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MEGAFÓN La batalla

de las ideas

Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales


N* 6/1 | Mayo 2016
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais

AUTORITARISMO, DEMOCRACIA E PODER


JUDICIÁRIO NO BRASIL
Luciana Boiteux* e Rubens Casara**

O estudo do Poder Judiciário na ditadura civil-militar brasi-


leira (1964-1988) nos auxilia na compreensão do momento
atual do sistema de justiça no Brasil e sua relação com a demo-
mesmo tempo em que tentavamanter a aparência de “legalida-
de” (Anthony W. Pereira).2
Nesse sentido, a Justiça Militar no Brasil teve sua com-
cracia. O Judiciário brasileiro, especialmente por meio da Justi-
petência alargada em 1965, pelo Ato Institucional no. 2,
ça Militar (mas não somente), teve marcante atuação no período
quando passou a julgar civis por crimes políticos, vio-
autoritário, tendo sido instrumentalizado como “força”jurídica
lando claramente o princípio do juiz natural, inclusive.
essencial para a legitimaçãoda ditadura.1
Conforme se verificou3, os juízes eram coniventes em sua
Diferentemente de outros países da região, nos quais maioria, sendo outros adaptados, tendo como exceções os
a repressão atuava fora dos marcos legais o Brasil construiu formalistas e legalistas, muitos dos quais acabaram sen-
um arcabouço legislativo adaptado às necessidades de repri- do expurgados pelo próprio regime, como foi o caso de
mir dissidentes e usou estrategicamente os tribunais militares três ministros do STF (e um do STM) aposentados pelo
para processar opositores políticos na forma de um aparato AI-5, além de outros casos punições a juízes de primeira
repressivo que visava neutralização da oposição política, ao

2 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e Repressão. São Paulo: Paz e Ter-


1 BATISTA, Vanessa Batista, BOITEUX, Luciana et alli. Justiça autori- ra, 2010. Segundo Pereira, “o regime brasileiro usou os tribunais mili-
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tária? Uma investigação sobre a estrutura da repressão no Poder tares em tempos de paz para processar dissidentes e opositores políti-
Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (1964-1985). Rio de Janeiro: cos, sem jamais abolir a Constituição” (p. 34), o que nos diferencia de
Faperj, 2015. Disponível em: http://www.cev-rio.org.br/site/arq/FND-U- outros países latino americanos como o Chile (cuja ditadura aboliu a
FRJ-Justica-autoritaria.pdf Constituição, declarou estado de sítio e executou dezenas de pessoas
sem julgamento) e a Argentina e sua “guerra suja” (onde grande parte
* Mestre e Doutora em Direito. Professora Adjunto IV de Direito Penal dos tribunais não se envolvia com a repressão a presos políticos, exceto
da Universidade Federal do Rio de Janeiro para negar habeas corpus e servir como camuflagem para o terror, com
** Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, Professor Convida- altíssimo número de desaparecimentos e execuções extrajudiciais).
do da Fiocruz e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro. 3 BATISTA, BOITEUXet alli (Coord.) (2015),op cit.
instância, transferidos ou aposentados por conta de suas Brasil, o Sistema de Justiça tornou-se um locus privilegiado
atuações nos processos. da luta política, o que torna a escolha dos Ministros dos tribu-
nais superiores um ponto sensível (embora negligenciado) no
Nesse sentido, o regime militar brasileiro, para se legitimar
perante o público em geral (e a comunidade internacional) processo de construção da democracia brasileira (democracia
detinha controle, ainda que não absoluto, sobre o aparato aqui entendida em seu sentido material, como efetiva parti-
castrense e seus magistrados. Nas sentenças, alguns juízes se cipação popular na produção das decisõessomada ao respeito
expressavam como “soldados da revolução”que combatiamos incondicional aos direitos fundamentais).
“comunistas que queriam transformar o Brasil em uma dita- Por evidente, não se pode pensar a atuação do Poder
dura”. Isso ocorria com mais intensidade na primeira instân- Judiciário brasileiro desassociada da tradição em que os ma-
cia, na qual atuavam oficiais de menor patente, mas também gistrados estão inseridos. Verifica-se no processo de formação
havia um alto grau de adesão e conivência com o regime di- da sociedade brasileira as práticas observadas na Justiça. Em
tatorial no Superior Tribunal Militar, formado por oficiais da apertada síntese, pode-se apontar que em razão de uma tra-
mais alta patente. Além disso, documentos e informações da dição autoritária, marcada pelo colonialismo e a escravidão,
épocaapontam que os juízes estavam sujeitos a pressões, mo- na qual o saber jurídico e os cargos no Poder Judiciário eram
nitoramento e punições caso dessem decisões desfavoráveis destinadosaos filhos da classe dominante, sem estarem sujei-
aos interesses do regime.4 tos a qualquer controle democrático ou popular, gerou-se um
Como parte do aparato autoritário, a Justiça Militar se Poder Judiciário elitista marcado por uma ideologia patriar-
omitia diante das denúncias de torturas contra presos políticos cal e patrimonialista, constituída de um conjunto de valores
feitas em juízo, bem como muitas das decisões condenatórias que se caracteriza por definir lugares sociais e de poder, nos
eram baseadas em evidências obtidas sob tortura e não reprodu- quais a exclusão do outro (não só no que toca às relações ho-
zidas em juízo, o que violava princípios constitucionais e regra mem-mulher ou étnicas) e a confusão entre o público e o pri-
expressa do Código de Processo Penal Militar. Foram vários os vado somam-se ao gosto pela ordem, ao apego às formas e ao
casos de abusos de autoridade: além da tortura, a prisão preven- conservadorismo.
tiva era a regra (e durava mais tempo do que as penas previs- Para além dessa tendência à conservação da tradição que
tas para o crime), além de violações de direito dos advogados, acompanha o Poder Judiciário desde sua origem, há também o
condenações por crime de mera opinião, dentre muitos outros caráter ideológico do direito, a serviço do velamento da factici-
direitos violados. dade, em especial das contradições existentes na sociedade. As-
A integridade física dos presos era sistematicamente vio- sim, se o texto legal, potencialmente conservador, é um evento
lada nos porões da ditadura, por meio da tortura, elemento es- que não pode ser ignorado pelo juiz, intérprete privilegiado que
sencial estruturação do sistema repressivo, sendoas confissões irá criar a norma para o caso concreto, reforça-se, ainda mais,
obtidas por este meio consideradas válidas pelos juízes nos pro- o caráter conservador da atuação do Poder Judiciário, mesmo
cessos. Além de não apurarem os crimes praticados pelos agen- na democracia.
tes da lei, ainda se admitiamnos processos como provas con- Note-se que o distanciamento em relação à população
fissões obtidas mediante coação sem maiores questionamentos gerou em setores este Poder, mesmo entre aqueles que acredi-
por parte dos juízes.O emblemático julgamento de réus chineses tam na democracia, uma reação que se caracteriza pela ten-
(barbaramente torturados) condenados a 10 anos de prisão sem tativa de produzir decisões judiciais que atendam à opinião
provas, é um exemplo de julgamento baseado em suposições pública. Tem-se o populista judicial, isto é, o desejo de agra-
carregadas de revanchismo contra o presidente deposto. Nas dar ao maior número de pessoas possível através de decisões
sentenças, os juízes elogiavam a “revolução” (golpe) e puniam judiciais, como forma de legitimar a Justiça aos olhos da po-
os réus por serem comunistas. pulação, ainda que para isso seja necessário afastar direitos e
A partir dessa breve descrição da realidade da justiça na garantias previstos no ordenamento.  Assim, não raro, juízes
ditadura, poder-se-ia considerar que essas práticas autoritárias e no Brasil passaram a priorizar a o que mais interessa à mídia
violadoras de direitos só ocorriam durante períodos ditatoriais, ou ao espetáculo em detrimento dos fatos e dos direitos.
mas não. Muitas delas continuam sendo prática cotidiana no O Estado Democrático de Direito, pensado como um
sistema atual de justiça da democracia, como permanências au- modelo que surge com a finalidade precípua de impor limi-
toritárias estruturais, ainda mantidas, mesmo que sob a égide de tes ao exercício do Poder, deveria impedir violações a direi-
uma Constituição. tos como aquelas produzidas em estados autoritários. Aliás,
No imaginário democrático, o Poder Judiciário ocupa po- a principal característica do Estado Democrático de Direito
sição de destaque. Diante dos conflitos e da inércia do Execu- é justamente a existência de limites rígidos ao exercício do
tivo em assegurar o respeito aos direitos humanos, este Poder poder (princípio da legalidade estrita) que devem ser respeita-
se apresenta como ente estatal capaz de atender às promessas dos por todos, além de imposições legais bem delimitadas que
descumpridas e de exercer a função de “guardião da democracia vedam o decisionismo.
e dos direitos” (Antonie Garapon). Diante de tal quadro, permanecem os autoritarismos de
A esperança depositada, porém, cede rapidamente sempre no sistema de justiça. No Brasil, ainda é rotina que
diante do indisfarçável fracasso do Sistema de Justiça, em es- agentes públicos torturem para obter a confissão de um crime,
pecial do Sistema de Justiça Criminal,  em garantir direitos. sem que o Judiciário se oponha, validando este depoimento.
Torna-se gritante a separação entre as expectativas geradas e É uma prática sistemática (e perversa) para a qual os juízes
os efeitos da atuação do Poder Judiciário na democracia. Não fecham os olhos5, sendo quea maior parte destes torturadores
raro, para dar respostas (ainda que formais) às crescentes de- são policiais e agentes penitenciários. Mesmo tendo sido con-
mandas, este recorre a uma concepção política pragmática, siderada crime hediondo e imprescritívelna CF/88, e tipificada
utilizando-se de expedientes técnicos para descontextualizar na Lei n. 9.455/97, a tortura ainda é amplamente praticada (e
conflitos e sonegar direitos, adotando práticas autoritárias tolerada) no Brasil.
para a manutenção da ordem. A ideologia da segurança nacional, típica de ditaduras,
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Não obstante, na medida em que cresce a atuação do que trata dissidentes políticos como inimigos, na democracia,se
Poder Judiciário (ainda sem atender às expectativas geradas), transformou na ideologia da lei e da ordem (defesa social). Como
diminui a ação política, naquilo que se chama de ativismo ju- exemplo, a Constituição de 1988 ampliou a atuação dos militares
dicial. Esse quadro está a indicar um aumento da influência na segurança pública ao prever uma função extraordinária das
dos juízes e tribunais nos rumos da vida brasileira, fenôme- Forças Armadas na defesa da “lei e da ordem”, ainda que con-
no correlato à crise de legitimidade das agências estatais e ao dicionada a autorização de outros poderes (art. 142 da CF/88).
crescimento do sentimento de desconfiança em relação à Jus- Além disso, ainda se admite que tribunais militares possam julgar
tiça. Em outras palavras: hoje, percebe-se claramente que, no civis(vide a ADPF n. 289 em tramitação no STF), a prisão pre-

4 BARCELLOS, Daniela Silva Fontoura de, CORRÊA, Gabriel Bernar- 5 JESUS, Maria Gorete Marques de, CALDERONI, Vivian (2015). Jul-
do. Monitoramento e repressão aos juízes auditores na ditadura ci- gando a Tortura: análise de jurisprudência nos tribunais de justi-
vil-militar brasileira. In: Memória, Verdade e Justiça de Transição. ça do Brasil (2005-2010). São Paulo. Disponível em: http://www.co-
CONPEDI/UFPB. Florianópolis: CONPEDI, 2014. p. 241-161. nectas.org/arquivos/editor/files/Julgando%20a%20tortura.pdf . Acesso
em 04.08.15.
ventiva é praticamente obrigatória dos e quando se trata de réus
pobres, o depoimento de policiais é considerado como tendo “fé
pública” no crime de tráfico6, por exemplo, dispensando outras
testemunhas. Por fim, apesar da presunção da inocência estar
prevista como cláusula pétrea o STF acaba de relativizá-la.7
O principal limite ao exercício do poder é formado pelos
direitos e garantias fundamentais, verdadeiros trunfos contra
a opressão. Sempre que um direito ou garantia fundamental é
violado (ou “flexibilizado”) afasta-se do marco do Estado De-
mocrático de Direito. Nada, ao menos nas democracias, legi-
tima a “flexibilização” de uma garantia constitucional, como,
por exemplo, a presunção de inocência (tão atacada em tem-
pos de populismo penal, que exige respostas repressivas pron-
tas, populares e rápidas).
Na Alemanha nazista, o führerdo caso penal (o “guia”
do processo penal, ou um inquisidor) podia afastar qualquer
direito ou garantia fundamental ao argumento de que essa era
a “vontade do povo”, por ser necessário na “guerra contra a
impunidade” ou na “luta do povo contra a corrupção” (mesmo
que para isso fosse necessário corromper o sistema de direitos
e garantias) ou, ainda, através de qualquer outro argumento
capaz de seduzir a população e agradar aos detentores do po-
der político e/ou econômico. Basta pensar, por exemplo, nas
prisões brasileiras que violam tanto a lei interna quanto os
tratados e convenções internacionais ou na “busca da verda-
de” que, ao longo da história foi o argumento a justificar a
tortura, delações ilegítimas e outras violações.
No Brasil, a instrumentalização da Justiça como parte
estratégica da repressão, seja de caráter político na ditadura
ou populista na democracia “formal”, é a radiografia de um
sistema de justiça ainda muito distante de uma democracia em
sentido material.

6 A Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em relação à


validade das provas testemunhais considera que “o fato de restringir-se
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a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não


desautoriza a condenação”. Vide LEMGRUBER, Julita et al (Coord).
Tráfico de Drogas na Cidade do Rio de Janeiro: Prisão provisória
e Direito de Defesa. Disponível em: http://www.ucamcesec.com.br/
wordpress/wp-content/uploads/2015/10/Boletim-Trafico-de-drogas-e-
presos-provisórios.pdf

7 No Habeas Corpus n. 126.292, em fevereiro de 2016, o STF considerou


que o início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em
segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.
w w w. c l a c s o . o r g / m e g a f o n

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