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A Lógica na leitura de textos filosóficos1

Leitura é interpretação de texto, e a lógica é um instrumento indispensável para isso. Ler não é
apenas decifrar signos, mas sim tomar conhecimento do que está para além dos signos, entender o
papel de cada palavra no texto, perceber as relações entre elas, antever as consequências dessas
relações, enfim, como se diz, mergulhar nas entrelinhas. Sobretudo a leitura filosófica exige essa
profundidade interpretativa. É certo que o hábito da leitura atenta vai paulatinamente nos treinando
nessa habilidade, mas é certo também que conhecer um pouco das técnicas de leitura e interpretação
pode nos ajudar a adquiri-la mais rapidamente ou tornar-nos mais perspicazes. Aqui veremos
algumas técnicas lógicas muito básicas, mas ao mesmo tempo muito úteis, para a interpretação
apurada de textos filosóficos.

Como você sabe, os textos filosóficos caracterizam-se por serem textos argumentativos, e os
argumentos são o objeto de estudo por excelência da lógica. Mas o que é um argumento? Grosso
modo, argumentos são discursos com o propósito de defender uma ideia. Não é difícil reconhecer
que, de fato, é isso que encontramos em textos filosóficos: o filósofo apresenta certas teses e
elabora no seu texto as razões que o levam a sustentá-las, isto é, argumenta em seu favor. A primeira
tarefa do leitor na interpretação de um texto filosófico deve ser, pois, a compreensão do argumento
do filósofo. Antes de mais nada, o leitor deve buscar entender como as razões expostas pelo autor
ligam-se, no texto, à tese que ele pretende defender. Mas a interpretação não termina aí. Em
segundo lugar, o leitor deve avaliar em que medida as razões expostas pelo autor realmente
justificam, ou não, a sua tese. Ora, um dos objetivos de um texto argumentativo é convencer o leitor
sobre alguma ideia. Desse modo, a leitura de um texto argumentativo, por sua própria natureza,
exige que o leitor assuma uma posição diante dele. O leitor só terá interpretado satisfatoriamente o
texto depois de ter avaliado o quão convincente ele é.

A lógica nos oferece instrumentos para estas duas tarefas da interpretação: compreensão e
avaliação. Veremos a seguir como o uso de recursos lógicos na análise de um texto filosófico ajuda-
nos a revelar sua estrutura argumentativa e, tendo-a diante dos olhos, como podemos avaliá-la.

Compreendendo logicamente um texto argumentativo

Textos filosóficos são textos argumentativos, e em textos argumentativos encontramos sobretudo,


obviamente, argumentos. Convém, pois, sabermos com precisão o que é um argumento. Vejamos
uma definição:

Um argumento é uma coleção de afirmações, das quais uma é chamada de conclusão, as


outras de premissas, e pretende-se que as premissas justifiquem, garantam ou deem evidência
para a conclusão.

Um argumento bem simples vai nos ajudar a entender essa definição. Veja este exemplo clássico:

Todo homem é mortal.


Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

1Texto didático escrito por César Frederico dos Santos especialmente para uso na disciplina de Lógica da graduação em
Filosofia da Universidade Federal do Maranhão.
Esse argumento possui três afirmações. É importante, na análise de qualquer argumento, saber
classificar cada afirmação como premissa ou conclusão. As premissas são o ponto de partida do
argumento, as afirmações que são pressupostas, i.e., assumidas como verdadeiras ou, pelo menos,
como hipóteses. A conclusão é o ponto de chegada, a afirmação que se quer demonstrar. Se o
argumento for bem sucedido, ele terá demonstrado que, dadas as premissas, segue-se
necessariamente a conclusão. No exemplo, as duas primeiras afirmações são as premissas e a
terceira é a conclusão. Sabemos disso por dois motivos. Primeiro, pela presença da palavra “logo”.
Há uma série de palavras e expressões em português que têm a função de ligar as premissas à
conclusão. Algumas dessas palavras introduzem a conclusão, isto é, vêm depois das premissas e
imediatamente antes da conclusão, tais como “logo”, “por conseguinte”, “desse modo”, “por isso”,
“assim”, etc. Então, basta atentarmos à palavra “logo” para sabermos imediatamente que “Sócrates
é mortal” é a conclusão e que as duas afirmações anteriores são premissas. O segunda motivo é o
próprio sentido das frases. Está claro que a afirmação de que todo homem é mortal e a afirmação de
que Sócrates é homem figuram ali com o objetivo de justificar a afirmação de que Sócrates é
mortal. Em qualquer argumento, como diz a definição, as afirmações que visam justificar uma outra
são as premissas. Assim, mesmo que a palavra “logo” estivesse ausente, pelo sentido das frases
saberíamos distinguir premissas de conclusões.

Nesse exemplo, a conclusão é a última afirmação, mas nem sempre isso acontece. Na verdade a
conclusão pode aparecer em qualquer lugar. Veja que podemos refrasear o exemplo posicionando a
conclusão no início: Sócrates é mortal porque todo homem é mortal e Sócrates é homem. E também
podemos pôr a conclusão no meio: Todo homem é mortal e Sócrates é mortal pois Sócrates é
homem. Nessas paráfrases o reconhecimento das premissas e conclusões não é tão imediato como
na primeira versão, mas ainda podemos usar as duas técnicas que usamos antes. Repare nas palavras
“porque” e “pois”. Elas introduzem as premissas, isto é, vêm depois da conclusão e imediatamente
antes das premissas. Outras palavras que introduzem premissas em português são “desde que”,
“como”, “dado que”, etc. Além disso, é claro, o sentido das proposições continua permitindo-nos
identificar quais afirmações justificam quais outras, e daí descobrir as premissas. Veja, por exemplo
que na segunda paráfrase a afirmação “todo homem é mortal” aparece antes do “pois”; apesar disso
sabemos, pelo seu sentido, que ela é uma afirmação que visa justificar a conclusão, e por isso é uma
premissa.

Os exemplos anteriores são muito simples e servem mesmo só para ilustrarmos o conceito de
argumento. Na vida real, nos textos filosóficos reais, argumentos assim tão explicitamente
estruturados aparecem muito raramente. Os argumentos em geral estão mesclados ao fluxo do texto,
um entrelaçado ao outro, com inserções de comentários entre as premissas e a conclusão, enfim,
características que talvez dificultem um pouco a análise lógica, mas que certamente enriquecem a
experiência de leitura2. Vejamos um exemplo mais realista, neste pequeno trecho extraído de O
Contrato Social de Rousseau:

O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes. Quem quer o fim quer
também os meios, e esses meios são inseparáveis de alguns riscos, inclusive de algumas perdas. Quem
quer conservar a vida às expensas dos outros deve dá-la por eles quando se faz necessário. Ora, o
cidadão não é juiz do perigo ao qual a lei o expõe; e quando o príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que
morras”, ele deve morrer, pois não foi senão sob essa condição que viveu em segurança até esse
momento, e sua vida não é mais uma mercê da Natureza, mas um dom condicional no Estado.
A pena de morte, imposta aos criminosos, pode ser de certa forma encarada sob esse ponto de

2 Imagine que entediante seria a leitura de um texto em que os argumentos estivessem todos explicitamente
estruturados; aliás, não é necessário imaginar, basta dar uma olhada em uma obra como a Ética de Baruch Spinoza.
vista: para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer, sendo o caso. (ROUSSEAU,
2007, p. 46)

Como analisamos esse texto? Primeiro devemos ver se ele é mesmo argumentativo. Não basta haver
uma sequência de afirmações para que um texto seja argumentativo. É preciso também que haja a
intenção de que algumas dessas afirmações, apresentadas como verdadeiras ou hipotéticas, queiram
justificar uma outra, a conclusão. Exatamente isso é o que encontramos nesse texto: um
encadeamento de ideias com o fim de justificar um modo de encarar a pena de morte. Porém, com
exceção de um “pois” no meio do texto, não encontramos as típicas palavras que marcam premissas
e conclusões. Mesmo assim, não é difícil de identificá-las. Perceba que, nas duas frases iniciais do
primeiro parágrafo, Rousseau simplesmente enuncia certas afirmações, sem discuti-las. Isso nos
indica que o autor as está assumindo como ponto de partida para o raciocínio, isto é, como
premissas. Já no segundo parágrafo, a afirmação sobre a pena de morte depende diretamente do que
foi dito antes; por assim dizer, só faz sentido depois da exposição do parágrafo anterior. Essa parece
ser a conclusão final de toda a passagem, o ponto de chegada almejado pelo autor.

Mas há outras conclusões intermediárias. Considere a terceira frase do primeiro parágrafo. Ela é
uma conclusão deduzida das duas frases anteriores, suas premissas. Note que caberia muito bem um
“logo” introduzindo-a: “logo, quem quer conservar a vida às expensas dos outros ...”. Quanto à
frase que começa em “Ora ...” e vai até “... Estado.”, ela toda é um argumento, e neste a palavra
“pois” nos ajuda a identificar a conclusão, que vem antes dela: “quando o príncipe lhe diz: 'Ao
Estado é útil que morras', ele deve morrer”. O restante da frase são as premissas desse argumento.

É possível identificar, pois, três argumentos encadeados nesse trecho de texto. Representando-os
esquematicamente, fica assim:

Argumento 1)
O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes.
Quem quer o fim quer também os meios, e esses meios são inseparáveis de alguns riscos, inclusive de
algumas perdas.
Logo, quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dá-la por eles quando se faz necessário.

Argumento 2)
O cidadão não é juiz do perigo ao qual a lei o expõe.
Sua vida não é mais uma mercê da Natureza, mas um dom condicional no Estado.
Não foi senão sob essa condição que viveu em segurança até esse momento.
Logo, quando o príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que morras”, ele deve morrer.

Argumento 3)
Quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dá-la por eles quando se faz necessário.
Quando o príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que morras”, ele deve morrer.
Logo, a pena de morte, imposta aos criminosos, pode ser de certa forma encarada sob esse ponto de
vista: para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer, sendo o caso.

O terceiro argumento é aquele que leva à conclusão final de toda a passagem. Suas premissas são as
conclusões dos dois argumentos anteriores. O primeiro e segundo argumentos podem ser vistos
como passos intermediários do raciocínio. Tendo estruturado o texto dessa forma, podemos notar
várias outras nuances da argumentação do autor. Por exemplo, percebe-se que as conclusões dos
argumentos 1 e 2 são semelhantes, giram em torno da ideia de que alguém deve aceitar morrer se a
situação assim exigir. Isso não é simples redundância, mas sim uma estratégia de convencimento. O
autor apresenta dois argumentos diferentes conduzindo ao mesmo ponto. Vale lembrar que a análise
do trecho de Rousseau nesses três argumentos é só uma possibilidade dentre muitas. É claro que é
possível segmentar os passos intermediários do raciocínio de várias maneiras diferentes, igualmente
corretas.

Olhando à distância, podemos ver um texto argumentativo, seja ele do tamanho de um livro ou do
tamanho de um artigo, como um grande argumento. Sua conclusão é a principal tese que o autor
está a defender naquela obra; suas premissas são as razões aduzidas pelo autor e desenvolvidas ao
longo de toda a obra para justificar sua tese. Por exemplo, podemos dizer que todo O Contrato
Social é um grande argumento em defesa da tese de que o contrato seria a melhor forma de
preservar na sociedade a liberdade natural do homem, seu bem-estar e segurança.

O lugar em que a conclusão por assim dizer “final” aparece na sequência do texto não é importante
para a sua análise lógica. O autor pode enunciá-la logo no início do texto, sem maiores explicações.
Mas isso não a converte em premissa. Se no desenvolvimento do texto o autor dedica-se a justificá-
la, ela é conclusão. Aliás, começar pela apresentação da conclusão é uma boa estratégia de escrita,
pois já esclarece ao leitor qual é o objetivo do texto, aonde o autor quer chegar. Isso facilita a vida
do leitor.

Certamente, antes que a conclusão final tenha atingido o grau de justificação desejado pelo autor,
encontraremos uma série de argumentos encadeados, com suas conclusões intermediárias, que serão
premissas de argumentos seguintes. Novamente, a ordem lógica do encadeamento dos argumentos
pode ser muito diferente da ordem sequencial em que eles aparecem no texto. Uma afirmação feita
em um capítulo inicial pode encontrar sua justificativa apenas num capítulo final, e vice-versa. Sem
dúvida, entremeadas a tudo isso, também encontraremos conclusões laterais, que não estão
diretamente ligadas à conclusão final. As relações lógicas entre as partes do texto podem ser muito
diferentes daquelas que o estilo, a gramática, a tradição da área, etc., moldaram na superfície do
texto.

Mas como saber qual é a conclusão principal defendida pelo autor, sua tese? Como já foi dito em
outra parte, atentar para o problema que o autor está tentando responder ajuda muito nisso. Se você
souber que a questão que preocupa Rousseau é indagar como é possível conciliar a liberdade natural
do homem com a vida em sociedade, não será difícil concluir que a resposta dele para isso é o
contrato social. Tendo clareza sobre a tese defendida pelo autor, fica mais fácil analisar logicamente
o texto. E a análise lógica do texto aumenta a sua compreensão da tese, pois você passa a saber
quais são os pressupostos que o autor está assumindo e quais são os raciocínio que o levaram dos
pressupostos à conclusão. Você fica sabendo em que bases o autor fundamenta suas ideias. Isso é
prerrequisito indispensável para a avaliação da força argumentativa do texto, sobre o que trataremos
a seguir.

Avaliando logicamente os argumentos

Depois que você analisa logicamente a estrutura de um texto, você compreende em detalhes os
meandros do raciocínio seguido pelo autor. Então é hora de dar um passo adiante na interpretação
do texto e perguntar-se: quão bom é o argumento do autor?

Para avaliar a qualidade de um argumento, a primeira coisa a fazer é avaliar se as premissas de fato
justificam a conclusão. Mas como saber? Considere os exemplos a seguir:
Argumento 1) Argumento 2)
Todo gato é mamífero Todo médico usa jaleco branco
Jack é um gato Pedro usa jaleco branco
Logo, Jack é mamífero Logo, Pedro é médico

O que você acha desses argumentos, eles são convincentes? Consideremos o primeiro argumento.
Você deve concordar que neste caso está claro que a conclusão está justificada pelas premissas. Se
as premissas são verdadeiras, i.e., se todo gato é mamífero e se Jack é um gato, é inevitável concluir
que Jack é mamífero. É justamente porque a verdade das premissas obriga a verdade da conclusão
que dizemos que, no primeiro argumento, as premissas justificam a conclusão. Simplesmente não
conseguimos imaginar uma circunstância em que as premissas fossem verdadeiras e a conclusão
fosse falsa. É impossível que Jack seja um gato e não seja mamífero, dado que todos os gatos são
mamíferos. Quando isso ocorre, dizemos que o argumento é válido.

Um argumento é válido ser for impossível que suas premissas sejam verdadeiras e sua
conclusão seja falsa.

Será que o segundo argumento também é válido? Será possível que suas premissas sejam
verdadeiras e sua conclusão, falsa? Ora, sim, isso é plenamente possível. Imagine que Pedro seja
um dentista. Nesse caso, será verdade que todo médico usa jaleco branco, será verdade que Pedro
usa jaleco branco (pois dentistas usam-no), mas será falso que Pedro é médico. No argumento 2, a
verdade das premissas não obriga a verdade da conclusão. O argumento 2 é inválido, suas
premissas não justificam a conclusão.

Essas considerações nos permitem estabelecer um método para avaliar a validade, que consiste no
seguinte: (1) diante de um argumento, imagine as várias maneiras em que suas premissas poderiam
ser verdadeiras; (2) agora pergunte-se: em algumas dessas possibilidades, a conclusão poderia ser
falsa? Em caso negativo, o argumento é válido. Em caso afirmativo, o argumento é inválido, e o que
demonstra isso é o fato de você ter encontrado uma circunstância (ainda que hipotética) em que as
premissas são verdadeiras, e a conclusão, falsa.

Talvez você se pergunte: “e se Pedro fosse médico mesmo, e não um dentista, o argumento 2 seria
válido?”. Ainda assim não seria. Sua conclusão seria verdadeira, é fato, mas não por consequência
das premissas. Alguém que não conhecesse Pedro não poderia saber que ele é medico apenas
sabendo que ele usa jaleco branco e que todo médico usa jaleco branco. Essas premissas não
autorizam racionalmente a conclusão de que Pedro seja médico.

Um argumento válido é um raciocínio logicamente impecável. Quem conhece as premissas de um


argumento válido pode inferir a conclusão usando apenas seu raciocínio, sem qualquer informação
adicional. Por isso quem aceite a verdade das premissas de um argumento válido deve aceitar
também sua conclusão. Caso contrário, estará agindo irracionalmente. Portanto, se você está lendo
um texto e concorda com tudo o que o autor pressupõe, mas rejeita suas conclusões, isso sinaliza
uma de duas coisas: ou o argumento do autor é inválido (nesse caso, tente imaginar a circunstância
em que as premissas podem ser verdadeiras e a conclusão, falsa), ou você está se recusando, por
motivos irracionais, a aceitar a conclusão.

Mas, obviamente, um argumento válido não é racionalmente irresistível por definição. É que a
validade pode estar presente mesmo quando as premissas são falsas. Mais um exemplo simples:
Todas as venusianas usam sombrinhas claras
Paloma é venusiana
Logo, Paloma usa sombrinhas claras

Esse argumento é válido. Note que ele tem a mesma forma do argumento sobre o gato Jack, dado
acima. Mas ele tem uma premissa falsa, visto que não existem mulheres em Vênus, e portanto
Paloma não pode ser venusiana. A validade é requisito para um bom argumento, mas não é
suficiente. Mesmo que um argumento seja válido, podemos simplesmente rejeitar a verdade das
premissas. Imagine por exemplo que o Jack mencionado no exemplo anterior não seja um gato, mas
um jacaré. Nesse caso, a segunda premissa seria falsa. O argumento continuaria sendo válido, pois
se Jack fosse um gato, a conclusão seria inevitável. No entanto, poderíamos rejeitar o argumento
rejeitando sua segunda premissa: Jack não é mamífero porque Jack é um jacaré.

Além da validade, outro requisito para um bom argumento é que ele tenha premissas verdadeiras.
Portanto, um bom argumento deve incluir evidências que demonstrem que suas premissas são
verdadeiras. Quando verdade e validade estão presentes, dizemos que o argumento é correto.

Um argumento é correto se for válido e, além disso, tiver todas as premissas verdadeiras.

Certamente a defesa da verdade das premissas pode ser feita pela apresentação de outros
argumentos, produzindo assim uma cadeia argumentativa em que cada argumento tem suas
premissas justificadas por argumentos anteriores, como vimos no exemplo tomado de Rousseau.
Mas, é claro, essa cadeia não pode ser infinita. Em algum momento a argumentação tem de parar, e
então algumas premissas terão de ser aceitas como pressupostos indemonstráveis. Nesse ponto
esgotam-se os recursos lógicos do autor para defender suas teses e também os recursos lógicos do
leitor para avaliá-las.

Em muitos casos, então, a avaliação da verdade das premissas terá de ser empírica. Por exemplo,
para saber se Jack é um gato, é preciso vê-lo. Sabemos que Paloma não é venusiana porque
astrônomos, físicos e biólogos não acham possível haver vida em Vênus. Em textos filosóficos,
porém, é comum que os pressupostos mais básicos não sejam avaliáveis empiricamente. Aí a
avaliação das premissas passa a depender de fatores como obviedade, plausibilidade, conveniência,
fertilidade, etc..

Convém destacar que a avaliação da validade de um argumento é bem diferente da avaliação da sua
correção. Para avaliar se um argumento é válido, você não põe em questão a verdade das premissas.
Para a validade, não interessa se, na realidade, as premissas são verdadeiras ou não. Você assume
hipoteticamente a verdade das premissas e avalia se, sendo as premissas verdadeiras, a conclusão
também será. Para avaliar a correção, não é assim. Na avaliação da correção a verdade factual das
premissas é determinante. Para avaliar a correção você deve pôr em questão a verdade das
premissas. O argumento será correto somente se as premissas forem realmente verdadeiras. É fato
que na maioria das vezes (senão em todas!) jamais será possível estabelecer a verdade cabal de uma
premissa, e teremos que nos contentar apenas com plausibilidade, probabilidade, ou o que o valha.

Mas validade e correção não são os únicos requisitos para um bom argumento. Um bom argumento
deve ser convincente, e para tal ele deve ser apresentado com clareza, no estilo adequado para o seu
público-alvo, em um contexto conveniente, enfim. Há várias características desejáveis de um bom
argumento que vão para muito além da lógica. A arte da retórica pode nos dizer mais sobre isso.

Aliás, cumpre esclarecer que dificilmente encontraremos argumentos válidos e corretos


considerando-se exatamente a forma em que estão apresentados nos textos filosóficos (ou mesmo
em textos científicos e de outras áreas). Se nos ativermos ao pé da letra, veremos que argumentos
válidos não são assim tão comuns. Mas isso nem sempre é um problema, pelo contrário, pode ser
uma vantagem. É que na maior parte das vezes o autor não enuncia explicitamente todas as
premissas, e há boas razões para isso. Primeiro porque algumas premissas são óbvias, qualquer
leitor atento saberá que elas estão sendo tacitamente supostas. Além disso, há premissas que,
embora não sejam óbvias por si mesmas, não precisam ser repetidamente enunciadas a todo tempo,
visto o papel fundamental que elas desempenham no conjunto da obra do autor. Em geral, essas
premissas são aqueles pressupostos mais básicos e gerais que atravessam e caracterizam todo o
pensamento daquele autor. Seria maçante se o autor ficasse repetindo esses princípios o tempo todo,
a cada argumento. Cabe ao leitor, em sua tarefa interpretativa, “completar” os argumentos com as
premissas óbvias e os princípios fundamentais.

Portanto, quando você topar com um argumento que pareça inválido, leve em conta a possível
existência de premissas ocultas. Costuma-se dizer que na interpretação de qualquer texto
argumentativo deve-se sempre adotar o chamado princípio de caridade, segundo o qual é somente a
melhor versão possível de um argumento que deve ser submetida à avaliação. Então, antes de
avaliar um argumento, fortaleça-o ao máximo, complete-o com as premissas faltantes e julgue-o
dentro do panorama da obra do autor.

Ninguém duvida de que seriam extremamente entediantes os textos se os autores estivessem


preocupados em sempre explicitar todas as premissas de seus argumentos. Ocultar algumas delas é
uma questão de estilo. O texto fica mais leve, fluente e legível. Mas é claro que ocultar premissas
também é uma estratégia retórica de convencimento, principalmente no que diz respeito a premissas
que podem trazer problemas. É estratégico manter afastados pressupostos polêmicos, tentar livrar-se
deles e, não havendo alternativa, mantê-los ocultos. Isso nem sempre é intencional, às vezes o autor
pode acreditar que seu argumento realmente não depende de determinada suposição, mas é papel do
leitor crítico apontá-la. Essa é uma forma recorrente de se atacar argumentos filosóficos: mostrar
que o argumento só valeria se fosse suplementado por uma premissa que é flagrantemente falsa ou
inaceitável.

Argumentos desse tipo – que só poderiam ser corrigidos pelo acréscimo de premissas falsas ou
muito duvidosas – são chamados de falácias. É o caso, por exemplo, do Argumento 2, sobre
médicos e jalecos, apresentado no começo desta seção. Aquele argumento é inválido, como já
vimos, mas poderia tornar-se válido se fosse acrescentada a premissa “somente os médicos usam
jaleco branco”. Ocorre que essa premissa é falsa. Aquele argumento é incorrigível. Na verdade, ele
tem a forma de uma falácia muito conhecida, chamada de Afirmação do Consequente. Vários livros
de lógica trazem catálogos das falácias mais famosas, e vale a pena dar uma olhada nelas, para
sabermos tanto detectar quanto evitar esses erros de raciocínio. As falácias muitas vezes parecem-se
com argumentos válidos. Aliás, é daí que vem a sua força enganadora.

Algumas falácias, inclusive, são válidas. Veja, por exemplo, o caso da falácia da Petição de
Princípio, também chamada de Argumento Circular. Nessa falácia, a conclusão é assumida como
premissa do argumento. É claro que, nesse caso, será impossível que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão falsa, simplesmente porque a conclusão é uma das premissas. Mas isso
não é vantagem nenhuma, porque ele não demonstrará a conclusão, visto que a assumiu desde o
início. Um exemplo:

Todo homem é mortal.


Logo, todo homem morre.

A circularidade nesse exemplo é óbvia. Mas há casos menos óbvios, como o seguinte:

A Bíblia é a palavra de Deus.


A palavra de Deus é verdadeira.
Logo, a Bíblia é verdadeira.

O problema aqui está nas evidências das premissas. Como se sabe que a Bíblia é a palavra de Deus?
Ora, responderão os crentes, porque a Bíblia diz isso. Mas isso é uma petição de princípio. Pois, se
temos que nos fiar no que a Bíblia diz para aceitar a premissa “A Bíblia é a palavra de Deus”, temos
antes que aceitar que a Bíblia é verdadeira. Mas essa não é a conclusão que se quer demonstrar?
Esse argumento não demonstra a verdade da Bíblia, simplesmente porque ele só funciona se a
verdade da Bíblia é assumida de antemão, como evidência para a primeira premissa. Você pode
encontrar uma lista com explicações e exemplos de falácias em Carnielli e Epstein (2001).

Antes de concluirmos, ainda queremos mencionar outras duas táticas muito úteis e comuns na
avaliação de um texto argumentativo. Elas podem ser usadas mesmo que todos os argumentos
apresentados pelo autor, quando avaliados isoladamente, pareçam bons. A primeira funda-se em
avaliar a consistência interna do texto. Em algum momento, o autor se contradiz? Uma contradição
ocorre quando algo é afirmado e negado ao mesmo tempo, sob as mesmas condições. Bons autores
dificilmente cometerão contradições explícitas. Em geral a contradição, se presente, será encontrada
inferindo-se consequências das teses do autor. Selecionando-se certos princípios que o autor aceita,
pode ser que se derive uma consequência que é negada pelo autor ou que é negada quando assume-
se outros princípios também aceitos pelo autor. Isso caracterizará a presença de uma contradição.
Nenhuma tese contraditória pode ser verdadeira. Mas, mesmo que o texto não dê ensejo a
contradições, vale a pena pensar nas consequências que podem ser deduzidas dele. Isso porque
outra forma de atacar um argumento é mostrar que, embora ele seja correto, assumindo-se as suas
premissas se pode derivar delas consequências indesejadas. E não há justificativa racional para se
aceitar algumas consequências de um conjunto de princípios e não outras, legitimamente deduzidas.
Assim, mesmo que um argumento pareça bom à primeira vista, ele pode ter consequências nefastas
que não o recomendam.

Resumindo tudo o que vimos, temos a seguinte “receita” para uma interpretação lógica e crítica de
um texto filosófico:

• Comece identificando os argumentos, suas premissas e conclusões, com atenção especial ao argumento
principal, aquele que visa diretamente a tese central do autor.

• Pergunte-se se o argumento é válido, isto é, se as premissas de fato justificam a conclusão.

• Em caso negativo, antes de dar seu veredicto final, siga o princípio de caridade: complete o argumento com as
premissas óbvias e com os pressupostos fundamentais do autor, de forma a fortalecer racionalmente o
argumento ao máximo.

• Se o argumento resistiu até aqui, avalie a verdade ou plausibilidade de suas premissas. O argumento é correto?
• Mesmo que o argumento seja válido e tenha premissas verdadeiras, o argumento ainda pode ser falacioso.
Veja se ele não se enquadra em alguma falácia.

• Se os argumentos considerados isoladamente resistiram até aqui, ponha-os em confronto. Eles se contradizem
em algum momento? Seria possível, das mesmas premissas, deduzir consequências contraditórias?

• Pode haver consequências das premissas que não sejam contraditórias mas que sejam igualmente repulsivas.
As pressuposições assumidas pelo autor dão margem à dedução de consequências inaceitáveis?

Esses são apenas alguns dos aspectos lógicos que ajudam em uma interpretação mais profunda de
um texto. Mas já são um bom começo.

Referências

CARNIELLI, Walter A.; EPSTEIN, Richard L. Pensamento Crítico: o poder da lógica e da


argumentação. São Paulo: Rideel, 2011.

MARTINICH, A. P. Ensaio filosófico: o que é, como se faz. Tradução de Adail U. Sobral. São
Paulo: Edições Loyola, 2002.

MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque da


Silva. São Paulo: Cultrix, 2007.

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