RESUMO
Tem ocorrido nos últimos anos, através de diversos autores, uma revisão do pensamento científico moderno,
a partir de diversos focos. Um deles, de percurso formativo abrangente, é o pesquisador francês (tal como gosta
de se identificar!) Edgar Morin. Autor de diversas obras, com produção literária fecunda e contando com muitos
estudiosos colaboradores, além da enorme elasticidade dos temas que aborda, nosso pensador tem tido grande
presença nos meios universitários. Procuramos neste trabalho pouco denso analisar alguns temas de sua reflexão,
que, acreditamos, são fundamentais para a compreensão das bases de sua proposta. Reconhecemos que todo
recorte claudica, mas, na impossibilidade de trabalho mais completo, importa assumir a visão parcializada e
limitada face a um pensamento tão profundo e incisivo. O texto apresenta o pesquisador a partir de seu percurso
de vida, passando pelas âncoras de seu pensamento, até perscrutar sua visão educacional.
RESUMEN
Ha ocurrido en los últimos años, entre un conjunto de escritores, una revisión del pensamiento científico
moderno, desde los diversos aspectos. Uno de estos escritores, de amplio trayecto educacional, es el pesquisador
francés (tal como le gusta ser llamado!) Edgar Morin. Autor de diversos libros, producción literaria fértil y
contando com muchos colaboradores, además de la descomunal elasticidad de los temas que aborda, nuestro
estudioso ha tenido gran presencia en los medios universitarios. Procuramos en este trabajo poco denso, analizar
algunos aspectos de su reflexión que, creemos, son fundamentales para la comprensión de las bases de su
propuesta. Reconocemos que toda recortadura cojea, pero en la imposibilidad del trabajo más completo,
conviene asumir la visión parcial y limitada delante de un pensamiento tan profundo y incisivo. El texto presenta
el pesquisador desde su trayecto de vida, pasando por los fundamentos de su pensamiento, hasta disecar su visión
educacional.
ABSTRACT
During the last years, many authors have realized a revision of the scientific modern thinking beyond many
focuses. One of them, on an abrangent formative trajectory, is the French researcher Edgar Morin (as he likes to
be called!). Author of many works, fecund literary production and between many studious collaborators, although
the huge elasticity of the approached themes, our philosopher has had a big presence on the University. It was
founded at this little dense work, to analyse some themes of his reflections that we believe to be fundamental to
the comprehension of the basis of his proposal. We recognize that all clipping is reductionist, but in the
impossibility of a more complete work, it is important to assume the parcial and limited vision in front of a so
deep and incisive thinking. The text presents the researcher’s through, his life’s trajectory, passing by the anchors
A GÊNESE DE UM PENSADOR
Nasceu em 08 de julho de 1921 em Paris David-Salomon Nahum. Seus pais, Luna e Vidal,
tinham imigrado para a França com outros judeus espanhóis durante a primeira década deste
século. Sentia-se solitário, por ser judeu diante dos preconceitos na escola. Aos 09 anos perde
a mãe e isto aumenta suas dúvidas e solidão, informações concordantes de Petraglia (2001) e
Pena-Veiga (2001).
Em 26 de junho de 1931, antes mesmo de completar dez anos de idade, perde sua
mãe, vítima de uma lesão no coração, fruto da gripe espanhola (...). Luna não podia ter
filhos, e Edgar nasceu, contrariando os preceitos médicos, o que o fez alimentar culpa,
(...). Essa perda cria uma ferida que também será uma fonte de reflexão, e o faz entender
desde cedo o significado da contradição vida e morte, que constituirá as bases
antropológicas de seu pensamento. (PENA-VEIGA et al., 2001: 8)
Questionado certa vez por François Ewald sobre o como descobriu a noção do incerto, tão
característica em sua obra, Morin responde em certa parte da fala:
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(...) Minha vida não é guiada por uma certeza originária, senão por aquela de lutar
corpo a corpo com a incerteza. É preciso dizer que não sou herdeiro de uma cultura que
me teria dado uma crença absoluta sobre a qual eu teria podido assentar minhas idéias.
Talvez existam razões biográficas. Tive de afrontar o problema do risco, aos 19 anos, em
1941 sob a Ocupação: de um lado, eu sentia que era preciso arriscar minha vida e entrar
para a Resistência; de outro, tinha medo de arriscar minha vida. Tive de exercer o ofício
muito incerto de militante clandestino e um afrontamento com o risco e com a incerteza
(...). (MORIN & LE MOIGNE, 2000: 162)
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Surgiu-me a idéia de tratar a morte de um ponto de vista ao mesmo tempo
antropológico, social, histórico e biológico. (...) como um ‘fenômeno humano total’. (...)
Neste trabalho, (...) descubro que a morte, fenômeno totalmente biológico, é ao mesmo
tempo desde a pré-história um fenômeno totalmente cultural (as crenças na sobrevivência
ou no renascimento, os ritos fúnebres). (Ib.: 7)
Creio que ‘L’homme et la mort’ é o livro com o qual eu formei a mim mesmo, eu me
autoproduzi como antropólogo-sociólogo etc., quer dizer, como alguém que não tem
rótulo e que tenta abarcar o campo antropológico na unidade variada de suas
dimensões. Penso ter conseguido fazer uma coordenação, ao tentar analisar, de acordo
com o método da complexidade, os efeitos contraditórios da consciência da morte. Eu
assumo e fico satisfeito com tudo isto.(PENA-VEIGA et al., 2001: 86)
Já nesta obra procurou alargar sua visão para além da análise marxista da história,
realizando uma leitura muito singular desta concepção totalizante, questionando os
dogmatismos e interditos ideológicos. Tais estudos o tornaram dissidente e foi expulso do
Partido Comunista em 1951. No período posterior ingressa no Centre Nationale de Recherche
Scientifique como estudioso. Como pesquisador abriu o leque de suas abordagens para um
tema, que sempre o fascinou: o cinema e sua relação com o homem. Em 1956 edita “O
cinema, ou o homem imaginário”, obra que confirma seu grandioso interesse pela relação
imbricada entre real e imaginário. Dentro desse viés no ano de 1957 discutiu em “As Estrelas:
mito e sedução no cinema” os mitos produzidos pelas sociedades contemporâneas.
Maria Cândida Moraes (2003: 201) diagnostica a década de 50 como a época em que a
complexidade enredou-se na vida acadêmica de Morin através dos criadores da Cibernética –
Wiener e Ashby, o que parece ser verídico, em função do modo como constrói seus temas e
abordagens.
No ano de 1968, enfronhado nas questões emergentes de seu tempo, Morin em parceria
com outros analisa os meandros do movimento estudantil da década de 60, o que foi
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publicado na obra “Maio de 68: a brecha”. Logo após a edição desta obra volta a ser estudante
até 1975, fazendo parte de um grupo de estudos junto a cibernéticos e biologistas. A
realização de um colóquio originou mais um texto em co-autoria com Massimo Pratelli-
Palmarini: “A Unidade do Homem” (1974).
Vários outros estudos foram produzidos durante a confecção deste compêndio, dos quais
destacam-se: “Ciência com consciência” (1982), em que faz uma crítica à ciência, atribuindo-
lhe responsabilidade e missão social, além de propor o diálogo entre as ciências humanas e
sociais; “O Problema epistemológico da complexidade” (1984), “Ciência e Consciência da
Complexidade” (1984); “Introdução ao pensamento complexo” (1990), em que organiza suas
análises sobre a problemática da complexidade; “Terra Pátria” (1993) expressa sua
preocupação com as dimensões planetárias da crise que assola o planeta; “Meus demônios”
(1994) compõe dimensões de seu percurso intelectual com vivências individuais; “A
Inteligência da complexidade” (1999), organizado em parceria com Jean-Louis Le Moigne,
reflete sobre a epistemologia da complexidade, dentre outros temas; “O desafio do século
XXI; religar os conhecimentos” (1999), organizado por ele e constituído a partir de 8 jornadas
temáticas a pedido do ministro da Educação da França; “Os sete saberes necessários à
educação do futuro” (1999) consiste em texto produzido para a Unesco sobre os desafios da
educação contemporânea; “A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”
(2001), no qual aborda questões da educação e do ensino à luz da inteligência da
complexidade.
Trabalho intelectual de tamanha magnitude e envergadura – mesmo não citando todas
as suas produções - tem-lhe rendido muitos reconhecimentos em diversas Universidades do
mundo. Com tamanha projeção chama para si a sintonia e o elogio de alguns e a crítica
veemente de outros. Mesmo com mais de 80 anos, atualmente continua vigoroso em seu
posicionamento, realizando palestras e conferências, dirigindo grupos de estudo, concedendo
entrevistas, auxiliando em pesquisas.
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Tendo vivido em um século de numerosas catástrofes e guerras, Morin, em seu livro
“Meus demônios”, após reconhecer que “nascemos na crueldade do mundo e da vida, ao que
acrescentamos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana”, conclama
todos a resistirem através das “forças de cooperação, comunicação, compreensão, amizade,
comunidade e amor (...) Essas virtudes trazem em si mesmas a crueldade em relação ao que
lhes é exterior, (...), mas são elas que tornam a vida possível de ser vivida e a morte não
desejada”. Esse conjunto de virtudes, no dizer de Morin, “em nível humano, mantém o que há
de mais precioso, e que é ao mesmo tempo o mais ameaçado e mortal, o Amor”. (1994: 273)
A resistência à crueldade do mundo foi palavra de ordem para sua vida, para o ser
humano e para sociedade.
Devemos resistir àquilo que separa, desintegra e distancia, (...). Resistir, em primeiro
lugar a nós mesmos, a nossa indiferença e a nossa desatenção, (...)tentar manter a união
na separação, tentar unir o que está, deixando-o livre (...) Primeiramente resisti ao
nazismo. Depois, resisti ao stalinismo. (...) Creio que, espontânea ou voluntariamente,
(...), quis resistir àquilo que há de impiedoso na política e nas relações entre os seres
humanos. (...) A busca do esforço cósmico desesperado que, no ser humano, toma a forma
de uma resistência à crueldade do mundo é o que eu chamaria esperança. (Ib.: 274)
2. INTELIGÊNCIA COMPLEXA
Interagindo com o rico ambiente cultural, social, científico do século XX, Edgar
Morin tece as bases do pensamento complexo. Faz uma análise simultaneamente antagônica e
complementar da visão moderna da ciência, a qual em diversos de seus escritos taxa de
inteligência cega (2000: 91-35, 2001:19-34). Em seu livro “Introdução ao Pensamento
Complexo” (1990: 13-23) retoma esta questão, conclamando o leitor a tomar consciência
deste problema. Busca sensibilizá-lo para as deficiências do atual pensamento, que, ao mutilar
a teoria, mutila também as ações humanas, manifestando-se como uma doença embasada no
doutrinarismo e no dogmatismo. Tal esquema racionalizador aprisiona o real num modelo
coerente de idéias, mas unilateral.
Tais erros, não assumidos pelo pensamento científico atual, constituem conseqüências
de uma maneira decepadora do conhecimento, que traz em si uma insuficiência para abranger
e reconhecer a complexidade do real. Morin, ao tratar da epistemologia da complexidade
(2000[a]:43-107), elenca 13 princípios, que regem o paradigma da simplificação, na verdade
retomando tais mandamentos presentes em “Ciência com consciência” (1982:246-250).
Moraes (2003: 144-146, 148-155) também traça referências ao paradigma tradicional e
delineia os traços do novo paradigma, que emerge a partir da Nova Biologia, da Nova Física e
da Cibernética com um quadro epistêmico diversificado do anterior. “A eliminação das
brechas entre as Ciências Físicas e as Ciências Biológicas vem provocando uma grande
conhecimento científico e do próprio uso da lógica”.(COELHO apud MORAES,2003: 139) Assim, “os
indivíduos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas culturalmente inscritos neles” (MORIN,
2002:304) . Moraes (2003: 135-136, 138-139) acredita que Morin avança a definição de Thomas Kuhn ao
conceber as revoluções científicas a partir de alterações no quadro epistêmico (relacionados a fatores endógenos
às ciências), enquanto Kuhn relaciona a mudança de paradigma a fatores exógenos, tais como pressão social e
Sociologia do Conhecimento. Outrossim, para Kuhn paradigma seria o próprio princípio de organização das
teorias, enquanto Morin acrescenta, à definição kuhniana, uma certa incerteza que um paradigma contém para
todos os discursos que acontecem sob seu domínio. A noção moriniana de paradigma envolve uma concepção de
relação, o paradigma primeiro impõe conceitos soberanos e, entre esses conceitos, delimita relações que podem
ser de conjunção, disjunção, de inclusão. Partindo dos conceitos primeiros e determinantes, um paradigma
privilegia algumas relações e conexões em perda, exclusão, anulação e detrimento de outras.
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evolução no pensamento humano, trazendo novas percepções, novas formas de pensar”
(MORAES, 2003:154-155),
A complexidade, eliminada das ciências, volta hoje, dentro da própria ciência por
meio do desenvolvimento da ciência física, ao descobrir no universo um princípio
contaminado de degradação e desordem dentro de uma excomunal complexidade microfísica.
Em conseqüência a compreensão moderna do universo como engrenagem perfeita é
ultrapassada atualmente pela idéia de movimento em via de desintegração e organização
concomitantes. Também a biologia passa a compreender a vida como um processo contínuo
de auto-organização altamente complexo, que leva à autonomia.
A ciência clássica erigiu-se sobre três alicerces, que, um a um, foram descontruídos
pelas novas ciências:
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Cabe aqui uma ressalva sobre a noção de sistema. Morin critica a teoria sistêmica como totalidade e holismo, o
que, em sua análise encontra-se ligado à simplificação e ao reducionismo, na medida em que abraça o todo, o
global e rejeita as partes. Há a necessidade de que se reconheçam as particularidades inibidas pelo todo e que
ficam invisíveis no sistema (1982: 139-153; 1990: 29-36). Em sua visão, o todo é mais do que a soma das
partes, menos do que a soma das partes e mais do que o todo. Para não cair nas artimanhas da homogeneização,
importa rever as abordagens físicas, biológicas, antropossociológicas e, adentrando sua dimensão sistêmica-
organizacional, achar suas articulações em anéis dinâmicos complementares e díspares.
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O conceito de ordem surgia de uma visão mecanicista de mundo. Submersa em
uma desordem visível dever-se-ia captar a ordem fundamental. Ora, a ordem
universal foi questionada pela termodinâmica, microfísica, cosmofísica e física do
caos. Ordem, desordem e organização não mais se antagonizam, mas colocam-se
em diálogo interdependente. “O pensamento complexo, longe de substituir a idéia
de desordem por aquela de ordem, visa colocar em dialógica a ordem, a desordem
e a organização”. (2000:199)
A crítica moriniana não admite o cientismo (uma visão fechada da ciência, como
possuidora plena e total da verdade), nem tampouco a racionalização (desejo de aprisionar o
real numa construção racional lógica e com sentido, onde tudo o que pareça contraditório seja
falsidade, fantasia), ambos presentes na explicação moderna de mundo (2000: 156-157; 1990:
101-103). Outrossim, o próprio Morin adverte para duas ilusões, que desviam as mentes do
problema do pensamento complexo: acreditar que a complexidade elimine a simplicidade
(distinguir é necessário, disjuntar nunca!) e confundir complexidade e completude (o
pensamento complexo persegue o pensamento multidimensional, porém a incompletude e a
incerteza sempre estarão presentes)..
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previstos e até danosos de seus atos, divulgando sua consciência da contingência e a
relatividade sócio-cultural de todo conhecimento, que se pretenda acabado e totalitário.
Nesta perspectiva, a ciência deverá sempre ter a sua própria complexidade irredutível,
impregnada do envolvimento de cada pessoa humana com o mundo, que é produto e produtor
de si mesmo. ”Uma ciência consciente, capaz de invocar o ‘heroísmo da razão’ e o ‘fim das
certezas’. (2000:18)
3. NOÇÃO DE SUJEITO
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base simultaneamente subjetiva e bio-lógica, não afetiva e, portanto, não somente da
consciência, subdividindo-a em 3 idéias mestras: autonomia, indivíduo e, finalmente, a noção
de sujeito. Assim, Morin rejeita uma concepção humanista, metafísica ou antimetafísica de
sujeito.
A idéia de sujeito origina-se, pois, no ser vivo mais arcaico, mas não se reduz a ele.
Desenvolve-se com a animalidade, com a afetividade e, no homem, aparece esta novidade
extraordinária: o sujeito consciente. Mas, mesmo no homem, há uma realidade ‘sujeito’,
inconsciente, orgânica, que se manifesta na e pela distinção imunológica que o nosso
organismo faz entre o si e o não si.(1982: 189)
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2. Identidade. O “eu’ continua o mesmo, apesar das mudanças internas (humor,
caráter) e do “si mesmo” (alterações físicas em virtude da idade). Mesmo com as
transformações ocorre a manutenção da auto-referência.
4. Exclusão. No entanto, como ninguém pode pronunciar “eu” em meu lugar, existe
uma incomunicabilidade, uma solidão no mais íntimo de nós. Por meio da
linguagem a espécie procurará, com dificuldades, expressar essa
incomunicabilidade.
Esta noção de sujeito, concebida com temas subjacentes da nova biologia, atinge sua
visão de ciência. Morin atesta a necessidade da reinserção do sujeito no conhecimento
científico, o que não é mais do que a reintrodução auto-reflexiva e autocrítica do sujeito no
conhecimento (1982: 47). O questionamento de quem assume seu ponto de vista como parcial
e relativo deve ser sempre: quem sou eu, antropólogo, que falo de uma cultura estranha?
Quem sou eu, sociólogo, que analiso as classes sociais? Dessa maneira, Morin não acredita ser
possível camuflar a questão do sujeito presente na ciência. A recolocação do sujeito torna o
conhecimento científico mais lúcido de seu papel na sociedade e do lugar que ocupa nela,
favorecendo, em certa medida, seu desvencilhamento do poder como meio de morte e
opressão.
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Uma ciência da ciência exige que se conceba o conhecimento de todo conhecimento
no seu enraizamento a um tempo cerebral, espiritual, noológico, cultural, social e
histórico.(...) Finalmente, permanece a necessidade de uma tomada de consciência ao
mesmo tempo dos limites, das carências e das ‘manchas negras’ do conhecimento
científico.(...) esta tomada de consciência, (...) é uma aquisição positiva, porque as falsas
clarezas, as falsas transparências, as falsas respostas e as pseudo-respostas devem
necessariamente ser desintegradas,(...). A descoberta de um limite, de uma carência no
nosso conhecimento constitui em si mesma um progresso fundamental do conhecimento.
(1982:47)
Por isso, será delineada, no próximo tema, a relação entre educação e mediação
pedagógica no foco do complexo, discutida tanto por Morin como por outros estudiosos.
Para Morin, cabe à educação criar no aluno um estado interior e profundo, que o guie
por toda a vida. Ao mesmo tempo deve indicar que ensinar a viver requer o conhecimento e a
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mudança em sua mentalidade; o conhecimento, transmutado em sabedoria, e a ciência, em
sapiência para toda a existência. Para tanto a escola se munirá da contribuição da cultura das
humanidades (literatura, poesia, arte, cinema, filosofia) e da cultura científica, que
manifestarão a complexidade do ser humano: ser totalmente biológico e totalmente cultural.
Trabalhará a aprendizagem da condição humana, do viver e da cidadania, ensinará o
enfrentamento dos tempos de incerteza, o que pressupõe um ensino estratégico e não
programático3.
Uma ética para o incerto, sim. O incerto nos obriga a complexificar a ética. (...) A
incerteza coloca-nos o problema das contradições éticas. ... seja ainda os problemas
colocados pela eutanásia e pela doação de órgãos: é preciso prolongar indefinidamente a
vida segundo o imperativo hipócrita que determina que a vida dos doentes é sagrada?
Mas essa vida que deixou de ser consciente, uma vida vegetativa, é a mesma vida? Não é
melhor transplantar órgãos desse indivíduo condenado para salvar alguém? Os
problemas éticos são problemas de incerteza.
(...) É preciso fazer uma escolha necessariamente arbitrária, é preciso saber que
tomamos uma decisão provisória. (...) O problema ético se apóia naquilo que é
confrontado com os imperativos contraditórios, e devemos tomar decisões que
comportam sempre alguma coisa de negativo. (MORIN & LE MOIGNE, 2000:169-171)
Por isso assume como primeira finalidade do ensino a construção de uma cabeça bem-
feita (em oposição à cabeça bem cheia em Montaigne), cuja aptidão geral deverá ser a lida
com problemas e com critérios delineadores, que permitam interligar os e dar sentido aos
saberes adquiridos. Tais princípios, que esclarecem a solidariedade do conhecimento,
encontram-se presentes na idéia sistêmica iniciada em diversas frentes dos anos 60, cujo
arcabouço tem sido utilizado pelas novas ciências (ecologia, ciências da terra e a cosmologia),
emergidas da segunda revolução científica do século XX, por serem poli- e transdisciplinares.
Desse modo, uma educação, que objetive uma cabeça bem-feita, consiste em acabar com a
disjunção entre as culturas científica e a das humanidades, viabilizando resposta aos desafios
da globalidade e da complexidade da vida cotidiana, social, política, nacional e mundial.
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4.3 Entendimento do trabalho das disciplinas escolares
O pensamento não é estático, indica movimento; e é este ir e vir que permite a criação
e com ela a elaboração do conhecimento. É o que justifica o rompimento do sujeito com o
pensamento linear e reducionista presente no paradigma da simplicidade, privilegiando
na atualidade o paradigma da complexidade. (2001: 69)
18
Já por ‘transdisciplinaridade’ entende o intercâmbio e as articulações entre elas
(disciplinas). Na transdisciplinaridade há a superação e o desmonoramento de toda e
qualquer fronteira que inibe ou reprime, reduzindo e fragmentando o saber e isolando o
conhecimento em territórios delimitados. (2001: 74)
Concordamos com Moraes (2003: 168): face aos desafios de um mundo com constante
mutação o sistema educacional mostra-se antiquado e inadequado, ancorado que se encontra
no velho paradigma da ciência. Uma estrutura obsoleta, que não conduz o indivíduo a pensar
problemas, nem a questionar para compreender, mas se funda em certezas e na aceitação
passiva da fala da autoridade. Os nossos aprendizes estão impossibilitados de expressarem o
que pensam, estão castrados em suas falas, limitados em seus afetos e presos a uma mente
objetiva e racional (Id., ib.: 169).
Eu jamais tive mestres. Sempre lamentei isso. Não falo daquele que se impõe ou é
imposto, mas daquele que escolhemos por um tempo, por aquilo que ele possa nos trazer.
Aquilo que a instituição escolar ou universitária produz é a falsificação dessa
necessidade. (...) A escola, a universidade tornaram-se máquinas para matar a
curiosidade e a inteligência, canalizando-as em direção a todos os pequenos domínios
mináveis, análogos a qualquer coleção de selos. Inscrevemo-nos desesperadamente num
sistema de especialização produtivo. (MORIN & LE MOIGNE, 2000: 193)
19
mundo e da vida, capaz de produzir seres incapazes de descobertas e reconstruções, de auto-
conhecimento.
Moraes, nos capítulos terceiro e quinto de seu livro “Educar na biologia do amor e da
solidariedade”, aborda alguns quesitos de uma escola construída na perspectiva moriniana, o
que trabalharemos aqui, mesclando algumas análises de Izabel Petraglia, no seu capítulo
“Educação versus escola”, de seu livro “Edgar Morin: a educação e a complexidade do ser e
do saber”.
Será possível reencantar a educação nos dias de hoje? Ou isto constitui-se em mais um
engodo, para dinamizar os profissionais da educação desestimulados diante de tantas
tentativas fracassadas? Neste momento parece-nos que, mais que anteriormente, na educação
tem vigido a afirmação da reprovação, da baixa auto-estima do professor e do desestímulo do
aluno. Será possível gestar um lugar, onde predomine a criatividade e a alegria? Como
relacionar educação, ludicidade e autonomia? Com que paradigma se alavancará este
processo? Quais parâmetros teóricos possibilitariam a construção desta prática pedagógica?
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emoção, mundo físico e mundo vivo, pensamento analítico e sintético, crítico e criativo,
compreensivo e flexível, como componentes intrínsecos do processo complexo da vida. Como
nos assevera Petraglia (2001: 72), pois tratando-se de experiência e ação humanas, não se
pode dissociá-las da emoção. Morin afirma que é preciso considerar-se os aspectos da
paixão, dor e prazer no ato do conhecimento, em concordância com Moraes.
Isto também nos coloca Petraglia (ib., 71), ao afirmar que a ação de conhecer está
presente simultaneamente nas ações biológicas, cerebrais, espirituais, culturais, lingüísticas,
etc.. Moraes (Ib., 80) caminha no mesmo sentido da frase anterior ao especificar que esta
educação deve ser capaz de deflagrar e açambarcar a presença da ação de conhecer em todas
as atividades desenvolvidas pelo humano, em suas diversas dimensões.
Tal educação deve basear-se numa abertura epistemológica, capaz de entender que as
coisas não serão nunca totalmente encerradas nos conceitos (MORIN, 1990: 73). Isto
pressupõe um trabalho educativo, que sempre passe por revisões, em que o educador na
mediação pedagógica não poderá se pautar no autoritarismo e na prepotência.
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relação à mediação pedagógica, o que, a meu ver, torna uma falácia a proposta da escola
reprodutora do conhecimento, pelo descompasso existente entre sua ideologia e a maneira não
linear como o conhecimento é processado pelo aprendente, o que escapa ao controle escolar.
Como nos diz Petraglia (ib.:72), todo conhecimento abrange características individuais,
existenciais e subjetivas, além das objetivas norteadas pela razão. Moraes (Ib.:215) também
reforça que, biologicamente, é impossível a reprodução do conhecimento, já que a
aprendizagem é um fenômeno intrinsecamente interpretativo da realidade.
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contribuição de seu pensamento para a teoria e prática escolares: uma mudança de postura e
mentalidade no entendimento do mundo, constituindo-se num fluxo de renovação rumo a uma
visão multidimensional.
Caberá ao professor a formulação das questões propostas pelo novo tipo de ciência,
que influenciará a renovação de sua prática. Apesar do bloqueio das instituições em relação às
mudanças, o educador deverá iniciar seu processo de reforma, uma vez que não está sozinho
neste fluxo, que engloba diversas ciências. Morin demonstra uma profunda crença na
educação e no educador como protagonista da reforma. Por exemplo, para o professor
secundário propõe tomar conhecimento do universo e da cultura adolescente, aceitando a
independência adquirida por eles em relação às culturas familiar e escolar após os anos 60, e
as maneiras comunitárias e regras próprias dos seus grupos, que podem atingir o nível de
constituição de microssociedades. Morin está muito atento ao papel social do professor e à sua
capacidade de mudanças, se conectado ao que ocorre em seu entorno. (2001: 78-80)
Eu não creio muito nas virtudes dos programas de mudança. É preciso mergulhar na
noite densa, com a vontade de trabalhar com a possibilidade do fracasso, com sentimento
de que existe uma tarefa importante a ser executada. A ausência da solução pré-
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programada não deve desencorajar, mas relembrar que um trabalho tem uma realidade
complexa (MORIN & LE MOIGNE, 2000: 194)
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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___________. O Método 5: A humanidade da humanidade. Porto Alegre, RS: Sulina,
2002. 312p.
___________. Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 3.ed. São Paulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2001. 118 p.
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