A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis,
UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e
Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos.
Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s)
título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do
respetivo autor ou editor da obra.
Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito
de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste
documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por
este aviso.
pombalina.uc.pt
digitalis.uc.pt
Série Autores Gregos e Latinos
Antologia Grega
Apêndice de
Planudes
(livro XVI)
ISSN: 2183-220X
Diretoras Principais
Main Editors
Assistentes Editoriais
Editoral Assistants
Comissão Científica
Editorial Board
antologia grega
Apêndice de
Planudes
(livro XVI)
Editores Publishers
Imprensa da Universidade de Coimbra Annablume Editora * Comunicação
Coimbra University Press
www.uc.pt/imprensa_uc www.annablume.com.br
Contacto Contact Contato Contact
imprensa@uc.pt @annablume.com.br
Vendas online Online Sales
http://livrariadaimprensa.uc.pt
Coordenação Editorial Editorial Coordination
Imprensa da Universidade de Coimbra
ISSN
2183-220X
ISBN
978-989-26-1331-4
© Abril 2017
ISBN Digital
978-989-26-1332-1 Annablume Editora * São Paulo
Imprensa da Universidade de Coimbra
DOI Classica Digitalia Vniversitatis
10.14195/978-989-26-1332-1 Conimbrigensis
http://classicadigitalia.uc.pt
Depósito Legal Legal Deposit Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de
Coimbra
Trabalho publicado ao abrigo da Licença This work is licensed under
Creative Commons CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/pt/legalcode)
Antologia Grega. Apêndice de Planudes
(livro XVI)
Greek Anthology. The Planudean (Book XVI)
Tradução, Introdução e Comentário por
Translation, Introduction and Commentary by
Carlos A. Martins de Jesus
Filiação Affiliation
Universidade de Coimbra University of Coimbra
Resumo
A Antologia de Planudes, conservada no autógrafo Marcianus gr. 481 do século
XIV, foi durante os séculos XVI-XVIII a única recensão do epigrama grego
conhecida e divulgada e exerceu, por isso mesmo, uma influência notável na
poesia e na cultura moderna em geral. Texto pedagógico nuclear para alunos
renascentistas de grego e latim, com frequência constituía o seu primeiro contato
com a literatura grega. Poetas e escritores de todos os tempos dela se serviram.
Erasmo, que copia e comenta nos Adagia cerca de cinquenta componentes, mas
também os Emblemmata de Alciato, pela primeira vez publicados em 1492, que
ilustram, traduzem para latim e comentam um muito maior número de epigramas.
O presente volume oferece em tradução os epigramas transmitidos por Planudes
que estão ausentes do Palatinus, nas edições modernas publicados como Livro
XVI da Antologia Grega. A grande maioria destes textos (356 de um total de
392) provêm do capítulo IV do Marcianus, recolha de epigramas descritivos
ou ecfrásticos. Destes, realçam os componentes dedicados aos aurigas de
Constantinopla (núms. 335-386), textos que a arqueologia demonstrou terem
conhecido a forma inscrita.
Palavras-chave
Antologia Grega, Antologia de Planudes, epigrama
Abstract
The Planudean, copied in the fourteenth-century autograph Marcianus gr. 481,
was between the sixteenth and the eighteenth centuries the single known garland
of Greek epigram, having had, therefore, a huge influence in modern poetry and
culture in general. As a didactic text it was for Renaissance students of Greek
and Latin, it was frequently their first contact with Greek literature. Poets and
other writers made a large use of it. Erasmus is an example, he who copies and
comments in his Adagia about 50 components, alongside Alciato’s Emblemmata,
first published in 1492, where a much larger number of epigrams are illustrated,
translated into Latin and commented. This volume offers in translation the epigrams
transmitted by Planudes that are absent from the Palatinus, nowadays published as
Book XVI of the Greek Antholoy. The larger part of them (356 out of 392) comes
from chapter IV of the Marcianus, a collection of ecphrastic poems. Among them are
the components dedicated to the charioteers of Constantinople (numbers 335-386),
which archaeology proved to have been actually inscribed.
Keywords
Greek Anthology, Planudean, epigram
Autora
Author
8
Sumário
Introdução
1. A Antologia Grega11
2. A recensão de Máximo Planudes 13
Bibliografia 22
Índice de Epigramatistas173
9
(Página deixada propositadamente em branco)
Introdução
Introdução
1. A A ntologia Grega
Parece remontar ao século IV a.C. o hábito de organizar
antologias poéticas de um só autor – de que são exemplo as
diversas Simonidea de que há notícia, com um conjunto de
inscrições atribuídas ao poeta de Ceos, não necessariamente da
sua lavra, muitas delas sequer suas contemporâneas. A prática
ganharia um desenvolvimento mais evidente durante o século
III a.C., quando os próprios poetas terão passado a organizar
coletâneas das suas composições, que assim conseguiam maior
divulgação – Ânite, Asclepíades, Calímaco ou Posidipo são
disso exemplos. A verdade é que o epigrama deixara, há um
século pelo menos, de ter como funcionalidade exclusiva a sua
inscrição na pedra. Chegados ao século III a.C., a sua vertente
ficcional, com os mais diversos temas e propósitos, tinha já as-
cendido à categoria de género literário, cedo se transformando
na forma poética de eleição para a maioria dos poetas. Tanto
que a reunião antológica de epigramas de diversos autores, como
bem explica Alan Cameron (1993: 4), mais do que uma opção,
terá sido uma consequência inevitável.
A Antologia Grega, vulgarmente conhecida como Antologia
Palatina devido ao principal manuscrito que no-la transmitiu,
consiste nas edições modernas num vasto conjunto de epigramas
em diversos metros, ainda que maioritariamente em dísticos
elegíacos, organizado em dezasseis livros, e que perfaz a
impressionante soma de mais de quatro mil componentes poéticos.
Trata-se, inegavelmente, do maior florilégio poético em língua
11
Carlos A. Martins de Jesus
1
Além dos três florilégios principais, que desde logo nos permitem a
transmissão de epigramas de um vastíssimo lapso temporal, tem-se como
muito provável o uso direto de antologias pessoais de poetas com ampla
presença na Antologia, como já referíamos, como sejam Estratão (livro
XII), Páladas, Rufino ou Leónidas, além de recolhas autorais como os
Simonidea, os Anacreontea ou coletâneas sobre Homero, por exemplo.
12
Introdução
2
À segunda edição da Anthologia Graeca de Jacobs (21813-1817)
se deve, na realidade, a primeira numeração dos poemas exclusivos da
tradição Planudea, editados em apêndice à referida edição. É sua, em
rigor, a editio princeps dos textos com a ordem em que aqui se traduzem.
13
Carlos A. Martins de Jesus
1. Epigramas exortativos
2. Epigramas báquicos e satíricos
3. Epigramas funerários
4. Epigramas descritivos (ecfrásticos)
5. Écfrase de Cristodoro
6. Epigramas dedicatórios
7. Epigramas eróticos
Os quatro primeiros capítulos apresentam todos eles uma
adenda, em apêndice final ao códice anunciado pelo escriba
como copiado de outro manuscrito. Ora, se parece inegável
que Planudes conheceu, possuiu e trabalhou com a Antologia
de Céfalas, a mesma em que se baseara o anónimo copista do
Palatinus, o certo é que, no que respeita a um total de 3923
componentes ausentes do último, a crítica textual demonstrou
que não terá usado qualquer cópia de P. Como tal, podem os
epigramas que neste volume se traduzem ter sido colhidos nou-
tras fontes manuscritas ou na mesma antologia de Céfalas, as-
sumindo, para o último cenário, que o escriba de P não incluiu,
deliberadamente ou devido a qualquer acidente de transmissão,
os referidos componentes.
É a variedade, a todos os níveis, a característica que melhor
define os epigramas deste conjunto. Os primeiros dezoito
3
Na realidade, copiam-se 403 componentes que, descontadas as
repetições, supressões ou duplicações de numeração, dá o resultado
referido.
14
Introdução
4
Desde Constantino I e a própria reconstrução de Bizâncio, os
sucessivos imperadores foram transformando Constantinopla num ver-
dadeiro museu público de arte antiga, i.e., da Antiguidade Clássica ou
do período alexandrino. Dois casos flagrantes. Um, a verdadeira mostra
escultórica que pululava pelos Balneários de Zêuxipo, as obras de arte na
origem do longo poema de Cristodoro (livro II da Antologia), composto
provavelmente sob os auspícios do imperador Anastásio. Sobre ele, vd.
Martins de Jesus (2015b: 11-19). Outro, a quantidade imensa (e progres-
sivamente acrescentada) de esculturas, algumas dos que ainda hoje são
os mais famosos artistas plásticos clássicos, patentes no Hipódromo de
Constantinopla. Vd. sobre o assunto Bassett (2004: esp. 212-232).
15
Carlos A. Martins de Jesus
5
Vd. Gutzwiller (2004) e o nosso recente estudo (Martins de Jesus
2015a).
16
Introdução
17
Carlos A. Martins de Jesus
6
À exceção dos epigramas para os aurigas de Constantinopla (núms.
335-387), nos quais é regra a ausência de atribuição.
18
Introdução
Apêndice
7
Para um comentário a estas bases, a transcrição crítica, tradução e
comentário das suas inscrições (entre as quais alguns epigramas) e o seu
sentido político e desportivo, o estudo mais detalhado continua a ser o
de Cameron (1973).
19
Carlos A. Martins de Jesus
8
Para um esquema ilustrativo do espaço do Hipódromo e da posição
que nele ocupariam as estátuas dos atletas vd. Cameron (1973: 182).
Muito mais do que claques desportivas organizadas, estas fações – quatro
no total, Verdes, Azuis, Vermelhos e Brancos, todas elas referidas nos
epigramas – organizavam os jogos, patrocinavam as esquipas e os
aurigas, dos quais depois erguiam estátuas no Hipódromo, símbolo (pela
qualidade e quantidade das mesmas) do seu prestígio e poder. Sabemos
do peso político que chegaram a conseguir, entre outras muitas razões,
pelo caso paradigmático da Revolta de Nike. Começando por um
desacordo na arbitragem da corrida de 13 de janeiro de 532, desembocou
num conflito civil armado entre as diferentes fações que fez perigar o
mesmíssimo imperador e destruiu meia-Constantinopla.
9
O lema do núm. 380 apenas fala de eikones (lit. qualquer tipo de
representação pictórica), ao passo que o lema do poema anterior se refere
a stelas, termo que na realidade pode designar os dois registos que men-
cionámos.
20
Introdução
21
Carlos A. Martins de Jesus
Bibliografia
22
Introdução
23
(Página deixada propositadamente em branco)
Introdução
O A pêndice de Planudes
A ntologia Grega XVI
25
(Página deixada propositadamente em branco)
O Apêndice de Planudes
1. De Damageto
Não sou lutador nem de Messene, nem de Argos1:
Esparta, a Esparta de ilustres varões é minha pátria.
Ardilosos são todos os outros; quanto a mim, como fica bem
aos filhos dos Lacedemónios, é pela força que triunfo2.
2. [De Simónides]3
Reconhece Teogneto4, o vencedor olímpico,
ao ver este rapaz, experimentado auriga da palestra
– lindo de se ver, atleta não menos esplêndido –
que cobriu de grinaldas a cidade de seus valorosos pais.
1
É histórica a rivalidade política entre Messene e Argos.
2
A ausência do nome do atleta, bem assim do local em que obteve
vitória, faz supor que o epigrama estivesse gravado na base de uma es-
tátua real (dedicada, por exemplo, em Olímpia), na qual haveria outra
inscrição em prosa com a sua identificação.
3
A atribuição a Simónides, deste como dos demais epigramas, não é
segura. Na maioria dos casos, de resto, trata-se de antigas inscrições que
entraram na tradição epigramática sob a autoria de Simónides (a sylloga
Simonidea).
4
Teogneto de Egina, primeiro vencedor olímpico na luta, na faixa
etária dos rapazes. Segundo Pausânias (6.9.1), tinha a sua estátua, da
autoria de Ptólico, na Áltis de Olímpia, e é possível que o epigrama
provenha desta base. Foi referido por Píndaro, na Pítica 8 (datável de 446
a.C.) como tio do atleta aí celebrado, Aristomenes de Egina.
27
Antologia Grega XVI
3. [Do mesmo]
Sobre as provas
No Istmo e em Pito venceu Diofonte, o filho de Fílon,
no salto, na corrida, no disco, no dardo e na luta5.
4. Anónimo
O que terá dito Heitor, ao ser arrastado pelos Gregos
Açoitai ainda agora o meu cadáver; pois mesmo
a carcaça de um leão as larvas profanam.
5. De Alceu de Messene
Xerxes levou da Pérsia a armada contra a terra da Hélade,
e Tito levou-a desde a vasta Itália;
um fê-lo para submeter ao jugo o pescoço da Europa6,
o outro para livrar a Hélade da servidão7.
6. Anónimo
O soberano da Europa8, o que sobre o mar e a seca terra
é senhor dos mortais como Zeus é dos imortais,
5
Este desconhecido – e a ausência do toponímico denuncia que se tra-
taria de uma inscrição na sua cidade natal – era, portanto, um pentatleta.
6
A imagem simbólica d’Os Persas de Ésquilo.
7
Epigrama sobre a Batalha de Cinoscéfalos (197 a.C.), na qual Filipo
de Macedónia foi derrotado pela Liga Etólia. Tito (Q. Famínio) é o
mesmo general cuja vida foi escrita por Plutarco (cf. Flamínio 8-9).
8
Filipo V de Macedónia dedica os despojos capturados aos Odrísios
e ao seu rei Ciroadas. Pode o texto referir-se à campanha que Políbio
(23.8.4) e Tito Lívio (39.53) datam de 183 a.C., ou a outra expedição
anterior, em 204 a.C.
28
O Apêndice de Planudes
7. De Alceu de Messene
Ao harmonioso coro acrescentando a doçura das suas flautas,
Doroteu entoou a história dos plangentes Troianos,
o filho de Sémele com o raio9, e também entoou o estratagema
do cavalo, ele, o companheiro das Graças que nunca
[morrem.
Apenas ele, entre os profetas sagrados de Dioniso,
escapou ao hábil bater de asas da Crítica,
esse Tebano de nascimento, filho de Sósicles. E ao templo
de Lieu dedicou a sua boquilha10 e as flautas.
8. Do Mesmo
Sobre a estela de um sátiro
Não mais, pela Frígia que cria pinheiros, destilarás
o som entoado pelas tuas canas cinzeladas,
nem nas tuas mãos o instrumento de Atena Tritónia
como antes florescerá, ó sátiro filho de uma ninfa11!
9
Sémele teria concebido Dioniso após ser atingida pelo raio de Zeus.
10
Instrumento de couro que servia para unir duas flautas, tocadas
em simultâneo.
11
Mársias (que Platão considera um sátiro, e Heródoto um sileno)
teria encontrado a flauta inventada e logo descartada por Atena – porque,
ao tocá-la, se lhe inchavam as bochechas, aspeto que não lhe agradava,
29
Antologia Grega XVI
9. Anónimo
Barriga de carraças! Por tua culpa uns aduladores parasitas
vendem por uma sopa o direito à liberdade.
10 [= AP 9.11812] Anónimo
Ai de mim, desgraçado, a quem a juventude e a velhice
[dominam:
uma porque se aproxima, a outra que já se me escapa.
11. De Hermocreonte
Ao passar, estrangeiro, senta-te à sombra deste plátano,
cujas folhas o Zéfiro sacode com seu suave sopro,
aqui, onde me pôs Nicágoras, a mim, o ilustre Hermes
filho de Maia, para lhe guardar o campo fértil e o gado.
30
O Apêndice de Planudes
12. Anónimo
Sobre uma estátua de Pã junto a uma fonte
Vem e senta-te sob o meu pinheiro que tão docemente
murmura, açoitado pelos Zéfiros gentis!
há um fio de água da doçura do mel, e ao som
das minhas flautas solitárias trago o doce sono.
14. De Zenódoto
Sobre Eros
Quem talhou e pôs este Eros junto às fontes,
julgando apagar com água um tal fogo?
15. Anónimo
Ei-lo, o que antes se embriagava da fonte de vinho de Brómio,
o habitué dos bacanais, o sátiro de pés de bode,
atado pelos tornozelos com grilhões inquebrantáveis,
13
Como no caso de Simónides, um conjunto de epigramas entrou
na tradição antológica sob a pretensa autoria de Platão, o filósofo, mas
nenhum lhe deve na realidade pertencer.
31
Antologia Grega XVI
15b. Anónimo
– Onde estão as tuas taças, meu bebedolas? Onde estão as
[tranças
dos tirsos e os belos cortejos, Sátiro de pés saltitantes?
Quem colocou, ao lado do cinzel, uma corrente sonora atada
aos teus pés, tu que antes envolvias Brómio em cueiros15?
– A odiosa pobreza e a necessidade que tudo suporta
me puseram junto a Hefesto comendo pó de carvão.
16. Anónimo
Sobre a justa-medida
O que é de mais é moléstia! Como diz o ditado,
até o mel, quando é demais, se torna fel.
17. Anónimo
Sobre uma estátua de Pã16
Entoa, Pã, a melodia sagrada aos rebanhos que pastam,
com os lábios côncavos colados às canas de ouro,
para que, fartos, abundantes dádivas de branco leite
14
Pode tratar-se de uma representação do atelier de Hefesto, que plas-
ticamente surge auxiliado tanto pelos ciclopes como por sátiros e silenos.
O drama satírico de Eurípides também pode estar implícito.
15
Trata-se de Sileno, o velho sátiro que criou Dioniso.
16
Cf. núms. 226 (Alceu de Messene), 231 (Ânite) e 232 (‘Simónides’).
32
O Apêndice de Planudes
33
Antologia Grega XVI
18. Anónimo
Goza o prazer de dever dinheiro; os credores
que crispem os dedos de tanto contar.
19. Anónimo
“A Paz esteja com todos!” – proclamou o bispo ao chegar.
Como pode ela estar com todos, se a tem só para si?17
20. Anónimo18
Espantei-me ao ver Mauro, o retórico de lábios pesados,
o demónio vestido de branco da arte da retórica.
17
Deve tratar-se de Diodoro, bispo de Alexandria a partir de 444.
deposto pelo Concílio de Calcedónia em 451, de quem se conhecia uma
concubina chamada Irene (em grego, Eirene significa “paz”).
18
Beckby atribui o epigrama a Páladas (Cf. AP 11.204).
34
O Apêndice de Planudes
21. Anónimo
Sobre Nicolau, patriarca de Alexandria
Aquele que domou reis e pôs cobro à arrogância
dos inimigos em nome da justiça dos nossos pais
aqui repousa, debaixo deste túmulo modesto,
Nicolau19, o que foi supremo sacerdote de Cristo.
Voou a sua virtude abençoada até aos limites do mundo,
e a sua alma habita as mansões dos bem-aventurados.
Era essa a vida a que aspirava quando estava na terra,
mortificando o corpo belo com meritórios trabalhos.
22. Anónimo
Sobre o mesmo
Estela da justiça e ex-voto da temperança,
esta imagem de Nicolau erigiu Gregório20.
19
Provavelmente Nicolau I, patriarca de Constantinopla entre 901-
925, embora o lema indique tratar-se de um Nicolau de Alexandria.
20
Deve tratar-se de um bispo de Éfeso.
21
I.e. nos Jogos Píticos, em Delfos.
35
Antologia Grega XVI
25. De Filipo
Se ouviste falar de Damóstrato24, o atleta de Sinope
que seis vezes recebeu no Istmo a coroa de pinheiro,
é ele que aqui vês! Jamais, por cair na tortuosa luta,
foram as suas costas marcadas pela areia.
Repara nessa mirada poderosa, como quem
conserva ainda essa antiga ânsia de vitória.
Proclama o bronze: “Liberta-me deste pedestal,
e, como vivo, por sétima vez me cobrirei de pó25.”
22
Mílon de Crotona, atleta de finais do século VI a.C., que segundo
Pausânias (6.14.5) venceu sete vezes nos Jogos Píticos e seis nos Olímpicos.
A proximidade temporal com Simónides é responsável pela atribuição do
epigrama, certamente a inscrição de uma estátua do atleta.
23
A derrota dava-se apenas quando o atleta caía de costas, mas Mílon
sequer apoiou os joelhos na terra, o que reforça a sua invencibilidade.
24
Atleta desconhecido e, para mais, de nome pouco frequente.
25
Gregos e Romanos cobriam o corpo de pó antes de iniciar a luta.
26
Pode tratar-se de um epitáfio coletivo para os Atenienses mortos na
guerra (que contudo ganharam) contra os Beócios e os Calcídios, em 507
a.C. – o que tornaria mais provável a atribuição a Simónides –, além de
outros conflitos, como as lutas entre Atenas e a Eubeia de 411, 378 e 358 a.C.
27
O estreito que separa a Eubeia da Beócia.
36
O Apêndice de Planudes
27. Anónimo
Epitáfio para Sardanapalo
Sabes que és, por natureza, mortal! Por isso, coragem,
goza uma vida agradável! Ao morrer, finda o prazer!
Também sou cinza, eu que reinei a grande Nínive28.
Tenho apenas quanto comi e bebi, os dons de amor
que conheci; os bens e a prosperidade, esses foram-se.
Esta a conduta de vida mais prudente para os homens.
28. Anónimo
Sobre uma estátua de Pronomo, auleta de Tebas
A Hélade concedeu a Tebas o pódio nas flautas;
e Tebas a Pronomo29, o filho de Oiníades.
29. Anónimo
Se alguma vez ouviste falar do amável filho de Eniálio30,
de força poderosa e corajoso nas batalhas,
sabe que não é outro que Heitor, o filho de Príamo,
esse que em pleno combate matou o amante de Diomeda31
quando combatia os Dânaos em defesa da terra dos Troianos;
esse o cadáver que este túmulo que vês cobre de terra.
28
Sardanapalo (ou Assurbanipal) foi rei dos Assírios entre 669-626
a.C. e morreu num incêndio do seu palácio na Babilónia. Diodoro (2.23)
considera que este epigrama seria o epitáfio composto pelo filho do rei,
ao passo que Estrabão o atribui a um tal Quérilo (poeta trágico do século
VI a.C. ou um autor de Samos do século seguinte).
29
Auleta do final do século V a.C., cuja fama e estátua em Tebas
refere Pausânias (9.12.5-6).
30
Ares.
31
Aquiles. No final do canto IX da Ilíada, o herói dorme com Dio-
meda, filha do rei Forbas de Lesbos.
37
Antologia Grega XVI
30. De Gémino
A mão de Polignoto de Tassos32 me fez. Eu sou aquele
Salmoneu33, o louco rival dos raios de Zeus,
que ainda no Hades me destrói e com os seus raios
me fulmina, odiando até o meu retrato mudo.
Cessa, Zeus, a tempestade! Acalma a cólera! Já não respira
o teu alvo! Não faças guerra a imagens sem vida!
31. De Espeusipo
O corpo de Platão, esta terra o guarda no seu seio,
mas a sua alma é da estirpe divina dos bem-aventurados.
32
Pintor ateniense (c. 500-440 a.C.), autor dos frescos de vários tem-
plos e pórticos da cidade. Planudes escrevera, erroneamente, “Policleito”
(um escultor), erro que parece repetir-se no núm. 150.
33
Mítico rei da Élide que tentou imitar os raios e trovões de
Zeus com tochas e com o ruído do seu carro, respetivamente. Zeus,
naturalmente, fulminou-o com um raio verdadeiro. A história vem
contada em Apolodoro (1.9.7), Virgílio (Eneida 6.585-586) e Valério
Flaco (Argonáuticas 1.659-665).
38
O Apêndice de Planudes
34
Filho de Hélios (o Sol) e da oceânide Clímene, Faetonte quis
conduzir o carro de seu pai e, nessa viagem, aproximando-se demasiado
da terra, terminou morto por Zeus para evitar a conflagração universal.
35
O epigrama identifica Faetonte com o próprio Sol.
36
Professor de direito ou jurisconsulto da época de Justiniano e
Justino II (c. 555).
37
Por Roma, entenda-se Constantinopla (a nova Roma) e, por Béroe,
a atual Beirute, desde o século III um importante centro de direito.
38
Por certo um eunuco de Bizâncio da intimidade do Imperador
Justiniano.
39
Antologia Grega XVI
35. Anónimo
Os Cários, em recordação das suas muitas boas-ações,
a Pálmato41 agradecem a sua imensa justiça.
36. de Agátias
Sobre o retrato de um mestre dedicado em Pérgamo ao cabo de
uma embaixada política
Os retratos que merecem o teus discursos, pela sua fluência
e doçura, perdoa-nos o atraso em oferecer-tos!
Mas hoje, pelos suores e pelo esforço que devotaste à cidade,
por fim te representamos nesta imagem, Heráclamo42.
Se é parca a homenagem, não nos censures: é desta forma
que costumamos homenagear os homens de bem.
39
Cidade da Lídia fundada no século II por uma colónia macedónica
sob o governo de Átalo II.
40
Personagem de identificação impossível.
41
Apenas sabemos que se trata de um governador da província da
Cária, desmantelada no século VII. A identificação de Pálmato e uma
datação mais precisa do epigrama são impossíveis.
42
Professor de retórica e advogado de Pérgamo.
40
O Apêndice de Planudes
43
Cameron (1966: 17) pensa que a alcunha Minotauro, que acompanha
o nome de Leôncio na epígrafe de vários epigramas, seria um patronímico.
44
Duas vezes Prefeito do Oriente (543-546 e 556-562/565) e digni-
tário consular em 542.
45
A representação incluiria figuras femininas alegóricas dos cargos
políticos deste Pedro.
46
Insígnia do posto de Cônsul.
47
Rio de Esparta.
48
Rio da Ática.
49
Desconhecido, professor e general.
50
Atual Geórgia.
51
Viviam em Písida, na região do Termesso.
41
Antologia Grega XVI
40. De Crinágoras
Sobre um retrato de Crispo
Três Fortunas54 apenas por vizinhas não é justo que tenhas,
Crispo55, graças ao teu coração de grande riqueza,
antes quantas há neste mundo! Para um indivíduo assim,
o que pagará a sua imensa bondade para com os demais?
Oxalá César56, que é mais poderoso ainda que estas, te eleve
mais alto! Fortuna alguma sem ele se sustém?
52
Filhos de Agar, os Ismaelitas da tradição bíblica. Um códice em
específico prefere a lição “os Sarracenos”, comum a Procópio.
53
Prefeito de Bizâncio no século VI. Vd. infra, núm. 314.
54
Três templos consagrados à deusa Fortuna, por certo os que se
localizavam perto do Horti Sallustiani, como testemunham Vitrúvio
(3.2.2) e Tácito (Histórias 3.82).
55
Pode tratar-se de Gaio Salústio Crispo (morto no ano 20),
sobrinho-neto do historiador Salústio, o mesmo indivíduo referido por
Horácio (Odes 2.2) e Tácito (Histórias 3.30).
56
Octávio César Augusto.
57
Palácio dedicado a Gala Placídia (m. 450), filha de Teodósio I e
imperatriz consorte de Constâncio III (cujo reinado apenas durou sete
meses do ano 421).
58
Um responsável pelo tesouro imperial que não logramos identificar.
Cameron (1966: 9) julga que terá tido a seu cargo a gestão dos opulentes
42
O Apêndice de Planudes
42. Anónimo
Sobre uma estátua de Teodósio, prefeito em Esmirna
A Teodósio60, grande pelos seus conselhos, prefeito da Ásia
e procônsul, dedicamos esta estátua de mármore,
pois ressuscitou Esmirna e de novo a conduziu à luz,
e agora a celebramos por seus monumentos admiráveis.
43. Anónimo
Sobre uma estátua de Damócaris em Esmirna
Damócaris61, espírito genial, é para ti, governador, esta glória,
pois Esmirna, passadas as mortais desgraças do terramoto,
trabalhando arduamente de novo e outra vez tu a ergueste.
43
Antologia Grega XVI
44. Anónimo
A terra inteira, Majestade62, canta para sempre o teu poder,
pois destruíste as fileiras dos inimigos e o brilho da luz
aos homens de bem devolveste, passado o terrível combate,
dissipando as agruras da guerra civil que desatrelara cavalos.
45. Anónimo
Sobre um retrato do cônsul Teodoro
Nós, os oradores, estávamos na disposição de honrar
Teodoro63 com retratos dourados, signo de memória eterna,
não fugisse sempre ele do ouro, mesmo do dos retratos64.
46. Anónimo
Este Nicetas65, audaz lanceiro, o imperador, o exército, as
[cidades e o povo
o ergueram pelos seus grandes trabalhos na destruição dos
[Persas.
62
Feminino no original (basileia), este vocativo refere-se à imperatriz
Teodora, esposa de Justiniano I, a qual teve de facto um papel determi-
nante na resolução da Revolta de Nike (o “terrível combate” e as suas
consequências dos versos 3-4). Vd. Intr., nota 11.
63
O nome era frequente no Baixo Império. Apenas algumas hipó-
teses de identificação: (1) Teodoro, que mandou construir o oratório do
imperador Justino I (AP 1.97), cônsul em 505 e 525; (2) o chefe dos
funcionários (magister officiorum) do palácio do mesmo imperador, cujo
retrato foi ofertado à Igreja de S. João de Éfeso e, para cuja ocasião, o pre-
sente epigrama poderia ter sido composto – essa a opinião de Cameron
(1966: 22).
64
Nota sobre a incorruptibilidade do homenageado.
65
Um patrício, colaborador do imperador Heráclio, seu tio. A guerra
contra os Persas a que alude o epigrama durou entre 622 e 630, terminan-
do com a derrota dos últimos.
44
O Apêndice de Planudes
47. Anónimo
Ao que foi grande nas batalhas, o impávido general,
Nicetas, pelos seus méritos, os Verdes66.
48. Anónimo
Sou Proclo, o filho de Paulo de Bizâncio que a corte real
arrancou dos palácios da Justiça, onde eu florescera,
para ser porta-voz fiel do imperador todo-poderoso67.
Proclama o bronze o prémio merecido dos meus trabalhos!
Em tudo semelhantes foram as carreiras de pai e filho,
mas nas lides consulares68 este filho superou o pai.
49. De Apolónides
No passado admirava-se Cíniras ou os dois Frígios69;
agora nós, Leão, a tua beleza cantaremos,
afamado filho de Cécafo! A mais afortunada das ilhas
é sem dúvida Rodes, onde brilha um tal sol.
66
Outro epigrama para a mesma ou outra estátua do mesmo indiví-
duo do núm. 46. Os Verdes são uma das quatro fações de Constantinopla,
sobre os quais deve ler-se, na introdução, a secção dedicada aos epigramas
das estátuas dos aurigas do Hipódromo.
67
Proclo, um pretor, foi nomeado questor de Justino I (518-527),
ofício que já ocupara seu pai Paulo.
68
Não há indícios de um consulado de Proclo, pelo que deve ter sido
cônsul honorário.
69
Cíniras foi o primeiro rei mítico de Chipre, a quem se atribui a
introdução do culto de Afrodite na ilha. Os dois frígios são, naturalmente,
Ganimedes e Páris, modelos da beleza masculina.
45
Antologia Grega XVI
52. De Filipo
Pode ser, estrangeiro, que ao ver-me com barriga de touro
e estes robustos músculos, como um segundo Atlas,
te espantes e duvides que sou de natureza mortal!
Sabe que sou Heras de Laodiceia72, atleta do pancrácio,
o que coroaram Esmirna, o carvalho de Pérgamo,
Delfos, Corinto, Élis73, Argos e também o Ácio.
Se buscas contar as vitórias nos demais jogos,
vale mais a pena contar os grãos de areia da Líbia.
70
Nenhuma informação sobre este Leão. A luta com o leão de Nemeia
era, na tradição helenística, o último dos doze trabalhos de Héracles.
O Alcida é Héracles, segundo algumas fontes descendente de Alceu (cf.
Calímaco, Hino a Diana 145).
71
Lutador desconhecido da faixa etária das crianças.
72
Cidade a cerca de 60 km a leste de Éfeso. Originalmente chamada
de Dióspolis, mudou de nome em homenagem a Laodice, esposa de
Antíoco II de Téos, que a reconstruiu.
73
Capital da Élide, aqui como referência aos Jogos Olímpicos.
46
O Apêndice de Planudes
53. Anónimo
Sobre um corredor
Se Ladas74 saltou sobre o estádio, ou passou a voar,
não sei dizer – ó divina velocidade a sua!
54a. Anónimo
Sobre o mesmo
Tal qual eras, inspirado Ladas, correndo sobre as asas do vento
†o teu trilho, e na ponta †do pé exalando o teu alento,†
assim te forjou Míron75 no bronze, em todo o teu corpo
imprimindo a ambição pela grinalda de Pisa.
54b. Anónimo
Cheio de esperança ele está, e à volta dos lábios se lhe nota
a transpiração que vem do profundo das coxas.
Em breve se lançará o bronze à grinalda, e não há de a base
detê-lo – ó arte essa, mais veloz ainda que o vento!
74
Os núms. 53 e 54a-b referem-se ao corredor supostamente Argivo
(Pausânias 2.19.7) de meados do século V a.C. de quem Míron terá feito
uma estátua muito conhecida (núm. 54a), uma autêntica estrela despor-
tiva do tempo, ao ponto de ter rebatizado com o seu nome o estádio de
Mantineia no qual treinava (Pausânias 8.12). O seu túmulo teria sido
erguido nas margens do Eurotas, perto de Esparta, onde falecera no
regresso vitorioso de Olímpia (Pausânias 3.21.1). O presente epigrama
pode ser cópia da inscrição da sua estátua no mesmo estádio de Olímpia.
75
O vocabulário e o estilo do epigrama deixam claro que não se
tratava de uma inscrição da base da estátua original de Míron, antes de
uma écfrase tardia da mesma, porquanto, como tantas outras, também
esta estátua terá tardiamente sido levada de Olímpia para Roma.
47
Antologia Grega XVI
56. Anónimo
A Eusébio, a Roma Bizantina76 dedicou esta estátua,
esta e duas outras, pelo seu talento de auriga.
Foi coroado não em consequência de vitória muito disputada,
mas por muito exceder a velocidade e força dos cavalos.
Assim eclipsou a luz dos adversários; e à antiga disputa,
a que dividia o povo, também a essa pôs cobro77.
76
Constantinopla. Cameron (1973: 252) chama à atenção para o
facto desta construção, “Roma Bizantina”, não aparecer atestada antes
de 560.
77
Epigrama de origem epigráfica para um auriga de Constantinopla,
provavelmente dos finais do governo de Justiniano (apud Cameron 1973:
252-258), num momento em que a fama das corridas de carros come-
çava já a decair. O facto de a presente composição não constar entre os
núms. 335-387 sugere que a estátua deste Eusébio não estava erguida no
Hipódromo.
78
A insistência, neste epigrama e no seguinte, na animação furiosa
da estátua, levou a sugerir que se tratava da Bacante de Escopas (séc.
IV a.C.), a dada altura transferida para Constantinopla – como parece
indicar o lema do núm. 57. Perdido o original de Escopas, crê-se que a
conhecida como Bacante de Dresden (Dresden Albertinum inv. 133) é
dele uma cópia romana.
48
O Apêndice de Planudes
58. Anónimo
Sobre o mesmo
Parai essa bacante! Não vá ela, mesmo de mármore,
transpor o portal e escapar-se do templo.
61. De Crinágoras
Sobre [uma estátua] de Nero
Oriente e Ocidente, os limites do mundo. As empresas
de Nero81 atingiram os dois extremos da terra.
79
Instrumento musical que, pela iconografia, podemos aproximar
das castanholas.
80
A incongruência da atribuição a Simónides (séc. VI a.C.) de um
epigrama que refere o escultor Escopas (séc. IV a.C.) dispensa qualquer
explicação. Natural de Paros, Escopas exerceu a sua atividade na primeira
metade do século IV a.C. e foi colaborador de Praxíteles (vd. núm. 129
e nota ad loc.). Tal como Lisipo (vd. núm. 120 e nota ad loc.), era um
sucessor do estilo de Policleito (cd. núm. 216 e nota ad loc.).
81
Tibério Cláudio Nero César, imperador romano entre 14-37, o
direto sucessor de Augusto, seu padrasto. As campanhas militares men-
cionadas no poema são anteriores à sua coroação como Imperador.
49
Antologia Grega XVI
62. Anónimo
Sobre uma estela do imperador Justiniano no Hipódromo
Estas oferendas, soberano destruidor dos Persas, te concede
Eustácio85, em simultâneo pai e filho86 desta tua Roma:
um cavalo pela vitória, outra Vitória que te cinge com a grinalda,
e tu próprio, montando um corcel veloz como o vento.
Alto se eleva, Justiniano, o teu poder! E que, sobre a terra,
[para sempre
estejam agrilhoados os bastiões dos Persas e dos Citas87.
63. Anónimo
Sobre o mesmo88
Um cavalo, o imperador e ainda a Babilónia89 destruída,
82
Submetida numa batalha em 20 a.C.
83
A referência pode ser a uma de várias expedições, seja a do ano 16
a.C., seja as dos anos 9 e 7 a.C., ou mesmo, posterior, a dos anos 4-6 da
nossa era.
84
Rio da Ásia.
85
Prefeito de Constantinopla (c. 530) do governo de Justiniano I (527-565).
86
Na realidade, dois títulos oficiais, respetivamente, os de Prefeito e
cidadão honorífico.
87
Justiniano firmara uma suposta paz perene com os Persas em 530,
a qual não duraria mais que dois anos. Assim, o ano de 532 parece de
aceitar como terminus post quem do epigrama.
88
Erro do lema. Não deve tratar-se da mesma estátua, desde logo
porque é outro o indivíduo que a dedicou.
89
Exagero do poeta. Justiniano I nunca chegou à Babilónia propria-
mente dita.
50
O Apêndice de Planudes
64. Anónimo
Sobre o mesmo
Eu, o Prefeito Teodoro, nas margens deste rio erigi
esta estátua brilhante para o imperador Justino,
para que mesmo no porto difunda serenidade92.
65. Anónimo
Sobre uma estátua do imperador Teodósio
Avanças da Anatólia, Teodósio93, para os mortais um outro sol
que traz a luz, umbigo do mundo, coração cheio de
[bondade,
tu, que a teus pés tens o Oceano e a terra que não tem fim,
resplendor universal, armado de elmo, ágil condutor de
[ilustre
cavalo – ó grande herói – que contudo deseja escapar-se.
90
I.e. o Oriente.
91
Cônsul e Prefeito do Oriente de Justiniano I e Justino II.
92
Justino II (imperador entre 565-578), que tinha o título de
“sereníssimo”, havia reconstruído o porto Juliano em 570. Aí estaria
a estátua mandada erguer por este Teodoro, em cuja base devia estar
inscrito o presente epigrama.
93
Inscrição para a estátua equestre monumental que o imperador
Teodósio mandou erguer no Fórum com o seu nome, em 393.
51
Antologia Grega XVI
66. Anónimo
Calíades, general bizantino, ergueu esta famosa estátua junto
da assim chamada Basílica de Bizâncio, onde se lia assim:
O poderoso Bizas e a amável Fidália94, forjando-os
em memorial único, Calíades os dedicou.
67. Anónimo
Sobre o mesmo
A amável Fidália represento, a esposa de Bizas;
sou oblação por um enfrentamento penoso95.
69. Anónimo
A Zenão97, o imperador, dedicatória do Prefeito Juliano98;
a Ariadne, a esposa de Zenão, do mesmo Juliano.
94
Respetivamente, o fundador mítico de Bizâncio e a sua esposa.
95
À letra, “por uma prova digna de touros”. Das muitas interpretações
que sem têm dado à expressão, preferimos a que entende a alusão à mítica
derrota, encabeçada pela esposa de Bizas, dos Citas que atacavam a cidade.
96
Deve referir-se à esposa de Ptolemeu I (Sóter), sátrapa do Egito entre
323-283 a.C. A ela, que terá morrido por volta de 280 a.C., eram dedica-
dos templos nos quais era venerada como associada de Afrodite. Alvo do
mesmo culto foi a homónima esposa de Ptolemeu III Evergeta ou a filha de
Ptolemeu II Filadelfo, também apontadas como hipóteses de identificação.
97
Imperador que sucedeu a Leão I e governou até à data da sua morte,
em 491.
98
Prefeito do governo dos imperadores Anastásio e Justino I, também
o poeta da Antologia conhecido como Juliano do Egito.
52
O Apêndice de Planudes
70. Anónimo
O soberano que viu florescer o palácio do Hélicon,
graças aos trabalhos gloriosos do prefeito Juliano,
fixou-se, todo em ouro, junto às mansões das Piérides99.
71. Anónimo
A glória de Juliano todos a celebram, ele que, tendo honrado
as Piérides, erigiu uma estátua de ouro para Anastásio.
99
As expressões “palácio do Hélicon” e “mansões das Piérides” (as
Musas) referem-se à Biblioteca de Constantinopla (também conhecida
como Museu), construída durante o governo de Juliano e destruída pelo
fogo em 477. O epigrama celebra, ao que parece, a sua reconstrução
pelo mesmo Prefeito Juliano do epigrama anterior, durante o governo de
Anastásio I (post 491), de quem se ergueu in situ uma estátua em ouro – a
mesma que é referida no epigrama seguinte.
100
Erro do lema. O imperador celebrado é Justino I (v. 8) e não
Justiniano I, o seu sucessor.
101
Justino I conseguira que, após dez anos de guerra com os Ábares
(tribo dos Citas), estes se mantivessem em paz. Mas a guerra com a Pérsia,
apesar da paz assinada em 540, prolongar-se-ia até 577, com avanços e
recuos de ambas as partes. O epigrama formula então dois desejos, a
destruição da Pérsia e o final das hostilidades com os Citas (o Istro é o
Danúbio), simbolicamente representados na construção de duas estátuas
do imperador pelos inimigos.
53
Antologia Grega XVI
73. Anónimo
O que adornou o assento consular, por três vezes foi Prefeito
e a quem chamavam pai103 os imperadores todo-poderosos,
esse Aureliano104 aqui se ergue em ouro. Encargo do Senado,
a cujos problemas sequer ele próprio foi capaz de dar solução.
74. Anónimo
Para um governante
À doçura do mel mistura um pouco de medo, pois a própria
abelha zumbidora assim apetrecha o seu aguçado aguilhão;
sem o chicote, tampouco um cavalo arrogante segue a direito,
nem um grupo de porcos obedece à vontade do porqueiro
sem que antes ouça o som do bastão que ressoa ao longe.
102
Os primeiros anos do governo de Justino foram económica e
socialmente frutíferos. Em concreto, há aqui referência à restauração do
título de Cônsul, em 566, abolido no governo anterior.
103
Pode aludir à sua posição de Senador ou Prefeito.
104
Flávio Aureliano, Cônsul em 404 e Prefeito de Constantinopla
em 393, 402 e 404.
54
O Apêndice de Planudes
105
Deve tratar-se do rei da Trácia (dos vários com esse nome) referido
por Ovídio (Pônticas 2.9), Cótis V. A isso aponta a coincidência deste
monarca ter falecido em 19, e Antípatro no ano seguinte.
106
Um só hexâmetro, inscrição de um grupo escultórico com os três
filhos de Tíndaro. Planudes colocou o verso depois do núm. 79 (também
este um só hexâmetro), e os críticos têm duvidado da atribuição a Sinésio,
o filósofo neoplatónico de Sirene que seria bispo de Ptolemais por volta
de 412.
107
Este epigrama e o seguinte podem aludir a um retrato da impe-
ratriz Teodora enquanto jovem (“donzela”), a esposa de Justiniano I, ou
simplesmente a outra jovem desconhecida. A última hipótese faria algum
sentido, se pensarmos que Planudes incluiu ambos na secção “sobre re-
tratos de mulheres” e não na anterior, “sobre os soberanos”, onde há duas
composições sobre imperatrizes (núms. 67-68).
55
Antologia Grega XVI
81. De Filipo
Sobre a estátua [criselefantina de Zeus em Olímpia]
Ou o deus desceu dos céus à terra para te mostrar a sua
[imagem,
Fídias109, ou tu próprio até lá foste para ver o deus.
108
Nem o Curador homónimo do núm. 41 nem o poeta do ciclo de
Agátias do núm. 314 são de admitir.
109
Fídias é o mais famoso escultor grego (ativo sensivelmente entre
465-425 a.C.), da mesma forma que a sua estátua em ouro e marfim
de Zeus, encomendada para o Templo desse deus em Olímpia, foi das
56
O Apêndice de Planudes
83. Anónimo
Ájax, filho mais de Timómaco111 que de teu pai112, a arte
[capturou
o teu íntimo: o pintor viu como te enfurecias,
enfureceu-se-lhe a mão, e com as lágrimas na paleta
misturou as penas todas do teu sofrimento.
84. Anónimo
Não faltou talento a Címon113 ao pintar este quadro. Mas a crítica
vale para qualquer obra, e nem o lendário Dédalo lhe escapou.
57
Antologia Grega XVI
85. Anónimo
Esta obra de arte perdeu o seu referente; nem ela mesma
sabe informar a quem emprestou a sua cabeça114.
86. Anónimo
Do guardião115 deste muro mantém distância segura!
Sou assim como me vês, tu que por mim passas,
de figueira, sem o polir da lima ou a régua vermelha116,
mas talhado pelo cinzel amador de um pastor.
Ri-te de mim à vontade! Mas livra-te de causar dano
aos bens de Eucles, ou amarga será a tua gargalhada.
114
Uma estátua que perdeu a cabeça ou mesmo a referência ao hábito
mais comercial de esculpir apenas os corpos aos quais, posteriormente, se
acrescentava a cabeça do modelo a representar.
115
Priapo. Vd. núms. 236-243 e 260-261.
116
Com a qual se marcavam no mármore e na madeira os pontos de
excisão.
117
Prometeu, após ter roubado o fogo aos deuses e o ter oferecido aos
mortais, fora condenado a estar eternamente agrilhoado num rochedo,
vendo durante o dia as suas vísceras serem devoradas por uma águia e,
durante a noite, as mesmas renascerem de forma a perpetuar o seu suplí-
cio. A ironia do poema reside na contradição de o sofrimento deste novo
Prometeu em bronze ter origem no mesmo fogo, com o qual a matéria
prima da estátua é modelada.
58
O Apêndice de Planudes
88. Do mesmo
De Juliano, sobre uma estátua de Prometeu
Ao bronze chamava inconsumível o livro de Homero;
mas o escultor demonstrou que se equivocara.
Vede este Prometeu plangente, vede os sofrimentos
do bronze consumido do fundo das vísceras.
Grande vingança, Héracles, pois mesmo após a tua flecha
continua por aplacar a chaga do filho de Jápeto118.
89. De Galo
Sobre Tântalo
O que outrora foi comensal dos bem-aventurados, o homem
que tantas vezes encheu a tripa de vinho dos deuses,
anseia agora pela bebida dos mortais; mas a terrível mistura
sempre está abaixo do alcance dos seus lábios119.
“Bebe” – diz o gravado120 – “e aprende os mistérios do silêncio!”
Assim somos punidos, nós, os que temos a língua solta.
118
Héracles terá matado a águia que a cada dia torturava Prome-
teu, uma libertação que, perante o realismo da estátua, deixa de ter
validade.
119
Convidado para a mesa dos deuses, Tântalo desvendou os segredos
íntimos dos mortais, sendo castigado à carestia eterna: parcialmente
submerso num rio (cujas águas não conseguia alcançar para beber), tinha
sobre si uma árvore cujos frutos tampouco alcançava.
120
Deve tratar-se do baixo-relevo (com inscrição) do castigo de Tân-
talo numa taça.
59
Antologia Grega XVI
90. Anónimo
Sobre uma estátua de Héracles121, menino ainda, segurando
nas mãos duas serpentes
Esmaga, poderoso Héracles, os pescoços longos das serpentes,
estrangula as goelas profundas dessas feras!122
À cólera da zelosa Hera, contra quem é menino ainda,
põe cobro! Embora bebé, aprende o difícil que é a vida!
Krateres de bronze ou caldeirões123, não é esse o teu prémio
natural, antes o acesso direto às mansões de Zeus.
91. Anónimo
Sobre os doze trabalhos de Héracles124
Contempla, Héracles das mil provas, os teus trabalhos,
pelos quais acedeste ao Olimpo, mansão dos Imortais125:
Gérion, os famosos pomos, o grande esforço de Augias,
os cavalos, Hipólita, a hidra de incontáveis cabeças,
o javali, o cão gritante de Caos, a besta de Nemeia,
as aves, o touro e a corça de Ménalo126.
121
Os núms. 90-104 e 123-124 constituem uma secção sobre Héra-
cles, não seguidos nas edições na medida em que provêm de duas fontes
manuscritas distintas usadas por Planudes.
122
Hera, para vingar mais esta infidelidade de Zeus, enviou à alcova
onde dormia Héracles recém-nascido duas serpentes, as quais o pequeno
neutralizou. Essa a história contada, por exemplo, no Anfitrião de Plauto.
123
Alguns dos prémios concedidos aos atletas.
124
Os epigramas 91-93 constituem verdadeiras listas poéticas dos
trabalhos que Euristeu prescrevera a Héracles, obedecendo ao cânone
helenístico de doze aventuras. Sobre eles, vd. Grimal (1999: 207-213).
125
Epigrama inscrito na base de uma estátua de Héracles em Pérga-
mo, na qual estariam gravados, em relevo, os trabalhos do herói.
126
Vulgarmente referida como corça de Cerineia ou de Énoe, é aqui
designada a partir da região de Ménalo, na Arcádia (entre Orcómeno e
Mantineia).
60
O Apêndice de Planudes
92. Anónimo
Sobre o mesmo
Primeiro, em Nemeia massacrou o poderoso leão;
segundo, em Lerna matou a hidra de muitas cabeças;
terceiro, assassinou o javali que afligia o Erimanto;
depois, caçou a corça de chifres dourados, o quarto;
quinto, espantou pelos ares as aves Estinfálidas;
sexto, granjeou o cinturão dourado da Amazona;
sétimo, limpou a abundante pocilga de Augias;
oitavo, repeliu de Creta o touro que cuspia-fogo;
nono, resgatou da Trácia os cavalos de Diomedes;
décimo, trouxe atrelados de Eriteia os bois de Gérion;
o cão Cérbero, décimo-primeiro, trouxe do Hades;
décimo-segundo, trouxe para a Hélade os pomos de ouro;
o décimo-terceiro trabalho que teve, esse foi terrível:
numa só noite, deitou-se com cinquenta mulheres127.
93. Anónimo
Sobre o mesmo
Matei a besta imensa de Nemeia, matei a hidra
e o touro, esmaguei o focinho do javali;
127
Este décimo-terceiro trabalho, não canónico, pretende ser um
acrescento cómico do poeta. Segundo Pausânias (9.27.7), enquanto
perseguia o leão do Citéron, e quando estava alojado em casa de Téspio,
rei de Téspias, Héracles pernoitou com as cinquenta filhas desse monarca,
que desejava ter descendência do herói.
61
Antologia Grega XVI
94. De Árquias
Sobre o mesmo, matando o leão em Nemeia
Não mais vos assusteis, rústicos camponeses de Nemeia,
com o profundo rugido do leão que devora touros!
Caiu já pela força de Héracles, o senhor de vitórias,
de pescoço estrangulado por mãos que matam feras.
Podeis enfim pastar os rebanhos, e que Eco de novo escute
os seus balidos, ela que habita as planícies desertas.
E tu, vestido com a pele do leão, acouraça-te com essa pele
e aplaca a cólera de Hera que odeia bastardos128.
95. De Damageto
Sobre o mesmo
O leão é de Nemeia, mas o estrangeiro de sangue Argivo129;
aquele, a mais potente das feras, este dos semideuses.
Avançam para a luta com olhar retorcido, dispostos a lutar
um contra o outro pelas suas próprias vidas.
Pai Zeus, possa o varão de Argos sagrar-se o vencedor,
e de novo seja possível transitar por Nemeia.
128
Héracles era filho bastardo (um dos muitos) de Zeus, que o
engendrara no ventre de Alcmena.
129
O herói pode apenas ser considerado Argivo por parte da mãe,
Alcmena, descendente de Perseu.
62
O Apêndice de Planudes
96. Anónimo
Sobre o mesmo e a corça
Primeiro, em seguida e por fim, o que admirar com o espírito
e com os olhos nesta obra-prima? O homem ou a corça?
Ele, montado nas costas da besta, o peso do seu joelho lhe aplica,
segurando com as mãos os seus chifres de belas hastes;
ela, de boca muito aberta e respiração ofegante,
com a língua dá sinais do seu coração angustiado.
Alegra-te, Héracles! Resplandece agora a corça inteira,
não apenas nos chifres, mas nesta obra dourada.
97. Anónimo
Sobre o mesmo e Anteu
Este bronze plangente, quem o moldou? Quem, pela sua arte,
assim lhe deu a forma do esforço e da coragem?
A estátua está viva! Lamento o que está em apuros,
e estremeço ante a força e a coragem de Héracles.
É Anteu, vencido de todo, que ele domina com os mãos;
recurvado como está, parece até que solta um gemido.
98. Anónimo
Sobre o mesmo, ébrio
Este aqui, que agora sucumbe ao sono e aos copos,
matou quando sóbrio os Centauros ébrios130.
130
A imagem de Héracles bêbado, que víamos já na Alceste de Eurí-
pides e nas Rãs de Aristófanes, tornou-se tema frequente da estatuária a
partir da época romana. O herói, quando perseguia o javali de Erimanto,
ficou hospedado em casa do centauro Folo. Atraídos pelo cheiro a vinho,
vários centauros se aproximam e assim teve início uma luta na qual o
próprio Folo morreu.
63
Antologia Grega XVI
99. Anónimo
Sobre o mesmo
Este aqui é aquele que a todos venceu, o dos doze trabalhos
que os homens cantaram pela sua força poderosa,
ébrio após o banquete, movendo o pé ao ritmo da bebedeira,
vencido pelo amável Brómio131 que deslaça os membros.
100. Anónimo
Sobre outra estátua do mesmo
Ao ver a cabeleira, a maça, um intrépido fogo nos olhos
e o feroz franzir da sobrancelha desse homem,
procura pela pele do leão na estátua; se a encontrares,
é Héracles, e se não, é um retrato de Lisímaco132.
101. Anónimo
Sobre outra estátua do mesmo
Tal qual Teodamante no passado encontrou Héracles,
assim esculpiu o artista o filho de Zeus,
arrastando o boi do arado e erguendo a maça no alto;
apenas não plasmou a terrível imolação do boi.
Aos lábios de Teodamante acrescentou talvez um gemido
plangente, e, ao ouvi-lo, Héracles poupou o animal133.
131
Dioniso.
132
O epigrama parodia a aparência de herói épico que para si
reclamava Lisímaco, o companheiro de Alexandre que, em 304 a.C., se
tornou rei da Trácia.
133
Exilados de Cálidon, Héracles, Dejanira e o pequeno Hilo atraves-
savam a terra dos Dríopes no Parnaso. Sofrendo de fome, Héracles pediu
ajuda a Teodamante e, perante a recusa deste, imolou um dos seus bois de
arado, cozinhou-o e assim alimentou a família. O último dístico parece
64
O Apêndice de Planudes
102. Anónimo
Sobre outra estátua do mesmo
Como o Crónida nessa noite que conheceu três luas te engendrou,
como Euristeu te viu regressar triunfante dos trabalhos,
mesmo como das chamas ascendeste ao Olimpo, Alcida
de duras penas, assim te contemplamos nesta réplica134.
Neste mármore as dores de Alcmena; e as pretensões de Tebas
não passam agora de fábulas sem qualquer crédito135.
104. De Filipo
Sobre o mesmo
Finalmente, depois de tantos trabalhos, Hera quis um último,
ver o corajoso Héracles despojado das suas armas.
65
Antologia Grega XVI
105. Anónimo
Sobre uma estátua de Teseu e o touro de Maratona137
Que prodígio a arte deste touro e deste homem!
Ele, com força bruta e corpo inclinado, esmaga a fera;
segurando-lhe os músculos do pescoço, imobiliza-a com as mãos,
com a direita o focinho e com a esquerda os chifres,
deslocando-lhe as vértebras; e a fera, vencida pela força
dos seus braços, revolve a nuca para trás.
Quase se vê, tal a arte que há neste bronze,
a fera a sufocar e o homem banhado em suor.
106. Anónimo
Sobre uma estátua de Capaneu
Assim se tivesse Capaneu138 enfurecido contra as torres de Tebas,
136
Das suas muitas metamorfoses animais para conquistar uma
mortal, aqui o poeta refere-se à transformação do pai dos deuses para
seduzir Leda.
137
O mesmo touro que Héracles expulsara de Creta havia chegado
à Ática e assolava os campos de Maratona. Coube então a Teseu levá-
-lo para Atenas, onde o sacrificou a Apolo. A cena, presente na Métope
do Tesouro dos Atenienses em Delfos e assunto de eleição da cerâmica
ática, parece no entanto não ter tido grande fama poética no período
helenístico, porquanto apenas este epigrama versa sobre um dos trabalhos
de Teseu, contra as dezenas que tratam as aventuras de Héracles.
138
Um dos sete generais que atacou Tebas, caraterizado por Ésquilo
(Sete contra Tebas 421, 446) e Eurípides (Fenícias 117, 1172-1186) como
um blasfemador.
66
O Apêndice de Planudes
107. De Juliano
Sobre um bronze de Ícaro num balneário
Ícaro, a cera te perdeu! 139 Mas agora, é pela cera
que o escultor te devolve um corpo140.
Não vás tu bater as asas nos ares e, precipitando-te
das alturas, fazer deste o balneário de Ícaro!141
108. Do mesmo
Sobre o mesmo
Lembra-te, Ícaro, que és de bronze! Mas não te iludam
a arte nem esse par de asas que levas aos ombros.
Se, quando vivias, caíste às profundezas do mar,
vais lá tu voar agora, assim feito de bronze?!
139
Ícaro despenhara-se dos céus por ousar voar muito próximo do sol
e com isso ter derretido a cera com que colara as suas asas.
140
O molde da estátua de bronze teria sido feito em cera.
141
Da mesma forma que, na lenda, deu o nome ao Mar de Ícaro.
67
Antologia Grega XVI
110. De Filóstrato
Sobre um retrato de Télefo ferido
Este é o chefe invencível da Teutrânia143, Télefo, o que outrora
deu um banho de sangue às hostes guerreiras dos Dânaos,
enchendo até transbordar o Mísio Caíco com a matança144,
este é o homem que enfrentou a lança de Peleu145;
oculta agora na coxa uma ferida mortal e terrível, quase
[desfalecendo,
e consome-se, vivo ainda, arrastando-se em carne viva.
Mesmo ferido como está, os Aqueus tremem na sua
[presença,
abandonando desordenados as costas da Teutrânia.
142
O tema da conversa de Hipólito com a ama de Fedra, acusando-a
de inspirar a última com os seus sortilégios, ocorre na Fedra de Eurípides
a partir do verso 601. Sabemos de uma representação plástica desse episó-
dio num sarcófago de Agrigento e num fresco de Herculano.
143
A Teutrânia era a parte costeira da Mísia, correspondente a Pérga-
mo na época helenística.
144
Na primeira expedição a Tróia, os Gregos desembarcaram por
engano na Mísia, onde foram brutalmente vencidos por Télefo, o filho
de Héracles e genro de Teutras, o rei local. A imagem do rio Caíco trans-
bordando com os cadáveres dos Gregos remonta à épica da época arcaica,
sendo já legível num poema elegíaco atribuído a Arquíloco de Paros (séc.
VII a.C.), só recentemente descoberto.
145
A lança que o centauro Quíron oferecera a Peleu, por ocasião das
bodas com Tétis. Com ela Aquiles feriu Télefo, e com ela seria o último
herói curado, oito anos passados.
68
O Apêndice de Planudes
111. De Glauco
Sobre um retrato de Filoctetes
Apenas porque viu o herói de Tráquis146 que muito sofreu
Parrásio147 pôde pintar este Filoctetes148.
Em seus olhos secos mora oculta uma lágrima muda,
e no íntimo guarda uma dor que o consome.
Ó melhor dos pintores, que talento o teu! Mas já é tempo
que descanse das suas dores o homem tão sofrido.
112. Anónimo
Sobre o mesmo
Pior inimigo que os Dânaos é quem me esculpiu, outro Ulisses
que reaviva o meu mal e a minha enfermidade mortal.
Não bastassem a caverna, os farrapos, o pus, a praga e a miséria,
e no bronze teve que forjar ainda o meu sofrimento.
146
Cidade da Tessália, onde a tradição pós-homérica situa a natura-
lidade de Filoctetes.
147
Conhecido pintor (fl. c. 397 a.C.) considerado o introdutor da
técnica do claro-escuro. Nenhuma outra referência a esta pintura se
conserva, a qual deve também estar na base do núm. 113.
148
Como se depreende sobretudo da tragédia de Sófocles a que dá
título, Filoctetes fora abandonado em Lemnos na viagem dos Gregos
para Tróia, atormentado pela chaga decorrente da morderdura de uma
serpente. Porque a sua presença – e as armas de Héracles que guardava
consigo – eram indispensáveis para tomar a cidade de Páris, os Helenos
tentaram, sem êxito, que regressasse à luta, terminando Ulisses por
roubar-lhe as armas.
69
Antologia Grega XVI
114. De Cosmo
Sobre Pirro, prestes a degolar Políxena
Sou Pirro, e cumpro a vontade de meu pai149. Mas esta cadela
invoca a Palas, logo ela, que tem a Páris por irmão150.
115. Anónimo
Sobre o centauro Quíron151
Alonga-se o homem em cavalo; do cavalo brota um homem,
um homem sem pés, um cavalo veloz sem cabeça;
o cavalo vomita um homem, e o homem expele um cavalo.
116. De Évodo
Sobre o mesmo
Havia um cavalo sem cabeça e um homem por acabar;
a Natureza, por puro gozo, pô-lo no veloz cavalo.
149
Aquiles.
150
I.e., invoca Atena a irmã daquele que, no passado, lhe negou a
vitória no concurso de beleza no Ida, em favorecimento de Afrodite.
151
O centauro que educou Aquiles.
70
O Apêndice de Planudes
117. De Cornélio
Sobre Cinegiro
Não como Cinegiro152, esse afortunado Cinegiro, te pintou
Fásis153, representando-te com mãos vigorosas.
Mas foi experto este pintor, pois não te amputou
as mãos, as mãos pelas quais te volveste imortal.
119. De Posidipo
Sobre uma estátua de Alexandre da Macedónia
Lisipo, escultor Siciónio, mão arrojada,
hábil artista, há fogo na mirada deste bronze
152
Segundo Heródoto (6.114), Cinegiro foi o irmão de Ésquilo que,
tentando reter um navio persa no contexto da batalha de Maratona,
perdeu as duas mãos (cf. núm. 118).
153
Desconhecido.
154
Os Persas, a partir do seu rei ancestral, Arquemenes.
155
Os Atenienses. Mopso era um antigo rei lendário de Atenas.
71
Antologia Grega XVI
121. Anónimo
Sobre o mesmo
Imagina que vês Alexandre, o próprio: lá estão os seus olhos,
e o bronze que reproduz a sua coragem em vida;
apenas ele subjugou ao trono de Péla157 a terra inteira,
a que os raios de Zeus desde o céu contemplam.
122. Anónimo
Sobre o mesmo
Vê este Alexandre, o filho de grande coração de Filipo
recém-nascido158, herói corajoso que a mãe Olímpia
156
Plutarco (Obras Morais 335A) menciona uma estátua de Lisipo,
escultor do séc. IV a.C. natural de Sícion, na Argólida, que represen-
tava Alexandre olhando o céu. Lisipo era, segundo Horácio (Espístulas
2.1.240), o escultor oficial de Alexandre.
157
Cidade da Macedónia.
158
Plínio (34.19, 63) refere esta estátua do recém-nascido Alexandre,
das primeiras obras de Lisipo, a mesma que Nero terá feito cobrir de ouro.
72
O Apêndice de Planudes
123. Anónimo
Moços do campo: não mais, por Héracles devorador de bois159,
estarão estas paragens à mercê de lobos famintos,
e os ladrões recusarão trilhar o seu caminho de pilhagem,
mesmo que um sono imprudente domine os camponeses.
Pois Dioniso, não sem o devido voto, neste lugar me fixou
como seu excelente aliado, a mim, Héracles160.
124. Anónimo
Não temas, caminhante, que este arco e estas flechas
recém-afiadas eu tenha tirado e colocado aos pés,
que segure na mão esta maça ou sobre os ombros
envergue esta pele de um leão fulvo!
Sei fazer mal, mas não a todos, apenas aos malvados;
e posso aliviar as penas a quem tem bom coração.
125. Anónimo
É sempre cruel o mar para o filho de Laertes161. As ondas
[inundaram
este retrato e apagaram das tabuinhas a sua imagem.
159
Héracles teria devorado o boi de Teodamas, assunto de eleição da
comédia ática. Vd. núm. 101 e nota ad loc.
160
Havia o costume de erguer estátuas de Héracles (por isso dito
alexikakos) para afugentar os lobos. Cf. AP 9.27.
161
Ulisses.
73
Antologia Grega XVI
126. Anónimo
Sobre o Minotauro
O rapaz, o touro de nenhuma forma completo,
o que traiu a paixão da mãe que o gerou162,
o homem metade besta, a natureza dupla,
o da cabeça de touro, a aberração dos corpos,
o que nem é touro nem homem por inteiro.
127. Anónimo
Este Trácio Licurgo163 de bronze, com uma só sandália,
quem foi que o moldou, o chefe dos Edónios164?
Junto ao cepo de Baco, vede como na sua insolente fúria
mantém acima da cabeça o pesado machado!
O aspeto denuncia a audácia antiga; e a sua raiva insolente,
mesmo no bronze, conserva aquela força de outrora.
128. Anónimo
Sobre Ifigénia
Delira Ifigénia; mas a visão de Orestes devolve-a
162
O Minotauro nascera da união entre Pasífae e o touro que o seu
esposo, Minos, mantinha no labirinto de Creta.
163
Rei mítico da Trácia. Quando Dioniso viajava com o seu cortejo
de Bacantes para a terra dos Indos, Licurgo recusou-lhe passagem pelo
seu país e, enfurecido pelo deus, matou o filho confundindo-o com um
cepo da vinha.
164
Os Trácios.
74
O Apêndice de Planudes
129. Anónimo
Sobre uma estátua de Níobe166
De ser-vivo os deuses me volveram em pedra; da pedra,
agora, Praxíteles167 de novo me trouxe à vida.
165
O artista quis representar a confusão de sentimentos que assola
Ifigénia ao reconhecer, na Táurida, o irmão Orestes que acaba de chegar.
É possível que o epigrama se reporte ao quadro de Timómaco de Bizâncio
(séc. I a.C.) que descreve Plínio (34.136), sobretudo pela dualidade de
sentimentos (“piedade e terror”), se aceitarmos essa dúplice expressão
como caraterística do estilo desse pintor, a partir do exemplo da sua
Medeia. Vd. infra, núms. 135-143 e notas ad loc.
166
Níobe, filha de Tântalo, gerara com Anfíon uma numerosa
descendência, ao ponto de se vangloriar de merecer mais honras divinas
do que Leto, que apenas gerara dois filhos, Apolo e Ártemis. Como
castigo da sua insolência, os últimos dois deuses mataram todos os
seus filhos, exceto dois, um rapaz e uma rapariga. Consumida pela dor,
Níobe fugiu para junto do pai e os deuses transformaram-na em pedra.
Os núms. 129-133 podem ter relação com representações escultóricas
próximas do Grupo dos Nióbidas da Galeria dos Uffizi em Florença (séc.
I-II), provenientes da Vila Médicis em Roma, onde Níobe tenta proteger
uma filha enquanto os demais são assassinados.
167
O mais famoso escultor grego do século IV a.C., cujo apego à
figura de Níobe é testemunhado por Plínio (26.4-5). Com ele a escultura
grega evoluiu do classicismo para um certo maneirismo antecipado, so-
bretudo pelo recurso ao nu. A Praxíteles se considera, de resto, o primeiro
autor de um nu feminino integral em tamanho real. Vd. núm. 203 e nota
ad loc.
75
Antologia Grega XVI
132. De Teodóridas
Sobre o mesmo
Acerca-te, estrangeiro, e chora ao ver as dores sem fim
de Níobe, a Tantálida que não soube conter a língua,
168
Ovídio também refere 14 filhos (Metamorfoses 6.182-183), ao
passo que, em Homero, eles eram apenas doze (Ilíada 24.602-617).
169
Apolo.
170
Contrariamente à versão tradicional do suplício de Tântalo – pa-
decer eterna fome e eterna sede, ainda que submergido em água até à
cintura e com uma árvore de fruto longe do alcance da sua mão – o poeta
segue aqui uma versão também encontrada em Píndaro (Olímpicas 1.55-
58), Platão (Crátilo 395d), Eurípides (Orestes 4) e Pausânias (10.31.4).
76
O Apêndice de Planudes
134. De Meleagro
Sobre o mesmo
Filha de Tântalo, Níobe, escuta o que digo, mensagem de dor!
171
Pode o epigrama referir-se a uma pintura do momento em que
Níobe está em plena transformação.
172
No Monte Sípilo, na Lídia, haveria uma rocha talhada por um ma-
nancial de água em cuja forma os locais viam a figura de Níobe plangente.
173
Crê-se que os núms. 131 e 133 devem ter servido de modelo ao
epigrama de Meleagro (núm. 134).
174
Pode referir-se ao aspeto de uma bacante.
77
Antologia Grega XVI
135. Anónimo
Sobre um retrato de Medeia em Roma175
A arte de Timómaco mostrou o amor e os ciúmes
de Medeia, arrastados os filhos ao seu destino.
Num momento dizia à espada sim!, em seguida não!,
buscando ora salvar, ora assassinar os filhos.
175
Os núms. 135-143, já designados de “ciclo de Medeia” (K.
Gutzwiller, 2004), datáveis entre os séculos I a.C. e I, estabelecem
relação mais ou menos direta com uma pintura que representaria Medeia
no momento anterior a matar os filhos, obra prima de Timómaco de
Bizâncio que tanto filólogos como historiadores de arte relacionam com
a mais conhecida e conservada Medeia de Herculano. Sobre Timómaco,
vd. supra, núm. 83 e nota ad loc. e, sobre o ciclo de Medeia, além do
estudo de Gutzwiller, o nosso trabalho recente (Martins de Jesus, 2015a).
78
O Apêndice de Planudes
137. De Filipo
Sobre o mesmo
Quem, Cólquida mulher sem lei, pintou a cólera no teu retrato?
Quem te fez assim bárbara, mesmo numa imagem?
Sempre anseias pelo sangue da tua prole. Desculpas-te,
acaso, com um segundo Jasão, ou outra Glauce178?
Fora, tu que mesmo na cera matas os teus filhos!
Os teus intentos, zelosa, o próprio pincel os entende.
138. Anónimo
Vede a assassina de crianças neste quadro, a da Cólquida,
vede a obra-prima que Timómaco pintou com a sua mão!
De espada em punho, cólera imensa e mirada selvagem,
uma lágrima lhe cai pelos filhos desgraçados.
Tudo ele misturou, unindo o que não pode unir-se,
buscando sempre não manchar as mãos de sangue.
176
Os epigramatistas do ciclo tendem a explorar essa mens dupla de
Medeia, em diferentes casos triunfando ora um, ora o outro lado.
177
São claras nos epigramas deste ciclo as notações estoicas que ditam
a negação de Timómaco em pintar o sangue das crianças.
178
Princesa de Corinto, também conhecida como Creúsa, por quem
Jasão abandonou Medeia.
79
Antologia Grega XVI
140. Anónimo
Vê e surpreende-te, como no seu olhar convivem piedade
e cólera, vê o arco afogueado dos seus olhos,
a mão dessa mãe e dessa esposa vilmente ultrajada,
disposta ao crime por um impulso que a tomou.
Fez bem o pintor em ocultar o momento do crime, não
[querendo
manchar de dor a admiração dos que vêm o seu quadro.
141. Anónimo
Sobre o mesmo
À mulher da Cólquida que se vingou nos filhos, tonta andorinha,
como foste tu tomá-la por ama das tuas crias?
É seu o olhar que liberta um fogo assassino, sua a boca
que continuamente destila espuma esbranquiçada.
A espada, ensopou-se há pouco de sangue. Evita esta mãe
[assassina,
que mesmo na cera continua a matar a sua prole.
142. Anónimo
Sobre uma estátua da mesma
Deliras, mesmo no mármore, e a cólera do teu coração
80
O Apêndice de Planudes
145. Anónimo
Sobre uma estátua de Ariadne
Não te esculpiu um mortal, antes Baco180, o teu amante,
que tal como te viu reclinada na rocha te moldou.
179
Atalanta prometera desposar apenas o homem que a vencesse na
corrida, na qual se revelara invencível. Por conselho de Afrodite (a Páfia),
Hipómenes lança-lhe em meio da competição uma maçã de ouro, a qual,
para a recolher, faz com que a jovem se atrase e perca a corrida.
180
Ariadne abandonada na ilha de Naxos por Teseu e consolada por
Dioniso, esse o assunto dos núms. 145 e 146.
81
Antologia Grega XVI
146. Anónimo
Sobre o mesmo
Estrangeiros, não toqueis esta Ariadne de mármore,
não vá ela saltar e ir em busca de Teseu.
147. De Antífilo
Sobre [um retrato de] Andrómeda181
O país é o dos Etíopes; o das sandálias aladas é Perseu,
e a que está amarrada ao rochedo Andrómeda;
a cabeça degolada é da Górgona que petrifica os homens; a
[prova de amor,
o monstro marinho; e Cassiopeia, mulher verborreica de
[bela prole.
Ela despega do rochedo os pés acostumados à dormência e
[à morte,
enquanto o pretendente veste com galas de noiva o seu
[troféu.
181
Cassiopeia era a mãe de Andrómeda. Para vingar a ousadia da pri-
meira, que ousara rivalizar com a beleza das Nereides, a segunda foi atada
a um rochedo em expiação pelo monstro marinho que assolava a Etiópia.
Foi libertada por Perseu, que venceu a besta com o poder petrificador da
cabeça da Górgona.
182
Pai de Andrómeda.
82
O Apêndice de Planudes
149. Do mesmo
Sobre um retrato de Helena
Admirável retrato da Argiva Helena, a que outrora um pastor183
raptou, desprezando a lei de Zeus Hospitaleiro.
151. Anónimo
Sobre um retrato de Dido
Vês aqui, estrangeiro, o retrato exato da ilustre Dido,
183
Páris.
184
Planudes menciona a autoria de um desconhecido Pomiano, face
ao que a edição Aldina sugere Poliano. Não obstante, a menção equivo-
cada de Policleito (escultor) por Polignoto (pintor), já notada no núm. 30
(vd. nota ad loc.) parece sugerir a autoria do mesmo Gémino também
para este epigrama.
185
A estátua criselefantina de Hera de Argos, muito famosa, ela sim
de Policleito (c. 420 a.C.).
186
Deve haver relação com a Políxena que figura na Ilioupersis que
Polignoto pintou para a Lesque dos Cnídios em Delfos, também ela
descrita por Pausânias (10.25.10) como “de véus rasgados”.
83
Antologia Grega XVI
152. De Gauradas
Sobre uma estátua de Eco ao lado de Pã
– Querida Eco, concede-me um favor! – ... favor, favor
– Amo uma moça, mas ela não me ama. – ... ama, ama
– A ocasião de agir a ocasião não a traz. – ... traz, traz
– E o quanto a amo, diz-me que lhe direi! – ... direi, direi
– Este penhor em moedas, que tu lhe dês! – ... dês, dês
– E que falta, Eco, para no amor ter sorte? – ... sorte, sorte
153. De Sátiro
Sobre uma estátua de Eco
Pelo prado dos pastores Eco sem língua canta,
imitando com voz atrasada o canto das aves.
187
Rei de um território vizinho que teria cedido a Dido as terras onde
fundar Cartago e que, apaixonado pela rainha, tentara à força desposá-la.
188
O epigrama – imitado pelo Pseudo-Ausónio (epigr. 118) – busca
recuperar a lenda antiga (pré-Virgiliana), recusando os amores com
Eneias e o suicídio por ter sido abandonada por esse troiano.
84
O Apêndice de Planudes
155. De Évodo
Sobre o mesmo
Eco, mimo das palavras, borra da voz, cauda da palavra.
156. Anónimo
Sobre o mesmo
Deusa da Arcádia eu sou, e habito junto aos portais
de Lieu189, repetindo toda a palavra pronunciada.
Já não odeio, querido Baco, o teu companheiro do thíaso190.
Vamos, Pã! Pronunciemos palavras em uníssono.
189
Dioniso. Trata-se de uma estátua de Eco à entrada ou no vestíbulo
de um templo desse deus.
190
Na arte tardia, Pã é muitas vezes confundido com os sátiros e
silenos do cortejo de Dioniso.
191
A Atena Promachos, originalmente na acrópole de Atenas, era um
bronze de Fídias com nove metros de altura que, ao tempo do epigrama
(séc. VI), havia já sido transferida para Constantinopla, onde sabemos
que ainda permanecia a começos do séc. XIII.
85
Antologia Grega XVI
158. De Diotimo
Sobre uma estátua de Ártemis
Sou uma Ártemis como manda a lei. Se o próprio bronze diz
“Ártemis, a filha de Zeus e de nenhum outro”193,
imagina o valor desta donzela! Com razão dirias:
a terra inteira é para ela pequeno terreno de caça.
159. Anónimo
Sobre a estátua de Afrodite de Cnidos194
Quem dotou a pedra de alma? Quem viu Cípris na terra?
Um tamanho desejo no mármore, quem o plasmou?
É obra da mão de Praxíteles, a menos que, descendo do
[Olimpo,
a Páfia deusa em pessoa tenha vindo a Cnidos.
192
Alusão à antiga luta entre Posídon e Atena pela possessão da Ática.
193
O poeta parece comentar a inscrição de uma estátua (v. 2) de
Ártemis.
194
Os núms. 159-170 (com exceção provavelmente do núm. 164) têm
relação mais ou menos direta com a conhecida Afrodite de Cnidos de Pra-
xíteles, escultor Ateniense de c. 375-330 a.C., obra que, de tão famosa, foi
cunhada em moedas e amplamente reproduzida durante a Antiguidade.
195
O tom anedótico deste epigrama (como do núm. 161) sugere mais
a autoria de Platão o Jovem.
86
O Apêndice de Planudes
160b. Anónimo197
Praxíteles não viu o que não deve ver-se. Foi o cinzel
que forjou a Páfia, como outrora a desejou Ares.
162. Anónimo
Sobre a mesma
Cípris, ao ver essa Cípris que está em Cnidos, disse:
“Ai, ai! Onde pôde Praxíteles ver-me nua?”
163. De Luciano
Sobre a mesma
A Páfia, nua, jamais alguém a viu. E se alguém a viu,
esse homem foi quem ergueu esta Páfia nua.
196
Plínio (36.4.21) informa que o edifício onde estava a estátua era
aberto para que todos a pudessem contemplar.
197
Epigrama independente, que Planudes uniu ao núm. 160 e outros
copistas posteriores ao núm. 162.
198
I.e. o concurso de beleza no Ida, para o julgamento de Páris.
87
Antologia Grega XVI
164. Do mesmo
Sobre a mesma
A ti dediquei199 esta imagem da tua beleza esplêndida, Cípris,
e nada mais precioso do que a tua beleza eu possuo!
165. De Eveno
Sobre a mesma
Palas e a consorte do Crónida disseram, quando a de Cnidos
lhes foi dado ver: “Sem razão censuramos esse Frígio200”.
199
Este epigrama deve ser o único do ciclo (núms. 159-170) que não
se refere à Afrodite de Praxíteles, antes a outra estátua, em cuja base
estaria inscrito.
200
Páris, filho de Príamo, que nos seus tempos de boieiro fora
obrigado a decidir a qual das três deusas dar a maçã de ouro – Hera,
Atena e Afrodite –, optando pela última.
88
O Apêndice de Planudes
168. Anónimo
Sobre a mesma
Nua, Páris, Anquises e Adónis202 me viram; destes três apenas
tenho conhecimento. Já Praxíteles, como é possível?
169. Anónimo
Sobre a mesma, e sobre a Atena de Atenas
Contempla a beleza divina da Páfia nascida da espuma,
e dirás: “Aplaudo o Frígio do julgamento!”
Olhando agora para a Palas de Atenas, assim gritarás:
“Um rústico, esse Páris, que ousou desprezá-la!”
170. De Hermodoro
Sobre o mesmo assunto
Ao ver a Citereia de Cnidos, estrangeiro, dirás talvez:
“Esta governa sobre mortais e imortais!”
E ao ver, entre os Cecrópidas203, a Palas de lança destemida 204,
201
Sobre o Eros de Téspias de Praxíteles, vd. núms. 203-206.
202
Por Anquises, outro pastor do Ida, Afrodite nutriu uma paixão
secreta. Quanto a Adónis, passara com a deusa dois terços do ano, e o
restante com Perséfone.
203
Os Atenienses, a partir do nome do seu primeiro reio mítico, Cécrops.
204
O poeta pode estar a comparar a Afrodite de Praxíteles com a
Atena de Fídias no Parténon (séc. V a.C.).
89
Antologia Grega XVI
171. De Leónidas
Sobre a Afrodite armada205
Essas armas de Ares, Citereia, por que razão
as ostentas, um peso inútil suportando?
O próprio Ares, mesmo nua o desarmaste! Se um deus
tu venceste, em vão te armas entre os mortais.
205
Os núms. 171-177 versam sobre o modelo de uma estátua de
Afrodite armada, o qual teria sido famoso. Pausânias refere a existência
de uma em Esparta (3.15.10; cf. núm. 173) e de outra em Citérea (3.23.1).
206
Páris.
207
Legislador semi-lendário de Esparta, cujo encontro com a deusa
narra Plutarco (Moralia 317F).
90
O Apêndice de Planudes
174. Anónimo
Sobre a mesma
Palas, ao ver a Citereia armada, assim lhe disse:
“Assim pretendes, Cípris, ir a concurso?”
E ela, doces sorrisos: “Porquê erguer o escudo contra mim?
Se venço nua, como seria se levasse armas?”208
175. Do mesmo
Sobre a mesma
Ou o mármore se armou como Afrodite, ou foi a Páfia
que, ao ver o mármore, jurou ser igual a si.
208
O epigrama foi imitado por Ausónio (epigr. 647) e Pseudo-
-Ausónio (epigr. 7).
209
A tradição manuscrita atribui o epigrama ao mesmo Antípatro de
Sídon, mas Gow-Page (1968, vol. 2: 90) defenderam a sua atribuição ao
poeta de Tessalónica com o mesmo nome.
210
Alusão poeticamente disfarçada à maçã de ouro, prémio do con-
curso de beleza no Ida.
211
Ares, deus da guerra. Com Afrodite, protagonizam o mais famoso
adultério da mitologia grega: apanhados por Hefesto, o marido traído,
em pleno ato, a sua vergonha foi exposta pelo último aos demais deuses.
91
Antologia Grega XVI
177. De Filipo
Sobre a mesma
Cípris de doce sorriso, senhora do tálamo! Quem te armou,
deusa doce como mel, com essas armas de guerra?
Antes amavas o péan, o himeneu de cabeleira dourada
e os graciosos encantos das flautas de claro som.
Porque te revestes agora de adereços de morte? O intrépido Ares
acaso despojaste, para vangloriar-te do poder de Cípris?
179. De Árquias
Sobre a mesma
A própria, quando saía do mar que a gerou, Cípris,
Apeles viu-a nua, na ocasião do seu nascimento.
E assim a pintou, quando com as mãos robustas escorria ainda
os cachos de cabelo ensopados da espuma do mar.
212
A Afrodite Anadiomene de Apeles, uma pintura descrita entre
outros por Plínio (HN 35.36.79–97) que Apeles teria realizado para o
Templo de Asclépio em Cós, por volta de 330 a.C. Uma anedota antiga
transmitida por Plínio sugere que Apeles teria usado, para modelo da
deusa nua, Campaspe, cortesã de Alexandre Magno.
213
O poema tem sido interpretado como uma imitação do núm. 182.
92
O Apêndice de Planudes
180. De Demócrito
Sobre a mesma
Quando Cípris, com a cabeleira a gotejar de espuma salgada,
emergiu nua de entre as ondas cor de púrpura,
embora segurando os cabelos com as mãos
junto às brancas maçãs do rosto, calcava o mar Egeu,
mostrando os seios e não mais, como é lícito. Se a deusa
é mesmo assim, há de confundir-se a cólera de Eniálio!214
I.e., não devia Atena ter destruído Tróia para vingar o resultado de
215
um concurso que foi afinal justo, esse das três deusas no Ida.
93
Antologia Grega XVI
183. Anónimo
Sobre uma estátua de Dioniso ao lado de Atena
– Diz-me, que tens em comum com Palas? Para ela aljavas
e batalhas, ao passo que tu te deleitas em banquetes.
– Não precipites, estrangeiro, tais perguntas sobre os deuses!
Sabe antes em que medida me assemelho a essa deusa.
Também eu aprecio a glória das batalhas; bem o sabe o Indo216,
por mim subjugado para lá do Oceano da Aurora 217.
A raça dos mortais dotámos ambos, ela com a oliveira,
eu com os cachos de uvas adocicadas da vinha.
E tampouco por mim uma mãe suportou as dores do parto;
eu brotei da coxa de meu pai, ela da sua cabeça 218.
216
Dioniso e o seu cortejo de báquico penetrara na Ásia, pormenor da
lenda que, após as conquistas de Alexandre, era celebrado como símbolo
da civilização levada a esses povos.
217
O Oceano do Levante, i.e., o Oceano Índico.
218
Após a morte de Sémele, Dioniso foi enxertado na coxa de Zeus,
onde terminaria de gestar. Quanto a Atena, nascera diretamente da
cabeça de Zeus.
219
Pisão tinha fama de gostar de boa pinga (cf. Séneca, Epístulas
83.14; Suetónio, Tibério 42; Plínio 14.145).
94
O Apêndice de Planudes
185. Anónimo
Sobre uma estela de Dioniso e outra de Héracles
Ambos de Tebas, ambos dados à guerra e filhos de Zeus;
um terrível com o tirso, o outro com a maça.
Unidas estão as suas estelas; semelhantes as suas armas:
pele de cervo contra a de leão, címbalos221 contra o
[chocalho222.
Hera foi para ambos cruel divindade; e, por meio do fogo223,
ambos ascenderam da terra para junto dos imortais.
186. De Xenócrito224
Sobre uma estátua de Hermes
Hermes, o veloz, assim me chamo! Mas na palestra 225
não me coloqueis amputado de braços e sem pernas226:
como ser veloz, como defender-me com os braços,
fixo sobre um pedestal e amputado de ambos?
220
Baco e Brómio são dois cognomes de Dioniso, ou seja, “uma boa
cabeça para um belo chapéu”.
221
Vd. núm. 59 e nota ad loc.
222
Com que afugentou as aves Estinfálidas.
223
Paralelo imperfeito. No caso de Héracles, há referência à pira na
qual foi cremado no monte Etna; quanto a Dioniso, pode aludir ao raio
de Zeus que fulminou Sémele e, em consequência, uniu literalmente o
deus à coxa de seu pai.
224
Um só poeta com este nome, de Rodes, consta da Antologia (7.291).
225
Escola de luta.
226
As hermae (estátuas de Hermes) tradicionais eram bustos sem
pernas nem braços.
95
Antologia Grega XVI
187. Anónimo
Suplicou alguém a um Hermes de madeira, e de madeira
[ele ficou.
Depois, ergueu-o e lançou-o ao chão; foi quando, ao partir-se,
derramou ouro. Moral: muitas vezes a insolência gera benefício227.
188. De Nícias
Sobre outra estátua do mesmo
Eu, o senhor do escarpado Cileno de folhagem baloiçante,
aqui estou, guardião deste amável ginásio,
eu, Hermes! Muitas vezes os mancebos sobre mim depositam
manjerona e jacinto, outras frescas grinaldas de violetas.
227
Cf. a fábula 119 de Bábrio.
228
O lema parece indicar, erroneamente, que o poema trata sobre ou-
tra estátua de Hermes (tou autou), quando o texto claramente identifica
a divindade celebrada como Pã. Outra possibilidade é que este tou autou
se refira ao poeta, o mesmo Nícias. A outro nível, a confusão de Planudes
pode dever-se à tradição mítica que, desde o Hino Homérico a Pã, fazia de
Hermes o pai desse deus (cf. n.º 229).
229
Monte da Arcádia.
230
A pata de bode de Pã.
96
O Apêndice de Planudes
190. De Leónidas
Sobre outra do mesmo [Hermes]
O pastor Mórico, para vigiar as suas cabras ergueu
este Hermes, afamado guardião dos rebanhos.
Podeis agora saciar-vos do verde pasto na montanha,
livres de cuidados com o voraz lobo.
191. De Nicéneto
Sobre outra do mesmo
Com a argila local, a mim, um comum Hermes de barro,
moldou-me o girar circundante do torno.
Sou feito de lama – não posso negá-lo! Mas aprecio,
estrangeiro, o ofício ingrato dos oleiros.
192. Anónimo
Sobre outra do mesmo
Caríssimo: não julgues tu que vês um Hermes qualquer,
um de tantos outros – eu sou a obra de Escopas231.
193. De Filipo
Sobre outra do mesmo, num jardim
– Posso tocar um repolho, ó Cilénio232? – Não, viajante!
– Que mal há por uns vegetais? – Mal não, tão só a lei
de afastar dos bens alheios as mãos do ladrão. – Está bonito!
Agora Hermes estabelece como nova lei não roubar!
231
Escultor do séc. IV a.C. Vd. supra, núm. 60 e nota ad loc.
232
Hermes, que teria nascido numa caverna do Monte Cilene, no
Peleponeso.
97
Antologia Grega XVI
194. Anónimo
Sobre uma estátua de Eros
Alguém passou este Eros de bronze de um fogo a outro
[fogo233,
ajustando-o ao tacho, um castigo para outro castigo.
195. De Sátiro
Sobre uma estátua do mesmo, agrilhoado234
O deus alado, quem assim o fez, quem com correntes agrilhoou
o rápido fogo? Quem tocou nessa aljava flamejante?
Os seus braços de rápido disparo, quem os recolheu atrás costas,
acorrentando-os desta forma a uma coluna firme?
Vão conforto para os mortais tudo isto! A alma deste artista,
não a acorrentou antes o que agora é seu prisioneiro?
196. De Alceu235
Sobre o mesmo
Quem – ato ímpio! –, te capturou e aqui te colocou
agrilhoado? Quem te amarrou os braços às costas
e forjou essa mirada pesarosa? As fechas velozes, infeliz,
onde estão? Onde está a aljava amarga e cheia de fogo?
233
O mesmo tema tratado em AP 9.773, de Páladas: Eros na pega de
um tacho ou frigideira.
234
Os núms. 195-199 reportam-se ao modelo gráfico de estátua de
Eros agrilhoado, o mesmo que encontramos em AP 5.179 (de Meleagro).
Conserva-se um conjunto de gemas helenísticas e romanas representando
esse modelo, e também o Eros que adorna a Casa de Cupido em Pompeia
(séc. I), despojado das suas armas e amarrado por Afrodite, pode obede-
cer ao mesmo modelo.
235
Deve haver um erro, porquanto o epigrama será de Alfeu.
98
O Apêndice de Planudes
Inútil foi sem dúvida o labor do escultor, que a ti, cujo ferrão
revolve os deuses, prendeu em semelhante armadilha!
198. De Mécio
Sobre o mesmo
Chora, divindade incerta, com as mãos bem amarradas,
chora forte, derramando lágrimas que derretem o coração,
ladrão da prudência, charlatão, meu pirata da razão,
meu fogo alado, Eros, ferida invisível da alma minha!
Os teus grilhões são para os mortais alívio de dores, irracional!
Agrilhoado, aos ventos surdos lança agora as tua súplicas.
E a tocha invencível, a que acendias nos corações dos mortais,
vê agora como se apaga por efeito das tuas lágrimas.
199. De Crinágoras
Sobre o mesmo
Chora agora e lamenta, meu manhoso, com os músculos
das mãos bem amarrados – cada qual tem o que merece!
Ninguém te solta, não ponhas essa cara de coitadinho!
99
Antologia Grega XVI
200. De Mosco
Sobre um Eros com o arado
Livrando-se da tocha e das flechas, o funesto Eros
tomou o cajado de pastor e pôs a sacola às costas!
Ungindo ao jugo o pescoço paciente dos bois,
toca de plantar as sementes do trigo de Deméter.
Olhando o céu, disse ao próprio Zeus: “Fecunda as colheitas,
não vá eu pôr-te, touro de Europa, de animal do arado!”
236
Platão (Banquete 180 sqq.) distinguira a Afrodite celeste da
Afrodite popular.
100
O Apêndice de Planudes
202. Anónimo
Sobre o mesmo
Não julgues que sou do Líbano239, estrangeiro, o que se deleita
com paixões noturnas com os rapazes amantes de festa!
Não sou mais que um simples pastor, filho de uma ninfa local,
um vulgar assistente dos trabalhos do jardim240.
Por isso, e graças a este amigável solo de boa-colheita,
coroam-me quatro grinaldas, uma por cada Estação.
237
A formulação deste dístico sugere alguma assimilação de Eros à
imagem de Cristo, o que pode ter especial significado no contexto das
iniciativas pró-ortodoxas do imperador Justino II (565-574) e da esposa
Sofia.
238
O mesmo Platão (República 6.504a) identificara como quatro
virtudes a justiça, a prudência, a coragem e a sabedoria. No epigrama,
parece no entanto estar em causa as quatro virtudes cardeais dos cristãos
– justiça, temperança, coragem e prudência –, a última delas aqui identi-
ficada com a sabedoria (sophia). Impossível não ver nesta sophia (virtude)
uma alegoria facilmente decifrável da imperatriz Sofia, ela que podia ser
mecenas deste Mariano, como o era de vários outros artistas.
239
Nessa região, mais propriamente em Heliópolis, Eros e Afrodite
tutelavam cultos conhecidos pela sua licenciosidade.
240
I.e., nem o Eros celeste, nem o Eros popular.
101
Antologia Grega XVI
241
Praxíteles terá esculpido um Eros monumental para ser exposto
– e ao que parece alvo de culto – na ágora de Téspias. Sabemos que a
estátua foi trazida para Roma por Calígula e devolvida à sua cidade por
Cláudio, para de novo ser trazida por Nero à capital do Império, onde
teria sido destruída pelo incêndio de 80 (cf. Estrabão 9.2.25; Pausânias 9.
27. 3; Plínio 36.22). Acredita-se que o Eros de Farnese, cópia romana em
mármore de Pompeia, seja próximo do modelo do original de Praxíteles.
242
Suposta amante do escultor. Pausânias (1.20.1-2) conta a lenda
segundo a qual Praxíteles havia prometido oferecer a mais bela das suas
obras a Frine. Simulando a jovem um incêndio no atelier do artista, este
pede que se salvem apenas um Sátiro e este Eros, terminando ela por
eleger a última, só mais tarde oferecida à cidade de Téspias. O qualifi-
cativo “de mãos cativas” do verso 2 deve referir-se à prisão de amores do
escultor, escravo da sua amada.
243
I.e., ao santuário de Eros em Téspias.
102
O Apêndice de Planudes
206. De Leónidas
Sobre o mesmo
Os de Téspias um só deus no templo de Citereia
veneram, não a cópia de outro modelo qualquer,
mas o que reconheceu Praxíteles como deus, ao vê-lo junto
a Frine, a quem o deu como penhor dos seus amores.
207. De Páladas
Sobre um Eros nu
Eros está desarmado, e é por isso que sorri e é tão doce!
não carrega nem o arco nem as flechas de fogo;
nem sem razão segura nas mãos um golfinho e uma flor:
assim segura numa mão a terra, na outra o mar.
103
Antologia Grega XVI
209. Anónimo
Sobre um Eros
Tu que sopras a tocha para acender a lamparina,
vem acender a minha alma: todo eu ardo!
244
Os epigramas 210-212 (e, pelo lema apenas, também o 208) rela-
cionam-se com o modelo escultórico de Eros adormecido, o mesmo que
pode ter estado na origem do Eros adormecido do Museu Metropolitano
de Nova Iorque, um original (ou réplica muito próxima) de um bronze
helenístico possível de datar entre 250-150 a.C.
104
O Apêndice de Planudes
214. De Secundo
Sobre umas estátuas dos Amores246
Vede estes Amores a brincar com despojos, como levam aos
[ombros
robustos, com alegria pueril, as armas dos deuses:
os címbalos247 e o tirso de Brómio, o raio de Zeus,
245
Hades, senhor dos Infernos, ficou também preso de amores, no
seu caso por Deméter.
246
O modelo processional de vários Amores e as insígnias dos deuses,
mais adaptável um friso.
247
Vd. núm. 59 e nota ad loc.
105
Antologia Grega XVI
215. De Filipo
Sobre o mesmo
Tendo pilhado o Olimpo, vede como estes Amores se adornam
como as armas dos imortais, exultantes com tais despojos!
Levam o arco e as flechas de Febo, o raio de Zeus,
o escudo e o elmo de Ares, a maça de Héracles,
a lança de três pontas do deus dos mares e o tirso de Baco,
as sandálias aladas de Hermes e as tochas de Ártemis.
Não é vergonha que os mortais se dobrem às armas dos Amores,
se os deuses lhes concederam adornar-se com suas armas.
216. De Parménio
Sobre uma estátua de Hera
O Argivo Policleito249, o único que com seus olhos a Hera
contemplou, e tal qual a viu soube representá-la,
aos mortais mostrou a beleza que cabe mostrar; as formas
que sob as pregas se ocultam, essas são só para Zeus.
248
Ares.
249
Policleito de Argos (n. c. 420 a.C.) foi autor de uma famosa estátua
de Hera para o seu templo nessa cidade, como testemunham Pausânias
(2.17.4), Filóstrato (Vida de Apolónio 6.19.2) e Marcial (10.89).
106
O Apêndice de Planudes
217. Anónimo
Sobre uma estátua da Musa [Calíope]
Calíope250 é o meu nome! Ciro251 presenteei com o meu seio,
o que nutriu o divino Homero e do qual bebeu o doce Orfeu.
219. Do mesmo
Sobre um retrato de Polímnia
É teu este retrato, Polímnia 254, e tu própria o és da Musa:
é que partilhais o nome, e também o aspeto.
250
Calíope, para os Helenísticos a musa da poesia lírica, aqui identi-
ficada com a poesia em geral.
251
Ciro de Panópolis, no Egito (possivelmente o pai de Paulo Silen-
ciário), fez carreira durante o governo de Teodósio II, tendo sido prefeito
dessa cidade em 439 e cônsul em 441.
252
Erro quase certo do lema de Planudes. Deve tratar-se não da musa
Calíope, mas de uma atriz trágica homónima, para quem conservamos
dois epitáfios de Juliano de Egito (AP 7.597, 598).
253
Musa da tragédia.
254
Patrona da poesia lírica e, mais tarde, da pantomima.
255
Instrumento de várias cordas semelhante à harpa, cuja invenção é
107
Antologia Grega XVI
108
O Apêndice de Planudes
222. De Parménio
Sobre a mesma
Eu, o rochedo que os Medos queriam para seu troféu,
em boa hora me foi dada a forma de Némesis,
a deusa justa que tem assento nas costas de Ramnunte,
para a Ática insígnia da vitória e da sua arte.
223. Anónimo
Sobre uma estela de Némesis
Némesis nos adverte, com a sua régua e o seu freio,
a nada fazer sem medida e nada dizer sem freio.
224. Anónimo
Sobre a mesma
Eu, Némesis, seguro uma régua. Perguntarás porquê?
Pois a todos proclamo: “nada além da medida!”
262
I.e. os Atenienses, descendentes de Erecteu.
263
Primeiro de um grupo de dez epigramas (núms. 225-226 e 228-
235) sobre Pã.
109
Antologia Grega XVI
227. Anónimo
Sobre o mesmo265
Tombado aqui, caminhante, na relva deste prado verde,
descansa os membros cansados de penosa fadiga,
aqui, onde o pinheiro, agitado pelos sopros do Zéfiro,
te encantará, enquanto escutas a melodia das cigarras
e o pastor que, pelas montanhas, quando o dia vai a meio,
toca flauta junto à fonte, à sombra do plátano frondoso.
Longe do calor da canícula estival266, terás em troca a frescura
deste bosque267. Aceita este conselho de Hermes!
264
Porque Eco, a ninfa por quem se apaixonara, deixara de lhe
replicar a melodia.
265
O lema de Planudes refere uma estátua de Pã, mas o epigrama devia
ser a inscrição de uma estátua de Hermes, como se depreende do verso 8.
266
Constelação do pico do verão, o período de máximo calor.
267
O final do hexâmetro e o início do pentâmetro do último dístico
são muito corruptos, tendo levado a diversas correções textuais. Segui-
mos a leitura de Aubreton.
110
O Apêndice de Planudes
228. De Ânite
Sobre o mesmo268
Caminhante! Sob esta rocha alivia os membros cansados!
Doce ressoa a brisa por entre a verde folhagem;
E bebe água fria desta fonte – para os transeuntes
resulta agradável tal paragem no pico do Verão.
229. Anónimo
Sobre um retrato de Pã
Do mesmíssimo Zeus eis aqui o mais amado rebento:
disso dá testemunho a nuvem que tem em cima.
O soberano Hermes, Zeus que ajunta as nuvens o gerou;
e de Hermes descende este Pã269, o condutor de ovelhas.
230. De Leónidas
Sobre outro Pã
Não bebas, viajante, da água quente desta fonte,
cheia como está do lodo dos pastos!
Sobe um pouco mais a montanha, lá onde pastam
os rebanhos, e junto ao pinheiro dos pastores
acharás o murmúrio da água que brota da rocha,
uma corrente mais fria que a neve boreal.
231. De Ânite
Sobre outro Pã
– Por que razão, solitário Pã dos campos, no bosque sombrio
268
Lema tampouco coincidente com o poema. Como muito, pode
aludir a uma estátua de Pã.
269
Cf. núm. 189 e nota ad loc.
111
Antologia Grega XVI
232. De Simónides270
Sobre outro Pã
Sou Pã de pés-de-bode, o Arcádio, inimigo dos Medos
e aliado dos Atenienses, e erigiu-me Miltiades.
234. De Filodemo
Sobre outra estátua de Pã
Três imortais alberga este mármore: a cabeça denuncia
270
Planudes atribui este dístico a Simónides, e pode de facto tratar-se
da dedicatória de uma estátua mandada erguer por Miltiades após a
batalha de Maratona. Como sempre ocorre com as atribuições aos poetas
arcaicos e clássicos na Antologia, no entanto, a autoria não é segura.
271
O Parténio da Arcádia.
112
O Apêndice de Planudes
237. De Timnes
Sobre o mesmo
A todos priapizo, venha Cronos em pessoa; ladrão algum
272
Cognome de Dioniso.
113
Antologia Grega XVI
238. De Luciano
Sobre outro Priapo
Para nada, nada mais que por ser moda, Eustóquides aqui
me pôs, a mim, Priapo, guardião destas videiras secas;
profundo penhasco tenho à volta. Quem quer que se aproxime,
nada tem para roubar além de mim, o seu guardião.
239. De Apolónides
Sobre outro [Priapo]
Anaxágoras273 me dedicou, um Priapo que não está de pé
mas que com ambos joelhos se apoia sobre a terra;
Firómaco274 me fez. Vendo perto de mim um recinto das
[Graças,
não mais perguntes porque estou assim prostrado.
240. De Filipo
Sobre outro [Priapo]
– Que figos madurinhos vejo eu?! Permites-me que colha
um punhado deles? – É que nem lhes toques!
– Mas que Priapo irritadiço! – Repete lá isso, e nada levarás!
273
Indivíduo desconhecido.
274
Famoso escultor e pintor ateniense (fl. c. 200 a.C.), para os Hele-
nísticos dos melhores retratistas.
114
O Apêndice de Planudes
242. De Erício
Sobre o mesmo
Que dura e bem apetrechada, Priapo, está a arma
que te brota toda empalmada das virilhas,
pronta para o amor! Tens sede de mulheres,
meu caro, e o coração todo te arde em desejos.
Trata mas é de acalmar esse teu falo inchado,
e oculta-o sob a clâmide florida que levas!
Não habitas um monte deserto, antes guardas, nas costas
do Helesponto, a sagrada Lâmpsaco276.
275
Jogo de palavras com o duplo sentido de ischas, significando tanto
“figo (seco)” como “ânus” (no último caso, como no epigrama seguinte
e AP 12.239).
276
Cidade grega da Ásia Menor, atual Lapsaki, passo marítimo entre
115
Antologia Grega XVI
243. De Antístio
Sobre o mesmo
Aqui me ergo, rústico guardião em prados muito férteis,
guardando a cabana e as sementeiras de Frico277,
e a todos digo o seguinte: “Finda a gargalhada por ver
o meu armamento, segue o teu próprio caminho!
Mas se transgrides o que é lícito, de nada te valerão
os pelos278 – a todos sem distinção eu sei penetrar!
116
O Apêndice de Planudes
246. Anónimo
Sobre outro Sátiro
Ou um Sátiro se ocultou dentro do bronze, ou foi o bronze,
forçado pela arte, que se moldou à volta de um Sátiro.
248. De Platão280
Sobre outro Sátiro
Este Sátiro, Diodoro adormeceu-o, não o cinzelou!
Espeta-o, e logo o acordarás – a prata tem sono dentro.
280
Não se trata nem do filósofo clássico, nem de Platão o Jovem, antes
de um poeta desconhecido a quem Planudes atribui outro epigrama (AP
9.826) que descreve um grupo escultórico de um Sátiro e um Eros ador-
mecidos. Plínio (33.55.156) alude a esta escultura e atribui o epigrama a
Antípatro.
117
Antologia Grega XVI
249. Anónimo
Tu que contemplas esta bela estátua, meu amigo,
perto dela toma assento e venera Afrodite!
E louva Glícera, a filha de Dioniso, que me dedicou
junto às ondas quietas da praia cor de púrpura.
250. Anónimo
O Eros alado, vede como destrói o alado raio,
prova de um fogo mais forte que o fogo.
251. Anónimo
Em frente de um Eros alado outro alado Eros281 modelou
Némesis282, um arco para combater outro arco,
para que sofra quanto fez sofrer; e o valentão, nunca antes
vencido, chora por provar a violência das flechas;
três vezes cuspiu nas pregas da veste283. Espanto sem fim:
um fogo consome outro fogo, Eros ataca outro Eros.
252. Anónimo
Também eu sou do sangue de Cípris!284 Contra meu irmão
[minha mãe
281
Pausânias (6.23.3) menciona o culto, em Élis, de Anteros, em cujo
ginásio um dos frisos representava, juntos, Eros e Anteros.
282
Némesis, divindade tutelar da vingança divina, é dita mãe de
Anteros, ou simplesmente a escultora simbólica desta sua representação
plástica. Esse deus, contraponto necessário de Eros, era também ele, na
mitologia, filho de Ares e Afrodite.
283
Gesto comum para evitar o mau-olhado (e.g. Teócrito 6.39, 7.126-
127; Plínio 28.36; AP 12.229).
284
Outro Anteros, aqui dito filho da mesma Afrodite.
118
O Apêndice de Planudes
253. Anónimo
– Ártemis, onde está o teu arco, a aljava que levavas às costas,
onde estão as tuas botas de caça de Licasto285,
e o broche cinzelado em oiro que à altura dos joelhos286
te prendia enrolado o vestido da cor da púrpura?
– Esse o meu equipamento de caça; para os sacrifícios
vou tal qual sou, para receber as sagradas oblações.
254. Anónimo
Um monte de pedras consagrado a Hermes287 ergueram
[neste lugar
os que por mim passam. E eu, em troca de pequena graça,
grande graça tampouco lhes ofereço; digo-lhes que faltam
sete estádios ainda para chegar à Fonte do Bode.
255. Anónimo
Caminhante, não te aproximes das vinhas,
das maçãs nem de onde estão as nêsperas!
Passa antes de largo, junto dessa corda,
285
Cidade no sul de Creta que devia ser especializada no fabrico deste
tipo de calçado.
286
Foi em finais do século IV a.C. que se fixou este modelo de vestido
mais curto da deusa, o mesmo que encontramos na Diana Caçadora (dita
de Versailles) do Museu do Louvre (inv. MR152; Ma589), um mármore
de dois metros de altura da época tardo-imperial (séc. I-II).
287
O Hermaios, consagrado a Hermes, não era mais que um marco
da distância nos caminhos.
119
Antologia Grega XVI
256. Anónimo
Um terreno escarpado e deserto ocupo, caminhante;
não sou eu, mas Arquéloco, o responsável de estar aqui.
Hermes não é dado a montanhas nem locais acidentados,
muito mais lhe agradam, meu caro, os caminhos.
Mas Arquéloco, viajante, homem dado à solidão e sem vizinhos,
também a mim teve de erigir-me ao seu lado.
257. Anónimo
Pelo fogo, Dioniso, quando por segunda vez289 nasceste
no bronze, um segundo parto te concedeu Miro.
258. Anónimo
Junto ao santuário em chamas de Dictina 290, um Cretense
me erigiu, assim em bronze, um Pã de pés-de-bode.
Uma pele envergo e dois cajados e daqui, do pedestal
desta gruta, lanço dupla mirada sobre a montanha.
288
Também de Hermes é a função de vigia (cf. núms. 11 e 193), como
de Priapo (cf. núms. 236-243).
289
Vd. núm. 183 (v. 10) e nota ad loc.
290
Divindade Cretense assimilada a Ártemis.
120
O Apêndice de Planudes
259. Anónimo
Do mármore de Paros, junto à cidadela de Palas291
me erigiram os Atenienes, um Pã vitorioso.
260. Anónimo
Se eu, Priapo292, calho ver-te pondo o pé perto dos legumes,
hei de despir-te, ladrão, mesmo aqui ao lado do muro.
Dirás que é vil ofício para um deus. É vil,
bem sei; sabe tu também que para isso aqui me ergueram.
261. De Leónidas
Na encruzilhada de dois caminhos me ergo, eu, Priapo,
guardião de bastão empalmado saindo das virilhas.
Ergueu-me Teócrito como fiel vigia. Por isso fica longe,
ladrão, não vá que chores ao receber o meu membro!
262. Anónimo
O de pés-de-bode que alto ergue a sua pele, as Ninfas
sorridentes e a bela Dânae são obra de Praxíteles293;
todos de mármore e perfeitos – hábeis mãos! A Censura 294
291
Atena. O verso refere-se, metonimicamente, à cidade de Atenas.
292
Este epigrama e o seguinte fazem grupo com os núms. 236-243,
também sobre Priapo.
293
Não é claro se se trata de um grupo escultórico ou de várias estátuas,
mas sabemos da predileção de Praxíteles pela primeira modalidade. Sobre
o artista, vd. nota ao núm. 129.
294
No original, Momos é a filha da Noite e irmã das Hespérides que
personifica a Censura. Vd. núm. 265. A presença desta divindade, igual-
mente em posição final no hexâmetro, num epigrama de Calímaco (fr.
393 Pfeifer), torna possível a autoria desse poeta para o presente poema.
121
Antologia Grega XVI
263. Anónimo
Os Persas aqui me trouxeram, em tempos, como mármore
para erguer o troféu da vitória; e agora sou Némesis295.
Em honra de ambos me ergo enfim: troféu da vitória
dos Helenos, para os Persas a vingança da guerra.
264. Anónimo
Para Ísis, mãe das colheitas e das espigas, deusa de mil formas,
num cesto de pedra que dispensa as agruras dos arados,
por si próprios avançam os frutos para a mãe que é deles296.
264b. Anónimo
Às Ninfas vai esta estátua dedicada – delas é devota esta terra!
Devota seja, e das fontes emane uma corrente que não seca.
265. Anónimo
A que lamenta todos os sucessos, a três vezes maldita Censura,
quem foi que com mãos incensuráveis a modelou?
Essa velhaca, lançando-se sobre o solo como um ser vivo,
descansa das suas penas, sentindo o peso dos membros.
295
Vd. núm. 221 e nota ad loc.
296
Na época Helenística, Ísis é frequentemente associada a distintas
divindades gregas. No caso, parece clara a imagem de Deméter com a
cornucópia.
122
O Apêndice de Planudes
266. Anónimo
Rói bem essas unhas nefastas, Censura que tudo devora,
rói rangendo os maxilares envenenados.
Denunciam-te os tendões rígidos, as veias das articulações,
a vitalidade desprovida de carne que fica sem vida
e os tufos de cabelo eriçado que te rodeiam a testa enrugada
[...]
Que artista com a sua técnica moldou tal praga animada,
sem deixar espaço para as mordeduras da tua boca?298
297
Em grego, Momos é uma divindade masculina.
298
Mesmo esta estátua da Censura é incensurável.
299
Os núms. 267-274 formam uma série de epigramas sobre médicos
antigos.
300
Um desconhecido, provavelmente autor de obras sobre Hipócrates
e a arte médica.
301
C. 460-372 a.C. Dele conservamos um conjunto de bustos.
123
Antologia Grega XVI
268. Anónimo
As tuas palavras, Hipócrates, ou o Péan302 as escreveu,
ou tu próprio foste testemunha da sua arte de curar.
269. Anónimo
Eis aquele que desvendou os caminhos da medicina,
um Péan entre os mortais, Hipócrates de Cós.
302
Tradicionalmente epíteto de Apolo, passou a designar o filho
deste, Asclépio, deus da medicina.
303
Médico do séc. IV, provável seguidor de Galeno, a quem apenas
este epigrama é atribuído. Dele conservamos um epitáfio composto por
Páladas (AP 11.281), no qual se afirma que “veio ao mundo para devolver
à vida os mortais”.
304
C. 131-203. Exerceu medicina em Pérgamo, de onde era natural,
em Roma e, finalmente, na Ásia, de onde regressou à capital do Império
em 169, às ordens de Marco Aurélio.
124
O Apêndice de Planudes
271. Anónimo
Sobre Sosandro, médico de cavalos
O médico de humanos – Hipócrates –, e tu o dos cavalos,
Sosandro, também instruído nos mistérios da medicina,
a arte ou o nome devem trocar305: não seja um chamado
pela arte da qual era o outro o grande mestre.
273. De Crinágoras
Sobre um retrato do médico Praxágoras307
O próprio filho de Febo308, ungindo as mãos com panaceia,
Praxágoras, no teu peito aplicou a ciência
da medicina que tudo cura. Por isso, a todos os males
que surgem ao cabo das demoradas febres,
como a todos os cortes na pele sabes aplicar
remédios eficazes, inspirado pela doce Epíone309.
305
Hipócrates significa, à letra, “o que domina os cavalos”, e Sosan-
dro “o que salva os homens”.
306
Médico dos governos de Justiniano I e Justino II (segunda metade
do século VI).
307
Praxágoras de Cós, fl. c. 300 a.C.
308
Asclépio, filho de Apolo.
309
Com culto centralizado em Cós e Epidauro, Epíone era considera-
da ora esposa, ora filha de Asclépio (e.g. Paus. 2.27, 29).
125
Antologia Grega XVI
274. Anónimo
Eis aqui o grande médico do imperador Juliano310,
digno de reverência, o divino Oribásio.
Teve, como a abelha, genial ideia – aqui e ali
recolher as flores dos médicos antigos.
275. De Posidipo
Sobre uma estátua da Ocasião311
– De onde é o escultor? – De Sícion. – E chama-se?
– Lisipo. – E tu és? – A Ocasião que tudo domina.
– Porque andas em pontas? – Sempre com pressa! – E porquê
esse par de asas nos pés? – É que voo como o vento.
– E essa navalha na mão direita, para quê? Para os mortais
é sinal que sou mais afiada que qualquer lâmina.
– E esse cabelo nos olhos? – Para que o puxe quem me encontrar.
– Por Zeus, porque és tu careca na parte de trás?
– Para que sempre que os meus pés alados vencem na corrida
ninguém possa, mesmo que queira, agarrar-me por trás.
310
Oribásio de Pérgamo, bibliotecário e médico do imperador Julia-
no, foi enviado à Gália em 355 e nomeado questor de Constantinopla em
361. Morreu em 403.
311
O epigrama constitui a mais completa e antiga referência à Ocasião
(Kairos) de Lisipo de Sícion (séc. IV a.C.; cf. nota ao núm. 120). Temos
testemunho de a estátua não ter estado exposta em Sícion, mas apenas
em Olímpia, onde os atletas lhe prestavam homenagem antes das provas
(Pausânias 5.14.19). Autores bizantinos tardios referem que a estátua terá
sido levada para Constantinopla, onde foi exposta no Palácio de Lausos,
ao lado do Zeus de Olímpia de Fídias.
126
O Apêndice de Planudes
276. De Bianor
Sobre uma estátua do citaredo Aríon312
Periandro foi quem ergueu esta estátua de Aríon313
e do golfinho que com ele sulcou os mares
quando esteve para morrer. Sobre Aríon, reza o provérbio:
“se os homens nos matam, os peixes nos salvam”.
312
Aríon, poeta semi-lendário do tempo de Periandro a quem a tra-
dição atribui a invenção do género ditirâmbico. No momento em que re-
gressava de barco de uma competição poética na qual se sagrara vencedor,
é alvo da tentativa de assassinato dos demais tripulantes. Persuadindo-os
a que escutassem o seu último canto, nesse momento um conjunto de
golfinhos se aproxima do barco para o ouvir e, quando se lança ao mar, é
resgatado por um deles, em cujo dorso completa a viagem.
313
Periandro foi tirano de Corinto entre 625-585 a.C., e era conside-
rado um dos sete sábios da Grécia. Heródoto (1.23-24) testemunha ter
visto, em Ténaro, a sul do Peloponeso, “um pequeno ex-voto em bronze
que representava um homem sobre um golfinho”, a mesma peça que viu
Pausânias (3.25.7) volvidos 700 anos. É por isso possível que estes versos
de Bianor (séc. I a.C.) estivessem gravados na base desse artefacto.
127
Antologia Grega XVI
278. Do mesmo
Sobre um retrato de Maria, citarista e cantora
Ela tem o plectro314 da lira, ela tem o plectro do amor,
e com os dois excita ora o coração, ora a cítara315.
Infelizes aqueles a que é insensível; quantos favorece,
porém, de um faz Anquises, do outro Adónis316.
Se desejas, estrangeiro, aprender o seu tão celebrado
nome e a sua pátria – ela é Maria, a de Faros.
279. Do mesmo
Sobre a pedra de Mégara que toca cítara
Lembra-te de mim, a pedra musical, sempre que passes
por Niseia. Quando Alcatoo construía a muralha
de torres317, Febo, erguendo aos ombros um bloco de pedra,
sobre ela fez descansar a sua cítara licória318.
Desde então toco lira; toca-me tu com uma pedrinha,
e logo comprovarás a melodia que emano319.
280. Anónimo
A expensas de Ágaton, neste lugar construiu um balneário
a gente de Tégea, maravilha também para os vindouros320.
314
Servia para tocar as cordas da lira. Em grego, o termo significa
também “aguilhão”.
315
Os termos gregos para cítara e lira são usados indistintamente,
como no epigrama seguinte.
316
Ambos amados por Afrodite. Cf. núms. 168 (e nota ad loc.), 337 e 357.
317
Quando os Cretenses atacaram Mégara, Alcatoo (filho de Pélops)
reconstruiu a cidadela com o auxílio de Apolo.
318
I.e. délfica, a partir de Licoro, filho de Apolo e um dos fundadores
míticos do Santuário de Delfos (Pausânias 10.6.3).
319
A lenda vem em Pausânias (1.42.2), que a tem por semelhante à do
Tebano Colosso de Mémnon.
320
Destruída por completo em 396, Tégea foi completamente
128
O Apêndice de Planudes
281. Anónimo
Sobre um balneário em Prineto321
Não era antes um balneário o que hoje é um balneário,
antes uma lixeira e depósito de excrementos.
Mas agora, os que todos exaltam como prazerosos e agradáveis,
esses excede em esplendor. Em verdade Alexandre,
o bispo de Niceia322, estrela da sabedoria gloriosa,
construiu-os com os próprios bens e recursos.
282. De Páladas
Sobre as Vitórias
Nós, as Vitórias, aqui estamos, virgens sorridentes,
as que levam vitórias à cidade que ama a justiça323.
Pintaram-nos esses homens que amam a cidade,
dotando-nos com as insígnias que convêm às Vitórias.
129
Antologia Grega XVI
284. Do mesmo
Sobre o retrato de outra dançarina exibido no Sosténio325
Sou Heládia326 de Bizâncio, e ergo-me neste lugar
onde, na primavera, o povo organiza coros,
aqui, onde o estreito327 divide a terra em dois. Ambas
as margens celebraram as minhas danças.
285. Do mesmo
Sobre o retrato em ouro de uma dançarina em Bizâncio
Ninguém lançou ouro sobre Antusa; foi o próprio Crónida
que sobre ela o derramou, como outrora sobre Dânae328.
Do corpo dela não se acercou ele, pudico o seu espírito,
não fosse sem querer unir-se a uma das Musas329.
286. Do mesmo
Sobre o mesmo
O género feminino vence na dança – abram alas, rapazes!
A Musa e Heládia impuseram, ambas, essa lei;
a primeira porque inventou os ritmos do movimento,
a outra porque em tal arte alcançou a perfeição.
325
Edifício para a prática de pantomima em Constantinopla.
326
Celebrada também nos núms. 286-287, Heládia de Bizâncio surge
numa inscrição datada entre finais do séc. V e inícios do séc. VI, associa-
da à fação dos Azuis de Constantinopla.
327
O Bósforo, perto do qual se localizaria o Sosténio.
328
Zeus aproximara-se de Dânae transformado em chuva dourada.
329
I.e., não fosse cometer incesto com uma das suas filhas, com as
quais se confunde Antusa.
130
O Apêndice de Planudes
287. Do mesmo
Sobre o mesmo
Alguém cantava uma melodia nova sobre Heitor330; e Heládia,
envergando um manto, dançava ao ritmo da melodia.
Havia um misto de desejo e terror nas danças dessa Énio331,
pois com a força viril misturava a graça feminina.
288. Do mesmo
Sobre um retrato [da dançarina] Libânia
O nome do Líbano332, o corpo das Graças e o génio da Persuasão
tu tens, rapariga, e a cinta da deusa Páfia333 à volta das
[ancas.
Nas danças, porém, tal qual um Eros ligeiro te divertes,
e com tamanha beleza e arte a todos conquistas.
289. Anónimo
Sobre [...]334 Xenofonte de Esmirna
Ióbaco335 em pessoa julgávamos ver, quando as Ménades
esse velho336 dirigia com danças frenéticas de jovens,
330
Os heróis e cenas do ciclo épico eram os prediletos da pantomima
imperial e bizantina.
331
Deusa da guerra, o equivalente feminino a Ares, noutras ocasiões
dito Eniálio.
332
O nome artístico da dançarina parece provir da sua terra de origem.
333
Afrodite.
334
A lacuna no lema não permite saber se se trata da inscrição de uma
estátua ou retrato.
335
Dioniso.
336
Xenofonte interpreta primeiro o papel de Tirésias, logo de Cadmo,
do Mensageiro e de Agave, no que deve ser uma versão em pantomima
das Bacantes de Eurípides (ou de outro autor).
131
Antologia Grega XVI
291. De Ânite
Ao hirsuto Pã e às Ninfas que habitam as grutas dedicou
este presente Teodoto, no topo da montanha,
pois às duras penas do calor estival puseram fim,
oferecendo-lhe das suas mãos a doce água.
292. Anónimo
Sobre um retrato de Homero338
Filho de Meleto, Homero, sobre a Hélade inteira
337
Esse “outro” Dioniso é o resultado do engenho de Pílades na mímica.
338
Os núms. 292-304 constituem uma série sobre Homero e os seus
dois poemas. Quanto ao presente epigrama, o lema de Planudes apenas
refere “um retrato” de Homero, mas é tentador aceitar a sugestão de
Dübner, para quem o epigrama estaria inscrito à cabeça de uma edição
dos dois poemas, após uma gravura do poeta – o que, de resto, concordaria
com o lema de alguns manuscritos, “sobre os dois livros de Homero”. De
ser assim, seria este o único epigrama da série que teria sido uma inscrição.
132
O Apêndice de Planudes
293. Anónimo
Sobre Homero
Quem foi que a guerra de Tróia gravou nestas colunas,
quem contou a demorada errância do filho de Laertes?
Não acabo de acertar no seu nome ou cidade. Zeus Urânio,
acaso Homero retira a glória dos teus próprios versos?
294. Anónimo
Sobre o mesmo
Em que cidade devemos inscrever como cidadão
a Homero340, a quem todas as cidades lançam mão?
Eis um mistério, mas esse herói semelhante aos imortais
às Musas deixou uma pátria e uma família.
295. Anónimo
Sobre o mesmo
Não foi a planície de Esmirna que deu à luz o divino Homero,
nem Cólofon, não, a estrela da Iónia luxuriante,
339
Ílion é outro nome para Tróia, e os Dardânidas são os Troianos.
340
Na Antiguidade, diversas cidades – cedo organizadas num grupo
mais ou menos estável de sete (cf. núms. 297-298) – disputavam a natu-
ralidade de Homero, mostra simbólica de poder.
133
Antologia Grega XVI
297. Anónimo
Sobre o mesmo
Sete cidades se enfrentam pela ascendência de Homero:
Cime, Esmirna, Quios, Cólofon, Pilos, Argos e Atenas.
341
Atenas.
342
Das nove Musas, filhas de Zeus e Mnemósine, Calíope tutelava
a poesia épica.
134
O Apêndice de Planudes
298. Anónimo
Sobre o mesmo
Sete cidades afiançam ser a douta ascendência de Homero:
Esmirna, Quios, Cólofon, Ítaca, Pilos, Argos e Atenas.
299. Anónimo
Sobre o mesmo
– Natural de Quios? – Não digo! Então, de Esmirna? – Nego!
– Cime ou Cólofon, alguma delas é a tua pátria, Homero?
– Nenhuma delas. – É Salamina a tua cidade? Tampouco nessa
eu nasci. – Diz-nos então tu próprio onde nascente!
– Não direi. – E porquê? – Bem sei que se indicar uma
sobre as costas sentirei o peso do ódio das demais.
300. Anónimo
Sobre o mesmo
Pelos séculos dos séculos, Homero, se te há de cantar,
tu que elevas a glória da Musa celeste!
Tu cantaste a cólera de Aquiles, a confusão das naus
dos Aqueus que rodopiavam aqui e ali no mar
e a vítima de longa errância, Ulisses de espírito fértil,
o esposo que Penélope com júbilo viu regressar.
301. Anónimo
Sobre o mesmo
Se Homero é um deus, à maneira dos imortais seja venerado;
e se não é um deus, como deus há que considerá-lo.
135
Antologia Grega XVI
302. Anónimo
Sobre o mesmo
A natureza o criou, a custo o criou! E ao gerá-lo descansou,
centrando em Homero, nele apenas, todo o seu pensamento.
303. Anónimo
Sobre o mesmo
Alguém haverá que não conheça a imensa voz de Homero?
Que terra, que mar ignora a guerra dos Aqueus?
As gentes Cimérias, que jamais contemplam os raios de Hélios
que tudo vê, mesmo elas ouviram o nome de Tróia; ouviu-o Atlas,
o que aos ombros suporta o peso do céu de amplo dorso.
304. Anónimo
Sobre o mesmo
Ao contar, Homero, a saga daquela que foi incinerada,
atraíste a inveja de outras cidades nunca sitiadas.
343
Lenda recolhida, entre outros, por Pausânias (9.23.2) e Filóstrato
(Caracteres 12). Cf. AP 7.34 (de Antípatro de Sídon).
136
O Apêndice de Planudes
344
Plutarco (Obras Morais 1103B) supõe que Píndaro sentiria um
prazer estranho ao ouvir as canções pastoris de Pã.
345
Os núms. 306-309 devem ter relação com uma ou várias re-
presentações do velho poeta de finais do século VI e inícios do V a.C.,
mais conformes com a imagem de ancião ébrio perdido de amores que
lemos nos Anacreontea que nos seus fragmentos autênticos. Por exemplo
Pausânias (1.25.1) descreve uma estátua do poeta que vira na Acrópole de
Atenas, referindo a sua postura “semelhante à de um homem que canta
embriagado”, a mesma que se vê em várias peças de cerâmica do séc. IV
a.C.
346
Dois efebos celebrados nos fragmentos autênticos do poeta e nos
Anacreontea.
137
Antologia Grega XVI
308. De Êugenes
O irmão dos Desejos doces como o mel,
ó Lieu347, esse cisne de Teos, Anacreonte,
com o encanto líquido do néctar o traíste.
O seu olhar lascivo, a franja do manto
à altura do tornozelo e a única sandália
que leva denunciam a sua bebedeira. A lira,
porém, toca sem cessar um hino aos Amores.
Cuida que o velho não caia, deus do Evoé!
309. Anónimo
Aqui me vês, a mim, o velho de Teos insaciável
de amores, o que celebra moços e moças.
De mirada carregada de Brómio, passados os cortejos,
revelo os indícios doces da pândega insone.
310. De Damócaris
Sobre um retrato de Safo
A própria natureza criadora, pintor, te fez
347
Epíteto de Dioniso.
138
O Apêndice de Planudes
311. Anónimo
Opiano350, reunindo nestas páginas as espécies dos mares,
a todos os jovens ofereceu um prato cheio.
312. Anónimo
A soberana Calíope351 assim falou ao ver Jorge352:
“É este o meu verdadeiro pai, não o Crónida!”
348
I.e. a Musa. Os antigos deviam a Platão a identificação de Safo
como a décima Musa, a partir de um epigrama a ele atribuído na Anto-
logia (9.506).
349
Cidade de Lesbos, de onde era natural Safo.
350
O dístico pode ter servido de epígrafe a uma edição das Haliêuticas
de Opiano, obra naturalista composta entre 177-180 e muito admirada
no período bizantino.
351
Considerada a primeira das Musas, era como as irmãs filha de
Zeus e Mnemósine (a Memória).
352
Provavelmente Jorge de Pisídia, poeta do século VII muito aprecia-
do pelos Bizantinos. Entre outras obras, maiormente de caráter religioso,
compôs uma Heracliada, onde celebra a vitória de Heráclio (imperador
entre 610-641) sobre os Persas.
139
Antologia Grega XVI
313. Anónimo
Sobre uma estátua [do orador] Ptolemeu em Antioquia
– Estátua, quem te dedicou?353 – a Eloquência. – Para quem?
[– Ptolemeu.
– Qual deles? – O de Creta . – E porquê? – Pelo seu
354
[mérito.
– Que tipo de mérito? – Todos. – E contra quem? – Contra
[os advogados.
– E basta uma estátua de madeira? – Sim, ele não aceita
[ouro355.
353
O mesmo início do núm. 55, de Troilo.
354
Na realidade, deve tratar-se de Ptolemeu de Náucratis, orador da
época de Trajano e Hadriano.
355
A mesma ideia da incorruptibilidade de um personagem (cf.
epigrama seguinte) pela não aceitação do ouro como matéria-prima da
homenagem. Cf. ainda o núm. 45, sobre um retrato em talha dourada.
356
Cf. o núm. 39, onde o mesmo Longino, prefeito de Justiniano ou
Justino II, é celebrado por Arábio.
357
Aos clássicos Tucídides (séc. V a.C.) e Demóstenes (séc. IV a.C.),
Tomás acrescenta o nome de Aristides (n. 117), o discípulo de Herodes
Ático que, ao falecer (c. 181-187), deixou vasta obra e foi muito admirado
nos séculos seguintes e ao longo de toda a Idade Média.
140
O Apêndice de Planudes
316. Anónimo
A cidade executou este Agátias358, orador e poeta,
admirando o ritmo duplo da sua eloquência,
qual mãe para com um filho, e ofereceu-lhe esta
estátua, testemunho de afeto e do seu talento.
E a seu lado fez erguer o pai Memnónio e o irmão359,
símbolos de uma raça muito respeitável.
317. De Páladas
Ao ver este Géssio360 surdo-mudo, profetiza tu, senhor de Delos,
se ele é de mármore, ou quem é o mármore de quem361.
318. Anónimo
Sobre o retrato de um orador sem talento
Tu, incapaz de falar, quem te pintou à imagem de um orador?
Calas-te? Não dizes nada? Nada mais conveniente!
358
Natural de Mirina na Eólida (536-579/82), Agátias (dito o Esco-
lasta) foi advogado em Constantinopla durante o governo de Justiniano
e, claro, o responsável pela recolha epigramática que integraria a Antolo-
gia, além de autor de uma centena de poemas, nesse florilégio incluídos.
359
O epigrama poderia ser a inscrição da base de um grupo escultó-
rico erguido na cidade natal de Agátias. Os pais do poeta vêm referidos
também em AP 7.552.
360
Páladas compôs oito outros epigramas sobre Géssio (AP 7.681-
688), um cônsul coxo que terminou mal a carreira graças a um conselho
do oráculo de Ámon . Não é certo se se trata da mesma personagem – que,
além de coxo, seria também surdo-mudo – ou de outra, possivelmente o
seu filho.
361
O tópico frequente do orador mais mudo que a própria estátua
(e.g. AP 9.145, 149, 151; núm. 318).
141
Antologia Grega XVI
319. Anónimo
Sobre o retrato do orador Marino
Os retratos, para os homens, são coisa honrosa; mas para
[Marino362
são um insulto, pois evidenciam como é feia a sua forma.
320. Anónimo
Sobre uma estátua do orador Aristides
Aristides363 pôs fim à disputa que as cidade da Iónia
tinham no passado pela paternidade de Homero364.
E agora dizem todas: “Esmirna gerou o divino Homero,
ela que também produziu o orador Aristides.”
321. Anónimo
Sobre uma estátua do orador Calisto
A estátua é de Calisto365, o orador; os que perto dela passem,
a Hermes, patrono da eloquência366, façam libações.
322. Anónimo
Sobre um busto do retor Calisto
Firmo para mim Firmo, o porta-fogo para o porta-fogo367,
362
A Antologia conserva epigramas para dois indivíduos com este
nome: o autor de um tratado de retórica (AP 1.23, 28) e um discípulo de
Proclo do século VI (AP 9.196-197).
363
Vd. núm. 315 e nota ad loc.
364
Cf. núms. 293-299.
365
Desconhecido.
366
Depois de Platão (Crátilo 407e-408a-b), os Estóicos fizeram de
Hermes deus da linguagem e do discurso.
367
Deve tratar-se de duas gerações de sacerdotes de Héstia que, na
142
O Apêndice de Planudes
323. De Mesomedes
Sobre o vidro
O artesão trouxe o vidro
que antes tinha extraído;
e ao fogo lançou o bloco
tão duro como o ferro.
E o vidro, como a cera,
consumido pelas chamas
que tudo devoram, derretia.
Prodígio para os mortais ver
a serpente escorrendo do fogo
e o artesão que todo ele tremia,
não fosse cair e fazer estilhaços;
nas pontas das suas pinças
duplas pousa então o bloco,368
324. Anónimo
Um estilete369 de prata eu era quando calhei sair do fogo,
mas nas tuas mãos num de ouro me transformei.
143
Antologia Grega XVI
326. Anónimo
Sobre [um retrato] do mesmo
Autêntico é o Pitágoras deste pintor, e com voz
o verias mesmo, quisesse Pitágoras falar.
328. Anónimo
Sobre um retrato de Platão
Platão, ao explicar que o espírito se eleva no éter,
pronuncia palavras muito além do entendimento.
370
Trata-se da dedicatória de um estilete de prata a uma mulher
(provavelmente uma artista) desconhecida.
371
I.e., para não a aprisionar dentro do corpo, na acepção Socrática
a verdadeira morte.
144
O Apêndice de Planudes
329. Anónimo
Sobre um retrato de Aristóteles
Eis Aristóteles, medindo a terra e a esfera dos astros.
330. Anónimo
Sobre um retrato de Aristóteles
O espírito e a alma de Aristóteles, um dois-em-um neste retrato.
332. Do mesmo
Sobre uma estátua de Esopo
Bem fizeste, velho Lisipo372, escultor de Sícion,
em colocar a estátua de Esopo de Samos
frente à dos Sete Sábios, pois estes imprimiam
necessidade, e não persuasão, às suas palavras.
Ele, dizendo o conveniente nas suas fábulas e argumentos,
brincando com o sério ensina a ser prudente.
372
Escultor de Sícion. Vd. núms. 120 e 275 e notas.
145
Antologia Grega XVI
373
O epigrama apoia-se na lendária austeridade de Diógenes de
Sínope (c. 412/404 – 323 a.C.).
374
I.e. das mãos da sua estátua. A mesma anedota é contada, em anos
próximos aos da composição do epigrama, por Séneca (Epístulas 90.14).
375
O epigrama deve ser o modelo de Ausónio (epigr. 53).
146
O Apêndice de Planudes
335.
Sobre Porfírio
Este Porfírio, filho de Calcas, o Imperador e a fação376 o
[ergueram,
carregado de muitas coroas obtidas por nobres esforços,
ele, o mais novo e o melhor de quantos aurigas há.
Ora, por tanta superioridade que sempre levou na vitória,
melhor fora que a estátua deste homem se erguesse em ouro,
e não em bronze377, como são as de todos os outros.
336.
Sobre o mesmo
Das quatro bandas378 efusivamente gritou no passado o povo,
tal era o apreço por Porfírio, o filho de Calcas;
então ele, posicionado à direita da tribuna imperial,
eleva no ar as rédeas e o seu cinto de jóquei
e daí conduz o carro, enfurecido. Quando competia 379 este
[bronze
376
Os Azuis. Sobre estas fações, vd. nota 8 da Introdução.
377
Dos aurigas celebrados no Hipódromo, apenas Urânio parece ter
recebido a honra de uma estátua em ouro (núm. 378), o que sabemos que
era um privilégio tradicionalmente reservado à família imperial (cf. núm.
354). O mesmo privilégio é reclamado para Porfírio.
378
I.e., Porfírio mereceu o apoio das quatro fações, cujas tribunas
estariam uma de cada lado da pista.
379
O normal seria receber a honra de uma estátua ao cabo da carreira
ou mesmo após a morte de um atleta, regra a que apenas Porfírio e Urânio
(núm. 376) são exceção. Cf. núms. 338, 340, 341.
147
Antologia Grega XVI
337.
Sobre o mesmo
Citereia por Anquises380, e Selene por Endímion381
se enamoraram, e agora a Vitória por Porfírio,
ele que, trocando sempre de cavalos com um auriga
da sua equipa, ou por outros de aurigas adversários382,
muitas vezes e sem grande esforço coroou a cabeça nos jogos
que duram todo o dia, limitando-se o adversário a
[segui-lo.
338.
Sobre o mesmo
Concedeu-te a Vitória, jovem ainda, este prémio, que o
[Tempo
a outros granjeou muito mais tarde e já grisalhos,
[Porfírio!
É que, contabilizando os esforços que te valeram tantas coroas,
teve-os por superiores aos desses aurigas mais velhos.
380
Vd. núm. 168 e nota ad loc.
381
Pastor da Eólia com quem Selene (a Lua) teve 50 filhos.
382
Pode tratar-se de uma mostra individual de valor, iniciativa do
auriga, ou de uma prática oficializada. A última hipótese é de aceitar,
tendo em conta a frequência com que esse detalhe é mencionado. Cf.
núms. 339, 340, 341.
148
O Apêndice de Planudes
339.
Sobre o mesmo
Ao corajoso os corajosos, ao sábio os sábios, e ao filho da
[Vitória,
Porfírio, os Azuis, filhos da vitória também eles, esta
[estátua
ergueram; de ambas as vitórias com corcéis intercambiados
se orgulha, com os que forneceu e com os que recebeu.
340.
Sobre o mesmo
A outros uma vez retirados, mas a meio da carreira
só a Porfírio, concedeu o Imperador tal honra.
Muitas vezes, após o triunfo, emprestou os cavalos velozes,
colheu os da equipa adversária e de novo foi coroado.
Entre os Verdes surgiu uma raiva indizível, tal como o aplauso.
Como ele soube alegrar, Soberano, Azuis e Verdes!
341.
Sobre o mesmo
O voto de todos me erigiu, quando conduzia ainda o carro,
junto à estátua da Vitória, a mim, Porfírio!
149
Antologia Grega XVI
342.
Sobre o mesmo
O mesmíssimo Porfírio com rigor moldou no bronze
o escultor, como se esculpisse um ser-vivo.
Mas o seu charme, as corridas, a inspiração divina da sua arte,
quem os moldará, isso e a vitória que nunca o abandona?
343.
Sobre o mesmo
Numa estátua de bronze este brônzeo auriga vencedor
mandou erguer o soberano dos Ausónios,
tão talentoso e querido dos Azuis! Mas pelas suas vitórias,
muitas outras estátuas de Porfírio veremos ainda.
383
I.e., Porfírio venceu em nome de distintas fações, as quais ditavam
a cor do uniforme do auriga em competição. Traduzimos por “casacas”
150
O Apêndice de Planudes
mas fez com que desse mais aos Azuis, e por isso se lhe ergueu
dourado pela sua virtude, mas em bronze pelas suas penas.
344.
Sobre o mesmo
– Tu quem és, querido rapaz, em cujo queixo a barba desponta?
– Porfírio, estrangeiro! – A tua pátria? – A Líbia.
– Quem agora te honrou? – O Imperador, pelo meu talento
[de auriga.
– E quem pode testemunhá-lo? – A fação dos Azuis.
Melhor te convinha dispor de Lisipo384, esse hábil escultor,
para testemunhar tão grande vitória, Porfírio!
151
Antologia Grega XVI
345.
Sobre o mesmo
Junto à Vitória e ao Imperador Alexandre387 te perfilas,
tu, que a glória de ambos lograste obter.
346.
Sobre o mesmo
O olho da Fortuna tudo perscruta! Mas agora, sobre as
[façanhas
de Porfírio, e não mais, lança a Fortuna o seu olhar.
387
A estátua de Porfírio não poderia ter posição mais destacada, entre
a da Vitória (núm. 341) e a de Alexandre Magno, a última da autoria de
Lisipo, como já indiciado no núm. 344 (vd. nota ad loc.).
388
Com a qual se prendiam os cabelos do auriga.
389
O primeiro epigrama sobre uma estátua dedicada a Porfírio após
o final da sua carreira.
390
Porfírio regressa, já maduro, à competição. Embora o epigrama
não especifique qual a fação que agora o patrocina, sabemos tratar-se dos
Verdes, a única que podia dedicar-lhe uma estátua menos valiosa, depois
de outras em ouro e bronze.
152
O Apêndice de Planudes
347.
Sobre o mesmo
Em homenagem ao teu chicote furioso e ao teu escudo,
quis a tua fação, como convém, erguer-te dupla estátua,
de poderoso auriga e guerreiro391. Mas o bronze não soube
derreter em dois, moldando-se enfim à tua alma.
348.
Sobre o mesmo
Este Porfírio, o auriga, por que razão em pleno estádio
o ergueu a fação dos Verdes que leva a palma?
O próprio Imperador o ordenou. Como senão honrá-lo,
pela sua lealdade e pelo seu talento de auriga?
349.
Sobre o mesmo
A Porfírio, ao cabo das suas corridas, o Soberano concedeu
honra digna dos seus trabalhos, em favor dos Verdes.
Muitas vezes o povo, atendendo a esforços extraordinários,
tinha já ovacionado este Calíopas392, e de novo Porfírio;
esse o duplo nome que conseguiu este herói de bronze,
o que na quadriga obteve o galardão do seu talento.
391
Vd. núm. 349b e nota ad loc.
392
O mesmo Porfírio, i.e., o filho da Musa. Pelos núms. 358-362, é
possível depreender que o atleta tenha adotado este nome na maturidade.
153
Antologia Grega XVI
350.
Sobre o mesmo
Não só no estádio te coroou a soberana Vitória,
mas também na guerra te mostrou vencedor,
quando o Imperador se bateu, com o auxílio dos Verdes,
contra a insânia furiosa do inimigo do Império.
Caiu o selvagem tirano, com Roma ainda agonizante,
e para os Ausónios despontou o dia da liberdade.
Por isso lhes deu o Imperador os privilégios de outrora,
e a tua estátua, Porfírio, o talento a esculpiu.
351.
Sobre o mesmo
Inevitáveis arautos das tuas façanhas, Porfírio,
são também as grinaldas dos teus rivais.
Pois no estádio, um depois do outro, sempre vences todos
os adversários, brinquedo para a tua arte de condução.
Por isso, a ti apenas foi concedida uma honra inédita,
uma estátua de bronze por cada uma das fações.
393
Alusão à revolta de Vitaliano de 515, na qual Porfírio
participara como soldado, entrando triunfante ao cabo da batalha no
Hipódromo.
154
O Apêndice de Planudes
352.
Sobre o mesmo
O escultor moldou o bronze à imagem do auriga!
Tivesse ele representado a grandeza do seu talento,
a grandeza e o encanto sobre os quais a Natureza, ao gerá-los
já tarde, afiançou “Não mais poderei gerar!”
Isso afiançou com lábios dignos de fé; pois a Porfírio,
caso primeiro e único, toda a graça ela concedeu.
353.
Sobre o mesmo
Se a inveja descansasse e desejasse julgar as competições,
todos testemunhariam os esforços de Porfírio.
Diriam por certo, fazendo o reconto das suas corridas:
“Pouca recompensa esta para tantos esforços.”
Com o adorno de quantas qualidades partilham os aurigas,
reunidas num só ser, assim ele se mostrou grandioso.
354.
Sobre o mesmo
Rendida, com bronze te honra a cidade, ó três vezes desejado,
e queria fazê-lo com ouro, não espreitasse Némesis394!
Porém, se a benevolente fação dos Verdes não se cansa,
Porfírio, de celebrar uma vitória que te é conhecida,
todos eles são para ti estátuas vivas; tudo o resto sobra,
394
A inveja. Apenas Urânio terá recebido uma estátua de ouro (núm.
378), pelo que o verso constitui uma explicação poética para uma prática
real, a de apenas dedicar estátuas de ouro à família imperial. Cf. núm. 335.
155
Antologia Grega XVI
355.
Sobre o mesmo
A Sorte não te recompensou ainda pelo esforço da tua vitória;
as tuas vitórias excedem a recompensa que te calhou.
Permanece pois na fação vitoriosa, a constante e a melhor,
consumindo o coração invejoso dos teus oponentes,
eles que, à vista do teu chicote que sempre sai triunfante,
a toda a hora maldizem a própria imprudência.
356.
Sobre o mesmo
Para outros, é o tempo motivo de honras; os que julgamos
pelas suas vitórias, esses, não sentem a falta das brancas,
antes do talento que acompanha a glória. Por isso Porfírio
duas vezes obteve o esplendor de tais recompensas,
contando não dezenas de anos, mas um sem fim de vitórias,
todas e cada uma delas aparentadas com as Graças.
395
Leôncio, que A. Cameron (1973) considera contemporâneo de
Justiniano, não terá conhecido pessoalmente o atleta, antes imitado
um epigrama inscrito na primeira base (núm. 337), datada de c. 500.
Ou bem Planudes introduziu o epigrama neste ponto, ou bem outro
156
O Apêndice de Planudes
358.
Sobre o mesmo
Quando eras jovem venceste os mais velhos, e agora, já velho,
vences os jovens condutores de quadrigas vitoriosas.
Completando seis décadas, uma estátua pelas tuas vitórias
recebes, Calíopas, com a anuência do Imperador,
para que viva no futuro a tua glória. Imortal pudesse ser,
como o é a tua glória, também o teu corpo!
359.
Sobre o mesmo
A vitória condutora de carros te dedicou este bronze,
Calíopas, imagem fiel da tua aparência divina,
pois, já velho, pela força de domar cavalos a flor da juventude
tu venceste, como em jovem os mais velhos pela técnica.
Por isso a fação dos Azuis, filhos da liberdade, duplo prémio
te dedicou, um pela tua técnica, outro pela tua força.
360.
Sobre o mesmo
A tua velhice levou a melhor sobre a juventude em vitórias,
157
Antologia Grega XVI
361.
Sobre o mesmo
Calíopas, tu que ergues em aplausos o teatro, eis a tua estátua,
a que te ergue um enxame de grinaldas invejáveis.
Nenhum auriga te ludibriou, nem o maxilar duro de roer
de nenhum cavalo pôde resistir às tuas rédeas;
tu apenas ostentas o prémio da vitória! E entre todos tens fama
de, na competição, aos outros deixar os prémios menores396.
362.
Sobre o mesmo
Calíopas, ilustre por teus feitos, que mais se te pode oferecer,
se com brônzea estátua te honrou já o Imperador,
o povo de mil vozes, a cidade inteira, se mesmo as mãos
da fação inimiga aplaudiram os teus esforços?
363.
Sobre Faustino397
A vontade é mãe das honras dos vencedores, não a força da
[juventude,
396
O sentido do último dístico não é claro, podendo no entanto haver
uma referência ao segundo (e terceiro) lugares, que, esses sim, sempre
ficariam para outros aurigas que não Porfírio.
397
Outro auriga, da fação dos Verdes (cf. núm. 382).
158
O Apêndice de Planudes
364.
Sobre o mesmo
Quando eras jovem, Faustino, o espírito dos velhos te assustava,
mas agora que és velho a força dos jovens treme ante ti.
Todos os esforços garantiram duplo fruto: velho, ser honrado
entre os jovens, como dantes, jovem, entre os velhos.
398
Deve tratar-se do filho do Faustino dos epigramas anteriores,
elogiado em onze epigramas.
159
Antologia Grega XVI
365.
Sobre o mesmo
Desde que Constantino entrou na mansão do Hades,
cheio de desânimo ficou o estádio de corridas;
o prazer abandonou os espectadores, e já nem nas ruas
se veem essas disputas amigáveis399 de outrora.
366.
Sobre o mesmo
Uma estátua, Constantino, te dedicaram os cidadãos
entre lágrimas, oblação à tua alma que partira.
Quando, pela tua morte, o povo confirmou a tua reputação,
mesmo o Imperador postumamente recordou os teus
[esforços;
399
As corridas de carros eram assunto das conversas de rua e ocupa-
vam o espírito de toda a cidade. Não obstante, o adjetivo “amigáveis” soa
a eufemismo, porquanto sabemos de disputas acesas motivadas por estas
competições. O exemplo mais extremos parece ser o da Revolta de Nike
em 532 (vd. Introdução, nota 8).
400
A mesma ideia do merecimento de uma estátua em ouro que
acabou por ser em bronze, como nos núms. 335 e 354.
160
O Apêndice de Planudes
367.
Sobre o mesmo
Quando Constantino ainda vivia, considerava a cidade
que uma estátua de bronze era prémio pequeno;
o povo inteiro sabia, enfim, quantas grinaldas ostentara,
sempre competindo pela honra que traz a vitória.
Quando morreu, para recordá-lo lhe dedicou esta estátua
[amável,
para que também os vindouros recordem os seus feitos.
368.
Sobre o mesmo
Os Azuis, eternos adversários dos Verdes,
proclamaram unânimes uma só decisão,
que tu, Constantino, recebas esta homenagem no além,
por todos celebrada, por todos estimada.
369.
Sobre o mesmo
A tua corrida que brilha alto alcançou as fronteiras
do Levante e do Poente, como do Sul e do Norte,
imortal Constantino. E ninguém diga que estás morto!
Nem Hades ousa pôr a mão sobre os invencíveis.
401
Alusão à linguagem destravada do público durante a competição.
161
Antologia Grega XVI
370.
Sobre o mesmo
Nas imediações das da sua família recebeu ele esta estátua,
pois convinha reunir os três402 num mesmo local,
os que pelo talento nos estádios obtiveram semelhante glória,
conseguindo igual enxame de incontáveis grinaldas.
371.
Sobre o mesmo
A cidade ergueu aqui este Constantino, filho de Faustino,
perto da sua família, o melhor de quantos aurigas há.
Em tanto tempo de competição jamais perdeu, antes terminou
vitorioso, como vitorioso havia começado,
ele que, quando não passava de um jovem, os aurigas mais velhos
e coroados designaram como presidente403 dos estádios.
372.
Sobre o mesmo
É para ti, Constantino, este presente da Vitória, tua mãe,
que desde menino te acompanhou a vida inteira.
Pois ao cabo de cinco décadas passadas nos estádios
não encontraste ninguém igual ou sequer pouco inferior.
Adolescente e imberbe ainda, venceste os homens maduros,
em jovem os da tua idade e, já velho, até os jovens.
402
Lido a par do epigrama seguinte e do núm. 377B, percebe-se que
os três atletas da família e da mesma equipa de Constantino (os Verdes)
são Faustino pai, Faustino filho e Urânio.
403
Competia-lhe, entre outras tarefas, a organização das corridas.
162
O Apêndice de Planudes
373.
Sobre o mesmo
Desejaria a cidade que Constantino fosse sempre o seu auriga,
desejaria!, mas não consentiu a Natureza no seu desejo.
Por isso encontrou nesta estátua consolo para as suas saudades,
para que nem o olvido nem o tempo o arrebatassem,
antes o amor permanecesse nos que o choram, a inveja nos
[aurigas,
a elegância nos estádios e a sua reputação para os vindouros.
E que alguém, no futuro, quando contar com aurigas inferiores,
elogie a geração anterior à qual foi dado contemplá-lo.
374.
Sobre o mesmo
Constantino, vinte e cinco corridas vencendo
numa mesma manhã, com os rivais trocou
de cavalos e com eles, os que antes vencera,
com eles de novo obteve vinte e uma vitórias.
Muitas vezes discutiu o povo qual das duas fações
ficaria com ele, e teve de escolher entre duas casacas404.
375.
Sobre o mesmo
Desperta, Constantino! Porque dormes um brônzeo sono405?
O povo reclama pelo teu carro nos estádios,
404
Vd. núm. 343B e nota ad loc.
405
Inspirado em Ilíada 11.241.
163
Antologia Grega XVI
376.
Sobre o mesmo
Urânio, tendo triunfado por ambas as fações,
foi o único que de ambas obteve glória,
quando dirigia ainda o carro. A primeira estátua obteve-a
da parte dos Verdes, essa que está perto deles406.
E eles, quando abandonou o estádio, devolveram-no
às quadrigas407 em lembrança do primeiro triunfo.
377.
Sobre o mesmo
Quando deixou os estádios, após conseguir brilhantes vitórias,
o Imperador devolveu Urânio às quadrigas triunfantes,
406
I.e. perto da sua tribuna no Hipódromo.
407
Por via da recolocação da sua estátua ou pela edificação de outra,
um grupo escultórico no caso.
164
O Apêndice de Planudes
378.
Sobre o mesmo
Urânio está próximo de Niceia e da Nova Roma409,
tendo numa nascido e na outra obtido glória.
De onde quer que ele seja vencia sempre, hábil que era
ora no pelotão da corrida, ora na ultrapassagem.
Por isso o representaram no metal dourado,
no mais precioso metal, a esse precioso auriga.
408
Pélops, que tinha em Olímpia o seu túmulo, vencera na corrida a
Enómao, pai da sua futura esposa, Hipodamia. No estádio de Olímpia,
na linha da meta havia uma estátua de Hipodamia prestes a coroar o
seu prometido, e é de supor que o mesmo se passasse no Hipódromo de
Constantinopla, o que pode explicar o cognome dado a Urânio.
409
Constantinopla.
165
Antologia Grega XVI
380.
Sobre Porfírio, da fação dos Azuis. Estas imagens estavam
gravadas no teto da antecâmara imperial412; trata-se de aurigas
antigos.
410
Além desta estátua, Juliano inspirou os frescos ou mosaicos de que
os núms. 386-387 constituem écfrases.
411
Os núms. 379-387 constituem adições de Planudes a partir de
outra fonte manuscrita. Trata-se de epigramas tardios que procuram
imitar os anteriores.
412
As oito composições finais da série, um conjunto de peças iâmbicas
com cinco versos cada uma, já não são epigramas dedicatórios, antes epi-
díticos, compostos – segundo o lema de Planudes – a partir das imagens
dos mosaicos (ou frescos) do teto de uma câmara imperial. Também a sua
proximidade com o epigrama de Tomás Anastásio sugere uma datação
entre os séculos IX-X. Vd. Introdução.
166
O Apêndice de Planudes
381.
Sobre o mesmo
Ao despontar da primeira barba primeiro segurou
as rédeas este Porfírio, filho de Calcas, um Azul.
Que maravilha, como uma mão pôde assim pintar
os seus cavalos cheios de vida! Basta que de novo os açoite,
estou em crer, e de novo os conduzirá à vitória.
382.
Sobre Faustino, da fação dos Verdes
Contempla o labor do arquiteto deste edifício!
Não o tivesse ele coberto com resistente telhado,
e aos céus se elevaria Faustino na corrida,
como em vida com os cavalos, ele, antiga glória dos Verdes.
Retire-se o telhado, e ele alcançará o céu.
383.
Sobre o mesmo
Este é Faustino, o condutor de carros de outrora,
graças a quem a gente da fação dos Verdes
por completo desconhecia a derrota na corrida.
Era um velho, como vês! Mas o seu vigor
167
Antologia Grega XVI
384.
Sobre Constantino, o auriga dos Brancos
Constantino, segurando as rédeas da fação Branca
como se a solidez do edifício não pudesse retê-lo,
venceu os outros três, e elevando-se primeiro aos céus
podes agora vê-lo, já sem vida, competir nas alturas.
Mas arte convence-me que tem vida esse ser que vejo.
385.
Sobre o mesmo
Este era Constantino, o que nos tempos de outrora
engenhosamente conduzia a quadriga de cor branca.
Desde que Caronte o arrebatou, com ele se foi
o brilho da competição das corridas de cavalos,
além de todo o prazer e toda a arte do teatro.
386.
Sobre Juliano, auriga dos Vermelhos
Uma mão sabe dar vida aos que há muito morreram.
Pois Juliano recupera agora o vigor de antanho,
puxando e repuxando as rédeas dos Vermelhos.
Perfila-se aqui, pintado no alto com o seu carro;
a sua mão espera o sinal – abri-lhe pois a barreira!
168
O Apêndice de Planudes
387.
Sobre o mesmo
Este Juliano, com o carro dos Vermelhos,
venceu na corrida os seus adversários.
Concedesse-lhe o pintor também o dom da vida,
e de novo estaria pronto a conduzir o carro
e chegar primeiro, pronto até para receber a grinalda.
169
Antologia Grega XVI
Epigramas Diversos413
387b.
Terminada a competição, saltei de um potro e aqui estou.
Terminada a colheita, fiz um celeiro que ostenta um teto.
Escapando à estação dos ventos plantei as minhas árvores.
387d.
Sábio que sou, e vivendo já nas alturas, na graça das alturas,
[do que existe
cá em baixo me rio e digo: “Se estou acima dos tumultos,
[é por ser sábio”.
413
Planudes agrupou estes epigramas (387b-d), que ele mesmo de-
signou de “versos caranguejo”, na secção VI (epigramas votivos). Resulta
difícil extrair-lhes grande sentido, além da reunião de versos soltos.
170
O Apêndice de Planudes
414
O poema, normalmente editado como número 6 dos Anacreontea,
foi apenas transmitido por Planudes na secção VII (epigramas de amor).
171
(Página deixada propositadamente em branco)
Índice de epigramatistas
Índice de epigramatistas
Agátias, o Escolasta (c. 536-582) 36, 41, 59, 72, 80, 109, 244, 331, 332
Alexandre da Etólia (séc. IV-III a.C.) 172
Alceu de Messene (séc. II a.C.) 5, 7, 8, 196, 226
Alfeu de Mitilene (séc. I) 212
Ânite de Tégea (séc. III a.C.) 228, 231, 291
Antípatro de Sídon (séc. II a.C.) 131?, 133, 167, 176?, 178, 220
Antífilo de Bizâncio (séc. I) 136, 147, 333, 334?
Antípatro de Tessalónica (séc. I a.C.) 75, 143, 176?, 184, 197, 290, 296?,
305
Antístio (séc. I a.C.) 243
Apolónides (séc. I a.C.) 49, 50, 239
Apolónio de Esmirna (ante séc. I) 235
Arábio, o Escolasta (séc. VI) 39, 144, 148, 149, 225, 314
Arquelau do Egito (séc. IV a.C.) 120?
Árquias de Antioquia (séc. II-I a.C.) 94, 154?, 179?
Asclepíades de Samos (séc. III a.C.) 68?, 120?
Bianor, o Gramático (séc. I) 276
Cosmo (séc. VI) 114
Cornélio (séc. I a.C.?) 117
Crinágoras de Mitilene (séc. I a.C.) 40, 61, 199, 273
173
Índice de epigramatistas
174
Índice de epigramatistas
175
(Página deixada propositadamente em branco)
Índice de epigramatistas
177
10. Paula Barata Dias: Plutarco. Obras Morais - Como Distinguir um
Adulador de um Amigo, Como Retirar Benefício dos Inimigos, Acerca
do Número Excessivo de Amigos. Tradução do grego, introdução e
notas (Coimbra, CECH, 2010).
11. Bernardo Mota: Plutarco. Obras Morais - Sobre a Face Visível no
Orbe da Lua. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra,
CECH, 2010).
12. J. A. Segurado e Campos: Licurgo. Oração Contra Leócrates. Tradução
do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH /CEC, 2010).
13. Carmen Soares e Roosevelt Rocha: Plutarco. Obras Morais - Sobre o
Afecto aos Filhos, Sobre a Música. Tradução do grego, introdução e
notas (Coimbra, CECH, 2010).
14. José Luís Lopes Brandão: Plutarco. Vidas de Galba e Otão. Tradução
do grego, introdução e notas (Coimbra, CECH, 2010).
15. Marta Várzeas: Plutarco. Vidas de Demóstenes e Cícero. Tradução do
grego, introdução e notas (Coimbra, CECH, 2010).
16. Maria do Céu Fialho e Nuno Simões Rodrigues: Plutarco.
Vidas de Alcibíades e Coriolano. Tradução do grego, introdução
e notas (Coimbra, CECH, 2010).
180
42. Marta Várzeas: Dionísio Longino. Do Sublime. Tradução do
grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e
Annablume, 2015).
181
(Página deixada propositadamente em branco)
A Antologia de Planudes, conservada no autógrafo
Marcianus gr. 481 do século XIV, foi durante os séculos
XVI-XVIII a única recensão do epigrama grego conhecida
e divulgada e exerceu, por isso mesmo, uma influência
notável na poesia e na cultura moderna em geral. Texto
pedagógico nuclear para alunos renascentistas de grego e
latim, com frequência constituía o seu primeiro contacto
com a literatura grega. Poetas e escritores de todos os
tempos dela se serviram. Erasmo, que copia e comenta nos
Adagia cerca de cinquenta componentes, mas também os
Emblemmata de Alciato, pela primeira vez publicados em
1492, que ilustram, traduzem para latim e comentam um
muito maior número de epigramas. O presente volume
oferece em tradução os epigramas transmitidos por
Planudes que estão ausentes do Palatinus, nas edições
modernas publicados como Livro XVI da Antologia
Grega. A grande maioria destes textos (356 de um total
de 392) provém do capítulo IV do Marcianus, recolha de
epigramas descritivos ou ecfrásticos. Destes, realçam os
componentes dedicados aos aurigas de Constantinopla
(núms. 335-386), textos que a arqueologia demonstrou
terem conhecido a forma inscrita.
OBRA PUBLICADA
COM A COORDENAÇÃO
CIENTÍFICA