FACULDADE DE LETRAS
DRE: 1180113385
O rosto nos identifica, a cor da pele nos classifica em uma sociedade estruturalmente
racista. Mas, não é somente a nossa pele que é capaz de nos classificar, o vestuário funciona
como uma segunda derme, uma outra camada que também categoriza. Esse operador, a moda,
através da indumentária, é capaz de revelar classe social, gênero (masculino/feminino), sendo
assim dispositivo de classe. Não se pode ignorar o fato de que as classificações e normas
contemporâneas se dão em uma sociedade do consumo, em que a imagem modelo é
heteronormativa e branca.
Valendo-se de que a vestimenta, identifica, classifica e categoriza, supõe que a peça que
vestimos possa ter a capacidade de refletir a nossa personalidade, além disso, também pode
constituir a forma como as pessoas nos veem.1 Stuart Hall (1996) argumenta que a existência
do masculino implica a existência do feminino. Butler (1990) já havia argumentado que gênero
é, de fato uma elaboração social realizada por cada indivíduo. O sexo, por outro lado, estaria
baseado em características anatômicas. Ainda, Segundo Hall (1996), a identificação seria um
processo de articulação, uma sobredeterminação, e não uma subsunção. Hall compreende a
identidade como um processo de exclusão, permitindo a hierarquia entre os indivíduos.
Ademais, refletindo sobre os argumentos acima citados, pressupõe-se que a indumentária é
linguagem. Ela não está dentro do mundo das palavras, mas certamente pode adentrar na esfera
dos significados. É totalmente codificada. Assim como a linguagem carrega os elementos de
costumes e cultura de um povo, a indumentária também traz retrata uma época e sua cultura.
1
Decido assim usar a indumentária como fator de categorização de gênero e de relações de poder.
A VIDA COMANDADA
2
Ver AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo, Boitempo,2004
racismo e extermínio, são estabelecidas através das leis, mas mais precisamente é preciso que
parte de uma população concorde com as políticas estabelecidas dando poder ao estado para
comandar as vidas. Assim, observa-se não somente um aparato político e social, mantenedor
dessas relações de domínio sobre a vida, mas uma geopolítica em que a urbanização, a
globalização tornam-se aliados na manutenção das estruturas sociais, permitindo assim o
extermínio.
A vida se massifica saindo da esfera privada e tornando algo público. Com a biopolitica
a vida é levada ao seu máximo e para isso temos mecanismos que potencializam o
prolongamento da vida, como a medicina, a indústria alimentícia e a estética evitando todo
custo a morte. O poder torna-se uma força produtiva e as relações se dão através da
multiplicidade de resistências, possibilitando a liberdade. Se faz necessário salientar que o
poder limita a liberdade não a impedindo, pois ela só existe em oposição a um poder em
atividade. Ao refletirmos sobre esses construtos teóricos percebemos que tudo que foge a norma
deve ser exterminado ou disciplinado, sendo o processo civilizatório um controle das pulsões.
SEGUNDA PELE: CORPOS QUE NÃO SÃO HABITAM ROUPAS QUE SÃO
“Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, minha alma cheia do
desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio a outros objetos.”
(Fanon,2008, p. 103). Não se pode pensar em racismo sem o sistema capitalista. Também,
citando Fanon novamente há uma “zona do não ser”, o negro não é, e dentro desta lógica,
pressupõe que não é um ser humano. É um indivíduo animalizado, sem identidade e história.
O racismo nasce dessa produção cultural que quase sempre só é legitimada quando um branco
a válida.
O interesse aqui não é construir um construto teórico e nem teorizar sobre o racismo na
sociedade brasileira, mas sim, como nos espaços normativos, heterossexuais, os negros, trans e
fluidos investidos de técnicas de sujeição encontram através da sua vestimenta uma estética da
resistência. Fez se necessário escolher algumas figuras negras que são forças representativas
na comunidade negra e LGBTQI+. Pensando assim, já partimos do pressuposto que corpos
negros, trans e gays são descartáveis e extermináveis na sociedade patriarcal ocidental e branca.
A intenção é dar um tom singular aos indivíduos aqui escolhidos refletindo sobre como a
vestimenta pode ser uma segunda pele no processo de busca por uma estética como resistência,
assim como pode estar atrelado ao mercado.
Se faz necessário pensar que os artistas aqui escolhidos estão inseridos em um sistema
capitalista e que o mercado os cooptam como produtos para produzir e serem consumidos,
sendo assim, compartilhando do pensamento de Caraça (2013), a importância dessas pessoas
“reside na função que desempenham”. Certamente vivemos em um momento no ocidente de
crise e polarização política, e temos testemunhado mudanças na forma como o mercado e neste
caso a moda tem se apropriado dos discursos sociais, de raça e gênero. As marcas de roupas, a
moda tem cooptado esses discursos em campanhas que compram essas mudanças discursivas,
sendo parte de um discurso neoliberal.
O poder exercido por Lin da Quebrada, Liniker e Rico Dalasam, aqui escolhidos para
representar estéticas de resistência. É de certa forma construído nas redes e é partilhado por
uma comunidade que se identifica e partilha de suas ideias, discursos e ações. Não há
ingenuidade das marcas quando escolhem apoiar tais personas. Weiser (2013, p.170),
argumenta que uma pratica do neoliberalismo é a reimaginação, “não somente das transações
econômicas e dos recursos, mas também das relações sociais, individuais, das emoções e da
própria cultura”. Podemos observar um exemplo do fato da marca criar relações de afeto não
só com o indivíduo que a consome, mas com o artista que é patrocinado para usar a sua roupa.
Podemos observar isso quando assistimos ao clipe de Dalasam, Fogo em mim3, em que ele veste
Nike ao mesmo tempo que quebra as normas do padrão da masculinidade do homem negro, não
somente ele, mas outras figuras no clipe. A roupa, os acessórios que ele e os participantes do
clipe usam configura uma estética política e de resistência, em que se encontram drags, trans e
homens negros quebrando com a padronização. O vestuário vem reforçar os signos da
visualidade, juntamente com o discurso da música pop, feita por ele.
Os corpos desses indivíduos, na estrutura social estabelecida, são corpos que atualmente
ocupam espaços da indústria do entretenimento, mas também são os corpos que representam a
não existência. A indumentária, para corpos trans, gays e fluidos, é instrumento de resistência,
3
Ver https://www.youtube.com/watch?v=1c9LlYtXcdk
de (re) existência. O acessório que cobre o corpo pode ser considerado como uma segunda pele
que transforma a ação do indivíduo, além disso é algo que ao olhar do outro, do observador
externo, revela uma representação de um corpo feminino ou masculino. Apesar da fluidez, a
roupa está sempre marcando mais feminilidade ou mais masculinidade, e isso muitas vezes
pode ir além da biologia do sexo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUTLER, Judith. 1990. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity.
New York and London: Routledge.
CARAÇA,João .A separação de Culturas e o declínio da modernidade.Em: A crise e seus efeitos:
As culturas da mudança. - Paz E Terra, 2012
ANEXOS