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Sociologia

EDUCAÇÃO SUPERIOR
Modalidade Semipresencial
Vivian Fiori

Sociologia

São Paulo
2018
Sistema de Bibliotecas do Grupo Cruzeiro do Sul Educacional
PRODUÇÃO EDITORIAL - CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL. CRUZEIRO DO SUL VIRTUAL

F552s
Fiori, Vivian.
Sociologia. / Vivian Fiori. São Paulo: Cruzeiro do Sul
Educacional. Campus Virtual, 2018.
110 p.

Inclui bibliografia
ISBN: (e-book)

1. Ciências sociais. 2.Sociologia. I. Cruzeiro do Sul Educacional.


Campus Virtual. II. Título.

CDD 301

Pró-Reitoria de Educação a Distância: Prof. Dr. Carlos Fernando de Araujo Jr.

Autoria: Vivian Fiori

Revisão Textual: Luciene Oliveira da Costa Santos, Natalia Conti

2018 © Cruzeiro do Sul Educacional. Cruzeiro do Sul Virtual.


www.cruzeirodosulvirtual.com.br | Tel: (11) 3385-3009
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização
por escrito dos autores e detentor dos direitos autorais
Plano de Aula

Sociologia

SUMÁRIO
9 Unidade I – Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas

25 Unidade II – Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea

39 Unidade III – Sociologia Urbana

55 Unidade IV – Sociedade, Política e Ideologia

75 Unidade V – Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade

93 Unidade VI – Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade


PLANO DE
AULA

Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem Conserve seu
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua material e local de
formação acadêmica e atuação profissional, siga estudos sempre
algumas recomendações básicas: organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da hidratado.
sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário
fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites
para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará
sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e
auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois
irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com
seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem.

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Objetivos de aprendizagem
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
Unidade I

» Discutir a base teórica e metodológica das principais teorias sociológicas que se empenham em explicar as estruturas,
os processos e os fenômenos sociais.
» Evidenciar alguns conceitos usados nas Ciências Humanas e principalmente na Sociologia.
» Discutir algumas teorias e conceitos propostos por pensadores que foram importantes para a Sociologia.

Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea


Unidade II

» Analisar algumas teorias clássicas e contemporâneas sobre Sociologia.


» Discutir alguns teóricos e suas obras sobre questões sociais e sua relação com aspectos da ideologia, da política, da
economia e da cultura.
Unidade III

Sociologia Urbana
» Discutir conceitos e temáticas relativas à Sociologia Urbana. Tratar das segregações sociais nas cidades.

Sociedade, Política e Ideologia


Unidade IV

» Analisar alguns conceitos e estudos sobre Sociologia e Política. Discutir algumas formas de poder e ideologia.
Evidenciar a trajetória política do Brasil.

Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade


Unidade V

» Tratar da questão da mulher e sua participação em algumas sociedades e políticas no mundo.


» Dar ênfase ao papel da mulher, de jovens e idosos na sociedade brasileira.

Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade


Unidade VI

» Analisar o processo de globalização e sua relação com a produção e com a sociedade.


» Tratar das transformações pelas quais as formas de trabalho vêm passando.
» Discutir as mudanças na sociedade a partir das redes sociais e das inovações das tecnologias da informação e comunicação.

7
1
Introdução à Sociologia
e às Ciências Humanas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciene Oliveira da Costa Santos
a
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Introdução
Nesta unidade, vamos tratar do conhecimento científico e do senso comum, bem
como discutiremos o processo de formação das Ciências Humanas, em especial,
da Sociologia.

Vamos iniciar o estudo introdutório à Sociologia, buscando a compreensão de


sua importância, por meio da análise da evolução histórica dessa ciência.

A Construção do Conhecimento
A seguir, discutiremos algumas diferentes concepções existentes, relacionadas
ao conceito de conhecimento.

Senso Comum
Ao longo da história humana, os grupos humanos – na sua mediação com a
natureza, com o meio no qual vivia e na relação com outros homens – construíram
formas de explicar a existência do planeta, do mundo, das coisas da natureza e de
sua própria existência.

Num primeiro momento, quando a relação com a natureza era maior, vivia-se
num meio denominado por Milton Santos (2006) de “meio natural”. Nesse período,
homens e mulheres dependiam mais da natureza, explicando sua existência por
meio de componentes sobrenaturais, de superstições, crenças e explicações míticas,
que podem ser denominadas de senso comum.

Tais explicações variavam conforme o grupo ou povo, e também foram sendo


modificados ao longo da história do mundo, de acordo com as mudanças na história
da humanidade e suas frações, grupos e povos.

O que é senso comum? Um conjunto de conhecimentos culturais populares


elaborados ao longo da história para explicar a existência do mundo, do planeta,
da humanidade, do universo, entre outros.

Essa visão de mundo era comum entre os primeiros povos e mesmo as pri-
meiras civilizações – caso da Grécia antiga, Egito, Mesopotâmia, Roma etc. –
nas quais predominavam as explicações sobrenaturais, como o uso da força dos
deuses, entes sobrenaturais, que teriam criado os fenômenos da natureza e a
própria humanidade.

Se chovia, era porque os deuses queriam, se havia seca, era uma repressão
divina, e por isso a explicação dos fenômenos naturais era obtida a partir de crenças
e superstições.

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Ao longo da história humana, mediante as relações do ser humano com a
natureza, em suas atividades de trabalho, nas interações intergrupais, socioculturais,
ou intragrupais, homens e mulheres foram adquirindo conhecimento em suas
vivências cotidianas. Esse saber é denominado de conhecimento popular, ou
senso comum.

Tal conhecimento passava de pais para filhos, de geração em geração, por meio
de conselhos, recomendações, normas, tabus, proibições e práticas socioculturais,
que variavam também conforme o lugar.

Figura 1
Fonte: iStock/Getty Images

À medida que a sociedade foi se tornando mais complexa e as relações sociais


deixaram de ser mediadas apenas pela natureza, homens e mulheres foram
estabelecendo normas de convivência, definindo padrões de moral daquele
grupo, o que seria considerado aceitável socialmente e o que não seria, práticas e
convenções que ajudariam a fundamentar os costumes, a vida diária, as tradições
de cada grupo humano.

Com as sociedades mais complexas, o mundo foi passando de relações que


eram tribais e de clãs, mediadas por chefes, por estruturas sociais de forte laço de
proximidade, de família, de relação intragrupal, para situações de representativi-
dade por meio de pessoas mais distantes, de normas que não são mais oriundas
daquele grupo.

Este foi o caso da existência e constituição do Estado-Nação, que marca


definitivamente o chamado “mundo moderno” – com a criação de um Estado
delimitado, com soberania política, com normas específicas para os que lá habitam.

Agora, as normas não eram mais apenas da família, ou de um grupo sociocultural,


mas vinha do Estado, por meio de leis, que também são normas, agora escritas,
definidas pelas formas de poder de cada Estado.

O saber e conhecimento popular e do senso comum, no entanto, não


desapareceram. Mesmo atualmente, com um mundo cada vez mais articulado por
meio das redes sociais, ainda temos orientações, normas, formas de explicar o
mundo que são do senso comum.

11
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Os meios de comunicação, as mídias televisivas, das redes sociais da internet,
dos jornais e revistas também se utilizam das formas de concepções populares,
tornando-se muitas vezes formadores de opinião, cujo embasamento é originário
deste chamado senso comum.

As formas de explicação pelo senso comum não devem ser caracterizadas como
menos importantes, pois é a partir dele que se desenvolve a possibilidade de buscar
entendimento sobre o cotidiano da vida, procurando discernir erros e acertos
do passado, na medida em que iam vivendo e produzindo explicações, tanto em
sociedades mais simples como nas mais complexas.

O saber das sociedades e comunidades que hoje chamamos de “tradicionais”


– caso das indígenas – é o conhecimento acumulado de muitas gerações, sobre
a natureza, o uso de plantas e da biodiversidade, que são fundamentais para a
existência dessa e de outras gerações. Esse conhecimento tradicional tem servido
também como base para o conhecimento científico, indústria farmacêutica,
alimentícia, entre outros.

Desse modo, não se trata de uma forma menos importante de saber, embora possa
ser contestado por outras maneiras de conhecimento. São notáveis, por exemplo,
os conhecimentos e práticas desenvolvidos por povos indígenas: conhecimentos,
domínios e práticas cobiçados pelas multinacionais, principalmente em
questões medicinais.

Reconhecendo que o senso comum é um saber qualitativamente diferenciado


do saber científico e acadêmico, devemos nos colocar, contudo, na disposição de
reconhecer os méritos que necessitam ser atribuídos ao senso comum, que muito
tem acrescentado à construção de novos saberes para a vida humana em sociedade.

Portanto, não se trata de negar no cotidiano o bom senso, o conhecimento


popular, pois dele depende a vida de milhões de pessoas sobre a Terra, desde aqueles
que não tiveram e continuam não tendo acesso à escola de qualidade e à convivência
social mínima, até aqueles que se julgam “portadores de verdades absolutas”.

Logo, não precisamos desconsiderar o conhecimento popular ou o definirmos


como menos importante. Há alguns casos em que tais saberes são transformados
também em conhecimento científico mediante pesquisas em laboratório e
confirmado pela ciência, muito depois de já conhecidos pelo saber popular. Quantas
vezes nos disseram que deveríamos tomar um chá de certa planta que faria bem
para um determinado problema? Isso é conhecimento cumulativo, passado por
várias gerações pela experiência, pela vivência empírica.

A empiria – experiência obtida pela vivência prática do cotidiano – ajuda-nos


a ter exemplos que, embora não sejam conduzidos pelo pensamento e normas
científicas, podem conduzir-nos à razão, ao bom senso, à verdade.

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Conhecimento Científico
O conhecimento científico, por outro lado, é mais cheio de formalidades, normas,
regras, procedimentos e maneiras de explicar as coisas, os objetos, os fatos, os
fenômenos buscando a verdade científica, mediante provas, teorias e hipóteses.

Trata-se de um produto da atividade humana que, ao refletir, questionar, pensar


sobre a existência das coisas, elaborou formas de explicação que foram sendo incor-
poradas por parte da sociedade, sobretudo mediante o processo de educação formal
a que tinham acesso principalmente nobres e burgueses num primeiro momento.

Com o advento da Ciência Moderna, principalmente a partir dos séculos XVIII-


XIX, houve avanços significativos no conhecimento científico, impulsionados pelos
processos de colonização e neocolonialismo que os europeus empreenderem pelo
mundo, que trouxe à tona lugares, culturas, natureza com características bastante
diferentes dos conhecidos até então pelos povos europeus.

Esse conhecimento empírico abriu possibilidades de se buscar explicações para


tais diferenças na natureza e no mundo. Tal período moderno, situado após a
Idade Média na Europa, fez com que tais explicações saíssem do senso comum e
do cunho das explicações religiosas que permearam a Europa Ocidental na Idade
Média – com a ascensão e consolidação do cristianismo católico romano.

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

Se antes, em grande medida, um Deus único era o responsável pelo o que


ocorria no mundo e na natureza, agora, havia a busca por outras explicações para
compreender tudo o que acontecia.

O que diferencia essa forma de conhecimento era o método – o caminho


escolhido para explicar a “verdade”. Sobre a concepção de mundo, por exemplo,
os procedimentos metodológicos precisariam ser perseguidos, com regras de
conduta para que o investigador, o pesquisador, o cientista pudesse comprovar a
veracidade de suas afirmações.

13
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Esses procedimentos iriam variar conforme o objeto de análise da ciência,
conforme as transformações tecnológicas, conforme os métodos existentes.

Logo, o conhecimento científico também é mutável, ou seja, foi mudando


conforme as sociedades foram se sofisticando, bem como as próprias técnicas e
tecnologias puderam ajudar no aprimoramento do conhecimento de certas áreas
do conhecimento. O que seria, por exemplo, da Astronomia e da Física sem o
incremento das novas tecnologias? Ou mesmo da engenharia genética?

Mas se a Ciência Moderna se difundiu da Europa para o mundo tornando-se


universal, é fato que até hoje nem todos têm acesso ou explicam a realidade dos
homens, da natureza e dos fatos somente pelo viés científico.

A busca pela prova, mediante um método, com um conjunto de pressupostos,


de criação de leis gerais, de hipóteses que precisam ser comprovadas, está no
cerne do conhecimento científico.

A coleta de dados, a investigação por meio da observação, da descrição dos


fatos e da experiência foram muito comuns nos séculos XVIII e XIX e ajudaram a
consolidar o discurso científico.

É preciso considerar a importância do conhecimento científico teve e tem para a


humanidade, mas fazendo ressalvas, pois nem sempre os propósitos da investigação
foram usados para beneficiar a humanidade em geral. Desse modo, o conhecimento
científico não é melhor do que as outras formas de produção de conhecimento.

O método é imprescindível para a ciência. Trata-se da concepção teórica,


da visão de mundo que conduz o pensamento do pesquisador. A partir dele
buscam-se procedimentos metodológicos compatíveis com o método- caso da
experiência, da entrevista, da observação, do raciocínio lógico, da comparação,
entre outros procedimentos.

Contudo, existem outras formas de definir o conhecimento científico. A Ciência


moderna, que foi difundida pela Europa para praticamente todo o mundo, tornou-
se uma Ciência universal. Tal Ciência é formal e esse formalismo é, portanto,
exigido dentro do conhecimento científico por meio da elaboração de regras,
métodos, procedimentos, hipóteses e teorias.

Cada Ciência possui uma forma de compreender a realidade, cada Ciência


tem um objeto de estudo, ou seja, é a forma daquela Ciência buscar compreender
a realidade. Mas nunca se deve confundir a própria realidade com o modo de
tentar entendê-la.

O ser humano, por exemplo, é alvo de interesse de inúmeras ciências, caso da


Antropologia Cultural, da Sociologia, da Psicologia, da Ecologia, da Geografia,
mas todas estas têm objetos de estudos diferentes e podem também ter diferentes
métodos e procedimentos de pesquisa.

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A Formação das Ciências Humanas e Sociais
As chamadas Ciências Humanas e Sociais têm como premissa básica o estudo
do ser humano. Existem diferentes Ciências Humanas, entre elas, citamos:
· Sociologia – como o estudo da sociedade, considerando as relações sociais
ao longo do tempo, as normas sociais, as classes sociais, as formas de
organizações sociais, os conflitos sociais, as formas nas quais a sociedade
influencia o comportamento das pessoas, entre outras temáticas;
· Antropologia Cultural – estuda o homem enquanto ser cultural, em seus
hábitos, costumes, crenças e modos de vida;
· Ciência Política – estuda as formas de poder ao longo da história, o papel
do Estado, as formas de organização política, as formas de governo, a
autoridade, as relações internacionais;
· Geografia – estuda o espaço geográfico, o homem no espaço em suas
múltiplas relações;
· Economia – estuda as atividades produzidas pelo homem, relativas à produ-
ção e distribuição de bens e serviços. Tem como pesquisas estudos sobre ren-
da, políticas econômicas, planos econômicos, micro e macroeconomia etc.

A Sociologia é uma ciência que estuda a sociedade, as estruturas e processos


sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade. É uma ciência que se
originou principalmente nos séculos XVIII-XIX, quando na Europa a ascensão do
Estado Moderno e a sociedade foram se tornando mais complexas.

Já no período após a Idade Média europeia (século XV), denominado pelos


pesquisadores de Renascimento, houve uma busca de romper com a ordem
teológica do cristianismo católico na Europa Ocidental. A visão de que o homem
deveria ser o centro do mundo (antropocentrismo), a fé no indivíduo, na experiência
empírica para provar os fatos deu origem a um movimento que ficou conhecido
como Humanismo.

Podemos dizer que as origens das preocupações com a sociedade moderna


estão baseadas principalmente nesta concepção de mundo que permeou parte das
obras e do pensamento intelectual da época do séculos XVI-XVII.

As tentativas de explicações das relações sociais vigentes no período pós Idade


Média, e também da explicação da existência humana por meio da razão, procurando
se distanciar dos dogmas e das explicações religiosas deu a este período da história
europeia um novo momento, denominado pelos historiadores de Iluminismo. A fé
pautada na razão, buscando lançar “luzes” ao que antes pareceria encoberto por
explicações religiosas ou do senso comum.

A ciência moderna torna-se universal, a partir do modelo europeu de expansão


mediante os processos de colonialismo (séculos XVI-XVIII) e imperialismo
(principalmente após o século XIX), assim como o próprio conhecimento da
Sociologia e sua sistematização como ciência é difundido a partir da Europa.

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Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Sob a égide da fé na ciência e na razão e que o progresso dependeria do
conhecimento científico, sobretudo, a partir do século XVIII, a ciência europeia
difunde-se pelo mundo.

O conjunto de ideais fundamentados num novo modo de compreender o mundo,


principalmente a partir das existências vividas pelos europeus, tanto das relações
sociais e políticas quanto pelo conhecimento da natureza, é fundado no que alguns
autores denominam de Iluminismo.

O período denominado por historiadores de Iluminismo foi um dos que ampliaram


o rompimento do conhecimento com a concepção teológica, das concepções
sobrenaturais, com críticas ao poder da igreja e também aos reis absolutistas.

Com um discurso que via na ciência a possibilidade de conhecer o mundo,


explicá-lo mediante o uso de regras, de um método, que segue uma lógica que
pode ser explicada com certo grau de precisão.

O Iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII que procurou


romper com as concepções e visões do mundo da época, impulsionando o avanço
do conhecimento científico na leitura do mundo e das relações humanas e sociais.

Figura 3 - Encyclopédie (1772), desenho de Charles-Nicolas Cochin que representa alguns símbolos do Iluminismo
Fonte: Wikimedia/commons

Tal movimento fundado na concepção de modernidade tem alguns expoentes


e entre eles destacamos: René Descartes, com sua obra “Discurso do método” de
1637; Montesquieu com o “Espírito das leis” em 1748; Jean Jacques Rousseau
com “Do contrato social” em 1762; Voltaire com “Cartas inglesas” em 1734.

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Alguns pensadores da época passaram a escrever obras que retratavam esta
nova concepção do mundo, visto a partir da opinião destes intelectuais europeus.
Citamos, por exemplo, o francês Voltaire (1694-1778), considerado um importante
Iluminista. Em suas obras, fez críticas às formas de conduta da nobreza e também
da Igreja Católica, pedindo reformas sociais.

Outro pensador desse período foi Jean Jacques Rousseau (1712-1778), em sua
obra “Contrato Social”, faz uma proposta de revisão das formas de existência da
sociedade em suas formas de vida e política, defendendo a liberdade do homem na
busca de uma sociedade que pudesse se basear nas formas antigas de democracia,
de consenso e de cidadania.

Como explica o sociólogo, Reinaldo Dias:


Um dos mais destacados iluministas foi Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778) que tem entre suas obras O contrato social. Nesse livro, Rousseau
concebe as pessoas no estado de natureza como seres livres bons, e iguais
entre si, e que são as sociedades que as corrompem. Mas, como no estado
de natureza existem dificuldades para satisfazer todas as necessidades, os
indivíduos precisam associar a sua vontade a serviço de todos. Segundo
ele, essa é uma vontade geral, e a obedecê-la o indivíduo obedece a si
mesmo. O resultado institucional desse contrato é o estado democrático de
direito representativo onde o parlamento é um instrumento fundamental
da vontade geral que se expressa por meio da lei. (DIAS, 2014, p. 20)

Tais autores foram precursores na Europa Moderna (do Estado absolutista –


da burguesia nascente – do capitalismo) de estudos da organização da vida em
sociedade, o que ajudou nas formulações do que viria a ser a Sociologia.

Importante caracterizar o período entre os séculos XVIII-XIX na Europa. Vivia-se


um mundo de Revolução Industrial em parte da Europa, com muitas pessoas sendo
expropriadas do campo (com uso da mecanização nas atividades rurais) e vindo
morar na cidade para trabalhar em fábricas, morando quase sempre em cortiços.

Figura 4
Fonte: Wikimedia/commons

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Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Além da Revolução Industrial, houve também a Revolução Francesa (1789), que
depôs do poder a nobreza francesa, sendo considerada uma revolução burguesa.

A Revolução Francesa transformou a sociedade e serviu de exemplo para outros


países, nos quais a monarquia era a principal forma de organização político-social.
Desse modo, os parâmetros de organização social e política no mundo ocidental
pautaram-se em parte pela Revolução Francesa. A consolidação da burguesia, do
ideário capitalista, do individualismo, torna-se exemplos para o mundo.

Figura 5
Fonte: Wikimedia/commons

A modernidade vem com a mudança do paradigma cristão católico – com as


explicações religiosas para um mundo que, embora continue religioso pauta a vida
também pelo ganhar dinheiro, – pela luta pela sobrevivência nos moldes capitalistas.

Como comenta o sociólogo sobre a modernidade:


A Revolução Francesa representou a consolidação da Modernidade como
perspectiva histórica identificada com a industrialização. As características
desse novo período, ao qual se denominou Modernidade incluem: o
declínio das pequenas Comunidades; a expansão do individualismo; o
aumento da diversidade social; o predomínio de uma orientação para
o futuro (progresso); e o aumento da racionalização. Essa evolução do
pensamento humano, que levou à utilização da razão para o livre exame
da realidade, inclusive a social, juntamente com os problemas originados
pela Revolução Industrial foram as duas principais circunstâncias que
possibilitaram o surgimento da sociologia. Sua preocupação Inicial foi
organizada a sociedade. (DIAS, 2014, p. 21)

Tais transformações sociais, políticas e econômicas engendraram mudanças na


sociedade de países como Inglaterra e França, entre outros, trazendo à tona a
questão da sociedade como foco das discussões da época.

18
O próprio capitalismo como processo gerou mudanças nas formas de trabalho,
nas formas de apropriação da terra, nas relações sociais, culminando na segunda
metade do século XIX e início do século XX, com protestos de trabalhadores que
tinham condições de vida e moradia insalubres e de trabalho bastante precário
transformaram a sociedade.

Os trabalhadores, por exemplo, que antes trabalhavam como artesãos, e


eram donos dos meios de produção, agora passavam também a ser assalariados,
trabalhando com máquinas e vendendo sua força de trabalho em fábricas.

Outro aspecto a ser destacado foram as mudanças técnicas no período que


ajudaram nessas transformações sociais – caso do advento da máquina a vapor,
da ferrovia, dos telégrafos, da energia elétrica, das máquinas que transformaram
as maneiras de produzir. Assim, o trabalho passou a ter um ritmo de trabalho que
é mediado pelo tempo, pela quantidade produzida, pelos usos de tecnologias e de
sistemas técnicos.

De pessoas que viviam principalmente no campo, passou-se a ter cidades


apinhadas de pobres operários em alguns lugares na Europa, num modo de vida
totalmente transformado em relação ao anterior. De camponeses a operários, da
agricultura à indústria, do modo de vida no campo à cidade.

Logo, todas essas situações tornaram-se temas interessantes para estudos


da Sociologia.

A Sociologia tornou-se a ciência que estuda a sociedade e de como os grupos


sociais e a sociedade afetam a vida das pessoas, tendo como foco as relações sociais.

De um lado, os homens vivendo criam, elaboram e mantêm relações sociais, de


outro, estas relações agem sobre as pessoas. Por exemplo, uma dada sociedade
cria normas sociais de comportamentos – do que é o certo a ser feito em certas
situações – normas de conduta sobre a vida cotidiana –, algumas se tornam leis, de
outro lado, estas mesmas leis moldam a vida daquela sociedade. O homem passa a
ser objeto de estudo e também sujeito da história e da sociedade que é produzida.

A Sociologia é considerada uma ciência sistematizada, sobretudo, nos séculos


XVIII-XIX, passou a ter vários pensadores e tornou-se ciência estudada no
Ensino Superior. Os termos e conceitos oriundos da Sociologia passaram a ser
usados indistintamente, tanto pelos cientistas sociais quanto também por parte
da população em geral, no caso de termos como: classes sociais, redes sociais,
sociedade, ideologia, burguesia, entre tantos outros.

Desse modo, a Sociologia vem contribuindo para a compreensão dos fenômenos


sociais, as formas de relações sociais existentes, tornando-se uma ciência social e
humana importante.

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Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Os Meios de Produção e as
Transformações Sociais
A sociedade, ao longo da história, passou por inúmeras mudanças nas formas
de produzir, distribuir e consumir bens e serviços. As chamadas formas de produzir
e suas forças produtivas mais as relações existentes nesta produção são chamadas
de “modos de produção”.

A cada momento da história e em diferentes lugares do mundo, houve diferentes


modos de produção que alteraram o modo de vida em sociedade. Pelo modo de
produção e de seu sistema econômico, podemos evidenciar as características de
uma determinada sociedade. Ou seja, não importa somente o que se produz, mas
o modo como se produz, as formas de trabalho social, as condições e relações
sociais existentes.

O modo de produção não é alheio à sociedade de cada época, às formas de se


estruturar jurídico-politicamente, dos códigos sociais. Por exemplo, no modo de
produção escravista – havia uma repressão e discurso que aceitava a escravidão
como algo aparentemente “normal”, apoiado pelo regime social e político e até
mesmo religioso em alguns casos. Esta estrutura social e política legitimaram o
próprio modo de produção.

Marx e Engels são um dos autores que definiram o conceito de modos de


produção. Sobre isso, Marx afirma:
[...] na produção social da sua vida os homens contraem determinadas
relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção
que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas
forças produtivas materiais. [...] O modo de produção da vida material
condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral [...] Ao
mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente
toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. (MARX, 2008, p. 201)

Logo, a cada mudança de um modo de produção, alteram-se as formas de vida,


de trabalho, de produção, ou seja, mudam a sociedade e suas relações.

Os pesquisadores sobre o tema definem alguns tipos de modos de produção que


existiram ou existem e que trouxeram características específicas às formas de vida
em sociedade. Destacamos, a seguir, alguns modos de produção:
· Primitivo: tem relação com uma forma de produzir e de uma sociedade
que abrange todo o período inicial da história humana no qual o homem
tinha maior relação com a natureza. Neste caso, havia uma divisão social
de trabalho, mas, em geral, homens e mulheres trabalhavam em conjunto
e os frutos do trabalho e a propriedade eram de todos e, portanto, não
havia uma organização social mais complexa como Estado. Ainda existem
sociedades assim, vivendo de modo isolado e com maior contato com a

20
natureza, caso de algumas sociedades indígenas que ainda foram pouco
alteradas pelo modo de produção atual.
· Escravista: os meios de produção e a forma de trabalho são realizados
pelo escravo, sendo que ele é propriedade de um senhor. O escravo,
portanto, era considerado um objeto, o instrumento e o próprio meio de
produção e os “senhores” eram proprietários de sua força de trabalho. Tal
modo de produção ocorreu, por exemplo, na Idade Antiga (Egito, Grécia,
Roma etc.) e também em países colonizados pelos europeus, na América,
a partir do século XVI principalmente.
· Feudal: é baseado na servidão. O servo trabalha para o senhor feudal
em troca de um lugar para morar. O poder político era descentralizado
em “feudos”, foi muito comum, durante o período da Idade Média, na
Europa Ocidental.
· Capitalista: trata-se de um modo de produção que se tornou universal,
sobretudo após o século XIX, no qual há a exploração do homem pelo
homem, constituindo duas classes sociais, a burguesia, que detém os meios
de produção, e os proletários, que são a força de trabalho explorada.

O modo capitalista de produção revolucionou as formas de acesso a terra, que


passou a ser privada, as formas de trabalho (assalariado) e as formas de produção
passaram a ter uma mediação cada vez maior das técnicas e tecnologias, formando
os sistemas técnicos.

Logo a sociedade passaria por inúmeras mudanças a partir do capitalismo – que


chegou mais claramente primeiro às cidades, com a industrialização, e depois se
tornou o modo de produção universal no campo e na cidade.

Figura 6
Fonte: iStock/Getty Images

Esse é um trabalho que vai se tornando mais alienado, com normas mais
distantes da vida local, cada vez mais artificial. Se, no modo de produção primitivo,
as pessoas, por exemplo, sabiam o que produziam, tinham conhecimento sobre
todas as partes de seu trabalho, atualmente, cada um faz uma parte do trabalho e
é, inclusive, complicado definirmos nosso papel na divisão social do trabalho.

21
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
É uma sociedade que concentra terras, capital, diversificadas formas de dinheiro
e na qual os que são explorados não conseguem acesso a terra e nem aos meios
de produção para sobreviver.

Como comenta Leonardo Boff:


[...] o núcleo desta sociedade não está construído sobre a vida, o bem
comum, a participação e a solidariedade entre os humanos. O seu eixo
estruturador está na economia de corte capitalista. Ela é um conjunto
de poderes e instrumentos de criação de riqueza - e aqui vem a sua
característica básica – mediante a depredação da natureza e a exploração
dos seres humanos. A economia é a economia do crescimento ilimitado,
no tempo mais rápido possível, com o mínimo de investimento e a máxima
rentabilidade. Quem conseguir se manter nessa dinâmica e obedecer a
essa lógica acumulará e será rico, mesmo à custa de um permanente
processo de exploração. (BOFF, 1999, p. 42)

Desse modo, os diferentes modos de produção alteraram os modos de vida da


sociedade ao longo da história e em diferentes lugares. Não podemos dizer que
todos os lugares do mundo passaram pelas mesmas situações e modo de produção,
nem tampouco que cada modo de produção sucedeu ao outro de forma progressiva
e linear.

Há, também, formas híbridas de viver, e nem todos que vivem atualmente par-
tilham o mesmo modo de vida. Podemos dizer sim que existem universalidades,
formas de vida e sociedades que são hegemônicas, mas nem todas são completa-
mente iguais.

Sempre há diferentes temporalidades – formas e tempos de vida que são


específicos, mesmo num mundo cada vez mais global.

Então, cabe à Sociologia desvendar esses processos e relações sociais, evidencia-


dos nas formas de trabalho, na urbanização, no processo de globalização, nas for-
mas de organização social e política. Tudo isso é mote para estudos da Sociologia.

22
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
O que é Sociologia
MARTINS, C. B. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2000.

Filmes
O nome da Rosa
O nome da Rosa (1980, EUA, direção: Jean Jacques Annaud)

Leitura
Introdução à Sociologia
VIANA, N. Uma Introdução à Sociologia em Grande Estilo. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2006.
Resenha disponível em:
https://goo.gl/6vUeRk
Novas perspectivas para as Ciências Sociais no Brasil
PINTO FERREIRA, S. J. (Organizador). Novas perspectivas para as Ciências
Sociais no Brasil.

23
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
UNIDADE
1
Referências
BOFF, L. Ética da Vida. Brasília: Letraviva, 1999.

DIAS, R. Sociologia clássica. São Paulo: Biblioteca Pearson, 2014. (e-book).

LAKATOS, E. M; MARCONI, M. A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas,


1982. P. 27.

MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Trad. Florestan


Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

PAIXÃO, A. I. da. Sociologia geral. Curitiba: InterSaberes, 2012. (e-book).

24
2
Teorias da Sociologia Clássica
e Contemporânea

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciene Oliveira da Costa Santos
a
Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2
Introdução
A Sociologia, assim como outras Ciências Humanas, passou por transformações,
desenvolvendo-se como campo de conhecimento mediante obras de diferentes
autores, proporcionando novas maneiras de ler e compreender a sociedade.

Nesta unidade, vamos tratar um pouco de alguns autores que tiveram im-
portância para os estudos da Sociologia, suas ideias, conceitos e concepções
teórico-metodológicas.

O Positivismo de Auguste Comte


Auguste Comte (1798-1857) é considerado por muitos como o formulador e
pai da Sociologia, por ter sistematizado esse conhecimento sobre a sociedade,
propondo um método para analisá-la. Formado em Física, Comte procurou estudar
a sociedade com objetividade e rigor metodológico, utilizando o método que ficou
conhecido como positivismo.

O positivismo é um método, uma forma de compreender, analisar e explicar


a realidade. O termo foi cunhado por Saint Simon, mas um dos precursores e
principais autores do positivismo é Auguste Comte, que escreveu a obra “Curso de
Filosofia Positiva”.

Figura 1 – August Comte “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”
Fonte: Wikimedia Commons

Sua proposta de método não era específica da Sociologia, mas, segundo a


sua concepção, o positivismo serviria para analisar todas as ciências, fossem elas
humanas, naturais ou físicas.

O positivismo influenciou várias ciências e baseava-se principalmente na


concepção de que, qualquer que seja a ciência, é fundamental o estudo a partir da
aparência dos fenômenos. Por meio da aparência e da observação do pesquisador,
chega-se à explicação da realidade, podendo, ainda, mediante essa observação e
interpretação, realizar classificações.

26
O progresso do espírito humano, em relação ao conhecimento, para Auguste
Comte, passaria por três fases, a saber:
· A primeira, um estado teológico, no qual o homem procurava explicar a
realidade através das crenças e religiões. Para o autor, nessa fase, havia
três etapas também: primeiro o fetichismo; depois o politeísmo, com
a crença em vários deuses e, por fim, o monoteísmo com a crença em
apenas um Deus;
· Numa segunda etapa de evolução, o homem, por meio da concepção
filosófica chamada metafísica, procura explicar a natureza íntima das
coisas, sua origem e destinos últimos, bem como a maneira pela qual
são produzidas, mas, para o autor, a metafísica ficava muito distante da
realidade, questionando o mundo, sem, no entanto, ter respostas que
explicariam a sua existência.
· Por isso o autor propõe que o conhecimento chegue ao terceiro estágio,
chamado por ele de “estado positivo”, de onde vem o nome positivismo.

Portanto, no estado positivo é fundamental subordinar a imaginação mediante


a argumentação e observação. A observação dos fenômenos, neste caso, para o
autor, é essencial.

Conforme afirma Auguste Comte:


A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos
fenômenos (procedimento teológico ou metafísico e torna-se pesquisa
de suas leis; entendidos como relações constantes entre fenômenos
observáveis Este sentido lembra a tendência constante do verdadeiro
espírito filosófico a obter em toda parte o grau de precisão compatível
com a natureza dos fenômenos e conforme as exigências de nossas
verdadeiras necessidades; enquanto a antiga maneira de filosofar conduzia
necessariamente a opiniões vagas, comportando apenas a indispensável
disciplina, baseada numa repressão permanente e apoiada numa
autoridade sobrenatural. (COMTE, 1978, p. 62)

Dessa forma, aquilo que se observa é passível de ser descrito, obtendo valor
científico para o positivismo. A aparência dos fenômenos é essencial, pois só pode
ser descrito aquilo que todos podem ver, mas, para ir além do senso comum, neste
caso, é necessário fundamentar-se por uma teoria, que se distancie de práticas
metafísicas. É necessário ser objetivo, positivo!

Comte era ligado aos interesses do Estado Nacional, do liberalismo capitalista, daí
sua concepção de Sociologia – da ordem e progresso. A moral deveria estar presente
na política e na economia da sociedade para se alcançar a ordem e o progresso.
Era necessário, segundo ele, buscar a “ordem e o equilíbrio social” por meio do
conhecimento científico – um sistema cuja ordem imitaria a própria natureza.

27
Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2
Como explica a pesquisadora sobre o autor e a questão da moral:
Na política, a moral despertaria nos súditos sentimentos de obediência e
sujeição e, nos governadores, responsabilidade no exercício da autoridade.
Na economia, a moral tornaria os ricos perfeitos administradores de seus
bens e os pobres satisfeitos com sua posição social, e todos colaborarias
“para a prosperidade, grandeza e realização da humanidade”. (CHINAZZO,
2013, p. 106)

Observe que a tal ordem dependeria dos mais pobres aceitarem sua condição
social e serem obedientes. Daí o apoio explícito do autor ao governo da época e
ao liberalismo econômico.

Auguste Comte
Explor

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857), conhecido como Auguste Comte
nasceu em Montpellier, na França. Foi um filósofo, e é considerado o fundador da Sociologia
e um dos principais autores do positivismo.
O positivismo influenciou várias ciências e baseava-se principalmente na concepção de que,
qualquer que seja a ciência, é fundamental o estudo a partir da aparência dos fenômenos.
Por meio da aparência e da observação do pesquisador, chega-se à explicação da realidade,
podendo, ainda, mediante essa observação e interpretação, realizar classificações.
Assim, no positivismo, parte-se do princípio que o conhecimento tem de ter uma base
objetiva, fundada a partir da observação e de uma teoria que possa explicá-la. Neste sentido
a observação e descrição tornam-se seus principais procedimentos metodológicos.

Embora tenha se tornado referência para várias ciências e importante para a


sistematização da Sociologia, vários autores criticam o método positivista e a visão
do autor sobre a sociedade. A principal crítica a Comte é que, para ele, a sociedade
evoluía de forma mecânica e natural, saindo de uma situação inicial e evoluindo
como num processo natural, consistindo, portanto, numa “naturalização” das
estruturas sociais vigentes.

Conforme explica Comte sobre a Sociologia, chamada por ele inicialmente de


Física Social:
Entendo por física social a ciência que tem como projeto próprio o
estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que
os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como
submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial
das suas investigações. Assim, propõe-se explicar diretamente com a máxima
precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie
humana visto sob todas as suas partes essenciais; isto é, descobrir através
de que encadeado necessário de transformações sucessivas é que o gênero
humano partindo de um estado ligeiramente superior aos das sociedades dos
grandes símios foi gradualmente conduzido ao ponto onde hoje se encontra
na Europa civilizada. (COMTE apud CHINAZZO, 2013, p. 105)

28
Nesta citação do próprio autor, observa-se que ele compara a Sociologia com as
outras ciências físicas e naturais, bem como coloca que o homem evoluiu chegando
até a civilização europeia. A concepção de Comte é que a sociedade é regulada
por leis naturais, assim como os fenômenos da natureza- da Física, da Química etc.

Essa visão foi muito criticada por diferentes pesquisadores, pois o homem
é um ser que, em princípio, tem consciência, cultura, pensa, tem discernimento,
diferentemente dos aspectos físicos e naturais. Por isso, comparar a sociedade a uma
ordem natural não é adequado, assim como a comparação de estágios de evolução,
como se as sociedades mais simples fossem mais atrasadas do que a europeia.

Émile Durkheim e os Fatos Sociais


Émile Durkheim (1858 – 1917), francês, foi um importante autor para a
elaboração de teorias das Ciências Sociais, por isso para alguns pesquisadores é
o principal expoente da sistematização da Sociologia e sua relação com o meio
acadêmico, pois foi professor de Sociologia. Suas obras “As Regras do Método
Sociológico” e “Divisão do Trabalho Social” foram fundamentais para trazer à tona
as questões sociais mediante abordagem teórica e acadêmica.

Segundo este autor, o objeto de estudo da Sociologia seriam os “fatos sociais”,


que de acordo com esta teoria não partem da vontade do indivíduo, mas sim
da sociedade. Quando nascemos, já existem normas sociais que ajudam a nos
conduzir. Essas normas foram criadas e elaboradas ao longo do tempo por uma
determinada sociedade.

Assim, os fatos sociais podem ser um hábito social; o conjunto das leis; o
sistema monetário; as religiões; as normas em geral. Esses fatos sociais criam uma
consciência coletiva sobre como agir em sociedade, já que de forma coercitiva os
fatos chegam ao indivíduo por meio das normas que a sociedade impõe a todos.

Como afirma Durkeheim:


Isso é sobretudo evidente nas crenças e práticas que nos são transmitidas
inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-
las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular,
elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos
ensinou a reconhecer e a respeitar. Ora, cumpre assinalar que a imensa
maioria dos fenômenos sociais nos chega dessa forma. Mas, ainda que
se deva, em parte, à nossa colaboração direta, o fato social é da mesma
natureza. Um sentimento coletivo que irrompe numa assembleia não
exprime simplesmente o que havia de comum entre todos os sentimentos
individuais. Ele é algo completamente distinto, conforme mostramos.
(DURKHEIM, 2007, p. 9)

Como mostra sua afirmação, por meio de nossa vivência diária e da educação,
as pessoas aprendem e são influenciadas pela sociedade onde vivem.

29
Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2
Para o autor, cada um tem um papel a desempenhar na sociedade, uma função,
levando ao conceito de “divisão do trabalho social” no qual, segundo sua visão, todos
têm direitos e deveres, e deve-se buscar a solidariedade social orgânica, no qual
todos busquem em sua função manter o todo, para o avanço de toda a sociedade.

Karl Marx e Friedrich Engels


Se, para o positivismo, a nova sociedade capitalista precisava de ordem social
para progredir, na visão de Marx e Engels, tal ordem capitalista precisava ser
contestada e analisada pormenorizadamente.

Com a obra de 1848 “Manifesto do Partido Comunista” e o “Capital”, Marx


e Engels lançaram luz sobre a questão do capitalismo e do modo de produção
capitalista, criando uma teoria que ficou conhecida como marxismo.

Figura 2 – Karl Marx e Friedrich Engels


Fonte: Wikimedia Commons

Para esta análise, os autores propõem o uso do método denominado de ma-


terialismo histórico e dialético, buscando entender a sociedade como processo
histórico, que vai sendo construído com inúmeras contradições.

Para a lógica dialética, existe um processo que é sempre um ir e vir, uma luta
de forças opostas de diferentes formas e níveis de poder. Alguns autores são
considerados importantes por terem discutido este método, entre eles, Friedrich
Hegel, Karl Marx e Friedrich Engels, Henri Lefebvre e Jean Paul Sartre – ainda
que com algumas premissas diferentes.

Marx e Engels propõem a necessidade de tratar o homem em sua vida real,


envolvido em processos da existência real, da sua forma de vida, de seu trabalho.
Consequentemente, a busca deste homem concreto é fundamental no entendimento
deste discurso. Os autores explicam:

30
[...] partimos dos homens em sua atividade real, é a partir de seu processo
de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos
e das repercussões ideológicas desse processo vital. (MARX; ENGELS,
2002, p. 19)

Marx, sobretudo com o conjunto de livros conhecido como “O Capital”, busca


explicar o funcionamento da economia no modo de produção capitalista, no
sistema produtor de mercadorias, evidenciando como a sociedade industrial gerou
enormes desigualdades, exploração do trabalho e criou especificidades nas formas
de trabalho.

Afrânio Mendes Catani explica o que seria o modo de produção capitalista:


Por meio de produção entende-se tanto o modo pelo qual os meios
necessários à produção são apropriados, quanto as relações que se
estabelecem entre os homens a partir de suas vinculações ao processo
de produção. Por esta perspectiva, capitalismo significa não apenas um
sistema de produção de mercadorias, como também um determinado
sistema no qual a força de trabalho se transforma em mercadoria e se
coloca no mercado como qualquer objeto de troca. (CATANI, 1995, p. 8)

A proposta de Marx preconiza que o homem deve ser estudado, em sua


organização social, pelas formas de trabalho, dos meios de produção – no caso
da sociedade contemporânea, como parte do sistema capitalista e suas formas
de relações sociais. Por meio dos modos de produção seria possível desvendar as
características de uma sociedade.

No caso do capitalismo, uma sociedade cuja base seria a luta de classes – a


burguesia (donos dos meios de produção) e o proletariado (operários), sendo que
a existência das classes sociais tem relação intrínseca com a propriedade privada.

Max Weber e a Ação Social


Max Weber, sociólogo alemão, é considerado um importante pensador do final
do século XIX que fez várias contribuições para estudos da sociedade, caso da
relação entre religião e organização social, burocracia, estrutura social.

O período em que viveu Max Weber foi de intensas transformações na Alemanha


e na Europa, com a unificação e criação do Estado da Alemanha (1871), pela
transição tardia da Alemanha no processo de colonização e industrialização.

Alguns de seus trabalhos versaram sobre a relação da religião com a ética


do trabalho e da economia. Tratou das religiões e filosóficas asiáticas – caso do
confucionismo na China – bem como da ética protestante e sua relação com o
capitalismo, seu trabalho mais conhecido.

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Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2
A Ética Protestante
A obra de Max Weber (1864-1920) “A ética
protestante e o espírito do capitalismo” re-
trata a existência de um comportamento ético
acerca da acumulação de riquezas. Esse modo
de pensar, de acordo com o autor, teria surgido
juntamente com a propagação do protestan-
tismo, nas nações anglo-saxônicas e do norte
da Europa.
Para Weber, a economia tradicional encarava
o trabalho apenas como um fator necessário
para sobrevivência, e não como valor em si. Já
a “ética protestante” considera que a recom-
pensa material será dada àqueles que tiverem
méritos durante sua existência, ou seja, que tenham trabalhado arduamente para
obter êxito.
Esta visão, segundo o autor, favoreceu o desenvolvimento do sistema capitalista,
já que a riqueza passou a ser considerada fruto do trabalho, ou seja, os méritos do
trabalho árduo e da dedicação levam à prosperidade do indivíduo.

O objetivo da Sociologia para Weber é a compreensão da ação social em-


preendida pelos agentes sociais. Tais ações sociais devem ter um sentido (não no
aspecto de ser bom ou ruim), podendo ter uma racionalidade, ou ser feita motivada
por uma emoção (ação afetiva), pela tradição (dos costumes sociais), entre outros,
evidenciando as causas e as consequências dessa ação.

Por exemplo, uma empresa demite um funcionário. Tal ação social é realizada
no sentido da racionalidade econômica e administrativa do agente social (neste
caso, o empresário); mas, de outro lado, os efeitos disso na vida do empregado
quais serão?

Para Weber, o sociólogo ou cientista social deve buscar compreender as ações


sociais produzidas pela ação humana, buscando identificar as instâncias que
promovem tal ação, sejam políticas, econômicas ou religiosas, verificando os motivos
e os efeitos da ação. Nem sempre os efeitos são os esperados pelo agente social
que dá início à ação, daí a importância do cientista social em estudar estas relações.

Em relação à forma que um cientista social deve estudar, Weber comenta:


A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade.
Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qual
encontramos situados naquilo que tem de específico; por um lado, as
conexões e a significação cultural das suas diversas manifestações na sua
configuração atual e, por outro lado, as causas pelas quais se desenvolvei
historicamente assim e não de outro modo. [...] Não há qualquer dúvida
de que o ponto de partida do interesse pelas ciências sociais reside na
configuração real e portanto individual da vida sociocultural que nos
rodeia. (WEBER, 1999, p. 90)

32
Logo, para o autor, é a partir da realidade vivida na sociedade que as Ciências
Sociais devem buscar desvendar as ações sociais. Já as relações sociais são situações
compartilhadas por várias pessoas ao mesmo tempo, estabelecendo esta relação.

A Sociologia Contemporânea
A seguir, vamos delinear dois grupos de pensadores considerados contemporâ-
neos, que formaram escolas ou correntes das Ciências Sociais: a Escola de Chicago
e a Escola de Frankfurt.

A Escola de Chicago foi um movimento de professores da Universidade de


Chicago, formado especialmente por sociólogos apoiados pelo magnata Rockfeller,
que realizaram pesquisas sobre o espaço urbano nas cidades americanas, nas
décadas de 1910 e 1920.

É importante contextualizar que os EUA, no final do século XIX e começo do


XX, receberam inúmeros imigrantes de diferentes nacionalidades – muitos pobres
moradores de cortiços que vinham tentar uma vida melhor nos EUA. Havia
problemas de gangues – cujos grupos em geral eram formados por imigrantes,
assim como problemas de moradia e a formação de comunidades segregadas. Isso
ocorreu também em Chicago, cidade industrializada do Meio-Norte dos EUA, onde
o grupo criou essas pesquisas.

Figura 3 – Os homens desempregados enfileiraram fora de uma cozinha


da sopa da depressão aberta em Chicago – Por Al Capone, 1931
Fonte: Wikimedia Commons

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Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2
Tornaram-se estudos de fenômenos sociológicos urbanos, da marginalidade
urbana, dos problemas de moradia, da imigração, da segregação social.

Escola de Chicago
Explor

A Escola de Chicago surge nos Estados Unidos, no Departamento de Sociologia da Universidade


de Chicago, fundada por Albion W. Small em 1910. O surgimento dessa escola tem ligação
direta com a expansão urbana e demográfica que a cidade de Chicago sofria como resposta ao
desenvolvimento industrial que era alvo. Assim, foram surgindo fenômenos sociais urbanos
novos que acabaram se tornando objeto de pesquisa dos sociólogos da Escola de Chicago.
Esses estudos, acerca dos novos problemas sociais emergentes, estimularam a construção
de um arcabouço teórico-conceitual inédito, além da inauguração de novos métodos de
investigação sociológica. [...] Robert Ezra Park, um dos fundadores da Escola de Chicago
e autor de “A Cidade: Sugestões para a investigação do comportamento humano”, publicado
em 1916, foi aluno de Simmel enquanto esteve na Europa. Afirmava ser fundamental uma
pesquisa voltada para o urbano para que surgissem respostas que ajudariam a compreender
melhor a cidade e os seus problemas. A cidade, na visão de Park, tem aspectos técnicos
e dimensões morais que influenciam os seus habitantes. Park estuda a cidade a partir de
uma Ecologia Humana, que leva em consideração os indivíduos inseridos no seu meio social
urbano e busca compreender qual relação o espaço físico e as relações sociais mantêm com o
modo e estilo de vida dos indivíduos. A cidade passa, assim, a ser vista como um laboratório
social, e as análises sociológicas da cidade, levantamento de dados e informações sobre os
modos de vida urbana se dão pelo método empírico de fazer pesquisa.

Fonte: Trecho literal extraído de SANTOS, Thaís Dias Luz Borges. A abordagem do fenômeno urbano na Escola de Chicago.
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 185, Octubre de 2013. https://goo.gl/BlJmxA

Já a chamada “Escola de Frankfurt” era formada por um grupo de pensadores


sociais alemães, que no início do século XX criou uma teoria crítica da sociedade.
Entre outros, este grupo de autores era formado por  Theodor Adorno, Max
Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamim.

Para esses autores, a ciência não era neutra, e havia uma massificação, realizada
principalmente pela indústria cultural, que ampliava a alienação do homem.

O período em que viveram no começo do século XX passou pela Segunda


Guerra Mundial (1939-1945), pelo nazismo na Alemanha, onde a propaganda
estatal do governo Hitler ajudou a disseminar a cultura do nazismo. Vieram num
período pós-guerra de transformações sociais, políticas e econômicas na Europa.

A indústria cultural é um termo cunhado em 1947 por Adorno e Horkheimer


para designar a transformação em mercadoria de bens culturais da sociedade
contemporânea – caso do cinema, das artes, da fotografia, da televisão, das mídias,
dos valores culturais, que passaram a ser mercadorias e existem como parte do
processo de uso cultural mercadológico. Daí a origem da expressão “indústria
cultural”, substituindo o termo “cultura de massa”.

A indústria cultural acaba definindo padrões culturais da moda, dos modismos


hegemônicos, que acabam por estabelecer novos padrões culturais, difundidos por
meio das mídias e dos meios de comunicação. Tudo vira espetáculo a ser consumido,
ocorrendo isso até mesmo nas tragédias reais, documentadas e assistidas por todos
na televisão.

34
Adorno comenta:
O efeito do conjunto da indústria cultural é o de uma antidesmistificação,
a de um anti-iluminismo [anti-Aufklärung]; nela, como Horkheimer e eu
dissemos, a desmistificação, a Aufklärung, a saber a dominação técnica
progressiva, se transforma em engodo das massas, isto é, em meios de
tolher a sua consciência. Ela impede a formação de indivíduos autônomos,
independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente. Mas estes
constituem, contudo, a condição prévia de uma sociedade democrática,
que não se poderia salvaguardar e desabrochar senão através de homens
não tutelados. Se as massas são injustamente difamadas do alto, como
tais, é também a própria indústria cultural que as transforma nas massas
que ela depois despreza, e impede de atingir a emancipação, para qual
os próprios homens estariam tão maduros quanto as forças produtivas da
época o permitiriam. (ADORNO apud SANTOS, 2014, p. 28-29)

Já na metade do século XX, Adorno evidenciava o papel da indústria cultural


na música e na pseudoindividualidade, na definição dos gostos do indivíduo, já que
o capitalismo aliena e mascara a pretensa escolha de cada um, com a lógica da
padronização da música e do consumo. É a música para ser consumida.

Propuseram uma análise crítica da sociedade, a qual se denominou de Teoria


Crítica, analisando o papel da indústria cultural sobre a sociedade, na música, no
cinema, nas artes em geral.

Habermas, filósofo e sociólogo alemão, faz críticas severas em relação à sociedade


contemporânea, pois, segundo ele, os meios de comunicação – as mídias em geral
– mostram-se favoráveis a certos grupos e ao Estado enquanto uma sociedade
passiva, resignada, alienada consome as informações sem refletir sobre elas.

Habermas afirma que os interesses da administração pública e dos setores


econômicos mediante formas de poder e do dinheiro intervêm na vida cotidiana da
sociedade, por intermédio dos meios de comunicação.

Mais recentemente, no final do século XX e início do século XXI, outras tantas


preocupações passaram a ser analisadas pelas Ciências Sociais. O processo de
globalização vem cada vez mais transformando as técnicas e formas de vida. O
advento da revolução técnica e a disseminação das tecnologias informacionais
promovem mudanças radicais nas relações sociais e os modos de vida vêm
se alterando.

Sociólogos como Manuel Castells vêm estudando o fenômeno da sociedade em


rede, visto que, cada vez mais, as redes sociais estabelecem relações sociais virtuais.

35
Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

Castells (2005, p. 18) assim explica as redes no atual período da globalização:


[...] a comunicação em rede transcende fronteiras, a sociedade em rede é
global, é baseada em redes globais. Então, a sua lógica chega a países de
todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais
de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia.
Aquilo a que chamamos globalização é outra maneira de nos referirmos à
sociedade em rede, ainda que de forma mais descritiva e menos analítica
do que o conceito de sociedade em rede implica. Porém, como as redes
são selectivas de acordo com os seus programas específicos, e porque
conseguem, simultaneamente, comunicar e não comunicar, a sociedade
em rede difunde- -se por todo o mundo, mas não inclui todas as pessoas.
De facto, neste início de século, ela exclui a maior parte da humanidade,
embora toda a humanidade seja afectada pela sua lógica, e pelas relações
de poder que interagem nas redes globais da organização social.

Evidencia que o governo, as instituições públicas e privadas, a sociedade civil, as


empresas, vêm se organizando cada vez mais em rede. Mesmo as atividades ilegais,
aproveitam-se das tecnologias informacionais mais recentes para atuarem em rede.

No início do século XXI, alguns temas têm sido revisitados pelos sociólogos, sendo
que outros são totalmente novos, caso das transformações pelas quais a sociedade
vem passando com as mudanças técnicas do atual período da globalização.

Mas também temas como o trabalho, o emprego, a condição e o papel das


mulheres na sociedade, as estruturas e formas de organização sociopolíticas
continuam sendo abordados pelos pesquisadores em Ciências Sociais, usando
diferentes abordagens teórico-metodológicas.

Finalizando, é importante perceber que a Sociologia teve diferentes teorias,


conceitos e abordagens para os estudos da sociedade ao longo da história da ciência.

36
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Para conhecer um pouco mais do pensamento de Weber acesse o site
https://goo.gl/NCHsa0

Livros
As Etapas do Pensamento Sociológico
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
O que é Positivismo
RIBEIRO, João. O que é positivismo. São Paulo: Brasiliense, 1996.

Vídeos
D-09 - Clássicos da Sociologia: Karl Marx
O aspecto sociológico do pensamento de Karl Marx é apresentado com base em
entrevista do sociólogo Gabriel Cohn e a caracterização in loco da economia de uma
pequena cidade paulista.
https://youtu.be/2DmlHFtTplA

Leitura
O Positivismo no Brasil: Uma Ideologia de Longa Duração
BOSI, Alfredo. O positivismo no Brasil: uma ideologia de longa duração.
https://goo.gl/NhiFRI

37
Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
UNIDADE
2
Referências
CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (Orgs.).  A sociedade em rede: do
conhecimento à ação política. Conferência. Belém (Por): Imprensa Nacional, 2005.

CATANI, Afrânio. O que é capitalismo? Coleção Primeiros Passos. São Paulo:


Brasilense, 1994.

CHINAZZO, Suzana Salete Raymundo. Epistemologia das Ciências Sociais.


Curitiba: InterSaberes, 2013. (e-book).

COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva; Discursos sobre o espírito


positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo
positivista. Seleção de textos. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins


Fontes, 2007.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fon-


tes, 1999.

LIMA, Ricardo Rodrigues Alves de. Introdução à sociologia de Max Weber.


Curitiba: Intersaberes, 2012. (e-book).

MARX, Karl; ENGELS; Friederich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2002.

SANTOS, Tamires Dias dos. Theodor Adorno: uma crítica à indústria cultural.
Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência – 2º quadrimestre, v. 7 – nº 2,
2014, p. 25-36.

SANTOS, Thaís Dias Luz Borges. A abordagem do fenômeno urbano na Escola


de Chicago. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 185,
Octubre de 2013. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd185/fenomeno-
urbano-na-escola-de-chicago.htm

WEBER, Max. A gênese do capitalismo moderno. Hesse Souza (org.);Trad.


Rainer Domschke. São Paulo, Ática, 2006. (e-book).

WEBER, Max. Sociologia. Gabriel Cohn (org.), Gabriel; Coord. Florestan


Fernandes). São Paulo; Ática, 1999. (e-book).

38
3
Sociologia Urbana

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciene Oliveira da Costa Santos
a
Sociologia Urbana
UNIDADE
3
Introdução
Nesta unidade, vamos tratar da Sociologia Urbana, tanto de seus aspectos
teóricos, quanto de estudos sobre o tema na perspectiva de situações existentes no
mundo e também especificamente no Brasil.

A Sociologia Urbana é um ramo da Sociologia que estuda as relações sociais


entre os grupos e agentes sociais no espaço urbano. Tais estudos têm interface
principalmente com a Ciência Política, Geografia e Antropologia Cultural.

Muitos estudos desta área da Sociologia têm relação com pobreza, tendências
socioeconômicas e demográficas nas cidades, migrações para e nas cidades,
segregação social, problemas raciais e cultura no urbano, entre outros temas.

O Processo de Urbanização pelo Mundo


Atualmente, segundo dados da UN-HABITAT (2016), a maioria da população
do mundo vive em áreas urbanas, mas há poucas décadas a maioria ainda vivia em
áreas rurais, principalmente na Ásia e na África. O processo de urbanização vem
se ampliando em todos os continentes do mundo.

Mas o que é urbanização? O sociólogo espanhol Manuel Castells (2000, p. 46)


assim define:
O termo urbanização refere-se ao mesmo tempo à constituição de
formas espaciais específicas das sociedades humanas, caracterizada pela
concentração significativa das atividades das populações num espaço
restrito, bem como à existência e à difusão de um sistema cultural
específico, a cultura urbana.

Trata-se de um processo que gera grande concentração de atividades econômicas


e população num dado espaço, principalmente em atividades de serviços, comércio
e indústria.

Buscando definir estes processos relativos ao campo e cidade, Henri Lefebvre


definiu três períodos da história:
· O primeiro foi a era camponesa, na qual predominava a atividade agrícola
e a vida no campo;
· Outro foi o período industrial, a partir da Revolução Industrial (século
XVIII-XIX) que se iniciou na Europa Ocidental e foi propagada pela
expansão capitalista, com predomínio da indústria e de sua forma racional
na organização do espaço e nas condições do trabalho;
· E, por fim, a era urbana, com predomínio do modo de vida urbano, ou
da sociedade urbana.

40
Na perspectiva de Lefebvre, o urbano é o modo de vida predominante, que che-
ga a interferir atualmente até no campo, ou seja, as formas de vida do meio urbano
estão cada vez mais no campo porque as referências propiciadas pela cidade pre-
dominantes. Desse modo, para esse autor, a cidade e o urbano não são sinônimos.

Como explica Oscar Sobarzo, em referências sobre o urbano:


Em primeiro lugar, a sociedade urbana deve ser entendida no contexto
de um processo que nasce da industrialização [...] a industrialização
invade a realidade urbana anterior e a transforma [...] em função da
industrialização concentra (pessoas, atividades, riquezas, coisas, objetos,
instrumentos, meios, idéias) e projeta fragmentos múltiplos e disjuntos
(periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites etc.). (SOBARZO,
2006, p. 59).

Contudo, cabe ressaltar que nem todos os lugares do mundo passaram por
estes três períodos destacados por Lefebvre. É fundamental sempre verificar as
especificidades dos lugares e suas diversas temporalidades e contextos.

Na África, por exemplo, só na segunda metade do século XX vai se iniciar um


processo mais intenso de urbanização, que, no entanto, não foi precedido de um
processo de industrialização. Além disso, o grau de urbanização no continente
ainda é bastante baixo quando comparado a outras partes do mundo.

As grandes transformações do modo de vida de rural para urbano ocorreram


mais intensamente a partir da segunda metade do século XIX na Europa e em parte
dos EUA. Nesse período, as cidades começam a receber um grande contingente
de imigrantes vindo do campo (muitos de outros países), sendo que o processo de
industrialização foi o motor da urbanização do momento.

No final do século XIX e início do século XX, com a expansão do processo capitalista
e da industrialização, a separação do local de trabalho e da moradia ocasionou
o surgimento dos apinhados prédios de cortiços nas cidades industrializadas na
Europa e nos EUA – criando um padrão de segregação social.

Figura 1 – Nova York e Os Imigrantes - 1910


Fonte: Wikimedia Commons

41
Sociologia Urbana
UNIDADE
3
Em relação às condições de acesso à moradia, com o capitalismo surge a
propriedade privada e o acesso à terra torna-se uma disputa que atende ao interesse
dos novos agentes sociais do mercado imobiliário, bem como dos proprietários
fundiários urbanos, ou seja, os proprietários de terra urbana.

Em geral, as cidades antigas tinham como marcos templos para os deuses. Na


Europa, durante a Idade Média, a igreja era o centro onde se reproduziam as
relações sociais; já na paisagem da cidade industrial, o relógio da fábrica, o cortiço
e os bairros das elites vão evidenciando as novas mudanças.

No século XX, a urbanização intensifica-se no mundo, já com uma lógica mais


global, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). As grandes metrópoles
passam a ser as cidades que concentram principalmente atividades de serviços
e comércio especializados. Nessas metrópoles dos países subdesenvolvidos, há
também muita pobreza, trabalho informal, formas de moradias bastante precárias.

Você Sabia? Importante!

País Subdesenvolvido
Um país subdesenvolvido é um país onde há grandes desigualdades sociais e alguns
indicadores socioeconômicos que não são adequados, caso, por exemplo, de: menor
renda per capita, menor escolaridade, maior taxa de analfabetismo, maior mortalidade
infantil, menor expectativa de vida etc. Fundamental que não se confunda crescimento
econômico, que se refere ao aumento da produção econômica de um país ou região –
com desenvolvimento – que pressupõem melhorias no nível socioeconômico de uma
sociedade – de um país ou região.

Segregação Social nas Cidades


As classes sociais são condicionantes importantes na estruturação social e no
modo como as pessoas vivem nas áreas urbanas. Embora não sejam as únicas
condicionantes sociais são importantes e geram segregação social nas cidades.

Classes Sociais
Explor

Para Marx e Engels, as classes sociais são principalmente fruto da divisão social do trabalho
que, no capitalismo, opôs a burguesia (detém os meios de produção) e o proletariado (é
o operário que vende sua força de trabalho em troca de um salário). Para Marx, o fator
econômico é importante, mas também o cultural, político e ideológico atuam na formação
das classes sociais. Evidenciam também a questão da consciência de classe e o “desvio de
consciência de classe”.

42
Conforme comentam Marx e Engels:
Na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas
relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção
que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas
forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se
levanta toda a superestrutura jurídica e política e a qual correspondem
determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em
geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo
contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. (MARX;
ENGELS apud FERRAZ, 2009, p. 284)

Por segregação social e espacial entende-se um determinado espaço com certa


uniformidade ou com alguns aspectos em comum, por exemplo, de indicadores
como renda, escolaridade das famílias ou mesmo do ciclo de vida e do tipo da
característica da família (bairros mais jovens ou de idosos etc.), entre outros, que os
diferenciem do entorno.

Podemos ter um bairro, por exemplo, com grande número de idosos, ou um


bairro de classes populares com baixa renda e baixa escolaridade etc.

Existe uma diferença entre a segregação social e residencial dos mais ricos, que
escolhem onde querem morar, numa situação de autossegregação social (caso dos
condomínios de luxo), e a dos mais pobres, que sofrem uma segregação imposta
pela ordem social e econômica vigente.

A situação das classes sociais estabelece onde morar, estudar, ter lazer, comprar,
ser cidadão. Neste sentido, a localização é fundamental numa cidade, e possibilita
auferir uma renda diferencial, conceito este definido por Marx, que assim afirma:
Onde quer que exista renda, a renda diferencial aparece por toda parte
obedece às mesmas leis que a renda diferencial agrícola. Onde quer que
forças naturais sejam monopolizáveis e assegurem um sobrelucro ao
industrial que as explora, seja uma queda d’água, uma mina rica, um
pesqueiro abundante ou um terreno para construção bem localizado,
aquele cujo título sobre uma parcela do globo terrestre o torna proprietário
desses objetos da natureza subtrai esse sobrelucro, na forma de renda, ao
capital em funcionamento. (MARX, 1988, p. 222)

A renda diferencial é obtida por meio de uma localização diferenciada na cidade,


embora para Marx a terra urbana em si não seja uma mercadoria, ganhando valor
pela localização e situação na qual se encontre. Para as classes populares esta
valorização de certas partes das cidades afasta a possibilidade de ali morar, de
usufruir desta urbanização e de sua infraestrutura e serviços.

Logo, os agentes do mercado imobiliário agem buscando valorizar os espaços e


se interessam em produzir moradias somente para as classes sociais dominantes.

43
Sociologia Urbana
UNIDADE
3
No Brasil, e em vários países subdesenvolvidos, devido à grande desigualdade
social existente e à dificuldade de acesso a uma habitação regularizada e em
condições boas de habitabilidade, há vários tipos de moradias precárias que colocam
a vida do morador em risco.

Figura 2 – Dharavi- Favela em Mumbai- Índia


Fontes: http://www.a-i-d.org

Ao tratarmos da organização das cidades, é fundamental perceber os agentes


sociais que participam do processo de existência do urbano.

Um ator importante, sobretudo nas grandes cidades e metrópoles, são os


promotores imobiliários. Tais atores são formados por construtoras, incorporadoras,
grupos técnicos de arquitetos e engenheiros, sistema financeiro de habitação, entre
outros. Os promotores imobiliários, em muitos casos, só se interessam por produzir
imóveis para as famílias de renda mais alta, sobrando ao Estado construir moradia
aos mais pobres.

Os grupos excluídos usam o espaço principalmente como abrigo, para morar.


Em geral, vivem em áreas menos valorizadas, com menor infraestrutura urbana e
onde existem vários problemas socioambientais.

O Estado tem um papel crucial nesse processo, ao criar normas e leis, políticas
públicas e obras de diferentes tipos que influenciam, ou têm relação, com a
organização das cidades.

E, em grande, parte o Estado age em apoio às classes dominantes de proprietários


de terras, dos promotores imobiliários e dos donos de indústria, enquanto os grupos
sociais excluídos ficam à mercê de buscar morar onde é possível, trabalhando horas
a fio.

Logo, as classes sociais são condicionantes importantes no processo de


segregação residencial e social.

As classes dominantes acabam por influir em formas de pensamento dominante,


pois esta classe possui os meios de produção, diferentes modos de exercer o poder
e também os meios de produção intelectual. De forma que se trata de um discurso
dominante, como explicam Marx e Engels:

44
[...] os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas,
os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material
dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual.
A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos
meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles
a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido
igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas
a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a
forma de ideias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma
classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as ideias do seu
domínio. (MARX; ENGELS, 2008, p.47)

Nas cidades, e nas relações sociais urbanas, principalmente nos países subde-
senvolvidos, é comum percebermos discursos que são de interesse exclusivo das
classes dominantes, mas aparentemente parecem ser de toda a sociedade.

Logo, é fundamental perceber por quem está sendo feito o discurso. Quem é o
agente social que o está produzindo e a quem realmente interessa.

Existem relações de poder que levam a desigualdades neste processo de


organização espacial. O que é aparentemente desorganizado, na verdade esconde
premissas de interesses de alguns agentes sociais em detrimento de toda a população.

Serviço Público nas Cidades


Explor

O serviço público, a princípio, deve ser igual para todas as classes sociais e, segundo a norma
brasileira, deve atender à coletividade, sendo dever do Estado. Há casos comuns de serviços
públicos que funcionam plenamente em algumas partes da cidade e não em outras. Mas
não é público? Não deveria funcionar igualmente em toda a cidade do mesmo modo? Como
exemplo: há serviços de limpeza pública, estações de trem e metrô, linhas de ônibus que
ocorrem em condições distintas quando comparamos as áreas mais pobres da cidade com
outras de classe média alta ou alta.
Quantos exemplos no Brasil e no mundo temos para evidenciar as desigualdades sociais
nas cidades? O discurso dominante acaba camuflando a real necessidade das classes sociais
populares em detrimento dos interesses da elite.

Quantos exemplos de obras são realizados nas cidades no Brasil e também em


outros países que atendem somente aos interesses da classe dominante? Muitas
vezes, o discurso dominante faz com que parcela das classes populares adote o
mesmo discurso – num desvio de consciência de classe social.

Entretanto, cabe ressaltar que parte das classes populares é organizada por
meio dos movimentos sociais que buscam lutar por melhores condições de vida
(associações de moradores, ONG com atividades sociais etc. Tais movimentos são
considerados agentes sociais que buscam se contrapor ao modo dominante e ao
discurso hegemônico.

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Sociologia Urbana
UNIDADE
3
Desse modo, segregação social, classes sociais, discurso dominante, movimentos
sociais populares são condições que interagem nos processos de existência social
nas cidades do Brasil e no mundo.
Em geral, os mais pobres moram em favelas, cortiços, loteamentos irregulares
e clandestinos, ou em conjuntos habitacionais populares no Brasil. No mundo, há
casos de moradias em telhados, antigas tumbas de cemitérios, e milhares na rua,
caso de algumas cidades na Índia.
Roberto Lobato Corrêa pesquisador de problemáticas urbanas afirma:
Para se entender a questão do como morar é preciso que se compreenda
o problema da produção da habitação. Trata-se de uma mercadoria
especial, possuindo valor de uso e valor de troca, o que faz dela uma
mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado. Seu caráter especial
aparece na medida em que depende de outra mercadoria especial -a
terra urbana -, cuja produção é lenta, artesanal e cara, excluindo parcela
ponderável, senão a maior parte, da população de seu acesso, atendendo
apenas a uma pequena demanda solvável. (CORRÊA, 2000, p. 62-63)

Esta desvalorização, por exemplo, comum em áreas do centro antigo de algumas


cidades do mundo, leva à existência de prédios inteiros que viram cortiços e tornam-
se moradia popular, especialmente nas cidades que crescem rapidamente e onde
são criadas novas centralidades.
Isso é comum em grandes cidades no Brasil e no mundo. As áreas centrais são
comumente os lugares onde este processo de valorização e desvalorização – e,
eventualmente, até revalorização – ocorre mais intensamente, havendo diferentes
agentes sociais interessados nesses espaços.
Um desses agentes são os promotores imobiliários, que buscam valorizar tais áre-
as com novos empreendimentos comerciais e residenciais, enquanto aos mais pobres
interessa que existam moradias as quais eles possam viver, já que nas áreas centrais
concentram-se muitos empregos e não teriam custos adicionais com transportes.
Em algumas cidades, ocorrem intervenções por parte do poder público,
proporcionando mudanças no sentido de revalorizar urbanisticamente determinadas
áreas degradadas, visando a atrair uma população de maior poder aquisitivo.
Este processo é denominado por alguns autores de gentrificação. Barcelona
(Espanha), Los Angeles (EUA) e Buenos Aires (Argentina) são alguns exemplos.

Você Sabia? Importante!

O que é gentrificação?
Trata-se de um termo que foi definido pela socióloga Ruth Glass, em 1964, por meio
de uma pesquisa sobre a cidade de Londres, na Inglaterra, na qual se evidenciou
uma dinâmica em alguns bairros operários da cidade, que passaram a ser ocupados
posteriormente por parte de uma classe média, ou seja, havia uma mudança social
urbana em termos de classe social e a substituição das classes populares por uma classe
média ou média-alta.

46
Em geral, o conceito de “gentrificação” pode ter diferentes definições. Comumente
é definido como um processo de mudança social urbana na qual algumas áreas da
cidade são transformadas tanto em sua morfologia e forma espacial quanto do
ponto de vista das classes sociais que as habitam:
O que é a gentrification continua sendo uma pergunta sem uma única
resposta válida para todos os casos. Parece aceito, de qualquer modo,
que se trata de um processo de mudança social urbana, no sentido de que
determinadas áreas da cidade são transformadas tanto morfológica quanto
socialmente. Mas, quais são as causas? Quais são as consequências? Quais
atores participam? Qual é o papel nessas mudanças na transformação
geral das cidades? Todas essas questões permanecem em aberto. (RIGOL,
2005, p. 99)

Assim, além da segregação social condicionada pelas condições socioeconômi-


cas da população, há também alguns agentes sociais como o mercado imobiliário e
o Estado que, muitas vezes, de forma conjunta agem a favor das classes dominan-
tes em detrimento das demais classes sociais.

Megacidades e Metrópoles
Apesar de chegarmos ao começo do século XXI, com um número cada vez
maior de grandes cidades em todo o mundo, em muitas delas, imperam formas de
moradias precárias.

Alguns pesquisadores e entidades, como a Organização das Nações Unidas


(ONU), denominam de megacidades aquelas cidades, cujo número de população é
grande, com mais de 10 milhões de habitantes.

Contudo, não se podem confundir megacidades com metrópoles, pois podemos


ter casos de megacidades que não são consideradas metrópoles, dada a menor
centralidade em termos de atividades econômicas, entre elas, o de serviços e
atividades comerciais. Assim como, há metrópoles que não são megacidades, pois
não alcançam 10 milhões de habitantes.

Você Sabia? Importante!

O que é metrópole?
Trata-se de um conceito que diz respeito a cidades que têm grande centralidade
político-econômica e concentram grande quantidade de serviços e comércio, em
quantidade e diversidade. São Paulo, por exemplo, é uma metrópole nacional porque
tem diversificados tipos de serviços comuns e especializados nas áreas de educação,
saúde, ambiental, de auditoria, de informação, entre outros, e que atendem também a
uma grande população externa.

47
Sociologia Urbana
UNIDADE
3
Até o século XIX, era mais comum que grandes cidades estivessem localizadas
nos países desenvolvidos ou de urbanização mais antiga, caso da China e Índia. Já
era comum naquela época uma segregação espacial existente entre ricos e pobres
em diversificadas situações.

Assim, nas cidades de Nova Iorque, Londres e Paris, no final do século XIX e
começo do século XX, era comum a existência de cortiços, onde geralmente mora-
vam os trabalhadores e imigrantes, enquanto de outro lado havia bairros burgueses.

Apesar da globalização da economia e da divisão territorial do trabalho,


atualmente, há diversas formas de existência pelo mundo. A caracterização das
cidades é muito influenciada por aspectos culturais regionais, o que dificulta,
inclusive, uma comparação entre elas, devido às peculiaridades históricas, culturais,
raciais e étnicas.

A difusão dos sistemas técnicos de informação, de tecnologia e de produção, no


contexto da sociedade capitalista, tornou as características das cidades um pouco
mais globais, com formas de existência mais homogêneas e disseminadas.

No continente africano, por exemplo, onde o grau de urbanização ainda é


mais baixo quando comparado a outros continentes, há diversificadas formas de
existências urbanas. Em muitos casos, há a dificuldade de se definir claramente
o que é urbano e o que é rural, tecnicamente. Há muitos casos de aldeias, por
exemplo, próxima às cidades, ou de favelas que estão entre o rural e o urbano.

Como pode se observar no gráfico, a seguir, o continente onde se concentra


o maior número de grandes cidades (com 500 mil ou mais habitantes) é a Ásia,
com 56%; das 7 cidades mais populosas do mundo, 10 encontram-se no conti-
nente asiático.

Figura 3 – Distribuição da População em Grandes Cidades (por continente - 500 mil ou mais habitantes
Fonte: Acertvo do Conteudista

Conforme apontam relatórios do Programa das Nações Unidas para


Assentamentos – UN-HABITAT1 (2016) e do site DEMOGRAPHIA (2014),
especializado em população, a maioria da população atualmente já vive em áreas
urbanas, em condições cada vez mais periféricas do ponto de vista das infraestruturas,
ou seja, em condições de vida precárias.

1 United Nations Human Settlements Programme (UN-HABITAT)

48
Dessa maneira, é importante destacar que definir a existência da maioria da po-
pulação como urbana, não significa uma urbanização com infraestrutura adequada,
nem tampouco características de urbanização nos moldes europeus, por exemplo.

Conforme explica o relatório Demographia World Urban Áreas (Demografia


das Áreas Urbanas do Mundo):
Mais de metade da população de grandes áreas urbanas (500.000
ou mais) é da Ásia e vive em 473 das 922 grandes áreas urbanas do
mundo. Nos últimos anos, o mundo passou a ter mais da metade da
população urbana, pela primeira vez na história. Esta edição do ano
indica que existem 28 megacidades no mundo (áreas urbanas com mais
de 10 milhões de habitantes). Além disso, é possível que com duas outras
cidades- Lahore e Kinshasa esse número chegue a um total de 30; se os
dados dos Censos mais atuais foram disponibilizados. Aparecem, ainda,
um total de 69 áreas urbanas com 5.000.000 ou mais de habitantes.
No entanto, seria um erro dar a entender que os moradores urbanos
do mundo vivem em configurações semelhantes a 5ª Avenida, em Nova
Iorque, ou dentro do quarto anel rodoviário de Pequim ou na cidade de
Paris. (DEMOGRAPHIA, 2014, p. 2)

Desde 1990, vem aumentando a população em áreas urbanas em todo o mundo,


segundo UN-HABITAT das Nações Unidas (2016) de 57 milhões entre 1990-2000
aumentou para 77 milhões entre 2010-2015. Em 1990, 43% (2,3 bilhões) da
população mundial viviam em áreas urbanas; até 2015, esta tinha crescido para
54% (4 bilhões).

A Ásia tem, de longe, o maior número de pessoas que vivem em áreas urbanas,
seguidas pela Europa, África e América (vide gráfico a seguir). O fato de que 2,1
bilhões de pessoas Ásia vivem em áreas urbanas, o que não é exatamente sinônimo
de desenvolvimento, pois muitos vivem de forma precária.

Figura 4
Fonte: Acervo do Conteudista

49
Sociologia Urbana
UNIDADE
3
No final do século XX, houve uma notável transformação econômica chinesa,
impulsionada pela urbanização, principalmente no sul da China, onde antes áreas
que eram rurais ou pequenas cidades transformaram-se nas últimas décadas do
século XX em grandes cidades.

Figura 5 – Cidade de Xangai - China


Fonte: iStock/Getty Images

Contudo, as taxas de crescimento urbano pelo mundo foram muito mais rápidas
em algumas regiões do que outros. A maior taxa de crescimento entre 1995 e
2015 ocorreu nos países subdesenvolvidos, sendo que em alguns países da África
foi maior. Ou seja, apesar da África ser menos urbanizada do que outras partes do
mundo as cidades deste continente vêm crescendo mais nas últimas décadas.

A taxa de crescimento urbano da África é quase 11 vezes mais rápida do que


a taxa de crescimento da Europa. A rápida urbanização da África é impulsionada
pelo crescimento natural da população, pela migração rural-urbana, pela expansão
das áreas urbanas (em áreas que eram antes rurais e foram incorporadas ao espaço
urbano), devido a guerras e conflitos políticos que fazem as pessoas a migrarem
para as cidades.

Contudo, muitas cidades de países subdesenvolvidos, como Nova Délhi na Índia


ou no Cairo no Egito, não têm infraestrutura e serviços públicos adequados para
esta população que vem crescendo.

Há também estudos urbanos como do sociólogo Wacquant que relaciona a


questão da marginalidade e da formação dos guetos com a questão racial e cultural
existente nas grandes cidades.

Sobre isso, o cientista social Heitor Frugoli Jr. comenta:


Tendo em vista tal densidade sociológica, Wacquant (2001) voltou-se à
análise de outros contextos marcados por certas formas de marginalidade
e segregação socioespacial, como no caso de um banlieue parisiense
– La Courneuve –, com traços socioculturais que aparentemente o
aproximariam dos guetos norte-americanos, mas cuja comparação
criteriosa demonstra que, apesar do agravamento das condições de vida
local, a (des)qualificação de gueto a tal espaço seria explicada em boa

50
parte pela articulação entre discursos de uma determinada imprensa
interessada em abordagens catastróficas para aumento das tiragens,
de agentes públicos ou de ONGs empenhados em acirrar uma visão
dramática sobre tais locais – em busca de prioridade para programas
(incluindo negociações clientelistas) ou captação de recursos. (FRUGOLI
JR, 2005, p. 147)

Atualmente, no século XXI, com o grande processo de migração para países


europeus, tem se ampliado a tensão entre os moradores locais e imigrantes,
principalmente em algumas cidades na França, Alemanha e Itália. Geram-se novos
processos de segregação sociocultural e racial, formando novos guetos urbanos.
Isso aumenta a marginalidade e cria novas tensões sociais.

Dessa maneira, sobre Sociologia Urbana, verifica-se que existe uma gama de
estudos em relação à questão social, pobreza, segregação social, tensão sociocultural
e racial que são alvo deste ramo da Sociologia.

51
Sociologia Urbana
UNIDADE
3
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Programas de Erradicação, Reassentamento e Urbanização das Favelas: Delhi e Mumbai
DUPONT, Véronique; SAGLIO-YATZIMIRSKY, Marie-Caroline. Programas de erra-
dicação, reassentamento e urbanização das favelas: Delhi e Mumbai. São Paulo,
Estudos Avançados, 23 (66), 2009.
https://goo.gl/7CbwUj
Campo e Cidade, Rural e Urbano no Brasil Contemporâneo
HESPANHOL, Rosangela Ap. de Medeiros. Campo e cidade, rural e urbano no
Brasil contemporâneo. Revista Mercator, Fortaleza, v. 12, número especial (2), set.
2013, p. 103-112.
https://goo.gl/bloJHk
O que é Urbano no Mundo Contemporâneo
MONTE-MÓR, Roberto Luís. O que é urbano no mundo contemporâneo. Belo
Horizonte: UFMG/Cedeplar, Jan. 2006, p. 1-14.
https://goo.gl/7PdQjn
Dinâmica Urbano-Regional: Rede Urbana e suas Interfaces
PEREIRA, Rafael Henrique Moraes; FURTADO, Bernardo Alves (orgs.). Dinâmica
urbano-regional: rede urbana e suas interfaces. Brasília: IPEA, 2011.
https://goo.gl/dpJs23

52
Referências
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo
da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004.

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Trad. de Arlene Caetano. São Paulo:


Paz & Terra, 2000.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2000.

DAVIS, Mike, 1946. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina. São Paulo:
Boitempo, 2006.

DEMOGRAPHIA. Demographia world urban areas (Built-Up urban areas or


world agglomerations). 10th Annual Edition May 2014 Revision, 2014. Disponível
em: http://www.demographia.com/db-worldua.pdf. Acesso em 20/10/2014.

FERRAZ, Cristiano Lima. Marxismo e teorias sobre as classes sociais. Politeia:


História e Sociedade Vitória da Conquista v. 9 n. 1, 2009, p. 271-301.

FRUGOLI JUNIOR, Heitor. O urbano em questão na antropologia: interfaces


com a sociologia.  Rev. Antropol.  [online], vol.48, n.1, 2005, p.133-165. ISSN
0034-7701.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012005000100004.

LEFEVBRE, Henri. O direito à cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São


Paulo: Centauro, 2001.

MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Trad. Florestan


Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

MARX, Karl. O Capital. Os Economistas v. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

RIGOL, Sergio Martinez. A gentrificação: conceito e método. In: CARLOS, Ana


Fani Alessandri; CARRERAS, Carles (orgs.). Urbanização e mundialização:
estudos sobre a metrópole. São Paulo: Contexto, 2005.

SOBARZO, Oscar. O urbano e o rural em Henri Lefebvre. In: SPOSITO, Maria


Encarnação Beltrão; WHITACKER, Artur Magon (orgs.). Cidade e campo: relações
e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expresso Popular, 2006, p. 53-64.

UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENTS PROGRAMME (UN-HABITAT).


From habitat II to habitat III: twenty years of urban development. Chapter I. In:
World cities report 2016.

UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENTS PROGRAMME (UN-HABITAT).


State of the world’s cities report 2012/2013: Prosperity of Cities. Nairóbi, Kenya,
Malta: Progress Press Ltd., 2012. Disponível em: http://sustainabledevelopment.
un.org/content/documents/745habitat.pdf. Acesso em 10/10/2014.

53
4
Sociedade, Política e Ideologia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof.a Me. Natalia Conti
Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
4
Introdução
Nesta unidade vamos abordar o ramo da Sociologia Política, que trata da questão
da política e de suas formas de poder.

Para isso, abordaremos alguns estudos e conceitos sobre o tema, bem como
trataremos brevemente de alguns eventos e processos da história política no Brasil.

Política, Poder e Ideologia


A Sociologia Política é um ramo da Sociologia que estuda as formas de poder,
constituídas formalmente ou não. Podemos estudar política atrelando-a a um
determinado contexto social. Por exemplo, no governo Vargas (1930-45) foi
instituída uma política trabalhista que culminou com a criação da CLT, lei trabalhista
que ainda rege parte dos trabalhadores do Brasil.

Logo, tal atividade pública é uma forma de política. A política ocorre de diferentes
maneiras, por meio de um partido político, mediante políticas públicas, a partir das
relações internacionais, através dos movimentos sociais e políticos, entre outros.

É um ato social que tem a premissa de discutir e compreender as relações de


poder, bem como as atividades que buscam uma finalidade sociopolítica, a arte de
negociação com vistas a compatibilizar determinados interesses da sociedade, ou
de suas parcelas.

A política é um tema antigo na história humana, anterior à própria Sociologia.


Na Grécia antiga muitos autores, como Aristóteles e Platão, já abordavam este tema.

Com o aparecimento do Estado Moderno, surgiram teorias específicas acerca


das formas políticas do Estado, em suas diversas facetas. Tais estudos de política,
na maioria dos casos, convergem para a finalidade de desvendar a vida estatal, sua
estrutura, funções, maneiras de atuar e suas relações.

Mas o que é política? A origem etimológica da palavra vem do grego “politeia”,


por sua vez derivado do termo “polis”, que era o termo usado para designar a
cidade grega, e o que se destina, para a Polis, de sua vida em coletividade.

Na Ciência Política há vários conceitos para esta categoria, mas prevalecem


estudos em relação às formas de atuação do governo, mediante as políticas públicas
(educação, saúde, assistência social, meio ambiente etc.), bem como das formas de
sistemas políticos existentes (parlamentarismo, presidencialismo, monarquia etc.) e
suas relações de poder.

Ao abordarmos questões sobre política estamos, portanto, tratando de relações


de poder. O poder, seja ele formal ou informal, diz respeito a um grupo ou relação
interpessoal, não existindo, assim, poder em uma só pessoa, que viva isolada.

Como explica a filósofa Hannah Arendt:

56
O poder jamais é propriedade de um indivíduo, pertence ele a um grupo
e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos
alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao fato de
encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo número de
pessoas para atuar em seu nome. No momento em que o grupo - de onde
se originara o poder - desaparece, desaparece também o seu poder [... ]
(ARENDT, 1985, p. 24)

Trata-se de uma habilidade social hu-


mana de agir de comum acordo, de im-
posição de sua vontade contra ou com
apoio de outros. Este poder pode ser
exercido pelo Estado, em suas diferentes
formas de poder, mas também por pes-
soas e/ou instituições de diversos tipos.
Logo, nem sempre o poder é fruto da
violência, do abuso de poder, da força.

Cita-se o caso de Gandhi que, sem


utilizar métodos de violência, produziu
uma onda social e política em torno de
sua figura que culminou com a obten-
ção, pela Índia, de sua independência
da Inglaterra. Poder, neste caso, que lhe
foi conferido por milhares de indianos
que apoiaram suas ideias e, em alguns Figura 1 – Retrato de Gandhi, 1931
casos, seguiram suas propostas. Fonte: Wikimedia Commons

Para que o poder seja legítimo deve ser fundado na liberdade de escolha daqueles
que serão investidos de poder no Estado, tendo consentimento da população.

Se não é nessa condição, então há uso da força, da violência, como poderíamos


citar inúmeros governos ditatoriais pelo mundo.

Cabe lembrar que não é só o Estado que tem poder, mas também diversos
grupos, instituições, organizações tanto formais e criadas legalmente, quanto as
existentes de maneira ilegal ou informal. Assim como tais grupos e instituições,
também podem usar de violência e força física, moral ou de infraestrutura para
produzir coerção e violência, ultrapassando o consenso.

Poderíamos citar como exemplos os grupos de narcotráfico e de redes de


traficantes que se espalham pela América Latina, e especificamente no Brasil, e
que usam da persuasão, da violência e da força para dominarem territórios e parte
da sociedade.

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Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
4

Figura 2 – Narcotraficante na America Latina


Fonte: iStock/Getty Images

Logo, tratam-se de formas de poder paralelos ao do Estado, mas muitas vezes


com apoio de algumas pessoas inseridas dentro do próprio Estado.

Há também o poder econômico, que ocorre por pressão das grandes


corporações, e mesmo o poder ideológico, que pode ser propagado por agentes
hegemônicos, pela mídia, por grandes corporações ou partidos. A ideologia pode
estar num discurso, numa ideia, numa concepção ou visão de mundo que ganha
força, tornando-se assim a “verdade”, ainda que não seja necessariamente.

Num mundo atual, cada vez mais global, há uma ideologia dominante e um
discurso de que se todos se esforçarem o mundo fica melhor, que basta trabalhar
que as situações serão melhores. Isso é um discurso, tornado verdade, mas ao
mesmo tempo, sabemos por meio de dados que oito pessoas do mundo detêm a
mesma renda de quase 50% da população mundial. Então basta nos esforçarmos
ou o mundo precisa ser menos desigual? Todos têm as mesmas condições de
poder? Todos os agentes? Todas as instituições? Sabemos que não.

Logo, há um poder ideológico, dominante, mesclado com um poder econômi-


co, explicitado, por exemplo, pela alta renda de 8 pessoas, empresários de mega-
corporações, em detrimento de mais da metade da população, muitos vivendo de
maneira indigna.
Explor

Leia o texto Uma Economia para os 99% a respeito da desigualdade global, disponível
em: https://goo.gl/CqVN8i

58
Em nosso cotidiano estamos impregnados de ideologias de variados tipos. Há
uma ideologia dominante capitalista, global, conservadora, neoliberal, que cada
vez mais adentra as nossas vidas, em todo o mundo. Estes discursos aparecem no
nosso cotidiano mediante as mídias em geral, na escola, no mundo acadêmico, nas
ruas, na propaganda, entre outros meios.

Marilena Chauí explica as contradições da ideologia burguesa mediante um exemplo:


Assim, por exemplo, faz parte da ideologia burguesa afirmar que a
educação é um direito de todos os homens. Ora, na realidade sabemos
que isto não ocorre. Nossa tendência, então, será a de dizer que há uma
contradição entre a idéia de educação e a realidade. Na verdade, porém,
essa contradição existe porque simplesmente exprime, sem saber, uma
outra: a contradição entre os que produzem a riqueza material e cultural
com seu trabalho e aqueles que usufruem dessas riquezas, excluindo delas
os produtores. Porque estes se encontram excluídos do direito de usufruir
os bens que produzem, estão excluídos da educação, que é um desses
bens. Em geral, o pedreiro que faz a escola; o marceneiro que faz as
carteiras, mesas e lousas, são analfabetos e não têm condições de enviar
seus filhos para a escola que foi por eles produzida. Essa é a contradição
real, da qual a contradição entre a idéia de “direito de todos â educação” e
uma sociedade de maioria analfabeta é apenas o efeito ou a consequência
(CHAUÍ, 2004, p. 26).

Você Sabia? Importante!

O que é ideologia?
Trata-se de uma categoria que tem vários significados e começou a ser usado a partir do
século XIX. Aqui trazemos uma dessas concepções: É o conjunto de ideias e formas de
pensamento de um grupo de pessoas, organizações e/ou instituições que se manifestam
e legitimam por meio de formas de poder, por condutas de grupos ou organizações.
É um sistema ordenado de pensamento e ideias, mas é comum, num mundo cheio
de contradições, que exista uma diferença entre o que é posto por uma determinada
ideologia e o que ocorre na prática. Existem ideologias de diferentes tipos, de esquerda e
de direita, neoliberal, socialista, capitalista etc. Na ideologia capitalista, por exemplo, a
classe social dominante, tanto política quanto econômica, torna suas ideias dominantes
para toda a sociedade, como dizia Marx e Engels:
Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas,
também consciência e, por isso, pensam. Na medida em que dominam como
classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o fa-
çam em toda a sua extensão e, conseqüentemente, entre outras coisas, dominem
também como pensadores, como produtores de idéias; que regulem a produção e
distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as
idéias dominantes da época (MARX;ENGELS, 2002, p. 37).

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Sociedade, Política e Ideologia
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Há o poder das mídias em geral, como transmissor de informação e formador
de opinião. No caso brasileiro, por exemplo, a televisão ainda tem um papel
crucial na formação da opinião da população. As redes sociais da internet vêm
se disseminando mais recentemente como outra forma importante. Tratam-se de
formas de poder, de persuasão. Influenciando em comportamentos, na opinião
política e social, nos hábitos do cotidiano.

Figura 3 – Diversas Mídias


Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

Há que se estabelecer contraponto em relação às informações selecionadas e


divulgadas pela mídia em geral (jornais e revistas impressos; blogs, sites pessoais
e de empresas de comunicação; televisão, rádio etc.). Todos sempre devem ser
questionados, mas no Brasil há uma crença generalizada de que se foi divulgado na
mídia não precisa ser questionado.

Há fatos, mas também muita manipulação, intencionalidades por trás de


informações, além de uma seleção que é feita pelas grandes agências de notícias
que são internacionais, caso da Reuters, por exemplo. A seleção do que deve virar
notícia e os fatos que devem ser ignorados não deixa de ser ideológica também.

Na produção acadêmica, na história que nos contam, nas publicações científicas,


em tudo há ideologia, embora para alguns a ciência seja neutra. Mas será que é? Chauí
(2004) chama atenção para a produção do conhecimento e sobre a história. Diz ela:

60
Não é, assim, por exemplo, que os estudantes negros ficam sabendo que
a Abolição foi um feito da Princesa Isabel? As lutas dos escravos estão sem
registro e tudo que delas sabemos está registrado pelos senhores brancos.
Não há direito à memória para o negro. Nem para o índio. Nem para os
camponeses. Nem para os operários. História dos “grandes homens”, dos
“grandes feitos”, das “grandes descobertas”, dos “grandes progressos”,
a ideologia nunca nos diz o que são esses “grandes”. Grandes em quê?
Grandes por quê? Grandes em relação a quê? No entanto, o saber histórico
nos dirá que esses “grandes”, agentes da história e do progresso, são os
“grandes e poderosos”, isto é, os dominantes, cuja “grandeza” depende
sempre da exploração e dominação dos “pequenos”, aliás, a própria idéia
de que os outros são os “pequenos” já é um pacto que fazemos com a
ideologia dominante (CHAUÍ, 2004, p. 47).

Dessa forma, o poder tem relação intrínseca com a política, a ideologia, a


economia. Todos estes campos têm relação, influenciando e sendo influenciados
pela sociedade.

O Estado Moderno e o Governo


Na Europa, no período da Idade Média, as divisões territoriais eram baseadas em
unidades políticas que não se constituam em Estados, e sim principados, bispados,
em feudos. A partir do século XVI, alguns destes feudos foram se unificando em
torno de reis, formando gradativamente grandes reinos unificados sob a égide da
centralização do poder na mão de uma só pessoa, de um território igualmente
unificado, cujo poder era personificado por um rei, cujo poder se atribuía originado
de direito divino.

A forma de poder do governo neste caso era a monarquia absolutista, na qual o


poder estava centralizado nas mãos do rei ou da rainha.

De um lado, emerge a figura do rei ou da rainha absolutista, mas ao longo dos


séculos XVII e XVIII outro agente social surge como importante figura: trata-se
da burguesia mercantil, que se beneficia da ampliação dos ganhos dos Estados
europeus com o comércio colônia, substituindo a antiga nobreza absolutista no
domínio do aparato do Estado.

Ao longo do século XIX e começo do século XX há a expansão capitalista, uma


nova fase de colonização na África e Ásia empreendida pelos europeus, conhecida
como fase imperialista, pois os impérios europeus partilharam politicamente várias
regiões destes continentes.

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Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
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Figura 4 – Mapa da África durante a Colonização Européia


Fonte: iStock/Getty Images

Mediante estre processo imperialista, países como Inglaterra, França, Espanha,


Bélgica, Portugal partilharam regiões da África, criando Estado-Nações, definindo
fronteiras conforme seus próprios interesses.

A exploração capitalista em relação às formas de trabalho, no final do século


XIX e começo do XX, levou a milhares de trabalhadores a morarem em cortiços,
em condições sub-humanas e com condições de trabalho bastante degradantes.

Muitas leis trabalhistas surgiram a partir daí, como forma do Estado procurar conter
os interesses da classe dominante (neste caso, a burguesia industrial), pois seu avanço
ocorria de maneira desenfreada e sem regulamentações nas formas de trabalho.

Após a crise mundial de 1929, na qual a Bolsa de Valores de Nova York quebrou,
alguns Estados procuraram desenvolver políticas de bem-estar social que ficaram
conhecidas como “Estado do Bem-Estar Social” (Welfare State). Tais políticas já
existiam em países como Finlândia e Suécia, no norte da Europa, e após a crise
influenciaram as políticas de proteção social em outros países do mundo

A ideia por trás destas políticas era criar condições mínimas de apoio à
população, com programas sociais, legislações que beneficiassem os trabalhadores,
serviços públicos gratuitos etc. A crítica que muitos fazem a estas políticas é que
o estabelecimento dessa proteção social serve de apoio ao surgimento de ideias
populistas por parte de grupos oportunistas que queiram se perpetuar no poder.

62
Tais condições ficaram restritas mais aos países desenvolvidos, mas no Brasil, a
partir de 1930, algumas destas benesses, caso das legislações trabalhistas, foram
incorporadas à política brasileira.

Para alguns autores, como Marx, no século XIX e ao longo do século XX, dois
agentes, o Estado - que para Marx era a classe dominante no poder - coaduna-se
em muitos casos com os interesses da burguesia, produzindo uma política para
poucos, uma oligarquia de poder.

O Estado Moderno diverge das antigas formas de poder, pois se constitui em


três pilares básicos: o território delimitado, o governo e o povo. Se no passado os
reis eram reis dos ingleses, passaram, com o tempo da criação das monarquias
absolutistas, a serem reis da Inglaterra. Um Estado constituído formalmente,
soberano, definido formalmente.

Já o governo tem um aparato técnico-administrativo, com vistas a exercer o


poder, delegado ou não pela população. Este aparato é formado por um conjunto
de instituições públicas cuja finalidade é a gestão administrativa e jurídica.

Como explica a socióloga Eloísa de Mattos.Hofling:


Torna-se importante aqui ressaltar a diferenciação entre Estado e governo.
Para se adotar uma compreensão sintética compatível com os objetivos
deste texto, é possível se considerar Estado como o conjunto de instituições
permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que
não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a
ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos
que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e
outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orien-
tação política de um determinado governo que assume e desempenha as
funções de Estado por um determinado período (HÖFLING, 2001, p. 30).

Assim podemos ter uma monarquia absolutista, na qual o poder é exercido,


mas sem escolha livre e direta da população, como podemos ter uma ditadura
presidencialista em que, embora a escolha não seja hereditária, igualmente não é
uma democracia.

Monarquia: Regime de governo no qual o poder é transmitido segundo os princípios de


Explor

hereditariedade a um monarca, podendo ser rei ou rainha, ficando no poder em geral até
sua morte ou abdicação.
Parlamentarismo: Regime político no qual o parlamento (poder legislativo) apoia
diretamente o governo, o primeiro ministro é responsável por governar. Pode ser usado em
monarquias e em regime presidencialista. Nele o rei ou o presidente é somente chefe de
Estado, mas quem governa é o Primeiro Ministro. Isto ocorre, por exemplo, no Reino Unido,
que é uma monarquia parlamentarista.
Ditadura: Forma de governo no qual o poder está nas mãos de uma só pessoa ou de um
grupo, que não foi eleito pelo povo.
República: Forma de governo na qual, em geral o eleito governará por um tempo
determinado como presidente, tornando-se chefe de Estado.

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Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
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A democracia requer que exista liberdade de escolha dos representantes do
grupo político (agente social político) que irá representar toda a sociedade civil
em princípio. Ocorre, que na prática, nem sempre as formas denominadas de
democracia efetivamente o são, ou são parcialmente.
Contudo, sabemos que por conta das contradições inerentes ao processo
político, esta representação nem sempre se faz de forma adequada, já que existem
diferentes intencionalidades dos diferentes partidos políticos existentes. Bem como,
para além disso, existe também interesse dos agentes do sistema econômico, dos
atores hegemônicos que, muitas vezes, apoiam os governos e, posteriormente,
acabam ganhando benefícios pessoais em detrimento da maioria da população.
Conforme afirma Cornelius Castoriadis (SOUZA, 2006), na verdade, muito do
que temos no mundo, hoje, não são democracias de fato e sim oligarquias liberais.
Muitos países que se auto definem como democratas, muitas vezes, na verdade, a
gestão pública está voltada primordialmente a alguns grupos e classes sociais, por
isso são denominados de oligarquias (poder de poucos).
Ao mesmo tempo, conforme afirma o autor, há também uma alienação dos
dirigidos, ou seja, muitas vezes a sociedade é muito mal informada, alienada e
pouco preocupada com as questões políticas.
Isso faz com que os dirigentes acabem se aproveitando desta alienação para
definir as políticas públicas conforme seus próprios interesses e não conforme os
interesses de toda sociedade.
Assim, ocorrem assimetrias de acessos aos processos decisórios e informações.
Quando afirmamos que existem assimetrias, estamos nos referindo ao fato de que
poucos têm informações sobre o que acontece no seu país, na sua cidade, com a
sua classe social.
Muitas vezes as pessoas desconhecem por completo qual é o papel do governo
em seus diferentes níveis de atuação (municipal, estadual e federal), qual o papel do
prefeito, do governador, do presidente e acabam confundindo também de quem é
a competência para fazer e decidir sobre o que.
Cabe ressalvar que os regimes políticos e econômicos ditos socialistas, caso da
antiga União Soviética, entre outros, também criaram uma classe de dirigentes e
burocratas tanto quanto no capitalismo, e que, por isso, não tornou a sociedade
menos desigual.
Cornelius Castoriadis diz que o poder de alguns cria as “oligarguias no poder”
(poucos detém o poder) tanto nos países chamados de democráticos quanto nos
que se autodenominam socialistas:
Quer o regime interno da organização seja “democrático” como nos
reformistas, quer seja ditatorial, como nos estalinistas, a massa dos
militantes não pode absolutamente influir em sua orientação, que é
determinada sem apelação por uma burocracia cuja estabilidade nunca
é questionada; pois mesmo quando o núcleo dirigente chega a ser
substituído, ele o é em proveito de um outro não menos burocrático
(CASTORIADIS, 1955, p. 5).

64
Portanto, na visão do autor, nem as ditas democracias são de fato democracias,
nem o socialismo implantado em países como a antiga União Soviética levou a
uma maior equidade social e política.
De outro lado, não é possível separarmos a política da economia, na sociedade
contemporânea. Quando observamos as relações internacionais, por exemplo: se
um presidente viaja para estabelecer melhores relações com outros países está
fazendo diplomacia, política, de outro leva junto inúmeros empresários interessados
em relações econômicas.
A ideologia do liberalismo econômica é antiga. A concepção de que o Estado em
suas diferentes formas de governo deveria dar liberdade ao mercado na velha máxi-
ma “o mercado se autorregula” ou ainda “o mercado não precisa de normas e leis”.
Mais recentemente, principalmente após anos 1980-90 temos a doutrina do
neoliberalismo, que se coaduna com o interesse de um Estado mínimo, com poucas
regulamentações e que sirvam para a expansão do capitalismo, representados
principalmente pelas megacorporações.
A política neoliberal prega abertura das fronteiras do ponto de vista do mercado,
da diminuição das leis e normas que regulam o mercado econômico, com vistas a
ampliar as fronteiras do capitalismo.
Em 1989, um grupo de organizações multilaterais, como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional, criam uma recomendação internacional principal-
mente aos países subdesenvolvidos latino-americanos chamada de “Consenso de
Washington”, no qual definia algumas medidas a serem tomadas, a saber:
• Reforma fiscal - buscando diminuir impostos para as grandes empresas;
• Redução fiscal e do aparelho estatal, cortando gastos e funcionários do
governo, terceirizando parte da mão de obra;
• Política de privatização de órgãos, empresas e instituições públicas;
Tal política seria um parâmetro mundial para os países que necessitassem de
empréstimos mundiais, caso do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco
Mundial entre outros.

Figura 5 – Sede do Fundo Monetário Internacional, Washington D.C.


Fonte: Wikimedia Commons

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Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
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Tais medidas vêm sendo criticadas por entidades sociais e políticas de esquerda,
pois afirmam ser uma política de arrocho salarial, de interesse das grandes
corporações econômicas.

Por outro lado, existem os movimentos sociais, que são agentes sociais de
diferentes tipos, que buscam se contrapor ao atual processo de globalização,
buscando maior equidade social e também reduzir desigualdades de natureza
política, racial, sexual, entre outras dimensões.

Entende-se por movimento social um grupo de pessoas, organizados, com


uma intenção específica de alcançar transformações sociais e políticas de forma
coletiva. Há diferentes maneiras de se expressarem: por meio de artigos, passeatas,
manifestações, denúncias, ocupações, entre outras.

Figura 6 – Fórum Social Mundial 2009, painel América Latina e o Desafio da Crise Internacional
Fonte: ebc.com.br

Este é o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST), do Mo-
vimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Fórum Social Mundial (que engloba
inúmeros movimentos contra o atual processo de globalização), dos movimentos
estudantis de diferentes países, dos movimentos negros, entre tantos outros.

A seguir, vamos evidenciar, de forma resumida, alguns eventos e períodos da


política brasileira.

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Resumo da Trajetória das
Formas de Política no Brasil
O Brasil constitui-se como Estado com a independência formal de Portugal, em
1822, e com a Constituição de 1824 delineia sua forma de governo, que naquela
época era o Império, uma forma de monarquia.

Assim, em vários momentos do período imperial, houve conflitos regionais,


geralmente relacionados à excessiva intervenção do governo central na vida
das províncias. Foram estes os casos da Guerra da Cisplatina, que resultou na
independência do Uruguai, em 1827; da Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do
Sul (1835-1845); e da Revolução Praieira1, em Pernambuco, em 1849.

Figura 7 – Revoltas Nativistas do Brasil Império


Fonte: Adaptado de Vivian Fiori, 2014

Como explica o historiador Boris Fausto (1994), a chegada da metade do


século XIX é marcada por uma busca por modernização, que pode ser verificada
principalmente pelas mudanças nas leis:

1. O movimento ocorrido em Pernambuco entre 1842 a 1849 pode ser caracterizado como o mais “politizado” de
todas as revoltas do período (alguns historiadores consideram-na uma revolução).

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Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
4
[...] 1850 não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano de
várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país, encaminhando-o
para o que então se considerava modernidade. Extinguiu-se o tráfico de
escravos, promulgou-se a Lei de Terras, centralizou-se a Guarda Nacional
e foi aprovado o primeiro Código Comercial. Este trazia inovações e
ao mesmo tempo integrava os textos dispersos que vinham do período
colonial. Entre outros pontos, definiu os tipos de companhias que
poderiam ser organizadas no país e regulou suas operações. Assim como
ocorreu com a Lei de Terras, tinha como ponto de referência a extinção
do tráfico (FAUSTO, 1994, p. 197).

Foram mudanças importantes na sociedade brasileira, pois acabou a escravidão


negra formalmente no país e toda uma nova ideologia é elaborada para este novo
momento da história social do Brasil.

Se antes o trabalho era visto como algo que escravo deveria fazer, no final do
século XIX, funda-se a ideologia de que o trabalho dignifica o homem e os imigran-
tes vão ser trazidos para trabalharem principalmente nas lavouras do Sul-Sudeste.

A Questão da Escravidão:
Explor

As leis que promoveram a abolição, começando pela Lei de Proibição do Tráfico, de 1850; a
Lei do Ventre Livre, de 1871; a Lei do Sexagenário, de 1886; e, finalmente, a Lei Áurea, de
1888; levaram a imensa mão de obra representada pelos escravos a uma situação precária,
visto que não foram seguidas por leis que promovessem o acesso à terra por parte desta
população.
Grandes nomes dentre os abolicionistas, destacando-se Joaquim Nabuco, André Rebouças
e João Alfredo, lutavam para aprovar leis que dessem terras e garantissem crédito agrícola,
para fazer dos ex-escravos pequenos produtores rurais, dando-lhes garantia de segurança
alimentar e evitando desordens sociais.

Em 1889, o Brasil torna-se uma República presidencialista e federalista. Em


1889, com a Proclamação da República, o Brasil seguiu o modelo norte-americano
de federalismo, transformando as então províncias em Estados. Entretanto, na
história brasileira houve vários períodos de governos ditatoriais, nos quais, na
prática, o poder centralizador foi grande em detrimento da descentralização do
poder dos Estados-membros.

Tivemos, por exemplo, a ditadura Vargas, no período de 1930-1945, os


governos militares, de 1964-1985, períodos nos quais a liberdade de expressão e
política foram suprimidas, alguns partidos políticos foram proibidos de exercer sua
atuação política.

No começo do século XX, o poder central passou a ter uma influência maior dos
poderes regionais, dentro de uma composição hierárquica, ligada principalmente
ao poder econômico das elites locais, que num primeiro momento ficou conhecida
como café com leite, pois parte de tal elite era produtora de café e de gado leiteiro,
em Minas e em São Paulo.

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Já com o final da ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945), alguns partidos
ressurgiram e outros novos foram criados. No final da década de 1950 a ideologia
por trás do governo JK (1956-1961) consistia num programa de desenvolvimento
rápido, cujo lema era “50 anos em 5”. Juscelino havia sido governador de Minas
Gerais, tendo promovido amplas reformas, especialmente no que se refere à
infraestrutura. Construiu estradas, usinas hidrelétricas, além de ter trazido uma
indústria siderúrgica para seu Estado.

Ficou conhecido pela sua gestão desenvolvimentista, o que o credenciou


à candidatura presidencial. Sua eleição foi apoiada por seis partidos, embora
houvesse muita desconfiança, principalmente por parte dos militares, com relação
a um possível apoio comunista a sua candidatura.

De modo a reduzir o poder do presidente, a oposição conseguiu passar no


Congresso Nacional uma emenda que instituía o parlamentarismo no Brasil. Assim,
ao tomar posse, João Goulart tinha seus poderes limitados à chefia do Estado,
sendo que a chefia de governo caberia ao primeiro ministro

Com o golpe militar em 1964 um novo período de ditadura se estabelece no


Brasil. Em 1967, Castello Branco outorga a Constituição, institucionalizando as
práticas já adotadas pelo governo, o que de certa forma conferia legitimidade a
suas ações. Por esta Constituição, passou a existir uma ditadura impessoal, em que
os chefes militares revezavam-se no poder.

Dentre os atos institucionais promulgados pelos governos militares o Ato


Institucional número 5, de 1968, conhecido como AI-5, tornou-se o mais importante
ato na supressão da liberdade no Brasil, que perdurou até 1978.

Você Sabia? Importante!

AI- 5
[...] Art. 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o
Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá
suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar
mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais,
que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o
quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa,
simultaneamente, em:
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado [...]

Fonte: Texto literal do Ato Institucional nº 5, de 13 de Dezembro de 1968.


Disponível em: https://goo.gl/w7Ztzy

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Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
4
Em 1978, começa a primeira mudança no campo político, com a anistia para
alguns brasileiros que haviam sido exilados do Brasil por conta da ditadura. Apesar
de um avanço no campo político, no começo dos anos 1980, o Brasil ainda estava
assolado pela hiperinflação, desemprego e estagnação econômica.

Em 1985 alguns setores da sociedade brasileira criaram uma grande campanha


pelas eleições diretas, movimento conhecido como “Diretas Já”, do qual participavam
políticos de oposição e também artistas e pessoas famosas. Houve comícios
principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, com a participação
de milhões de pessoas. Este amplo movimento social e político redundou no final
dos governos militares em 1985 e num novo período de redemocratização.

Figura 8 – Diretas Já
Fonte: ebc.com.br

A partir daí, o Congresso elaborou um Nova Constituição em 1988, tornando-se


um marco político importante neste novo período de redemocratização no Brasil.
Apesar dos avanços no campo político com novas eleições presidenciais diretas,
num primeiro momento a questão social e econômica ainda se encontrava bastante
debilitada, com grande inflação, desemprego e inúmeros planos econômicos que
buscavam sem sucesso equilibrar as finanças do país.

Para se ter uma ideia, em 1988 a inflação anual chega ao patamar de 1.037,53%
em um ano (só para comparação, a inflação de 2016 foi 6,2%). Tal condição fez
com que a década de 1980 e começo de 1990 como período de aumento da
pobreza, do desemprego, das desigualdades sociais ampliadas no Brasil.

Um novo momento social e econômico ocorreu com a estabilização econômica


e monetária no Brasil, com o Plano Real, de 1994, que permitiu uma melhoria
na condição socioeconômica do Brasil, ainda muito desigual socialmente, mas em
condições melhores do que nas décadas anteriores.

Nos anos 1990, com a implantação de políticas neoliberais, vários setores e


empresas estatais foram privatizadas dentro da lógica do “Consenso de Washington”.

70
Ao mesmo tempo nos anos 2000 voltam a ser de crescimento econômico no
Brasil, com novas políticas sociais em voga.

Já no século XXI entramos num momento de crescimento econômico e depois


com grandes escândalos de corrupção, envolvendo políticos de diversos partidos
e grandes empresas (principalmente do setor de construção civil) denunciados por
um sistema chamado de “delação premiada”.

Para alguns era o “fim do Brasil”; para outros um momento histórico importante,
no qual alguns políticos que estavam envolvidos em irregularidades e fraudes
econômicas foram presos ou denunciados, situação incomum em nossa história.

É fundamental que se analise sempre as implicações de tais eventos. Estão todos


sendo efetivamente punidos, ou há um componente ideológico que está sendo
explorado por alguns setores políticos?

É essencial lembrar que não se faz política sem poder, sem ideologias, sem
relação entre a dimensão econômica e política e tudo isso afeta o Brasil, o mundo
e a sociedade.

Apesar de tantas desigualdades sociais, assimetrias de acesso, de alienação,


certamente se compararmos o Brasil hoje ao do período da escravidão, por
exemplo, podemos afirmar que avançamos positivamente, mas certamente ainda
há muito para ser questionado, discordado, repensado do ponto de vista social e
político no país.

71
Sociedade, Política e Ideologia
UNIDADE
4
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
História do Brasil: Política e Economia
OLIVEIRA, Dennison de. História do Brasil: política e economia. Curitiba:
Intersaberes, 2012. (e-book).
Políticas Públicas: Definições, Interlocuções e Experiências
OLIVEIRA, Mara de; BERGUE, Sandro Trescastro (orgs.). Políticas públicas:
definições, interlocuções e experiências. Caxias do Sul: Educs, 2012 (e-book).
Relações Internacionais
SEITENFUS, Ricardo. Relações internacionais. Barueri: Manole, 2013 (e-book).

Vídeos
Palestra Antonio Carlos Robert Moraes. 5º Parte
Palestra do prof. Antonio Carlos Robert de Moraes (FFLCH/USP) – 5ª parte, no
Fórum “Rumos da Cidadania”, em 2009, no Instituto Prometheus
https://youtu.be/fqTBx6v7uFY
Engenheiros do Hawaii - Toda Forma de Poder
https://youtu.be/_Aj8oWL_uNQ

72
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. A questão do território no Brasil. São Paulo:
HUCITEC, 2004.

ARENDT, Hannah. Da Violência. Trad. Maria Cláudia Drummond Trindade.


Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1985.

CASTORIADIS, Cornelius. Sobre o conteúdo do socialismo. Socialismo ou


Barbárie, nº 17 julho de 1955. Disponível em: http://www.portalentretextos.
com.br/webroot/files/prt_livrosonline/sobre_o_conteudo_do_socialismo.pdf.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? Revisão José E. Andrade, publicação digital,


2004. Disponível em: http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-
books/Marilena%20Chau%ED-1.pdf.

FAUSTO, Bóris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1994.

HÖFLING, Eloísa de Mattos. Estado e políticas públicas sociais. Cadernos Cedes,


ano XXI, nº 55, novembro, 2001, p. 30-41.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins


Fontes, 2002.

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castello (1930-64). São Paulo:


Companhia das Letras, 2010.

SOUZA, Marcelo Lopes de. A prisão e a ágora: reflexões em torno da


democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006.

73
5
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof.a Me. Natalia Conti
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
Introdução
Nesta unidade vamos tratar da situação das populações de mulheres, jovens e
idosos no mundo, dando ênfase às condições existentes na sociedade brasileira.

A Mulher e a Sociedade
Ao longo da história humana as mulheres tiveram diferentes papeis sociais e na
divisão do trabalho, variando essa condição conforme o lugar, o povo e a classe
social na qual estavam inseridas.

Segundo alguns historiadores (MUMFORD, 1998) entre os povos primitivos


era comum um trabalho em comunidade. Em geral cabia às mulheres a coleta de
vegetais e aos homens a caça e pesca, bem como, com decorrer das transformações
empreendidas, coube principalmente às mulheres, num primeiro momento, as
atividades de agricultura.

Contudo, muitas civilizações ao longo da história submeteram as mulheres a


um papel secundário na sociedade, tendo algumas sofrido todo tipo de violência
psicológica, mental ou física.

Para muitas sociedades além de mãe, cuidadora da família, do lar, a mulher


ainda tem de submeter-se à vontade e decisão dos homens.

Em relação ao voto, por exemplo: somente no século XX alguns países passaram


a dar o direito ao voto às mulheres. Mesmo em países centrais como França e
Inglaterra, a mulher não podia votar até o começo do século XX. No final do século
XIX e começo do século XX, houve movimentos feministas que lutaram pelo direito
ao voto das mulheres, e ficaram conhecidas como sufragistas.

A Nova Zelândia foi um dos primeiros países a reconhecer o direito das mulheres
ao voto, em 1893. Na Inglaterra um grupo de mulheres fundou um movimento
social chamado de “União Política e Social das Mulheres”, que usou estratégias de
militância política, propaganda e desobediência civil, que acabaram servindo de
referência para outras mulheres no mundo.

Esta situação foi retratada no filme “As sufragistas”, que conta a história das
mulheres que lutaram pelo voto na Inglaterra, evidenciando o papel social delas na
época do começo do século XX.

76
Figura 1 – Passeata pelo voto feminino em Nova York, 1912
Fonte: Wikimedia Commons
Explor

A Conquista do Direito ao Voto Feminino - https://goo.gl/uSW6xq

No Brasil este direito foi definido por lei em 1932; na África do Sul somente em
1994, com final do Apartheid; e na Arábia Saudita somente em 2011.

Mesmo com o advento da escolarização universal, em muitos países a mulher


não era incentivada a estudar, mas sim a constituir família e cuidar do lar, sendo
que mesmo em alguns lugares e sociedades atuais isto ainda acontece. Há grupos
em que ainda é comum que se escolha o casamento da mulher, bem como muitas
tornam-se esposas ainda muito novas.

Tal situação está relacionada às condições de pobreza e ignorância, ou a


costumes ancestrais e religiosos de alguns povos, que coagem mulheres ainda
crianças (menores de quinze anos) a casamentos forçados, muitas ficando à mercê
de violência, escravidão e abusos sexuais. Há ainda casos de pais que “vendem”
suas filhas para pagar dívidas, ou para auferirem alguma renda.

Tais práticas de violência com a criança do sexo feminino ocorrem mais


comumente em países do Sul do continente asiático, do sul da África Subsaariana
(ao Sul do deserto do Saara), sendo grande em países como Bangladesh, Índia,
Níger, Afeganistão, Paquistão, entre outros, principalmente entre os mais pobres.
O hábito de casamentos no período da puberdade, ocorre também por fatores
culturais, de maneira a preservar a virgindade até o casamento, o que para algumas
sociedades é considerado fundamental.

A maioria dos países do mundo é signatária de tratados internacionais que proí-


bem casamentos deste tipo. Estas normas, contudo, nem sempre são cumpridas, ou
porque há brechas em algumas legislações permitindo que os pais decidam sobre o
assunto, ou porque prevalecem fatores culturais que impedem sua plena aplicação.

77
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
Assim sendo, em pleno século XXI existem ainda práticas de violência de variados
tipos em relação às mulheres, atingindo duplamente as mais pobres.

As interações humanas estabelecem-se por meio de relações de poder e de


violência, de diversos tipos e ordens: entre sexos, entre gêneros, no mundo do
trabalho, por questões raciais e étnicas, por preconceito religioso, por perseguição
política, entre outras. Para tentar equilibrar tais discrepâncias e estabelecer um
padrão mínimo de civilização, foi estabelecida, em 1948, no âmbito das Nações
Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Como diz Hannah Arendt (2005, p. 213): “O único fator material indispensável
para a geração de poder é a convivência entre os homens. Estes só retêm poder
quando vivem tão próximos um aos outros que as potencialidades da ação estão
presentes [...]”. Desse modo, não há poder de só um indivíduo, o poder se manifesta
no grupo e também pelas instituições e organizações existentes no mundo.

A “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, estabelecida em comum


acordo entre as nações, é um marco importante no entendimento da busca da
cidadania, da igualdade e da fraternidade no mundo, embora concretamente ainda
há muito a ser feito em diversos países.

No Brasil, mediante as políticas de Direitos Humanos mais recentes do governo


federal, houve a criação em 1997 da “Secretaria Especial dos Direitos Humanos”
(SEDH), bem como da “Secretaria de Políticas das Mulheres” (SPM), em 2003, pela
qual formularem-se políticas específicas para as mulheres no âmbito do governo federal.

No entanto, ao tratar da questão de gênero é


fundamental conceitua-la. As bibliografias, artigos
e documentos (BRASIL, 2006; UNIFEM, 2006)
sobre a questão dizem que falar de gênero não é
a mesma coisa que tratar de sexo, pois o gênero
representa o papel social desempenhado ou defi-
nido pelos sexos e dele decorrem alguns precon-
ceitos sobre qual seria este papel, sobretudo das
mulheres. Gênero é, portanto, um conceito rela-
cional de poder, que exprime a relação do mascu-
lino e do feminino.

A questão de gênero como política pública vem,


por conseguinte, dessa mundialização e globaliza-
Figura 2 – Livro sobre a IV Conferência ção da sociedade humana, adquirindo visibilidade
Mundial sobre a Mulher nas Conferências Mundiais de Mulheres no México
Fonte: Foto Divulgação (1975), em Nairóbi (1985) e em Pequim (1995).

No Brasil, as políticas em prol da igualdade de direitos de gênero são definidas


principalmente na nova Constituição brasileira de 1988, e também pós anos 1990,
período no qual há várias normatizações sobre a questão dos direitos da mulher e
políticas de assistência e de saúde específicas. Com a criação da “Secretaria das

78
Políticas das Mulheres”, em nível federal, em 2003, realizou-se a “I Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres” no Brasil, em 2004, evento que subsidiou
a elaboração do “Plano Nacional de Políticas para as Mulheres”, assim como as
demais políticas desenvolvidas pelos governos estaduais e municipais.

Além das condições socioeconômicas e de trabalho, que são importantes para


a emancipação feminina, há também as condições relativas à saúde, ao direito
reprodutivo e à assistência a mulher como aspectos fundamentais no entendimento
da condição de gênero, da mulher, e de suas transformações. Segundo Miriam
Ventura (2006), na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento,
em 1994, no Cairo, foi incorporado o conceito de direito reprodutivo.

O direito reprodutivo tem como premissa o direito à dignidade, à integridade


psicológica e física, assim como o direito à definição da liberdade da escolha
de como o planejamento familiar ocorrerá pelo casal. Direito que necessita,
portanto, de acessos à informação sobre o assunto, acesso ao conhecimento sobre
assistência ginecológica, saúde sexual e saúde reprodutiva, assim como assistência
à maternidade.

A mortalidade materna é um dos grandes problemas que ainda assolam a


humanidade. É mais um indicador originado das políticas que são universais e
atualmente sua redução faz parte das “Metas do Milênio” da ONU.

As maiores dificuldades no uso de dados de mortalidade materna são as defini-


ções da causa da morte, principalmente nos países subdesenvolvidos.

Ao analisar os casos de mortalidade materna, por macrorregiões do mundo,


verifica-se uma diferença grande entre os países de regiões desenvolvidas, onde
as condições de infraestrutura de saúde, bem como as políticas de assistência à
mulher são melhores, ao contrário dos países da África Subsaariana, por exemplo,
nos quais as condições gerais da saúde da população são piores entre vários
indicadores, não apenas na saúde da mulher. Este é o caso também do Sudeste da
Ásia, incluindo-se nos dados a Índia, Bangladesh, Vietnã etc.

A pobreza de boa parte da população, a deficiência de infraestrutura básica e


das políticas públicas de saúde fazem desta parte da África uma das regiões onde a
falta da prática dos direitos humanos é mais acentuada. Contudo, cabe lembrar que
há também variações nestes dados se compararmos diferentes países e ou regiões
africanas (vide tabela 1):
Tabela 1 – Razão de Mortalidade Materna por Regiões no Mundo
Região 1995 2000 2005 2013
África Subsaariana 930 830 680 510
África do Norte e Oriente Médio 180 160 140 110
Sul da Ásia 460 370 280 190
Leste da Ásia 150 130 100 74
América Latina 120 110 93 85
Países Desenvolvidos 10 10 11 15
Fonte: UNICEF, UNFPA. The World Bank and the United Nations Population Division Estimates, 2014

79
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
Para analisar esta sociedade tão desigual é preciso opor o modo de vida
capitalista e a maneira dominante de viver, não vendo tais situações como acaso,
como acidentais, tanto em relação ao sexo, gênero ou condição de classe social.
Como afirma a socióloga Mary Garcia Castro:

Ora se as ciências sociais que pretendemos, afasta-se de individualismos


metodológicos, podemos afirmar que o outro no caso da corrente feminista
emancipacionista, não é o homem, mas o patriarcado e o capitalismo, se
o foco não são algumas mulheres na classe. Assim também o outro, em
correntes emancipacionistas que estão na luta antirracista, não é o branco,
mas a supremacia política-econômico-cultural da identidade branca, seus
privilégios, ou seja, o conjunto não disjunto entre raça-e-classe. Correntes
emancipacionistas anti-sexistas focalizam como o outro a ser combatido
é o poder hegemônico da heteronormatividade, e não os indivíduos com
práticas diferentes dos grupos LGBT. (CASTRO, 2014, p. 22)

Assim, na visão da autora tais situações não podem ser dissociadas da cultura e
concepção do mundo global, capitalista, individualista a que todos estão cada vez
mais expostos.

Contudo, isso não significa que devamos ser meros expectadores num mundo
tão desigual, machista, intolerante e preconceituoso. É necessário refletir sobre
nossa conduta em relação às outras pessoas.

Violência contra a Mulher no Brasil


No Brasil os casos de violência contra a mulher ainda persistem, embora venham
caindo. A fidedignidade das informações que são levantadas como estatística, no
entanto, representa um problema, já que há muitos casos não registrados, seja por
falta de acesso ao poder público ou por medo de represálias por parte das vítimas.

A Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006), conhecida como lei Maria da Penha, no


Brasil foi um marco na questão sobre violência contra a mulher. Segundo a lei:
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício


efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação,
à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho,
à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária. (BRASIL, 2006, s.p)

80
Com a promulgação de tal Lei, pela primeira vez no Brasil há uma legislação
específica sobre a violência contra a mulher, garantindo que o agressor(a) seja
julgado(a) por um juizado especial que cuida especificamente sobre crimes e
violências familiar e doméstica contra a mulher, que podem ser tipificadas como
violência física, patrimonial, moral, psicológica e sexual. O atendimento policial
será feito preferencialmente nas delegacias da mulher.

Nos últimos anos houve vários casos ocorridos no Brasil, de repercussão na


mídia, sobretudo de ex-casais, cujos maridos ou namorados não aceitam o fim do
relacionamento e começam a ameaçar as mulheres. Alguns destes casos culminam
em homicídios, sem que a vítima tenha tido a chance de ser protegida, porque só
a denúncia não as protege, já que muitas vezes suas moradias ou locais de trabalho
são conhecidos.

No Brasil há “Delegacias, Seções, Postos de Atendimento Especializados da


Mulher” (Deam), conhecidas como “Delegacias das Mulheres”. Trata-se de uma
iniciativa importante na busca dos direitos da mulher, sobretudo as que sofrem
violência. Há muitos relatos de mulheres que buscam delegacias de polícia comuns
em casos de violência, principalmente estupro, e não são atendidas adequadamente.

Figura 3 – DDM - Delegacia de Defesa da Mulher


Fonte: Wikimedia Commons

Além das delegacias temos também no Brasil outras instituições que atendem
mulheres, algumas destas desenvolvem-se por parceria público-privada, são
organizações não governamentais que se utilizam de verba pública. Destacam-se
as seguintes instituições: Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Casas
de Abrigo, Serviços de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual,
Pastorais da Mulher Marginalizada, entre outras entidades.

São instituições fundamentais na garantia da defesa dos direitos da mulher, mas


suas atuações ainda ocorrem pontualmente em algumas comunidades, o que não
diminui sua relevância social. Faltam ainda políticas públicas mais efetivas que
cumpram os planos e leis existentes.

81
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
Os direitos das mulheres, inseridos na temática dos direitos humanos como
um todo, representam uma temática que precisa ser disseminada de uma forma
mais ampla para toda a população e território brasileiro, cabendo à educação um
importante papel nesta questão. Não uma educação como existe hoje, que se
preocupa mais em informar do que formar para a vida, mas um modelo em que
esta questão seja discutida de forma transversal em sala de aula.

Para além das leis, dos planos, dos equipamentos sociais destinados ao
atendimento da mulher, necessitamos de uma educação para a emancipação
feminina, para a convivência pacífica entre os sexos, para o respeito mútuo do
seres humanos, homens e mulheres, independentemente de sua posição social,
racial e de sua opção sexual.

Embora ainda haja muitos problemas em relação aos direitos da mulher e de


sua condição social, seja no trabalho, na família ou na saúde sexual e reprodutiva,
houve avanços dos anos 1990 aos dias atuais no Brasil.

Há ainda muitas disparidades no Brasil, quer porque ainda faltem espaços


que possam atender adequadamente à mulher, quer porque persistem políticas
inadequadas e preconceitos em relação ao papel desempenhado pela mulher.

Verificamos que já estão mais consolidados os direitos do ponto de vista jurídico


e das políticas mais universais dos governos federal, estaduais e municipais no
Brasil. Contudo, a existência real destas políticas, no cotidiano familiar, na vida
das mulheres pelo território brasileiro ainda requer mais atenção dos Conselhos da
Mulher e outras entidades de cidadania existentes nos estados e municípios.

Por fim, falta também uma atenção maior na educação de homens e mulheres,
uma educação que busque tratar dos direitos humanos e da importância do respeito
entre sexos, respeito pelas diferenças, em busca de maior igualdade de acesso aos
direitos e à cidadania.

A Mulher e o Trabalho no Brasil


No Brasil a maioria da população é formada por mulheres, e o número de
domicílios chefiados por mulheres vem aumentando, concomitantemente à
ampliação do nível de escolaridade das mulheres, que é maior do que dos homens.
Verifica-se, percentualmente, que este número aumentou em todas as regiões do
Brasil de 1991, 2000 e 2010. Como demonstra dados do IBGE:
No Brasil, as mulheres são maioria da população, passaram a viver mais,
têm tido menos filhos, ocupam cada vez mais espaço no mercado de
trabalho e, atualmente, são responsáveis pelo sustento de 37,3% das
famílias. Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio,
divulgada pelo IBGE em 2013, indicam que viviam no Brasil 103,5
milhões de mulheres, o equivalente a 51,4% da população.

82
Cabe ressaltar tratar-se de chefia por domicílio, não de família propriamente
dita, já que o Censo é feito por domicílio e não por unidade familiar. Os arranjos
familiares nos domicílios são bastante diversos, sendo comum em áreas mais pobres
que existam mais de uma geração no mesmo domicílio, com mães mais velhas que
sustentam toda a família, filhos e netos.

Esta situação ocorre por causa da maior inserção da mulher no mercado de


trabalho, bem como devido ao fato do aumento do número de mulheres que vivem
sozinhas com seus filhos, ou seja, são famílias monoparentais femininas, situação
comum em todas as classes sociais.

Figura 4 – Mulher no mercado de trabalho brasileiro


Fonte: Wikimedia Commons

No caso das mulheres mais pobres, com filhos, a vulnerabilidade social ocorre
porque estas necessitam ter emprego e nem sempre há com quem deixar os seus
filhos, faltam creches. Se de um lado há emancipação da mulher e sua maior
inserção no mercado de trabalho, de outro lado, há uma dupla jornada da mulher
que trabalha fora e ainda precisa cuidar de seus filhos, não havendo muitas vezes
condições sociais e de infraestrutura para existência adequada desta dupla função.

No Brasil há legislação sobre a necessidade de pais pagarem pensão alimentícia


para o provimento dos filhos ao se separarem, mas nas áreas mais pobres estes
direitos comumente são negligenciados.

Conforme aponta estudo do IBGE:


As estatísticas mais recentes sobre as mulheres brasileiras mostram que,
cada vez mais, elas estão presentes no mercado de trabalho e com níveis
de escolaridade mais elevados do que os homens. Estas mudanças influen-
ciam o comportamento social das mulheres tanto no âmbito público como
no privado. Independentemente de se tratar de casal sem filhos ou casal
com filhos, houve um aumento considerável da proporção de mulheres
responsáveis pelos núcleos familiares entre 2002 e 2012. No caso dos
núcleos formados por casal sem filhos, a proporção de mulheres passou
de 6,1% para 18,9%, nos casais com filhos de 4,6 % passou para 19,4%.
Nas monoparentais, as mulheres sempre foram maioria, proporção que
se mantém no período. (IBGE, 2013, p.73)

83
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
Segundo dados do Ministério do Trabalho a inserção das mulheres no mercado
de trabalho tem aumentado, chegando a 42,7% no total da população em 2013.

Os fatores para a menor inserção das mulheres em relação aos homens no


mercado de trabalho são bastante variados, desde a opção de não quererem
participar do mercado de trabalho, até mesmo a proibição por parte do cônjuge,
além da necessidade de cuidarem de seus filhos, entre outros motivos.

As mulheres que trabalham formal ou informalmente apresentam salários que


são menores do que dos homens. Dados (IBGE, 2013) apontam que o rendimento
das mulheres continua mais baixo do que o dos homens que exercem a mesma
função. Afirma o relatório:
Na perspectiva de gênero, na última década se mantiveram as características
da desigualdade de rendimento em relação à escolaridade, visto que a
distância entre o rendimento-hora de homens e mulheres aumenta à
medida que avança a escolaridade. No grupo dos mais escolarizados (12
anos ou mais de estudo), as mulheres recebiam em média por hora, 66%
do rendimento dos homens, o mesmo percentual observado em 2002
(IBGE, 2013, p. 152).

Há uma diferença marcante quando comparamos a proporção de ocupação dos


homens e das mulheres. As mulheres entram no mercado de trabalho mais tarde,
têm salários menores e trabalhos mais precários segundo os dados de variadas
fontes (IPEA, 2009; IBGE, 2008; 2012;2013).

É fundamental a emancipação da mulher, seja a que tem emprego formal ou


não. Para isso é importante que toda a sociedade brasileira incorpore os avanços
nas leis para refletir, reivindicar e lutar por melhores condições sociais para as
mulheres no Brasil.

Os Grupos Etários no Brasil e sua Condição Social


A sociedade brasileira vem envelhecendo, característica comum em países
desenvolvidos e em países subdesenvolvidos industrializados como o Brasil.

Se comparamos a população no início do século XX, esta era formada


primordialmente por crianças e jovens, visto que a taxa de natalidade era alta, a taxa
de fecundidade também (número de filhos por mulher), bem como a expectativa de
vida era baixa, devido às precárias condições de vida, principalmente em áreas rurais.

Atualmente, em nossa sociedade eminentemente urbana, as pessoas vivem mais


devido a diversos fatores, como acesso a serviços básicos de saúde, vacinação,
alimentação. Tal fenômeno acarreta uma nova constituição familiar e social no Brasil.

Os dados da estrutura etária brasileira, entre os anos de 2000 e 2010, mostram


uma mudança no perfil etário brasileiro, já que a participação do grupo com até 24
anos de idade passou de 48,2%, em 2001, para 40,2%, em 2011. Ocorreu ainda

84
um aumento da participação do grupo com 45 anos ou mais de idade. Isto significa
uma transição demográfica de uma população que, no passado, era formada por
maioria de crianças e adolescentes, mas que atualmente está envelhecendo.

Este envelhecimento da população brasileira requer políticas públicas para os


idosos, já que além do aumento da porcentagem de idosos no Brasil há também
ampliação da esperança de vida no Brasil nas últimas décadas.

Figura 5 – O envelhecimento da população brasileira


Fonte: iStock / Getty Images

No Brasil, em 2003, foi criado o Estatuto do Idoso com a Lei n˚ 10.741/2003,


que em seu Art. 3º expõe:
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao
trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária. (BRASIL, 2003, p. 1)

Vivemos numa sociedade na qual o apelo a ser jovem é muito grande, em que
a aparência tem ganho cada vez mais notoriedade, o que torna árdua a tarefa de
ser idoso. Reconhecer os idosos, em sua totalidade, observando-se as necessidades
especiais de cuidado, atenção, na saúde, de lazer etc. seja da família ou por parte
do governo, é fundamental, especialmente à medida em que a população desta
faixa etária tende a aumentar.

Já em relação aos jovens no Brasil, algumas Regiões Metropolitanas apresentam


alto número de homicídios entre jovens, principalmente envolvidos em crimes
ou acidentes de trânsito, ou que estão vulneráveis e moram em lugares onde a
criminalidade é alta.

Entre 1998-2008 a taxa de homicídio cresceu de 232% para 258%, entre


jovens de 15 a 24 anos. Isso reflete situação de calamidade pública, de países que
se encontram em guerra, mas nossa sociedade trata como se fosse algo normal,
corriqueiro, e assim vamos nos acostumando com a violência.

85
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
É fundamental estabelecer condições sociais que permitam a todos terem acesso
a uma boa educação, prevenção à saúde, respeito mútuo - independente da classe
social, raça, cultura, sexo e idade, garantindo a todos o acesso básico aos direitos
fundamentais do ser humano.

Este processo passa, necessariamente, pela valorização do ensino e do


conhecimento como forma de progresso para a sociedade. Os paradigmas atuais
da sociedade fazem com que muitos jovens não vejam a educação como uma
possibilidade de melhorar na vida, não somente do ponto de vista socioeconômico,
mas como ideal de vida, como possibilidade de ampliação de seus conhecimentos.

Observe dados da tabela a seguir, que evidencia que muitos jovens, principalmente
depois de 18 anos param de estudar, sendo maior os que desistem de estudar entre
os jovens do sexo masculino.
Tabela 2 – Proporção de Jovens que estudam (2013)
15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 29 anos Total
Feminino 84,9% 32,8% 12,6% 35,9%
Masculino 84,3% 29,0% 10,5%
Fonte: Microdados da PNAD/IBGE, 2013.

Os mais pobres têm ainda muitos problemas de inserção social e na educação


até o Ensino Superior. Muitos jovens ainda param de estudar, principalmente no
Ensino Médio, eventualmente por necessidade de trabalhar para sustentar suas
famílias. Apesar disso, vem melhorando os dados de escolaridade dos jovens
brasileiros: de 1992 a 2013 a proporção de jovens que estudavam de 15 a 17
anos passou de 59,7% para 84,4%, bem como de 2004 a 2013, na mesma faixa
etária que frequentava o Ensino Médio aumentou de 44,2% para 55,2%.

Por outro lado, muitos jovens preocupados numa sociedade de consumo em “Ter”
mais do que “Ser”, envolvem-se na “cultura da ostentação”, numa demonstração
de autoafirmação por meio de usos de roupas de marcas famosas, da aparência -
como dita a ordem capitalista global.

Mas há também jovens comprometidos com a coletividade, buscando mediante


participação política, formal ou não, reivindicar melhorias sociais para o país. Caso
dos movimentos estudantis secundaristas que no começo deste século vem lutando
por mudanças na escola básica, por mobilidade urbana, entre outros.

Deve-se ter o cuidado de não encarar a separação entre jovens pobres e


ricos apenas pelo viés econômico, mas também pelos diferentes pontos de vista
originários de seus ambientes familiares, suas redes de relações, que denotam a
riqueza do universo dos jovens.

Como explica a socióloga Mary Garcia Castro:


Adverte-se, portanto sobre o cuidado com análises comparativas que abs-
traem história, mentalidades, modelação de subjetividades, tempos e es-
paços, ou seja, da relativa distância a ser mantida de expressões comuns

86
como “quando eu era jovem”, “no meu tempo”, “nós da heróica geração
dos 60 com um projeto de transformação social e esta juventude alienada,
individualista, narcísica”, etc.’. Mas que juventude, que juventudes, em que
tempos, a que cenários estamos nos referindo? Que perspectivas apresen-
tam estes tempos, para estas juventudes? (CASTRO, 2014, p. 27)

Logo, há diversidade social, cultural no que chamamos de juventude. Assim,


não podemos tipificar toda a juventude como alienada, como individualista. Há
diferentes segmentos e grupos em condições bastantes distintas no Brasil.

Figura 6 – Jovens em movimentos sociais


Fonte: iStock / Getty Images

Há jovens que formam grupos religiosos, de diferentes religiões; há outros que


formam microgrupos nas grandes metrópoles brasileiras, baseados em afinidades
comuns culturais, étnicas ou de ideologias; há aqueles que tem acesso a uma boa
educação e outros que não. Existe muita desigualdade, sobretudo se compararmos
as periferias urbanas com áreas de segregação de alto status social.

É comum que a juventude busque sempre transgredir, questionar, pertencer a


um grupo, contestando o modo de vida vigente das gerações anteriores, buscando
autonomia e autoafirmação.

Se por um lado é necessário estabelecer limites na vida social dos jovens, ao


mesmo tempo é importante a renovação nas formas de encarar o mundo que a
juventude proporciona.

É essencial garantir a existência uma rede de apoio social e familiar, seja na


educação formal, na proteção à saúde para o jovem e adolescente principalmente
em relação à sexualidade e prevenção à saúde em geral, bem como equipamentos
sociais, de cultura e lazer.

Em relação ao mercado de trabalho, tanto no Brasil quanto em outros países,


vem se disseminando a ideia de discutir o que é a “juventude” bem como políticas
públicas que tratem deste grupo em relação à sua inserção no mercado de trabalho.

Neste caso, é necessário considerar a Convenção da Organização das Nações


Unidas (ONU), em 1989, que proibiu a exploração econômica de crianças até 18

87
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
anos, bem como da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999, que
aprovou a Convenção n. 182 sobre as piores formas de trabalho infantil, para as
demais faixas etárias é importante considerar as legislações vigentes no Brasil.

Os reflexos destas políticas internacionais se fizeram sentir no Brasil, com a


criação do “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA) pela Lei n˚ 8.069/1990.
Cabe ressaltar que tal norma ocorre de diferentes modos, conforme os grupos sociais
e raciais, bem como mediante uma análise espacial. Verificamos que há contradições
entre leis e a análise empírica de sua concretização no território brasileiro.

Em relação aos jovens que moram no campo, muitos pensam em migrar para
a cidade em virtude da maior possibilidade de ter uma formação, emprego, por
conta do menor acesso à infraestrutura no campo. Muitos gostariam de ter uma
vida no campo, mas acabam migrando em alguns casos pela falta de condições de
permanecer e ampliar seu horizonte social e econômico nas áreas rurais.

Em relação aos jovens negros, estabelecem-se inúmeros problemas, que refletem


as desigualdades de acesso aos negros no Brasil. Como explica a pesquisadora:
As desigualdades raciais marcam profundamente a sociedade brasileira,
reproduzindo-se ao longo do tempo por meio de mecanismos presentes
em vários campos da vida social. São os negros os mais pobres, os menos
escolarizados e os que padecem com o racismo estrutural, o que redunda,
sobretudo, na ocupação de espaços mais precários no mundo do trabalho.
Este ciclo vicioso perpassa diversos espaços da vida social e sua continui-
dade permite, além de perpetuar a exclusão dos negros, a naturalização
e a invisibilidade deste fenômeno. Este mecanismo, por conseguinte, cria
obstáculos para o avanço da temática racial nas agendas pública e gover-
namental. É imprescindível interromper o ciclo perverso da exclusão social
com base na raça, e, para isto, a juventude tem papel fundamental.

Os negros ganham menos que os brancos no Brasil, estudam menos e tem


menor renda. Programas do governo federal instituídos no começo do século XXI,
caso do Programa Universidade Para Todos (Prouni), e as Cotas Raciais instituídas
em algumas universidades vêm desempenhando um papel para inserir alguns
jovens pobres no Ensino Superior e permitir que alguns jovens negros alcancem a
mesma condição.

Embora tenha havido políticas públicas buscando inserir os jovens por meio da
educação e do trabalho, há ainda muito a ser feito no Brasil, tanto em relação aos
jovens, quanto aos idosos.

Uma sociedade que não valoriza o professor, o idoso, a mulher, e na qual a


educação é concebida como algo menos importante, não pode diminuir as
desigualdades existentes.

É importante repensar nossas práticas cotidianas, na escola, no trabalho


buscando diminuir o preconceito, dando oportunidades a todos de terem acesso
a uma boa educação e à melhores condições de trabalho. É essencial também
políticas públicas visando minimizar os efeitos da exclusão social no Brasil.

88
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Notícias do Censo 2010
https://goo.gl/GrbjW
https://goo.gl/3zUiT

Vídeos
Seminário sobre população produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
https://youtu.be/8GkpvLvIfhs
Eu, idoso (Documentário)
https://youtu.be/y-YZxSWv9U0

Leitura
Anuários estatísticos 1991 e 2000
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Anuários estatísticos
1991 e 2000. Rio de Janeiro, 2000.
https://goo.gl/2v6ctr
Dimensões da Experiência Juvenil Brasileira e Novos Desafios às Políticas Públicas
SILVA, Enid Rocha Andrade da Silva; BOTELHO, Rosana Ulhôa (orgs.). Dimensões da
experiência juvenil brasileira e novos desafios às políticas públicas. Brasília: IPEA, 2016
https://goo.gl/I9QEOM

89
Mulheres, Jovens e Idosos na Sociedade
UNIDADE
5
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UNIDADE
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justiça juvenil. In: SILVA, Enid Rocha Andrade da Silva; BOTELHO, Rosana
Ulhôa (orgs.). Dimensões da experiência juvenil brasileira e novos desafios
às políticas públicas. Brasília: IPEA, 2016, p. 293-326. Disponível em: http://
www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_dimensoes_
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Division, 2014. Acesso em 10/05/2014.

92
6
Globalização, Inovações
Técnicas e Sociedade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof.a Me. Natalia Conti
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
Introdução
Nesta unidade discutiremos o processo de globalização e as alterações que vem
produzindo na sociedade, em relação às formas de produção, no trabalho e nas
relações sociais.

O Processo de Globalização
No decorrer do século XIX, o mundo conheceu o desenvolvimento de importantes
ramos do conhecimento científico. A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no
final do século XVIII proporcionou o surgimento de grandes inovações técnicas,
que com o passar do tempo foram sendo disseminadas pelo mundo.

Esta revolução passa pelos sistemas de produção, seja na agricultura, comércio


e indústria, promovendo a disseminação de informações em escala mundial.

Até meados do século XX, a produção industrial era concentrada em regiões.


Mesmo com a industrialização de áreas dos países chamados subdesenvolvidos,
permaneceu uma lógica de concentração das atividades junto a regiões que
poderiam ter algum atrativo especial: matéria prima abundante, fontes de energia,
mão de obra barata, proximidade de alguma estrada de ferro, rodovia ou porto.

Nestas áreas industriais concentradas prevalecia um sistema de produção dentro


da fábrica no qual cada operário ficava responsável por uma tarefa específica, num
processo de execução e montagem. A este processo chamamos fordismo.

A partir da segunda metade do século XX, com a corrida espacial entre Estados
Unidos e União Soviética, temos um amplo desenvolvimento de tecnologias de
informação. O lançamento de satélites e a descoberta de novos materiais acelerou a
comunicação entre os povos, por meio de redes de fibra ótica. Canais de televisão e de
rádio, bem como sistemas telefônicos aproximaram lugares distantes, promovendo
a disseminação de informações como nunca antes vivido pela humanidade.

A este conjunto de relações de movimentação de capitais, ideias, informação, in-


tercâmbio cultural e dinâmica de bens e de serviços é dado o nome de globalização.

No atual período da história, sobretudo a partir da segunda metade do século


XX, o mundo vai se tornando cada vez mais global. Esta afirmação considera,
no entanto, que este mundo tornado global refere-se principalmente à dimensão
econômica, do mundo capitalista, das grandes empresas, da circulação de
mercadorias, do sistema financeiro e dos sistemas de informação.

94
Figura 1

Há uma racionalidade capitalista norteando as formas de existência, com uma


aceleração do tempo social que é moldado pelo modo capitalista de produção.
Trata-se do tempo rápido, evidenciado em expressões como “tempo é dinheiro”, da
rapidez na circulação das informações, da correria desenfreada nas grandes cidades,
entre outras situações. Não é o tempo da natureza humana e sim do capitalismo.

Podemos dizer, assim, utilizando-se de uma metáfora, que o mundo “encolheu”.


Atualmente, uma viagem entre o Brasil e a Europa, que há um século levava várias
semanas, pode ser feita em menos de 10 horas.

Outro aspecto a destacar é o fato de que as técnicas são cada vez mais universais;
basta para isso observar o cotidiano de uma grande cidade. Por exemplo, se
no passado as técnicas eram mais locais e cada povo tinha uma técnica para
produzir objetos, para morar, etc., que geralmente se relacionava com os materiais
disponibilizados no meio.

Atualmente as técnicas são cada vez mais universais, sejam as usadas na


agricultura, na criação das formas das cidades ou nos objetos usados no cotidiano
pela sociedade.

A evolução dos sistemas técnicos ocasionou um enorme crescimento econômico,


que ocorre, principalmente, devido à redução de custos de produção. Assim, o que
antes era produzido numa concentração geográfica elevada – um parque industrial,
por exemplo – atualmente pode ser feito com peças produzidas em diferentes
partes do mundo.

95
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
Essa mudança na esfera da produção afeta toda a vida cotidiana do planeta. Um
executivo de uma multinacional pode sair da matriz em Nova York, ir até o Japão
visitar sua filial, depois à Austrália e ao Brasil. Se não puder fazer tal viagem, ainda
é possível controlar os processos de sua fábrica por meio da internet, por diversos
aplicativos, como Skype ou WhatsApp.

Essa universalização também implica mudanças no cotidiano dos cidadãos


comuns. Se desejar obter uma melhor colocação profissional nesta multinacional,
um cidadão indiano, brasileiro ou moçambicano deve pelo menos fazer um bom
curso de inglês. Isso porque o inglês tornou-se um idioma universal, principalmente
pela sucessão das hegemonias britânica e norte-americana no controle global da
produção capitalista. Talvez no futuro possa ser o mandarim, falado na China.

Figura 2 – Casa Branca, Estados Unidos


Fonte: iStock/Getty Images

Uma das formas de promover transformações em escala global, utilizada pelo


sistema de produção de mercadorias, implica no que alguns autores chamam de
“indústria cultural”. A veiculação de propaganda, filmes, novelas, séries televisivas
e pela internet, tudo isso contribuía para a propagação de informações antes
próprias de um único sistema de valores e crenças.

Uma das características marcantes desse período é a propagação do consumo.


As empresas multinacionais dispersaram suas bases pelo globo, aproveitando-se
de benesses como acesso à mão de obra barata. Para obter lucro, é preciso que se
venda a maior quantidade possível de produtos a um custo unitário baixo.

Como explica o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1999, p. 77):


Quando falamos de uma sociedade de consumo, temos em mente algo
mais que a observação trivial de que todos os membros dessa socieda-
de consomem; todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas
vivas “consomem” desde tempos imemoriais. O que temos em mente
é que a nossa é uma “sociedade de consumo” no sentido, similarmente

96
profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos predecessores, a
sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial,
era uma “sociedade de produtores”. Aquela velha sociedade moderna
engajava seus membros primordialmente como produtores e soldados; a
maneira como moldava seus membros, a “norma” que colocava diante
de seus olhos e os instava a observar, era ditada pelo dever de desempe-
nhar esses dois papéis.

Desse modo, como afirma o autor, deixamos de ser uma sociedade de produtores
para ser uma sociedade de consumo, a partir da qual ter é mais importante do que
ser. Assim, torna-se necessário que as pessoas, nos mais diversos países, consumam
aceleradamente os mais distintos produtos. Mas como tornar atraente, para um
mesmo número de pessoas, os mesmos produtos?

Existem formas de se alcançar isso. Uma delas é o investimento em inovação,


que faz com que cada edição de um mesmo produto – seja uma televisão, automóvel
ou telefone celular – acrescente novas aplicações, tecnologias e modernizações.

Muitas vezes as inovações nos produtos não podem mais ser alcançadas por
mudanças na estrutura de seu funcionamento. Neste momento, a indústria pode
utilizar-se de algum apelo estético: um automóvel “Edição Especial Copa do
Mundo”, por exemplo, com alguma alteração externa, ou de acabamento interno,
para atrair a atenção do consumidor.

O produto comprado anteriormente fica assim, sob certo aspecto, ultrapassado.


Ou, utilizando um termo mais adequado, obsoleto. Esta característica do projeto do
produto é chamada de “obsolescência programada”.

O que é obsolescência programada?


Explor

Trata-se de uma estratégia de empresas que programam o tempo de vida útil de seus
produtos para que durem menos do que a tecnologia permite. Assim, eles se tornam
ultrapassados em pouco tempo, motivando o consumidor a comprar um novo modelo.
Os casos mais comuns de obsolescência programada ocorrem com eletrônicos, eletrodo-
mésticos e automóveis. É algo relativamente novo: até a década de 20, as empresas desen-
havam seus produtos para que durassem o máximo possível. A crise econômica de 1929 e a
explosão do consumo em massa nos anos 50 mudaram a mentalidade e consagraram essa
tática. É uma estratégia “secreta” dos fabricantes para estimular o consumo desenfreado.
Fonte: https://goo.gl/tVq9Da

Esse movimento em direção ao consumo desenfreado não ocorre, evidentemen-


te, sem conflitos e contradições.

A primeira delas diz respeito aos limites físicos de uma expansão acelerada
da economia. Para se produzir qualquer tipo de mercadoria, é necessária certa
quantidade de matéria prima, energia e mão de obra. Do mesmo modo, para que
haja consumo, é vital que a totalidade, ou pelo menos grande parte da população,
tenha uma renda.

97
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
O sistema global de produção de mercadorias opera pela maximização dos re-
sultados, ou seja, obtenção do maior lucro com o mínimo de investimento. As esco-
lhas por parte dos investidores, ao instalar uma empresa num determinado ponto
do mundo, são determinadas por este atrativo, que chamamos fatores locacionais.

Fatores locacionais são atributos de um determinado território, ou de uma porção


do território, que influenciam na localização de um determinado empreendimento
(industrial, agrícola, comercial, ou de serviços).

Estes atributos podem ser naturais – a proximidade de uma fonte de água é


importante para uma indústria de bebidas, por exemplo. Podem ser também
atributos relacionados à proximidade de um bom sistema de transporte, para
recebimento de matéria prima e escoamento da produção.

Na medida em que o mundo foi se modernizando, a dependência relativa de


alguns fatores locacionais também foi mudando. No início da Revolução Industrial,
era fundamental que as indústrias se localizassem próximas a regiões produtoras de
matéria prima e energia (no caso da Inglaterra, a fonte de energia primordial foi o
carvão mineral).

A disponibilidade de mão de obra para trabalhar num empreendimento é outro


fator importante. Isso se torna evidente pela própria evolução do processo de
urbanização dentro do sistema capitalista. Todos os países que se industrializaram
apresentam elevadas taxas de urbanização, com massivas quantidades de
trabalhadores mudando-se do campo para as cidades.

O Brasil, dentre estes países, apresentou uma das mais radicais e rápidas
mudanças na composição da sua população, passando em poucas décadas de uma
nação com maioria de população rural para uma extremamente urbanizada.

Com a evolução dos processos relacionados à industrialização dos países, os


governos nacionais cada vez mais tiveram que competir por investimentos, numa
verdadeira corrida para adequar seus territórios aos projetos corporativos globais.

A necessidade de geração de empregos e de renda levou a um enorme aumento


da competitividade entre os lugares. Governos têm criado diversos incentivos,
como redução de impostos, doação de terrenos, apoio à capacitação de pessoal,
de modo a aumentar o potencial de atração de investimentos para seus territórios.

Mesmo dentro de um país, como o Brasil, temos estados federados e municípios


que “competem” entre si, numa verdadeira “guerra de lugares”, para obter algum
benefício, como aumento de empregos e arrecadação. Muitas vezes, este processo
causa transformações drásticas na condição social, por conta do crescimento
rápido da população, o que acaba não proporcionando oportunidades para todos,
gerando mais problemas do que benefícios (aumento da criminalidade, desemprego,
prostituição etc.).

No atual sistema globalizado do modo de produção capitalista ocorreram impor-


tantes modificações, que tinham como objetivo flexibilizar a produção, reduzindo

98
custos e promovendo maior competitividade econômica. No território brasileiro
temos alguns exemplos a respeito.

Existem atualmente várias montadoras de automóveis, em diversos estados bra-


sileiros, com estruturas de produção fortemente automatizadas. Estas montadoras
trocaram a mão-de-obra intensiva presente no período fordista, a qual era menos
qualificada, por menos trabalhadores, porém mais especializados, que operam ro-
bôs e utilizam peças pré-fabricadas, cuja origem não é mais uma fábrica de auto-
peças vizinha dentro de um mesmo polo industrial, mas sim fabricadas em cidades
longínquas na Índia, Indonésia ou China.

Figura 3
Fonte: iStock/Getty Images

Neste contexto, novas estruturas de transporte são criadas para atender este
sistema globalizado de produção. A utilização do contêiner no transporte interna-
cional de mercadorias, por exemplo, permite uma padronização das cargas, dentro
do conceito de intermodalidade, favorecendo a utilização de várias modalidades de
transporte de modo integrado, o que minimiza os custos e procura atender várias
demandas, do modo mais adequado possível.

As Cidades no Contexto da Produção Global


Em seu livro “A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, Milton
Santos (2006) descreve o nosso mundo, na atual fase do capitalismo globalizado
(ou mundializado, como alguns autores preferem), como um lugar onde os fluxos
tornam-se mais importantes que os fixos (o “imperativo da fluidez”). Ou seja, o
deslocamento de pessoas, mercadorias e das informações tornou-se fundamental,
ocorrendo de forma cada vez mais rápida, na medida em que a evolução tecnológica
transforma diariamente as bases sobre as quais transcorrem tais deslocamentos.

99
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
A evolução tecnológica, especialmente a ocorrida a partir da Segunda Guerra
Mundial, mudou significativamente todos os setores da existência humana. Para
cumprir a finalidade deste trabalho, convém atermo-nos, basicamente, ao setor
de transportes.

A evolução extremamente rápida deste setor, assim como o de comunicações,


ocasionou transformações muito importantes do ponto de vista espacial. Os fatores
que determinam a estratégia das empresas quanto à localização das suas unidades
de produção foram em sua essência profundamente alterados.

Como vimos anteriormente, na fase anterior do capitalismo (o regime de


acumulação fordista), a produção estava diretamente relacionada à existência de
matérias primas, mão de obra barata e proximidade de mercados consumidores.

Na atual fase, que Castells (2005) chama de “capitalismo informacional”,


a inexistência de um destes fatores ou vantagens pode ser superada, mediante
a utilização de eficientes sistemas de transporte e telecomunicações, e da
descentralização de atividades produtivas no território.

A descentralização das atividades produtivas, por outro lado, é acompanhada


pela centralização das atividades de gerenciamento, planejamento e articulação
global destas empresas, em um ponto determinado do território. Este ponto central,
cérebro das atividades produtivas no território é, necessariamente, o local aonde se
encontra a maior “densidade técnica” (SANTOS, 2006). Ou seja, onde se concentra
o maior número de fixos, como universidades, sistemas de comunicações (rádios,
tv, jornais, provedores de internet) e meios de transporte (portos, aeroportos,
rodovias, ferrovias).

Este processo ocorreu conjuntamente com a centralização das atividades de


gerenciamento, controle e planejamento das estratégias de reprodução do capital
em escala nacional. A condição hegemônica da cidade de São Paulo, por exemplo,
enquanto principal centro do capitalismo no território brasileiro conferiu-lhe status
de “cidade global” (CASTELLS, 2005). Através dela, o capital internacional
internaliza-se comandando os espaços locais, dentro da lógica dos espaços que
mandam e espaços que obedecem.

De acordo com Corrêa (2003), o espaço urbano no sistema capitalista de produção:


[...] é um produto social, resultado de ações acumuladas através do
tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço.
São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos
aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação destes agentes
é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das
necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos
conflitos de classe que dela emergem (CORRÊA, 2003, p. 11).

100
Os sistemas técnicos que são criados servem, portanto, aos interesses reprodutivos
do capital, abarcando o espaço como objeto a agregar valor e transformar-se em
mercadoria, o que está totalmente de acordo com os mecanismos econômicos
prevalentes na sociedade no momento de reprodução.

Esta é uma característica inerente ao conceito de “acumulação flexível de capi-


tal”, que pode ser assim caracterizada, nas palavras de Eustáquio de Sene:
[...] novos processos produtivos passam a ser instalados dentro das
fábricas. A economia de escala, desenvolvida do interior da grande planta
fabril, típica da produção fordista, gradativamente foi sendo superada pela
economia de escopo, de produção descentralizada em escala nacional e
mundial e, muitas vezes, em plantas menores (SENE, 2004, p.76).

Esta nova forma de acumulação depende cada vez menos de uma concentração
espacial da atividade industrial, que pode estar situada dispersa no território.
Há, no entanto, uma necessidade de centralização das atividades gerenciais e
administrativas. Esta descentralização locacional provoca uma “guerra de lugares”,
que usam isenções fiscais e investimentos em infraestrutura para atrair empresas.

Por esta razão, a ação do Estado não pode ser ignorada. Cabe a este:
“[...] a orquestração da dinâmica do processo de investimento e a pro-
visão de investimentos públicos chave, no lugar e tempo certos, para
fomentar o êxito na competição interurbana e inter-regional” (HARVEY,
2005, p. 231).

A nova localização das empresas é determinada por fatores que facilitem a


inserção destas no mercado cada vez mais competitivo. Esta inserção, por sua vez,
depende das chamadas “externalidades”, que vêm a ser:
[...] os efeitos econômicos sobre as empresas e atividades decorrentes da
ação de elementos externos a elas. A localização junto a um nó de tráfego
confere maior acessibilidade. A co-presença de outras empresas em um
mesmo local cria uma escala que uma única empresa não teria: fala-se
então em economias externas de escala ou economias de aglomeração
(CORRÊA, 2003, p. 83).

A centralização das atividades de gerenciamento e administração da produção


no território ocorre principalmente nas grandes metrópoles, entre as quais pode-
mos destacar as “cidades globais”, ou metrópoles globais, segundo a definição de
Milton Santos:
[...] Pelos objetos em que se apoia e pelas relações que cria, a nova
divisão internacional do trabalho leva a uma verdadeira mundialização
dos lugares. Destes, alguns são lugares complexos, as metrópoles, dentre
as quais se destacam metrópoles globais (SANTOS, 1994, p.17).

101
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
Nestas metrópoles globais predominam o tempo acelerado nos quais as relações
sociais entre amigos, na família, tornam-se cada vez menores, pois quase todo o
tempo é vivido em torno do trabalho, dos problemas cotidianos.

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

Já o conceito de “cidade global” é explorado pela socióloga Saskia Sassen, que


aplica a esta uma importância proporcional à dispersão das atividades econômicas
no território:
As cidades globais são os lugares chaves para os serviços avançados e para
as telecomunicações necessárias à implementação e ao gerenciamento
das operações econômicas globais. Elas também tendem a concentrar as
matrizes das empresas, sobretudo daquelas que operam em mais de um
país (SASSEN, 1994, p. 35).

Todas estas mudanças nas formas de produção e nos lugares alteram a sociedade,
as formas de trabalho, bem como as relações sociais. As produção e disseminação
da informação partem principalmente das cidades globais que concentram serviços
especializados, mas nos países subdesenvolvidos também muita desigualdade
socioeconômica.

O Mundo do Trabalho e a Globalização


A globalização, enquanto processo, abrange atualmente todas as dimensões da
vida humana em sociedade. Mas além das questões relacionadas à distribuição da
produção e a vida nos centros urbanos, este processo afeta diretamente, também,
o universo do trabalho.

102
A flexibilidade na localização das indústrias permite que mais e mais pessoas
possam trabalhar em diferentes pontos do mundo. Apesar disso, permanece uma
concentração de população nas áreas com melhor infraestrutura técnica: melhores
transportes e comunicações.

O trabalho, especialmente se compararmos com o início do século XX, tornou-se


também flexível. É muito comum vermos pessoas trabalharem com empregos
informais, principalmente nos setores de comércio e de prestação de serviços. A
necessidade de redução dos custos das empresas e a competição entre os lugares
por investimentos é uma das causas deste fenômeno.

Há também que ser considerado o alto crescimento em termos relativos do


setor terciário da economia (comércio e serviços). O desenvolvimento dos siste-
mas avançados de comunicação, como a internet, favoreceu o aparecimento de
diversos serviços especializados de atendimento que são realizados “online”, e não
mais presencialmente.

Por exemplo: quando precisamos de serviços bancários, não mais precisamos


nos deslocar até uma agência para obter um determinado serviço. Sendo cliente
de um banco de porte, basta acessar a internet, baixar um “aplicativo” do banco e
efetuar os serviços digitalmente, no celular ou computador.

É óbvio que alguns serviços não poderão ser feitos digitalmente, mas a
possibilidade de um serviço ser realizado à distância se ampliou, o que também,
por outro lado, demanda que novos serviços, como os chamados “call centers” –
centrais de atendimento online para clientes – sejam desenvolvidos.

Figura 5
Fonte: iStock/Getty Images

As pessoas que trabalham nestes ambientes cada vez mais apresentam uma
relação mais precária, flexível, com relação à empresa. Na eventualidade de uma
mudança de cenário econômico, fica mais fácil para um grupo ou empresa se
“readequar” ou “reestruturar”.

103
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
Com o atual processo de globalização, há maior flexibilidade na produção e
também na circulação de mão de obra, geralmente com precarização do trabalho.

De acordo com David Harvey (2005), com a acumulação flexível nas formas de
produção e nas relações de trabalho, cria-se uma rotatividade da força de trabalho,
que migra, atrás de trabalho, seja permamente ou temporário.

Tal flexibilidade ocorre, por exemplo, por formas de trabalho mais flexível, sem
muita regulamentação, com flexibilização nos contratos de trabalho, com trabalho
em horário variados, com subcontratações ou com terceirização de mão de obra,
ou seja, o empregado trabalha em uma empresa, mas é funcionário de outra.

Cria-se, deste modo, um ambiente flexível, ou instável – dependendo de como


se queira encarar esta realidade – no qual as coisas e as pessoas se tornam fluidos,
mantendo poucos laços de relação. Crescem os empregos temporários, os “bicos”,
os trabalhos por tempo determinado.

Como explica Michel Chossudovsky (1999, p. 46):


Como consequência, essa política econômica flexível tem resultado em
desemprego, postos de trabalho mal remunerados, retrocesso do poder
sindical, destruição de antigas habilidades e construção de novas, além
do aumento da capacidade de fabricação de uma variedade de artigos em
pequenos lotes a preços mais baixos e com rápidos giros de estoques.
Houve também a fllexibilização do processo de produção, capacitando
as empresas a responder às diferentes necessidades do consumidor num
mercado instável e fugaz.

Esse fenômeno faz parte de um contexto amplo de “reestruturação produtiva”,


nas palavras de Pierre Veltz (1996), no qual os grandes conglomerados industriais
passaram a terceirizar suas atividades, descentralizando a escala produtiva, sendo,
muitas vezes, mero gerenciador de processos que estão inseridos em uma complexa
e intrincada rede.

As redes do chamado “capitalismo informacional” (CASTELLS, 2005) induzem


à construção de um sistema de produção horizontalizado, com uma hierarquia
pouco rígida. A produção se concretiza por intermédio de “projetos de negócios”,
não havendo uma unidade dentro do sistema.

O sociólogo espanhol Manuel Castells evidencia as grandes diferenças de


desenvolvimento desigual pelo mundo, com a inserção de diferentes lugares neste
processo global:
[...] testemunhamos a integração global dos mercados financeiros; o
desenvolvimento da região do Pacífico asiático como o novo centro industrial
dominante; a difícil unificação econômica da Europa; o surgimento de
uma economia regional na América do Norte; a diversificação, depois a
desintegração, do ex-Terceiro Mundo; a transformação gradual da Rússia
e da antiga área de influência soviética nas economias de mercado; a
incorporação de preciosos segmentos de economias do mundo inteiro

104
em um sistema interdependente que funciona como uma unidade em
tempo real. Devido a essas tendências, houve também a acentuação de
um desenvolvimento desigual, desta vez não apenas entre o Norte e o Sul,
mas entre os segmentos e territórios dinâmicos das sociedades em todos
os lugares e aqueles que correm o risco de tornar-se não pertinentes sob
a perspectiva da lógica do sistema. Na verdade, observamos a liberação
paralela de forças produtivas consideráveis da revolução informacional e
a consolidação de buracos negros de miséria humana na economia global,
quer em Burkina Faso, South Bronx, Kamagasi, Chiapas, quer em La
Courneuve (CASTELLS, 1999, p. 22).

A sociedade em rede exclui milhares de pessoas e amplia os bolsões de pobreza,


entre os que têm acesso às benesses do mundo atual e dos que são extremamente
explorados pelo mesmo sistema.

Figura 6
Fonte: iStock/Getty Images

Em seu livro “Por uma outra globalização”, Milton Santos (2001) apresenta
a globalização como uma “fábula” com os mitos da aldeia global e com o fim
das fronteiras.

Verdadeiramente a circulação das pessoas é mediada pelo poder socioeconômico


e para os mais pobres as barreiras continuam existindo, basta observar os imigrantes
latino-americanos buscando adentrar os EUA pelas fronteiras do México. Logo, há
uma seletividade social na definição dos movimentos das pessoas no mundo.

Há também um processo de globalização perverso, como denomina o autor,


pois há exploração da mão de obra, desemprego, baixos salários, com aumento da
pobreza e uma educação formal, quando há, de baixa qualidade, situações inerentes
ao próprio processo capitalista e as políticas existentes.

105
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
6
A Sociedade em Rede
A sociedade em rede é, também, um espaço seletivo. Há pessoas, ou grupos,
mais integrados a este sistema produtivo avançado. Quanto mais integrado,
maiores as chances de se fazer valer neste novo sistema de relações sociais. Uma
pessoa que opera um aplicativo pode conectar-se a serviços e bens que não estão
diretamente disponíveis para quem não está conectado.

Por meio de canais da internet, podemos, por exemplo, escolher mercadorias –


uma geladeira, um automóvel – comparar preços e escolher o melhor disponível. Da
mesma forma com viagens, hotéis, e até mesmo serviços médicos. Enquanto isso,
em lugares onde as pessoas não possuem conexão com a internet, permanecem
relações mais pessoais, o contato direto olho no olho.

Essa impessoalidade nas relações via internet gera muitas críticas, pela
possibilidade de afastamento das pessoas dos contatos reais. Por outro lado, abre a
possibilidade de contato entre pessoas que jamais se veriam, por conta da distância
ou por não fazerem parte dos mesmos círculos pessoais.

Eventualmente, um parente ou amigo pode ir morar em outra cidade, estado ou


país, e ainda assim manter contato diário com sua família. Não só pessoas, mas
serviços também são conectados. Uma pousada ou hotel situado na Austrália pode
oferecer seus quartos no Brasil, Japão, Estados Unidos.

Empresas podem oferecer cursos de capacitação para funcionários em qualquer


parte do mundo via Internet. Universidades podem oferecer cursos em outros
estados ou países, por meio de plataformas interativas. Empregados podem ser
contratados por empresas por suas habilidades específicas, mesmo estando muito
longe de sua sede.

Evidentemente, esta “hiperconectividade” tem suas contradições. As mesmas


possibilidades técnicas permitem também a aceleração de processos envolvendo
atividades criminosas: pedofilia, tráfico de drogas e de pessoas, terrorismo. A
dificuldade em rastrear ou localizar a origem de determinadas informações ou
pessoas também possibilita a difusão de notícias falsas, a veiculação de ofensas de
caráter étnico ou sexual.

Dentro de cada país, os poderes públicos (governos nacionais, órgãos estatais,


polícia, justiça) têm tido imensa dificuldade em estabelecer limites e parâmetros
para estas atividades informacionais.

A criação de leis e normas nem sempre tem efeito prático, já que as estruturas
dos países podem ser obsoletas, ou estes podem não dispor de pessoal qualificado
para atuar, já que este ambiente virtual se renova e se amplia com grande agilidade.

106
Figura 6
Fonte: iStock/Getty Images

Aos que têm acesso, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) possi-


bilitam rapidamente acessar informações sobre diferentes lugares e assuntos, criar
uma rede social para trocar ideias, conversas, bate papos etc.

Assim, as TICs em si não são portadoras de intencionalidades apenas perversas,


embora hegemonicamente algumas vezes sejam usadas para este fim. Tampouco
são portadoras somente de benesses como alguns as apresentam.

Há muito discurso a favor das novas tecnologias como se elas por si mesmas
fossem tornar o mundo melhor. Dependem de seu uso, de suas práxis sociais,
considerando que estas TICs mudam as relações e as dinâmicas sociais, mas também
contêm intencionalidades que vão além do uso técnico dos objetos e podem ter
usos que não são democráticos e nem aceitáveis socialmente.

O individualismo exacerbado é outro ponto negativo nesse atual momento do


processo de globalização, em detrimento de relações sociais mais coletivas, assim
como a ampliação das desigualdades sociais.

Finalizando esta unidade é importante reiterar que a sociedade vem se trans-


formando rapidamente com as mudanças advindas do processo de globalização,
algumas situações são positivas, mas a globalização também pode ser perversa.

107
Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
UNIDADE
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
O Mundo Globalizado: Economia, Sociedade e Política
BARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo globalizado: economia, sociedade e
política. São Paulo: Contexto, 2010. (e-book- biblioteca virtual).

Vídeos
A História das Coisas (The Story off Stuff)
21 min, com Annie Leonard, versão brasileira, mostra a questão da produção atual no
mundo e os problemas decorrentes disso.
https://youtu.be/7qFiGMSnNjw
Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá
(89 min, 2007). Documentário feito a partir da entrevista de Milton Santos sobre
globalização.
https://youtu.be/-UUB5DW_mnM

Filmes
The Corporation (A corporação)
Documentário. Canadá, diretores Jennifer Abbott e Mark Achbar. 1h12min. parte 1 e
2, Canadá, 2003. Legendado.
Assista ao documentário “The corporation” (a corporação), que conta como a partir
da polêmica decisão da Suprema Corte de Justiça dos EUA uma corporação passa a
ser vista como uma “pessoa”. Ficam evidentes como as grandes corporações agem,
seus discursos, a exploração da mão-de-obra barata no Terceiro Mundo e a devastação
do meio ambiente. No documentário há entrevista com presidentes de corporações
como a Nike, Shell e IBM, além de outros não relacionados ao mundo dos negócios
corporativos, que analisam a existência das corporações, tais como Noam Chomsky,
Milton Friedman e Michael Moore. Assista o trailer no link a seguir:
https://youtu.be/exY4u0XsEGI

Leitura
Globalização e Divisão Territorial do Trabalho: Uma Introdução à Discussão das Novas Tendências na
Produção do Espaço
ROSA, Maria Cristina. Globalização e divisão territorial do trabalho: uma introdução
à discussão das novas tendências na produção do espaço. Maringá, Revista Acta
Scientiarum 20(1), 1998, p. 115-119.
https://goo.gl/pu55lo

108
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Tradução Marcus
Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venancio Majer com a


colaboração de Klauss Brandini Gerhardt. V. 1, 8 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza: impactos das reformas


do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2003.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no


início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São


Paulo: Edusp, 2006.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência


universal. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico


informacional. São Paulo: Hucitec, 1994.

SASSEN, S. A cidade global. Lavinas, L. (org) Reestruturação do espaço urbano


e regional no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1993.

SENE, Eustáquio de. Globalização e espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2004.

VELTZ, P. Mondialisation, Villes et Territoires: l’économie d’archipel. Paris:


Puf, 1996. p. 147-72

109
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