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São Paulo
2016
Introdução
1
FERRAZ JUNIOR, Introdução ao Estudo do Direito, 2004, p. 54.
2
Ao longo do texto, utilizaremos jurisprudência para designar o corpo de conhecimento sobre os fenômenos
jurídicos, deixando ciência do Direito para designar um tratamento metodológico específico.
3
Ibid., p. 67
4
FERRAZ JUNIOR, “Prefácio do Tradutor”. In: VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, 1974, p.2.
para a descoberta de conhecimento dentro de um dado campo, e a busca por um
método adequado para a Ciência do Direito foi objeto da investigação de
pensadores como Jhering6 e Kelsen7.
5
Os elementos deste modelo são de ciência são apresentados em ROESLER, Theodor Viehweg e a Ciência do
Direito, 2012, p.36. A reconstrução de Roesler, embora não engaje diretamente os debates da filosofia e prática
científicas, captura a forma como essas discussões foram recebidas nas humanidades e ciências sociais e,
portanto, sua influência no discurso destas áreas.
6
VIEHWEG, “Dogmática jurídica y cetética jurídica en Jhering”. In: __. Tópica y Filosofia del Derecho, 1991,
p. 145, cita o interesse de Jhering pela filosofia da ciência de sua época e a forma como ela influenciou o
vocabulário da primeira etapa da obra do autor alemão.
7
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1999, p. 1
8
BERLIN, “The Divorce between the Sciences and the Humanities”. In: ___, Against the Current, 2013,
pp.119-20.
9
VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 13.
abordagem tópica para o Direito, baseada no desenvolvimento retórico a partir
de topoi tratados não como verdades absolutas, mas como pontos verossímeis
de partida.10
10
VIEHWEG, ibid., p. 20 introduz a concepção do modo tópico a partir de Vico.
11
FERRAZ JUNIOR, “Prefácio do Tradutor”. In: VIEHWEG, Tópica e Jurisprudência, 1974, pp. 5-6.
12
VIEHWEG, ibid., p. 17.
13
Entendendo “ciência” em um sentido estrito próximo do Modelo Moderno descrito por Roesler.
14
MCCLOSKEY, The Rhetoric of Economics, 1998, p. 21.
15
Como aponta OKACHA, Philosophy of Science, 2002, pp. 15-17, as concepções modernas de ciência têm se
afastado da concepção de uma metodologia universal da ciência, um movimento inspirado tanto por problemas
como os diagnosticados por Viehweg (op. cit.) e Roesler (op. cit.) quanto pela ascensão dos paradigmas das
ciências biológicas ao longo do século XX, deslocando a centralidade da Física nas discussões sobre o que é
ciência.
Há, no entanto, um obstáculo maior ao estabelecimento de uma ciência do
Direito em moldes axiomáticos: as teorizações jurídicas não são compostas
somente por elementos de descrição dos fenômenos jurídicos, mas também por
enunciados com consequências de ordem política e social.16 Uma abordagem
para o tratamento desse caráter dual dos enunciados jurídicos é a separação
estrita entre uma ciência empírica do Direito e o estudo das prescrições
jurídicas.17 Essa abordagem de linhas positivistas pressupõe a possibilidade de
uma ciência stricto sensu do Direito e busca uma forma de delimitá-la dentro do
universo de conhecimentos jurisprudenciais. A solução de Viehweg, que será
objeto deste texto, opera uma inversão desse pressuposto, indagando que tipo de
saber pode ser feito de modo a dar conta da Jurisprudência e/ou de outras áreas
do saber humano.
Zetética jurídica foi um conceito introduzido em 1968 por Viehweg como uma
forma de entender os diferentes modos de pensar os fenômenos jurídicos: o
pensamento zetético ou investigativo é uma abordagem que tem por objetivo
caracterizar o horizonte das questões no campo jurídico.18 Em contraste, o
pensamento dogmático salienta as respostas às questões jurídicas, produzindo
enunciados com função diretiva, isto é, que estabelecem dever-ser jurídicos.19
16
FERRAZ JUNIOR, ibid., p.3.
17
O recorte aqui trazido segue as linhas de TROPER, A filosofia do direito, 2008, pp. 75-8
18
ROESLER, Theodor Viehweg e a Ciência do Direito, 2012, p. 53
19
FERRAZ JUNIOR, Direito, Retórica, e Comunicação, 1977, p.90
A dogmática, como aponta Ferraz Junior, cumpre um papel de tecnologia:20 os
dogmata criam as condições para o agir jurídico sobre a sociedade, reafirmando
as expectativas de proteção da ideologia21 subjacente a esses dogmas. Tratar os
enunciados dogmáticos como pontos de partida inquestionáveis não significa
dar um sentido fixo às normas,22 mas de estabelecer um sistema
momentaneamente fechado dentro do qual a atuação jurídica pode exercer suas
pretensões holísticas no âmbito social.23
20
FERRAZ JUNIOR, Introdução ao Estudo do Direito, 2003, pp. 84-5
21
Como aponta ROESLER, op. cit., p. 63, o termo é usado por Viehweg a partir da concepção de Leszek
Kolakowski: ideologia como a soma de conceitos que orienta os valores e a atividade de um grupo.
22
Mesmo em uma perspectiva cientificista do Direito, como pode ser visto na discussão de KELSEN, op. cit.,
p. 247
23
ROESLER, ibid., p. 62.
24
FERRAZ JUNIOR, Direito, Retórica, e Comunicação, 1977, pp. 89-90
25
ROESLER, op. cit., p. 61
A concepção de Direito enquanto zetética e dogmática surge, assim, como uma
visão dual do Direito que tenta capturar tanto as decisões jurídicas quanto os
processos pelos quais os pressupostos dessas decisões são entendidos,
interpretados e transformados. Os dois modos de pensar, embora distintos, estão
intimamente relacionados, uma vez que estabelecem dinâmicas complexas entre
si na prática jurídica.26
26
FERRAZ JUNIOR, Direito, Retórica e Comunicação, 1979, p. 90: “[as questões zetéticas e dogmáticas] se
entremeiam, referem-se mutuamente, às vezes se opõem, outras se colocam paralelamente, estabelecendo um
campo de possibilidades bastante diversificado”
27
FERRAZ JUNIOR, Introdução ao Estudo do Direito, 1963, p. 47. As páginas anteriores à citada expõem
uma taxonomia das perspectivas zetéticas, cuja elaboração foge ao escopo deste texto.
28
ROESLER, op. cit., p. 64
O raciocínio zetético opera através da abertura de seu objeto para a investigação
conceitual. Não há na zetética o objetivo imediato de orientar o agir jurídico,
ainda que a citação de Roesler acima ressalte que o processo investigativo acaba
por gerar premissas que orientarão o raciocínio prudencial exercido no campo
da dogmática jurídica.
29
Em FERRAZ JUNIOR, Direito, Retórica e Comunicação, 1979, p. 101, apresenta-se uma distinção entre os
níveis analítico, crítico e metacrítico do pensar zetético, em que há uma expansão sucessiva das premissas
questionadas: se num primeiro momento há a mera extração da intentio por trás do escrito legal, o último nível
trata a própria decidibilidade da questão jurídica concreta como objeto imediato de sua investigação.
30
ROBERT NOZICK, Philosophical Explanations, 1981, p. 9-18 expõe a explicação filosófica como uma
alternativa ao modo demonstrativo comum na filosofia analítica, descrito pelo autor como uma abordagem
intelectualmente coercitiva. As explicações, em contraste, dariam margem para a investigação sem a
necessidade de se impor a veracidade das premissas: “Philosophical explanations, however, can be offered
tentatively, the hypothesis or theories present might be believed only tentatively or not even believed initially at
all; they can be held subject to revision, or introduced for the purpose of seeing in principle how p could be
explained.” (p. 14)
31
ROESLER, op. cit., p. 60, trata do papel da hermenêutica na flexibilização dos dogmas jurídicos.
jurídicos, tornando necessária a ponderação dos fatos externos para a
substituição ou adequação dos dogmata. A zetética, no entanto, não é uma mera
reação a fatos externos, uma vez que também produz (ainda que de forma
mediata) os objetos dogmáticos por ela investigados.
Conclusões
32
BERLIN, “Vico’s Concept of Knowledge”, in: __, Against the Current, 2013, pp. 140-2, estabelece a
distinção de Vico entre a scienza (conhecimento a priori que só pode ser obtido a partir dos objetos criados) e a
coscienza (o conhecimento “externo” que é a única forma, ainda que menos completa que a scienza, de entender
o mundo externo). O conhecimento da scienza, possível sobre fenômenos humanos ou construções artificiais
como a matemática, seria mais completo na medida em que possibilita uma perspectiva interna sobre os fatos
investigados.
33
O grau de aceitação dos enunciados zetéticos pode variar de acordo com as percepções sociais de cada
método, mas, de modo geral, ramos como sociologia jurídica e medicina legal são socialmente reconhecidos
como ciência em um sentido amplo, e, na medida em que suas produções são aceitas como fontes válidas de
conhecimento para a sociedade, fornecem respaldo às construções dogmáticas nelas amparadas.
conciliação e ponderação dos raciocínios desenvolvidos a partir dos diferentes
topoi tomados como legítimos.
34
Além de respostas juspositivistas como a descrita por TROPER em nota de rodapé anterior, é possível que o
entendimento dos desdobramentos da filosofia das ciências naturais a partir das últimas décadas do século XX
forneçam subsídios para a delimitação de uma ciência stricto sensu do Direito. Em particular, o empirismo
construtivo de VAN FRAASSEN, The Scientific Image, 1980, oferece um modelo de anti-realismo científico
que evita os paradoxos descritos em ROESLER, op. cit., p. 36-43 como consequência da ênfase cartesiana no
método, ao mesmo tempo em que estabelece a adequação empírica como critério de validade de teorias
científicas, em um modelo possivelmente conciliável com perspectivas derivadas da abordagem realista de Alf
Ross. Por outro lado, HOYNINGEN-HUENE, Systematicity, 2013, propõe uma definição de ciência em torno
da sistematicidade que afasta a discussão metodológica que motivou a rejeição da possibilidade de uma ciência
stricto sensu do Direito.
Bibliografia
BERLIN, Isaiah. Against the Current: Essays in the History of Ideas. Princeton:
Princeton University Press, 2013. Edição digital.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.