formas é indiciadora de um tempo
interior próprio e insubstituível que se torna singular pela sua irreprodutibilidade.

O espaço é paradigmático, pois é instaurado de maneira a quebrar com a ideia


de janela do Renascimento, que ao ser subtraída das suas duas dimensões, a folha
tanto exclui o seu espaço natural como edifica ou constrói uma nova percepção do
espaço para o observador, à custa da sua própria materialidade. É um espaço
topológico virtual que se percepciona, aéreo, que ganha profundidade através da
modelação do claro-escuro, de forma linear, mas que não comporta coordenadas,
direcções ou horizonte.

61
Fig. 37
S/Título VI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,
prova única, 50x60 cm, 2011

É um Mapa para um lugar algures; há nele um desejo de infinito que


transparece na ideia de apagamento da própria folha de papel e na enunciação visual
de um espaço desconhecido. O sublime manifesta-se nesse apagamento, não há lugar
algum que possamos reconhecer. Enquanto espectadores somos convidados a explorar
uma mater que não dominamos. O mapa na sua função de informar e de nos situar
espacialmente, adquire nesta dissertação a ideia de totalizar e agrupar os conceitos de
contacto, concreto e sublime, de modo a transmitir uma ideia que esteve sempre
presente nesta dissertação: a importância da sobrevivência do medium fotográfico
enquanto processo fotoquímico.

62
CONCLUSÃO

A investigação teórica desenvolvida ao longo desta dissertação procurou


responder à importância da sobrevivência do medium fotográfico enquanto
processamento fotoquímico, sendo a componente prática uma resposta possível a esta
questão.

No próprio título: Mapa para um lugar algures, há subliminarmente a


indicação deste facto, através do uso do termo mapa, que surge aqui no papel de
agregador dos conceitos presentes ao longo da investigação teórica, de modo a
ressalvar a importância da fotografia como mapa, no seu carácter de informar o que é
a fotografia na sua essência: luz e suporte fotossensível.

De facto, na contemporaneidade com o advento do digital, o suporte da


fotografia deixou de ser sensível à luz, passando a ser industrialmente de base neutra.
Este facto parece-nos importante, já que cabe aos artistas manterem o contacto com
estes processos químicos que fazem parte da história da fotografia; pois pensamos que
há ainda muitas vias por explorar, quer a nível estético quer a nível formal, e é
urgente repensar qual o papel futuro do processamento químico de imagens num
mundo tendencialmente digital e cada vez mais ideológico no sentido da indústria.

Esta questão levou-nos a abordar um encadeamento de conceitos, centrado


num primeiro momento na ideia de concreto, no modo como a Arte Concreta, o
experimentalismo fotográfico e a ciência no seu conjunto, influenciaram o decurso da
fotografia concreta, nomeadamente nas posições adoptadas na contemporaneidade por
Gottfried Jager.

Afirmámos que o concretismo fotográfico é um processo de auto examinação


e auto reflexão sobre o medium fotográfico em si e de todas as directivas processuais
que a acompanham, desde a sua base, a luz, até aos processos inerentes da
reprodutibilidade. Por ser um processo aberto, onde se sacrifica todo o carácter
icónico e simbólico que uma imagem pretenda evidenciar no seu sentido clássico,
privilegia-se principalmente a base científico - matemática e os fenómenos físicos e
químicos da luz, dando relevância ao valor de índice que uma imagem à partida revela
em termos fotográficos. Os exemplos artísticos referenciados no primeiro capítulo

63
convocaram a fotografia e a Arte Concreta assim como a ciência, de forma a mostrar
a estreita relação entre elas, bem como as sinergias que daí advieram, tendo sempre
presente o domínio da luz sobre a matéria fotográfica. Lembremo-nos dos pêndulos
fotográficos de Heinrich Heidersberger, do estudo de Jules Antoine Lissajous sobre a
visualização do som ou os quimigramas de Pierre Cordier, a luz tomada de forma
directa sem intermediários.

Como referimos, factores diferenciadores entre o concreto e a abstracção na


fotografia prendem-se com o binómio produção/reprodução. A fotografia concreta ao
produzir de forma directa sobre o suporte aproxima-se de disciplinas como a pintura
ou a escultura, que fazem da prova única uma das suas singularidades. Este facto
rompe com a fidelidade mimética do medium, permitindo a adopção de estratégias
experimentais de produção de imagens fotográficas que impliquem a sua
desconstrução. Inaugurado pedagogicamente por Moholy-Nagy, o fotografar sem
câmara tornou-se relevante nos desenvolvimentos operados na escola de Chicago em
meados dos anos setenta do séc.XX, com o surgimento dos Sistemas Generativos,
possibilitando que a Fotografia Concreta fosse posteriormente legitimada por
Gottfried Jager.

No segundo capítulo afirmámos a importância do contacto na fotografia, na


relação histórica entre a cópia directa e o fotograma. Servindo-nos de vários
exemplos, alguns deles religiosos, afirmámos que a fotografia por cópia directa é a
que se situa mais próxima do espectador por não descender de nenhuma matriz
mediadora - ela nasce, quando exposta à luz, do contacto directo entre a superfície e o
próprio objecto em si, (lembremo-nos da feitura de cópias de películas fílmicas: todas
são efectuadas por contacto directo). Este facto torna-se importante pela relação que
mantém com as informações proferidas no primeiro capítulo, já que o fotograma é
para o concretismo fotográfico um dos seus pilares fundamentais, não só por fazer uso
da luz enquanto matéria mas também enquanto temática.

No terceiro capítulo desenvolvemos os conceitos de mapa e sublime,


procurando relacioná-los com a fotografia, no sentido de responder e dar conta de
exemplos de trabalhos que explorassem os limites da própria fotografia, e que nos
transportassem para terrenos desconhecidos, mantendo uma ligação à sua essência, à
luz. Foram os casos dos trabalhos de Marco Breuer ou Wolfgang Tillmans, autores

64
que também exploram os conceitos anteriores de concreto e contacto, mas que aqui
procurámos pôr em relação com as temáticas vindas do expressionismo abstracto,
com a personalização directa da matéria, enquanto forma de transcendência, não só
dos autores como do próprio medium fotográfico. O conceito de mapa não só agrega
os conceitos discutidos anteriormente, como faz a analogia com a componente prática.
O resultado da série apresentada é não só um mapa no sentido de ser uma perspectiva
aérea, que faz do suporte a sua mater e o seu lugar fotográfico, como também, dado o
facto de ter sido produzida por contacto directo, pelas mãos do autor sobre a matéria e
o resultado ser apenas revelado pelo concreto da luz, permitindo-nos afirmar que a
componente prática foi ao encontro da investigação teórica que a susteve e que
procurámos responder ao longo desta dissertação.

Futuramente continuaremos nesta linha de intenções, procurando ligar a


fotografia com fenómenos da física e da natureza, com especial atenção para a
particularidade do som nos instrumentos de corda. De que modo é que poderemos
visualizar o som em termos gráficos, que alterações de frequência e modelação
ocorrem graficamente quando pressionada determinada nota musical, como captá-las
através do fotograma. A pesquisa teórica para a presente dissertação levou-nos ao
encontro do trabalho de Jules Antoine Lissajous, no seu estudo sobre a visualização
do som, que será uma das primeiras referências a abordar em futuros trabalhos de
investigação artística.

65
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