Anne-Marie Thiesse
Europa não ter a mesma raça, a mesma língua e as mesmas aspirações, mas não
tem; e os diferentes grupos que nela subsistem não parecem, nem uns nem outros,
*Anne-Marie Thiesse (2000)- A Criação das Identidades Nacionais. Lisboa: Temas e Debates
[1999], pp. 15-22.
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concebida como uma ampla comunidade, unida por laços que não se resumem à submissão a
um único soberano, nem à pertença a uma única religião ou a um mesmo estrato social. Não
é o monarca que a determina, sendo a sua existência independente dos acasos da história
dinástica ou militar. A nação é muito semelhante ao Povo da filosofia política, Povo esse
que, segundo os teóricos do contrato social, pode por si só conferir legitimidade ao poder.
Mas é mais do que isso. O Povo é uma abstracção, a nação é viva.
1
Ernest Renan, «Qu’est-ce qu’une nation?», conferência proferida na Sorbonne a 11 de Março de 1882,
primeira publicação: Bulletin hebdomadaire, Association scientifique de France, 26 de Março de 1882; in
Oeuvres completes, Paris, Calmann-Lévy, 1947 (edição crítica de Henriette Psichari), tomo I, secção «Discours
et conférences».
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e colectiva. Um vasto campo de experimentação, sem mestre-de-obras e, contudo, com uma
intensa animação, abriu-se na Europa no século XVIII e conheceu no século seguinte um
período de grande produtividade. Uma das suas características foi ser transnacional.
Não é que tenha havido um acordo prévio e uma divisão do trabalho: mas todas as
equipas nacionais estavam muito atentas ao que os seus pares e concorrentes faziam,
apressando-se a tomar como sua qualquer nova descoberta identitária, sendo esta imitada,
por sua vez, assim que revelava aperfeiçoamento e inovação. Quando os letrados alemães
exortaram, com sucesso, os seus compatriotas a seguir o exemplo inglês na exumação do seu
património cultural nacional, foram logo seguidos pelos seus homólogos escandinavos ou
russos, que começaram a inspirar-se nos Alemães. Algumas décadas mais tarde, os eruditos
franceses fustigaram os seus cidadãos por demorarem a iniciar um empreendimento onde
russos, espanhóis e dinamarqueses se haviam destacado. As exposições internacionais,
lugares por excelência de exibição identitária, foram, a partir de meados do século XIX,
ocasiões privilegiadas para esse comércio simbólico. As rivalidades foram intensas, mas na
generalidade pacíficas, os acordos frequentes, bem como as trocas de conselhos ou, mesmo,
os encorajamentos aos principiantes.
2
Orvar Löfgren, «The Nationalizarion of Culture», em National Culture as Process, reedição de Ethnologica
Europea, XIX, 1, 1989, pp. 5-25.
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categorias elementares, pertence agora ao domínio público mundial: a Europa exportou-o
quando impôs às antigas colónias o seu modo de organização política. O recurso à lista
identitária é o meio mais banal de representar uma nação, visto tratar-se daquele que mais
rapidamente é assimilado: seja nas cerimónias dos Jogos Olímpicos, nas festividades que
acompanham a visita de um chefe de Estado estrangeiro, na iconografia postal e monetária
ou na publicidade turística.
3
Die Schweizermacher (Os Fazedores de Suíços), comédia de Rolf Lissy, Suíça, 1978.
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debates actuais sobre a noção da integração levantam a questão essencial, sem a aprofundar:
em que é que se devem afinal integrar os estrangeiros que habitam o solo nacional, e quais
as provas tangíveis que têm de fornecer da sua vontade e capacidade para o fazer? É
evidente que o que está em jogo não é apenas a adesão dos imigrantes às leis fundamentais
do Estado...
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