Talvez não caiba nem comentar qualquer eventual polêmica sobre ser ou
não ser golpe.
o Motivos jurídicos controversos e de largo uso pelo executivo
federal e estadual.
o Uma lei de 10 de abril de 1950 que depende do crime de
responsabilidade – parlamentarismo à brasileira.
Ademais, só um estúpido acredita na impessoalidade da
justiça morando num país em que negros, mulheres, LGBTs
e outras minorias são espancadas e executadas
diariamente.
o A forma como o governo interino tem agido nesses últimos dias,
como OUTRO governo – mesmo a presidenta estando só afastada
por 180 dias.
o De como o judiciário, STF incluso, tem dado dois pesos e duas
medidas na apreciação dos casos.
Duas sínteses:
o Um golpe da velha associação do capital internacional com a elite
local, envolvendo legislativo, judiciário e mídia – aquela, com foco
no pré-sal; esta, minimizando os impactos da crise sistêmica sobre
si, indisposta sobre ceder no que quer que seja. [Michael Löwy –
17/05/2016]
o Mesmo não se reconhecendo o golpe, não dá pra fingir que não
vivemos num regime de exceção, ou seja, num período de falência
das instituições mantenedoras do arremedo de democracia que
tínhamos.
Esse regime de exceção já vigorava para muitos, agora
vigora pra uma parcela maior da classe média – por isso o
griteiro.
Por que estamos fodidos? (César Benjamin, Piauí, maio de 2016, e Luís
Alberto)
o Maioria qualificada na Câmara e no Senado – alteração de tudo:
percentual obrigatória pra saúde e educação, CLT, indexação,
estatuto do Banco Central, Ministério Público, SUS.
o Confluência de discurso tecnicista e mídia – vai haver sempre um
especialista dando entrevista pra Globo sustentando que tal ou
qual medida é o melhor para o país.
Radicalmente adorniano: não existe emancipar pelo
consumo. A falta de uma formação vasta e humanista
produziu esse quadro de hoje.
o Pra variar, estamos na vanguarda das combinações a propósito de
ordens disparatadas – “As ideias fora do lugar”: texto sempre tão
mal lido de Roberto Schwarz. Nhonhôs da velha política com
pastores neopentecostais neoliberais gestores, escravismo
moderno e moral corporativa, “Você sabe com que está falando?”
e “Estou só cumprindo o regulamento” (Dunker).
Se não podemos modernizar nossas estruturas, paremos a
história.
o Os piores prognósticos apontam para uma desarticulação
exponencial da esquerda. Lembra quando a gente votava na Dilma
pra daqui a vinte anos votar no Freixo ou no Jean Wyllis.
Esqueçam. Pode ser complicado até mesmo expressar-se em
locais públicos ou redes sociais em algum tempo.
o Certo esmorecimento na utopia da transformação social. Um
sentimento difuso, mas importante, que nos faz levantar toda
manhã e trabalhar pra que haja mudança. A arbitrariedade tem o
poder nefasto de minar esse sentimento.
Vislumbres de saída:
o Imediata: ir pras ruas, articular greves, parar produções, produzir
material antigolpista, formar núcleos etc. etc. Mesmo que seja, é
preciso ser com resistência, ao menos para que não seja lido como
apoio ou consentimento.
o Mediada 1: reforçar nossas políticas de esquerda, formar grupos,
manter liames, grupos de atuação, de estudos.
Representatividade. Chegar ao poder pulverizou o PT. Tampouco
acho ser um caminho as esquerdas moralistas ou dogmáticas.
o Mediada 2: a democracia não se dá pelo voto, mas pelo consumo.
O voto é o simulacro do consumo, já que os grandes interesses
põem e depõem seus líderes, mais ou menos rapidamente. Pensar
nisso: consumir é um ato político (Mujica) e sem ver isso
seguiremos sendo impotentes, ineficazes e inócuos nas disputas
de poder.