Anda di halaman 1dari 40

TRANSCRIÇÃO1 DA AULA DE 28 DE OUTUBRO DE 2006 –

PROFESSOR LUIZ GONZAGA DE CARVALHO NETO

A DIFERENÇA ENTRE ALMA E ESPÍRITO

INTRODUÇÃO: OS MODOS DE SER DA ALMA E DO ESPÍRITO

Aluno: Na última aula paramos na pergunta sobre a diferença entre


Alma e Espírito.
Professor: O que diferencia a alma humana das outras almas
animais é justamente a possibilidade dela reproduzir de forma inesgotável o
conteúdo do Espírito nela mesma. É uma potencialidade e não um ato que
seja dado desde o começo. O Espírito por si mesmo é inesgotável. E alma
humana é indefinidamente capaz de assimilar o Espírito. Não há um
momento em que o indivíduo consiga esgotar as possibilidades de
realização do Espírito.
Aluno: O que significa absorver o Espírito?
Professor: Significa que você pode reproduzí-lo ou representá-lo na
forma de conteúdo mental: de imagens, sentimentos e pensamentos. Mas
essa reprodução nunca esgota o Espírito. É como se você tivesse um objeto
com infinitas facetas e você tentasse pintar cada uma das facetas. Cada
uma delas revela um aspecto do objeto e algo novo sobre ele, mas você
nunca terminará esse processo porque tem infinitas facetas.
Isso não quer dizer que o Espírito não tenha certas operações
regulares. Ele tem certos modos regulares de atuar na alma humana, mas
esses modos são regulares para o Espírito e sempre novos para a alma
porque a alma não consegue esgotar todos os modos do Espírito.

1
Transcrição, títulos, notas e trechos entre colchetes feitos por Carlos Eduardo de Carvalho
Vargas em maio de 2006. Versão não revista pelo autor da aula [N.T.].

1
A PERFEIÇÃO DO MODO DE SER CORPÓREO

O modo de Ser do Espírito e o modo de Ser da alma pertencem a


ordens do ser diferentes. Os modos do ser ou órgãos da existência se
diferenciam pelo modo pelo qual os seres que pertencem a cada uma das
ordens alcançam a sua perfeição própria. Por exemplo: a perfeição
corpórea. Como um corpo alcança a sua perfeição própria? O que é a
perfeição de um corpo ou objeto corpóreo? A perfeição de um objeto
corpóreo é simplesmente a sua presença diante de outros corpos. A
perfeição do ouro é reagir como ouro diante de outros corpos minerais. A
perfeição do ouro é uma fórmula de reações diante de outros corpos.
Aluno: Qual é o sentido da perfeição neste caso? A essência de um
corpo o faz se comportar como ele mesmo.
Professor: Como ele mesmo: o ouro não reage diante dos outros
corpos do ambiente como se ele fosse ferro. É nesse sentido que se pode
dizer com os escolásticos que os corpos não possuem defeitos.
Qual é o limite do corpo? A perfeição dele não se realiza por si
mesmo. Um corpo somente existe como corpo porque ele está diante de
outros corpos diante dos quais ele reage como aquela espécie de corpo.
Em um certo sentido, um pedaço de ouro é ouro porque existem outros
metais diante dos quais ele se apresenta como ouro, diante dos quais ele
reage exatamente como ouro.
Aluno: Mas não é por causa de alguma coisa na estrutura dele como
ouro?
Professor: Sim, mas essa estrutura é meramente potencial se não
há outro corpo que não é ouro.
Aluno: Então se não houvesse outro corpo, ele seria o quê?

2
Professor: A atualização da realidade ouro somente existe quando
há um outro corpo diante do outro. Para entendermos vamos relembrar a
noção de corpo que foi apresentada em uma das aulas anteriores.

O CONCEITO DE CORPO

O que é um corpo? Quais são as notas que caracterizam um corpo?


Todos os corpos são sensíveis? Tudo que é corpóreo pode ser captado
pelos sentidos?
Aluno: O que você está querendo dizer com “sensível”?
Professor: Algo captável por um dos cinco sentidos.
Aluno: Eles são físicos?
Professor: Físico é uma coisa, sensível é outra. Mas quando
introduzimos a nota “físico”, isso problematiza sobre o objeto, mas não
explicita o que ele é. Porque a gente teria que se perguntar “o que é
físico?”, mas a explicação precisa ser mais simples do que o objeto e não
[deve ser] mais complexa. A primeira pergunta que a gente faz quando
queremos definir um objeto está lá nas “Categorias” de Aristóteles: ou é
uma espécie de objeto capaz de existir nele mesmo ou é um objeto que
existe em outro. A cor vermelha é alguma coisa que existe em outra coisa
que não é a cor vermelha. Para que exista a cor vermelha é preciso que
exista alguma coisa que tenha cor vermelha. A mesma coisa com “30
gramas” ou “30 centímetros”: é preciso que exista alguma coisa que tenha
“30 gramas” ou “30 centímetros”. Essa coisa mesmo não é grama, nem
centímetro, nem cor. Porque a massa, o tamanho e a cor são acidentes que
existem em uma outra coisa. São características ou atributos de uma outra
coisa que, por sua vez, não seja atributo. Eu posso dizer: “homem é atributo
de Guilherme” ou “Guilherme é homem”, mas Guilherme não é atributo de

3
nada. Ele é um sujeito último de atributos. Para que haja atributos é preciso
existir um sujeito último. Então, a primeira pergunta sobre corpos é: “os
corpos são sujeitos ou são atributos?” Pelo que tudo indica, os corpos são
sujeitos. Eles entram, então, na categoria de substância. Um corpo é uma
coisa que existe nele mesmo. Ele não existe em outro ou como atributo de
outro. Assim nós já temos um gênero. Sabemos que tipo de coisa é um
corpo. É claro que existem também substâncias ou sujeitos últimos que não
são corpóreos, mas espirituais. Mas de qualquer jeito existem alguns
sujeitos que são chamados de corpos. Eles possuem alguns atributos, mas
o próprio sujeito é corpóreo. Para entendermos o que é corpo, basta
entender o seguinte: “quais são os atributos que necessariamente precisam
estar presentes em um sujeito para que ele seja corpóreo”? Um deles é
tamanho. Um sujeito incorpóreo não possui tamanho. Qual é o tamanho de
uma alma, de um anjo ou de Deus? O atributo tamanho é descabido em
relação ao sujeito incorpóreo, mas é necessário ao sujeito corpóreo. Não
tem um sujeito corpóreo que não tenha um tamanho definido.
Mas se falarmos que “corpo é uma substância2 com tamanho”, isso
é suficiente? Essa é a única característica que é permanente nos corpos e
que se pode observar em todos os corpos3? Não é.
Aluno: O que falta? Massa? Textura?
Professor: Faltam várias outras condições. Como as captamos
(massa, cor, peso, etc)? Tudo isso a gente capta por uma propriedade dos
corpos: eles podem ser modificados por outros corpos. Todo corpo pode ser
alterado por um outro corpo.
Aluno: Você pode dar um exemplo?
Professor: O ar que está nesta sala pode ser modificado pela
configuração dos outros objetos que estão nela. Um corpo pode empurrar
2
Nesta aula substância está significando um sujeito último [N.T.].
3
Busca-se os atributos permanentes, universais e objetivos. Conferir aulas anteriores sobre
“tópicos” e o procedimento dialético [N.T.].

4
outro corpo, deslocando-o. [Também pode] fundir, aquecer, esfriar, etc.
Tudo isso são modificações de uns corpos sobre outros. E por mais que eu
procure, não encontro um corpo que não possa ser modificado ou seja
incapaz de sofrer uma modificação. Mesmo que eu encontre um corpo que
não possa ser quebrado, ele também não pode ser aquecido ou deslocado?
Então, uma característica também universal dos corpos é que todos eles
estão sujeitos a mudanças. Então, já possuímos mais de uma nota sobre os
corpos: são substâncias mutáveis. Todos eles podem mudar.
[Aluno faz um comentário breve.]
Professor: Atualmente se conhece mais dados sobre os corpos e
mesmo assim ainda não se encontrou nenhum corpo que seja incapaz de
mudança. Então, a possibilidade de ser mudado por um outro corpo faz
parte da estrutura intrínseca de um corpo.
Então, acrescentaremos uma terceira nota sobre os corpos:
a) eles são substâncias ou sujeitos de atributos e não apenas
atributos de outros seres;
b) eles são mutáveis.
c) eles possuem tamanho;

QUANTIDADE CONTÍNUA E QUANTIDADE DISCRETA

Vamos tentar entender esta última nota: tamanho. Tamanho é um


tipo de quê?
Aluno: De quantidade.
Professor: Por exemplo: número é outro tipo de quantidade. [Os
números] dois, três, e quatro significam um tipo de quantidade, mas não
significam necessariamente um tamanho. Então, por exemplo, posso falar
de duas ou três mil almas, mas isso não significa tamanho nenhum. Qual é
a diferença entre esse tipo de quantidade e o tipo de quantidade que é o

5
tamanho? Por exemplo: esse maço de cigarro é um só, mas ele possui
tamanho. Qual é a diferença entre a quantidade que é o tamanho desse
maço de cigarro e o número de cigarros que ele possui? São dois tipos de
quantidade bem diferentes.
Vamos procurar as características em comum entre estas duas
espécies de quantidade, pois, assim, pode ser que as características
diferentes se destaquem na nossa mente. Uma característica comum das
quantidades é a multitude. Toda quantidade envolve muitos. Envolve uma
diversidade das partes. Para que isso tenha um número é preciso que tenha
coisas diversas. Para que isso seja um tamanho, é preciso que isso tenha
partes que são diversas. Por exemplo: essa parte aqui não é esta aqui. Esta
outra não é essa aqui. Mas a alma também tem partes: imaginação,
inteligência, vontade, etc. Qual é a diferença entre as partes da alma e as
partes disto aqui? O ser de uma parte da alma está no ser da outra. No
tamanho, o ser de uma parte não está no ser desta. Se eu eliminar esta
parte, a outra continua existindo do mesmo jeito. Mas na alma, se eu
eliminar a sua imaginação, a sua alma inteira mudou. Se eu eliminar a sua
imaginação, eu simultaneamente tirei algo da sua inteligência, dos seus
sentimentos, da vontade e de tudo mais. Isso significa que o ser da
imaginação estava também na inteligência, no sentimento, na vontade, etc.
Não há como eliminar uma das partes e as outras continuarem as mesmas.
Mas no tamanho não é assim. Posso tirar uma parte do tamanho e a outra
continua sendo o que era antes.
Aluno: É o “reino da quantidade”4. Não altera a qualidade.
Professor: A característica da quantidade é justamente esta: o ser
das partes não está nas outras partes. Do mesmo jeito que aqui tenho três
maços de cigarro e, ao tirar um deles, os outros continuarão sendo a
mesma coisa. O ser de cada parte não interferiu no ser de outra parte. A
4
No sentido de René Guénon: conferir “O reino da quantidade e os sinais dos tempos” [N.T.].

6
característica da quantidade é que possui “parte fora de partes” ou o ser de
uma parte não está no ser de outra parte. É como se as partes estivessem
fora das outras.
Então, talvez a diferença entre essas duas espécies de quantidade,
o número e o tamanho, esteja na relação entre as partes. È muito simples:
aqui tenho três maços de cigarro, que estão juntos. Se eu separá-los,
continua sendo três. O limite de uma parte é independente da outra. Eles
são três juntos ou separados. Agora vamos observar o tamanho. Divida
imaginariamente este maço de cigarro no meio. Você teria um plano
dividindo o comprimento do maço em duas partes. Mas este plano pertence
à metade de lá ou de cá? Ele pertence a esta parte ou àquela? Pertence a
duas ao mesmo tempo. No número não é assim, pois o início das partes é
independente da outra. Então, podemos dizer que tamanho é a quantidade
cujas partes possuem seus limites em comum. E número é a quantidade
cujas partes possuem limites separados ou independentes ou próprios.

AS MUTAÇÕES DOS CORPOS

O que isso quer dizer para o nosso conceito original de corpo? É


simples: a gente vai desdobrar um pouquinho mais a noção de corpo.
Porque na idéia tamanho já capto duas notas distintas: a nota extensão e o
quê mais? Um corpo é simplesmente uma substância mutável e extensa?
Não, porque corpo é uma substância mutável de extensão limitada. A noção
de tamanho implica simultaneamente na noção de extensão e na noção de
limite desta extensão.
Então, eu posso dizer com bastante precisão que corpo é “a
substância mutável de extensão limitada”. Por mais que você procure, você
nunca encontrará um corpo que não seja isso. Ele pode ser muitas coisas
ainda, mas ele precisa ser isso também. E, por outro lado, você nunca

7
encontrará uma coisa que não seja corpo e seja uma substância mutável de
extensão limitada.
É fácil provar que os corpos têm extensão limitada porque existe
mais de um corpo5. Se existisse um corpo de extensão ilimitada não existiria
mais nenhum corpo porque não haveria lugar para a extensão de um
segundo corpo.
Agora que nós já sabemos o que todos os corpos são. Imagine um
corpo que seja apenas isso e não tenha mais nenhuma característica. E que
esse corpo se reduza a uma substância mutável de extensão limitada. Se
ele é mutável, o que se pode mudar em um corpo assim?
Vamos pensar: somente é possível mudar coisas que estejam
sujeitas a contrários. Por exemplo: se eu tenho um corpo vivo, esta noção
de vivo possui um contrário, que é morto. Um corpo vivo talvez possa ser
mudado no seu contrário que é um corpo morto. Para que haja mudança, é
preciso que haja um par de contrários e um sujeito que é capaz de um
contrário ou do outro. Posso mudar um corpo de verde para vermelho.
Posso mudá-lo de cor. Por quê? Porque a noção de “não-verde”
corresponde a alguma realidade positiva, que não é verde: seja azul,
amarelo ou qualquer outra cor. E nesse sentido, verde possui um contrário
real. Possui muitos contrários: pois existem muitas cores reais que são
“não-verde”.
Mas os contrários não podem existir na mesma coisa, ao mesmo
tempo e sob os mesmos aspectos6. Um corpo não pode ser verde e não-
verde ao mesmo tempo [e nas mesmas condições]. Para que haja
mudança, é preciso existir um par de contrários, mas simultaneamente deve
existir a impossibilidade daqueles contrários estarem ao mesmo tempo no
mesmo sujeito.

5
Por um argumento que é uma espécie de “reductio ad absurdum” (“redução ao absurdo”) [N.T.].
6
Princípio da não-contradição.

8
Então, se eu quero descobrir como uma substância mutável de
extensão limitada pode ser mudada, tenho que descobrir nestas notas:
“substância”, “mutável”, “extensão” e “limitada”, quais são as notas que
estão sujeitas a contrários ou podem existir de maneira contrária. Por
exemplo: peguemos nossa substância: será que podemos mudar um corpo
de substância para não substância? Um corpo pode deixar de ser
substância e tornar-se atributo de uma outra coisa?
Aluno: Não.
Professor: Não pode, porque a única espécie de ser positivo ou real
que não é substância é o atributo, mas este não é o contrário da substância,
pois somente existem na substância. Então, já descobrimos algo sobre os
corpos: a substância corpórea é indestrutível.
Aluno: Não há contrário para a substância corpórea?
Professor: Não há, porque não existe o contrário da substância.
Esta não tem contrários. Então, não é nessa nota que o corpo é mutável.
Aluno: Seria impossível transformar algo corpóreo em incorpóreo?
Professor: É impossível transformar algo corpóreo em incorpóreo,
exatamente. O único modo de fazer essa mudança seria mudar a ordem a
que esta substância pertence, o que não é possível. Nunca se poderá
transformar um corpo em uma alma e vice-versa.
Posso mudar um corpo na sua mutabilidade?
Aluno: Ele ficaria imutável. E existiria um corpo incapaz de
mudança, o que já descobrimos que não há. Logo, um corpo não pode
mudar na sua mutabilidade.
Professor: Exatamente, é contrário à própria noção de corpo. Então,
tentar encontrar as mudanças a que os corpos estão sujeitos na substância
ou na mutabilidade é simplesmente procurar algo que não existe. Sobrou
apenas uma terceira nota: extensão limitada. Posso mudar os corpos em
extensão.

9
Aluno: Posso diminuí-los ou esticá-los.
Professor: Exatamente! Posso fundi-lo com outro semelhante para
que ele se torne maior, fundindo, por exemplo, um pedaço de ferro com
outro. Mas não posso fazer muito mais do que isso.

AS QUALIDADES PASSIVAS DOS CORPOS: UMIDADE E


SECURA

E o “limite” da extensão? Existe mutabilidade no limite da extensão.


O limite da extensão é “total”: abarca o todo do corpo completamente.
Então, o próprio limite não pode se tornar maior ou menor, uma vez que
sempre acompanha o todo. Mas existem diversas espécies de limite nos
corpos. Por exemplo: o ar possui uma espécie de limite. Esta mesa possui
outra [espécie de limite]. O limite da mesa pode mudar a forma do limite do
ar, mas o limite do ar não pode mudar a forma do limite da mesa.
Ora, se existem dois tipos de limite e eles são contrário, é possível
que um mesmo corpo sujeito a dois contrários, mude de espécie de limite. O
mesmo corpo que, em determinadas circunstâncias, [possuía um limite
sólido ou] era sólido pode, em determinadas circunstâncias, não ser sólido.
Há uma espécie de limite que possui figura própria e há outra espécie de
corpos que não tem [limite com] figura própria, mas possui a forma daquilo
que está perto de si. Por essa característica, posso mudar os corpos,
aumentando sua extensão ao juntá-lo com um semelhante ou diminuindo
sua extensão ao provocar sua divisão. E, de fato, os corpos estão
constantemente sofrendo e provocando essas mudanças uns nos outros.
Isso é algo que se testemunha constantemente na natureza. E eles também
podem mudar a forma como outro corpo possui esta figura. Um corpo, em
determinada circunstância, possui uma determinada figura que lhe é
própria, determinada por si mesmo. E em outra circunstância, quando é, por

10
exemplo, super-aquecido, ele pode passar a não ter figura própria, mas ter
uma figura que é determinada pelo seu meio.
Aluno: Como o gelo [que se derrete].
Professor: Por exemplo! A água é um dos corpos que pode mais
facilmente ser observado em suas mudanças nesse sentido: pode mudar de
gelo para água e desta para vapor [e vice-versa]. Então é simples: se os
corpos são mutáveis e podem ser modificados por outros corpos, ele
precisa ter uma natureza que determina a amplitude e a circunstância
dessas mutações em si. Por exemplo: se quero que o gelo fique líquido,
preciso de uma determinada circunstância ambiental. É exatamente a
mesma circunstância ambiental de que se precisa para que o ouro fique
líquido? É diferente. Mas ambos podem mudar de sólido para líquido e vice-
versa.
Aluno: Por que não é a mesma?
Professor: Porque as condições de temperatura e pressão são
diferentes [para que a água e o ouro passem do estado sólido para o
líquido].
Aluno: Porque eles possuem “naturezas7” diferentes?
Professor: Exatamente.
Aluno: Mas é o mesmo caminho [para que ambos mudem de
estado]?
Professor: É o mesmo caminho. Exatamente: tinha figura própria e
não tem mais ou não possuía [figura limitada por si mesmo] e agora tem.
[Aluno indica mais um exemplo.]
Professor: Isso significa que todos os corpos possuem uma
disposição passiva para ficar sólido, líquido ou gasoso. Essa disposição é
ativada pelo ambiente. Por um conjunto de fatores que está fora de si. Mas

7
No sentido de “princípio intrínseco de repouso e movimento” como o professor Luiz explicou em
outras aulas [N.T.].

11
a disposição está nele. [Em caso contrário,] se estivesse fora dele, todos os
corpos se tornariam sólidos, líquidos e gasosos diante da mesma
circunstância exata.
Aluno: Em parte o princípio é intrínseco e, em parte, é extrínseco8.
Professor: Exatamente. Ele possui um princípio passivo que “diz”:
“se a circunstância for assim serei líquido, mas em outra circunstância ‘tal’,
serei sólido”. Mas eles mesmo não podem e determinar independentemente
das circunstâncias.
A segunda coisa é a fusão e a fissão. Eu posso dividir em várias
partes ou unir diversas partes para que formem uma única. Isso muda o
tamanho dele. Muda a extensão completamente. O tamanho é variável [seja
do todo ou das partes]: cem grama de ferro é ferro e um quilo continua
sendo ferro. A natureza do objeto não mudou, mas apenas seu tamanho.
Essa disposição passiva para se tornar sólido, líquido ou gasoso é
uma disposição que torna o corpo sujeito a duas qualidades contrárias: ou
ele possui, em determinada circunstância, a qualidade de determinar a sua
própria figura ou ele não possui essa capacidade e, pelo contrário, possui a
capacidade de se adaptar às figuras dos outros corpos. São duas
qualidades diferentes e contrárias.
Aluno: Como no exemplo da mesa e do ar.
Professor: A essa primeira qualidade, de determinar a própria figura,
Aristóteles chamava de secura. E à qualidade contrária, ele chamava de
umidade. Sei que a gente usa essas palavras em um sentido um pouco
diferente.
Aluno: Mas faz sentido!
Aluno: Poderia-se usar solidez e liquidez.

8
Ou, em parte, há fatores emergentes, e, em parte, fatores predisponentes, seguindo o
vocabulário de Mário Ferreira dos Santos em “Filosofia e Cosmovisão” [N.T.].

12
Aluno: A secura é a qualidade própria do objeto que pode
determinar a sua própria figura?
Professor: Exatamente.
Aluno: Se alguém joga água no vaso, este determinará a figura da
água [pois esta é úmida, enquanto o vaso é seco, no sentido aristotélico].
Professor: A água não determinará a figura do vaso.
[Aluno compara a umidade aristotélica com a liquidez da economia.]
Professor: E mais ainda, todos os corpos possuem esta
propriedades, mas todos possuem a capacidade de mudar de uma para
outra. Nenhum corpo é sólido em todas as circunstâncias possíveis em que
ele pode se encontrar.Existe alguma circunstância em que ele perderá essa
propriedade e assumirá a contrária.
Aluno: Por mais difícil que seja!
Professor: Exatamente.
[Aluno comenta sobre a passividade dessas propriedades.]
Professor: A secura e a umidade são justamente as propriedades
passivas dos corpos. Um corpo simples, por si mesmo, não muda de uma
coisa para outra, mas é mudado por um outro. É mudado pelo conjunto dos
outros corpos como um todo [ou pelo seu “meio”]. Vocês estão entendendo
o que significa dizer que “um corpo somente existe tal como ele é [se
estiver] diante de um outro corpo”. Então, por exemplo, vamos imaginar um
imenso universo vazio no qual há apenas uma pedra. Ela é sólida, não é?
Mas a pedra, enquanto pedra, enquanto aquele mineral [específico], poderia
não ser sólido. Não há nada na natureza dela que a proíba de deixar de ser
sólida. Mas ela nunca poderia realizar essa possibilidade sozinha. Algum
outro corpo teria que intervir para que ela realizasse essa possibilidade.

AS QUALIDADES ATIVAS DOS CORPOS: CALOR E FRIEZA

13
Mas existe um outro par de contrários a que todos os corpos estão
sujeitos. E este é um par de qualidades ativas ou de forças ou virtudes.
Esse par de qualidades é facilmente conhecido quando se quer transformar
gelo em água. O que alguém faz quando quer transformar gelo em água?
Esquenta a água! O que acontece quando você esquenta o objeto?
Aluno: Recebe o calor.
Professor: O que acontece quando um corpo recebe o calor?
Aluno: A forma dele muda.
Professor: Por que a forma muda?
Aluno: As partes separam-se.
Professor: Exatamente. Quando você esquenta um corpo as partes
dele tendem a se separar. Há uma tensão no sentido da separação. Mas
um corpo se separa com o mínimo calor que o aquece?
Aluno: Separa-se muito pouco [se o calor for mínimo].
Professor: Isto quer dizer que todo corpo possui em si também uma
força pela qual ele mantém as partes unidas. E essa também é uma força
ativa. Esta é uma tensão de coesão no corpo. E essa tensão de coesão é
contrária à tensão de separação. As duas não podem coexistir no mesmo
corpo. Se você aumentar a tensão de separação, a tensão de coesão será
superada ou perdida. Então essa tensão de coe~são era chamada de frieza
por Aristóteles ou a tensão que um corpo possui para manter as suas partes
unidas. E a tensão para a separação das partes ele chamava de calor.
Aluno: Tudo isso é para chegar na diferença entre Espírito e alma?

QUATRO CATEGORIAS DE CORPOS

Professor: O que isso quer dizer? Como os corpos têm as


possibilidades de pares de contrários, eu posso classificá-los em quatro
categorias. Um corpo não pode ser simultaneamente frio e úmido. Então já

14
há duas espécies de corpos: os secos e os úmidos. Mas os corpos também
não pode ser simultaneamente quente ou frio: pode haver nele o predomínio
da tensão de coesão ou de separação.
Aluno: Mas não há problema em um mesmo corpo ser
simultaneamente e nos mesmos aspectos ser quente e seco?
Professor: Não. E também não há problema em ser quente e úmido,
nem frio e seco, nem frio e úmido.
Aluno: São os quatro elementos ou quatro categorias.
Professor: São quatro categorias.Cada uma delas combina as
qualidades que em si mesma não são contrárias. Como essas categorias ou
qualidades dependem da interação entre os corpos, todo e qualquer corpo
pode estar em qualquer uma dessas categorias em circunstâncias
diferentes.
Todas essas quatro categorias afirmam qualidades que são
relações entre os corpos. Então, por exemplo, se coloco dois corpos
quaisquer juntos, pode ser que um esteja exercendo sobre o outro uma
tensão de aquecimento e este pode estar exercendo no primeiro uma
tensão de esfriamento. Enquanto um tenta separar as partes do outro, o
outro se esforça para manter unidas as partes daquele. Isso pode acontecer
independente do estado deles, sejam sólidos, líquidos ou gasosos. Então,
posso aproximar dois pedaços de ferro, um quente e um frio. Os dois são
sólidos e secos, mas um é quente e frio. Um causa tensão de separação e o
outro causa tensão de coesão. Também poderia juntar duas massas de ar:
uma quente e uma fria. A primeira estaria esquentando a outra e essa
estaria esfriando a quente. Então é simples: como aprender a distinguir uma
espécie de corpo da outra espécie? Cada espécie de corpo possui uma
fórmula própria de combinação dessas quatro características. Se, por
exemplo, tivéssemos aqui um laboratório que fosse um sistema fechado e
se mantivermos nas mesmas condições regulares de temperatura e

15
pressão. Se colocarmos um pedaço de ouro, este ficará em um equilíbrio
tensional de coesão e separação diferente, por exemplo, de um pedaço de
gelo. Suponha que esse recipiente, [no laboratório], seja mantido a 10oC de
temperatura. O ouro se adapta a essa temperatura, mas na sua fórmula de
coesão e separação ainda predominará a força de coesão. Se eu colocasse
um pedaço de gelo, a essa mesma temperatura [de 10oC] irá predominar a
tensão de separação.
Isso quer dizer que cada espécie de corpo possui a sua fórmula
própria de equilíbrio dessas quatro propriedades. E a perfeição daquela
espécie corpórea é justamente a existenciação dessa fórmula. Existir para
um corpo é existenciar essa fórmula. É mudar sempre de acordo com essa
fórmula e não com outra. Um corpo somente pode se realizar como corpo
sendo alterado por outros corpos. A perfeição [ou completude] ou existência
completa de um corpo em todas as condições de secura, umidade, calor e
frieza somente pode acontecer se houver outros corpos interagindo com
ele. O ciclo completo de existência do ouro somente existe se houver outros
corpos interagindo com ele. Um pedaço de qualquer corpo estaria
aprisionado a uma modalidade de seu ser e nunca poderia realizar as
outras modalidades se não existissem outros corpos.

A PERFEIÇÃO PRÓPRIA DOS MODOS DE SER SUJEITOS A


PARES DE QUALIDADES OPOSTAS

Isso já nos oferece uma base para clarear a idéia de perfeição. A


perfeição de um ser ocorre com a plena perfeição dos seus modos de ser.
Então, por exemplo, nós temos vários modos de ser. Um dos nossos modos
é ter vários sentimentos em relação às coisas que nós observamos.
Podemos sentir agrado, desagrado, tristeza, alegria, apego, desapego,
aversão, etc. Enquanto não vivemos plenamente a capacidade de sentir ou

16
ter sentimentos, não realizamos a perfeição da nossa vida afetiva. Como a
vida afetiva, assim como a atividade corpórea, está sujeita a atividades
contrárias, pois não se pode estar feliz e infeliz ao mesmo tempo, alegre e
triste com a mesma coisa ao mesmo tempo, o ser humano que nunca foi
triste é incompleto. Ele não realizou plenamente o seu ser. Existe algo do
ser dele que ele desconhece. Mas também nós temos alguns modos de ser
que não são sujeitos a contrários reais. Então, por exemplo, a inteligência.
Qual é o contrário do compreender ou do entender?
Aluno: Não entender.
Professor: Mas o não entender não é um modo de ser positivo,
sendo apenas a privação do entender [que por sua vez é um modo de ser
positivo]. Mas ser úmido não é apenas não ser seco, é [realmente] uma
outra qualidade. Entretanto, não entender é apenas não entender.
Percebam que nisso o modo de ser que da inteligência é completamente
diferente da afetividade, porque sentir tristeza é tão sentir como sentir
alegria. É um sentimento tão real quanto o sentimento contrário. Tanto é
assim que existem seres e circunstâncias que merecem a nossa tristeza. A
tristeza também é um modo de perfeição. Se alguém vê [Nosso Senhor
Jesus] Cristo sendo crucificado é para sentir-se bem e achar aquilo uma
maravilha? Qual é o sentimento perfeito em relação a esse acontecimento?
É a tristeza porque essa manifesta a sua compaixão. A tristeza é a sua
participação naquele sofrimento. Existem coisas diante das quais apenas os
maus ou imperfeitos alegram-se9.
Aluno: E em relação à vontade10?
Professor: A ausência de vontade [também] é apenas uma privação,
mas a vontade também é sujeita a atos contrários porque a vontade
também pode amar ou odiar. Existem coisas que são odiosas, diante das

9
Como ficou patente no filme “A Paixão de Cristo” de Mel Gibson [N.T.].
10
Esta potência da alma já foi explicada pelo professor Luiz em uma das aulas anteriores [N.T.].

17
quais a vontade própria é o ódio11. Depois chegaremos na vontade, mas,
por enquanto, o importante é a percepção de que existem modo de ser que
estão sujeitos a qualidades contrárias e que a plenitude desse modo de ser
é alternar de uma para outra e não permanecer apenas em uma delas.

A PERFEIÇÃO DOS VEGETAIS E DOS ANIMAIS

Professor: Agora vamos tratar da perfeição do vegetal. Um vegetal


também é um corpo, mas ele não realiza a sua perfeição comportando-se
apenas como um corpo qualquer. A simples mudança daquelas quatro
qualidades que estudamos não realiza a perfeição de um vegetal. Por
exemplo: a perfeição de uma macieira não é realizada apenas porque ela
alterna entre calor e frieza ou secura e umidade. A perfeição da macieira é
de uma ordem diferente: encontra-se na ordem reprodutiva. Se uma
macieira não se reproduzir, ela não alcançou a sua perfeição12. Todas as
outras modificações do ponto de vista da macieira estão subordinadas à sua
função reprodutiva. A macieira assimila elementos do ambiente corpóreo
para transformar em outra macieira. A macieira se alimenta. Ele se nutre
dos minerais para crescer. E cresce para atingir a sua maturidade
reprodutiva, seja sexuada ou assexuada, e produzir outras macieiras. A
diferença de perfeição entre duas macieiras está nas suas capacidades
reprodutivas.
E a perfeição de um animal? Esta é o exercício da capacidade de
procurar um ambiente confortável. Os animais têm como característica
procurar um ambiente que lhes seja agradável. Como, em certo sentido, os
animais também são vegetais, pois também se reproduzem, eles também

11
Como se poderia dizer inspirado em Santo Agostinho: todos amam e odeiam, mas nem todos
amam e odeiam as coisas que respectivamente merecem ser amadas e odiadas. Algumas vezes
amamos o que deveríamos odiar e odiamos aquilo que deveríamos amar [N.T.].
12
Como a figueira estéril condenada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Evangelho [N.T.].

18
possuem as potências vegetativas, eles também procuram realizá-la, mas
isso não lhe basta. Inclusive isso no animal está subordinado ao prazer.
Então, existe uma diferença crucial entre a perfeição dos animais e
vegetais e a perfeição dos corpos em geral. A perfeição daqueles lhes é
mais íntima. O princípio ativo dessa perfeição está mais ligado a ele mesmo
do que ao ambiente. Este apenas oferece a oportunidade, mas são os
próprios animais e vegetais que realizam a perfeição que lhes é própria13.
No ser humano também é assim14.
Aluno: Mas os seres humanos não fazem isso com impulsos
diferentes dos animais?
Professor: Com impulsos diferentes porque a perfeição do animal é
uma e a do ser humano é outra. E o impulso do vegetal é outro. Entretanto,
a característica que distingue vegetais, animais e seres humanos do corpos
em geral é que neles mesmos está o princípio ativo da própria perfeição.
Enquanto os corpos possuem apenas um princípio ativo, dependendo dos
outros para realizar, uma vez que esses efetivarão no corpo [a perfeição
deste].
Com isto quero dizer que vegetais, animais e seres humanos
pertencem a uma ordem do ser diferente dos corpos em geral. Os corpos
pertencem à ordem do ser que são passivos em relação à sua perfeição.
Um corpo somente pode ganhar a perfeição que ele irá perceber. Na outra
ordem do ser, os vegetais animais e seres humanos recebem uma perfeição
do ambiente, mas somente isso não é suficiente para eles, pois não realiza
o que ele quer. Ele mesmo precisa intervir e realizar a sua própria perfeição.
Qual é a outra característica comum aos animais, vegetais e
humanos? Simples: eles podem existir e não alcançar a própria perfeição.
Aluno: Podem frustrar.

13
Voltando ao tema dos fatores emergentes e predisponentes [N.T.].
14
Até mesmo porque o ser humano também é um animal [N.T.].

19
Professor: Isso quer dizer que, embora eles sejam o princípio ativo
da própria perfeição, o ato da perfeição é distinto do ato de existir.
Aluno: Não basta existir para chegar à própria perfeição. A perfeição
requer algo dele mesmo [além de simplesmente existir].

A NOÇÃO DE ALMA

Professor: Exatamente. Por isso que Aristóteles dizia que os


vegetais, animais e seres humanos temos alma. Alma é o princípio ativo de
perfeição do próprio ser. Não são os componentes químicos do vegetal que
causam sua reprodução, mas é a sua alma vegetativa. Do mesmo modo,
não são os elementos químicos dos animais que causam a sua perfeição,
mas é a alma sensitiva. O mesmo vale para o ser humano: não são seus
componentes químicos que causam a sua perfeição.
Aluno: Por isso que o ser humano não possui a mesma [espécie de]
alma dos animais [em geral].
Professor: A própria palavra alma já significa a raíz ou sede dos
impulsos. Ela significa o princípio ativo ou princípio de atividade. Entretanto,
todos eles possuem em comum o fato de possuírem o princípio ativo [da
própria perfeição] ou alma.
Perceba que quando falamos alma não nos referimos
[necessariamente] a uma alma imortal. Alma e imortalidade são duas
categorias diferentes. Então, por exemplo, um vegetal pode assimilar
qualquer mineral em qualquer circunstância para se reproduzir? Não, alguns
minerais, em algumas circunstâncias, poderão provocar a sua destruição.
[Alguns minerais] serão venenosos para alguns vegetais.
Por outro lado, qual é perfeição da alma vegetal? Criar um outro
vegetal. Apesar de ser uma alma ou um princípio intrínseco de perfeição, a
sua ação se efetiva sobre a corporalidade. Ocorre em uma to que envolve

20
ou implica necessariamente a corporalidade. Se existisse uma alma vegetal
sem corpo, esta não poderia realizar sua perfeição ou reproduzir-se.
Embora seja um princípio intrínseco ativo, somente pode operar diante de
um corpo. Um “espírito de macieira” não pode, por si mesmo, produzir outro
“espírito de macieira”.
O mesmo vale para a alma sensitiva dos animais. Embora seja a
afetividade própria do animal que lhe diga o que é agradável e
desagradável, estas qualidades se apresentam a ele por meio de outros
corpos que se mostram agradáveis ou não. Se não existissem esses outros
corpos, o animal não poderia perceber o que é agradável ou não, nem
procurar a sua ambiência [que permitisse realizar a perfeição de sua alma
sensitiva].
Então são almas, mas são almas muito ligadas ao mundo corpóreo,
pois a operação delas somente pode ser realizada no mundo corpóreo. A
mesma coisa vale para nós, seres humanos, em relação à nossas potências
vegetativa e sensitiva.

A ORDEM DOS SERES ESPIRITUAIS

Resumindo: existe uma ordem de seres que não podem realizar a


própria perfeição, são os corpos [minerais]. E existe uma outra ordem de
seres que podem realizar a própria perfeição, mas esta é distinta do ato de
existir. E existe uma outra ordem de ser que possui o princípio intrínseco de
se sua própria perfeição e esse princípio é a sua própria existência. Pelo
simples ato de existir, esses seres são perfeitos. Isso é o espírito. Estes são
seres espirituais. A perfeição deles está no próprio ato de existência.
A essa ordem de ser, pertence a inteligência. Esta é um modo de
ser espiritual.
Aluno: Não tem nada a ver com a alma?

21
Professor: Não é bem assim. Pode haver alguma relação entre a
alma e a inteligência porque pode haver um modo de ser que combine
essas duas formas de existência.
[Aluno pergunta sobre a relação entre essa ordem de ser espiritual e
o Espírito Santo15.]
Professor: Agora estou apenas diferenciando a natureza corpórea
da natureza anímica da natureza espiritual. A primeira delas não possui
força ativa para alcançar a própria perfeição. Uma natureza anímica, por
sua vez, tem força ativa para alcançar a própria perfeição, mas a alcança
por um ato distinto e posterior à sua própria existência. Uma alma precisa
existir primeiro e alcançar a sua própria perfeição depois. E a natureza
espiritual é uma coisa que é a força ativa para alcançar a própria perfeição.
Logo, para ela, existir é ser perfeita. E estamos complementando afirmando
que a inteligência é um ser desta ordem.
Aluno: É perfeita pelo fato de existir.
Professor: Como não há meio termo entre ser e nada, não há meio
termo entre conhecer e não conhecer. Todo ato de conhecer, enquanto tal,
é ato de conhecer perfeitamente. A inteligência é perfeita no seu primeiro
ato de conhecer. Ela já é perfeitamente inteligência.
[Aluno comenta sobre a relação entre Inteligência e Espírito Santo.]
Professor: Exatamente, isso quer dizer que a Inteligência é o próprio
Espírito Santo em você, em mim, nele, etc. Ela não é outra, senão o Espírito
Santo.
Aluno: E a personalidade, em relação à inteligência16?
Professor: É simples: a sua alma, além da presença da inteligência,
possui várias outras coisas. Você possui várias outras coisas que lhe

15
O Espírito Santo é o próprio Deus, na Santíssima Trindade com o Pai e o Espírito Santo [N.T.].
16
O aluno parece estar se referindo à seguinte questão: Como aquela é separada em cada um se
essa é a mesma para todos? [N.T.].

22
diferenciam das outras pessoas: seu temperamento, seu sentimento, sua
imaginação, etc.

A IMORTALIDADE DA ALMA: CÉU E INFERNO

Professor: Alguém poderia se perguntar: esse conjunto de modo de


ser, que é a sua alma, é imortal? A sua pessoa como um todo, descartada a
sua personalidade17, pode ser destruída? O seu corpo, enquanto corpo,
possui uma tendência tanto para se organizar como um organismo humano
como tende para outras formas [que também são possíveis ao corpo]. E a
sua alma? Em que medida ela é imortal? Somente na medida em que ela é
um conteúdo da sua inteligência18.
[Aluno pede para o professor retomar a explicação acima.]
Professor: Vamos listar todas as características que lhe distinguem
para verificar em que medida a sua personalidade é imortal, uma vez que
como “idéia em Deus” tudo é imortal. A resposta para isso19 é sim e não.
Isso depende do seguinte: a sua alma é imortal na medida da perfeição
dela. Na medida em que você é perfeito, ela é imortal. Na medida em que
você é imperfeito, ela é mortal.
Suponha que você tenha uma disposição habitual qualquer, como,
por exemplo, você tenha uma disposição generosa ou mesquinha. Quando
você morrer, a sua inteligência continuará lá, mas não poderá mais ver o
mundo corpóreo porque você via com os olhos e os seus olhos foram
destruídos com a morte. O que você irá ver? O que a sua consciência irá
17
Pois já se sabe, desde o começo, que o corpo é mortal.
18
Somente na medida em que a alma humana une-se a algo imortal para realizar a sua própria
perfeição. Somente na medida em que a realização da sua perfeição está vinculada a algo imortal.
Somente na medida em que realmente efetiva a sua capacidade de fazer a sua existência
relacionar-se [necessariamente] com algo imortal, o Espírito Santo ou a Inteligência, para que a
sua perfeição seja realizada, como se criasse um vínculo de dependência da alma com o Espírito.
Pois somente assim poderá continuar realizando a sua perfeição depois que as suas almas
sensitiva e vegetativa estiverem desintegradas [N.T.].
19
Para a pergunta seguinte: “a alma humana é imortal?” [N.T.].

23
testemunhar? O seu próprio psiquismo: as qualidades e as inclinações da
sua própria alma.
Provavelmente, uma das primeiras coisas que você perguntará
depois de morrer é: “onde está tudo?”20. E você sentirá a falta de algumas
coisas que você tinha antes. Essa falta pode ser testemunhada pela sua
inteligência.
Suponha que a forma ou as qualidades distintivas da sua psique
eram proporcionadas aos corpos que você observava. Isto é, suponha que
os princípios formais das suas qualidades psíquicas estavam nos corpos.
Então, por exemplo, gosto muito de peixe. O princípio formal desse gostar
muito de peixe está no próprio peixe. A causa da existência desse prazer e
desse gosto é o peixe. Ora, quando morrer, não tenho mais peixe. O que
acontece com um efeito quando a sua causa é eliminada? Ele cessa. Então,
algum tempo depois de eu estar morto, o meu gosto por peixe
desaparecerá. Inclusive a minha recordação do gosto de peixe
desaparecerá inevitavelmente.
Esta era uma característica distintiva da minha personalidade e ela
irá desaparecer. Se todas as características distintivas da minha
personalidade derivavam de formas corpóreas, todas elas desaparecerão.
Sendo assim, tudo aquilo que eu me identificava, isto é, tudo aquilo que eu
chamava de “eu mesmo” e testemunhava em mim, desaparecerá. E, mais
ainda: esse processo de desaparecimento será um processo de sofrimento
porque será um processo de desintegração da minha personalidade21.
Aluno: Será uma decadência. Esquecerei até das pessoas que
amava.

20
Como corresponde, mudando a espécie de “discurso”, a vários esquemas poéticos cristãos,
entre os quais o livro “Marcelino pão e vinho” (Ed. Record, 2002) do premiado José Maria
Sanchez-Silva [N.T.].
21
Isto é, será um “inferno” [N.T.].

24
Professor: Esquecerá de tudo [cujo princípio formal de integração na
psique estava vinculado apenas às suas almas sensitiva e vegetativa].
Aluno: E no final, o que sobra?
Professor: Por outro lado, suponha que exista uma outra coisa, além
do próprio peixe que eu comia, que seja a raíz formal do peixe. Do mesmo
jeito que a forma de peixe dava a forma que era testemunhada na minha
afetividade, suponha que haja outra forma que origina o próprio peixe.
Aluno: É o ser peixe.
Professor: Suponha que essa outra coisa seja ela mesma imutável
e, portanto, ela é um possível objeto de cognição. Logo, a minha inteligência
pode captar essa coisa. É a essência. Se a minha inteligência captá-la,
todas as formas derivadas estão incluídas na causa.
Isso é o céu! O céu é a captação da raíz formal de todas as coisas22
por parte das inteligências.
Aluno: A raíz formal não é Espírito?
Professor: A raíz formal é o próprio Deus. Ora, se eu captava essa
raíz formal, essa captação não diminui com a minha morte. Ela tende a
aumentar com a minha morte.
Aluno: Aumenta porque passa a captar todas as formas de ser.
Professor: Exatamente. Se a raíz formal de peixe se tornou um
objeto para a minha inteligência, depois que morrer, não estarei privado da
forma do peixe e do efeito disso na minha psique. E ainda aumentarei isso
infinitamente. Cada vez que a minha inteligência captar essa raíz formal,
esta ampliará o prazer que a minha psique tinha no peixe. E assim minha
psique será imortal porque o seu objeto estará sempre comigo. E a minha
personalidade será imortal porque esse já era um traço do meu ser ou da
minha personalidade, isto é, o “gostar de peixe”.

22
A qual está no próprio Deus. Conferir o “Sermão da Montanha” no Evangelho: “Buscai primeiro o
Reino de Deus e tudo mais vos será acrescentado”.

25
Aluno: Esse é o estar em Deus.
Professor: Exatamente. Então, a minha personalidade, exatamente
como era nesse mundo, é simplesmente ampliada em proporções
incalculáveis23.
[Aluno pergunta sobre este princípio formal.]
Professor: Não é o gênero [no sentido lógico].
Aluno: É o “realíssimo”!
Professor: Exatamente, é aquilo que concede ao gênero a sua
consistência ontológica.
[Aluno pergunta sobre a relação entre o realíssimo e a essência.]
Professor: A palavra essência, neste contexto, pode ser usada em
dois sentidos. Por uma lado pode ser a “quididade” da coisa, isto é, a
natureza à qual a coisa percebia, como a “natureza de peixe”, por exemplo.
Obviamente estas quididades corpóreas não estarão mais presentes para
mim depois da minha morte. Mas a quididade ou o ser de qualquer ente
concreto não se reduz à sua quididade e à sua acidentalidade, mas a um
ato que realiza essa quididade e essa acidentalidade concretamente. Este
ato vem do próprio Deus.
Nesse sentido, essência e realíssimo são as mesmas coisas,
porque, nesse sentido, o ser de cada coisa é uma atividade divina. Existem
duas maneiras de você fazer esse salto, em vida. Uma maneira é você se
dedicar a uma vida de contemplação, dedicando seu ser e seus gostos
todos para a contemplação, o que é extremamente difícil. Uma outra
maneira é se o ser que já seja assim, que já pertença à ordem do
realíssimo, se ele já encarar uma pessoa dessa maneira [como se esta já
estivesse na ordem do realíssimo].

23
Como o aumento que ocorre na parábola do Evangelho em que os bens da pessoa fiel e justa
eram aumentados: da administração de cem talentos para a posse de uma cidade inteira [N.T.].

26
Seria algo muito estranho! Dessa forma, você pode não ter
conquistado a imortalidade; você pode mão ter encontrado a raíz do seu ser
ou da sua personalidade no realíssimo, mas suponha que o Cristo faça isso
para você. Ele pode sustentar a sua personalidade no realíssimo depois da
morte até que você seja capaz de fazer isso. Ele pode escolher ver em si
mesmo a raíz da personalidade de alguém e sustentá-la nEle mesmo.
Aluno: Mas Ele já não faz isso com todos, enquanto alguns se
fecham a isso?
Professor: Não, Ele não faz isso com todos! Ele mesmo disse: “nem
todo aquele que diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus”.
Aluno: Mas e aquele que diz isso [“Senhor, Senhor”] sinceramente?
Professor: Ele mesmo disse: “mas todo aquele que cumpre meus
mandamentos”, isto é, o sujeito que faz todo esforço para cumprir as
condições que Ele estabeleceu para isso, as condições para que você seja
um órgão do Ser dEle. [Neste caso], então, Ele faz isso para você.
Aluno: É uma aceitação.
Professor: É um pacto que você faz com Ele.
Aluno: E uma dedicação!
Professor: Exatamente.
Aluno: Mas não é somente o livre-arbítrio24.
Professor: Se alguém procurar a raíz disso na Bíblia, verá que se
chega a uma situação imponderável, em que não é possível pesar uma
coisa em comparação com a outra. Se alguém se perguntar de onde partiu
todo esse processo de salvação, é evidente que veio do próprio Deus. Para
começar, foi Ele que causou a nossa existência. Existe uma raíz em cada
ser humano em que graça e livre arbítrio não se diferenciam. Dessa raíz
adiante é que a gente escolhe um caminho um pouco diferente da graça.

24
O aluno refere-se à relação entre Graça divina e esforço pessoal [N.T.].

27
A RAÍZ HUMANA NO REALÍSSIMO DIVINO

Aluno: Qual é essa raíz?


Professor: Somente entenderá essa raíz quem tomar a vontade
humana como objeto e entendê-la no realíssimo. Se você contemplar a raíz
formal da vontade humana no realíssimo. Isso não é explicável. Ou você faz
isso e contempla ou não [conseguirá].
No momento exato em que Deus lhe criou ainda não havia diferença
entre você e Deus. Houve um momento na sua existência, um momento
inicial em que você e Deus eram uma mesma coisa. Era um momento em
que você não existia e somente havia Deus. No momento inicial da sua
existência, você e Deus eram o mesmo. Você foi simplesmente um modo de
atualidade divina. A marca desse momento permanece durante a sua
existência toda. Se você observa essa marca, não há como dizer se ela é
você ou é Deus. As duas [afirmações] são descabidas. A raíz de todo e
qualquer ser é simultaneamente criador e criatura, mas a contemplação
dessa raíz é extremamente difícil.
Aluno: Por que é difícil?
[Alunos arriscam algumas hipóteses.]
Professor: É simplesmente por um efeito colateral do próprio ato
criativo. O ato criativo é [como] um ato de exteriorização. Quando você
nasce está nesse impulso de exteriorização [em relação a Deus]. É por isso
mesmo que Deus não espera que você nasça e fique sábio imediatamente.
Ele sabe que não é no primeiro dia de vida que você buscará contemplar a
raíz divina de todas as coisas. Você leva uma vida inteira para reverter esse
impulso. Ou você precisará de uma série de atos para que Ele mesmo
reverta esse impulso. Para que Ele lhe guarde e esse impulso seja revertido
após a morte. É evidente que Ele não faz isso para todos, senão não

28
haveria o inferno, isto é, não haveria um estado depois da morte que é
apenas um estado de desintegração da personalidade.

INTELIGÊNCIA E ESPÍRITO

[Aluno pergunta sobre a relação entre a Inteligência e o Espírito.]


Professor: A Inteligência é o Espírito. Se a inteligência não fosse o
próprio Espírito, o que aconteceria? Quando você morresse, supondo que
você tenha sido um sujeito maximamente imperfeito e entrasse em um
processo de desintegração da personalidade, em certo momento a sua
personalidade iria apagar e você como personalidade iria deixar de existir
completamente. Por que isso não acontece assim25? Porque há uma
inteligência que testemunhará essa desintegração26. E ela é a mesma
durante o tempo todo.
Aluno: Você não está falando de inteligência como uma virtude?
Professor: Isso á a Inteligência considerada em si mesma. Não é o
seu sentimento em relação à sua Inteligência27. Esta é uma característica
pessoal. Deus se realiza em uma alma humana de dois modos
simultaneamente: como uma inteligência impessoal e como uma
personalidade perfeita. Somente essas duas coisas podem ser imortais em
você: a sua inteligência impessoal e a sua personalidade na medida em que
é perfeita, isto é, na medida em que está enraizada na própria intenção
divina. Como você não tem como anular a inteligência enquanto perfeição,

25
É por isso que se diz que nenhum ser volta para o nada, como alguém disse: uma folha que
balançou não pode desbalançar, uma vez que, como será explicado abaixo, foi algo testemunhado
pelo Ser Absoluto, que como diria Mário Ferreira, é símbolo da própria divindade [N.T.].
26
Essa atenção desse testemunho divino da desintegração não deixa de ser uma Misericórdia,
assim como a própria desintegração, visto os malefícios que essa personalidade corrompida faria
para si mesma e para os outros. É como se nem a própria personalidade desintegrante agüentasse
a si mesma [N.T.].
27
Quer dizer que posso até me achar “burro”, mas a Inteligência continua sendo o Espírito [N.T.].

29
significa que o processo de decomposição da sua personalidade será
indefinido depois da morte se você for para o inferno.
Aluno: Qual é o conceito de inteligência impessoal?
Professor: Inteligência impessoal é a Inteligência que testemunha a
realidade tal e qual ela é.
Aluno: A inteligência objetiva.
Professor: Você não sente a realidade tal como ela é. Você sente a
realidade tal e qual ela é em relação à sua estrutura [pessoal]: uma pessoa
gosta de peixe e outra não gosta. Então, nesse gostar de peixe e não
gostar, existe um elemento subjetivo e um elemento objetivo.
Isso quer dizer que a sua personalidade pode ser perfeita ou
imperfeita. A sua personalidade é um atributo da sua alma e esta não atinge
a perfeição apenas por existir. Entretanto, a sua Inteligência já é perfeita
apenas por existir28.

ESPÍRITO E IMORTALIDADE

Quando o sujeito não vai para o céu, é a sua própria Inteligência


que dá testemunho contra ele mesmo. E é Deus, como essa Inteligência,
que julga essa personalidade indigna ou incapaz de permanecer.
[Aluno pergunta sobre esse juízo da Inteligência.]
Professor: Quando você morrer, o mundo corpóreo não estará mais
diante de você. A única coisa que estará diante de você é a sua
personalidade. Para começar, de início [após a morte], são os seus gostos,
os seus desgostos, as suas alegrias, tristezas, memórias, etc. Com o
tempo, de tanto ficar observando isso, o que acontecerá? Será como

28
O leitor deve perceber que o professor Luiz não está usando inteligência no sentido “usual” de
habilidade lingüística ou como capacidade em executar raciocínios lógico e matemáticos [N.T.].

30
explicamos antes: se você gostava de peixe, a causa formal29 que fazia
você gostar de peixe era a forma de peixe. De duas, uma: ou você capta o
fundamento realíssimo do peixe e, portanto, do gosto do peixe e isso
perpetua o peixe, eternizando-o e tornando imortal essa componente da
personalidade, ou esta irá desaparecer. Isso quer dizer que apenas os que
vão para o Céu continuam sendo aqueles que eram.
Aluno: E, nesse sentido, quem não vai simplesmente acaba.
Professor: Como personalidade, ele acaba. Passa a ser apenas um
processo vital, psíquico, que vai se desintegrando, mas sem personalidade.
Aliás, personalidade significa justamente isso: o instrumento por meio do
qual algo soa: “per sona” (soa por). Se o que soava pela sua alma era
apenas a corporalidade, quando esta for tirada, o som será tirado, isto é, a
sua personalidade se desintegrará. Se o que soava era Espírito, continuará
soando eternamente.

A SALVAÇÃO PELA FÉ

Isso quer dizer que, tecnicamente, para que tudo o que eu sou
permaneça após a minha morte, é preciso que eu compreenda tudo o que
sou em Deus. Existe uma única alternativa: pode ser que eu não consiga
compreender tudo o que eu sou em Deus, mas que eu compreenda
suficientemente tudo o que Deus é para mim. Se eu compreender
suficientemente quem é o Cristo, e o sinal de que alguém compreende é o
modo pelo qual a própria vida é integrada na proposta de vida dEle, isto é
um elo entre a minha personalidade total e o próprio Deus. E este elo
permitirá, depois da minha morte, o resgate da minha personalidade.
É como uma troca: o que Cristo propõe a cada ser humano é:

29
No sentido das quatro causas de Aristóteles. Conferir “Metafísica” de Aristóteles. [N.T.].

31
“seja como Eu agora, antes da sua morte, porque depois da sua
morte serei como você e você reencontrará a sua personalidade olhando
para mim”.
O que ele propõe é isso:
“vista-se de Cristo, que, depois da sua morte, Eu me vestirei de
você e você se reencontrará em mim”.
Aluno: O professor Olavo [de Carvalho] disse, certa vez, que a fé é
como um bônus de conhecimento.
Professor: Exatamente.
Aluno: A fé é uma posse antecipada, é um pré-conhecimento30.
Professor: Exatamente. É como se fosse um cheque de
conhecimento31. Porque nem sempre é possível, ou melhor, raramente é
possível, para um indivíduo, compreender, como um todo, a sua
personalidade em Deus. Mas, o indivíduo pode, como um todo, entender a
personalidade de Deus para si mesmo. E, então, Cristo lhe faz uma
promessa:
“Se você fizer isso [entender-me em você, durante essa vida],
depois da morte Eu farei o inverso para você [testemunhando a sua
personalidade em Mim]”
Ele pode fazer isso por quê? Porque Ele é o Verbo divino32, é o
primogênito de todas as criaturas33. Ele, o Cristo34, o Verbo Divino, é a raíz
formal do ser de todas as criaturas em Deus.
Aluno: É isso que é a salvação.
Professor: É isso.
30
Como afirmou São Paulo Apóstolo: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, u meio de
demonstrar as realidades que não se vêem” (Epístola aos Hebreu, capítulo 11, versículo 1) [N.T.].
31
Aproveitando a analogia: a fé é como um cheque cujo valor será entregue pelo próprio Cristo
[N.T.].
32
Conferir o Evangelho de São João, capítulo 1, versículo 1 em, por exemplo,
http://www.bibliacatolica.com.br/ [N.T.].
33
Conferir a Carta de São Paulo aos Colossenses (capítulo 1, versículo 15): “Ele [o Cristo] é a
imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a criação” [N.T.].
34
Conferir no Evangelho de São Mateus (capítulo 16, versículo 16) [N.T.].

32
Aluno: Isso é ensinado nas catequeses e nos seminários?
Professor: Os católicos, hoje em dia, têm, [em geral,] uma grande
ignorância sobre a própria religião. E não é de hoje! No século XIII
mandaram São Boaventura, [que foi superior franciscano], julgar a ortodoxia
de um membro de sua congregação, o frei Gil35. E ele respondeu que era
esse sujeito que deveria julgar a ortodoxia da nossa doutrina, porque não há
alguém mais cristão do que ele no mundo inteiro. Quer dizer que aqueles
que o mandaram julgar a Frei Gil já não conheciam mais a própria religião.
Aluno: São Tomás também passou por um processo assim.

35
Trata-se do Beato frei Gil de Assis (também chamado de frei Egídio), cuja memória é
liturgicamente celebrada no dia 23 de abril. “Discípulo de S. Francisco, clérigo da Primeira Ordem
(+1262). Pio VI aprovou seu culto a 04 de julho de 1777. Entre os primeiros companheiros de S.
Francisco está o Beato Gil de Assis, o qual respaldou sua petição para fazer-se Frade Menor
cedendo imediatamente seu próprio manto quando, no convento dos irmãos, chegou um pobre
pedindo alguma coisa. Simples, humilde, iletrado, sabia contudo impelir todos ao amor de Deus e
proferir sentenças cheias de doutrinas. A maior parte de sua vida caracterizou-se por
peregrinações: Santiago de Compostela, Monte Gargano (Santuário de S. Miguel Arcanjo), Terra
Santa e mais tarde África. Ocupava o tempo de permanência e suas esperas forçosas ganhando a
caridade das pessoas através de suas trabalhos manuais. Fazia de tudo: carregava água, recolhia
nozes ou lenha. Nunca o encontravam ocioso, mas sempre em silêncio com Deus, com quem
falava na contemplação, única fonte de sua sabedoria cristã. Assim, veio a se tornar exemplo de
vida franciscana primitiva. Cujo claustro é o mundo. Sua ocupação era qualquer trabalho humilde e
honesto e suas delícias estar com Deus nas noites silenciosas.
No dia de S. Jorge, a 23 de abril de 1209, Gil tinha escutado a missa em Assis, indo depois à
Porciúncula para avistar-se com São Francisco. Encontrou-o saindo de um bosquezinho e se
lançou a seus pés. "Que queres?" perguntou-lhe Francisco. "Quero permanecer contigo",
respondeu. Francisco o nomeou imediatamente "cavaleiro da távola redonda" e em sua companhia
partiu para Marca de Ancona. Ao longo do caminho Frei Gil louvava a Deus e, cheio de gratidão,
se prostrava por terra e beijava a erva, as flores e as pedras. Quando S. Francisco pregava, ele
permanecia extático e dizia aos demais: "Escutai-o, porque, ele fala maravilhosamente".
Fora do tempo reservado à oração e à leitura do breviário, Gil trabalhava continuamente, e como
paga recebia somente estritamente necessário para a vida. São célebres seus ditos cheios de
sabedoria religiosa e de espírito prático. Certa vez admoestou um pregador palrador, gritando-lhe
por detrás: "Blá, blá, blá, falou muito, agiu pouco". Com freqüência sua sabedoria era
bondosamente irônica, como quando um irmão disse que havia sonhado com o inferno e que ali
não tinha visto nenhum frade menor. Ao que Frei Gil lhe respondeu: "Seguramente não baixaste
até o fundo". Perante outro que falava muito sem refletir, disse: “Penso que seria bom ter o ombro
tão largo como a grulha; assim a palavra passaria por muitos de nós antes de subir a boca!”
Frei Gil era um contemplativo, um místico que entrava em êxtase somente em ouvir mencionar o
Paraíso. S. Francisco e S. Boaventura tiveram por ele grande admiração. Mais tarde, morto S.
Francisco, sua vida transcorreu nos eremitérios da Úmbria, sobretudo no de Monterípido, onde
morreu avançado em idade a 23 de abril de 1262. Perto da morte, quando as autoridades de
Perusa enviaram pessoas armadas para guardá-lo, enviou-lhes recado para assegurar-lhes que
nunca os montes de Perusa teriam parte em sua canonização nem milagre algum lhe tocaria.
Chamado Beato pela voz do povo, a Igreja confirmou seu culto por meio de Pio VI a 04 de julho de
1777”(In http://www.ffb.org.br/index.php?pg=santosfranciscanos-abril#23) [N.T.].

33
Professor: Sim. E São Boaventura também passou pelo mesmo
processo36. A história dessa ignorância não é de hoje37.

ESPECULAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO NA VIDA TEORÉTICA

[A partir de um episódio da vida de Santo Agostinho38, aluno


pergunta sobre a diferença entre a contemplação e a especulação.]
Professor: Qual é o problema? A raíz última desse problema é uma
ambigüidade semântica. A palavra "teoria" em grego tinha dois significados
simultâneos. De tal maneira que os escolásticos ora traduziam a palavra
teoria, do grego, por contemplação e, ora, por especulação. Então, eles
dirão que contemplação é a atividade da inteligência cujo objeto é o
realíssimo. Especulação é a atividade da mesma inteligência cujo objeto é
apenas o real. Qual é a diferença entre uma coisa e outra? A diferença
“prática” é que você pode transmitir diretamente o resultados da sua
especulação. Você pode, por meio do discurso, ensinar aquilo que você
compreendeu sobre o real39, mas você não pode, por meio do discurso,
levar o outro à contemplação do realíssimo.
Aluno: O discurso pode acompanhar o objeto até o “real”?
Professor: Sim. Por exemplo: você pode ensinar a ciência da
engenharia ao outro por meio do discurso. Assim, pode ensinar o que são
os prédios, os materiais, o que é resistência, etc. Isso pode ser ensinado.
Entretanto, suponha que você tenha contemplado o que é tudo isso no
realíssimo. Isso não poderá ser ensinado [pelo discurso]. O máximo que

36
O professor Luiz desenvolveu mais esse tema na palestra “A Universidade de Paris no século
XII” realizada na Aliança Francesa em outubro de 2006 [N.T.].
37
Há livros sobre a história do conhecimento humano, como livros de história da ciência e da
filosofia, mas talvez se poderia fazer também um livro sobre a história da ignorância humana [N.T.].
38
Conferir “Confissões” de Santo Agostinho [N.T.].
39
Como deveria fazer um filósofo ou um cientista [N.T.].

34
você pode fazer é dar algumas indicações práticas do caminho que o sujeito
deverá percorrer até chegar a essa contemplação.
[Aluno pede mais uma explicação.]
Professor: Quando Platão e Aristóteles falavam da teoria, falavam
das duas coisas ao mesmo tempo [especulação e contemplação], mas, na
prática, podiam ensinar aos alunos [apenas] a especulação e dar algumas
indicações quanto à contemplação. E o que aconteceu? No decorrer das
gerações do ensino da Academia e do Liceu40, o número de pessoas que
contemplavam foi diminuindo em relação ao número de pessoas que
apenas contemplavam.
[Aluno pergunta sobre a impossibilidade de ensinar a
contemplação.]
Professor: Trata-se de uma impossibilidade intrínseca. Não dá para
transmitir o conteúdo da contemplação. O sujeito que contempla pode, no
máximo, oferecer algumas indicações sobre como se deve eliminar na
própria vida os obstáculos da própria contemplação, mas a especulação
pode ser transmitida.
Por quê? Simples, porque a inteligência humana é transcendente
em relação aos objetos que ela contempla e que pertencem à ordem do
real. A inteligência humana é mais do que qualquer ciência que ela possa
obter sobre as coisas naturais. A esfera dos conhecimentos naturais está
sob domínio da inteligência humana, mas o realíssimo não. Ela não é
transcendente em relação ao realíssimo. Ela é que está sob domínio do
realíssimo. Como se diz, não se pode “prender” o conteúdo do realíssimo e
comunicá-lo a outro. Mas a inteligência humana pode fazer isso em relação
à especulação, isto é, em relação ao conhecimento das coisas naturais.
Por isso que, em qualquer cadeia de ensinamento humano, no
decorrer das gerações do ensinamento, o elemento contemplativo diminuirá,
40
As escolas iniciadas por Platão e Aristóteles, respectivamente [N.T.].

35
mas o especulativo permanecerá o mesmo ou até se ampliar. Assim, no
decorrer das gerações, tanto no Liceu de Aristóteles, como na Academia de
Platão, que os sujeitos ali estão apenas voltados para a atividade
especulativa, deixando de lado a vida contemplativa.
Entretanto, as duas atividades possuíam o mesmo nome: “bios
theorétikos”. E é esta vida “teorética”41 reduzida a uma especulação sem
contemplação que Santo Agostinho recusava por não ser suficiente. Ele
percebeu que entre os filósofos gregos não havia especulação, a qual ele
conseguiu encontrar entre os cristãos. No cristianismo, Santo Agostinho
encontrou pessoas que contemplavam, como Santo Ambrósio. Então, esta
contemplação [cristã] reiluminou a especulação grega que havia sobrado
historicamente para que seu conteúdo contemplativo fosse reencontrado42.
Mas, mesmo no cristianismo, demorou-se séculos para definir esses dois
campos de atividade da inteligência e usar termos adequados para
distinguir um do outro.
[Aluno volta a comentar sobre Santo Agostinho.]
Professor: Santo Agostinho descobriu que a vida especulativa não
era suficiente. Por exemplo: a vida especulativa permitiria compreender
todas as estruturas formais do bolo, mas isso lhe daria o gosto do bolo na
boca?
Aluno: Não.
Professor: Mas a contemplação do bolo no realíssimo lhe dá, mais
do que o próprio bolo.
Aluno: Ela [a contemplação no realíssimo] faz o bolo novamente?
Professor: Ela vai além.

41
Chamada, às vezes, indistintamente de vida especulativa ou contemplativa [N.T.].
42
Nesse sentido, é preciso buscar ao ler as “especulações” de um filósofo, refazer as experiências
cognitivas (ou “contemplativas”) que ele teve para redigir aquilo. Este procedimento lembra a
noção de “origem” em Husserl, que elaborou um método filosófico para buscar as experiências
originais dos conceitos filosóficos e científicos [N.T.].

36
A TENSÃO ENTRE A VIDA CONTEMPLATIVA E A VIDA
SENSISTIVA

Porfessor: Por que existe a tensão no ser humano entre a vida


contemplativa e a vida sensitiva? Todo ser possui simultaneamente três
aspectos. Todo ente é:
a) por um lado, uma atividade divina, que é a sua raíz no
realíssimo; cada
ente é o realíssimo enquanto atividade.
b) Ao mesmo tempo, ele é uma quididade, isto é, uma forma
específica que
você pode compreender.
c) E, ao mesmo tempo, ele é um conjunto de acidentes
particularizantes
dessa quididade.
A quididade e o conjunto de acidentes são como duas imagens
diferenciadas na raíz do realíssimo. A quididade reflete um aspecto da raíz
no realíssimo e os acidentes refletem outro, mas a quididade ou a
acidentalidade, por si mesmas, não conseguem reproduzir esses dois
aspectos. Como você é capaz de assimilação dos dois, a mera assimilação
de um deles não fará efeito. Por isso que não adianta se dedicar apenas à
aquisição de ciências, porque estas são ciências de quididades. Elas
satisfazem apenas um aspecto do seu ser. Também não adianta se dedicar
apenas à vida sensível.
Entretanto, o uso de termos distintos para os dos sentidos de
“teoria”, como contemplação que é a “teoria do realíssimo” e especulação
que é a “teoria do real”, é muito posterior a Santo Agostinho. Começa-se a
perceber a necessidade desta distinção pela própria experiência de Santo
Agostinho. Por que Sócrates, Platão e Aristóteles falavam que a “vida

37
teorética43” era tudo e Santo Agostinho dizia que era nada? Simples, porque
eles usavam a mesma palavra para realidades diferentes. Não estavam
tratando da mesma “vida teorética”.
Uma coisa é entender o que é mesa. Outra coisa ainda é apreciar
as qualidades particulares de uma mesa. Outra coisa ainda é entender a
raíz dessa unidade em Deus. Apreciar as qualidades particulares da mesa é
vida sensitiva. Compreender o que é mesa é vida especulativa. Captar ou
entender a raíz dessa mesa em Deus é vida contemplativa. É evidente que
a vida especulativa nunca será suficiente para a perfeição humana. Por isso
que Cristo não mandou que todos sentassem e ficassem estudando durante
o tempo todo. Isso não adiantaria nada.
Aluno: É isso que ser quer dizer com a frase “A fé sem obras é
morta”?
Professor: Refere-se à mesma dicotomia, mas não é exatamente a
mesma coisa, porque a fé é como uma imagem da salvação. Do mesmo
jeito que a quididade e a acidentalidade são imagens da raíz no realíssimo,
a fé é uma imagem da Salvação que mostra apenas metade da salvação. E
as obras formam outra imagem que mostram a outra metade. Com a fé e as
obras é como se você realizasse uma imagem suficiente ou integral da
salvação, isto é, do próprio Cristo. E a proposta do Cristo é justamente
essa:
“realize uma imagem suficiente do que EU SOU e Eu realizarei,
após a morte, uma imagem suficiente do que você é. E Eu manterei essa
imagem no real até que você a compreenda. E, assim, você se
imortalizará.”
[Aluno avisam sobre o final da aula.]

EPÍLOGO:À GUISA DE CONCLUSÃO


43
“Bios theorétikos”.

38
Professor: O importante nesta aula é que alma e espírito
diferenciam-se porque esse é perfeito pelo se próprio ato de existir,
enquanto a alma depende dos seus atos para atingir a perfeição. Eu
recomendo que você leiam e releiam a transcrição porque as noções
levantadas aqui ainda podem ser mais desenvolvidas.
[Aluno comenta sobre uma explicação dada por C.S. Lewis sobre
um assunto relacionado com a aula.]
Professor: Quem diz:
“somente existe o real e não existe o realíssimo”
está mentindo porque a sua inteligência é um sinal do realíssimo44.
Se fossem assim, seria uma grande contradição, porque teríamos que

44
Alguns chegam a se revoltar até mesmo contra o real, como os desconstrucionistas: “A
desconstrução parte da premissa lingüística de Ferdinand de Saussure de que a língua é um
sistema no qual o sentido de cada palavra é a diferença entre ela e todas as outras. O sacerdote
supremo do desconstrucionismo, Jacques Derrida, joga essa premissa contra as pretensões
científicas da própria lingüística, ao concluir daí que, se a língua é um sistema de diferenças entre
signos, ela não tem qualquer referência a um “significado” externo. Tudo o que o ser humano diz,
escreve ou pensa é apenas a exploração das possibilidades internas do sistema. Não tem nada a
ver com “realidade”, “fatos” etc. O universo inteiro ao alcance do pensamento humano é constituído
de “textos” ou “discursos”, mas, como não há nenhuma realidade externa pela qual esses
discursos possam ser aferidos, não tem sentido falar de discursos “verdadeiros” ou “falsos”. Não
existe representação da realidade. Todo discurso é livre invenção de significados.
Obtida essa conclusão, Derrida interpreta-a em sentido nietzscheano, afirmando que, se o dircurso
não é representação da realidade, é expressão da “vontade de poder”. Mas isso não quer dizer
que por trás do discurso exista um “eu” manifestando sua vontade de poder. A idéia de um eu
estável e autoconsciente é ela própria uma representação da realidade. Como nenhuma
representação da realidade pode funcionar, o eu também não existe: só o que existe é o ato de
poder que cria uma ficção chamada “eu”. Se a língua estava totalmente separada da realidade por
ser apenas um sistema de diferenças, o desconstrucionista vai agora separá-la do próprio sujeito
pensante, acrescentando à mera “différence” a “différance”, com “a”, termo criado por Derrida para
designar o intervalo de tempo entre o sujeito como autor do discurso e o mesmo sujeito
considerado enquanto assunto do discurso. Em português ele não precisaria inventar esse
trocadilho medonho, pois aí existe a palavra “diferição”, sinônima de “adiamento”, que, por aquela
mistura de pedantismo e ignorância, típica do meio acadêmico nacional, os tradutores brasileiros
se recusam a usar, preferindo o neologismo francês para dar a impressão de que se trata de uma
nuance sutilíssima. Qualquer que seja o caso, Derrida está falando simplesmente de uma diferição,
de um lapso de tempo: o eu do qual você fala não é nunca o eu que está falando. Mas, se é assim,
o eu como assunto do discurso não está nunca presente a si mesmo. Separado do objeto pela
circularidade do sistema, o discurso está também separado do sujeito pela diferição, ou, se
preferem, “différance” (como diria Dirty Harry: Cazzo!). Diga você o que disser, ou pense o que
pensar, será sempre uma ausência falando de outra ausência.
Se o eu não existe e o objeto que ele pensa também não existe, só o que existe é o ato de poder

39
assumir que somente existe o real, menos você que é realíssimo porque
possui inteligência e transcende a realidade45.
Aluno: “A tentação maior do homem é cair de uma verdade incerta
para uma inverdade certa”46.
Professor: É isso mesmo! Vamos guardar essa frase para comentá-
la na próxima aula.
Aluno: A verdade incerta é parte de um mistério.
Professor: Porque a sua inteligência pode contemplar o realíssimo,
mas não pode esgotá-lo.
Aluno: Não pega tudo nunca.
Professor: O elemento do mistério sempre estará lá.
Aluno: Exceto aqueles que achavam que possuíam todo o
conhecimento como Nietzsche, Marx, Hegel, Gramsci, etc.
Professor: Acabou.

que cria uma ficção chamada “eu” e outra ficção chamada “objeto”. O motivo que produz a
necessidade de criar essa ficção é o desejo de escapar da morte, da aniquilação. Mas a morte é
inescapável, é a “realidade”. Portanto a função de todos os discursos é negar a realidade e a sua
tradução cognitiva, a verdade. Nisso consiste o poder, a genuína liberdade. O Evangelho (João,
VIII:32) dizia que a liberdade nasce do conhecimento da verdade. Para Derrida e os
desconstrucionistas em geral, a liberdade consiste em negar a verdade, afirmando, com isso, o
próprio poder.” (Olavo de Carvalho, O sucesso do fracasso, Diário do Comércio, 27 de novembro
de 2006) [N.T.].
45
A pessoa não se inclui no próprio juízo sobre o conjunto da realidade, isto é, enquanto fala e
especula s exclui da própria realidade [N.T.].
46
Essa frase parece se remeter a C.S. Lewis [N.T.].

40

Anda mungkin juga menyukai