DILATAÇÃO
A fase de dilatação, ou primeiro período, inicia-se com as primeiras contrações dolorosas,
cuja principal ação é a modificação da cérvix. Assim, esse período começa com as primeiras
modificações cervicais e termina com a dilatação completa do colo uterino (10 cm) de modo a
permitir a passagem fetal. Essas modificações abrangem dois fenômenos distintos: o
esvaecimento cervical e a dilatação propriamente dita.
O esvaecimento e a dilação cervical são fenômenos distintos. Nas primíparas, ocorrem
nessa ordem, sucessivamente: primeiro o esvaecimento, de cima para baixo, e depois a dilatação
do orifício externo; já nas multíparas, são simultâneos.
O esvaecimento ou apagamento do canal cervical consiste na incorporação do colo à
cavidade uterina, terminando com a formação de um degrau ao centro da abóbada cervical. Esse
processo ativo é decorrente de alterações bioquímicas que levam à fragmentação e à redisposição
das fibras de colágeno e à alteração na concentração de glicosaminogloicanas. Próximo ao termo,
ocorre aumento de infiltrado inflamatório no canal cervical decorrente de mudanças locais que
promovem a maturação cervical e da lise de fibras de colágeno. Em modelos animais, a
colagenólise está sob a influência de prostaglandinas E2, e de alguns hormônios esteroides
placentários. A progesterona inibe a invasão e a ativação de polimorfonucleareas no estroma
cervical, e essa ação anti-inflamatórias pode ter relação com seu efeito inibidor sobre o
esvaecimento cervical. Por outro lado, as drogas antiprogesterona, como o RU-486, provocam
esvaecimento cervical em qualquer época da gestação.
A dilatação do orifício externo do colo tem como principal finalidade ampliar o canal de
parto e completar a continuidade entre útero e vagina. À medida que a dilatação cervical progride,
surge um espaço entre o polo cefálico e as membranas ovulares (âmnio e cório), no qual ficará
coletado o líquido amniótico (bolsa das aguas), cuja função é auxiliar as contrações uterinas no
deslocamento do istmo. A bolsa das águas se forma no polo inferior do ovo no decorrer do trabalho
de parto, e sua rotura causa a saída parcial do seu conteúdo liquido, ocorrendo via de regra, no
período em que a dilatação cervical é maior que 6 cm. Todavia, essa rotura pode ser precoce (no
início do trabalho de parto). Quando a rotura ocorre contemporânea à expulsão do feto, é
denominada nascimento de feto empelicado. Faz-se mister ratificar que a rotura das membranas
ovulares antes do trabalho de parto (RPMO, também chamada amniorrexe prematura) é
erroneamente denominada por muitos “bolsa rota”, visto que esse termo deve ser utilizado apenas
durante o trabalho de parto, quando a “bolsa das águas” se forma. De acordo com Rezende e
Montenegro (2014), em 80% dos casos, a ruptura (amniotomia), com evasão parcial do conteúdo
líquido do óvulo, ocorre no final da dilatação ou no início da expulsão. Com relação à cronologia,
as rupturas âmnicas são consideradas prematuras quando não houver trabalho de parto;
precoces, no início do parto; oportunas, quando ocorrem ao final da dilatação; e tardias, quando
sobrevêm concomitantes à expulsão do feto, que, ao nascer envolto pelas membranas, é chamado
feto empelicado. Ainda com relação às rupturas, é possível classificá-las como espontâneas,
quando ocorrem sem envolvimento médico; provocadas ou artificiais, quando decorrem da ação
direta do parteiro (utilizando dedo ou instrumentos); e intempestivas, quando acarretam prolapsos,
procidências ou escape quase total do líquido amniótico. A ruptura das membranas que ocorre no
parto pode ser atribuída ao enfraquecimento generalizado, atuando as contrações uterinas e o
repetido estiramento2.
A dilatação cervical é representada por uma curva sigmoide dividida em fase latente e fase
ativa, sendo esta última composta, segundo Friedman citado por Deláscio e Guariento, de três
subdivisões:
-Aceleração: em que a velocidade de dilatação começa a modificar-se e a curva se eleva.
-Dilatação ou aceleração máxima: quando a dilatação passa de 2 a 3 cm para 8 a 9 cm.
-Desaceleração: que precede a dilatação completa.
A fase latente apresenta como característica contrações mais eficazes (em termos de
coordenação e intensidade) sem, contudo, determinar modificações significativas na dilatação
cervical. Apesar de ser difícil estabelecer exatamente a duração fisiológica do parto, o tempo é um
dos parâmetros mais importantes para identificar alterações na evolução do parto. Assim, de forma
geral, segundo Friedman, a fase latente normalmente dura 8 horas, porém com variações
conforme a paridade e mesmo entre gestantes de mesma paridade. A dilatação nessa fase é em
torno de 0.35 cm/h, e sua evolução e duração dependem das modificações que ocorrem nas duas
semanas que precedem o parto. Todavia, a fase latente será considerada prolongada quando
durar mais que 20 horas em primíparas e mais que 14 em multíparas.
A fase ativa normalmente se inicia com a dilatação cervical de 4 cm e dura em médica 6
horas nas primíparas, com velocidade de dilatação de cerca de 1.2 cm/h, e 3 horas nas multíparas,
com velocidade de dilatação de 1.5 cm/h.
Alguns estudos têm questionado se a curva que representa o trabalho de parto, proposta
por Friedman na década de 1950, ainda é aplicável nos dias atuais. Considera-se que ocorreram
mudanças nas características das gestantes (maior índice de massa corporal, idade materna mais
elevada no primeiro parto) e também na prática clínica (maior uso de ocitocina e analgesia).
Zhang et al. avaliaram retrospectivamente 62.415 partos vaginais de gestações únicas em
apresentação cefálica e encontraram alguma diferenças em relação à curva de Friedman. Nota-
se que. Segundo Zhang et al., o percentil 95 do tempo necessário para que a dilatação progrida
de 4 para 6 cm é maior que o descrito anteriormente, podendo chegar a até 10 horas na primípara.
É importante destacar que nesse estudo praticamente 50% das gestantes utilizaram ocitocina e/ou
analgesia e que, por isso, a evolução apresentada não representa a evolução natural do trabalho
de parto sem intervenções.
REFERÊNCIAS
1- McPheeters ML, Miller WC, Hartmann KE, Savitz DA, Kaufman JS, Garrett JM, et al. The
epidemiology of threatened preterm labor: a prospective cohort study. Am J Obstet
Gynecol. 2005;192(4):1325-9.